ستار جيرل رواية لـ جيري سبينيللي · Twitter: @alqareah. Twitter: @alqareah. Twitter: @alqareah
Formação de esfera pública no Twitter
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AGIR COMUNICATIVO E RAZÃO DESTRANSCENDENTALIZADA
NO TWITTER DO GOVERNADOR CID GOMES
Washington Forte1
Carla Michele Andrade Quaresma2
RESUMO
O presente artigo discute o papel do agir comunicativo na formação de uma esfera pública
pautada na razão destranscendentalizada, de acordo com os conceitos do filósofo alemão
Jürgen Habermas. O trabalho traz um levantamento das referências do teórico acerca da
formação e decadência da esfera pública, conceituação da razão prática, a divisão da
sociedade em mundo vivido e mundo sistêmico e o papel da comunicação para uma esfera
pública democrática. A análise se concentra no discurso adotado pelo governador do Estado
do Ceará, Cid Gomes, na rede social Twitter. Estudamos os enunciados emitidos pelo
governador e como eles dialogam com o discurso dos internautas que acompanham as suas
publicações na rede supracitada. A partir daí, ponderamos as possibilidades de formação de
uma esfera pública virtual que possa gerar a ação comunicativa.
Palavras-chave: esfera pública virtual, agir comunicativo, razão destranscendentalizada.
ABSTRACT
This article discuss about the theory of communicative action in the formation of the public
sphere. It is based in the transcendental reason, according to the concepts of the german
philosopher Jürgen Habermas. It offers a survey of theoretical references about the formation
and decay of the public sphere, conception of practical reason, the division of society into the
world of life and systemic world and the role of communication for a democratic public
sphere. The analysis focuses in the discourse adopted by the Governor of the State of Ceará,
Cid Gomes, in the social network Twitter. We studies the statements issued by the governor
and how they relate the discourse of Internet users who accompany their publications in the
network above. From there, we ponder the possibilities of forming a virtual public sphere that
can generate communicative action.
Keywords: virtual public sphere, communicative action, atranscendental reason.
1 Graduando do Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Faculdade Integrada do Ceará. 2 Profa. Ms. em Sociologia. Orientadora da pesquisa.
2
1 INTRODUÇÃO
Historicamente, as pesquisas na área de Comunicação e Política se concentram no
campo “mídia e eleições. Quando não, a abordagem se refere à relação de poder entre
comunicação e política, “problemas atinentes à comunicação e a democracia nunca receberam
a devida atenção” (GOMES, 2008 p. 13). De certo modo, o processo comunicativo em si
perde espaço para o estudo dos seus efeitos.
Não rejeitamos a importância das pesquisas eleitorais, mas ressaltamos que é
preciso dar mais ênfase ao papel da comunicação nos processos políticos. A teoria que
permeia este artigo traz uma visão mais integrada da democracia com a comunicação social: o
agir comunicativo, idealizado por Jürgen Habermas. O filósofo foi assistente de Adorno e
Horkheimer, estudiosos da Teoria Crítica, que se baseava na influência cultural que os meios
de comunicação exerciam na sociedade. Este pensamento inspira Habermas em Mudança
Estrutural da Esfera Pública (2003), dissertação de mestrado em que o teórico mostra as
transformações conceituais e práticas que ocorreram na formação da opinião pública. Porém,
ao teorizar a ação comunicativa, Habermas rompe com a Escola de Frankfurt e dá ao
indivíduo a capacidade de se emancipar por meio da interação discursiva, contribuindo assim
para a construção de uma sociedade democrática, na qual os indivíduos voltam a discutir a
vida social nas esferas públicas.
Para nortear a base dessa teoria, trazemos uma breve conceituação da esfera
pública burguesa, seu surgimento e o papel dos meios de comunicação no seu declínio. Após
essa referência primária da publicidade, o foco principal é destinado à ação comunicativa. É
nesta teoria que Habermas critica a razão técnica, voltada somente para a produção
intelectual, e propõe o uso de uma razão prática, com viés pragmático, voltada para o agir.
Assim, o filósofo chega à razão destranscendentalizada, o pensamento integrado com o
mundo e com as realidades.
Com estes conceitos expostos, voltamos nossa atenção para o ambiente virtual da
comunicação em rede. Mais precisamente para o perfil do governador do Estado do Cearán
(gestão 2007 – 2010), Cid Gomes, na rede social Twitter. Por meio da análise do discurso,
mostramos a imagem que o governador transmite em suas postagens e qual a interação
discursiva que ela promove com o enunciado de outros usuários. Buscamos, neste exame,
mostrar como o dialogismo pode se construir no Twitter. Em seguida, o artigo procura refletir
as possibilidades práticas de que as discussões virtuais gerem uma ação comunicativa.
3
2 ESFERA PÚBLICA: DA PÓLIS À AÇÃO COMUNICATIVA
Em sua dissertação de mestrado, Mudança Estrutural da Esfera Pública,
Habermas (2003) detalha o surgimento e as mudanças da esfera pública burguesa europeia,
situando-a historicamente e mostrando as influências que essa esfera teve para a formação da
sociedade contemporânea.
2.1 Esfera pública burguesa
O conceito de público, atribuído a essa esfera, se refere àquilo que é contrário ao
privado. Habermas (2003) mostra que na Grécia antiga a contraposição das esferas já era
reconhecida semanticamente. A pólis representava a esfera pública, comum, aberta aos
cidadãos. Enquanto a óikos consistia no espaço privado, a vida particular dos indivíduos. Na
ágora, a praça pública das cidades gregas, os cidadãos se reuniam e discutiam as questões
pertinentes à pólis, levando-se em conta a livre opinião de cada um – o princípio da
democracia direta. O discurso era a ferramenta de debate das propostas. A partir do conflito
de ideias, os cidadãos decidiam a posição mais adequada para o bem comum. Assim,
chegamos ao conceito básico de uma esfera pública: um local em que os indivíduos podem se
reunir, discutir questões comuns e gerar a opinião pública, a ideia construída coletivamente
por meio dos debates.
Com o passar dos anos, as civilizações se expandiram e esse modelo se dissolveu.
Porém, ao fim da Idade Média, a esfera pública ressurge em outro contexto. Nos últimos anos
do século XVII, a Revolução Industrial dava os primeiros passos para alcançar seu ápice no
século XVIII. Naquela época, a elite europeia se concentrava na França, Inglaterra e
Alemanha, onde era comum observar o que Habermas chama de esfera literária, espaços nos
quais esta elite podia compartilhar opiniões sobre arte e literatura. Com o desenvolvimento
industrial e a concentração de poder econômico nas mãos da burguesia, a temática dos debates
passou a abranger outros assuntos. A arte deu espaço para reflexões mais políticas,
envolvendo os interesses comuns da burguesia. Nascia ali a esfera pública burguesa, ansiosa
por defender seus interesses e buscar a participação no Estado que era comandado pelos
nobres.
