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Forças Especiais e Comandos Brasileiros no Haiti. Publicado em 03/11/2010 Um livro que retrata as passagens dos FE’s e Comandos em território haitiano, numa luta bem narrada contra criminosos locais. Capa - DOPaz O livro DOPaz pode ser adquirido neste site pela bagatela de R$ 36,90, de autoria de Tahiane Stochero. Mas o que nos entristece é o comentário de Caco Barcellos, O jornalista, que compara as missões das PM’s, principalmente do BOpE do Rio neste caso, colocando estes como sendo os verdadeiros inimigos da sociedade. Só esqueceu de dizer que uma parte do treinamento que os FE’s receberam foi realizado no BOpE do Rio também. Este é um dos trechos do livro disponíveis na web para aguçar o apetite à leitura deste assunto. Vá e vença!! Batismo de fogo A madrugada é de tensão na Base General Bacellar, instalada em uma universidade desativada de Porto Príncipe que abriga parte do contingente brasileiro na Missão das

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Forças Especiais e Comandos

Brasileiros no Haiti. Publicado em 03/11/2010

Um livro que retrata as passagens dos FE’s e Comandos em território haitiano, numa luta

bem narrada contra criminosos locais.

Capa - DOPaz

O livro DOPaz pode ser adquirido neste site pela bagatela de R$ 36,90, de autoria

de Tahiane Stochero.

Mas o que nos entristece é o comentário de Caco Barcellos, O jornalista, que compara as

missões das PM’s, principalmente do BOpE do Rio neste caso, colocando estes como sendo

os verdadeiros inimigos da sociedade. Só esqueceu de dizer que uma parte do treinamento

que os FE’s receberam foi realizado no BOpE do Rio também.

Este é um dos trechos do livro disponíveis na web para aguçar o apetite à leitura deste

assunto.

Vá e vença!!

Batismo de fogo

A madrugada é de tensão na Base General Bacellar, instalada em uma universidade

desativada de Porto Príncipe que abriga parte do contingente brasileiro na Missão das

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Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah). Os vinte homens que integram o

Destacamento de Operações de Paz (DOPaz), a tropa de elite do Exército do Brasil, não

conseguem dormir às vésperas da primeira grande operação preparada para desarticular uma

importante gangue de Cité Soleil, a região mais violenta do país.

Preocupações com logística — como testar os aparelhos de comunicação, armazenar a

munição reserva e decorar posições — impedem que o sono venha. Alguns militares vestem

o colete à prova de balas, enquanto outros ajeitam o radiotransmissor no capacete azul ou

acoplam a lanterna ao fuzil de assalto M-4. Versão moderna do fuzil M-16, utilizado desde

a Guerra do Vietnã pelos melhores exércitos do mundo, a arma foi desenvolvida

especialmente para o conflito urbano com o objetivo de minimizar os efeitos colaterais —

como são denominados os civis mortos e feridos em confrontos.

Formado exclusivamente por soldados dos tipos Comandos e Forças Especiais (os FE),

unidades preparadas para a guerra nos mais diversos ambientes, o DOPaz é coordenado por

quatro capitães, e a eles estão subordinados 16 praças — seis sargentos e dez cabos e

soldados, especialistas em demolições, comunicação, tiro técnico e armamento. O grupo,

oriundo da Brigada de Operações Especiais, sediada em Goiânia, foi criado no início de

2006 para atuar com liberdade tática total, respondendo de forma rápida e autônoma a

ameaças e problemas que viessem a surgir durante a missão de paz. No Haiti, o DOPaz é

sempre o primeiro a agir nas operações de combate pesado contra os grupos armados e tem

como lema cumprir “qualquer missão, em qualquer lugar, a qualquer hora e de qualquer

maneira”.

O destacamento teoricamente não existe na estrutura organizacional do batalhão brasileiro

no Haiti e nunca é citado em documentos oficiais do Exército e da ONU. O grupo só

aparece em relatórios sigilosos sobre as operações e de forma genérica. Poucos sabem da

existência do DOPaz ou conhecem a identidade de seus integrantes.

