FONOAUDIOLOGIA EDUCACIONAL NA PREVENÇÃO DO RUÍDO

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DISTÚRBIOS DA COMUNICAÇÃO HUMANA MEMÓRIA DE TRABALHO, CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E HIPÓTESE DE ESCRITA Um estudo com alunos de pré-escola e de primeira série DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Gigiane Gindri Santa Maria, RS, Brasil 2006

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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CINCIAS DA SADE PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DISTRBIOS DA COMUNICAO HUMANA MEMRIA DE TRABALHO, CONSCINCIA FONOLGICA E HIPTESE DE ESCRITA Um estudo com alunos de pr-escola e de primeira srie DISSERTAO DE MESTRADO Gigiane Gindri Santa Maria, RS, Brasil 2006

2. 1 MEMRIA DE TRABALHO, CONSCINCIA FONOLGICA E HIPTESE DE ESCRITA: Um estudo com alunos de pr-escola e de primeira srie por Gigiane Gindri Dissertao apresentada ao curso de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Distrbios da Comunicao Humana, rea de Concentrao em Linguagem Oral e Escrita, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Distrbios da Comunicao Humana. Orientadora: Profa. Dra. Mrcia Keske-Soares Co-Orientadora: Profa. Dra. Helena Bolli Mota Santa Maria, RS, Brasil 2006 3. 2 Universidade Federal de Santa Maria Centro de Cincias da Sade Programa de Ps-Graduao em Distrbios da Comunicao Humana A Comisso Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertao de Mestrado MEMRIA DE TRABALHO, CONSCINCIA FONOLGICA E HIPTESE DE ESCRITA Um estudo com alunos de pr-escola e de primeira srie elaborada por Gigiane Gindri como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Distrbios da Comunicao Humana COMISSO EXAMINADORA: Mrcia Keske-Soares, Dra. (Presidente/Orientadora) Jerusa Fumagalli de Salles, Dra. (UFRGS) Carla Aparecida Cielo, Dra. (UFSM) Santa Maria/RS, 28 de maro de 2006. 4. 3 Por ser presente, mesmo quando ausente... Dedico minha famlia, representada pelas pessoas de meus queridos pais, Gil e Ftima, e de meu esposo Vanir. 5. 4 AGRADECIMENTOS ESPECIAIS A vitria no vem... Ela conquistada por etapas. Profa. Dra. Fonoaudiloga Orientadora e amiga Mrcia Keske-Soares... Profa. Dra. Fonoaudiloga Co-orientadora Helena Bolli Mota... colega e amiga Fonoaudiloga Masa Tatiana Casarin... A todas as crianas, incluindo seus familiares e escolas... Aos meus familiares e aos verdadeiros amigos... Ao meu esposo Vanir... Cada um de vocs, de forma peculiar e nica, contribuiu para que essas etapas, em muitos momentos ngremes, pudessem ser galgadas, como degraus de sentimentos diversos, para hoje, alcanar esta realizao: a dissertao de mestrado. Muito Obrigado! 6. 5 AGRADECIMENTOS Aos alunos do Curso de Fonoaudiologia da UFSM: Ana Carolina Ferreira de Mendona, Caroline Marini, Cntia Corra Blini, Danbia Emanuele Weber, Fernanda Soares Aurlio, Franciele da Trindade Flores, Gisiane Conterno, Janana Sofia Baesso, Jean Camargo Longhi, Karina Carlesso Pagliarin, Luane Boton, Mardnia Alves Checalin, Maria Rita Leal Ghisleni, Marizete Ilha Ceron, Mrcia Lima Athayde, Michele Vares, Roberta Dias, Shana Lara Santos Sinia Neujard dos Santos, Vanessa Giacchini... s alunas do Curso de Ps Graduao em Distrbios da Comunicao Humana: Ana Paula Silva da Silva, Joana Balardin, Leisa Cristina Danieli, Maria das Graas de Campo Melo Filha... Delegacia de Educao, representada na pessoa da Sra. Mrcia Estivalete e escolas da rede estadual... Fonoaudiloga Giovana Romero Paula... s colegas de Mestrado... Aos professores do curso de Fonoaudiologia da UFSM, representados pelo Dr. Cludio Cechella pelos materiais e apoio, e pela Fonoaudiloga Carla Aparecida Cielo pelo incentivo... s professoras Dra. Jerusa Fumagalli de Salles, Dra. Carla Aparecida Cielo e Dra. Carolina Lisboa Mezzomo que aceitaram o convite para fazer parte da Banca Examinadora... 7. 6 Aos funcionrios do Servio de Atendimento Fonoaudiolgico, Loeci, Vera, Celito e Edna... Encaminhando esta jornada para a finalizao, hora de olhar para os lados, muitos diriam para trs, e relembrar os passos dados e vividos e a contribuio de todos aqueles que me acompanharam de alguma forma. A todos vocs o meu sincero carinho e agradecimento. 8. 7 Somos aquilo que recordamos ... e tambm somos aquilo que resolvemos esquecer. Izquierdo, 2002. 9. 8 RESUMO Dissertao de Mestrado Programa de Ps-Graduao em Distrbios da Comunicao Humana Universidade Federal de Santa Maria MEMRIA DE TRABALHO, CONSCINCIA FONOLGICA E HIPTESE DE ESCRITA: Um estudo com alunos de pr-escola e de primeira srie AUTORA: GIGIANE GINDRI ORIENTADORA: MRCIA KESKE-SOARES CO-ORIENTADORA: HELENA BOLLI MOTA Data e Local da Defesa: Santa Maria/RS, 28 de Maro de 2006. Este estudo teve por objetivo verificar a relao entre a memria de trabalho, a conscincia fonolgica e a hiptese de escrita, em alunos de pr-escola e primeira srie. A amostra foi composta de 90 alunos da rede estadual de ensino, distribudos entre as sete reas geogrficas da zona urbana, do municpio de Santa Maria/RS, que apresentavam desenvolvimento lingstico tpico. Destes, 40 alunos eram da pr-escola, com idade mdia de seis anos, e 50 eram da primeira srie, com idade mdia de sete anos. A amostra selecionada foi submetida avaliao das habilidades de memria de trabalho com base no Modelo de Memria de Trabalho de Baddeley (2000), envolvendo a Ala Fonolgica. A Ala Fonolgica foi avaliada atravs do subteste cinco, de Memria Seqencial Auditiva do Teste Illinois de Habilidades Psicolingusticas (ITPA), adaptao brasileira realizada por Bogossian e Santos (1977), e do Teste de Memria com Palavras sem Significado, elaborado por Kessler (1997). As habilidades de Conscincia Fonolgica foram estudadas a partir do teste Conscincia Fonolgica: Instrumento de Avaliao Seqencial (CONFIAS), elaborado por Moojen et al. (2003), considerando tarefas de conscincia silbica e fonmica. A escrita foi caracterizada conforme a proposta de Ferreiro e Teberosky (1999). Os resultados foram analisados, atravs de testes no-paramtricos e paramtricos, com o Software Estatstico SPSS verso 8.0. Os alunos de pr- escola apresentaram capacidade de repetir seqncias de 4,80 dgitos e 4,30 slabas; em conscincia fonolgica, o desempenho em nvel de slabas foi de 19.68 e 8,58, em nvel de fonemas; e hiptese de escrita pr-silbica, em sua maioria. Na primeira srie, os alunos repetiram, em mdia, seqncias de 5,06 dgitos e 4,56 slabas, apresentaram desempenho de 31,32, em conscincia fonolgica em nvel de slabas, e 16,18, em nvel de fonemas; e hiptese alfabtica de escrita. Conclui- se que o desempenho em memria de trabalho, conscincia fonolgica e nvel de escrita se inter-relacionam, bem como esto relacionados com a idade cronolgica, conseqente maturidade e aumento do nvel de escolaridade. Palavras-chave: memria de trabalho, conscincia fonolgica, hiptese de escrita, pr-escola, primeira srie. 10. 9 ABSTRACT Masters degree dissertation Post-Graduation Program in Human Communication Disorders Federal University of Santa Maria, RS, Brazil WORKING MEMORY, PHONOLOGICAL AWARENESS AND WRITING HYPOTHESIS: A study with preschoolers and first graders AUTHOR: GIGIANE GINDRI MAIN SUPERVISOR: MRCIA KESKE-SOARES OTHER SUPERVISOR: HELENA BOLLI MOTA Place and date of public presentation: Santa Maria, March 28th, 2006. This research was carried out aiming to evaluate the relationship among working memory, phonological awareness and the writing hypothesis in preschoolers and first graders. The sample was compound of 90 students belonging to state schools, distributed in seven geographical urban areas from Santa Maria/RS, who presented typical linguistic development. Forty students were preschoolers average age of six, and 50 were first graders with average age of seven. The sample was submitted to the evaluation of the abilities of working memory based on the Working Memory Model, Baddeley (2000), involving Phonological loop. Phonological loop was evaluated using the Auditory Sequential Test, subtest 5 of Illinois Test of Psycholinguistic Abilities (ITPA), Brazilian version carried out by Bogossian and Santos (1977), and the Meaningless Words Memory Test carried out by Kessler (1997). Phonological awareness abilities were studied using the Phonological Awareness: Instrument of Sequential Assessment (CONFIAS) elaborated by Moojen et al. (2003), considering tasks of syllabic and phonemic awareness. The writing was featured according to the proposal of Ferreiro and Teberosky (1999). The findings were analyzed using non-parametric and parametric tests with Statistics Software SPSS 8.0. Preschoolers presented capacity of repeating sequences of 4,80 digits and 4,30 syllables. In phonological awareness, the performance in level of syllables was 19,68 and 8,58 in phoneme level. They also showed pre-syllabic writing hypothesis. On the first grade, students repeated, in average, sequences of 5,06 digits and 4,56 syllables. They presented 31,12 in phonological awareness at syllable level, and 16,18 at phoneme level. Besides, they also showed alphabetic writing hypothesis. The results show that working memory performance, phonological awareness and writing level have an inter-relation, and are related to chronological age, consequent maturity and increase in the school level. Key words: working memory, phonological awareness, writing hypothesis, preschool, first grade 11. 10 LISTA DE TABELAS TABELA 1 Caracterizao quanto ao nvel de escolaridade e a faixa etria (em meses).......................................................................................................... 79 TABELA 2 Mdia e desvio-padro das respostas obtidas, quanto repetio de seqncia de dgitos e escore escalar correspondente, e quanto ao nmero de slabas na repetio de palavras sem significado........................................... 92 TABELA 3 Mdia e desvio-padro, na avaliao da conscincia fonolgica, ao nvel de slaba, de fonema e resultado total.................................................. 94 TABELA 4 Mdia e desvio-padro, na avaliao da conscincia fonolgica, ao nvel de slaba, de fonema e resultado total, considerando o gnero, nos alunos de pr-escola............................................................................................ 95 TABELA 5 Mdia e desvio-padro, quanto s habilidades de conscincia fonolgica............................................................................................................. 96 TABELA 6 Desempenho quanto hiptese de escrita..................................... 100 TABELA 7 Desempenho quanto hiptese de escrita dos alunos de pr- escola, considerando o gnero............................................................................ 102 TABELA 8 Mdia e desvio-padro, na avaliao de conscincia fonolgica ao nvel de slaba, de fonema e resultado total, quanto hiptese de escrita.... 102 TABELA 9 Resultado esperado na avaliao de conscincia fonolgica, quanto hiptese de escrita................................................................................ 105 TABELA 10 Desempenho nas avaliaes realizadas quanto escolaridade dos pais................................................................................................................ 108 TABELA 11 Desempenho nas avaliaes realizadas, quanto escolaridade dos pais nos alunos............................................................................................. 