Formação de professores na escola capitalista

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A CRIANÇA E O TEMPO: CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA E EDUCAÇÃO.

Rosyane de Moraes Martins Dutra (UFMA)1

Email: [email protected] Maria Alice Melo(UFMA)2

Email: [email protected] RESUMO

A criança, em seu percurso histórico, tem um espaço de grande importância na construção da História da Educação. Na definição de infância enquanto representação social,

a educação infantil insere-se em uma nova perspectiva de estudo da formação das crianças pequenas, que revalida conceitos como cultura, realidade, contexto, escola e educador. A

relevância desse artigo está inserida na proposta de analisar os contextos históricos e sua correlação com a modernidade, no sentido de perceber a infância no tempo histórico e não em fatos isolados, compreendendo as concepções que nortearam a atual prática escolar.

Apontando as contribuições de pesquisadores, como ARIÈS (1981), VEIGA (2010), VASCONCELOS (2008), SARMENTO (2008), pretende-se investigar o cotidiano escolar

como espaço formativo da criança, em um resgate histórico para fins contemporâneos.

Palavras Chaves: Infância; História; Educação; Docência.

ABSTRACT

The child, in its historical, has an area of great importance in the construction of the History

of Education. In the definition of childhood as social representation, early childhood education is part of a new perspective on the study of the formation of small children, who restores to concepts such as culture, reality, context, school and educator. The relevance of

this article is included in the proposal to analyze the historical contexts and their correlation with modernity in order to realize his childhood in historical time rather than isolated facts,

understanding the concepts that guided the current school practice. Pointing out the contributions of researchers such as Aries (1981), Veiga (2010), Vasconcelos (2008), SARMENTO (2008), we intend to investigate the school routine as formative space of the

child, in a historical purposes contemporaries.

Key words: Childhood, History, Education, Teaching.

INTRODUÇÃO

A discussão em torno da compreensão da infância na história da educação tem

fomentado inúmeras pesquisas, voltadas tanto para entender os conceitos e a

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação/Mestrado em Educação- UFMA. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Escola, currículo, formação e trabalho docente/Grupo de Estudos Formação de Professores – UFMA. 2 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo. Professora titular da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Docente do Curso de Pedagogia e do Programa de Pós Graduação em Educação da UFMA. Cordenadora do Grupo de Pesquisa: "Escola, Currículo, Trabalho e Formação Docente” .(Mestrado em Educação/UFMA).

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representatividade social que ela mobiliza, como para refazer o olhar sobre a criança e suas

características. No seio das principais questões que teóricos e estudiosos da Educação

destacaram, a infância atraiu olhares, que, não só trataram-na como um campo de estudo, mas

sim, desvendaram sua influencia na construção de um tempo histórico.3

A infância sempre ficou a margem das grandes decisões políticas e sociais da

sociedade ocidental. O que se contempla ao longo da historia, é que os fatos são

desassociados da cotidianidade, favorecendo a divulgação de informações distorcidas da

realidade, no caso, da criança. E a educação tem sido a principal disseminadora das ideias que

desumanizaram a criança no tempo e no seu cotidiano.

Assim, compreender o cotidiano é levar em conta a realidade de cada sujeito

componente do contexto escolar, principalmente, crianças e professores. Conhecer as relações

sociais nos quais atuam e nas que estabelecem com a sociedade. A escola é repleta de

acontecimentos que movimentam as relações internas e externas. Assim, o pesquisador

precisa entender o movimento desse processo para analisar sua complexidade. Como indica

PEREIRA (2010, p.64),

os acontecimentos cotidianos constituem indícios de movimentos importantes que

ocorrem na escola e nos possibilitam compreende-la em termos mais reais. Estamos

falando de movimentos particulares, aparentemente sem consequências, que são

produzidos nas dobras da instituição e que a todo o momento colocam em xeque

padrões conservadores vigentes, não somente para negá-los, mas também para

construir a partir deles. No dia a dia da escola, apesar de sua aparente banalidade,

estes acontecimentos produzem consequências.

Nessa perspectiva é que se propõe neste ensaio elucidar as principais concepções

de infância que contribuíram para a vigente caracterização da criança como “ser em

desenvolvimento”, partindo dos contextos socioculturais e históricos do século XVIII até os

nossos dias. Assim, fornecer subsídios para análise da escola e da educação infantil na pós-

modernidade, destacando os papéis dos sujeitos que participam do processo formativo da

criança na instituição: os educadores.

