Folha do Educador

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MEIO AMBIENTE LITERATURA TEATRO TECNOLOGIA HISTÓRIA A Ritalina e o sonho dourado de Hitler A Droga da obediência UMA PUBLICAÇÃO DO D'INCAO INSTITUTO DE ENSINO Junho / 2010 N 0 5 FOLHA DO EDUCADOR Nova York agora exporta seu lixo A luta pela sobrevivência no interior Um imperador europeu no México Os últimos dias de Oscar Wilde A escola informatizada adequadamente PÁG. 12 PÁG. 09 PÁG.11 PÁG. 16 PÁG.10

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MEIO AMBIENTE

LITERATURA

TEATRO

TECNOLOGIA

HISTÓRIA

A Ritalina e o sonho dourado de Hitler

A Droga da obediênciaUMA PUBLICAÇÃO DO D'INCAO INSTITUTO DE ENSINO

Junho / 2010 N05

LITERATURA

HISTÓRIA

FOLHA DO EDUCADOR

Nova York agora exporta seu lixo

A luta pela sobrevivência no interior

Um imperador europeu no México

Os últimos dias de Oscar Wilde

A escola informatizadaadequadamente

PÁG. 12

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MEIO AMBIENTE

TEATROA luta pela sobrevivência

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2 FOLHA DO EDUCADOR 2010

Carlos D’Incao

Não é novidade para aqueles que compreendem a dinâ-

mica da sociedade contemporâ-nea o fato de o sistema capita-lista não apenas produzir merca-dorias, mas também produzir as necessidades para o consumo de sua produção. A operação lógi-ca de nosso sistema econômico transita em todos os setores de nossa sociedade, em todas as in-dústrias e motivando uma trans-formação na própria relação do indivíduo para com o seu mun-do material. A indústria farmacêu-tica não é exceção. Ela precisa produzir a mercadoria e tam-bém precisa produzir a necessi-dade. Ela opera dentro da lógica do capital. Se essa operação ain-da não se traduz na sua forma mais plena é porque o próprio capital não tem ainda o pleno e absoluto controle sobre a pro-dução. Há ainda resistências, há ainda questionamentos e sobre-tudo, há ainda tentativas de su-perar essa lógica do capital sobre a forma de luta organizada. A Ritalina é apenas o pico de um enorme iceberg que vem no sentido de colidir de forma frontal e nociva com a nossa realidade - já bastante combalida pela reprodução de uma lógica econômica histori-camente desgastada. Mesmo as-sim, vale a pena dedicarmo-nos a esse fenômeno, que está longe de ser simples de entender. A sociedade contempo-rânea, nos últimos vinte anos, passa por uma guinada reacio-nária que ataca de forma frontal e deliberada todos os avanços conquistados pelas lutas sociais

a favor das classes produtivas. Essa guinada é conhecida como “desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social”. As políticas neoliberais querem retirar os avanços democráticos que ainda insistem em sobreviver dentro do Estado. Seus ataques não se resumem a apenas cortes finan-ceiros, mas também a propostas de novas “leituras administrati-vas”, reformas “modernizado-ras” e à adoção de métodos su-postamente mais “eficientes” e adequados à “nova realidade”. Dentro de todas as con-quistas sociais, a educação públi-

ca e gratuita é aquela que mais sofre ataques de todas as formas e frentes. A educação não ape-nas sofre com cortes em investi-mentos, mas também é obriga-da cada vez mais a se submeter à adoção de “novas pedagogias” supostamente mais modernas e adequadas à realidade - que na verdade apenas têm como meta a retirada da transmissão do co-nhecimento do cerne da educa-ção e a descaracterização da fun-ção do já pauperizado professor. Cria-se assim um ambiente de entropia e empobrecimento cul-tural da classe trabalhadora.

Diante desse ambiente onde afloram concepções ide-alistas e naturalizantes do de-senvolvimento do ser humano, a escola tem cada vez mais pro-duzido os denominados “não-adaptados”, na verdade produto do fracasso do próprio modelo educacional, modelo este que não se limita ao espaço escolar, e acaba também contaminando as concepções mais amplas de educação no ambiente familiar e social. Esses “não-adaptados” precisam ser explicados fora do sistema, não como produtos

dele. A culpabilização do fracasso escolar (segundo os que defendem a medicali-zação) não visa nem à esco-la, nem aos pais: a culpa só pode ser da criança. A úni-ca terapia, vista pelos atu-ais modelos escolares como adequada, é aquela que vem atender à mesma ideologia do sistema, isto é, aquela que vem no sentido de explicar o fenômeno da não adap-tação a partir das estruturas intra-psíquicas do indivíduo, estruturas estas de origem

e funcionamento “complexos” mas que sempre tendem a reve-lar problemas de origem fisioló-gica. Pronto. Basta agora uma simples nomenclatura e temos uma doença do comportamen-to, chamada por um impreciso, porém charmoso, termo: “trans-torno”. Como tratar esses ‘trans-tornos” do comportamento? A indústria farmacêutica tem a res-posta: Ritalina. Efeitos colaterais? Existem muitos. Problemas? Ne-nhum! Existem já os medicamen-tos que atuam sobre os efeitos co-laterais. Resultado: dependência e necessidade. Dessa forma, o neolibe-ralismo criou os transtornos que criaram a Ritalina que criou a ne-cessidade. Não necessariamente nessa ordem, mas necessariamen-te dentro do mesmo propósito. Quebrar esse propósito vai além de quebrar o uso do medicamen-to. É necessário superarmos a ló-gica que produziu essa realidade: a lógica do capital que gera desde a guerra até crianças que se dro-gam e se viciam aos quatro anos de idade em um já não tão mais “admirável mundo novo”.

EDITORIAL

ARTIGO

A quinta edição da Fo-lha do Estudante aborda um tema complexo e controvertido: a medicalização no ambiente

escolar. O uso de drogas fabri-cadas pelos grandes laboratórios e receitadas pelos médicos para curar supostas doenças com-

portamentais está aumentando consideravelmente nas salas de aula.

Num pacto bem ur-

dido, governo e indústrias se unem com dois intuitos bem claros: lucrar desmedidamen-te e desviar o foco dos proble-

mas educacionais causados pelo próprio governo, culpando do-enças inexistentes pelo nosso baixo nível educacional.

indústrias, governos e médicos compactuam uma suposta cura para a educação através do uso indiscriminado de drogas.

Folha do Educador CNPJ 09028502/0001-03

Editor Chefe:Carlos D’Incao

Editores Colaboradores:Paulo NevesPedro D’Incao

Jornalista Responsável:Paulo Neves /MTB: 10.253/SP Luís Paulo Domingues/MTB: 42.489/SP

Diagramação e Projeto Gráfico: Marcelo Rino

Endereço:Rua Fuas de Mattos Sabino, 15-65 Bauru-SP / Tel: (14) 3227-3524Uma publicação D’Incao Instituto de Ensino

Assinaturas: (14) 3227-3524Entre em contato com a redação [email protected]

A Ritalina, o mercado e o neoliberalismoA indústria farmacêutica também vive da criação de doenças inexistentes e lucros espetaculares

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Carlos D’Incao, Denise D’Incao e

Luis Paulo Domingues

O uso de drogas para corri-gir supostos transtornos

associados ao desempenho e ao comportamento dos alunos to-mou vulto na virada dos anos 60 para os 70 do último século. No Brasil, porém, nunca foi tão grande a adesão de médicos e de falsos educadores a essa prá-tica absurda, desumanizadora e, como esta matéria pretende comprovar, imbuída das pio-res intenções por parte dos la-boratórios farmacêuticos e dos governos. E também por uma certa dose de inocência e amor-tecimento crítico por parte dos pais.

Marisa Eugênia Melillo Meira e Nádia Mara Eidd, psi-cólogas e professoras da Unesp de Bauru, dedicam-se profunda-mente a esse tema, e estão, jun-to com outros colaboradores, prestes a lançar um livro que será fundamental para desmas-carar o uso indiscriminado de medicamentos para “corrigir” distorções de comportamento, os chamados déficits de atenção, em crianças e jovens.

“-Em primeiro lugar, gos-taríamos de esclarecer que nós não somos contra remédios ou contra a medicação de pacientes que têm doenças reais, reconhe-cidas como tal pela medicina”, explica Marisa. “-O foco de nos-sos estudos e o que nós quere-mos combater é essa medicaliza-ção absurda, em que os médicos pretendem tratar doenças que nunca existiram”, completa.

Segundo as pesquisado-ras, o uso desenfreado de re-médios nas salas de aula é um modo que os médicos e os edu-cadores encontraram - juntos em uma parceria muito conve-

niente com os governos - para medicalizar um problema social. Na impossibilidade - ou na falta de vontade política - de resol-ver os problemas da educação, os governos preferem promover a biologização desses mesmos problemas, transformando-os em patologias.

“-É um processo clara-mente ideológico”, diz Marisa. “-A prova disso é que em 116 anos do início da medicalização educacional, nunca a medicina conseguiu comprovar a existên-cia dessas doenças ou transtor-nos”, completa Nádia. E conti-nua: “-Nem no código interna-cional de doenças (CID) essas patologias estão catalogadas.”

O problema verdadeiro, segundo as psicólogas, está na família, no professor e no mo-delo educacional. “-Isso não dá para ser corrigido com remé-dios”, ressalta Nádia. Segundo ela, o maior índice do IDEB

(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) no Brasil é de 3,7, numa escala de 1 a 10. Além disso, apenas 4,8% das crianças de 4a série dominam a língua escrita.

“-O que significa isso?”, pergunta Nádia. “-Como é que supostas doenças podem justifi-car uma escola em que a maio-ria não aprende? Se isso fosse verdade, ou seja, se a maioria estivesse com déficit de aten-ção, hiperatividade ou qualquer outra dessas doenças fantasio-sas, seria o caso de constatar-mos uma verdadeira mutação genética nas novas gerações”, ironiza. E complementa: “-É inconcebível que a biologia condicione o comportamento dos seres humanos. O problema da atenção em sala de aula, por exemplo, é um problema que se resolve através do ensino. A atenção se produz através do en-sino”.

A exclusão dos incluídos

O subtítulo acima é o tema do livro de Marisa Meira, com a par-ticipação de Nádia e de diversos outros estudiosos, que mostra como o governo usa essa biologi-zação dos problemas educacionais

para se eximir de sua responsabili-dade de educar. “-No passado não havia escola para todos, então ha-via um porquê um tanto lógico de as pessoas não aprenderem. Agora o ensino chegou a todos, mas as taxas de repetência são muito al-tas. Para justificar o não aprendi-zado, o governo paulista criou a

progressão continuada, que está associada ao construtivismo (que também possui uma visão biolo-gizante da educação), e a medica-lização foi a solução que o Esta-do encontrou para os problemas pedagógicos do aluno”, discorre a psicóloga. “-Só que isso significa a negação de um ensino de qua-

lidade para grande parte da po-pulação. É uma maneira extrema-mente ideológica que o governo e o poder têm de manter a exclusão. Assim como o construtivismo, a medicalização vem como o esva-ziamento do papel do professor e da escola, como um instrumento de dominação ”, complementa.

A Droga da obediênciaD’Incao entrevista especilistas e declara guerra às drogas do comportamento

CAPA - MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

Como em "Laranja Mecânica": a ritalina teria capacidade de "controlar" a mente do estudante; no filme não deu certo.

A medicalização representa a negação de um ensino de qualidade para grande parte da população.