A partir daí, a burguesia pode se organizar e passar a interferir em outras esferas
além da econômica. O acesso da classe às decisões políticas foi gradativamente aumentado,
4
tanto pela presença de burgueses na corte3, como pela legitimação que o Parlamento buscava
na esfera pública. Ao mesmo tempo, a queda da nobreza também foi influenciada pelo próprio
contexto histórico que a Europa vivia naquele momento, no qual podemos destacar a
Revolução Francesa.
Este conjunto de fatores levou à formação do Estado de Direito Burguês, com
uma esfera pública institucionalizada em que o Parlamento passou a ser um órgão de Estado
que legitima a opinião “pública”. Entretanto, faz-se importante ressaltar que essa esfera não
era tão pública assim, já que somente os comerciantes e resquícios da nobreza podiam ter voz
nas decisões. A classe trabalhadora, portanto, era excluída deste espaço. Ou seja, a mesma
burguesia que lutou para o fim da opressão monarca garante agora equipamentos estatais que
oprimem outra classe.
Aos poucos, a barreira existente entre público e privado foi reduzida e uma esfera
se mesclou com a outra, gerando interferências públicas em âmbito privado e vice-versa. A
esfera pública moderna se transformou então em uma “pseudo-esfera pública, encenada,
fictícia. (...) As pretensões ainda têm de ser mediadas discursivamente, mas não mais no
interior da esfera pública e sim para a e diante da esfera pública”. (GOMES, 2009, p. 46; 49)
Somado a isso, temos a expansão da imprensa, que assume papel fundamental no
processo de mudança. Por meio da comunicação de massa, as organizações (com interesses
privados) que formam a esfera pública institucional (o próprio Estado, comerciantes, meios de
comunicação de massa, etc.) apresentam e tentam convencer a sociedade a aprovar uma
proposta de ação social. Não há discussão dos vários pontos que essa ação pode ter, a decisão
é tomada pelas organizações e condicionada aos indivíduos.
Um exemplo é o processo de escolha dos gestores públicos que foi adotado no
Brasil. Os meios de comunicação e os órgãos governamentais reforçam o voto como uma
ação democrática, já que é através dele que a população define quem irá representá-los na
esfera pública institucional. Contudo, é dada uma lista de opções pré-definidas à sociedade.
Os indivíduos não têm espaço para conhecer outros possíveis candidatos e avaliar
racionalmente qual seria o melhor, ficam presos ao que lhes é posto. Deste modo, a
comunicação de massa contribui para o simulacro de uma esfera pública, que na realidade,
fere aos princípios de livre discussão e acesso.
3 Na ânsia de uma elevação na pirâmide social, muitos burgueses compraram títulos de nobreza para fazer parte
da corte.
5
2.2 Agir comunicativo
Ao escrever Agir Comunicativo e Razão Destranscendentalizada (2002),
Habermas dá uma nova perspectiva para o papel dos meios de comunicação de massa na
formação e desenvolvimento de uma esfera pública.
O modelo dessa nova esfera exige, antes de tudo, a comunicação como interação
social. O destaque que esta teoria dá ao discurso é de suma importância para compreender
como a ação comunicativa pode contribuir para a emancipação do sujeito. “Nosso contato
com o mundo é mediado lingüisticamente, o mundo se exime igualmente tanto do acesso
direto do sentido como de uma constituição direta” (2002, p.56). Ou seja, o sentido que o
indivíduo dá ao mundo que conhece é determinado pela compreensão que possui do mesmo, e
não pela objetividade concreta dos ambientes que o cercam. Essa compreensão se forma a
partir dos discursos aos quais o indivíduo está sujeito em uma sociedade. É na comunicação
social que ele forma a sua compreensão e visão do mundo.
Entretanto, Habermas evidencia que o discurso só pode se tornar uma ação
comunicativa quando os sujeitos usam a razão prática. Conceito este, que é utilizado em
conformidade com o pensamento kantiano.
Guazzelli (2010) explica que a razão prática, para Kant, é a capacidade de
empregar o raciocínio humano para uma ação, enquanto a ração teórica permanece somente
na valorização do intelecto.
A partir desta ideia, Habermas (2002, p. 36) lista quatro pilares de “parentesco” da
sua teoria com a de Kant: (a) ideia cosmológica do mundo: um ambiente integrado e comum;
(b) ideia da liberdade: a razão prática aplicada com ausência de coação, na qual todos têm o
direito de se expressar conforme desejam; (c) capacidade das ideias: consiste na validade
incondicional das ideias racionais discutidas em conjunto, sem pré-julgamentos; (d)
capacidade dos princípios: relação entre a razão regulativa, como “tribunal supremo” e a
capacidade das ideias. Logo, representa e prevalência da moral sobre a ética.
Estes conceitos já estavam presentes na esfera pública burguesa, que defendia
seus interesses públicos a fim de interferir no Estado (ideia cosmológica); era acessível e
paritária, até certo ponto, por se concentrar em locais públicos onde “todos” poderiam
participar (ideia da liberdade); discursiva, enquanto abria espaço para o diálogo entre os
participantes (capacidade das ideias) e despida de uma ética pré-determinada, já que eram as
discussões e argumentos daquele momento que definiam as decisões posteriores (capacidade
dos princípios).
6
As mesmas referências persistem na razão destranscendentalizada, que é, antes de
tudo, uma razão prática. Mas o contexto é outro. Agora, Habermas mostra uma divisão na
sociedade que também divide a razão prática.
A conjuntura sócio-econômica pós-industrial – na qual se pode destacar a
consolidação do capitalismo, o desenvolvimento tecnocientífico e a expansão dos meios de
comunicação – contribuiu para a separação da sociedade em dois mundos: o mundo vivido,
que compreende a práxis social, e o mudo sistêmico, onde se encontram as organizações que
constroem a pseudoesfera pública.
O mundo vivido é o locus do conhecimento integral, dialógico, sem conceitos
absolutos. É neste mundo que vivemos cotidianamente, enfrentamos conflitos e aprendemos a
raciocinar. É nele também que as reflexões práticas ocorrem e podem gerar discussões e ações
posteriores.
No outro lado, o mundo sistêmico privilegia a razão teórica, constituindo o
ambiente estrutural em que a ciência4 tenta isolar a si própria e aos objetos que estuda. Não
obstante, as organizações que simulam a pseudoesfera pública se isolam do mesmo modo,
decidindo com base em interesses particulares, questões que afetam o coletivo. A discussão
perde espaço para os paradigmas.