Consideram-se os estudos realizados por pesquisadores da história da educação,

que evidenciam na educação infantil práticas similares às práticas sociais de cada contexto

sociocultural, possibilitando a reconstrução da metodologia da pesquisa historiográfica sobre

a criança. Essas contribuições influenciam as investigações que surgem para que se

compreenda o espaço de formação da criança: o escolar. Os professores que se dispõem a

serem participantes desse movimento (de serem também pesquisadores) adquirem um

3 Uma categoria da História Cultural, que indica segundo FONSECA (2003) o estudo da cultura e da vida do

homem em suas diversas manifestações: religiosa, sexual, cotidiana, material, etc.

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importante papel de autores de sua própria construção formativa, buscando sempre interagir

com o ambiente, com as concepções históricas do contexto e com as práticas vivenciadas na

escola.

Destacam-se os estudos de Michel de Certeau4, que compreende o cotidiano como

espaços de movimento e embate entre estratégias e táticas e estabelece uma distinção entre

ambas. Portanto, entender o cotidiano da escola infantil e seus movimentos significa

apreender os significados das ações dos sujeitos.

De acordo com essas reflexões, acreditamos que a pesquisa do cotidiano escolar

infantil nos permitirá pensar a constituição do sujeito na dialética dos processos

objetivos e subjetivos da vida cotidiana, o que exige recuperar o caráter dialético e

complexo das relações humanas e conceber o sujeito como o possuidor de uma

condição histórico-cultural, pois, em cada momento histórico, as relações sociais e

as formas de produzir conhecimento e sentido para a vida se modificam, uma vez

que a ação dos sujeitos encontra-se em constante movimento. (PEREIRA 2010,

p.69)

A INFANCIA NO TEMPO: características socioculturais e educacionais.

Ao estudar a infância, há sempre a convocatória a um “mergulho” no universo

especifico das crianças, repleto de saberes e comportamentos próprios da convivência infantil

e que revelam sua interação com o mundo. Dividi-la em períodos ou estágios seja talvez uma

abominação dos seus contextos sociais e históricos, que tanto influenciam na educação das

crianças pequenas. Ao recortar um pouco a historia da educação do homem, percebe-se o

quanto ela sofreu intervenções da biologia e da psicologia, que deram rumos mais clínicos na

caracterização infantil. Porém, é possível acompanhar outra reformulação da história da

criança que resgata suas relações com a cultura adultocentrica5, desvelando as formas de

educação que moldaram a infância durante muito tempo.

A moralidade era uma característica típica do século XVIII, na qual educadores e

famílias, sobre a influencia religiosa, concebiam as crianças como inocentes, criaturas puras

de Deus, frágeis, que precisam ser orientadas, corrigidas e educadas. (VEIGA, 2010)

Rousseau, com sua obra EMÍLIO, anunciava a liberdade da criança, concebida como tal e não

como pequeno adulto.

Assim, para Rousseau, a infância tem maneiras próprias de ver as coisas, o mundo,

de pensar e sentir, e essas maneiras precisavam ser respeitadas, e não se querer

4 DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994. 5 Que parte da concepção do adulto.

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substituir essas atitudes pelas nossas. Quando isso acontece, estamos ferindo a

autonomia e a liberdade da criança. (SOUSA, 2010, p. 22)

Assim, estudiosos acreditam que até o século XVII não existia uma clara

definição de infância, pois as crianças eram consideradas como seres inferiores, incapazes e

subalternos aos ditames da sociedade da época. Eram pouco consideradas nas relações

familiares e sociais, colocadas bem abaixo da hierarquia social e das decisões políticas, sendo-

lhes negado até certa abertura nos diálogos com as pessoas mais velhas, inclusive seus pais.

Ligada ao conceito de pecado, a infância recebia tratamento diferenciado, pois a

preocupação era manter a pureza do coração. Surge assim, a necessidade de implantar um

sistema de escolarização infantil, pois era preciso racionalizar o pequeno homem, em

atendimento às perspectivas de modernidade social. Como estabelece ARIÈS (1981), em seu

livro, que

podemos compreendê-la à partir de duas abordagens distintas. A escola substituiu a

aprendizagem como meio de educação. Isso quer dizer que a criança deixou de ser

misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente, através do contato com eles.