Indústria farmacêutica

“-A indústria farma-cêutica também está no cerne da questão”, diz Nádia. “-Os fabricantes precisam vender cada vez mais, então criam es-ses remédios e inventam diag-nósticos de doenças que não produzem sintomas. Ou seja, criam as doenças e infestam o mercado com remédios para elas”, lamenta.

“-E como ninguém de-bate esse assunto, como esse absurdo é ignorado pela maio-ria, não há a preocupação nem de esconder o processo”, diz Marisa. “-O médico, associa-do à indústria farmacêutica, publica trabalhos científicos para justificar a medicalização e coloca no final: esta pesquisa foi financiada pelo laboratório tal”, salienta.

“-Essa parceria das in-dústrias com o Estado está

cada vez mais clara”, explica Marisa. “-É o Estado respon-sabilizando as crianças e ado-lescentes pelos problemas que deveriam ser de sua alçada.

A ritalina no lugar do mediador

A Ritalina, ao lado do Conserta, são os remédio largamente receitados para o déficit de atenção e para a hiperatividade. Mas existem muitos outros. As pesquisado-ras relataram casos de crianças que estavam tomando cin-co medicamentos ao mesmo tempo.

“-O problema da Rita-lina é que ela vem substituir o mediador, que é naturalmente o professor”, dizem as pesqui-sadoras. E ainda rebatem o conceito de hiperatividade:

“-Não é que as pessoas sejam hiperativas. A sociedade

contemporânea já é hiperati-va. Hoje o ritmo de vida é um e o ritmo da escola é outro. Acabamos vendo descalabros como casos de alunos que aca-baram de iniciar a vida escolar e já são diagnosticados como doentes. Não há nem o tempo de adaptação”, dizem.

“-Muitas vezes, a crian-ça não se adapta porque a própria escola não faz mais sentido para o aluno”, ressal-ta Marisa. “-Para se produzir e adquirir conhecimento, é pre-ciso atribuir significado a esse conhecimento. O que a escola está fazendo nesse sentido?”, indaga.

Marisa explica que a ri-talina veio para substituir os antidepressivos, para superá-los. Em 1996, diz ela, o Prozac vendeu mais que a Aspirina. Superar o Prozac, portanto, significa uma soma imensa de dinheiro.

Transtorno de opositor e desafiante (TOD) Segundo Marisa e Nádia, esse será o novo “lançamento” da indústria farmacêutica e da falsa medicina. Uma forma de abater o pensamento crítico já no nascedouro. Qualquer pessoa que questionar o que está estabelecido poderá virtualmente ser diagnosticada como doente. O problema, segundo elas, é que nem se discute quais são as regras que estão sendo desafiadas. Simplesmente, exclui-se o debate. Na internxet encontra-se artigos definindo a TOD (ou TDO), como no endereço http://www.scielo.br/pdf/rbp/v26n4/a13v26n4.pdf , cuja introdução está a seguir: O transtorno desafiador de oposição (TDO) é um transtorno disruptivo, caracterizado por um padrão global de desobediência, desafio e comportamento hostil. Os pacientes discutem excessivamente com adultos, não aceitam responsabilidade por sua má conduta, incomodam deliberadamente os demais, possuem dificuldade em aceitar regras e perdem facilmente o controle se as coisas não seguem a forma que eles desejam. O DSM-IV, o sistema diagnóstico mais amplamente utilizado, define o diagnóstico como um modelo de comportamento que satisfaz quatro (entre oito) critérios por pelo menos seis meses com disfunção social ou ocupacional. A prevalência de TDO em amostras da comunidade está em torno de 6%.

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CAPA - MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

Como avaliar:

1) se existem pelo menos 6 itens marcados como “BASTANTE” ou “DEMAIS” de 1 a 9 = existem mais sintomas de desatenção que o esperado numa criança ou adolescente.

2) se existem pelo menos 6 itens marcados como “BASTANTE” ou “DEMAIS” de 10 a 18 = existem mais sintomas de hiperatividade e impulsividade que o esperado numa criança ou adolescente.

O questionário SNAP-IV é útil para avaliar apenas o primeiro dos critérios (critério A) para se fazer o diagnóstico. Existem outros critérios que também são necessários.

IMPORTANTE: Não se pode fazer o diagnóstico de TDAH apenas com o critério A! Veja abaixo os demais critérios.

CRITÉRIO A: Sintomas (vistos acima)

CRITÉRIO B: Alguns desses sintomas devem estar presentes antes dos 7 anos de idade.

CRITÉRIO C: Existem problemas causados pelos sintomas acima em pelo menos 2 contextos diferentes (por ex., na escola, no trabalho, na vida social e em casa).

CRITÉRIO D: Há problemas evidentes na vida escolar, social ou familiar por conta dos sintomas.

CRITÉRIO E: Se existe um outro problema (tal como depressão, deficiência mental, psicose, etc.), os sintomas não podem ser atribuídos exclusivamente a ele.

Histórico

-1937: experiências com anfetamina em larga escala na Alemanha nazista.

-década de 1960: iniciou-se a onda de medicação em massa através de uma experiência pioneira com crianças que viviam em um orfanato.

-virada das décadas de 1960 e 1970: 1 milhão e 800 mil pessoas usam ritalina nos Estados Unidos.

-década de 1970: uso em larga escala de ritalina entre universitários.

-década de 1980 até hoje: aumento gradativo e assustador do emprego dessas drogas em crianças e adolescentes.

Consequências do uso de Ritalina (retirado da bula do remédio)

RITALINA é um estimulante do sistema nervoso central. Seu me-canismo de ação no homem ain-da não foi completamente elu-cidado, mas   presumivelmente ele exerce seu efeito estimulante ativando o sistema de excitação do tronco cerebral e o córtex. O mecanismo pelo qual ele produz seus efeitos psíquicos e compor-

tamentais em crianças não está claramente estabelecido, nem há evidência conclusiva que de-monstre como esses efeitos se relacionam com a condição do sistema nervoso central.

RITALINA - Reações adversasO nervosismo e a insônia são as reações adversas mais comuns. Ocorrem no início do tratamen-to e são usualmente controla-dos pela redução da dose e pela omissão da dose da tarde ou da noite. A diminuição de apetite é

também comum, mas geralmen-te transitória.Sistema nervoso central e perifé-rico.Ocasionais: Cefaléia, sonolência, tontura, discinesia.Raras: dificuldades de acomoda-ção da visão e visão embaçada.Casos isolados: hiperatividade, convulsões, cãimbras, movimen-tos coreoatetóides, tiques ou exacerbação de tiques pré- exis-tentes e síndrome de Tourette, psicose tóxica (algumas vezes com alucinações visuais e tác-

teis), humor depressivo transitó-rio, arterite e/ou oclusão cerebral.Trato gastrintestinal:Ocasionais: dor abdominal, náu-sea, vômito. Ocorrem usualmen-te no início do tratamento, po-dendo ser aliviados pela ingestão concomitante de alimentos. Boca seca.Sistema cardiovascular:Ocasionais: taquicardia, palpi-tação, arritmias, alterações da pressão arterial e do ritmo car-díaco (geralmente   aumenta-do).

Rara: angina pectoris.Pele/hipersensibilidade:Ocasionais: rash, prurido, urticá-ria, febre, artralgia, alopecia.Casos isolados: púrpura trom-bocitopênica, dermatite esfolia-tiva e eritema multiforme.Sangue:Casos isolados: leucopenia, trombocitopenia e anemia.Outras:Raras: redução moderada do ganho de peso e leve retarda-mento do crescimento, durante terapia prolongada em crianças.

Veja se você tem déficit de atençãoResponda o questionário da Sociedade Brasileira de Déficit de Atenção para diagnosticar a doença em crian-ças e adolescentes. (www.tdah.org.br/diag01.php ) Obs: interessante perguntar: se qualquer pessoa pode diagnosticar o TDAH, qual a importância do médico e da medicina no proceso?

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CAPA - MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO - ENTREVISTA

Profª Drª Maria Aparecida Affonso Moysés (Profª Titular de Pediatria

Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP)

Profª Drª Cecília Azevedo Lima Collares (Profª Adjunta em Psicologia Educacional (aposentada) Faculdade de

Educação da UNICAMP )

Como vocês enxergam a me-dicalização adotada como prática corriqueira no am-biente escolar?

Antes de respondermos sua pergunta, é necessário definir a medicalização. Trata-se de um processo cada vez mais frequen-te na sociedade ocidental e que desloca a origem e possíveis so-luções de um problema coletivo, geralmente de ordem política e social, para o plano individual e, na maioria das vezes, biológico, transformando-o artificialmente em uma ‘doença’ para a qual a medicina teria a solução.

Uma das facetas mais co-muns da medicalização reside no campo do comportamento e da cognição, justamente os de maior sofisticação no ser huma-no e cuja avaliação é mais com-plexa. Hoje vivemos um período em que crianças e adolescentes estão sendo intensamente medi-calizados, seja por apresentarem comportamentos distintos de um padrão de normalidade – definido por quem? Lembremos que comportamentos não são biologicamente determinados, mas resultantes de construções históricas, sociais e culturais –, seja por apresentarem modos de aprender distintos de um pre-tenso padrão de normalidade rigidamente único, uniforme e uniformizador, no qual não há espaço para a rica diversidade das pessoas. Nesse padrão artifi-cial de normalidade, em que pre-tendem nos enquadrar, os que se distinguem, com grande chance serão rotulados como portadores de TDAH (transtornos por défi-cit de atenção e hiperatividade) e/ou algum distúrbio de apren-dizagem, dos quais o mais comu-mente aplicado é a dislexia.

É importante destacar que a existência dessas entida-des nosológicas, TDAH e disle-xia, é questionada no interior da própria Medicina, inclusive no campo da Neurologia e da Psi-quiatria. Esse questionamento se baseia em alguns pontos, sendo os mais relevantes: a) trata-se de pretensas doenças neurológicas que comprometeriam exclusi-vamente o comportamento e a aprendizagem, duas áreas de extrema complexidade em suas manifestações e cuja avaliação é extremamente difícil; b) ausên-cia de critérios diagnósticos pre-cisos e explícitos, que definam com clareza quais as caracterís-

ticas das alterações que permiti-riam afirmar que se estaria frente a uma manifestação de doença neurológica e não de manifesta-ções no campo psi, especialmen-te as reativas ao entorno familiar e social da criança e do adoles-cente, além das decorrentes de diferenças de valores culturais e mesmo da desigualdade social; c) as pesquisas nesse campo, divul-gadas como comprovadoras da existência da entidade, de modo geral não preenchem os requisi-tos mínimos de rigor científico da pesquisa epidemiológica em que se enquadrariam, pois apre-sentam falhas gritantes em tama-nho e composição da amostra (pequenos grupos, seleção inten-cional, ausência de tratamento estatístico em todas as etapas da pesquisa, desde a amostragem até o trabalho com os dados), na explicitação dos critérios de inclusão e exclusão nos grupos de controle e experimental (dito de outro modo, como foi feito o diagnóstico de TDAH e de normalidade) e no desrespeito aos limites postos pelo desenho das pesquisas, com conclusões sobre relações causais que mini-mamente não se sustentam. Daí, já se pode afirmar que o mínimo que se esperaria, do ponto de vis-ta da ciência, seria uma grande cautela em afirmar a existência da entidade e mais ainda em fir-mar tal diagnóstico.