111 TABELA 12 Correlao entre as avaliaes realizadas com alunos de pr- escola................................................................................................................... 113 12. 11 TABELA 13 Correlao entre as avaliaes realizadas com alunos de primeira srie........................................................................................................ 114 TABELA 14 Correlao entre as avaliaes realizadas, em alunos de pr- escola e primeira srie......................................................................................... 116 TABELA 15 Desempenho em memria de trabalho quanto seqncia de dgitos, pontuao e escore escalar correspondentes, e nmero e pontuao em slabas, em relao hiptese de escrita...................................................... 118 13. 12 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 Caracterizao quanto ao nvel de escolaridade.......................... 79 QUADRO 2 Caracterizao quanto ao gnero masculino e feminino............. 80 QUADRO 3 Distribuio dos alunos nas sete reas geogrficas da zona urbana de Santa Maria/RS................................................................................... 80 QUADRO 4 Caracterizao quanto escolaridade materna............................ 81 QUADRO 5 Caracterizao quanto escolaridade paterna............................. 81 14. 13 LISTA DE ILUSTRAES FIGURA 1 Esquema representativo do processamento fonolgico.................. 27 FIGURA 2 Atuao dos componentes envolvidos no armazenamento de curto prazo e na aprendizagem fonolgica de longo prazo................................. 30 FIGURA 3 Modelo de armazenamento de memria........................................ 31 FIGURA 4 Modelo de memria de trabalho...................................................... 33 FIGURA 5 Modelo multicomponente de memria de trabalho ........................ 34 FIGURA 6 Esquema sobre os nveis de conscincia fonolgica...................... 50 FIGURA 7 Grfico de complexidade das habilidades de conscincia fonolgica............................................................................................................. 51 15. 14 LISTA DE ABREVIATURAS UFSM Universidade Federal de Santa Maria SAF Servio de Atendimento Fonoaudiolgico ITPA Illinois Test of Psycholinguistic Abilities Teste Illinois de Habilidades Psicolingusticas CONFIAS Conscincia Fonolgica: Instrumento de Avaliao Seqencial PCF Prova de Conscincia Fonolgica C. F. Conscincia Fonolgica 5:11 Idade representada por anos:meses TCF Teste de Conscincia Fonmica DE Delegacia de Ensino CELF Centro de Estudos de Linguagem MLP Memria de Longo Prazo TMS Teste Metafonolgico Seqencial 16. 15 LISTA DE ANEXOS ANEXO A Consentimento informado institucional......................................... 136 ANEXO B - Consentimento informado aos pais ou responsvel...................... 137 ANEXO C Distribuio das escolas estaduais da zona urbana do municpio de Santa Maria/RS por rea geogrfica, em relao a sua participao na pesquisa.................................................................................. 138 ANEXO D Identificao das escolas que participaram do estudo por rea geogrfica......................................................................................................... 139 ANEXO E Distribuio dos alunos, em relao rea geogrfica, ao nmero de matriculados em cada nvel, triagem e s condies para integrar a amostra, bem como total de integrantes da amostra....................... 140 ANEXO F Entrevista com a professora......................................................... 142 ANEXO G - Anamnese fonoaudiolgica........................................................... 142 ANEXO H Triagem fonoaudiolgica.............................................................. 143 ANEXO I Subteste 5 Memria Seqencial Auditiva, do Teste Illinois de Habilidades Psicolingusticas (ITPA), adaptao brasileira realizada por Bogossian e Santos (1977).............................................................................. ANEXO J Prova de Repetio de Palavras Sem Significado, baseado em Kessler (1997)............................................,....................................................... ANEXO K Teste Conscincia Fonolgica: Instrumento de Avaliao Seqencial (CONFIAS), elaborado por Moojen et al. (2003)............................. ANEXO L - Nmero de questes corretas, esperadas no CONFIAS em cada nvel, de acordo com a hiptese de escrita........................................................ 145 146 147 150 17. 16 LISTA DE APNDICES Resultados obtidos pelos alunos de pr-escola e de primeira srie, nas avaliaes de memria de trabalho, conscincia fonolgica e hiptese de escrita. APNDICE A Resultados da rea 1................................................................. 151 APNDICE B Resultados da rea 2................................................................. 152 APNDICE C Resultados da rea 3................................................................. 153 APNDICE D Resultados da rea 4................................................................. 154 APNDICE E Resultados da rea 5................................................................. 155 APNDICE F Resultados da rea 6................................................................. 156 APNDICE G Resultados da rea 7................................................................. 157 18. 17 SUMRIO 1 INTRODUO.......................................................................................... 19 2 REVISO BIBLIOGRFICA..................................................................... 23 2.1 Processamento fonolgico.................................................................... 25 2.1.1 Habilidades de memria......................................................................... 28 2.1.1.1 Memria de trabalho.......................................................................... 32 2.1.1.1.1 Neuroanatomia funcional da memria de trabalho.............................. 36 2.1.1.1.2 Desenvolvimento e avaliao da memria de trabalho...................... 39 2.1.1.1.3 Estudos envolvendo memria de trabalho.......................................... 41 2.1.2 Conscincia metalingstica............................................................. 43 2.1.2.1 Conscincia fonolgica..................................................................... 48 2.1.2.1.1 Desenvolvimento e avaliao da conscincia fonolgica.................... 52 2.2 Aquisio da linguagem escrita............................................................. 59 2.3 Escolaridade e aprendizagem................................................................ 67 3 METODOLOGIA......................................................................................... 75 3.1 Caracterizao da pesquisa..................................................................... 75 3.2 Aspectos ticos......................................................................................... 75 3.3 Populao-alvo.......................................................................................... 76 3.4 Clculo da amostra................................................................................... 76 3.5 Critrios para seleo da amostra........................................................... 78 3.6 Caracterizao da amostra....................................................................... 79 3.7 Procedimentos.......................................................................................... 82 3.7.1 Anamnese fonoaudiolgica.................................................................. 83 3.7.2 Triagem fonoaudiolgica........................................................................ 83 3.7.3 Avaliaes especficas........................................................................... 84 3.7.3.1 Avaliao da memria de trabalho......................................................... 85 3.7.3.2 Avaliao de conscincia fonolgica...................................................... 86 3.7.3.3 Avaliao da hiptese de escrita............................................................ 87 19. 18 3.7.3.4 Metodologia de ensino............................................................................ 88 3.7.3.5 Levantamento e anlise dos dados........................................................ 88 4 RESULTADOS E DISCUSSO................................................................... 91 4.1 Desempenho quanto memria de trabalho.......................................... 91 4.2 Desempenho em conscincia fonolgica................................................ 94 4.3 Desempenho em escrita............................................................................ 100 4.4 Desempenho dos alunos quanto escolaridade dos pais.................... 107 4.5 Correlao entre memria de trabalho e conscincia fonolgica........ 112 5 CONCLUSES.............................................................................................. 120 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.................................................................... 122 OBRAS CONSULTADAS.................................................................................... 134 ANEXOS.............................................................................................................. 135 APNDICES........................................................................................................ 151 20. 19 1 INTRODUO A presente pesquisa est situada no mbito das investigaes entre a memria de trabalho, a conscincia fonolgica e a aquisio da linguagem escrita (hiptese de escrita). Est inserida na linha de pesquisa da linguagem oral e escrita, do Programa de Ps-Graduao em Distrbios da Comunicao Humana, da Universidade Federal de Santa Maria, integrado ao Centro de Estudos de Linguagem e Fala (CELF). Foi realizado em estudo com alunos de pr-escola e de primeira srie da zona urbana do municpio de Santa Maria/RS, abordando aspectos de memria de trabalho, conscincia fonolgica e hiptese escrita. A aprendizagem um assunto que intriga tanto aos envolvidos com o processo de aprendizagem formal, como aos leigos. Questes sobre como se apreende e aprende so cotidianas, para pais, professores e profissionais que tambm se envolvem com este processo, como sejam fonoaudilogos, pedagogos, psicopedagogos, psiclogos, educadores especiais. Inmeros trabalhos tm surgido, com o objetivo de compreender e facilitar o estudo do processo de aprendizagem da leitura e da escrita, das habilidades que os alfabetizandos devem ter ou desenvolver para lerem e escreverem. A Lngua Portuguesa possui um sistema de escrita alfabtica, o que significa que cada som emitido oralmente tem um correspondente grfico. Neste sistema de escrita, a palavra falada analisada em unidades mnimas, que so os fonemas, aos quais so atribudos sinais (grafemas), as chamadas letras, respeitando a ordem dos segmentos sonoros dentro da palavra. Nem sempre possvel, no entanto, a relao direta fonema-grafema, j que determinado fonema pode ser representado por dois ou mais grafemas distintos. Esse processamento de informaes, que inclui a diferenciao de fonemas e grafemas, possibilitado graas ao desenvolvimento da conscincia fonolgica. Em dado momento do processo de aprendizagem, o alfabetizando vem a descobrir a forma adequada de usar o alfabeto, para representar os sons da fala (escrita), quando passa a compreender o significado da seqncia de grafemas (leitura), armazenando estas informaes na memria. 