A despeito das muitas reticências e retardamentos, a criança foi separada dos adultos

e mantida à distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa

quarentena foi a escola, o colégio. Começou então um longo processo de

enclausuramento das crianças (como dos loucos, dos pobres e das prostitutas) que se

estenderia até nossos dias, e ao qual se dá o nome de escolarização. (p.5)

A estrutura familiar também sofreu mudanças. O chamado “núcleo da sociedade”

passa a ter as mesmas características da burguesia dominante, onde o modelo de pai e o de

mãe deve estar pautado no sentimento de fidelidade e afeição. Essa conduta exemplar os

inseria no grupo social em ascensão e conduzia o pensamento dos filhos a buscarem os

mesmos costumes.

No início da Idade Moderna, ainda em meados do século XVIII, a criança recebia

as atenções sociais, numa incessante preocupação com seu futuro, com sua formação e com

sua posição social. (BORBA, 2008) No final deste século, com o reconhecimento de direitos

individuais, se manifestam as preocupações em torno das camadas menos favorecidas da

sociedade, dentre elas, os infantes. Assim, novas regras foram pensadas para o

estabelecimento de condições mais abrangentes para crianças ricas e do sexo masculino. A

família burguesa passou a valorizar as suas crianças e a escola passou a entender os

sentimentos infantis, se estruturando em conceitos mais liberais, visando o futuro do pequeno

cidadão.

As crianças da camada popular, entretanto, não possuíam os mesmos direitos das

crianças burguesas. Eram ainda tratadas, em meio a todo esse processo de mudança social e

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educacional, como empregados das grandes fábricas. Percebe-se uma contradição na virada

do século, onde ao mesmo tempo em que são reconhecidos os direitos às crianças, também

lhes são negados, condição ainda percebida nos dias atuais.

Como declara OLIVEIRA (2010, p. 63) sobre o papel de pioneiros da educação

pré-escolar, que buscavam a conciliação de novas formas disciplinadoras da criança pequena

e pobre.

Autores como Comenio, Rousseau, Pestalozzi, Decroly, Froebel e Montessori, entre

outros, estabeleceram as bases para um sistema de ensino mais centrado na criança.

Muitos deles achavam-se compromissados com questões sociais relativas a crianças

que vivenciavam situações sociais críticas (órfãos de guerra, pobreza) e cuidaram de

elaborar propostas de atividades em instituições escolares que compensassem

eventuais problemas de desenvolvimento.

No inicio do século XIX, surge uma revolução dos costumes, propagada pelas

escolas monitoriais, na qual professores eram honrados ao disciplinarem seus alunos com as

punições. Estas práticas ditas civilizadas ao longo do tempo, como os castigos físicos,

diferenciavam o tratamento que um adulto devia ter com os menores. Depois, os castigos

morais, muito difundidos nos colégios, fundamentados em recompensas e punições, que

deviam cultivar a virtude e os princípios de moralidade. VEIGA (2010) propõe a investigação

de documentos e registros históricos para melhor compreensão das ações das instituições

propagadoras dessas iniciativas. A autora analisa que, o tempo, tornou-se símbolo cultural e

produção histórica, e destaca as alterações de comportamento surgidas em meio ao processo

civilizatório.

Em meio às mudanças na percepção da passagem do tempo, podemos identificar que

a partir de fins do século XVII estabeleceu-se a noção de desenvolvimento, no

século XVII, a de progresso, e no século XIX, a de evolução. Associados a isso,

ampliaram-se cada vez mais a distancia entre padrões comportamentais e

emocionais de adultos e crianças. Assim, no século XIX, a previsibilidade como

habitus social demandou uma especificidade nos cuidados físicos e morais das

crianças, como maneira de prever o seu desenvolvimento e o seu futuro como um

adulto civilizado, honesto, trabalhador. (p.27)

A presença dos ideais iluministas inaugura a concepção de Modernidade presente

no discurso do início do século XIX, onde família e escola constituíam as instituições

modernas e determinantes no “sentimento de infância” (ARIÈS, 1981) que configuravam o

cotidiano social dos sujeitos. A ideia de infância moderna foi universalizada e, com o

desenvolvimento da industrialização, a educação foi preconizada como fundamental para o

desenvolvimento social e a inserção da criança no mundo adulto. A criança passou a ser

reconhecida como diferenciada do adulto, o que determinou a história do pensamento

pedagógico das instituições de assistência infantil deste século.