Por conta do próprio contexto social capitalista e da concentração do poder
público, o mundo sistêmico começa a se apoderar do mundo vivido. Essa ação, classificada
por Habermas como “colonização do mundo vivido”, gera a transcendentalização da razão
prática. Ou seja, o pensamento racional produzido no mundo vivido é colonizado pela razão
técnica do mundo sistêmico, no qual ideias são apresentadas e aceitas como corretas sem o
processo de discussão prévio. Do mesmo modo, a lógica da razão pragmática, pautada nos
fins e objetivos individuais, sai da esfera do sistema e chega à pública.
Aqui é importante ressaltar a diferenciação entre a teoria crítica de Adorno e
Horkheimer e a colonização do mundo vivido de Habermas. A primeira supõe que os meios
de comunicação de massa constroem uma indústria cultural que manipula os indivíduos
através do controle psicológico. O sujeito é produto da sociedade e se torna um fantoche das
normas sociais. Habermas reconhece essa influência do sistema na formação do sujeito, mas
não tira do indivíduo a capacidade de agir racionalmente. Mesmo utilizando uma razão
transcendental, fora do mundo em que vive, o ser social não decide suas ações por imposição
ou condicionamento dos meios de comunicação. Ele decide de modo racional a partir das
4 Não me refiro apenas à ciência clássica (Matemática e Ciências da Natureza), mas à scientia ligada a todas as formas de
conhecimento.
7
realidades as quais têm acesso, incluindo as que lhe são apresentadas como verdadeiras pelos
mass media.
Mas o que seria a verdade? Os meios de comunicação mentem ao relatar fatos de
acordo com os interesses do sistema e levam os indivíduos ao erro por conta da omissão da
verdadeira realidade? Habermas esclarece isso ao afirmar que a verdade incondicional e
irrefutável possui dois aspectos principais que nos levam ao erro.
De um lado, é sugerido que a verdade possa ser concebida como assertabilidade
ideal, por meio da qual esta, em compensação, se limita a um consenso alcançado
sob condições ideais. Mas uma afirmação encontra a concordância de todos os
sujeitos racionais porque é verdadeira; ela não é por isso verdadeira, porque poderia
criar o conteúdo de um consenso alcançado idealmente. Por outro lado, o quadro
conduz o olhar não para o processo de justificação, em cujo decorrer as afirmações
verdadeiras deveriam resistir a todas as objeções, porém para o estado final de uma
concordância em constante revisão. (HABERMAS, 2002, p. 58)
Na primeira questão, a verdade limita-se a um determinado contexto ideal de uma
esfera, sem considerar a multiplicidade de conceitos que podem existir para além daquela. O
que é verdade consensual para determinado grupo pode muito bem não o ser para outro, já
que as realidades e contextos são diferentes. Prosseguindo a sua contestação à verdade
absoluta, Habermas retoma o quadro formado pela colonização do mundo vivido, no qual a
visão racionalista do sistema prioriza os fins, o estado final da verdade e não a sua
justificação.
É assim que o filósofo deixa claro que no mundo vivido a verdade incontestável é
impossível. O que existe é uma “aceitabilidade racional” do que é posto pelo sistema. O
sujeito aceita, ou não, as ideias que lhe são ofertadas a partir dos argumentos que elas
oferecem, racionalmente. O problema é que esta razão foi transcendentalizada, portanto, não
há discursos adicionais para estabelecer um processo dialógico, a razão se baseia no que é
transmitido pelo mundo sistêmico. E aqui os meios de comunicação assumem um papel
importante, ao propagarem as “verdades absolutas” do sistema ou reduziram as realidades do
mundo vivido.
A saída proposta por Habermas é a razão destranscendentalizada, o retorno da
razão prática ao mundo vivido, complexo, repleto de conflitos ideológicos, vivências práticas
e realidades diferentes. Nesse mundo, o indivíduo tem a possibilidade de estabelecer relações
múltiplas e, a partir de sua própria vivência, refletir a sociedade em que vive para chegar à
ação comunicativa.
Uma razão destranscendentalizada é integral, construída a partir da multiplicidade
de conceitos e da relação dialógica do discurso. É a partir dela que a ação comunicativa pode
8
se concretizar, indicando “aquelas interações sociais para as quais o uso da linguagem
orientado para o entendimento ultrapassa um papel coordenador da ação” (HABERMAS,
2002, p. 72).
Assim, a ação comunicativa e a razão destranscendentalizada surgem como
elementos de formação de uma esfera pública contemporânea voltada para o complexo mundo
vivido. Afinal, é neste mundo que as relações linguísticas se desenvolvem e mediam
discursos.
3 METODOLOGIA DE ANÁLISE
Já que o agir comunicativo baseia-se nas relações dialógicas entre os sujeitos,
escolhemos a AD - Análise do Discurso como metodologia de pesquisa para este artigo. A
AD procura descrever, explicar e avaliar os processos de produção, circulação e consumo dos
sentidos vinculados aos textos na sociedade, para isto engloba diversos conhecimentos.
As raízes da análise do discurso encontram-se na Grécia antiga, onde duas práticas
surgiram. Uma ligada à interpretação (hermenêutica) e a outra à produção (retórica) de textos.
A hermenêutica enfatiza a interpretação dos textos, inicialmente era aplicada na
decodificação das previsões dos oráculos, como o de Delfos. Aos poucos foi ampliada para
outros textos religiosos, jurídicos e literários. Possui como principal objetivo o resgate da
semântica original do texto, tendo servido muitas vezes para impor uma interpretação
privilegiada.
Por volta do ano 485 a.C, nas colônias gregas da Sicília, surgia a retórica,
inicialmente como um conjunto de regras para textos proferidos ao ar livre. Posteriormente se
ampliou para os textos deliberativos. Milton Pinto salienta que “por ser uma técnica de
produção textual, a retórica é também, de modo mais ou menos implícito, a primeira teoria da
produção e recepção de textos.” (2002, p.16).
Na história da análise de discursos duas tradições se destacam: a francesa e a
americana. A tradição francesa aborda discursos definidos como práticas sociais determinadas
pelo contexto sócio-histórico, enquanto a americana combina a descrição da estrutura e do
funcionamento interno do texto. Nesta pesquisa, adotaremos a tradição francesa como
referência.
9
3.1 A interação discursiva
Como o discurso não é constituído somente pela superfície textual, os conceitos
de emissor e receptor desaparecem e transformam-se em sujeitos e assujeitados da interação.
O texto, quando contextualizado, torna-se um enunciado. O emissor dá lugar ao sujeito da
enunciação, que produz o enunciado, e ao sujeito do enunciado, que o profere. O receptor, por
sua vez, assume a postura de sujeito falado, a quem o enunciado é dirigido./
Para Bakhtin, citado por Saldivar (2004), “a realidade fundamental da linguagem
é o dialogismo”, visto que a linguagem se contextualiza através da interação. Aqui também
surge outro termo definido por Bakhtin que está muito próximo do dialogismo, a polifonia,
que faz referência à intertextualidade, às inúmeras vozes que se fazem presentes em um texto.