Em segundo lugar, e não menos importante, agregue-se as taxas de prevalência divulgadas, variando de 10 a 20%! Lembre-mos que em saúde não usamos percentagem como referência para doenças biológicas, mas taxas da ordem de 1/100.000, 1 por milhão; porcentagem só cabe quando falamos de doenças sociais, como verminose, desnu-trição, anemia. Aqui, se estaria falando de uma doença neuro-lógica, constitucional e inata ao indivíduo, exclusivamente de or-

dem biológica, pretensamente de origem genética. Ora, pretender que algo assim acometa 18% da população seria admitir a extin-ção da normalidade e, no limite, a involução da espécie humana.

Em síntese, existe uma grande controvérsia sobre a exis-tência das entidades nosológicas conhecidas como TDAH e dis-lexia.

Explicitados nossos re-ferenciais teórico-científicos, podemos agora voltar à sua per-gunta, para responder direta-mente que crianças normais, que apenas não se enquadram em limites externamente impostos, construídos a partir de valores baseados em concepções ideoló-gicas – e não científicas, menos ainda referenciadas em processos de saúde –, têm sido rotuladas como portadoras de TDAH e de dislexia. Então, todas as crianças ou adolescentes que recebem esse diagnóstico, na verdade, estão sendo rotulados e estigmatizados como doentes e responsabiliza-dos por problemas coletivos e não individuais, geralmente de ordem social e política.

A partir da rotulação como doentes, passam a receber uma medicação que potencial-mente provoca reações adversas frequentes e graves. Uma reação bastante descrita em textos de farmacologia consiste na atitude “zumbi-like”, em que a pessoa passa a agir como um zumbi, contido em si mesmo, não por magia ou vudu, mas por uma droga. Quimicamente contidos. Os que não se submetem às nor-mas impostas (por quem? Por quais instâncias decisórias?) são quimicamente assujeitados.

Profissionais bem forma-dos sabem perceber e apreender os modos normais de levar a vida - para usar a expressão de Can-guilhem -, os modos inadequa-dos que são apenas reativos a um entorno doentio e reconhecer os

poucos casos, minoria, de pro-blemas reais. Destaque-se que entre os problemas reais, a imen-sa maioria se situa no campo psi, sendo mais raros os problemas de origem exclusivamente bio-lógica, como pretendem alguns que seria o TDAH e a dislexia, que acometeriam de 10 a 20% da população geral. Então, falar em hipermedicação chega a ser inadequado, pois não se trata de medicar em exagero, mas de me-dicar o que não é doença com-provada.

Quais são as consequências e as sequelas que essa prática pode ocasionar no aluno?

Sem dúvida, existem crianças e jovens que aprendem com muita facilidade e outras com grande dificuldade, com um continuum entre os extre-mos. Assim como existem inú-meros modos de aprender e de lidar com o aprendido. O que temos que perguntar é porque alguns insistem em que haja uma única maneira de aprender, um modo certo de se comportar, negando a diversidade dos se-res humanos; por que e a quem interessa pessoas padronizadas, homogeneizadas, conformadas e submetidas às normas vigentes? Não são as pessoas, as crianças e os jovens que estão doentes, quem está doente é a sociedade que estamos constituindo, que ao invés de se dispor a - e se pre-parar para – acolhê-las, atender as necessidades individuais de cada um, aceitar suas diferenças, suas possibilidades e trabalhar para que consiga superar seus próprios limites, exige pessoas padronizadas e conformadas. E a escola é uma das instituições que reflete essa doença que acomete de modo crescente a sociedade ocidental; é uma escola adoecida e que adoece professores e estu-dantes.

A consequência imediata para o estudante é que ele passa a se acreditar doente, responsável por fracassos e problemas que não são seus, mas da própria ins-tituição e da sociedade, das polí-ticas implantadas. Ao incorporar a doença e o fracasso, sua auto-imagem torna-se também doen-te e negativa, com repercussões evidentes sobre sua personalida-de e toda sua vida. Depois, sur-gem também as consequências dos tratamentos, que tendem a reforçar essa pretensa doença como inerente a ele, a um cus-to financeiro muito grande, pois quase sempre longo e multipro-fissional.

Resta falar, por fim, mas não menos importante, das con-sequências dos medicamentos administrados a esses jovens, geralmente da classe dos psico-trópicos – também no Brasil, são mais usados aqueles a base de metilfenidato (Ritalina® e Con-certa®) –, que potencialmente podem provocar reações adversas extremamente graves e severas, em uma porcentagem não des-prezível dos casos. Podem aco-meter todos os órgãos e sistemas, sendo especialmente relevantes o cardiovascular (hipertensão, taquicardia, arritmia, parada car-díaca, entre outros) e o sistema nervoso (agitação, alucinação, psicose, depressão, suicídio), além de grande risco de levarem à dependência química e à dro-gadição.

Quais são os interesses e a participação do governo neste assunto?

Os governantes, autori-dades e paramentares, em todas as esferas e em todos os partidos, infelizmente têm sido, na me-lhor das hipóteses, omissos. Na verdade, mais do que omissos, têm sido permeáveis e suscetíveis às pressões e lobbies de grupos

TDAH e dislexia são questionáveisMaiores especialistas no assunto, pesquisadoras da Unicamp alertam pais e educadores

A biologização de um problema social: ideologia de controle e justificativa de muitos governos estaduais no Brasil.

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CAPA - MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO - ENTREVISTAdefensores de interesses alheios à qualidade de vida, da saúde e da educação da população. As-sim, assistimos, hoje, à apresen-tação e aprovação de projetos de leis propondo políticas voltadas ao “diagnóstico” e “tratamento” dessas pretensas doenças por pro-fissionais contratados para atuar no interior do espaço escolar. De um só golpe, portanto, atingem frontalmente várias conquistas da sociedade brasileira, como o SUS – que preconiza que to-das as ações ligadas à saúde são de responsabilidade e dever dos serviços de saúde, evitando du-plicação e desperdício de recur-sos, além de medidas ineficazes, inadequadas; ou atacam também o direito de todas as crianças e jovens ao acesso a uma educação de qualidade, que é substituí-do pelo pretenso direito de ser diagnosticado como portador de uma doença controversa e de ser tratado como se a origem dos problemas educacionais brasilei-ros estivesse localizada em falhas ou defeitos dos estudantes.

Qual é o papel da indústria farmacêutica no processo de medicalização no am-biente escolar?

Bem, a indústria farma-cêutica é, reconhecidamente, uma parte muito, se não a mais, interessada nesse processo, pois ele quase sempre culmina com a prescrição de medicamentos.

Essa questão tem sido muito pesquisada por Moynihan

e Cassels, jornalistas que têm se dedicado a desvelar as estratégias da indústria de criar e vender do-enças para aumentar seus lucros, e já publicaram vários livros - em 2007, um texto deles foi publica-do em um livro brasileiro. (“Ven-dedores de doença: estratégias da indústria farmacêutica para mul-tiplicar lucros”, no livro “Bioética como novo paradigma: por um novo modelo bioético e biotec-nológico”, que foi organizado por ML Pelizzoli, e publicado pela editora Vozes).

Ouvi-los ajuda a enten-der os modos de agir da indús-tria e a amplificação da medica-lização em ritmo atordoante por interesses financeiros:

“As estratégias de ma-rketing das maiores empresas farmacêuticas almejam agora, e de maneira agressiva, as pes-soas saudáveis. Os altos e bai-xos da vida diária tornaram-se problemas mentais. Queixas totalmente comuns são trans-formadas em síndromes de pâ-nico. Pessoas normais são, cada vez mais, pessoas transformadas em doentes. Em meio a campa-nhas de promoção, a indústria farmacêutica, que movimenta cerca de 500 bilhões de dólares por ano, explora os nossos mais profundos medos da morte, da decadência física e da doença - mudando assim literalmente o que significa ser humano. Re-compensados com toda razão quando salvam vidas humanas e reduzem os sofrimentos, os gigantes farmacêuticos não se

contentam mais em vender para aqueles que precisam. Pela pura e simples razão que, como bem sabe Wall Street, dá muito lucro dizer às pessoas saudáveis que es-tão doentes. [...] Sob a liderança de marqueteiros da indústria farmacêutica, médicos especia-listas e gurus sentam-se em volta de uma mesa para ‘criar novas idéias sobre doenças e estados de saúde’. O objetivo é fazer com que os clientes das empresas disponham, no mundo inteiro, ‘de uma nova maneira de pensar nessas coisas’. O objetivo é, sem-pre, estabelecer uma ligação en-tre o estado de saúde e o medi-camento, de maneira a otimizar as vendas. [...] Comemorando o sucesso do desenvolvimento de mercados lucrativos ligados a novos problemas da saúde, o re-latório revelou grande otimismo em relação ao futuro financeiro da indústria farmacêutica: ‘Os próximos anos evidenciarão, de maneira privilegiada, a criação de doenças patrocinadas pela empresa’.”

Segundo esses autores, pode parecer estranho que in-dústrias farmacêuticas busquem criar novas doenças, mas isto é moeda corrente no meio, tra-duzida em bilhões de dólares anualmente. A estratégia, que consta em relatório do Business Insight, consiste em mudar o modo das pessoas lidarem com seus problemas reais, até então vistos como simples indisposi-ções, convencendo-as de que são dignos de intervenção médica.

A produção mundial de metilfenidato...

(MPH), a droga mais usada para pessoas rotuladas como portadoras de TDAH, cresceu 400% entre 1993 e 2003.

Nos Estados Unidos da América:

A produção de MPH cresceu mais de 800% entre 1990 e 2000; a produção de anfetamina cresceu mais de 2.000% no mesmo período. (U.S. Department of Justice, DEA, 2000).

O consumo de MPH cresceu 600% entre 1990 e 1995; em 1995, correspondia a mais de 80% do consumo mundial. (U.S. Department of Justice, DEA, 1995).

Em 1995, 10 a 12% dos meninos entre 6 e 14 anos ti-nham o diagnóstico de TDAH e recebiam MPH. (Breggin, 1999).

O número de pessoas com diagnóstico de TDAH su-biu de 500.000 em 1985 para 7.000.000 em 1999. (Breggin, 1999).

O número de pesso-as medicadas com Adderall® (dextro-anfetamina) cresceu de 1,3 milhão em 1996 para 6 milhões em 2000. (U.S. Department of Justice, DEA, 1995).

O número de pes-soas medicadas com Ritali-na® em 2007 era 6.000.000; 4.750.000 eram crianças, sen-

do 3.800.000 meninos. Entre 1992 e 2001, o

consumo na Espanha cresceu 8% ao ano; em Portugal, 400 crianças tomavam MPH em 2003; eram 3.000 em 2004 e entre 6.000 e 8.000 em 2006.

No Brasil, as vendas de MPH crescem em ritmo assombroso: 71.000 caixas de Ritalina® em 2000 e 739.000 em 2004 (aumento de 940%); entre 2003 e 2004, o aumento foi de 51%. Em 2008, foram vendidas 1.147.000 caixas, sob os nomes Ritalina® e o su-gestivo Concerta®; aumento de 1.616% desde 2000. Se for incluída a dextro-anfetamina, droga menos utilizada, as ven-das em 2008 ultrapassam 2 milhões de caixas. Nesse ano, ao preço no varejo, gastou-se cerca de 88 milhões de reais com a compra de metilfenida-to.

obs: Dados gentilmente for-necidos pelo IDUM (Instituto de Defesa dos Usuários de Me-dicamentos), em comunicação pessoal, à época em que este texto foi redigido. Atualmen-te, os dados estão disponíveis em http://www.idum.org.br. O IDUM extrai esses dados do IMS-PMB –Pharmaceutical Market – publicação de insti-tuto suíço que levanta e atu-aliza todos os dados do mer-cado farmacêutico brasileiro. Destaque-se que esses dados não incluem os vendidos por farmácias de manipulação.