21. 20 A memria tem sido definida como a capacidade de fixar, conservar e reproduzir, sob forma de lembranas, as impresses experimentadas e obtidas anteriormente pelo indivduo. Ela permite a realizao de aes que envolvem conservao, manuteno e evocao, quando necessrio. Diferentes conceitos so atribudos memria de acordo com a funo, com o tempo de durao e com o seu contedo. Pode-se fazer uma diviso didtica da memria em curto e longo prazo, a partir do Modelo Tradicional da Memria proposto por Atkhinson e Shiffrin (1968). A memria de curto prazo aquela de curta durao, estende-se desde os primeiros segundos ou minutos seguintes ao aprendizado, at trs, seis horas; at o tempo necessrio para que a memria de longo prazo seja efetivamente construda (IZQUIERDO, 2002). A memria de trabalho diferente dos demais tipo de memria. Izquierdo (2002) observa que ela certamente curta, e dura desde poucos segundos at, no mximo, de um a trs minutos. O seu principal papel no o de formar arquivos, mas analisar as informaes que chegam constantemente ao sistema nervoso. A memria de trabalho consiste em uma representao consciente e uma manipulao temporal da informao necessria para realizar operaes cognitivas complexas como a aprendizagem, a compreenso da linguagem, o raciocnio. Sua relevncia se acrescenta por sua contribuio para a memria de longo prazo e por sua relao com a inteligncia (MORGADO, 2005). Para esta pesquisa considerou-se o modelo multicomponente de memria de trabalho proposto por Baddeley (2000), em razo de ser o mais amplamente utilizado na literatura especializada e concordar-se com seus pressupostos. A memria de trabalho relaciona-se com a conscincia fonolgica e, ambas, como habilidades, se relacionam com outras capacidades, tais como a linguagem, o raciocnio, a construo do conhecimento e a aprendizagem. A conscincia fonolgica um tipo de conscincia metalingstica, que se refere habilidade de refletir e manipular os segmentos da fala, permitindo representar a linguagem como um objeto. Neste estudo, no intuito de avaliar essa capacidade, utilizou-se o teste Conscincia Fonolgica: Instrumento de Avaliao Seqencial (CONFIAS), elaborado por Moojen et al. (2003), porquanto o mesmo considera as diferentes tarefas em conscincia fonolgica. Estas tarefas so organizadas de maneira seqencial e possibilitam a investigao das capacidades fonolgicas, com relao 22. 21 aquisio de escrita, considerando as hipteses de escrita propostas por Ferreiro e Teberosky (1999). As duas habilidades, memria de trabalho e conscincia fonolgica, juntamente com a velocidade de acesso informao fonolgica, integram o processamento fonolgico. Este se relaciona com a habilidade de leitura e escrita. Assim, h a possibilidade de que um dficit de memria esteja relacionado etiologia das dificuldades de aprendizagem de leitura e escrita. Da mesma forma, dficits em conscincia fonolgica podem interferir na aprendizagem da leitura e da escrita, justificando-se, por isso, pesquisas quanto memria de trabalho, conscincia fonolgica e a alfabetizao infantil, especialmente com crianas brasileiras. Os resultados podem auxiliar na compreenso dos aspectos da normalidade, colaborando para encontrar recursos para procedimentos preventivos, de ensino e teraputicos. O interesse pelo tema provm da prtica fonoaudiolgica e da constante busca, na literatura especializada, de pesquisas a respeito da aprendizagem e sua inter-relao com a memria de trabalho e com a conscincia fonolgica. Este estudo visa, assim, o desenvolvimento da Fonoaudiologia como cincia, para a compreenso da aprendizagem da leitura e escrita como parte da alfabetizao. O termo alfabetizao envolve a linguagem oral e escrita (Woolfolk, 2000), embora tambm seja utilizado para fazer referncia aos processos de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita (CAGLIARI, 2005). Um conceito ainda mais amplo do que a alfabetizao o de letramento, que envolve as competncias individuais para a escrita, procurando fazer distino de seu papel social. Neste estudo no sero aprofundados estes conceitos. Ainda, assim, a investigao tambm pode colaborar com a Educao. Desta forma, o estudo tem por objetivo geral verificar a relao entre a memria de trabalho, a conscincia fonolgica e a hiptese de escrita de alunos de pr-escola e de primeira srie, estudantes da rede estadual de ensino da zona urbana do municpio de Santa Maria/RS. Os objetivos especficos so: - Observar as caractersticas evolutivas da memria de trabalho, em alunos de pr-escola e primeira srie. - Analisar as caractersticas de conscincia fonolgica, em relao slaba e ao fonema, em alunos de pr-escola e primeira srie. 23. 22 - Identificar a hiptese de escrita, em alunos de pr-escola e primeira srie. - Correlacionar o desempenho de alunos de pr-escola e primeira srie em memria de trabalho, conscincia fonolgica, hiptese de escrita e quanto escolaridade dos pais. No segundo captulo, so apresentadas algumas pesquisas sobre linguagem oral e escrita, uma breve fundamentao sobre processamento fonolgico, seguindo pelas habilidades de memria e alguns fundamentos tericos sobre memria de trabalho. Aborda-se, ainda, a conscincia metalingstica, revendo a conscincia fonolgica. Retomam-se aspectos da aquisio da escrita, quanto hiptese de escrita, e, no tpico sobre escolaridade e aprendizagem, discute-se a relao entre as habilidades do processamento fonolgico com a escrita. No terceiro captulo, h a descrio da pesquisa realizada, incluindo a amostra e explicitando os critrios para sua seleo, as avaliaes realizadas, os procedimentos usados para delinear o estudo. So descritos os instrumentos utilizados e os procedimentos de anlise quantitativa e qualitativa dos dados. O quarto captulo apresenta os resultados obtidos no estudo, dispostos em quadros e tabelas, aps a anlise estatstica dos dados da pesquisa. Estes resultados so retomados na discusso, elaborada a partir da anlise de todo o trabalho desenvolvido, e comparados com a literatura compulsada. Finalmente, no quinto captulo, esto as concluses desta pesquisa. 24. 23 2 REVISO DE LITERATURA A linguagem um sistema de comunicao, que, quando utilizado pelo homem, torna-se um instrumento que o diferencia, alm de o capacitar para as relaes, aprendizagens, aes e reaes. De acordo com Kato (1985), a linguagem escrita um mecanismo que permite ao sujeito compreender e fazer uso de seu papel social, numa complexa relao com o mundo e com o outro. A afirmao de Ferreiro (1999) de que a escrita no um produto escolar, mas, sim, um objeto cultural, resultado do esforo coletivo da humanidade, reflete o seu aspecto social. No perodo de aquisio da linguagem, a criana comea a acessar um sistema elaborado a partir de diferentes noes, classificaes e relaes de intercmbio entre o eu, o outro e o objeto, passando a exercer um potencial interminvel de conceitos e desprezando outros que no condizem com o seu nvel intelectual daquele momento. Assim, segundo Golbert (1988), a criana vai at onde seu intelecto permite e, tambm, at onde sua curiosidade a leva. Por isso, a importncia de o adulto estabelecer uma relao de troca e instigao de novas descobertas com a criana, inserindo-se, nesse contexto, o papel dos pais e da escola. A importncia da escrita na evoluo humana, segundo Ellis (2001), que ela exerce a funo de revelar ao homem de hoje, o homem de ontem, tendo em vista a histria do amanh. Todo este processo, entretanto, s pode ocorrer norteado pela funo social da linguagem como elemento de suporte e sustento da comunicao humana. A escrita, como fator de comunicao e transmisso do conhecimento, tem demonstrado que o homem pode estabelecer contatos e trocas, valendo-se, particularmente, de signos ou smbolos. Assim, Kato (1999) menciona que a escrita um elemento de transformao social e individual, pois o sujeito em processo de aquisio e desenvolvimento da escrita v as possibilidades de interao com o mundo que esta lhe proporciona. Ao longo da evoluo, o homem j utilizou vrios recursos para a comunicao e expresso. Segundo Ferreiro e Luria (1994), tais recursos baseiam- se em diferentes sinais, verbais e no-verbais. Os verbais constituem-se de cdigos 25. 24 que se organizam segundo a palavra falada ou escrita, e os sinais no-verbais so os cdigos que no utilizam palavras como meio de expresso, sendo manifestados por meio de expresso corporal, como a dana e os gestos. A linguagem oral , em princpio, um processo natural de comunicao que antecede a linguagem escrita. Segundo Silva (2000), ambas so complementares. Ainda conforme o autor, corroborado por Oliveira (2000), a lngua escrita tem uma prioridade social sobre a oral, em decorrncia de seu prestgio social. Neste sentido, Sisto (2001) afirma que a escrita, no meio escolar, muito valorizada, uma vez que seu domnio base para a aquisio de conhecimentos e, no contexto social, representa padres sociais e culturais. Salles (2001) ressalta que os processos cognitivos envolvidos na escrita diferem dos envolvidos na leitura. A escrita associa os segmentos fonolgicos s letras em um processo de codificao, enquanto a leitura parte da informao visual, que decorre da decodificao. O processo de aquisio da lngua escrita ultrapassa o automatismo. Ajuriaguerra (1988) acrescenta que a escrita uma forma de expresso da linguagem, sendo uma das suas funes principais a comunicao simblica, com a ajuda de sinais criados pelo prprio homem. Essa comunicao permeada pela figura do locutor e do interlocutor ou receptor da mensagem. Esse autor conclui, ainda, que os sinais variam de acordo com as civilizaes ou as culturas de determinados povos. Em funo disso, no se pode atribuir a funo da escrita a um mero ato de estmulo-resposta. As habilidades necessrias para a aquisio da escrita dependem do nvel em que o processo se encontra, o qual est relacionado a diferentes fatores internos e externos ao sujeito (FONSECA, 1995; MORAIS; MOUSTY; KOLINSKY, 1998; DOCKRELL; MCSHANE, 1997; FREITAS, 2003). Zorzi (2003) considera que necessrio um conjunto de habilidades para a alfabetizao, pois ela um fenmeno multifacetado, de natureza complexa. Os fatores internos envolvem a maturao, bem como aspectos neurolgicos e cognitivos. Dentre os cognitivos, observa-se que o processamento fonolgico e as funes cognitivas superiores permeiam a aquisio e manuteno de conhecimentos. Apesar de que aprender a ler e a escrever seja relativamente fcil, para a maioria das crianas, as habilidades lingsticas e cognitivas bsicas, necessrias 26. 25 para que a aprendizagem possa ocorrer, so numerosas e complexas. aceito que as habilidades da linguagem falada constituem uma base para a aquisio da leitura e da escrita (SNOWLING; STACKHOUSE, 2004). Neste captulo, feita uma revisitao s abordagens tericas que norteiam o conhecimento atual das Cincias Humanas, procurando seguir uma linha cronolgica, enfocando os seguintes tpicos, os quais permitem uma melhor compreenso e delimitao do tema em estudo: o processamento fonolgico, envolvendo as habilidades de memria, especificamente a memria de trabalho e a conscincia metalingstica, enfocando a conscincia fonolgica. Ainda so considerados aspectos da aquisio da linguagem escrita, da escolaridade e aprendizagem. 