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Ademais, no século XIX, um conjunto de atores sociais passou a disputar espaço e

a confrontar concepções sobre a educação anterior ao ensino obrigatório: entidades

filantrópicas, pessoas das camadas dominantes com interesses beneméritos, setores

governamentais e empresários. Regulamentações sucessivas, embora por vezes conflitantes,

foram criadas para orientar a educação pré-escolar em países da Europa Ocidental. Todavia,

elas não eram efetivadas, observando-se uma impermeabilidade da realidade educativa,

particularmente no que se refere às crianças das camadas populares.

O século XX iniciou com inúmeros caminhos em direção à consolidação do

estudo cientifico da criança. No período que iniciou com uma Grande Guerra Mundial,

aumentou o número de órfãos, e programas de atendimento a crianças pequenas passaram a

conviver com programas de estimulação precoce nos lares e em creches orientados por

especialistas da área de saúde. Manifestam-se neste contexto pedagogias voltadas para a

manipulação de materiais, encaminhando as concepções sobre a infância a um estudo mais

científico. (OLIVEIRA, 2010)

Essas ideias mostraram um “novo” espírito escolar, que motivou Movimentos das

Escolas Novas, que impulsionavam a concepção da escola preparatória para a vida, centrada

no adulto, e que desconsiderava o pensamento infantil e suas necessidades. Com a

intervenção da Psicologia, abriu-se um leque de novas abordagens sobre o desenvolvimento

infantil, dentre eles, o destaque para Lev Vygotsky, Henri Wallon, Jean Piaget e Celestin

Freinet.

Na contribuição de VASCONCELOS (2008), percebe-se a importância de se

reconhecer práticas socioculturais, para além dos estudos clínicos e experimentais, onde

privilegiamos compreender a historia cultural da humanidade como vinculadora de

uma orientação centrífuga às atividades das crianças que, em reação a esse

movimento, construirão um outro, no sentido inverso (orientação centrípeta),

constituindo-se como sujeitos únicos, que sofrem a ação do meio, mas, ao mesmo

tempo, agem nele, como sujeitos dessa mesma história. (p.77)

Em meados da década de 50, após a Segunda Guerra Mundial, surgem novas

intervenções sociais e políticas acerca dos direitos que devem ser garantidos às crianças tendo

destaques os documentos como a Declaração Universal dos Direitos da Criança (ONU, 1959),

pensada a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).

A sociologia e a antropologia também tiveram contribuições significantes para a

concepção de infância. Os sociólogos se preocuparam em apontar a estrutura social como

determinante da cotidianidade infantil, e os antropólogos, destacaram as culturas

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diferenciadas como construtoras de práticas educativas, possibilitando inovações nos modelos

existentes de educação infantil.

Também, grandes avanços tecnológicos que surgiram no século XX,

desencadearam mudanças nas condições educacionais existentes.

A utilização crescente de eletrodomésticos e de alimentos pré-preparados

transformou o trabalho das mulheres no lar. Mães com maior qualificação

educacional passaram a redefinir cada vez mais suas tarefas em relação à educação

dos filhos, adaptando uma quase profiss ionalização de seu trabalho pedagógico

doméstico, particularmente nas famílias dos extratos médios da população de países

de capitalismo avançado. (OLIVEIRA, 2010, p.81)

O interesse volta-se agora para a criança, que enquanto “sujeito social” ou “ator

pedagógico”, merece ser atendida em suas necessidades educativas. Assim, a ideologia da

construção do próprio conhecimento6 insere-se nos contextos escolares, onde a criança é o ser

ativo e sujeito de sua capacidade cognitiva, que escolhe seu caminho, rumo ao pleno

desenvolvimento. São valorizadas atividades que desenvolvem a criatividade e a fantasia

infantil, como desenhos, pinturas, modelagens, e que motivam a indústria de entretenimento e

a publicidade, pois empresas do setor cada vez mais, confeccionam produtos direcionados à

brincadeira, como os jogos e de literatura voltada para o universo infantil.

Portanto, a escola infantil torna-se um grande produto para a sociedade capitalista

que emerge. Assim, os educadores tiveram que mudar concepções e se profissionalizar para

atender as demandas provenientes deste novo cenário mundial. Ou seja, a educação

reinventou sua própria história e a infância se incluiu neste processo, questionando suas

próprias práticas e preparando os seus profissionais para aderirem ao modelo educacional

vigente nos países ricos.