A heterogeneidade compreende a polifonia e o dialogismo, manifestando-se
explicitamente, quando a menção a outros textos é claramente visível, e implicitamente,
quando a alusão se faz presente nas “entrelinhas” do enunciado. Estes elementos estão
presentes nas discussões que acontecem em uma esfera pública e no próprio conceito
habermasiano desta. A variedade de discursos é heterogênea, ao integrar cada uma das
posições dos indivíduos privados. Mas essa diferenciação inicial parte para o entendimento
comum, o diálogo entre as diversas vozes que compõem o debate.
4 COMUNICAÇÃO EM REDE
Com base na ideia de destranscendentalização da razão, analisaremos a
possibilidade do agir comunicativo no espaço virtual, mais precisamente na rede social
Twitter, que tem ganhado diversos usuários na internet. Com a expansão desse meio de
comunicação e das novas tecnologias, surgiu a comunicação em rede. Ao contrário dos outros
mass media, aqui não existe alguns emissores e vários receptores. De acordo com Amstel
(2006, p. 02), “nesse novo cenário, pessoas comuns podem ser mais do que receptores,
participando ativamente da criação e significação das mensagens”. Todos emitem e recebem
mensagens, formando uma “teia de fluxos e nódulos (...), trama complexa de percursos e
entrecruzamentos que entrelaça comunicação e contemporaneidade” (RUBIM, 2000, p. 27).
Assim, o indivíduo dá lugar ao sujeito, propiciando-lhe escolher qual caminho deseja
percorrer para decodificar a mensagem.
Essa possibilidade fez com que a internet crescesse em ritmo acelerado. As
estatísticas são calculadas por IP (Internet Protocol), um número de identificação único que
10
cada computador em rede possui. Contudo, o mesmo terminal de acesso pode ser usado por
várias pessoas, por isso, a aferição destes dados não tem 100% de precisão, mas serve como
um indicativo do avanço da web5.
De acordo com o Internet World Stats, 1,3 bilhões de pessoas usam a rede no
mundo. Só no Brasil, calcula-se que 67,5 milhões6 utilizam a internet em qualquer ambiente
(casa, trabalho, escola, telecentros, etc.). O número representa apenas 36,1% da população
brasileira, que até 2009 era composta por 193,5 mi habitantes7. A estatística ainda fica menor
quando se verifica o número de pessoas com acesso à internet residencial. Conforme pesquisa
do IBOPE, em abril de 2010, apenas 46.986 estavam conectados à rede mundial de
computadores a partir de suas casas.
Apesar dessa desigualdade, há um ponto crucial no que diz respeito à
acessibilidade da internet: a sua rápida expansão. Ao fim de 2005, apenas 20,9% da população
tinha acesso. Hoje, após quatro anos e meio, a cifra é de 36,1%. Esse nível de crescimento
levou o país a se tornar o quinto maior mercado mundial para celulares e internet, segundo a
Organização das Nações Unidas (ONU).
Conquistando cada vez mais usuários e reduzindo as barreiras entre espaço e
tempo, a internet possibilitou um maior nível de interação entre os internautas através do
compartilhamento de textos, fotos, músicas, atividades, etc. Essa interação ocorre de modo
especial nas redes sociais, sites em que o internauta pode cadastrar um perfil e relacioná-lo
com outros a partir de suas afinidades. Estes espaços também funcionam como fóruns abertos,
nos quais os usuários podem expressar sua opinião de acordo com temas pré-estabelecidos ou
ainda propor as temáticas que devem ser discutidas.
Dentre as redes sociais mais movimentadas da web, encontra-se o Twitter, um
serviço no qual os internautas cadastram uma página pessoal e realizam postagens que
respondem a pergunta “what are you doing?” (o que você está fazendo?) em até 140
caracteres. O limite foi imposto a partir do tamanho de uma SMS – Short Message Service,
mensagens de textos que podem ser enviadas por celulares, a fim de que fosse possível
atualizar a página pelo dispositivo móvel. Mas a integração do Twitter não ficou só nos
celulares, por ter uma API8 livre, a plataforma pode ser incorporada em qualquer serviço de
5 Web significa teia, em inglês. A palavra é usada como um diminutivo de World Wide Web (teia mundial) para
designar a cadeia de informações formada pelos sites. 6 Dados referentes ao ano de 2009, de acordo com o Instituto de Pesquisa IBOPE. 7 Indicators on Population. In United Nations Statistics Division. Demographic and Social Statistics. Statistical
Products and Databases. Social Indicators, 2009. 8 Application Programming Interface (Interface de Programação do Aplicativo) – código de programação que
permite a integração de um software com outros.
11
publicação. Hoje, há ferramentas de integração do Twitter com emails, páginas pessoais,
portais de notícias, smartphones, câmeras de vídeo, foto e outros aparelhos eletrônicos.
Essa descentralização do conteúdo permite que o Twitter seja acessado de
qualquer lugar, sem a necessidade obrigatória de um computador, basta apenas um dispositivo
de comunicação e uma rede de conexão disponível, que pode ser a própria rede de celulares.
Com isso, a ferramenta ganhou a adesão massiva dos internautas, principalmente no Brasil. O
Instituto Qualibest divulgou, em 2009, que 91% dos brasileiros com mais de 18 anos, com
acesso à internet, conhecem ou já ouviram falar no Twitter. Destes, 34% são usuários ativos
do serviço, acessando-o mais de cinco vezes por semana.
Para o jornalista Juliano Spyer (2009), o sucesso dessa rede se deve tanto à sua
capilaridade quanto ao ambiente de interação livre que propicia, comparando a rede a uma
“mesa de bar”. Essa analogia é perfeitamente aplicável às relações desenvolvidas no Twitter.
Desde o encontro de amigos para conversas triviais até a mobilização popular de internautas
com objetivos comuns. Tanto que uma comunidade discursiva se formou entre os usuários do
serviço, adotando termos próprios para ações no site. Dentro do vocabulário oficial do
Twitter, destaco aqui alguns termos que serão recorrentes neste artigo:
- Usuário: internauta cadastrado no Twitter. Possui uma página pessoal que pode
ser acessada através do seu nome de usuário, um registro único de cada pessoa registrada no
serviço. A citação do usuário em mensagens segue um padrão com o sinal de arroba à frente
do nome (@usuario).