2.1 Processamento fonolgico As habilidades de processamento fonolgico, segundo Capovilla e Capovilla (1998), relacionadas lngua escrita (leitura e escrita), referem-se forma como as informaes so processadas, armazenadas e utilizadas. Trs habilidades esto envolvidas: a rapidez e preciso no acesso ao lxico mental, a conscincia fonolgica e a memria de trabalho. Barraga (1992) informa que, pela circunstncia de o sujeito estar exposto a um contexto rico de estmulos e informaes, esto presentes vrias habilidades cognitivas. Entre estas, cita-se: a ateno, a concentrao e a inteno do sujeito, em relao ao objeto a que dedicar seu interesse. Desse modo, o sujeito necessita filtrar as informaes provenientes do meio. Torgesen, Wagner e Rashotte (1994) definem o processamento fonolgico como as operaes mentais do processamento de informaes baseadas na estrutura sonora ou fonolgica da linguagem oral. O processamento fonolgico, relacionado s habilidades de leitura e escrita, inclui a velocidade de acesso informao fonolgica (acesso ao lxico mental), o componente fonolgico da memria de trabalho e a conscincia fonolgica. As habilidades de vocabulrio, compreenso de linguagem, conscincia fonolgica, acesso ao lxico mental e memria de trabalho so dependentes do processamento fonolgico, segundo Capovilla, Gtschow e Capovilla (2002). a 27. 26 demanda cognitiva concentrada no processamento fonolgico que possibilita o desenvolvimento de estratgias que favorecem a aprendizagem de leitura e escrita. O processamento fonolgico pode ser considerado, segundo Torgesen, Wagner e Rashotte (1994), uma habilidade necessria alfabetizao. Tambm Gregire e Pierrt (1997) afirmam que o entendimento da linguagem oral, conseqncia do processamento fonolgico, facilita a aprendizagem da leitura e da escrita. Segundo Snowling e Stackhouse (2004), durante todo o desenvolvimento da linguagem, supe-se que as crianas relacionam a fala que ouvem s expresses que produzem. Isto um aspecto fundamental do desenvolvimento fonolgico. medida que o sistema fonolgico da criana se desenvolve, tais vnculos ou representaes tornam-se, pouco a pouco, mais aperfeioados. provvel que os aperfeioamentos tragam, por exemplo, melhorias em algumas habilidades cognitivas, subjacentes ao desenvolvimento de leitura; melhorias no acesso s formas faladas das palavras, como requerido nas tarefas de conscincia fonolgica; e aumento na capacidade de memria verbal de curto prazo, j que esta se baseia em cdigos fonolgicos (correspondentes fala). Desta forma, as representaes fonolgicas bsicas da criana determinam a facilidade com que elas conseguem aprender. Leybaert et al. (1997) inter-relacionam as questes envolvidas no processamento fonolgico, salientando que a codificao fonolgica na memria de trabalho importante, sendo que esta relao que permitiria a manuteno correta dos fonemas associados s letras ou aos grupos de letras. A maior parte das tarefas de conscincia fonolgica requer, de maneira mais ou menos importante, a memria. Do mesmo modo, determinadas tarefas de memrias (como a repetio de pseudopalavras) demandam, provavelmente, uma certa forma de conscincia fonolgica. Snowling e Stackhouse (2004) afirmam estar claro que as habilidades de processamento fonolgico desempenham um papel fundamental no desenvolvimento da leitura e da ortografia. Explicam que, sem uma fonologia intacta de recebimento de informaes, uma criana no consegue discriminar e seqenciar o que ela escuta. Esse problema de processamento auditivo tem um efeito domin na maneira como as palavras so armazenadas no lxico da criana. 28. 27 Metacognio Conscincia fonolgica Acesso ao lxico mental Memria de trabalho Representaes lexicais indistintas so problemticas, quando a criana precisa nomear ou escrever. A fonologia da emisso, segundo os autores, particularmente importante para o ensaio de material verbal mecanismo de retroalimentao articulatria - na memria, e para refletir sobre a estrutura, durante a preparao para a fala e para a escrita. Os problemas no ensaio afetam a habilidade da criana para desenvolver a conscincia fonolgica uma habilidade necessria para que a alfabetizao se desenvolva satisfatoriamente. O sucesso na alfabetizao, por sua vez, depende da associao dessas habilidades de processamento fonolgico nos planos do recebimento de informaes, de representao e de expresso. como ocorre, por exemplo, com o conhecimento alfabtico adquirido atravs da experincia ortogrfica. Os componentes do processamento fonolgico e a inter-relao dos mesmos so fatores elucidados atravs de uma adaptao do esquema representativo, proposto por vila (2004). Como pode ser observado na Figura 1, a memria de trabalho e o acesso lexical atuam no desenvolvimento da linguagem. Da mesma maneira, a memria de trabalho e o acesso lexical so solicitados pelo executivo central, na realizao das tarefas, incluindo as que envolvem conscincia fonolgica e associao grafema-fonema. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ Figura 1 Esquema representativo do processamento fonolgico. Fonte Adaptao do esquema de vila (2004). E c x e e n c t u r t a i l v o Linguagem oral Escrita Conscincia fonmica Processos Receptores Processamento fonolgico Representaes fonolgicas Processos fonolgicos Memria de trabalho Desenvolvimento lexical Linguagem oral 29. 28 2.1.1 Habilidades de memria H muito tem sido atribudo memria um papel de destaque, como mecanismo interno de desenvolvimento da capacidade intelectual. necessrio, porm, evidenci-la como a porta de entrada, para informaes circundantes no mundo, sendo que a chave deste processo a memria sensorial (ROZENTHAL; ENGELHARD; LANKS, 1995). Quando se questiona o papel da memria, para o desenvolvimento humano, e a sua contribuio para as aquisies cognitivas, a primeira impresso que se tem da memria como uma enorme gaveta, onde se guarda toda a histria e, assim, todos os acontecimentos ocorridos no decorrer da existncia. De acordo com Woolfolk (2000), a memria um processo interno, que atua e regulariza as informaes, as quais, com o tempo, passam a constar de nossas aquisies. H evidncias, no entanto, de que no existe uma regio nica para a memria e que muitas partes do encfalo participam da. Isto no significa, segundo Dalmaz e Alexandre Netto (2004), que toda as regies sejam igualmente envolvidas no armazenamento da informao: diferentes reas armazenam diferentes aspectos das memrias. A formao de todas as memrias requer alteraes morfolgicas nas sinapses: novas sinapses devem ser formadas e antigas precisam ser fortalecidas (LOMBROSO, 2004). De acordo com a abordagem cognitiva, a memria exerce influncia no processo de aprendizagem e aquisies. As pessoas usualmente fazem mais do que simplesmente responder a reforos ou punies. Isto ocorre porque as respostas so usadas conforme um sistema que as ajuda a lembrar e a organizar os materiais que tenham aprendido e guardado internamente. Institui-se, assim, um processamento para armazenamento destas informaes, o que feito de uma maneira nica ou prpria (WOOLFOLK, 2000). Os conhecimentos so adquiridos pelo indivduo, ao longo de sua existncia, garantindo a aprendizagem de novos conceitos. Para Izquierdo (2002), as informaes armazenadas no crebro so a base, o alicerce, para o surgimento de outros conhecimentos, que proporcionam aprender, lembrar e at esquecer, quando o dado desnecessrio. Em outras palavras, cabe ao indivduo, ento, exercitar e utilizar constantemente seus mecanismos internos, tendo como eixo os conhecimentos j adquiridos. 30. 29 Analisando a memria, entretanto, Amrico (2002) prope teorias que enfatizam a rea da memria, como elemento no processo cognitivo. Dentre tais teorias, pode-se citar a abordagem cognitiva, que v a aprendizagem como um processo mental ativo, tendo em vista aquisies, por meio das quais h lembrana do contedo armazenado. O uso deste conhecimento faz com que o sujeito possa domin-lo e manipul-lo, quando necessrio. Sternberg (2002), baseando-se em uma viso cognitivista, refere memria como meio pelo qual se recorre a experincias passadas, a fim de us-las no presente. Acrescenta, ainda, que a memria se refere aos mecanismos dinmicos, associados reteno e recuperao da informao. Izquierdo (2002) define a memria como a aquisio, a formao, a conservao e a evocao de informaes. Esta afirmao permite observar a importncia da memria para a aprendizagem. Ao considerar que a aquisio tambm chamada de aprendizagem, o autor refere que s se grava aquilo que foi aprendido. S lembrado aquilo que gravado e, por conseqncia, aprendido. Diferentes conceitos so atribudos memria, dependendo de sua funo, tempo de durao e seu contedo. Izquierdo (2002) afirma que h basicamente dois tipos de memria quanto funo. A memria que serve para gerenciar a realidade, que muito breve e fugaz, denominada memria de trabalho, e a memria de longo prazo, que responsvel pelo arquivamento de informaes, sem limite de tempo. Gonalves (2002) apresenta um resumo da atuao dos componentes envolvidos no armazenamento de curto prazo e na aprendizagem fonolgica de longo prazo. o que segue na Figura 2. 31. 30 Figura 2 Atuao dos componentes envolvidos no armazenamento de curto prazo e na aprendizagem fonolgica de longo prazo. Fonte Gonalves (2002, p.12). A introduo e sustentao da representao do input auditivo ou visual, em traos de memria de trabalho, envolvem a ativao temporria de uma estrutura que reflete a influncia do sistema de longo prazo. Gonalves (2002) acrescenta haver indcios de que a memria de trabalho tenha um importante papel nas tarefas que solicitam a conscincia fonolgica. Isto parece ocorrer, pois durante a realizao de uma tarefa desta natureza, necessrio que o material verbal seja mantido na memria de trabalho, a fim de haver sucesso na resoluo da tarefa solicitada. Mann e Llberman (1984) sugerem que tarefas que envolvem habilidades fonolgicas, como nomear letras e objetos, relembrar sentenas faladas e ouvir histrias e rimas infantis, promovem as habilidades de memria. Alm disso, podem facilitar as propriedades combinatrias de novas cadeias fonolgicas, aumentando a habilidade de representar inputs fonologicamente (conscincia fonolgica), na memria de trabalho. Alvarez et al. (2005) observam que a memria vai alm da capacidade de armazenar diferentes formas de conhecimento adquirido pelo homem, em suas relaes com o meio ambiente. Os autores acrescentam, considerando o processamento da informao, que a memria de trabalho a capacidade de aprender coisas novas, relacion-las com outras informaes j armazenadas e construir novas idias, que podero ser lembradas. Input visual Input auditivo anlise visual e anlise auditiva e identificao de palavras percepo de fala sistema articulatrio Memria de trabalho (processo de ensaio) (armazenamento fonolgico) MLP Fonolgica 32. 