São três horas da madrugada do dia 22 de dezembro de 2006. Os militares aguardam a

ordem para o início da Operação Natal Pacífico, que tem como objetivo prender Pierre

Belony Emalise, líder criminoso de 27 anos que domina Bois Neuf e Drouillard, duas das

34 regiões de Cité Soleil. Ambas são consideradas pela imprensa indústrias de cativeiros em

série.

Como a ação é de alta periculosidade, o coronel Kid Bleu, comandante do 6o contingente

brasileiro na Minustah, determina que o Destacamento de Operações Sociais e Psicológicas

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de Paz (DOSPaz), chefiado pelo capitão Mancha Negra e formado por mais sete militares

Comandos e Forças Especiais, passe a integrar o DOPaz.

Com o cronograma da operação em mãos, o capitão Kid Preto, comandante do DOPaz,

reúne todos para acertar os últimos detalhes: os relógios são sincronizados, senhas e códigos

combinados e, pela última vez, a ação é ensaiada. Uma hora depois, os Urutus — veículos

blindados brasileiros — deixam a Base General Bacellar com os 28 militares a bordo. No

Haiti, os veículos trocam a camuflagem pela pintura branca. Na lateral, em preto, destaca-se

a insígnia UN (ONU em inglês). Para não fazer barulho, eles se locomovem lentamente

pelas vielas imundas e escuras. Na entrada da rua Impasse Chavanne, no coração da favela

Drouillard, encontram a equipe de Comandos Anfíbios, tropa especializada da Marinha

brasileira que os apoiará no confronto.

Ciente do poderio bélico dos bandidos e de que é questão de honra o resgate de um veículo

de combate uruguaio que fora capturado na noite anterior pela gangue de Pierre Belony, o

coronel Kid Bleu autoriza o emprego de armas de alta destruição contra edificações

ocupadas pelos criminosos. A missão deve ser cumprida antes do Natal, segundo ordem

emitida pelo representante da ONU no Haiti, o embaixador guatemalteco Edmond Mulet. E

a qualquer preço. A decisão tem fundo político. A comunidade internacional, que em 2004

acordara o envio da força de paz quando uma onda de protestos provocou a queda do então

presidente Jean-Bertrand Aristide, exige uma ação contundente contra a insegurança crônica

em Cité Soleil, considerado um reduto do crime.

Depois de um período de relativa tranquilidade, que se seguiu à volta ao poder de René

Préval cerca de um ano antes da operação, o terror voltou à rotina haitiana e a imprensa

local apelida os capacetes azuis de “turistas”, considerando- -os fracos e inativos diante do

caos que se reinstalara no país. Comércio, bancos e embaixadas fecham as portas às 16

horas, para que funcionários possam chegar em casa antes do pôr do sol. As aulas são

suspensas temporariamente. Crianças e adolescentes são encontrados mortos junto a

montanhas de lixo e dutos de esgoto, pois os familiares não têm dinheiro para pagar o

resgate exigido pelos seqüestradores.

Afirmando ter aberto mão da soberania do país ao aceitar uma intervenção internacional,

parlamentares haitianos exigem da ONU uma demonstração de força frente aos atos de

terror perpetuados pelos grupos armados. É necessário mostrar quem controla a situação.

Algo tem de ser feito com urgência.

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“Kid Preto, aqui é Kid Bleu. Ordem concedida para avançar e tomar as casas dominadas

pelos bandidos. A missão deve ser cumprida, custe o que custar, e sem baixas”, informa o

coronel brasileiro, pelo rádio, ao comandante do DOPaz, utilizando seus codinomes.

Todos os militares brasileiros que integram a missão de paz possuem codinomes, espécie de

siglas ou apelidos usados individualmente para que não sejam identificados no rádio por

seus nomes verdadeiros, colocando em risco a vida e o sigilo das operações.

“Missão dada é missão cumprida!”, responde Kid Preto, dentro de um blindado que já está

no interior da favela, pronto para iniciar a operação. Kid Preto é tradicionalmente o

codinome utilizado pelo militar Forças Especiais de maior comando nas operações do

Exército brasileiro.

“Bodão e Mancha Negra. Aqui é Kid Preto falando. Avançar!”, ordena ele ao

subcomandante do DOPaz e ao colega do DOSPaz, que estão em outros blindados

coordenando subgru- pos de combate. Às 5h10, em uma encruzilhada na entrada do bairro

de Bois Neuf, próximo à casa do líder criminoso Pierre Belony, alguns militares começam a

atirar em alvos previamente estabelecidos: construções nas quais os bandidos se refugiam e

de onde sempre atacam os brasileiros.