Atualmente, e com a virada ao século XXI, vislumbra-se uma educação infantil

voltada para os interesses comerciais e políticos. Com a inserção dos conceitos de qualidade

total e gerenciamento de projetos, o objetivo centra-se na aplicabilidade dos recursos

financeiros e nas estatísticas, que devem sempre apontar as melhorias do sistema educacional,

numa disputa desenfreada entre países. Nesse ínterim, se encontra a infância, que antes era

relegada ao desprezo, agora recebe assistência comprometida, talvez mais com o processo

educativo do que com os saberes da criança.

INFANCIA E ESCOLA HOJE: alguns apontamentos

6 Conceito presente na abordagem construtivista difundida por Jean Piaget e seguidores.

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Por muito tempo, a educação dependeu dos conceitos evolucionistas da biologia,

formando conceitos eugenistas, com destaque para as cores das crianças. A escola se

organizou no sentido de caracterizar as classes de crianças, psicologicamente (normais,

anormais, supranormais) e o processo de “branqueamento” da infância, como sendo sinônimo

de civilizada. (SARMENTO, 2008)

Destacam-se, nesse diagnóstico, as considerações de VEIGA (2007, p.268), que

afirma

Sobre a temática étnico-racial continuou-se afirmando o padrão de uma sociedade

branca caracterizada por uma estética, hábitos e valores “superiores”. Os

afrodescendentes continuaram sendo interpretados em sua “inferioridade”, seja

como tema do ensino de história, no estudo das mazelas do passado escravista e

totalmente submisso aos senhores, seja como temática do folclore nacional.

Assim, a escola do século XXI, com base construída na história que foi delineada,

repercute os acidentes culturais que indicaram a proposta educacional vigente na educação

infantil.

As ciências que se preocupam em se aproximar dos estudos sobre a criança,

geralmente a denomina como um ser em construção, conformando a infância civilizada com

os padrões da pós-modernidade. Educam-na e conformam-na no processo cultural, na

autodisciplina, modelando saberes, valores, sensibilidades, sentimentos, crenças, padrões de

condutas, com estratégias pedagógicas que inserem adultos e crianças. O positivismo, o

cientificismo e o didatismo reduziram a escola, e hoje com o gerencialismo, ela tem perdido

sua função social. (ARROYO, 2008)

Por outro lado, a criança vive um momento em que a interação com as pessoas e

as coisas do mundo vai levando-a a atribuir significados àquilo que a cerca. BORBA (2008)

consolida as contribuições da Sociologia da Infância, representada por William Corsaro7, que

pesquisou etnograficamente a criança. Corsaro conclui que na interação da criança com o

meio, com as pessoas de sua realidade sociocultural, ela constrói novos sentidos ao mundo

que pertence. Processo que se produz e se partilha numa construção coletiva de “experiência

social”. Assim, a partir destes estudos, Corsaro caracteriza as culturas de pares, como sendo

um ciclo de inter-relações, nas quais as produções culturais dos adultos para as crianças e

vice-versa se cruzam, portanto, um processo dinâmico de compreensão dos conceitos de

cultura e infância. A brincadeira é a principal prática de representação cultural da infância,

permitindo à criança uma viagem no tempo e na história de sua cultura, onde é capaz de

7 CORSARO, Will iam. The Sociology of childhood. Indiana: Pine Forge Press, 1997.

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intervir, recriando os espaços e reinventando a brincadeira, sendo autora desse processo de

reconstrução da sua própria cultura.

Ao brincar, a criança não apenas expressa e comunica suas experiências, mas as

reelabora, reconhecendo-se como sujeito pertencente a um grupo social e a um

contexto cultural, aprendendo sobre si mesma e sobre os homens e suas relações no

mundo, e também sobre os significados culturais do meio em que está inserida. O

brincar é, portanto, experiência de cultura, por meio da qual as crianças constituem

coletivamente valores, habilidades, conhecimentos e formas de participação social.

(p.82)

Assim, a escola, enquanto espaço formativo deve garantir momentos de produção

cultural infantil. Primeiro, conhecendo a criança e seu mundo, seus pares, sua história, sua

realidade sociocultural e histórica. O professor, enquanto mediador deve escolher atividades

que possibilitem um convívio multicultural e inter-relacional, e que contemplem

conhecimentos das diferentes linguagens artístico-culturais. As rodas de conversa e os

projetos são exemplos de atividades que proporcionam essa interação.