- Tweet: cada mensagem, com até 140 caracteres, inserida na página pessoal do
usuário;
- Reply/Replies: tweet que cita o nome de outro usuário, geralmente para enviar ou
responder um questionamento;
- Retweet: republicação de um tweet que foi postado anteriormente por outro
usuário;
- Hashtag: é uma palavra-chave precedida pelo sinal “#” (#exemplo). A hashtag
serve para categorizar o tweet. Ao clicar nela os outros usuários podem ver todas as pessoas
que usaram aquela hashtag. É um recurso muito utilizado para divulgar serviços e campanhas;
- Seguidores: usuários que acompanham as postagens de outro usuário.
Tendo em vista essa interação discursiva, escolhemos analisar o perfil no Twitter
do governador do Estado do Ceará, Cid Gomes. Nossa meta é examinar a aplicação do agir
comunicativo neste espaço e assim verificar possibilidade de formação de uma esfera pública
virtual.
12
A escolha do objeto se deu por conta do caráter público, interativo e
descentralizado que o serviço de microblog apresenta. Estabelecendo assim, um ambiente
favorável ao uso da razão destranscendentalizada. Por conseguinte, o perfil do governador Cid
Gomes (@cidfgomes) foi definido para a análise buscando-se uma possível relação das
discussões em torno da figura pública no Twitter e a influência destas nas suas ações enquanto
chefe de Estado.
4.1 O governador no Twitter
De janeiro a março de 2010, Cid Gomes realizou 180 atualizações no Twitter. A
maioria (34) com informações georreferenciadas pelo programa MotionX9, e com fotos (26)
de obras e ações do Governo do Estado, inseridas a partir do Twitpic10
. Já em abril, o
governador fez 224 postagens, divididas da seguinte maneira: 23 com texto próprio, 15 do
MotionX, 24 indexadas pelo TwitPic, 83 replies, e 79 retweets.
A comparação com os meses anteriores é detalhada no gráfico abaixo. .
Gráfico 1 – Comparativo de atualizações do governador Cid Gomes no Twitter
FONTE: Observação do perfil @cidfgomes de 01/01/2010 a 30/04/2010.
Conforme se observa, de janeiro à março, Cid Gomes priorizou uma comunicação
de mão única, com apenas 4 respostas às perguntas feitas por seus seguidores. Enquanto em
abril, os replies e retweets foram mais recorrentes, criando um diálogo direto com os
internautas. Esse aumento se deu, sobretudo, devido às respostas publicadas no dia 21 de
abril, feriado de Tiradentes. Aproveitando o tempo disponível, o governador ficou cerca de
quatro horas online respondendo à perguntas de diversas temáticas. Só neste dia, foram
postados 75 dos 83 replies referentes ao mês em questão.
Em entrevista, Cid Gomes (2010) justifica a ausência de respostas explicando que
não deseja “criar espectativas nessas pessoas de que vão poder ter todas as suas dúvidas,
9 Aplicativo para smartphone que permite o envio de informações com latitude e longitude referenciadas no
serviço de mapas Google Maps. 10 Site integrado ao Twitter que possibilita o envio de fotos, pelo computador ou por telefone móvel, para o perfil
do usuário no microblog.
11
2
23
16
9
9
15
15
6
5
24
2
2
83
3
79
Jan | 42
Fev | 19
Mar | 19
Abr | 224 Texto
MotionX
TwitPic
Replies
Retweets
13
perguntas, críticas resolvidas”. Apesar disso, o perfil de Cid Gomes no Twitter gera debates
mesmo sem o retorno do governador.
5 O DISCURSO DE CID GOMES
A partir do panorama apresentado, a análise do discurso de Cid Gomes no Twitter
será realizada em três partes: apresentação inicial, textos (postagens próprias, replies e
retweets) e aplicações (MotionX e TwitPic). Busca-se assim, mostrar a diferença na estrutura e
objetivos do discurso em cada uma destas áreas, bem como a interação existente entre elas.
5.1 Apresentação inicial
Em sua página inicial, no campo “Bio”, onde o usuário faz uma breve descrição
pessoal, Cid Gomes apresenta-se da seguinte maneira: “46, Governador do Estado do Ceará,
PSB”. O discurso emitido pela frase demonstra a experiência de vida de Gomes, ao citar sua
idade; a posição pública que ocupa e a sua filiação partidária, no caso o PSB – Partido
Socialista Brasileiro.
A página também apresenta o brasão do Estado como papel de fundo, impresso
com a mesma tipologia e croma das peças de divulgação do Governo do Estado. A utilização
do símbolo oficial se une à descrição do perfil e emite um enuciado que reforça tanto o caráter
de pessoa pública, como a autoridade política que o cargo de governador representa. Deste
modo, o discurso inicial da página deseja mostrar que os assuntos ali tratados correspondem à
opinião de Cid Gomes, enquanto governador, pessoa pública. Logo, dá-se relevância pública
ao que é postado neste espaço, como declaração oficial do gestor do Estado.
Figura 1 – Página inicial do perfil @cidfgomes no Twitter
FONTE: Impressão de tela em 28/04/2010.
14
5.2 Textos
A análise dos textos diz respeito aos tweets publicados sem links externos, replies
e retweets. Como mostra o gráfico 1, Cid Gomes não possui o hábito de usar esse tipo de
postagem, a maior incidência é de tweets de aplicativos. Porém, devido ao feriado de
Tiradentes, o seu perfil registrou 83 replies, 79 retweets e 23 tweets com texto próprio no mês
de abril. Como os retweets constituem uma heterogeneidade explícita11
, focaremos esta
análise nos principais tweets e replies.
Em geral, as perguntas que Cid Gomes escolheu para responder questionam
prazos de obras iniciadas, detalhes sobre projetos, dão sugestões ou simplesmente elogiam a
gestão.
Figura 2 – Perguntas (retweets) e respostas no perfil @cidfgomes em 21/04/2010 FONTE: Recorte de tela do perfil @cidfgomes no Twitter. Impressão em 23/04/2010.
Neste recorte, é possível observar um aumento expressivo no nível de interação
do governador com seus seguidores. Ele utiliza-se de um modo de dizer mais coloquial,
próximo dos internautas. Ao responder o comentário da usuária veramagalhaes acerca do
número de tweets e retweets, Gomes emprega o termo “azedando” com referência à
pertinência do discurso naquele momento. A seguir, a gíria “rsrs”12
expressa um discurso bem
humorado, transmitindo um enunciado leve, lúdico e participativo, ao passo que se questiona,
implicitamente, se os participantes do diálogo ainda o consideram adequado.
Mas Cid Gomes também preserva a sua linguagem formal, característica de uma
pessoa pública. Ao falar sobre as obras de infraestrutua para a Copa do Mundo de 2014, o
governador publica uma série de siglas como PPP (Parceria Público-Privada), VLT (Veículo
11 Os retweets do governador reproduzem a postagem original Ipsis Litteris – na maioria das vezes, a pergunta de
um seguidor – para em seguida publicar uma resposta. 12 Redução de “risos” com utilização comum em meios virtuais de interação como redes sociais, salas de bate-
papo ou programas de mensagens instantâneas.