Com a ordem de Kid Preto, o primeiro Urutu liga o motor e o capitão Mancha Negra faz o

sinal da cruz. Como não há outros operadores de metralhadora MAG disponíveis no seu

veículo, ele assume a função. De fabricação belga, as MAG de calibre 7.62mm são pesadas

e possuem cadência de até mil tiros por minuto. O oficial é o primeiro na linha de frente e

deve responder rapidamente caso os brasileiros sejam alvejados.

“Podem mandar bala!”, avisam Bodão e Mancha Negra, pelo rádio, aos comandados. Com

uma espécie de bazuca, começam a ser disparadas as AT-4 — bombas usadas contra

tanques e construções —, a uma velocidade de 285 metros por segundo, atingindo

imediatamente alvos a até 2 quilômetros de distância. A gangue de Pierre Belony revida

com tiros de fuzis e metralhadoras. O confronto é intenso.

“Alvorada, bando de vagabundo!”, grita Assombroso, que é o mais experiente atirador de

elite do DOPaz.

No mesmo blindado de Assombroso está o capitão Bragaia, o terceiro na hierarquia de

comando do DOPaz, atrás de Kid Preto e Bodão. O oficial usa um fuzil Barret .50 que, com

balas traçantes, é capaz de acertar um alvo a até 1.500 metros. O capitão sabe do poder que

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tem em mãos e é cauteloso: com a arma é possível derrubar um helicóptero ou até mesmo

um avião de pequeno porte. Durante o lançamento, as chamas dos disparos queimam o

braço de Bragaia. O barulho é ensurdecedor.

Ao som dos estopins de tiros colidindo contra os Urutus, os militares desembarcam. Antes

de dividirem-se para invadir as casas dos bandidos, gritam: “Comandos!” É o grito de

guerra do curso de Comandos do Exército, cujo lema é “o máximo de confusão, morte e

destruição nas retaguardas profundas do inimigo”.

“Me dá cobertura!”, grita Bragaia para um atirador que está em um blindado entrincheirado

logo atrás, para que ele use a metralhadora MAG enquanto os componentes da tropa de elite

do Exército e da Marinha saiam dos carros com segurança.

Na sequência, cada grupo corre na direção da construção que lhe cabe invadir: quando um

soldado avança entre 5 e 10 metros, outros dão cobertura. A mira do fuzil acompanha o

olhar. Neste momento, qualquer deslize pode custar uma vida. “Só se atira no que se vê,

seguindo as regras de engajamento”, lembra Kid Preto pelo rádio.

Com outros sete homens, os capitães Mancha Negra, Bodão e Bragaia invadem uma casa

azul de dois andares, onde funcionava uma escola adventista. Em meio à troca de tiros, um

repórter de uma agência internacional, usando colete à prova de balas e com o microfone

em mãos, tenta entrevistar o comandante do DOSPaz.

“Ô rapaz… Sai daí agora! Quer morrer?”, se exalta Mancha Negra.

Minutos depois, uma rajada de tiros passa raspando pela cabeça do oficial, despedaçando

tijolos de uma mureta de concreto a seu lado. Procurando a procedência dos disparos, ele

olha por meio de paredes quebradas ao seu redor e vê, pelas frestas, dezenas de criminosos

correndo. Alguns usam toucas ninjas, outros têm o rosto pintado com tinta preta sobreposta

por listras brancas.

“Tem um cara ali naquele beco. Olho nele, olho nele!”, alerta Mancha Negra para Bodão.

O subcomandante do DOPaz faz a mira no bandido, mas desvia o olhar ao ouvir um barulho

ao seu lado. Bragaia também se assusta. Na tentativa de se abrigar do tiroteio, o sargento

Tatu cai em uma fossa, não percebendo o buraco enquanto corria. Apesar da tensão do

momento, os militares dão algumas risadas.

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“Avança, Tatu! Avança! Rápido, pode ir até aquela laje que te dou cobertura”, grita Mancha

Negra, preocupado com o companheiro. Atolado no bueiro, coberto de sujeira e fezes, Tatu

é resgatado pelos colegas.