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2010 FOLHA DO EDUCADOR 7

Denise Del Matto D'Incao

O chamado “distúrbio defici-tário de atenção” é a tenta-

tiva mais enganosa de constru-ção da identidade de crianças e adolescentes que, não conse-guindo um bom desempenho escolar, ou não se adaptando à escola, necessitam de uma in-tervenção medicamentosa para a “cura” do que constitui a es-sência de seu comportamento: a dificuldade de prestar atenção acompanhada ou não por uma atitude hiperativa.

A Trama ...

A imensa credibilidade que o TDAH (Transtorno de déficit de atenção e hiperativida-de) conquista entre os profissio-nais (neurologistas, psiquiatras, psicólogos) deve-se, em parte, ao longo histórico de estudos que datam da época da primei-ra Guerra Mundial. Recebeu durante um certo período a de-signação de Lesão Cerebral Mí-nima, e posteriormente, a partir de 1960, ficou conhecida como Disfunção Cerebral Mínima. Se atentarmos para uma análise mais aprofundada desses estu-dos, notamos que se tratava na realidade de uma trama que bio-logizava um problema, sobre-tudo, social: o fracasso escolar. Culpabilizava-se, então, a crian-ça e o jovem por seu insucesso, aliviando-se a responsabilidade

do papel do governo e da socie-dade quanto à educação. Toda uma nova geração foi arrastada para o vazio, para a ausência de consciência crítica, para a alie-nação política e para a violência. Isso nos faz lembrar a frase de um poema do dramaturgo e po-eta alemão Bertold Brecht “Do

rio cujas águas tudo arrastam se diz violento, mas nada se diz das margens que o comprimem”

O Drama...

A “aura” de seriedade que cercava esses estudos, associada à

falta de uma atitude mais crítica e analítica dos que os aceitavam, tornou o TDAH a resposta para os problemas que afetam milha-res de crianças e adolescentes: desmotivação, desinteresse pelos estudos, comportamentos disci-plinares inadequados em sala de aula, introversão, alheamento

ou hiperatividade, agressividade e outros sintomas decorrentes da incapacidade de focalizar a atenção além de um curto espa-ço de tempo. Não há compro-metimento em relação à inteli-gência. Tratar-se-ia de distúrbios ao nível de neurotransmissores

que transportam o impulso ner-voso nos neurônios e, portanto, justificariam a medicalização.

Consertando o Problema

Eis que entra no cenário o super-herói que resolverá to-dos esses problemas: a poderosa

indústria farmacêutica com sua s mais novas poções mágicas: A RITALINA e o CONSERTA. Tratam-se de estimulantes cog-nitivos que consertarão tudo e cujas receitas estão à disposição de qualquer aluno com dificul-dades escolares, cujos pais, in-

genuamente, consideram pro-blemas médicos. É necessário alertar os pais, professores e os responsáveis por essas crianças quanto às conseqüências desse diagnóstico e a prescrição de psico-estimulantes, encabeça-dos pelo uso de anfetaminas que podem levar a uma toxicomania no futuro. Infelizmente, para apoiar essa atitude, há livros de grande sucesso lançados no mercado brasileiro que reforçam esse triste engodo, tais como: “Mentes inquietas”, “No mun-do da Lua” e outros.

O Outro Lado da Luneta

Na realidade, em nossa prática pedagógica ( somente a minha soma mais de trinta anos) nunca vimos progressos, seja em crianças ou em jovens, que fossem devidos a práticas me-dicamentosas. O progresso só vem em atitudes embasadas em conceitos sérios e aprofundados de educação , numa metodolo-gia correta e amadurecida que une professores e alunos numa práxis na qual se faz presente o esforço, a disciplina e o respei-to pela inteligência de nossos alunos. Só assim criaremos um ambiente de estudo repleto de conteúdo humanístico e tecno-lógico. Sem dúvida algums, isso CONSERTARÁ o problema.

Denise Del Matto D’Incao é professora de filosofia, especialisata em motricidade e diretora de D’Incao Instituto de Esntino

Construindo crianças e adolescentes artificialmenteA Construção da identidade de crianças e jovens desatentos e instáveis

ARTIGO - MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

Anúncio do CONSERTA, campeão de vendas para TDAH, instigando a aprovação dos pais.

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8 FOLHA DO EDUCADOR 2010

Carlos D’Incao

A ideia de controle do com-portamento humano não

é nova. A História bem poderia ter sido feita, desde seus primór-dios, sob a perspectiva da tenta-tiva de controle e dominação de homens sobre outros homens. A mais recente forma de tentativa de controle e domina-ção sistemática da humanidade foi promovida pela ascensão dos regimes fascistas, que encontrou no nazismo sua face mais sofis-ticada e abrangente. O nazismo possuía mais do que um projeto político. Possuía também uma visão de ser humano, que deveria ser dis-seminada em nome do progres-so da própria humanidade. O Homem é dotado de uma biologia bem específica dentro do reino animal. Essa biologia específica lhe permite o desenvolvimento de uma moral e de um comportamento muito mais elevados em comparação a qualquer outra forma de vida existente na natureza. Porém, nem todos os Homens possuem uma moral e um comportamento compro-metidos com o “bem-estar”, a “união” e o “progresso” de sua sociedade. Como os nazistas explicavam esse fenômeno? Pri-meiramente, pela variação bio-lógica existente nos Homens, isto é, devido à existência de raças diferentes no interior do gênero humano.

“A superioridade ariana” Algumas raças teriam elementos biológicos objetivos, que lhes tornariam capazes de gerar civilizações avançadas e expressões morais, éticas e ar-tísticas superiores às de outras raças. Essas raças teriam sido capazes de se organizar de for-ma progressista e coesa na for-ma de Estado Nacional. A ideia de uma nação unida pelo pro-gresso em harmonia só existiria nas raças mais desenvolvidas. As outras raças, por se-rem dotadas de características genéticas degeneradas, ou por não terem um organismo com as mesmas virtudes das primei-ras, só teriam atingido formas incompletas e irracionais de vida social: formariam, então, tribos, civilizações teocráticas ou, em último caso, nem mes-mo conseguiriam se consti-tuir de forma organizada e fixa

como sociedade ao longo de sua História. Este seria o caso dos judeus e dos ciganos, por exem-plo. As raças inferiores deve-riam ser eliminadas, pois dege-nerariam as superiores com sua genética, seus valores e compor-tamentos. Aqueles que fossem das raças superiores mas não aceitassem esse “fato científi-co” deveriam ser tratados por meio terapêutico-medicinal ou reeducados através da dis-

ciplina penitenciária. Caso isso não fosse suficiente, deveriam ser eliminados ou, no mínimo, deveriam ser esterilizados de modo a não mais contaminar a sociedade com seus valores de-generados. A violência nazista não era irracional e indisciplinada.

Nos olhos dos oficiais nazistas que estão executando prisio-neiros judeus não encontramos a loucura ensandecida, mas a frieza daqueles que eliminam no dever de desinfetar a Huma-nidade dos degenerados. A barbárie assumia uma nova face: racional, científica e disciplinada. O nazismo como expressão de movimento polí-tico e organizado foi derrotado pelo socialismo soviético com o apoio discreto e desconfiado

dos “aliados” ocidentais, lidera-dos por nações como os EUA e a Inglaterra - as mesmas que menos de dez anos antes assis-tiam de forma condescendente - e com simpatias - o triunfo na-zista na Espanha e na Polônia. A maioria dos nazistas capturados pelos soviéticos teve um rápido

encontro com a forca e o pelo-tão de fuzilamento. Os “aliados” foram mais cautelosos. Preferi-ram “entender”, analisar os seus “interesses estratégicos” e, só depois com muito pesar, conde-nar alguns poucos e desprezíveis oficiais. O nazismo não foi su-perado no ocidente, foi apenas cooptado. Como superar o na-cionalismo, o cientificismo, o positivismo e a ideia de contro-le? Essas são ideias compartilha-

das entre os nazistas e as outras nações do ocidente, pois foram produzidas por uma lógica da qual ambos são produtos: a ló-gica do capital. Boa parte da ci-ência nazista foi aprendida pelos “aliados” e, sobretudo o sonho nazista do “controle e domina-ção social”, continua sendo um

sonho de todas as sociedades ca-pitalistas contemporâneas. Os nazistas compreen-diam que a degeneração co-meçava a se revelar na escola já nos primeiros anos. Eram comportamentos notados pela desatenção, indisciplina, atos imorais, oposição à autoridade e rendimento acadêmico baixo. Em uma palavra, eram crianças com aquilo que hoje chamamos de TDAH (Transtorno de Défi-cit de Atenção e Hiper-ativida-de). Os nazistas chamavam de “comportamento degenerado”, fruto de problemas biológicos. As escolas e psiquiatras hoje pensam da mesma forma: pro-blemas biológicos, só que não falam em raça, falam em pro-blemas hormonais, etc. Como já foi dito, por-tanto, o absurdo hoje é racio-nal, científico e disciplinado. Os problemas do comportamento são problemas fisiológicos. Ob-viamente que na falácia do “po-liticamente correto” aconselha-se também “terapia”. Mas não se deve abrir mão da “ciência”, isto é, do medicamento. No final, fi-ca-se apenas com o medicamento e pronto. Conta-se que Hitler, dias antes de se suicidar e frente a ine-vitável derrota para com os comu-nistas soviéticos, teria discursado para seus oficiais dizendo-lhes que as gerações futuras entende-riam aquilo que ele tentou fazer e que a humanidade se incumbiria de realizar seu “sonho dourado”. Cada comprimido de Ritalina ingerido pelas nossas crianças nos torna um pouco mais próximos de entender melhor Hitler e de realizar seu “sonho dourado”.