15
Leve sobre Trilhos) e PMF (Prefeitura Municipal de Fortaleza). O uso de abreviaturas e
reduções é comum no Twitter, devido ao limite de caracteres, mas deve-se lembrar que o
sujeito falado desse discurso é um público heterogêneo que não tem a obrigação de conhecer
o significado das siglas supracitadas. Assim, corre-se o risco de que a mensagem não seja
decodificada da maneira que deveria, haja vista que sujeito falado e sujeito do enunciado
fazem parte de diferentes comunidades discursivas. Por isso mesmo, Cid Gomes deveria
buscar pontos de interssecção entre essas comunidades, a fim de garantir que seu discurso
possa ser entendido por todos ou pelos menos pela maioria de seus seguidores. Mesmo assim,
ressalvamos que, por se tratar de um meio em rede, o discurso do governador pode ser
reconstruído por ele próprio ou por outros internautas. Deste modo, a dificuldade inicial de
compreensão dos conceitos pode ser esclarecida por outras referências, diferente de mídias
como Rádio, TV e Impresso.
Este recorte também dá uma amostra da multiplicidade de assuntos discutidos
pela rede de seguidores do governador. Esporte, infraestrutura e educação estão presentes nos
dez tweets citados. Mas, dentre as 224 atualizações do mês de abril, surgem outras temáticas
variadas como segurança, saúde, turismo, abastecimento de água, conjuntura política e outras.
Atendendo, portanto, à ideia da liberdade, a livre opinião com ausência de coação e paridade
de discursos.
Após falar de assuntos ligados a essas diversas temáticas por cerca de quatro
horas seguidas, o governador publica seu último tweet do dia 21 de abril com a seguinte
mensagem: “Vou ter mesmo que sair... Amanhã tem trabalho... Vou a Brasília numa reunião
sobre Transnordestina”. Aqui o enunciado reforça o discurso já empregado pela página inicial
e pela linguagem formal da maioria dos replies. Existe a interação, a aproximação discursiva
e, sazonalmente, a resposta direta do governador a questões levantadas pelos internautas, mas
Cid Gomes não é mais um cidadão cearense no Twitter. A posição e a autoridade do cargo
que ocupa são lembradas a todo momento. A justificativa para que o tempo do diálogo não se
estendesse naquele dia foi justamente a agenda do Governo do Estado.
Essa polifonia que destaca a face pública de Cid Gomes faz com que o sujeito
falado não perca a referência de publicidade que os discursos do governador possuem. Ao
mesmo tempo, o reforço constante dessa ideia propaga a imagem de um gestor consciente,
que se preocupa em informar à população as ações que executa, as decisões públicas que toma
e se refletem na vida cotidiana dos sujeitos.
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5.3 Aplicações
Utilizo o termo aplicações para as postagens inseridas por sites ou softwares
externos ao Twitter. Dentre estes, Cid Gomes utiliza com maior frequência o MotionX e o
TwitPic. Em abril, os seis primeiros tweets foram inseridos pelo MotionX:
Figura 3 – Atualizações inseridas pelo software MotionX no início do mês de abril.
FONTE: Recorte de tela do perfil @cidfgomes no Twitter. Impressão em 23/04/2010.
Ao clicar em um desses links, o internauta é direcionado para uma página
semelhante a esta:
Figura 4 – Mapa com informação georreferenciada
FONTE: Recorte de tela do site Google Maps. Impressão em 16/04/2010.
O software instalado no smartphone do governador mostra a visão de satélite,
georreferenciada com latitude e longitude, do local da obra, evento ou ação divulgada. Alguns
ainda apresentam a miniatura de uma foto. Os 15 tweets publicados em abril pelo MotionX
emitem um discurso que atende à lei da pertinência, pois estão em conformidade com o
enunciado inicial do assunto público. Todos tratam de uma obra do Governo que está em
execução ou que foi finalizada recentemente. A lei da informatividade também se aplica ao
caso, pois dá aos internautas a possibilidade de se informar sobre ações que nem sempre são
noticiadas pelos meios de comunicação convencionais.
Todavia, a lei da exaustividade não é cumprida. Estes tweets não emitem as
informações básicas necessárias para que o sujeito falado possa decodificar a mensagem em
sua totalidade. A estrutura é composta pela hashtag #MotionX, o termo Share (compartilhar,
em inglês) e o link de acesso ao mapa em questão. Não se sabe qual a obra ou o local em
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questão até que se clique no link. Para quem já acompanha as atualizações do governador, há
uma referência mínima do tema do tweet marcado com a hashtag citada, é um mapa com
informação de alguma obra pública. Mas essa compreensão é prejudicada pela ausência de
informações para os novos seguidores do perfil. Quem não souber o que é o MotionX ou o
siginificado da palavra Share, não terá um código interpretável. É até possível descobrir a que
o link se refere ao clicar nele, porém, nesse caso, a ação se dará por mera curiosidade, não por
interesse na informação pública que se encontra no tweet.
5.3.1 TwitPic
O TwitPic é um site paralelo, mas integrado ao Twitter. Ele permite a exibição de
fotos em um espaço próprio e publica o link da mesma no microblog. Em abril, foram 24
imagens publicadas no perfil do governador. O teor do discurso atribuído às atualizações pelo
MotionX também pode ser aplicado aos enunciados emitidos pelas fotos do TwitPic. Não há
referência à vida pessoal de Cid Gomes, as imagens e ilustrações continuam a tratar de
questões públicas: diagramas de projetos, eventos de órgãos ligados ao Governo e obras em
execução. Com isso, Gomes reforça o discurso de um gestor responsável, preocupado com a
coisa pública e a transparência de suas ações.
Figura 5 – Links postados pelo Twitpic
FONTE: Recorte de tela do perfil @cidfgomes no Twitter. Impressão em 16/04/2010.
Entretanto, há duas diferenças importantes entre as aplicações. A primeira é que
as postagens do TwitPic atendem à lei da exaustividade. Mesmo sem ter conhecimento do
site, o internauta tem a informação básica do assunto do link e saberá a temática do que pode
acessar. Em segundo lugar, há o fato de que o TwitPic constrói uma rede análoga ao Twitter,
que permite comentários das fotos por qualquer usuário do site, seja ele seguidor ou não do
perfil de Cid Gomes. Ao comentar uma imagem, o texto é postado na página do autor, junto
com o link da foto comentada. Temos assim uma expansão da rede inicial e um dialogismo de
discursos.