Ser autora nos espaços de Educação Infantil é também se expressar a partir de

diferentes linguagens – oral, plástica, musical, corporal, teatral, gráfica - organizar

brincadeiras individuais e coletivas, escolher seus parceiros de brincadeira ,

atividades, brinquedos e materiais. Ser autora é realizar suas próprias produções por

meio do desenho, de construções, narrativas, poesias, danças, escrita, pinturas,

modelagem, entre outras formas de expressão. Ser autora é também se constituir

como agente de sua experiência social, organizando com seus pares suas

brincadeiras e construindo e partilhando com estes significados e formas de agir

sobre o mundo. (idem, p. 85)

O currículo deve ser objeto de construção cultural, que leva em conta a vivencia

dos sujeitos que pertencem a uma classe propiciando a reflexão sobre os conteúdos estudados

e as experiências de vida, em busca da conscientização (currículo multicultural). (MEDEL,

2011) Assim, alguns padrões de ensino devem ser abolidos da escola, pois formalizam os

procedimentos didáticos e excluem a participação discente e comunitária, resultando em um

processo excludente. Modelos como listagem de atividades na expectativa do professor, onde

as crianças são meros escribas das ideias dos adultos; datas comemorativas, que acumulam

festas e desnorteiam o sentido reflexivo e informacional das comemorações cívicas e

religiosas; o planejamento baseado em aspectos do desenvolvimento, que revela apenas as

expectativas do ponto de vista psicológico, descartando os aspectos sócio-históricos; temas

geradores/centros de interesse, que deveriam ampliar o repertório cultural dos alunos, acabam

transformando o processo de aprendizagem em momentos de reprodução de palavras, frases e

ideias do professor; conteúdos/áreas de conhecimento, que dividem a educação infantil por

disciplinas que tendem a preparar a criança para o ingresso no ensino fundamental. Os

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projetos de trabalho são os mais integrados, pois planejam de acordo com a realidade sócio-

histórica dos alunos.

Nessa perspectiva, educadores e educadoras da educação infantil se revestem (ou

são revestidos) de práticas e saberes que indicam os rumos do processo de aprendizagem das

crianças pequenas. Na proposta da escola pós-moderna e globalizada, os profissionais da

educação deverão atender a exigência da profissionalização contínua. Além disso, o trabalho

na escola tem sido mais intenso, pois as famílias tem se imbuído do cotidiano escolar,

acessando as formas de planejamento e gestão em funcionamento, o que tem exigido muito

mais de cada profissional. Segundo BUJES (2001),

Ao considerarmos que a educação infantil envolve simultaneamente cuidar e

educar, vamos perceber que esta forma de concebê-la vai ter consequências

profundas na organização das experiências que ocorrem nas creches e pré-escolas,

dando a elas características que vão marcar sua identidade como instituições que são

diferentes da família, mas também da escola (aquela voltada para as crianças

maiores de sete anos). Enquanto se mantiver a confusão de papéis que vê na família

ou na escola os modelos a serem seguidos, quem perde é a criança. (p.17)

Assim, a docência na educação infantil precisa estar atenta a alguns pontos, que

são próprios da infância, que devem ser levados em conta no processo de aprendizagem.

Essas especificidades derivam:

das características da criança pequena;

das características da tarefa;

da rede de interações;

da integração e interação entre o conhecimento e a experiência, as interações

profissionais e a integração dos serviços entre os saberes e os afetos.

A atitude investigativa mobiliza o educador, no sentido de sempre buscar resposta

a questões implícitas no trabalho escolar. Propor sempre, no planejamento da rotina, a

inserção de momentos nos quais a criança é partícipe e construtora da atividade. Isso incita a

participação comunitária, famílias e parceiros, na construção de um currículo mais autêntico,

voltado para as necessidades dos alunos, proporcionando uma formação humana pelo acesso

aos saberes, conceitos e práticas da cultura local.