The Wall, a ópera filme da banda Pink Floyd fez um perfeito retrato de uma sociedade alienada, que mascara seus problemas sociais

Hitler e Goering: a ideologia nazista era baseada no controle físico e mental de seus comandados

CAPA - MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO

O sonho dourado de HitlerComo os regimes fascistas, a medicalização indiscriminada cria gerações de alunos automáticos

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Paulo Neves

Falar de Teatro no interior de São Paulo, ou no inte-

rior do Brasil, é muito com-plicado porque não faz parte da vida cultural do brasilei-ro, salvo raríssimas exceções. Após 10 anos de Curso Livre de Teatro em Bauru, chega-mos à triste conclusão de que quem começa o teatro hoje já vem com ideia comprometi-da, isto é, trabalhar na televi-são. É lá na TV que se ga-nha mais dinheiro; onde tem visibilidade; onde pode-se apresentar os famosos bailes das debutantes pelo Brasil - que por incrível que pareça ainda existem - e abertura de festas dos peões boiadeiros. No teatro ninguém ganha. O teatro não é mais uma profissão, é uma pai-xão. Se há 35 anos era difícil concentrar os núcleos em sua cidade, hoje está muito mais difícil. As pessoas vão para São Paulo ou Rio de Janeiro ( leia-se Globo e Record) com o intuito de serem vistas e cha-madas pela televisão. Neste ano, vamos pro-fissionalizar o nosso Curso Livre de Teatro e aproveitar a oportunidade para também profissionalizar mais 4 ou 5 atores, formando uma Com-

panhia de 10 atores, todos com DRT- Carteira Profissio-nal dos Atores. Vamos “tentar”, para-lelo a isso, a união da vontade política, aspecto dificílimo aqui em Bauru, pois cultura é, no mandamento dos polí-ticos locais, ponto de quarta ou quinta categoria, e além do mais não dá votos para essa ilustre Câmara Municipal! Os empresários, por sua vez (em sua maioria), não estão nem um pouco preocu-pados com o teatro, pois não rende dividendos (lucros) a não ser quando um ator da Globo vem à cidade com um texto de terceira categoria e a massa lota a casa - e se satisfaz pedindo autógrafo ao final do espetáculo ou levando uma foto de recordação que vai fi-car em cima da geladeira para o resto da vida, junto ao ine-vitável pinguim. Cultura, para a maio-ria, é isso aí! Muito pouco, convenhamos!. Não temos um trabalho de formação de platéia - existia um trabalho no Automóvel Clube, mas foi extinto... o que é bom dura pouco ou não dura! Botucatu, Lençóis Paulista, Bernardino de Cam-pos, Marília, Tatui, Presiden-te Prudente, entre outras, têm o seu Festival de Teatro. Em

Bauru, ficamos esperando o apoio da Secretaria Estadual da Cultura. É importante a pre-ocupação de ter público, de formar uma platéia, de fazer com que os alunos de todas as séries assistam a bons es-petáculos, pois o Teatro Mu-nicipal está aí exatamente para preencher esse buraco cultural, para fazer as pessoas se viciarem no teatro. Quan-

do o teatro comercial é bom, aumenta o público do teatro experimental e aumenta mais ainda o público dos Cursos Livres. Profissionalismo se faz pela qualidade, pela persistên-cia, pela ética, pela dignidade de trabalho, pela competên-cia, pelo comprometimento com o Curso, com a cidade, com as pessoas, pela força moral de quem vai fazer. É

importante não se iludir pen-sando que ser profissional é ter DRT, registro no sindi-cato. Ser profissional é ter bagagem, moral, vergonha, qualidade, persistência, hom-bridade e não demagogia! Em Bauru temos exi-guidade de espaços públicos, mas a demanda também é pouca. É preciso fazer inves-timentos na idéia da função histórica do artista, trans-formar o incentivo fiscal em uma trincheira. Hoje temos um público refém de uma mí-dia. Meu filho Thiago Neves, Coordenador do Curso Livre de Teatro, está trabalhando sozinho para recuperar a ex-residência da professora Ce-lina Lourdes Alves Neves e transformá-lo em um Espa-ço Cultural (na rua Gerson França, para quem é daqui), sem apoio político e finan-ceiro de ninguém. Esse espa-ço seria para teatro, cinema, aulas de balé, violão, enfim, um espaço cultural real para a cidade. Pequeno, mas de muita funcionalidade. Afinal, a continuidade do trabalho da família Neves traz a qualida-de e a profissionalização. Esse é um aspecto...tantos outros existem, mas a falta de vonta-de política e trabalho nos dei-xa desanimados.

Paulo Neves- Coordenador do Curso Livre de teatro Paulo Neves e Professor de História do Brasil do DINCAO Instituto de Ensino

ARTIGO - TEATRO | MÚSICA | CINEMA | LITERATURA

Qualidade é fundamental, pois sem ela não há públicoO teatro sobrevive no interior dos estados brasileiros conduzido pela vontade de alguns abnegados

É importante a preocupação de ter público, de formar uma platéia no interior para assistir bons espetáculos.

Teatro lotado em São Paulo: as casas do interior sofrem com falta de opções e investimentos.

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10 FOLHA DO EDUCADOR 2010

Um Império com menos de 3 anos

O novo Imperador foi coroado em 1864, mas como era liberal, logo perdeu o apoio dos

conservadores mexicanos e só se manteve no poder por causa da presença das tropas francesas. Tentou fazer uma grande aliança com seu primo, o Imperador D. Pedro II do Brasil, e garantir as-

sim a sobrevivência das duas mo-narquias. A aliança foi recusada e a situação se agravou quando os Estados Unidos não reconhece-ram o novo Império, exigindo a retirada das tropas francesas.

Napoleão III percebeu que uma guerra contra os Esta-dos Unidos seria um fardo muito grande para a França e decidiu chamar suas tropas, que se reti-raram entre 1866 e 1867. Maxi-miliano desprezou os conselhos de Napoleão III e se recusou a abdicar - dizem que amava o México. A partir daí, o Impera-dor foi obrigado a comandar ele mesmo as tropas monarquistas restantes. Em 15 de maio de 1866, Maximiliano foi preso em Que-rétaro - a capital já estava toma-da pelos republicanos. Os guer-rilheiros ofereceram-lhe a fuga, mas ele recusou e foi fuzilado em 19 de junho de 1867, pondo fim à segunda e última experiên-cia monárquica do México. Suas últimas palavras foram: “-Viva o México”. O en-tusiasmo e o aparente patriotis-mo diante da morte, porém, não

livraram Maximiliano de passar para a história como um fanto-che dos franceses - e pelas pala-vras do historiador francês Yves Bruley, mais próximo do ridículo do que da glória.

Fonte: Maximiliano do México - Um Fantoche Francês, de Yves BruleyO Primo Desventurado, de Javier Torres Medina

Manet e Maximiliano

A história do segun-do Imperador mexicano foi imortalizada por Ma-net, grande pintor francês. Assim que a notícia do fu-zilamento chegou a Paris, Manet passou a trabalhar - usando relatos dos acon-tecimentos no México - em três pinturas imensas que retratavam os últimos ins-tantes de Maximiliano de Habsburgo.

Luis Paulo Domingues

OMéxico teve dois Impérios não contínuos, cada um

deles com apenas um Imperador, que ficou no poder por pouquís-simo tempo. Esses dois períodos ocorreram em épocas extrema-mente conturbadas da história do país e ambos os Imperadores morreram fuzilados por oposito-res. O primeiro foi Agus-tín de Iturbide, um general ex-realista que foi aclamado Im-perador após a independência do México diante da Espanha, em 1821. Iturbide foi coroado em 21 de Julho de 1822 para ser um Imperador provisório, enquanto não achavam algum nobre europeu que aceitasse o título. O novo Imperador não conseguiu apoio do congresso, enfrentando uma oposição du-ríssima dos republicanos, que queriam derrubá-lo. Temen-do pela própria vida, abdicou do trono em 19 de março de 1823 - ficou, portanto, apenas oito meses no poder -, partin-do para a Itália. A república foi proclamada durante esse pro-cesso. Iturbide foi considera-do traidor pelos republicanos e fuzilado quando retornou ao México em 1824.

Maximiliano de Habsburgo

Os interessados em uma monarquia no México

eram os grandes proprietários de terra, que exerciam o poder desde o período colonial. Te-mendo por reformas que lhes tirassem as terras e o poder po-lítico, ansiavam por um mo-narca europeu, que viesse de alguma casa real forte, secular e que garantisse a soberania e a permanência dos valores con-servadores, além das benesses que o conservadorismo lhes garantia. Os franceses também queriam um império no Mé-xico. Na época, o território mexicano ia do atual Oregon, nos Estados Unidos, ao Pana-má. Porém, desde a proclama-ção da República - que teve 36 presidentes em 40 anos -, o território havia entrado em processo de desintegração. Mesmo assim, os franceses pensavam poder explorar as ri-quezas dessa enorme extensão de terra, instalando pequenas monarquias comandadas por príncipes europeus obedientes à França nos recém-criados pa-íses da América Central. Essas monarquias seriam, então, ca-pitaneadas pelo Império Mexi-cano. Por causa do tamanho da maioria das famílias reais, na Europa da época havia um grande número de príncipes e nobres que não tinham onde governar, e que poderiam ser usados nessa empreitada. Maximiliano de Ha-bsburgo foi escolhido pelo imperador francês, Napoleão

III, para assumir o trono mexi-cano. Condenado a sempre ser o irmão do imperador austro-húngaro, Maximiliano contra-íra dívidas por causa do luxu-oso castelo que mandara cons-truir em Triestre (hoje Itália), no litoral do Mar Adriático: o castelo de Miramar. Teve que se casar, então, com Carlota, a filha do Rei Leopoldo da Bél-gica, cujo dote possibilitou o pagamento das dívidas. Relutou muito em

aceitar o trono mexicano, pois não estava certo das intenções francesas. Os ingleses tam-bém apoiaram o plano, pois o presidente mexicano, Benito Juárez, havia decretado o não pagamento da dívida externa, além de hostilizar os estrangei-ros. Maximiliano, por sua vez, era liberal. Seu desejo era estabelecer uma monarquia constitucional no México e queria ter certeza do apoio do

povo mexicano, coisa que ele não tinha. Percebeu isso do pior modo. Para retaliar o go-verno do México pela morató-ria da dívida externa e coroar Maximiliano, as tropas france-sas invadiram o país em 1863 e já perderam mais de mil ho-mens no desembarque. Benito Juárez foi deposto, mas conti-nuou vivo e muito atuante no interior, onde estabeleceu uma nova capital e lutou o tempo todo contra o Império.

ESPECIAL - HISTÓRIA

Famosa pintura de Manet, retrata o momento de execução do segundo e último imperador no México

Castelo de Maximiliano no mar Adriático: luxo dos Habsburgos foi deixado para trás no México.

A curiosa e trágica história de Maximiliano do MéxicoComo o irmão do imperador austro-hú-ngaro foi levado ao trono e à morte no México

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2010 FOLHA DO EDUCADOR 11

Luís Paulo Domingues

Poderíamos dizer que a maior obra prima do escri-

tor irlandês Oscar Wilde foi sua própria vida. Dândi intelectual, genioso e extremamente excên-trico para a Inglaterra vitoriana, Wilde foi autor de contos, dra-maturgo festejado e autor de apenas um romance: “O Retrato de Dorian Gray”. (Trata-se da incrível história do burguês lin-do, invejado por todos, que não queria envelhecer e contratou um artista para pintar seu retra-to, fazendo um pacto com ele: o retrato envelheceria em seu lugar - o que acabaria revelando-se sua desgraça.)

Suas peças mais impor-tantes dividiram opiniões. Fo-ram aclamadas e odiadas pelo público e pela crítica, como “Salomé” e “Um marido ideal”. Isso porque Wilde nunca foi um escritor trivial, tendo a polêmica e a excentricidade como aspectos intrinsecamente ligadas ao seu nome. A fama e a desgraça

Wilde conheceu a fama extrema e a execração pública em vida. Homossexual (quase) assu-mido, levava uma vida boêmia e teve diversos relacionamentos amorosos completamente indis-cretos - um deles, com o jovem Lord John Alfred Douglas, pro-vocou seu processo por deprava-ção.

Oscar Wilde foi julgado e condenado a dois anos de pri-são. No entanto, sua defesa no julgamento, feita por ele mesmo, é digna de uma outra obra prima sobre a liberdade e a autenticida-de do ser, sobre a hipocrisia e a coerção das instituições. Tal pas-sagem de sua vida foi imortali-zada no filme “Wilde”, de Brian Gilbert, lançado em 1999, com uma atuação estupenda de Ste-phen Fry (que era praticamente o próprio Wilde no filme).

Após sair da prisão, em

1898, foi viver em Paris, onde achou um ambiente menos opressor. Completamente fali-do, morreu num hotel miserável em 1900 em total esquecimento. Seus dois filhos, envergonhados da biografia do pai, fizeram ques-tão de mudar de sobrenome.