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Mais uma vez se distanciando do modelo convencional da comunicação de massa,
a comunicação em rede dá ao sujeito a possibilidade de responder ao emissor da mensagem,
sem a interferência de linhas editoriais, a pertinência do discurso é avaliada pelo próprio
indivíduo e por aqueles que compõem a comunidade virtual. Mesmo que o governador não
tenha a rotina de responder às questões levantadas por seus seguidores, a opinião do usuário é
expressa e o debate pode ser gerado. Vejamos o exemplo a seguir, sobre a inauguração de
uma delegacia no município de Trairi-CE.
Figura 6 – Foto publicada por Cid Gomes em 11 de abril de 2010
FONTE: Recorte de tela do perfil @cidfgomes no TwitPic. Impressão em 27/05/2010.
Quadro 1 – Resumo dos 23 comentários sobre a delegacia de Trairi
Usuário Comentário publicado (sic)
Jehcordeiro “no dia que eu fui em Trairi eu vi, muito linda, parabéns”
Raphaelrsr
“jehcordeiro, não se iluda, esta delegacia terá mais TERCEIRIZADO que Policial Civil, é
um absurdo o que estão fazendo conosco, chega a ser HUMILHANTE. Tenho fé que o troco
será dado nas urnas, meu voto desta vez não será em vão!”
“Pq nomear mais de 5 mil pm´s pro Ronda da eleição, e não nomear apenas 400 policiais
civis remanescentes, formados e aptos, à espera de nomeação, há mais de 1 ano (230
escrivães + 119 delegacos + 52 inspetores)? Exigimos respeito, já chega!!!”
Edwalcyr
“Sr. Gov. gostaria de parabenizá-lo pelo excelente trabalho q vem fazendo como governador do Estado, sabemos q o Estado precisa melhorar ainda muito por contade administraçõs
anteriores q deixaram muito a desejar. Sem exagero, usando o raciocínio lógico. Se
nomeasse 400 policiais, a crítica questionaria pq não 5 mil defendendo a geração de
empregos.”
Vascaoce
“edwalcyr Você sabe diferenciar o papel da Polícia Ostensiva (Preventiva) da Polícia
Repressiva? Você sabe o real papel da Polícia Judiciária? Você sabe diferenciar uma Polícia
de rua para uma Polícia investigativa? Tomara que a população cearense abra os olhos antes
das eleições! Aliás, o povo cearense já entende a situação atual da Segurança Pública. Carros
de luxo e fardas estilizadas x Polícia mal estruturada com relação ao pessoal.”
Fredericopbf
“Governador, existe um processo de exoneração em seu gabinete, Nº 095518754, relação
041/2010, que se encontra a quase 3 meses esperando sua assinatura. Informo-lhe que nem
as 223 vagas do concurso de ESCRIVÃO foram completadas.”
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Até a conclusão deste artigo, Cid Gomes não havia postado nenhuma resposta
para esses comentários. Contudo, conforme dito, a resposta do governador não é necessária
para a construção do debate. Bastou apenas que a temática da segurança pública fosse
levantada. O espaço aberto para a opinião e livre de coação propiciou a multiplicidade de
expressões sobre o investimento público e a definição de prioridades adotada por Cid Gomes.
A usuária jehcordeiro parabeniza o governador pela obra, valorizando a face
positiva do discurso de Gomes. Em resposta, raphaelrsr reivindica a convocação de todos os
aprovados no último concurso público da Polícia Civil do Ceará, apresentando ainda, a sua
visão do caso para jehcordeiro. Utilizando-se da heterogeneidade discursiva, edwalcyr
concorda com o primeiro comentário e parabeniza a gestão, que diz usar o “raciocínio
lógico”. Ao mesmo tempo, ele reprova as críticas levantadas por raphaelrsr. Por sua vez,
vascaoce questiona o conhecimento de edwalcyr e afirma que a população cearense conhece a
realidade da segurança pública.
Com os comentários de outros usuários e as réplicas daqueles que já haviam se
posicionado, a postagem de Cid Gomes recebeu 23 respostas. Um número insignificante se
comparado aos 8.547.80913
habitantes do Ceará. Contudo, mesmo que em pequena escala,
esse debate mostra os primeiros sinais de uma potencial razão destranscendentalizada no meio
virtual. As visões expressas são construídas a partir da vivência de cada um em sua própria
realidade, no mundo vivido. Os sujeitos também têm a oportunidade de conhecer outros
pontos de vista, contrários e coniventes com os seus. O embate de ideias pode ocorrer sem a
influência de mundo sistêmico, baseando-se apenas na apresentação racional de argumentos
apresentados por meio do discurso.
6 DA RAZÃO À AÇÃO: A CAMPANHA RESPONDE CID
Durante a análise do discurso no Twitter de Cid Gomes, entramos em contato com
a assessoria de comunicação do Gabinete do Governador, ao fim de março deste ano, com o
objetivo de solicitar uma entrevista, na qual o governador pudesse falar de sua experiência de
interação na rede social. Diante da agenda lotada do gestor, a assessoria informou que era
impossível marcar uma entrevista presencial ou por telefone. Assim, no dia 7 de abril, foram
13 População estimada em 2009 segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
20
enviadas por email à assessora de comunicação, que se comprometeu em encaminhar as
questões ao governador para que ele respondesse, se possível, em seu tempo livre.
Pouco mais de uma semana após o primeiro contato, continuamos sem nenhum
retorno. Assim, estabelecemos contato telefônico com a assessoria de comunicação, que disse
não ter recebido as perguntas e solicitou o reenvio. Este foi realizado no mesmo dia, 19 de
abril, e confirmado por telefone.
Mais um mês se passou e a assessoria continuou sem dar nenhuma resposta. Em
uma última ligação, realizada no dia 18 de maio, a assessora confirmou que não poderia dar
um prazo para envio das respostas, haja vista que a agenda pública do governador havia se
intensificado neste mês.
Como última alternativa de conseguir uma declaração oficial de Cid Gomes para
este artigo, surgiu a ideia de encaminhar mensagens ao perfil do governador no Twitter,
solicitando a respostas das perguntas. Na noite do dia 18 de maio, foi enviado o primeiro
tweet para o perfil @cidfgomes com a hashtag #RespondeCid. A partir daí, começamos uma
mobilização com amigos(as), blogueiros(as) e seguidores para pedir o apoio de Cid Gomes
nesta pesquisa.
Em três dias, a campanha registrou 51 mensagens marcadas com a hashtag
#RespondeCid. Todas encaminhadas ao perfil do governador. Foi então que, no dia 20 de
maio, Cid Gomes respondeu à campanha. Como a assessoria não havia encaminhado as
perguntas, o governador enviou uma mensagem direta solicitando um telefone para entrar em
contato e responder às questões. No mesmo momento, enviamos um contato. Minutos depois,
Gomes ligou e concedeu uma entrevista em que comentou sua experiência de interação com
os internautas no Twitter.