31 O termo memria de trabalho serve para descrever o sistema de memria de curto prazo, que est envolvido no processamento temporrio e na estocagem de informao. Este processamento apresenta um papel ativo no processamento da linguagem (Baddeley, 1998). Baddeley (1998) props um modelo de armazenamento, em que considera a memria de trabalho como um sistema multicomponente, que recebe informaes dos inputs sensoriais, transmitindo-as aos armazenadores sensoriais. Estas informaes ficam nestes armazenadores at serem processadas, para, s ento, passarem para a memria de longo prazo. Na figura abaixo pode ser observado o modelo de armazenamento de memria proposto por Atkinson e Shiffrin (1971 apud Nunes, 2001, p.22). Figura 3 Modelo de armazenamento de memria. Fonte Atkinson e Shiffrin (1971 apud NUNES, 2001, p.22). Nunes (2001) retoma o modelo tradicional de memria proposto por Atkinson e Shiffrin. A sua arquitetura serial requer que a memria de curto prazo - um sistema unitrio amodal, que processa as informaes em paralelo - passe as informaes para a de longo prazo. Posteriormente, surgiram outros estudos, como o de Baddeley (2000). A memria de longo prazo, de acordo com o estudo de Baddeley (1986), relativamente permanente. Cabem a ela monitorar os estmulos, nos registros sensoriais, e providenciar espao, para as informaes que provm da memria de trabalho, necessrias para aprendizagem. Morgado (2005) observa que a memria um fenmeno geralmente inferido, a partir de novas experincias, como, por exemplo, as experincias que a criana tem no meio escolar. Input Armazenadores Sensoriais MCP Memria de trabalho Processos de Controle (Ensaio, Codificao, Deciso, Recuperao) MLP Output 33. 32 2.1.1.1 Memria de trabalho A memria de trabalho (BADDELEY, 1986, 1998) tem a funo de manter, por um perodo curto de tempo - segundos ou poucos minutos - a informao que est sendo processada no momento. A diferenciao da chamada memria de trabalho, em relao a outros tipos de memria, que ela no deixa traos e no produz arquivos. Segundo Miller (1956), a memria de trabalho limitada, quanto capacidade de armazenamento imediato de informao. Assim, fica em evidncia que este sistema de memria apresenta limitao quanto ao tempo, mas pode ser mantido, se for ativado, pela repetio de manuteno ou pela transferncia memria de longo prazo. A memria de trabalho classificada como memria de curto tempo, ou de curto prazo, pois tem um limite temporal aproximado de cinco a vinte segundos. De acordo com Piaget (1973), a conservao de toda reao adquirida, bem como de resultados de um aprendizado ou de um condicionamento orgnico, abrangendo a conservao de toda aquisio somtica e, tambm, de todo esquema adquirido de comportamento, definido como memria. a memria de trabalho que colabora para que haja compreenso, organizao e reorganizao da lembrana, bem como evocao de contedos necessrios para a escrita. As funes da memria de trabalho envolvem armazenamento e processamento da informao (COLOM; FLORES-MENDOZA, 2001). A memria de trabalho foi designada por Baddeley (2000) como um sistema capaz de reter e manipular temporalmente a informao, enquanto participa de tarefas cognitivas como raciocnio, compreenso, aprendizagem. O modelo de memria de trabalho, proposto inicialmente por Baddeley (1974), divide didaticamente o processamento das diferentes informaes e estmulos, favorecendo a compreenso. Assim, composto por um executivo central e dois subsistemas de trabalho: a ala fonolgica e a ala visuo-espacial (Figura 4). 34. 33 Figura 4 Modelo de memria de trabalho. Fonte Baddeley (2000, p.418). Baddeley e Hitch (2000) comentam a similaridade do modelo proposto por Pacual-Leone na dcada de 1970 com o modelo de Baddeley e Hitch (1974), uma vez que ambos apresentavam a proposta de trs componentes, que enfatizavam o papel do executivo central, mais estudado, inicialmente (BADDELEY, 1996). Atualmente, foi incorporado mais um subsistema ao modelo de memria de trabalho, o armazenador episdico. Este quarto componente, o buffer episdico, diz respeito ao processo de integrao da informao, proveniente dos diferentes subsistemas, e tem por funo armazenar, temporariamente, a informao das vrias modalidades sensrias, vem responder a algumas crticas do modelo original (BADDELEY, 2000; BADDELEY; HITCH, 2000). Baddeley (2000) propem que a memria compreende uma central executiva auxiliada, por dois sistemas de suporte, responsveis pelo arquivamento temporrio e manipulao de informaes - um de natureza visuo-espacial e outro de natureza fonolgica. Posteriormente, o quarto componente, denominado de retentor episdico, foi inserido no modelo. Ele corresponde a um sistema de capacidade limitada, no qual a informao evocada da memria de longo prazo se torna consciente, permitindo lidar com a associao entre as informaes mantidas no sistema de suporte e promover sua integrao com informaes da memria de longo prazo. Na Figura 5, pode ser observado o modelo de memria de trabalho proposto por Baddeley (2000, p.418). Executivo Central Ala visuo-espacial Ala fonolgica 35. 34 As reas em branco, observadas na figura anterior, representam os componentes atencionais e de reteno temporria de informaes, e as reas cinzas, os sistemas de reteno de longa durao. A memria de trabalho usualmente compreendida como um conjunto de capacidades de memria temporria, que operam em paralelo, segundo Squire e Kandell (2003). O executivo central responsvel pelo monitoramento e controle do fluxo de informaes, bem como por distribuir a ateno entre as tarefas a serem realizadas. Igualmente, garante o processamento e armazenamento de informaes, alm de ser via de entrada para as alas fonolgica e visuo-espacial (IZQUIERDO, 2002; BADDELEY, 2003). A ala fonolgica processa as informaes verbalmente codificadas. Para isso, conta com dois componentes: a memria fonolgica de curto prazo e a realimentao subvocal. O componente fonolgico da memria de trabalho, tambm chamada de loop fonolgico, realiza a estocagem de material verbal, que se deteriora rapidamente. A realimentao subvocal, ou loop articulatrio, permite resgatar as informaes verbais em declnio e manter o material na memria. Sofre influncia de extenso e freqncia do material verbal e inicia seu desenvolvimento a partir dos seis anos de idade (COLOM; FLORES-MENDOZA, 2000; IZQUIERDO, 2002; BADDELEY, 2003). Provavelmente, loop fonolgico seja o componente mais estudado do modelo (BADDELEY, 2000). A ala visuo-espacial realiza o processamento e a manuteno de informaes visuais e espaciais (BADDELEY et al., 2000; IZQUIERDO, 2002; Figura 5 Modelo multicomponente de memria de trabalho. Fonte Baddeley (2000, p.421). 36. 35 BADDELEY, 2003). Squire e Kandell (2003) observam que a ala fonolgica e a visuo-espacial operam como sistema,s que mantm a informao para utilizao temporria. A memria de trabalho ainda referida como um armazm em que se retm a informao, durante alguns segundos. O processamento da informao ocorre com a utilizao de uma srie de estratgias: repasse (verificao), repetio, organizao, entre outras (GRAY, 2003). Alvarez et al. (2005) observam que ela diz respeito a um curto perodo de tempo, durante o qual se precisa registrar e manter a informao estvel, para que seja compreendida e utilizada. Esta memria tem a capacidade de codificar, em mdia, de sete a oito itens distintos e de reter a informao, durante um perodo de tempo limitado. Segundo Woolfolk (2000), captura-se a informao do contexto, mediante as capacidades sensoriais, quer sejam elas auditivas, visuais, olfativas, gustativas, de sentidos cinestsicos. Em seguida, as informaes captadas so transportadas memria de trabalho, para serem reformuladas. Quando uma informao no chega a esta etapa, resulta, conseqentemente, em dados que no puderam ser armazenados na memria. Isto ocorre, provavelmente, porque no foram ativados mecanismos corretos para sua manuteno ou codificao. Woolfolk (2000) alerta para o fato de que os processos de controle executivos metacognitivos trabalham organizando cada etapa da memorizao. Efetuam, juntamente com as memrias sensoriais, de curta e longa durao, o processo de ampliao de novas informaes, objetivando, assim, a ativao dos processos cognitivos envolvidos no mecanismo do aprender. A reteno de informao necessria, durante a realizao de atividades, decorrente da memria de trabalho. Este sistema de memria corresponde a um armazenamento temporrio de informao, com capacidade limitada, necessitando de repetio contnua (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2002). Santos e Siqueira (2002) referem que a reteno de informaes verbais, na memria de trabalho, essencial para a compreenso de oraes faladas e escritas e para manipular os elementos das palavras. A memria de trabalho consiste em uma representao consciente e na manipulao temporal da informao necessria para realizar operaes cognitivas complexas - como a aprendizagem, a compreenso da linguagem ou o raciocnio. Sua relevncia se acrescenta por sua contribuio para a memria de longo prazo e 37. 36 sua relao com a inteligncia, ou seja, com a capacidade de raciocnio geral e com a resoluo de problemas (MORGADO, 2005). Nessa condio de armazenar o anteriormente percebido e organizado, pode- se dizer que a memria depende da ateno e da percepo, responsveis pela seleo do que dever ser utilizado posteriormente, armazenado e integrado com os conhecimentos existentes. Para se entender a relao da percepo e da ateno com a memria, necessrio, tambm, considerar como as informaes do meio inputs - ficam armazenadas na memria humana. Isto que define os processos pelos quais elas percorrem, para serem armazenadas e evocadas. Helene e Xavier (2003) observaram que a ateno ocorre dependente da estimulao prvia, ativando, ento, o processamento da memria. A memria est ligada aos esquemas de assimilao e acomodao. Isto confirma a capacidade de conservao dos esquemas e a atualizao das lembranas, sob a forma de reconhecimento ou evocao. Favorece a aprendizagem, porque no h aprendizagem ou aquisio sem que haja conservao do que foi aprendido. Do mesmo modo, s possvel falar em memria, quando h conservao de informaes exteriores, aprendizagens. 2.1.1.1.1 Neuroanatomia funcional da memria de trabalho O desempenho da memria envolve mudanas qualitativas e quantitativas pela interao entre a maturao e a aprendizagem (STERNBERG, 2000). Somente nas ltimas dcadas, os pesquisadores comearam a estudar a anatomofisiologia da memria no nvel molecular. O funcionamento do crebro humano se caracteriza, segundo Cielo (1998b), por plasticidade, flexibilidade, rapidez e capacidade para operar com vrios estmulos ao mesmo tempo, tendo o neurnio como unidade bsica funcional. H evidncias que sugerem o crebro tenha que fazer novas sinapses para armazenar informaes e, conseqentemente, a aprendizagem. Isto pode ser responsvel por reforar as sinapses, alm de mudanas na arquitetura cerebral atravs de reajustamentos das redes neuroniais. Cielo (2001) comenta que atualmente se admite que o crebro apresenta micro e macrofuncionamento concomitantes. Tanto a especializao de reas 38. 