Imortalidade póstuma

Décadas depois, a obra de Oscar Wilde foi redescoberta pelos próprios ingleses e sua me-mória foi absolvida pela mesma austeridade britânica que ante-riormente o havia condenado. Hoje Wilde é considerado um gênio e um visionário - princi-palmente na dramaturgia -, além

de um crítico feroz dos costumes de sua época. Com sua postura, suas roupas espalhafatosas, seu modo de andar e sua persona-lidade singular, o escritor é um dos orgulhos do Reino Unido, reconhecido até pela Rainha Eli-zabeth.

O lugar miserável onde viveu seus últimos dias trans-formou-se num disputadíssimo hotel para astros da música pop, intelectuais e milionários de toda sorte. Em frente ao hotel, há uma placa de prata, que os-tenta os dizeres: “Aqui viveram Oscar Wilde, no final do século XIX, e o escritor Jorge Luis Bor-ges (assunto para os próximos números do jornal), na década

de 1980”. De uma forma ou de

outra, é lamentável que Wilde tenha vivido seus últimos dias sem dinheiro até mesmo para

pagar a conta da, então, miserá-vel espelunca. Isso nos faz refle-tir sobre como o preconceito e a arrogância são, cedo ou tarde, condenados pela História.

ESPECIAL - LITERATURA

Oscar Wilde: excêntrico, genial, à frente de seu tempoAmado e odiado pela sociedade britânica, Wilde foi reconhecido, mais tarde, até pela rainha

Estátua de Oscar Wilde em uma praça de Dublin: o escritor foi posturamente reconhecido como orgulho do Reino Unido.

É lamentável que Wilde tenha vivido seus últimos dias sem dinheiro até para pagar a conta da, então, miserável espelunca. Isso nos faz refletir sobre como o preconceito e a arrogância são, cedo ou tarde, condenados pela História.

Texto de Wilde O Artista Uma noite, nasceu-lhe na alma o desejo de esculpir a estátua do prazer, que dura um ins-

tante. E saiu pelo mundo em busca do bronze, pois só

podia imaginar sua obra em bronze. Mas todo o bronze do mundo ti-nha desaparecido e em

nenhuma parte da Terra podia encontrar-se bronze

algum, exceto o da estátua da dor, que dura uma vida intei-ra. Ora, mas fora preci-samente ele quem, com suas próprias mãos, havia moldado aquela estátua, colocando-a no túmulo do único ser a quem amou na vida. Erguera aquela estátua, sua criação, no túmu-lo da criatura morta, a quem tanto amara, para que fosse um sinal do amor do homem, que é imortal, e um símbolo da dor

humana, que dura para sempre. E no mundo todo não havia outro bronze, senão o daquela estátua. Tomou, então, a está-tua que havia modelado, colo-cou-a em um grande forno e entregou-a ao fogo. E com o bronze da es-tátua da dor, que dura a vida inteira, modelou a estátua do prazer, que dura um instante.

Oscar Wilde

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12 FOLHA DO EDUCADOR 2010

Luis Paulo Domingues

ANova York produz 11 mil toneladas de lixo por dia,

graças ao progresso econômico. Mas o que poderia ser um ín-dice de conforto e de excelência no padrão de vida pode se tor-nar um inferno para os novaior-quinos.

O único aterro sanitá-rio da cidade foi desativado em 2001, pois já havia atingido seu limite máximo de absorção. O lixo, então, começou a ser le-vado para locais distantes, em New Jersey, Pensilvânia e Vir-gínia, chegando a percorrer 500 quilómetros.

Obviamente, essa não é uma solução barata. Além disso, os governos dessas loca-lidades começaram a reclamar pelo fato de Nova York estar transformando suas cidades em depósitos de lixo e passaram a impor barreiras.

Segundo artigo de Les-ter Brown, fundador do World Watch Institute, o problema do lixo novaiorquino tem três ver-tentes: econômica, cultural e de relações públicas.

É muito caro, para um país que não tem a reciclagem e a preservação ambiental arrai-gadas em sua cultura, tomar o primeiro passo. Construir usinas de reciclagem, educar o povo, estabelecer parcerias, criar leis nem sempre populares parecem projetos ambiciosos demais aos governantes norte americanos.

A mentalidade de consu-

mo exacerbado é outro agravan-te. O norte americano é louco por produtos descartáveis e a in-dústria investe pesado em emba-lagens one way. Ou seja, vai tudo, mesmo, para o lixo. E ainda há o problema das outras cidades e de seu relacionamento com a prefei-

tura de Nova York, desde a época do prefeito Ralf Giuliani.

O governador da Virgínia propôs, em 2001, um imposto de 5 dólares para cada tonela-da de lixo despejada no Estado. Isso geraria uma grande receita para os cofres públicos, mas para

Nova York sairia caro. Além dis-so, a população das cidades “con-templadas” com o lixo reclamou dos transtornos que a medida ge-raria.

O comboio de reboques de lixo formaria uma fila de 14 quilómetros, todos os dias, nas

estradas e ruas da região, somado à poluição, engarrafamentos e ba-rulhos. A medida tornou-se im-popular, mesmo que em algumas localidades mais carentes tenha sido vista como uma boa opor-tunidade de receita, gerada pelo pagamento e pela reciclagem.

ESPECIAL - MEIO AMBIENTE

O que fazer com todo esse lixo?A prefeitura de Nova York se depara com um grave problema: não tem onde colocar seu lixo

A única saída é a educação

A única saída parece ser a educação - do povo, das indús-trias e da prefeitura. Veja alguns dados obtidos através do site da WWI (Worldwatch Institute): -Nova York: 18% do lixo reci-clado.-Los Angeles: 44% do lixo reci-clado.-Chicago: 47% do lixo recicla-do.

Todas essas cidades estão muito longe das taxas europeias, que chegam a 72% em alguns países.

O homem tem tecnologia para reciclar todos os compo-nentes do lixo. Além disso, pode mudar as atitudes prejudiciais ao meio ambiente. Uma dessas ati-tudes é proibir o uso de recipien-tes one way. Na Dinamarca e na Finlândia, a proibição já vigora, sendo que os dinamarqueses já convivem com essa realidade desde 1977.

Os benefícios de se uti-lizar garrafas retornáveis, por exemplo, não se restringem apenas ao lixo. Como os cami-nhões que entregam as garrafas

cheias são os mesmos que levam de volta as vazias, economiza-se combustível, diminui-se a poluição e minimiza-se os en-garrafamentos. Isso, em uma cidade como Nova York, deve contar muito.

obs: A cidade de São Paulo tam-bém já adota a transferência de toneladas de lixo para cidades vizinhas.

Fonte: dados de artigo escrito por Lester Brown, fundador do WWI-Worldwatch Institute e do EPI-Earth Policy Institute, no site http://www.wwiuma.org

A saída é incômoda

Podemos enxergar essa questão do lixo em Nova York de uma outra maneira: não se trata apenas de um problema de espaço em relação ao número de pessoas. Aliás, limitar a gestão do lixo ao estudo do espaço e das pessoas não nos proporcio-nará muitas saídas para o caos dos grandes centros.

Devemos ter em mente que o problema do lixo exacerbado

tem origem numa premissa do capitalismo: a de que é sempre necessário criar novas deman-das, que devem ser incorpora-das pela cultura do consumo de cada país. Essas mercadorias se-rão compradas por um número sempre crescente de consumido-res, que por sua vez alimentarão os cofres das empresas. Depois, começando um novo ciclo outra vez, as empresas destinarão parte

desse lucro para o investimento em pesquisas para, mais uma vez criar novas demandas, e esse cír-culo vicioso só poderá terminar na geração de mais e mais lixo.

Podemos concluir, por-tanto, que estamos diante de um desafio muito maior. Como me-xer com uma cadeia de produção tão rentável, que se constitui na espinha dorsal do capitalismo - principalmente em se falando de

Nova York, o grande lar da cul-tura do consumo compulsivo?

Sendo a criação de de-mandas e a optimização dos lu-cros uma condição primeira para a existência e o desenvolvimento do capitalismo, é bem plausível que tenhamos que conviver com a cultura do lixo enquanto o ca-pitalismo for o sistema hegemô-nico de produção.

Solução paliativa: boa parte do lixo de Nova York é transportada em grandes comboios para cidades de outros estados.

Mesmo em frente aos mais caros endereços, o lixo permanece à vista dos nova-iorquinos.

Page 13: Folha do Educador

2010 FOLHA DO EDUCADOR 13

Ulisses Antonio de Andreis

Se daqui a 500 anos o ca-pitalismo não existir mais, deve-rá ainda ser lembrado por uma poderosa máxima, que diz: tudo tem seu preço. Essa ideia é tão importante, que o próprio con-ceito de energia tem suas raízes muito bem firmadas nesse man-damento sagrado do capital.

O efeito positivo desse princípio econômico é o de nos fazer pensar de modo responsá-vel. Isto é, as coisas no mundo não acontecem por acaso. É necessário haver recursos ade-quados para realizar qualquer tarefa. E o bom senso nos en-sina que recursos devem ser utilizados com assertividade, na medida certa. Entretanto, existe o lado perverso da inter-pretação. Ao se atribuir preço às coisas, aqueles que dispõem dos recursos adequados (dinheiro, na maioria das vezes) passam a ser proprietários e delas podem dispor como bem entender.

Aí está o dilema imposto ao modo de vida capitalista. Ou se considera que todos os atos do homem sobre o planeta têm conseqüências, logo não se pode dispor de seus recursos como se fossem infinitos, ou, de outra forma, pode-se continuar acre-ditando que o homem vive num imenso supermercado e o que existe sob e sobre o planeta está à disposição de quem precisar.

Os líderes mundiais e os técnicos reunidos na cidade de Copenhague, Dinamarca, durante duas semanas do mês

de dezembro de 2009, tinham como um dos objetivos resol-ver o dilema citado logo acima. Resultado: nenhum! Todos os recursos investidos no evento foram desperdiçados. De lá saiu uma simples e vaga carta de in-tenções, livre de comprometi-mentos. Uma carta de igual teor poderia ter sido escrita por um grupo de amigos sentados em torno de uma mesa de bar e o resultado prático seria exata-mente o mesmo. Países impor-tantes como os EUA e a China exerceram o legítimo direito de defender seus interesses e irão se recusar a mudar no curto prazo seus processos de produção. Se-ria um “absurdo” fechar os olhos para os índices econômicos favo-ráveis apontando a retomada do

crescimento mundial, após um ano de 2009 extremamente difí-cil, repleto de notícias ruins para os mercados financeiros globais.

O Brasil assumiu um pa-pel de destaque devido a nossa matriz energética limpa para a geração de eletricidade - cerca de 85% da energia elétrica ofereci-da ao consumo vem de matrizes renováveis, e 73% de toda eletri-cidade consumida no país vem da energia hidráulica. Entretan-to, seria verdade que nosso país busca a expansão crescente do uso das fontes renováveis? O re-latório “Balanço Energético Na-cional de 2009” mostra que do total de toda a energia gerada, as fontes renováveis participam com 45,3% e as não renováveis com 54,7%. Como referência,

dados de 1970, três anos antes da primeira crise do petróleo, a participação das fontes renová-veis era de 58,4%, contra 41,6% das não renováveis. Diferenças marcantes separam os anos de 1970 e de 2010. Contudo, não se pode deixar de mencionar que naquela época as questões ambientais representavam uma preocupação justificável, porém, relativamente distante. Desde a Eco 92 passaram-se 17 anos e os inúmeros discursos, as gran-des ideias, os excelentes projetos e as boas intenções conduziram a participação das fontes re-nováveis de 49,1% em 1990 a 45,3% em 2008, de acordo com o mesmo relatório do Ministério de Minas e Energia. Uma outra comparação interessante é de

que entre 2007 e 2008 a partici-pação da energia renovável caiu 1,5%, enquanto a das não reno-váveis subiu 37,9%! A energia hidráulica reduziu 2,7%, a Eóli-ca, 0,4%. A energia provinda do gás natural aumentou 92,8%!