Do outro lado da rua, cabe ao subgrupo de Kid Preto a tarefa de conquistar uma casa

amarela de dois andares. Para não deixar o DOPaz sem comando, Kid Preto e Bodão nunca

estão no mesmo lugar: se um vier a morrer, o outro assume o destacamento. O cabo Biscuit,

um spotter (observador que auxilia o atirador de elite), é um dos primeiros a deixar o seu

blindado com a missão de fixar uma carga de explosivos na porta da construção. A

dobradiça está enferrujada e ele de- mora mais de cinco minutos para colar os detonadores

com fita adesiva.

“Vamos, Biscuit, arma logo esta merda! Ou você quer voltar no saco preto para o Brasil?”,

grita Kid Preto.

Neste momento, dezenas de tiros alvejam as paredes da casa, atingindo tijolos a menos de 5

centímetros das mãos que carregam a carga de explosivos. Kid Preto percebe uma pequena

lâmpada acesa bem em frente à residência e acima da cabeça de Biscuit. A luz expõe o

spotter, deixando-o nervoso e dificultando a conclusão da tarefa. Kid Preto atira na

lâmpada. A porta explode e o DOPaz avança rapidamente. Estrategicamente posicionados,

os militares começam a atirar na gangue de Pierre Belony, que, por sua vez, busca alvejar os

capacetes azuis.

Um atirador de elite brasileiro, previamente posicionado sobre a laje de uma casa localizada

em frente à favela, avista um haitiano que se prepara para disparar. Antecipando-se, acerta-

o primeiro. Desde a criação da Minustah, em todas as operações, o Exército posiciona os

atiradores de elite — chamados de “caçadores” — nos locais mais altos. Com uma visão

privilegiada, eles podem advertir os companheiros que se encontram no chão ou eliminar

inimigos. A tática já salvou a vida de muitos soldados no Haiti e nenhum comandante dá-se

ao luxo de abrir mão dela.

Ao ver o fuzil do criminoso no chão, uma mulher mu- lata corre em direção à arma. Soltos,

os cabelos cacheados balançam conforme seus passos, despertando a atenção do atirador,

que a segue com a mira. Temeroso e buscando evitar que a jovem alcance o fuzil, o

sargento dispara próximo a ela. Assustada, ela para. Observa ao redor, tentando descobrir a

procedência do disparo. Joga-se no chão e continua a engatinhar em direção ao fuzil,

estendendo o braço direito para pegá-lo. Atento à ação, o atirador dispara mais uma vez,

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acertando a mão da haitiana, que mesmo assim não recua e tenta novamente agarrar a arma.

Um último tiro elimina a ameaça.

O caçador está cumprindo as regras de engajamento, que determinam o emprego da força na

missão de paz e autorizam os militares a atirar sempre que funcionários da ONU ou a

população estejam em “situações de risco, ameaça ou intenção de ato hostil”. Segundo o

documento confidencial que define a conduta das tropas da Minustah, “o emprego da força

deve ser pautado pela proporcionalidade”, mas pode ser aplicado “contra pessoas ou grupos

que limitem a liberdade de movimento” de civis ou militares.

Na verdade, o texto que determina as regras de engaja- mento explicita que a tropa possui

carta branca para disparar também quando não há risco iminente, durante operações, como a

Natal Pacífico, destinadas a conquistar áreas domina- das pelos criminosos e matando, se

preciso for. A Minustah está embasada no Capítulo VII da Carta da ONU, o que a define

como uma missão de “imposição da paz”.

O termo “regras de engajamento” surgiu quando a Força Tigre — unidade de elite formada

por Forças Especiais do Exército dos Estados Unidos — atuou na Guerra do Vietnã, entre

1959 e 1975. Historiadores relatam, porém, que as normas que proibiam, entre outros atos,

o assassinato de civis desarmados, tiveram aplicação relativizada no campo de batalha. Os

soldados alegavam que desconheciam o terreno e o inimigo e que, por isso, usavam a força

mesmo quando, em tese, não era necessário.

Em frente à casa amarela conquistada por Kid Preto, em uma igreja cujas paredes agora

estão perfuradas por balas, atiradores de elite do DOPaz posicionam-se em lugares pre-

viamente determinados. Assombroso é um deles. Caçador há vinte anos — um dos

melhores do Exército —, ele considera a profissão uma “vocação”.