37 cerebrais, quanto o processamento global da informao, so aceitos. As modificaes originadas na filognese repetem-se na ontognese. Algumas reas, no entanto, aumentaram de tamanho e se especializaram em inmeras funes. Ele, porm, manteve sempre um maior ou menor grau de interdependncia e interligao entre as diversas zonas neurolgicas. A memria uma das funes cognitivas mais complexas e, segundo Dalmaz e Alexandre Netto (2004), o aprendizado de novas informaes e o seu armazenamento causam alteraes estruturais no sistema nervoso. Assim, aprendizado e plasticidade so interdependentes. A experincia, ao modificar o comportamento, est modificando algumas sinapses no sistema nervoso, ou vice- versa. Izquierdo (2002) cita o crtex pr-frontal, a poro mais anterior do lobo temporal, como rea fundamental no processamento da memria de trabalho. O autor refere, tambm, o glutamato, o GABA, a dopamina, a noradrenalina, a serotonina e a acelticolina, como os principais neurotransmissores envolvidos com os processos de memria. Bear, Connors e Paradiso (2002) sugerem que reas hipocampais, juntamente com duas regies do neocrtex, crtex pr-frontal e rea lateral intraparietal, parecem estar envolvidas na memria de trabalho. O hipocampo necessrio para a formao das memrias explcitas, ao passo que vrias outras regies do crebro - incluindo o estriado, a amgdala e o nucleus accumbens - esto envolvidas na formao das memrias implcitas. A formao de todas as memrias requer alteraes morfolgicas nas sinapses: novas sinapses devem ser formadas ou antigas precisam ser fortalecidas. Considera-se que essas alteraes reflitam a base celular, subjacente das memrias persistentes. Considerveis avanos tm ocorrido, na ltima dcada, em relao compreenso sobre as bases moleculares da formao dessas memrias. Um regulador-chave da plasticidade sinptica uma via de sinalizao, que inclui a protena-quinase ativada por mitgenos - MAP (LOMBROSO, 2004). As clulas do sistema nervoso central comunicam-se entre si, durante o aprendizado e so responsveis, em ltima instncia, por permitirem o aprendizado e a memria (LOMBROSO, 2004; DALMAZ; ALEXANDRE NETTO, 2004). Tipos especficos de tarefas so aprendidos nas regies cerebrais especficas. Essa compreenso surgiu a partir do estudo de indivduos com leses 39. 38 cerebrais muito delimitadas, acompanhadas por dficits de memria caractersticos - trabalho que tem sido confirmado em experimentos com animais. O papel do hipocampo, para o aprendizado e para a memria, confirmado, quando se constata que leses do hipocampo impedem o surgimento de novas memrias de um tipo especfico, o tipo de memria que utilizado para aprender novos fatos ou eventos. Surpreendentemente, nestes casos de leses, outros tipos de memria permanecem intactos (LOMBROSO, 2004). Uma srie de achados crticos, segundo o autor, (LOMBROSO, 2004) mostrou que o aprendizado necessita de alteraes morfolgicas, em pontos especializados dos contatos neuronais, as sinapses. Estas se alteram com o aprendizado - novas sinapses so formadas e antigas se fortalecem. Este fenmeno, denominado plasticidade sinptica, observado em todas as regies do crebro. Segundo Squire e Kandell (2003), a aprendizagem produz mudanas prolongadas na intensidade das conexes sinpticas, por meio de crescimento de novos processos sinpticos. Os autores explicam, ainda, que, a persistncia dessas alteraes pode servir como mecanismo para a memria. Os estudos com neuroimagem e potenciais evocados mostram uma ativao especfica das regies parietal e frontal do crebro, durante uma recordao exitosa. Indicam que a informao possivelmente no nova, mas recuperada da memria de longo prazo (MORGADO, 2005). A ativao de diferentes regies cerebrais, representando tanto informaes presentes quanto ausentes, poderia ser, ento, a base para a memria de trabalho e tambm para a memria de longo prazo. Em definitivo, a memria de trabalho, mais que uma simples memria, parece consistir em um sistema geral de controle cognitivo e processamento executivo, que guia o comportamento e implica interaes entre diversas funes mentais: ateno, percepo, motivao, emoo e memria. (MORGADO, 2005). Etchereborda e Abad-Mas (2005) observaram que o crtex pr-frontal dorsolateral desempenha um papel crucial na memria de trabalho.Os estudos de ressonncia magntica evidenciam uma intensa e persistente atividade nesta zona, durante os intervalos de reteno de informao. 40. 39 2.1.1.1.2 Desenvolvimento e avaliao do loop fonolgico da memria de trabalho Os diferentes componentes da memria de trabalho so avaliados atravs de procedimentos distintos, como, por exemplo, a melhor forma de avaliar o executivo central, da memria de trabalho, atravs do paradigma da dupla-tarefa (Baddeley, 1996). No presente, ser enfocado o desenvolvimento e, por conseguinte, a avaliao do componente fonolgico da memria de trabalho. Retomando as questes de funcionalidade da memria de trabalho, Miller (1956), ao investigar a capacidade de armazenamento de alguns sujeitos, constatou que este tipo de memria tem uma varivel restrita a dois dgitos. Segundo este estudo, para a memria de trabalho manter ou reter a informao ativada, objetivando transport-la para a memria de longa durao, preciso manter ativos os estmulos que a codificaram. A sua capacidade de manuteno e durabilidade frgil e limitada a, aproximadamente, um nmero de partculas diferentes, entre cinco e nove. Isto , pode-se guardar ou reter na memria, por um espao curto de tempo, um nmero de telefone com sete ou oito dgitos. O componente fonolgico da memria de trabalho (phonological loop), normalmente avaliado pelas tarefas simples de span de palavras e/ou dgitos: o memory span (word span/ digit span) e pela repetio de palavras sem significado, pseudopalavras (ALLOWAY et al., 2004). O memory span a mais longa lista de palavras ou dgitos que um indivduo pode repetir, sem erros. O seu valor sofre influncia do ensaio utilizado pelo indivduo, sob teste, que equivale ao nmero de itens possveis de serem ditos em 1,5 2 segundos. Aps, ocorre o enfraquecimento dos traos de memria no armazenamento fonolgico. Os testes de recordao de palavras sem significado solicitam, mais confiavelmente, a memria de trabalho, pelo fato de o input ser desconhecido. Ele no sofre, portanto, influncias lexicais ou uso de estratgias mnemnicas, que podem mascarar as reais condies do sistema (HULME; THOMSON; LAWRENCE, 1984; GATHERCOLE; BADDELEY, 1990; CORONA et al., 2005). Gathercole e Baddeley (1993) constataram que a avaliao da memria de trabalho til para observar as mudanas que ocorrem nesta habilidade, durante a infncia. Os autores ensinam que este tipo de memria j parece estar presente aos quatro anos. 41. 40 H relao entre as habilidades de repetio de dgitos e de slabas de palavras sem significado em crianas, segundo Gathercole et al. (1994). Em outro texto, Gathercole (1995) afirma que os resultados com palavras sem significado - tambm chamadas de no-palavras - podem ser comparados com os resultados de repetio de seqncia de dgitos, digit span. Uma das formas de avaliar a memria, segundo Sternberg (2000), atravs de evocao da informao, o que pode ser feito por meio da recuperao de informao de seqncia de dgitos. Santos e Siqueira (2002), tambm referem s tarefas de extenso de lista de palavras e logatomos para avaliar a memria de trabalho, que variam quanto extenso dos estmulos. Squire e Kandell (2003) ponderam a possibilidade de a memria de trabalho consistir, na verdade, em um nmero relativamente grande de capacidades temporrias, cada uma delas uma propriedade de um dos sistemas especializados de processamento de informao no encfalo. Assim, os testes que avaliam a memria de trabalho, qualquer que seja, no consideram nem a extenso da conscincia, nem a capacidade geral de memria. Apenas observam uma forma delas, como, por exemplo, um teste de repetio de dgitos avalia a ala fonolgica. Gray (2003) refere existirem evidncias de que o teste com palavras sem significado - tambm chamadas de pseudopalavras - til para a avaliao da ala fonolgica da memria de trabalho. A habilidade de repetir palavras, segundo Snowling e Stackhouse (2004), tambm oferece informaes importantes sobre a proficincia das habilidades de processamento da fala de uma criana. Em contraste com a tarefa de nomeao, no caso da repetio a criana se baseia menos nas suas prprias representaes fonolgicas, pois o examinador fornece a palavra. Se a palavra apresentada identificada como uma palavra conhecida, a criana pode utilizar um programa motor j montado, para produzi-la. Evidncias clnicas sugerem que vrias crianas com problemas de fala e/ou alfabetizao tm uma dificuldade particular com a repetio de palavras sem significado. Snowling e Stackhouse (2004) ressaltam que a repetio de palavras sem significado uma tarefa que requer uma memria de trabalho bem- desenvolvida, pois a criana precisa lembrar a seqncia estrutural delas para repeti-las. 42. 41 As crianas com desenvolvimento normal cometem muito mais erros, ao repetirem as palavras sem significado do que as palavras reais. Para Snowling e Stackhouse (2004), o fundamental o tamanho da discrepncia, entre a repetio de palavras existentes e de palavras sem significado. Em crianas com desenvolvimento normal, o desempenho cerca de 10% superior, na repetio de palavras reais, em relao repetio de palavras sem significado. A memria de trabalho estudada, preferencialmente por tarefas que envolvem a resposta do sujeito imediatamente aps a apresentao dos estmulos pelo examinador (BADDELEY, 2005). 2.1.1.1.3 Estudos envolvendo memria de trabalho Adams e Gathercole (1995) consideram que, com o avano cronolgico, h um crescente nmero de acertos, nos testes de memria para sons verbais. Outro estuda indica que o resultado em tarefas que avaliam a memria de trabalho, atravs da repetio de dgitos, est correlacionado com a idade cronolgica, sendo que uma criana de quatro anos e seis meses capaz de repetir seqncia de quatro dgitos (GERBER, 1996). Santos et al. (1996) observaram que a partir dos cinco anos de idade, as crianas foram capazes de repetir seqncias de trs a quatro dgitos. J Kessler (1997) registrou a capacidade de pr-escolares da rede particular de ensino, na faixa etria entre quatro anos e dez meses e cinco anos e nove meses, repetirem corretamente envolvia seqncias com at trs dgitos. Na prova de repetio de palavras sem significado, o desempenho esteve entre cinco e seis slabas, independente do gnero. Giacheti, Figueiredo e Capellini (2000) constataram que o subteste de Memria Seqencial Auditiva do ITPA, bem como todas as provas propostas pelo teste, tem mostrado ser instrumento eficiente, no caso de avaliao de crianas sem histrico escolar de fracasso. O aumento da capacidade de repetir seqncias de dgitos cada vez maiores, segundo Jeronymo e Galera (2000), est relacionado com o aumento da idade cronolgica. Segundo os autores, aps os quatro anos, as crianas com desenvolvimento normal de fala so capazes de repetir seqncias de cinco a sete dgitos. 43. 