Devemos lembrar que durante o ano de 2008 havia certa possibilidade de crise de geração em virtude de um perío-do de escassez de chuvas. Entre-tanto, não será lícito perguntar se o modelo não estaria ainda equivocado? Será que o Brasil, de fato, optou, incondicional-mente, pelo uso de fontes limpas e renováveis?

A crise financeira de 2009 e a descoberta do petróleo na região do pré-sal, na Bacia de Santos, mostraram que a ne-cessidade de recompor reservas, diminuir prejuízos, manter ní-veis de produção e emprego são motivos fortes o bastante para deixar as dramáticas e inadiáveis questões ambientais para depois.

As notícias “vindas de um futuro” ainda não escrito são mais importantes que os fatos do presente? O que entende o cidadão comum quando ouve a recomendação do IPCC (Inter-governmental Panel on Clima-te Change), afirmando em tom profético, que, até o final do recém inaugurado século XXI, a média da temperatura global pode elevar-se até 4,5 oC? O que entende um governante, quando ouve a mesma previsão e se lem-bra de que naquele momento não precisará mais do voto do cidadão comum?

Ulisses Andries é professor de Física

ARTIGO - MEIO AMBIENTE

Muito barulho por nadaUma proposta de intenções inútil fez cair o presidente da comissão de mudanças climáticas da ONU

Os EUA mantiveram suas restrições em adotar medidas para conter a emissão de poluentes na atmosfera.

Visível empolgação: imagina-se que os participantes do COP15 já vieram sabendo que nada seria decidido.

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14 FOLHA DO EDUCADOR 2010

Carlos D’Incao

Como e por que não se consumou em Cuba a liquida-ção de regimes não capitalistas vigentes nesses anos? O fato po-lítico fundamental foi a coesão, a disciplina e o respaldo ativo da maioria dos cubanos à maneira de viver criada em Cuba, apesar de esse modo de vida ter sido submetido a uma forte erosão pelos efeitos da crise e também, em parte, pelas medidas tomadas contra a crise.

Desenvolveram-se muitas estratégias de sobrevivência, mas nunca se questionou a continui-dade do regime. Esse comporta-mento social foi a chave da po-lítica desse período e expressou uma consciência que se guia por três certezas: a de que a unidade entre os cubanos era vital para enfrentar tantas difi culdades e desafi os; a de que o regime po-lítico lutava com energia e ho-nestidade para manter a justiça social e a redistribuição sistemá-tica da riqueza nacional, defen-dendo efi cazmente a soberania e controlando a economia; e a de que um retorno ao Capitalismo em Cuba signifi caria um desastre para a maioria dos cubanos, em perdas de direitos sociais, sobera-nia popular e qualidade de vida, exploração do trabalho, pobreza e humilhações.

Consciente do respaldo que essa cultura política ofere-cia, Fidel convocou as eleições de deputados de fevereiro de 1993 como um plebiscito a favor ou contra o socialismo: 7,85 mi-lhões de votantes elegeram por via direta seus deputados e o so-cialismo triunfou.

A emigração para os EUA

A emigração para os Esta-dos Unidos tem sido politizada durante décadas. Em 1980, ante a liberação repentina dos entra-ves que os Estados Unidos impu-seram desde 1973 para a entrada de imigrantes cubanos legais, emigraram 125 mil pelo porto de El Mariel. No verão de 1994 – o momento mais agudo da crise social –, o êxodo ilegal dos “balseiros”, tolerado pelos dois países, foi de apenas 37 mil pes-

soas. Mariel foi uma correção da média anual de 31

mil emigrantes no perí-

o d o

entre 1959-1973 – embora te-nha evidenciado a existência de novos problemas ideológicos -, uma geração depois do triunfo revolucionário.

Os balseiros de 1994 – se desconsiderar-se a gigantesca manipulação midiática interna-cional – formaram parte do qua-dro migratório da segunda meta-de do século. A imensa maioria dos cubanos fi cou em seu país. A emigração dos anos 90 mos-trou, porém, duas novas pecu-liaridades: uma despolitização conseqüente do fato de emigrar como um desejo de obter êxito com base nas capacidades e nas expectativas pessoais - motiva-ção sobretudo dos mais jovens. Por outro lado, já estava em mar-cha o crescimento da emigração para outros países que não os Estados Unidos. Essa tendência

se mantém até os dias atuais e é muito provável que seu montante exceda um terço do total de emigrantes.

A existência de uma Cuba socialista nega uma exigência básica da ideolo-gia que prevalece na atua-lidade: de que é necessário

resignar-se ao triplo do-mínio do capitalismo sobre a existência co-tidiana, a organização social e a vida de cada

país, e a mesma coisa em escala mundial. Ape-nas trinta anos depois que os Estados Unidos impuseram o primeiro

corte de relações , o país viveu pela segunda vez ou-

tra interrupção brusca e sem indenizações de suas relações

econômicas principais, pac-

tuadas a longo prazo. Esse golpe provocou uma

crise econômica muito profunda e uma grande deterioração so-cial, mas pela segunda vez Cuba conseguiu sobreviver. Cuba não se somou à cadeia das “quedas do socialismo” ocorrida em 1990, em que pesem os agravantes que sofreu com o fi m de uma assom-brosa bipolaridade entre super-potências. Precisou empregar esforços gigantescos e sistemá-ticos ao longo dos anos 90 para conseguir que a sobrevivência do regime se tornasse viável, mas atualmente ninguém nega que esse objetivo foi alcançado.

Em síntese, pode-se afi r-mar que a Cuba atual é um com-plexo composto de sua acumu-lação social revolucionária, de elementos da crise dos anos 90 e suas conseqüências e das mu-danças e permanências que estão em curso. A continuidade de seu tipo de organização social socia-lista é a tendência dominante em suas expressões políticas e no balanço que se pode fazer de sua sociedade.

Socialismo e resistência

A extraordinária resistên-cia cubana conseguiu ultrapassar a crise da primeira metade dos anos 90. O país mostrou ser vi-ável sem aplicar as medidas eco-nômicas que se exigem no mun-do atual e seguiu adiante sem prejudicar a vida das maiorias, ao contrário de toda a América Latina.

O Estado continuou sen-do muito forte e intervencionis-ta em altíssimo grau em matéria econômica, ao contrário do que

se demandava. Desde 1995, sua economia vem se recuperando em ritmo paulatino, mas susten-tado, e tem crescido em produ-tos, serviços e efi ciência, apesar de se ver obrigada a realizar enor-mes mudanças em várias esferas. Uma razão básica desse êxito é que Cuba utiliza com efi ciência suas próprias forças.

Sua população tem altos níveis gerais de conhecimen-to, capacidades e hábitos úteis, que em muitos aspectos são re-almente notáveis e estão bem consolidados; a economia possui apreciáveis níveis de reprodução, controle, diversifi cação e outros aspectos positivos; a infra-estru-tura se desenvolve; o sistema de serviços sociais está entre os mais avançados do mundo e tem re-sistido bastante à deterioração que a crise lhe inferiu: a paz so-cial e política favorece bastante a atividade econômica; o Estado e as estruturas do poder em geral se mostram capazes na realização de suas tarefas.

Políticas e práticas culturais

É insólita a combinação que o sistema possui quanto à capacidade na atividade econô-mica, fl exibilidade e exercício de controles severos, graus de liber-dade em políticas econômicas e grande capacidade negociadora externa. Seguem-se alguns dados por áreas.

O turismo, que quase não existia, cresceu velozmente e se associou a empresas estrangei-ras; já em 1998 trouxe 50% do total da receita em divisas. Atu-almente, é um setor consolidado e dinâmico – com cerca de cem

ESPECIAL

Por que o socialismo cubano não fracassou?Estudo aprofundado percorre a história de cuba em 6 partes

O orgulho pela pátria é a maior característica do povo cubano; fato visível em todos os ambientes públicos da ilha.

da média anual de 31 mil emigrantes

no perí-o d o

como um desejo de obter êxito com base nas capacidades e nas expectativas pessoais - motiva-ção sobretudo dos mais jovens. Por outro lado, já estava em mar-cha o crescimento da emigração para outros países que não os Estados Unidos. Essa tendência

se mantém até os dias atuais e é muito provável que seu montante exceda um terço do total de emigrantes.

Cuba socialista nega uma exigência básica da ideolo-gia que prevalece na atua-lidade: de que é necessário

corte de relações , o país viveu pela segunda vez ou-

tra interrupção brusca e sem indenizações de suas relações

econômicas principais, pac-

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2010 FOLHA DO EDUCADOR 15

mil empregados -, que enfrentou bem os difíceis primeiros anos desta década e recebeu dois mi-lhões de visitantes em 2004.

O açúcar despencou des-de 1993, mas não entrou em colapso; reduziu ordenadamen-te sua produção e seu plantio a menos da metade; o pessoal excedente foi recolocado e, em grande parte, requalificado.

O níquel multiplicou sua importância, registrando uma sólida expansão produtiva e co-mercial – mais de 70 mil tone-ladas métricas em 2004, com vendas a numerosos países -, alta eficiência e renovação tecnológi-ca, proveitosa associação com o capital estrangeiro, ótima con-juntura de preços e grande pers-pectiva de ampliações.

Na área energética a es-tatal Cubapetróleo aproveitou o enorme conhecimento acumula-do e, em plena crise, continuou sua expansão produtiva de petró-leo - de 0,8 milhão de toneladas métricas em 1991 para 3,7 em 2003 - e de gás, que no mes-mo período pulou de 33 para 658 milhões de metros cúbicos - uma conquista estratégica e de substituição de importações - , e criou empresas mistas com com-panhias de outros países. Desco-bertas recentes evidenciaram um grande potencial de produção.

A área de telecomuni-cações, por sua vez, é uma das mais dinâmicas, em franca am-pliação, contando com fortes investimentos estrangeiros, mo-dernização e trazendo, desta for-ma, grande contribuição para o desenvolvimento econômico e social do país.

A combinação de forma-ção maciça de profissionais de alta qualificação com o investi-mento em pesquisas científicas aplicadas no campo da saúde - uma política mantida durante várias décadas - está rendendo ótimos frutos: alta qualidade de vida dos cubanos devido à pre-venção e ao atendimento à saú-de; o sistema de saúde cubano também se tornou ao longo das décadas uma importante fonte de divisas com descobertas na área da farmacologia, grande competitividade internacional e vendas de vacinas, medicamen-tos e equipamentos para o mun-do inteiro.

Cuba não está sujeita a orientações do FMI nem do Banco Mundial, e controla suas relações com investimentos es-trangeiros, em vez de ser con-trolada por eles. Nos primeiros anos da década de 1990, encora-jaram-se muito os investimentos externos e se conseguiram rela-ções notáveis em alguns cam-pos, em uma amplitude modes-ta e sob o recrudescimento das medidas de perseguição dos Es-tados Unidos contra os interes-ses e a soberania de outros países que se relacionavam com Cuba.