Com olhar clínico, Assombroso avista um grupo de 15 criminosos que, armados e

disparando, correm em direção à igreja onde ele está. Coloca o dedo no gatilho e percebe

que sua posição não é nada boa.

“Bodão, eu não fico neste lugar, não. Vou morrer aqui!”, diz, já sob tiros.

Assombroso corre para o canto esquerdo da igreja “mandando fogo”, como ele mesmo diz.

O caçador foca-se em um corredor que o grupo de Mancha Negra e Bodão acabou de

ocupar. Ele não se mexe, nem mesmo pisca. Na primeira vez em que um suspeito coloca o

rosto para fora de uma porta, observando o movimento, o atirador posiciona o fuzil M-24

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sobre uma mureta e prende a respiração. Silêncio. O olhar se fixa. O vento forte joga terra

em seu rosto. Sorte estar usando os óculos de proteção, que permitem visão noturna.

Assombroso é paciente. Na segunda vez em que o haitiano, armado, verifica se pode seguir

adiante, o caçador tenta adivinhar os pensamentos do criminoso. O momento é estressante.

Assombroso não relaxa um segundo sequer. Na terceira vez, quando o bandido expõe a

cabeça e começa a correr, é hora de disparar. O tiro acerta o alvo, que cai logo em seguida,

saindo do campo de visão do caçador.

O fuzil do criminoso tomba. Mesmo sem vê-lo, Assombroso sabe que o homem está morto,

pois, daquela distância, cerca de 300 metros da vítima, costuma sempre acertar em cheio o

tórax e o crânio do alvo. A imagem do rosto do homem atingido, gravada antes do disparo,

ficará para sempre em sua memória.

Ao passar pelo local e ver o corpo no chão, uma mulher grita. Com um cabo de aço, outro

integrante da gangue de Belony tenta puxar a arma caída. Como sabe que os brasileiros não

atiram em pessoas desarmadas, o criminoso larga o fuzil que leva consigo e passa

calmamente em frente ao atirador para recolher o corpo do companheiro abatido.

Bodão fica andando entre os atiradores para conferir a situação e, ao se esconder, acaba

esbarrando nos soldados entrincheirados.

“Porra, Bodão, se liga. Você já me fez perder dois!”, grita Assombroso para o

subcomandante do DOPaz, que se juntou aos caçadores após a tentativa de invasão da casa.

“Pô, Assombroso, o que você quer que eu faça? Preciso passar”, reage o capitão.

Observados pelo atirador a pelo menos 80 metros a sudoeste da casa azul, bandidos vestem

toucas ninjas e coletes bege similares ao da Polícia Nacional Haitiana (PNH), procurando

confundir os capacetes azuis. Em seguida, Assombroso vê vários criminosos correndo à sua

frente em um campo aberto. Armados, eles atravessam rapidamente as vielas de Cité Soleil

e escondem-se entre as casas. O caçador não dispara por saber que a bala, de alto calibre,

não iria parar tão cedo, perfurando as finas paredes de zinco e madeira das habitações.

Assombroso posiciona novamente o M-24 e aguarda a hora certa de agir. Se disparar no

momento errado, colocará em risco sua vida e a de outros militares. Mais um bandido é

eliminado naquele momento. Assombroso conta: é o sétimo na operação. O atirador, pai de

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três filhos, lembra-se que seis meses de trabalho na missão de paz ainda o esperam pela

frente.

Ao perder mais um integrante da gangue, Pierre Belony reage. Centenas de disparos

começam a acertar ininterruptamente as paredes das casas onde estão os brasileiros. Na

porta que dá acesso a um dos corredores da casa azul, um cabo, também spotter, está

deitado no chão quando rajadas de metralhadora são ouvidas. Os tiros atravessam todo o

segundo andar da antiga escola e colidem contra um poste de sustentação, passando de

raspão pela cabeça do praça. O medo da morte ronda os pensamentos de todos pela primeira

vez.

“Filho da puta! Bodão, resolve logo essa porra, antes que alguém seja atingido”, reage,

preocupado, Assombroso.

Gritos invadem então a frequência do rádio do grupo. “Louco está ferido! Louco está

ferido! Louco está ferido!”