42 Santos e Bueno (2003) concordam com Jeronymo e Galera (2000), no sentido de que a repetio de palavras sem significado uma habilidade puramente fonolgica. Isto se deve ao fato de que ela requer que o indivduo evoque vrios processos fonolgicos, como percepo, codificao, armazenamento, recuperao e produo, independente do conhecimento lexical. Na literatura inglesa, comum o uso de palavras sem significado, para avaliao da ala fonolgica da memria de trabalho (SANTOS; BUENO, 2003). Ao estudarem 182 crianas, com idades entre quatro e dez anos, os autores concluram que o uso de palavras sem significado to confivel quanto dos testes em ingls. Paula, Mota e Keske-Soares (2005) compararam dois grupos de escolares, em diferentes perodos do ano letivo com o subteste 5 do ITPA, Avaliao de Memria Seqencial Auditiva (BOGOSSIAN; SANTOS, 1977) e Repetio de Palavras Sem Significado (KESSLER, 1997). O grupo avaliado, no final do ano, obteve desempenho superior, em ambas tarefas, quando comparado do incio do ano letivo. A diferena pode estar relacionada s atividades curriculares, que, gradualmente, so direcionadas estimulao do cdigo escrito. No estudo de Linassi, Keske-Soares e Mota (2004), crianas com desenvolvimento normal de fala e com desvio fonolgico evolutivo, de pr-escola e primeira srie, com idades de cinco anos a sete anos e 11 meses, apresentaram diferena significativa entre pr-escolares e crianas de primeira srie, relativamente repetio de slabas de palavras sem significado. O estudo de Romero et al. (2004) avaliou crianas de pr-escola, atravs da Prova de Repetio de Palavras Sem Significado. Os participantes foram classificados quanto ao seu desempenho, em adequado ou inadequado para a idade. Os dois grupos foram reavaliados aps dois anos. As crianas do grupo que j tinha desempenho adequado (19,06%) para a idade permaneceram assim. Das que tinham desempenho inadequado, apenas 23,80% evoluram para adequado, enquanto que 57,14% mantiveram um desempenho inadequado. Nas sries iniciais, a avaliao e o acompanhamento das habilidades cognitivas - como a memria de trabalho demonstra que estas so importantes para a aprendizagem. Romero et al. (2004) salientam que dificuldades quanto memria podem prejudicar o acompanhamento escolar. Linassi (2002), ao avaliar a memria de trabalho das crianas com dificuldades de aprendizagem, verificou que h relao entre memria de trabalho e 44. 43 aprendizagem. Elas apresentaram desempenho inferior, quando comparado ao de crianas sem dificuldades de aprendizagem. O desenvolvimento das habilidades de memria tem sido estudado com o propsito de verificar e de prever habilidades escolares. A memria de trabalho pode ser utilizada como um preditor do sucesso escolar (ALLOWAY et al., 2004). Gathercole et al. (2005) realizaram estudo longitudinal com dois grupos de crianas quanto s habilidades de memria de trabalho, conscincia fonolgica, vocabulrio, linguagem, leitura e desempenho em matemtica. Os autores observaram que as habilidades de memria de trabalho pareceram ser de suma importncia. Gindri, Keske-Soares e Mota (2005) compararam o desempenho de crianas de pr-escola e primeira srie quanto memria de trabalho. As pr-escolares foram capazes de repetir seqncias de trs a cinco dgitos e palavras sem significado com quatro e seis slabas, enquanto que as de primeira srie repetiram seqncias de quatro a seis dgitos e palavras sem significado com quatro a seis slabas. As habilidades da memria de trabalho fonolgica tendem a melhorar, com o avano da idade. Isto pode ser constatado, pelo aumento das respostas comportamentais para sons verbais em seqncia. Verifica-se, ento, que a memria capaz de se expandir de acordo com o processo maturacional (HULME; THOMSON; LAWRENCE, 1984; BADDELEY, 2003; FURBETA; FELIPPE, 2005; GINDRI; KESKE-SOARES; MOTA, 2005). 2.1.2 Metalinguagem Yavas e Haase (1988) observam que a metalinguagem geralmente definida como a capacidade de o indivduo tratar a linguagem como um objeto de anlise e reflexo. Ela observada em situaes nas quais o indivduo emite julgamentos sobre as unidades lingsticas - por exemplo, se uma dada sentena gramatical ou no - ou analisa as unidades lingsticas - divide uma sentena em palavras, palavras em slabas e fonemas. Nestas situaes, a ateno do indivduo dirige-se para a expresso lingstica, e no para aquilo que transmitido. Trata-se do oposto do que geralmente ocorre em situaes comunicacionais, em que a linguagem 45. 44 funciona como instrumento para atingir um objetivo. Nas atividades metalingsticas, ela o prprio objetivo. O conhecimento lingstico, isto , a metalingstica, desenvolve-se espontnea e automaticamente, de modo fcil e rpido, pela experincia verbal (Golbert, 1988). No comportamento verbal de cada indivduo, est implcito o conhecimento metalingstico da sua lngua. De forma natural, sem demandar ateno especial durante a comunicao, tal conhecimento est presente. Golbert (1988), destaca, no entanto que o carter metalingstico acionado quando h necessidade de se ter um controle sobre a lngua. Isto ocorre, para que o indivduo possa se concentrar na forma em detrimento ao contedo, seja na fala ou na escrita. O autor ainda observa que, nas situaes de comunicao, o indivduo considera o contedo da mensagem, sem valorizar a estrutura. O processamento metalingstico acontece, quando ocorre a anlise da linguagem em suas unidades, enfatizando a estrutura sobre o significado, com demanda de ateno. A ateno da criana precisa estar focalizada nos componentes lingsticos para criar engramas correspondentes, o que influencia o processo de aquisio de tais componentes (CIELO, 2001). As atividades de conscincia lingstica pressupe certa capacidade de reflexo e auto-monitoramento intencional. No entanto, h diferenas terminolgicas envolvendo metalinguagem e conscincia lingstica, consideradas muitas vezes como sinnimos (CIELO, 2001). A palavra metalinguagem usada para se referir prpria linguagem nas descries lingsticas. A autora prope que o fato de poder explicitar verbalmente a conscincia lingstica que deve ser denominado de metalinguagem, em um sentido stricto sensu. Entretanto, em sentido lato sensu, adotado pela maioria dos autores, a metalinguagem equivale conscincia lingstica, que culmina com a habilidade em falar explicitamente sobre a prpria linguagem. Quanto s formas de conhecimento, Cielo (2001) explica que no h apenas uma acomodao do conhecimento novo e sua subseqente assimilao (primeiro tipo de conhecimento), mas, tambm, a produo de um segundo tipo de conhecimento novo. Esse conhecimento decorrente do confronto das informaes novas, que j passaram por acomodao e assimilao, com as informaes antigas (conhecimento prvio). O segundo tipo de conhecimento novo de natureza intraindividual, isto , totalmente particular ao universo cerebral de cada um. Ele 46. 45 pode explicar a rapidez de raciocnio, a formao de inferncias, de insights e at da criatividade. As manifestaes de conhecimento da criana pequena quanto metalinguagem, segundo a autora, podem ser fruto do primeiro tipo de conhecimento novo, obtido, por exemplo, por meio do ensino formal. O segundo tipo de conhecimento novo, no entanto, pode ser responsvel pelas manifestaes de metalingsticas da criana em desenvolvimento, quando ela descobre por si s algum aspecto, a partir de sua bagagem de conhecimento j adquirido, ao receber o input, em um processamento particular de reajustamento neuronial. Gombert (1992) observa que a aquisio do cdigo alfabtico exige maior conhecimento lingstico para a compreenso de que a escrita tende a representar a fala, as correspondncias grafo-fonolgicas e estrutura da lngua (Zorzi, 2000). As habilidades metalingsticas recebem papel de destaque em relao aquisio da lngua oral e escrita (FLORES, 1992). Os pr-escolares j possuem alguns tipos de habilidades metalingsticas, em graus variados. Apesar de as crianas tornarem-se ouvintes e falantes, razoavelmente competentes, ao redor dos quatro, cinco anos de idade, elas ainda no so capazes de refletir sobre a linguagem, deslocada do contexto comunicativo. por volta desta idade, segundo Yavas e Haase (1988), que as habilidades metalingsticas emergem, desenvolvendo-se, gradualmente, at o final da segunda infncia. Gombert (2003) observa que as primeiras atividades metalingsticas, no sentido amplo, evoluem paulatinamente, pois a criana se mostra capaz de tomar a linguagem como objeto de conhecimento, ou seja, de ateno e reflexo. No entanto, diferentes pesquisas identificam esse fenmeno, que j se inicia por volta dos dois anos de idade, utilizando tambm distintos termos para se referirem a ele. Considerando o controle consciente das referidas habilidades, Gombert (2003) diferencia as habilidades epilingsticas pelo fato de como aquelas que ainda no so controladas conscientemente pela criana. O autor complementa esta diferenciao pelo fato de que, contrariamente s atividades epilingsticas que se instalam naturalmente durante o desenvolvimento lingstico da criana, as capacidades metalingsticas resultam de aprendizagens explcitas, mais freqentemente de natureza escolar, envolvendo as caractersticas de reflexo e intencionalidade. 47. 46 Na aquisio da leitura e da escrita, salienta Golbert (1988), a atividade metalingstica necessria. Diferentemente do contexto oral, em que pouco conhecimento explicitado, a linguagem escrita requer a ateno consciente e intencional, bem como planejamento e reflexo - que so operaes metalingsticas. Yavas e Haase (1988) comentam a importncia do contexto scio- educacional da criana, para o desenvolvimento da conscincia fonmica. Essa influncia foi observada na faixa etria de seis e sete anos, mas no para aquelas de oito anos. As crianas vindas de famlia com situao scio-educacional mais baixa apresentaram um nvel inferior de conscincia fonmica. Essa diferena, porm, foi sendo gradualmente nivelada, pelo efeito da escolarizao. Na ausncia da escolarizao essa defasagem permaneceu e foi se ampliando. Outro estudo indica que, entre os quatro e oito anos, a criana comea a se conscientizar da possibilidade de controlar os processos intelectuais e refletir sobre os mesmos (YAVAS, 1989). Para o desenvolvimento da metalingstica, a exemplo da comunicao, existem alguns pr-requisitos necessrios: fatores perceptuais, cognitivos e sociais. O desenvolvimento de habilidades de reflexo sobre as formas lingsticas condio prvia para o desenvolvimento desta habilidade (Yavas, 1989). At os cinco, seis anos, as crianas se encontram no estgio pr-operacional do desenvolvimento cognitivo, proposto por Piaget, que se caracteriza por pensamento centralizado e irreversvel. Assim, elas no apresentam facilidade para realizar reflexes sobre a linguagem, pois, para isso, necessria descentralizao, flexibilidade e controle do pensamento (Yavas, 1989). A conscincia fonmica , pelo menos, uma das habilidade metalingsticas que se destaca como condio necessria para o sucesso na alfabetizao. Yavas e Haase (1988), concluem, no entanto, que a conscincia fonmica no uma condio suficiente para a aprendizagem. Assim, bastante difcil estabelecer uma relao de causa e efeito. Pode-se argumentar, ainda, que a conscincia fonmica se desenvolve como resultado do aprendizado da leitura e escrita. Zanini (1990) observou que h uma relao entre as habilidades metalingsticas e o desenvolvimento de outras habilidades metacognitivas. A idade de sete anos representa o momento em que as repostas a comportamentos metalingsticos tornam-se mais consistentes. Desta forma, o autor conclui que a 48. 