Consciente de suas forças e debilidades, não cedeu em seus controles ao negociar com os in-teresses externos. Mantiveram-

se centralizadas suas decisões e principais dotações de recursos, o ônus da poupança interna e o equilíbrio entre gastos sociais e investimentos. Depois de 2002, diminuiu o número de empresas mistas e aumentou o controle da economia, concentrando-se mais na relação com sócios de grande envergadura nos campos que o país considerava mais es-tratégicos.

Cultura socialista

A cultura socialista é sustentada vigorosamente pela política social do poder revolu-cionário. Seu mecanismo prin-cipal é a dotação de recursos por meio do orçamento central do Estado, que os redistribui em benefício da saúde, educa-ção, previdência social e outros serviços sociais, setores estatais priorizados e iniciativas que in-teressam à sociedade; os gastos sociais têm crescido a cada ano e essa tendência é visível até os dias atuais.

Essa governabilidade mantém a confiança nos ob-jetivos das medidas e políticas econômicas. Na questão do em-prego, o regime rechaçou a “so-lução” capitalista de “racionali-zação”. Nos primeiros anos da década de 1990, modificou-se a composição do trabalho (94,4% eram estatais em 1988); aumen-taram muito as cooperativas e também o número de trabalha-dores por conta própria.

Mas o emprego estatal tem sido protegido até os dias atuais, sem que prevaleçam cri-térios de eficiência contra ele. De todos os modos, a renda ga-nhou um bom terreno na estra-tégia trabalhista e é vital na vida de muitas pessoas e famílias. Centenas de milhares se tor-naram trabalhadores por conta própria, seja como atividade exclusiva ou como complemen-to ao salário estatal, que não aumentava, apesar de os preços dos produtos terem disparado.

Associada ao risco de alta do desemprego, a gestão privada seguiu sendo necessária diante das carências e dificuldades no campo do consumo de produ-tos e serviços e da insuficiência de grande parte dos salários em virtude dos altos preços de mui-to do que se necessita ou se de-seja. O Estado trata de diminuir seu papel e seu peso, oferecendo mais produtos e serviços, mas também estabelecendo contro-les e normas cada vez mais res-tritivas dessas atividades.

Entre 1999 e 2004, os sa-lários estatais aumentaram, ain-da que muito modestamente. A renda média dos assalariados se elevou paulatinamente e, além disso, entre 33 e 50 % deles receberam estímulos variados: pagamentos por produção, divi-sas (dólares), alimentos, roupas e outros artigos. E, diante da conjuntura financeira favorável, em 2005, o Estado elevou no-tavelmente as pensões, o salário

mínimo e as recompensas de um amplo setor. Invocou-se a justiça de aumentar as modestas apo-sentadorias daqueles que traba-lharam tanto. Quase um milhão e meio de pessoas começaram a receber um incremento de 1,035 milhão de pesos ao ano, e a Assistência Social, que cuida diferencialmente das pessoas de baixas pensões e outras menos favorecidas, elevou os benefícios de outras 476 mil pessoas.

O salário mínimo au-mentou de 100 para 225 pesos mensais, favorecendo 1,6 mi-lhão de trabalhadores. Outro aumento, a técnicos de saúde e de educação - totalizando 857 mil - , somou 523 milhões de pesos ao ano. Os novos paga-mentos totalizaram 3,5 milhões de pesos anuais, a cargo do orça-mento nacional.

O governo declarou que esses incrementos, que faziam parte de uma política de au-mentos que continuará, eram modestos diante das necessi-necessi-dades, e que se devia evitar um desequilíbrio financeiro interno. Começaram a ser distribuídos suplementos alimentícios e al-guns novos bens domésticos duradouros para toda a popula-ção, utilizando-se a “libreta” que a Revolução implantou desde 1962 e que até os dias atuais vende ao consumidor produtos subsidiados.

O consumo de alimentos per capita diário foi se recupe-rando, até chegar em 2003 ao

que se havia chegado em 1989, e subiu para 3.305 calorias em 2004; atingiu o requerido em proteínas e manteve um déficit em gordura. Aumentou a oferta estatal nos mercados “liberados” e sua rede gastronômica.

A sociedade cubana é ca-paz de mitigar os efeitos de secas e ciclones tropicais, e de atender regiões afetadas ou prejudicadas; a defesa civil e o sistema de pre-venção e atuação ante desastres naturais de Cuba estão entre os melhores do mundo, por sua cobertura e eficiência.

Sua organização social e as prioridades que ela determina é que abrem caminho para essas conquistas. Isso permite que um país que enfrenta fortes carências e dificuldades seja celebrado por sua destacada atenção à infân-cia e à sua política de emprego, confronte o envelhecimento de sua população, destine somas ingentes ao gasto social, tenha um enorme programa de uni-versalização dos estudos supe-riores e priorize os centros de saúde e educação em relação a construções e reformas. E tam-bém faz com que seus cidadãos e seu governo expressem inco-modidade e preocupações ante necessidades básicas que con-tinuam insatisfeitas, como a escassez e o mal estado das mo radias, ou ante a crise recente do abastecimento de energia elétrica. Carlos D’Incao é professor de história formado pela FFLCH da USP

ESPECIAL

Os centros das cidades cubanas estão repletos de edifícios históricos que o Estado conserva com muita preucupação.

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16 FOLHA DO EDUCADOR 2010

Pedro D’Incao

Desde a década de 80, veri-ficamos um imenso em-

penho, sobretudo nos Estados Unidos, para a criação de maior acesso e incorporação de novas tecnologias nas escolas, princi-palmente as que envolvem o uso de computadores. Porém, apesar dos grandes esforços e investi-mentos nesse sentido, o modelo de implementação norte-ame-ricano tem obtido resultados muito abaixo das expectativas propostas. Esperava-se uma me-lhoria no desempenho acadêmi-co dos estudantes e também um avanço no desenvolvimento das práticas pedagógicas em sala de aula. Porém, o maior problema é o fato de os americanos terem adotado o modelo que as insti-tuições educacionais, públicas e privadas, têm adotado aqui no Brasil.

Os objetivos e metas desse investimento calcaram-se em estratégias “nebulosas” - poderíamos até afirmar, equi-vocadas, pois giram em torno dos seguintes aspectos:

1.Para tornar as escolas mais eficientes e produtivas, é estabelecida uma relação dire-ta e perigosa entre o universo empresarial e as escolas. Como a informática e a tecnologia au-mentaram a eficiência de bancos e empresas em geral, nada mais óbvio seria pensar que a tecno-logia tivesse o mesmo papel e desempenho nas escolas. O pro-blema é que não podemos pensar uma escola como uma empresa, mesmo que haja uma relação fi-nanceira entre família e mante-nedores, como no caso das insti-tuições privadas.

2.Transformar o aprendi-zado numa atividade conectada com a “vida real” passou a signi-ficar a desvalorização das formas clássicas de ensino, relacionadas com aulas expositivas, uso de li-vros didáticos e sistema de ava-liação que cobram conteúdo. Se-gundo os que coordenam as im-plementações tecnológicas nas escolas de nosso país, os métodos

clássicos de ensino são obsoletos e incompatíveis com a nova era, a era da informação. Afirmam ainda que as novas tecnologias exigem uma prática pedagógi-ca centrada no aluno e voltada para o seu cotidiano. Além dis-so, como a tecnologia possibilita o acesso “livre” e “irrestrito” às informações, o objetivo das au-las não deve ser trabalhar o con-teúdo (já disponível “em todo lugar”), mas sim correlacionar essas informações. Assim, a ilu-são da “era da informação” e o esvaziamento quase que comple-to dos conteúdos escolares trans-formaram esse objetivo numa grande armadilha.

3.Para preparar as futuras gerações para as exigências mer-cadológicas deste século, apoia-se na crença de que os empregos do futuro irão requerer priorita-riamente conhecimentos e habi-lidades tecnológicas. Neste caso, um dos objetivos principais da tecnologia nas escolas passa a ser o preparo de mão de obra quali-ficada para o mercado de traba-lho.

Com esses objetivos em mente, o então Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, destinou em 1996 uma verba de dois bilhões de dólares para a implementação tecnológica nas

escolas americanas. Clinton fir-mou, então, quatro pilares para o sucesso desse projeto:-Modernos computadores de-vem estar disponíveis e serem de fácil acesso a todo estudante.-As salas de aula devem estar co-nectadas umas com as outras e com o mundo.-Softwares educacionais devem ser incorporados aos currículos.-Professores deverão estar pre-parados para usar e ensinar com tecnologia.

Os pilares 1 e 2 foram rapidamente estabelecidos e acreditava-se que o terceiro e o quarto iriam surgir como uma consequência natural dos dois primeiros.

Mas isso não aconteceu. Hoje o projeto de implemen-tação tecnológica nos Estados Unidos está em xeque. Apesar da abundância de computado-res nas instituições de ensino, o seu uso efetivo como ferramen-ta pedagógica é extremamente questionável, principalmente pelo fato de os professores não os terem incorporado às suas práticas. O problema, segundo especialistas em tecnologia apli-cada à educação, é o professor. O professor acabou por adap-tar as novas tecnologias à sua já existente prática pedagógica. São

apontados como grandes falhas dos professores o fato de:-Não abrirem mão do “controle” da aula - como vimos anterior-mente, o aprendizado através da tecnologia deve ser centrado no aluno.-“Insistirem” em trabalhar o con-teúdo através de livros didáticos - como o conteúdo está “dispo-nível na internet”, essa prática inibe o uso dos computadores.-Serem tecnofóbicos.

Pesquisas feitas nos Esta-dos Unidos refutaram essa últi-ma afirmação, ou seja, os profes-sores não têm medo da tecnolo-gia. Ainda sobre as críticas feitas aos professores, esses pretensos especialistas citam diversos profissionais, tais como arqui-tetos, engenheiros e médicos, que incorporaram a tecnologia no seu cotidiano e melhoraram substancialmente sua eficiên-cia e produtividade. Então, por que o profissional da educação é tão resistente? Ora, a resposta está justamente no caminho que foi(mal) traçado como sendo o correto para a implementação tecnológica: o uso de pedagogias associadas à tecnologia que esva-ziam os conteúdos escolares, que retiram do professor o seu papel e a sua essência. A implementa-ção tecnológica não exige, por

exemplo, que o engenheiro deixe de ser engenheiro. Mas, em re-lação ao professor, tal como está sendo feito nos Estados Unidos e agora no Brasil , exige-se que o professor deixe de ser professor. Definitivamente, esse não é o ca-minho.

O caminho para uma implementação tecnológica eficiente é aquele que leva ao uso do computador como uma ferramenta que fortalece e apri-mora os métodos de aquisição do conteúdo. Isso envolve o desenvolvimento qualitativo da relação professor-aluno, para que eles façam uso dos com-putadores como ferramentas de produção multimídia, aná-lise de dados e para realização de trabalhos colaborativos. No Brasil, com o uso de notebooks de baixo custo (que impedem a realização de trabalhos mais sofisticados) e que estão sen-do utilizados como uma mera substituição do caderno ou apostila (e principalmente para realização de atividades pré-fa-bricadas online), o insucesso e o esvaziamento total da utilização tecnológica serão, num breve espaço de tempo, um fato.

Pedro D’Incao é professor de Física, formado pelo IF-USP.

OPINIÃO - TECNOLOGIA & EDUCAÇÃO

Qual o caminho da tecnologia nas escolas?

E necessário que a tecnologia seja usada para a dinamização do aprendizado, ajudando assim o entendimento do aluno.