O governador declarou que descobriu a rede social por acaso. Ele possui um
aplicativo, o MotionX, em seu smartphone que usa para mapear as obras do Estado e construir
um banco de dados pessoal. Na última atualização do aplicativo, ele dava a possibilidade de
postar as informações no Twitter. Assim, Cid Gomes criou seu perfil e começou a atualizá-lo
com informações georreferenciadas.
Sobre o motivo que o levou a continuar usando a ferramenta, Gomes diz que a sua
“maior preocupação é tomar conhecimento do que as pessoas falam. É um instrumento
importante, serve como um feedback da gestão”. Todavia, como demonstrado nos dados
outrora citados, o governador não deseja criar uma rotina de uso da rede social, tampouco
responder constantemente às demandas levantadas no Twitter. Para ele, isso pode gerar uma
expectativa que não poderá ser atendida. “Na hora que você passa isso, as pessoas começam a
21
cobrar. Eu não sou capaz de atender cobranças. Também não consigo ler como se fosse
responder todos os comentários. (...) Sempre que posso dou uma olhada e dou alguma
resposta. Mas não aceito provocação, sempre que alguém faz provocação eu não registro. Dou
a oportunidade da pessoa se expressar, mas não respondo provocação”, ressalta.
Essa posição adotada pelo governador explica, salvo o mês de abril, a quantidade
pequena de respostas publicadas. Mesmo assim, temos a formação de um espaço em que a
opinião pública pode se formar e chegar ao poder público, fato que não é possível, ao menos
não diretamente, nos meios de comunicação convencionais.
Para Cid Gomes, a opinião das pessoas é importante para tomar decisões
democráticas. Ele afirma que os comentários interferem diretamente na gestão do Estado.
Como exemplo, o governador conta um caso desportivo que tomou conhecimento pelo
Twitter:
“Outro dia que acessei, vi uma série de reclamações de que teria havido uma
negativa, uma solicitação do Fortaleza [time de futebol] de fazer um jogo no sábado
que antecedia o Campeonato Brasileiro, que o Ceará [time adversário] vai fazer.
Então liguei pro secretário [de esportes] e perguntei por que isso estava acontecendo.
Era verdade e ele me disse que sim tinha uma série de problemas, por que precisava de pelos menos dois dias pra limpar o estádio. E eu ponderei a ele que era um caso
ímpar, um time de fora que vinha para uma comemoração e eu queria ajudar, pedi
movimentos de outros órgãos para fazer essa limpeza em tempo recorde e deixar o
Castelão pronto para o jogo seguinte”. (GOMES, 2010)
Em outras palavras, podemos dizer que o discurso dos internautas chegou ao
Estado e fez com que este adotasse uma postura prática para responder a um dos anseios da
população. Ou seja, o início de uma ação comunicativa, desenvolvida a partir de enunciados
formados numa esfera pública virtual e concretizada com uma ação do Estado.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O dialogismo e a proximidade de realidades diferentes que se encontram na rede
mostram que é possível construir uma razão destranscendentalizada na web. Primeiro, há a
comunicação como base da interação em um local livre, no qual “todos” podem emitir sua
opinião com uma ação regulada pelo próprio indivíduo. É ele que julga o que deve publicar ou
não, diferente dos meios de comunicação de massa que possuem linhas editoriais a serem
seguidas. Por isso mesmo não têm como atender todas, ou pelo menos a maioria, das
temáticas que a sociedade desejaria debater. Nesse contexto, a rede também contribui para a
reabilitação da razão no mundo vivido, com a múltipla visão das realidades. Um usuário pode
ver a interpretação de várias pessoas a partir de um mesmo assunto. Aqui, a ideia cosmológica
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do mundo se faz presente a partir do momento em que o internauta visualiza os fatos do
mundo vivido discutidos em rede no mundo virtual.
A discussão sobre segurança pública gerada pela foto que Cid Gomes publicou no
TwitPic mostra que essa possibilidade é concreta. A priori, a inauguração da delegacia em
Trairi-CE representa um investimento benéfico para a população. Porém, alguns usuários
expressaram outra opinião, que só foi possível graças à razão do mundo vivido. A informação
de que os escrivães aprovados em concurso público do Estado não foram convocados parte da
vivência prática e privada de um indivíduo, mas ganha relevância pública quando é
contextualizada na realidade em que os equipamentos de segurança se encontram. Com isso,
outros sujeitos aparecem no debate e também mostram sua posição, a favor ou contra o
investimento do governo. O resultado é uma cadeia de enunciados que dialogam entre si
através de vários discursos, que resguardam o ponto de vista individual, mas tratam de uma
questão pública.
Deste modo, a rede social Twitter apresenta uma infraestrutura adequada para a
construção da razão destranscendentalizada. Isso não significa dizer que o microblog assegura
o desenvolvimento da ação comunicativa. É possível conhecer e debater outras “verdades”
além das ditas por Cid Gomes ou pela mídia, mas a ação comunicativa só se concretiza
quando o discurso é convertido em posição prática.
Exemplo disso é a própria campanha #RespondeCid. O debate foi gerado em
torno da ausência de respostas do governador, vários discursos questionaram essa posição e
pediram que ele respondesse às perguntas deste artigo. Ao analisar essa “opinião pública”,
com base no que foi dito e em seu pensamento individual, Cid Gomes tomou a ação prática de
conceder uma entrevista. Ou seja, houve a formação de uma micro-esfera pública que
influenciou a ação de um gestor público. Obviamente, esse fato não tem a relevância de outros
assuntos bem mais pertinentes para a sociedade, como educação, saúde, infraestrutura e
equidade social. Mas ele mostra que existem outros meios da opinião pública se formar e se
fazer presente no Estado, além de um processo eleitoral que ocorre a cada dois anos.
Também é necessário ressaltar que, dentro de uma esfera que gere ações
comunicativas, a internet se insere como apenas mais um espaço de discussão. Uma forma
diferente, já que possibilita uma rede de intersecção entre esferas, mas não representa a
totalidade de uma opinião pública, tanto pelo fato de ainda não ser acessível a todos, como
pela própria destranscendentalização, que exige a complexidade de vivências do mundo
vivido, em seus diversos locus.
23
Por fim, é possível afirmar que a comunicação em rede representa um meio
importante para a formação de uma esfera pública contemporânea. Mas, para que isso seja
possível, é fundamental que a reabilitação do mundo vivido ocorra de maneira integrada. O
acesso a essa rede não é puramente tecnológico, é social. Mais do que um elo de ligação com
a web, os indivíduos precisam reconhecer o reflexo disso na práxis cotidiana, o que exige o
contraponto de realidades dentro e fora do mundo virtual.
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