47 metalingstica uma habilidade que se desenvolve com a idade e que existem comportamentos que envolvem maior conscincia lingstica do que outros. Paes e Pessoa (2005) observaram que a s crianas alfabetizadas mostram maior habilidade fonolgica e que fatores externos como nvel scio-econmico- cultural, pouca estimulao no ensino-aprendizagem e distoro srie/idade influenciam no desempenho. As habilidades metacognitivas, anteriormente mencionadas, relacionam-se reflexo, monitoramento, regulao e ordenao do pensamento, incluindo os prprios processos de pensamento que acontecem em funo a objetos ou a informaes cognitivas, bem como em busca da soluo de problemas ou realizao de determinada atividade. A metacognio o termo utilizado para referir o fato de o indivduo tornar-se gradualmente consciente de alguns processos de pensamento, exercendo diferentes graus de monitoramento sobre os mesmos (CIELO, 2001). A leitura e a escrita, conforme Demont (1997), so processos complexos que requerem mltiplas habilidades cognitivas, principalmente a de refletir sobre a linguagem. Esta capacidade, denominada de habilidade metalingstica, constituda de processos fonolgicos e sintticos. A metalingstica entendida como a capacidade de tratar a linguagem como objeto de reflexo, permitindo que o sujeito se concentre na forma lingstica e pense na estrutura da lngua (Capovilla; Capovilla, 1997; Morales; mota; keske- soares, 2002a). A aquisio das habilidades da metalingstica sofre influncia do nvel de aquisio de linguagem. Na hierarquia que Gombert (1992) prope as habilidades em conscincia semntica so seguidas pelas habilidades de conscincia sinttica e, finalmente, pelas de conscincia fonolgica. As habilidades em conscincia pragmtica e em conscincia textual so posteriores e esto relacionadas a nveis mais avanados. A metalinguagem, segundo Cielo (1998a), envolve a conscincia fonolgica, sinttica, semntica e pragmtica. Estas, bem como as habilidades cognitivas, esto relacionadas com o perodo das operaes concretas de Piaget. Elas se desenvolvem espontaneamente com a idade e podem ser melhoradas atravs de programas especficos. Quanto cronologia hierrquica que as habilidades so mobilizadas, h uma variao em funo do nvel de aquisio da linguagem: habilidades em conscincia semnticas precedem as habilidades em conscincia 49. 48 sinttica, que so seguidas pelas em conscincia fonolgica, sendo anteriores as habilidades em conscincia pragmtica e em conscincia textual (GOMBERT, 1992; CIELO, 2001). Embora a capacidade de analisar e manipular as unidades lingsticas de forma consciente e deliberada possa ser efeito da escolarizao, no se pode esquecer que para o sucesso da alfabetizao um certo nvel de metalinguagem seja necessrio. Desta forma, Barrera (2003) observa que a perspectiva interacionista sobre as relaes entre as habilidades metalingsticas e a alfabetizao, que sustenta a influncia mtua entre ambos os fatores, tem sido a abordagem terica mais aceita atualmente, apesar de algumas consideraes de que alguns conhecimentos sejam pr-requisitos (sensibilidade fonolgica, por exemplo). 2.1.2.1 Conscincia fonolgica Coimbra (1997) define conscincia fonolgica, tambm denominada de habilidade metafonolgica, como a habilidade que envolve algum tipo de julgamento do estmulo auditivo juntamente com uma maior sensibilidade desse estmulo ao nvel de trao distintivo e do fonema. A capacidade de perceber e expressar que a palavra falada ou escrita formada por uma seqncia de sons individuais denomina-se conscincia fonolgica. Trata-se de uma habilidade metalingstica que desempenha um importante papel no aprendizado da leitura (CIELO, 1998a). As atividades de conscincia fonolgica envolvem capacidades de refletir e operar com slabas e fonemas, envolvendo habilidades como contar, unir, segmentar, adicionar, substituir e transpor. Demont (1997) define a conscincia fonolgica como a conscincia de que as palavras so constitudas por uma seqncia de sons. Ela se desenvolve gradualmente, durante a infncia, como parte da habilidade metalingstica. O termo conscincia fonolgica, segundo Capovilla e Capovilla (1997), fazem referncia conscincia geral de segmentos, no nvel de subpalavras (rimas, aliteraes, slabas e fonemas), enquanto o termo conscincia fonmica usado em referncia especfica conscincia de fonemas. 50. 49 Os estudos de Magnusson (1990), Morais, Coimbra (1997), Mousty e Kolinsky (1998), Salles (1999), Cielo (2002) so alguns dos que sugerem haver relao entre a alfabetizao e as habilidades de conscincia fonolgica. Menezes (1999) observou que mesmo crianas com desvio fonolgico evolutivo apresentam relao entre o nvel de conscincia fonolgica e o desempenho na escrita. O autor concluiu que um bom nvel de conscincia fonolgica necessrio, mas no suficiente, para um bom desempenho da escrita. H consenso de que as habilidades ligadas ao comportamento da fala so importantes na aquisio da leitura e da escrita. Na medida em que a (de)codificao implica na relao das letras (grafemas) com os segmentos da fala (fonemas), percepo, classificao e manipulao desses segmentos, que a conscincia fonolgica, tem implicao na aprendizagem das correspondncias grafema-fonema (LEYBAERT et al., 1997). A existncia de diferentes nveis de conscincia fonolgica, alguns dos quais provavelmente precedem a aquisio da linguagem escrita, enquanto outros parecem serem resultado dessa aquisio, faz necessria a distino entre os conceitos de conscincia fonolgica e de sensibilidade fonolgica (BARRERA, 2003). A sensibilidade fonolgica, como habilidade epilingstica, um pr-requisito para a aprendizagem da leitura e da escrita, enquanto que a conscincia fonolgica, por sua vez, constitui uma habilidade metalingstica para refletir intencionalmente sobre as unidades lingsticas. Assim, a sensibilidade fonolgica deve ser avaliada a partir de tarefas que no exigem o isolamento ou manipulao explcita das unidades lingsticas, ao contrrio da ltima que deve ser avaliada por meio de tarefas de supresso, adio ou inverso de slabas e de fonemas. Andreazza-Balestrin e Cielo (2003) citam quatro nveis de habilidades dentro da conscincia fonolgica que se desenvolvem atravs do ensino formal da escrita ou espontaneamente, dependendo da sua complexidade: as habilidades em conscincia de palavras, de rimas, de slabas e de fonemas. Freitas (2003) constatou que h diferentes nveis e habilidades de conscincia fonolgica e que a exposio sistemtica escrita favorece-a, havendo uma influncia recproca entre conscincia fonolgica e aquisio da escrita, verificada na aplicao do Teste Metafonolgico Seqencial (TMS). A conscincia fonolgica tem despertado o interesse de pesquisadores de diversas lnguas alfabticas, pelo fato de exercer um papel importante no processo 51. 50 de aprendizagem da leitura e escrita, segundo Adams et al. (2006). Vrios estudos apontam que crianas que tm conscincia dos fonemas avanam, de forma mais fcil e produtiva, pela escrita e leitura, enquanto que as que no tm estas habilidades correm risco de no conseguirem aprender a ler e escrever (SANTAMARIA; LEITO; ASSENCIO-FERREIRA, 2004; ADAMS et al., 2006). A conscincia fonolgica, segundo Poersch (1998), provavelmente aparece de forma gradual. Integrando um processo continuado, ela varia desde a ausncia (grau nulo), passa por nveis de pr-conscincia (conhecimento tcito), at o nvel de conscincia plena (conhecimento explcito). Este ltimo nvel permite explicitao e monitoramento desta habilidade. A noo de que a linguagem falada composta de seqncias de sons no surge de forma natural ou fcil. Para que possam ter compreenso do princpio alfabtico, as crianas devem entender que os sons associados s letras so os mesmos sons da fala (ADAMS et al., 2006). Ao referir-se ao termo conscincia fonolgica, Freitas (2004) destaca que se trata de algo mais abrangente do que a conscincia fonmica. Explica, no entanto, que alguns pesquisadores utilizam estes termos como sinnimos, enquanto outros referem conscincia fonolgica como a capacidade exclusiva de manipular fonemas Para Freitas (2004), conscincia fonolgica envolve a manipulao de slabas, unidades intra-silbicas e fonemas. A conscincia fonmica est inserida nas habilidades de conscincia fonolgica, sendo a capacidade de identificar e manipular fonemas. Essa distino pode ser visualizada na Figura 6. Figura 6 - Esquema sobre os nveis de conscincia fonolgica. Fonte Freitas (2004, p.183). Conscincia Silbica Conscincia Fonmica Conscincia Intra-silbica 52. 51 Rima seqencial Emisso de rimas Subtrao de silabas Anlise inicial Conscincia fonmica Tarefas menos complexas No presente estudo tomou-se o termo conscincia fonolgica para se referir s habilidades abrangentes de refletir sobre a linguagem falada ou escrita, enquanto conscincia fonmica foi utilizada para as habilidades circunscritas ao nvel de fonemas (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 1997; FREITAS, 2004). Cielo (1996/2001) prope que a conscincia fonolgica envolve o conhecimento em nvel de palavras, de rimas, de slabas, intra-silbico e de fonemas. Quanto ao emprego dos termos da rea da Fonologia, utilizado o conceito de conscincia fonolgica como abrangente a todos os tipos de sons que compem o sistema de uma lngua. A conscincia fonolgica subdivide-se em diferentes nveis: conscincia fonmica, conscincia silbica e conscincia intra-silbica. O termo conscincia fonmica utilizado para fazer distino e se referir ao nvel do fonema (ADAMS et al., 2006). As habilidades de conscincia fonolgica tambm envolvem um grau de complexidade crescente. Carvalho e Alvarez (2000) propem um grfico, em que podem ser observadas desde as tarefas de menor complexidade at as mais complexas, bem como a direo de desenvolvimento das mesmas (Figura 7). Figura 7 Grfico de complexidade das habilidades de conscincia fonolgica. Fonte Carvalho e Alvarez (2000, p.30). Adio de slabas Segmentao de palavras em slabas Segmentao de sentena em palavras Recepo de rimas Tarefas mais complexas 53. 52 Cielo (2001) constatou que h uma hierarquia para aquisio dos diferentes tipos de habilidades em conscincia fonolgica. O desempenho das crianas, de forma geral, melhor nas tarefas de realismo nominal, de sntese e de segmentao silbica. A tarefa de maior dificuldade, e por conseqncia, em que h pior desempenho, a de reverso fonmica. 2.1.2.1.1 Desenvolvimento e avaliao da conscincia fonolgica A emergncia da conscincia fonolgica, assim como a da conscincia metalingstica, no apresenta concordncia entre os pesquisadores (SALLES, 1999). Yavas e Haase (1988), a partir de estudo com o Teste de Conscincia Fonmica (TCF), com crianas em incio de alfabetizao, sugerem o papel da escolaridade como favorecedor no desempenho do TCF. O desempenho vai melhorando progressivamente at o terceiro semestre, sendo que as diferenas so significativas desde o primeiro semestre e deixam de s-lo a partir do terceiro. Os filhos de pais com at o primeiro grau completo, em relao aos de pais que tem o nvel educacional acima deste estgio, melhoram progressivamente o desempenho no TCF com os semestres. Neste ltimo caso, atenuada a discrepncia, observada nos dois primeiros semestres. A partir do terceiro semestre, as diferenas dos desempenhos no TCF, entre os dois nveis educacionais dos pais, deixam de ser significativas. A relao entre o mtodo de alfabetizao e o desempenho em conscincia fonolgica permite inferir que h uma hierarquia entre os mtodos. O desempenho das crianas alfabetizadas com mtodo Fnico-Silbico foi superior ao do mtodo da Palavrao e ao proposto por Emlia Ferreiro. A diferena entre os dois ltimos mtodos no foi significativa, apesar de a mdia dos desempenhos das crianas alfabetizadas pelo mtodo da Palavrao ser maior que a mdia das alfabetizad