A educadora infantil, como pessoa inserida na sociedade, constrói ao longo de sua

existência uma identidade pessoal/profissional. Não seria coerente separar essas duas

dimensões da identidade que podem ser compreendidas como diferentes papéis (ou conjunto

de) desempenhados pelo sujeito no processo de identificação. As condições históricas, sociais,

materiais influenciam esse processo no qual houve, num dado momento, a opção de trabalhar

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com crianças de 0 a 6 anos como educadoras. Tal inserção profissional gera a necessidade de

desempenhar um personagem que em nosso país, e em vários outros, historicamente está

relacionado a um papel feminino, doméstico, não profissional. Esse personagem já recebeu, e

ainda recebe diversos nomes que encerram um mesmo tipo de identificação: pajem, babá, tia,

atendente, etc. Informalmente ou até nos contratos em carteira de trabalho assim foram e têm

sido nomeadas as mulheres que trabalham diretamente com crianças até 6 anos.

O esperado do desempenho delas é uma atuação muito parecida com a da mãe no

espaço familiar gerando, inclusive, uma forte identificação dessas profissionais com as mães.

Gerando ainda uma dificuldade de compreensão, no âmbito da instituição de educação infantil

e na sociedade em geral, do caráter profissional que reveste o trabalho da educadora infantil.

O grande número de mulheres trabalhando como educadoras infantis bem como a

proximidade do papel a ser desempenhado com a maternidade contribuíram muito para que as

instituições destinadas às crianças pequenas também assumissem uma identidade de local

doméstico, não profissional.

A identidade assumida pelo profissional, a consciência do papel a desempenhar e

as ações cotidianas têm relação direta com a identidade construída para a instituição.

Lembrando que tudo isso faz parte de um processo histórico, social, institucional que

extrapola a dimensão individual da construção de identidade. Portanto, a metamorfose pode

ou não ocorrer dependendo das condições materiais, sociais, históricas. O imaginário coletivo,

as condições de formação inicial e contínua em serviço, o modo de conduzir o trabalho nas

instituições, a legislação, as concepções de infância, educação infantil, etc, interferem nas

possibilidades de ocorrência da metamorfose de cada profissional e da categoria.

Na escola, a criança vive experiências completas e complexas, pois desenvolve

modos de pensar. O desenvolvimento da sensibilidade, o fato de reagir de certa maneira frente

aos outros e às experiências vividas, o gosto por determinadas manifestações culturais em vez

de outras, etc., são aspectos que não podem ser desprezados, quando pensamos no tempo no

qual a criança está inserida. (BUJES, 2001)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Trabalhando na educação infantil acredito que precisamos verificar qual é a

concepção de criança que transparece em nossas ações cotidianas. Não se trata de verificar

somente os discursos, mas também a concepção implícita na ação, nas escolhas e no

encaminhamento da programação diária, na forma como propomos atividades, no modo como

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lhe dirigimos a palavra, no modo como procuramos a resolução de conflitos nos quais está

envolvida, etc. À maneira como conceituamos a infância está muito misturado com a maneira

como concebemos a criança. No entanto, a preocupação ao trabalhar com a criança é a

infância que ela está vivendo somada ao adulto que será, visto que nossas ações no hoje e

agora de sua vida deixa traços para as fases posteriores.

Diversas ações presenciadas na educação infantil, principalmente na pré-escola

nos revelam uma extrema preocupação com o preparo para o Ensino Fundamental de tal

modo que muitas vezes a criança real, vivendo a infância, passa despercebida aos

profissionais. A compreensão do que é ser criança determina o tipo de funcionamento que

damos à instituição. Nossas creches guardam ainda resquícios de abrigo, asilo. Tal momento

de sua identidade ainda não foi superado. Um esforço bastante grande será necessário para

que nossas creches e pré-escolas tornem-se lugares abertos a confrontar pontos de vista,

discordar, ser indócil quando necessário, ter incertezas, ser deslumbrado e curioso e procurar

respostas diferentes das encontradas até então. Para que uma metamorfose aconteça é de

primordial importância a identificação que fazemos do profissional da Educação Infantil.

Nem substituto da mãe, nem professor escolar. É aquele profissional que reflete sobre sua prática,

um pesquisador, um co-construtor do conhecimento, tanto do conhecimento das crianças como dele

próprio, sustentando as relações e a cultura da criança, criando ambientes e situações desafiadoras,

questionando constantemente suas próprias imagens de criança e seu entendimento de aprendizagem

infantil e outras atividades, apoiando a aprendizagem de cada criança, mas também aprendendo com

ela.

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