Formação de Professores_pesquisa_ e Problemas Metodológicos

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380 Formação de professores, pesquisa e problemas metodológicosBernardete Angelina Gatti

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FORMAÇÃO DEFORMAÇÃO DEFORMAÇÃO DEFORMAÇÃO DEFORMAÇÃO DEPROFESSORESPROFESSORESPROFESSORESPROFESSORESPROFESSORES, PESQUISA, PESQUISA, PESQUISA, PESQUISA, PESQUISA

E PROBLEMASE PROBLEMASE PROBLEMASE PROBLEMASE PROBLEMASMETMETMETMETMETODOLÓGICOSODOLÓGICOSODOLÓGICOSODOLÓGICOSODOLÓGICOS

Bernardete Angelina Gatti 1

ResumoResumoResumoResumoResumoEste artigo analisa tendências metodológicas na pesquisa em educação comênfase na pesquisa sobre professores, descrevendo o movimento histórico daspesquisas em educação no Brasil: o tecnicismo dos anos 30, abrangendo odesenvolvimento psicológico das crianças e adolescentes; os estudos sobre ascondições sociais de vida dos professores na década de 50; a natureza econômicadas pesquisas da década de 60; o tecnicismo que chega aos anos 70 mescladocom abordagens humanistas para nos anos 80 serem desenvolvidas interpretaçõescríticas do social, embora de rigor metodológico questionável; os anos 90, quetrazem as questões de identidade do professor já com abordagem mais culturalistae antropológica. A autora aponta os problemas metodológicos de maneira geralna produção de conhecimentos em educação.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractThis article analyzes methodological trends in educational research, withparticular emphasis on research into teachers. It describes the historicalmovements within education research in Brazil, including the technicism of the1930s involving the psychological development of children and adolescents,the studies on social concerns of the lives of teachers during the 1950s, theeconomic nature of research during the 1960s and the technicism that continuedup until the 1970s mixed with the humanist approaches, which made way for

1Pós-Doutora emPsicologia pela

Universidade deMontreal.

Coordenadorado Departamento

de Pesquisas em Educaçãoda Fundação Carlos

Chagas – FCC.E-mail: [email protected]

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critical interpretations of the social in the 1980s, albeit with a somewhatquestionable methodological rigorousness. The 1990s brought issues of teacheridentity, within a culturalist and anthropological framework. The author alsopoints out some methodological problems in general, in the production ofknowledge in education.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chavechavechavechavechavePesquisa; Metodologia; Professores; Formação; Pesquisa Educacional.

KKKKKey wordsey wordsey wordsey wordsey wordsResearch; Methodology; Teachers; Training; Education Research.

ContextuandoContextuandoContextuandoContextuandoContextuandoA constituição do espaço da educação enquanto campo, com conotações deciência, não fugiu ao dominante contexto das preocupações com a produçãodo conhecimento no mundo ocidental, preocupações vinculadas à validade eadequação lógica de seus pressupostos teóricos e métodos de investigação.A educação tem se caracterizado em sua história constitutiva pela grandediversidade de teorias e, um pouco mais tardiamente, pela diversidade deprocedimentos de pesquisa, o que tem gerado áreas de oposição e confronto nasformas de compreensão de seus problemas, enriquecendo-a.

Lembremos ainda que o campo de estudos em educação abrange um grandeconjunto de sub-áreas com características distintivas e objetos de estudo diferentes(por exemplo, história da educação, gestão escolar, políticas educacionais,sociologia da educação, currículo, ensino etc.). Por isso, discutir pesquisa nocampo da educação não é trivial, lembrando que a pesquisa sobre formação deprofessores também tem interface com todas essas sub-áreas. O campo de estudosem educação subsistiu, também, pela apropriação de teorias e estudos produzidosem áreas afins, como a psicologia, a antropologia, a sociologia, a economia, namaior parte das vezes, sem colocar estes estudos sob o crivo de uma perspectivaprópria.

De muita importância é pontuar que a educação enquanto campo de pesquisafoi alvo de debates acirrados em meados do século XX, com grupos defendendoa experimentação científica como possível de ser conduzida nesse campo e,grupos se opondo a isso debatendo a impossibilidade dos objetos desse camposerem sujeitados a processos experimentais. Estudos empíricos, como base para adiscussão educacional, ou são rejeitados ou são defendidos sob várias óticas pordiferentes autores nesse período, consolidando-se, no entanto, no tempo, o usode investigações com base empírica para subsidiar a compreensão dos problemaseducacionais. A ampliação do uso de investigações empíricas para estudos detemas em educação trouxe um conjunto de trabalhos um tanto heterogêneosquanto à sua qualidade metodológica. A pesquisa sobre formação de professorespartilha dessas condições que determinam qualidades e problemas em seudesenvolvimento.

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As abordagens no tempoAs abordagens no tempoAs abordagens no tempoAs abordagens no tempoAs abordagens no tempo

Dentre as temáticas que a pesquisa em educação aborda, a da formação deprofessores está entre as com maior número de trabalhos, tanto nos anos milnovecentos e oitenta, como nos noventa. Os focos dessas pesquisas são muitos eheterogêneos, indo de estudos demográficos amplos a questões de subjetividadee identidade. Sua contribuição para os processos formativos de professores pareceser desigual, mas, difícil de avaliar com precisão.

Desde o início do desenvolvimento mais institucionalizado da pesquisa emeducação no Brasil, a temática da formação de professores aparece, assumindodiferentes tônicas ao longo do tempo, refletindo as condições sócio-históricasdo momento. As pesquisas relacionadas a professores, tiveram nas primeirasdécadas do século XX, enfoques em que a questão das formas de ensinar, dasformas de dirigir uma sala de aula, as questões do relacionamento professor-aluno, foram tratadas com conotação fortemente tecnicista apoiada em idéiaspsicopedagógicas que instituíam fórmulas para o bom ensino, portanto, para aboa atuação dos professores. A partir de meados da década de trinta, daqueleséculo, encontra-se, ao lado disto, na sociologia da educação, uma discussãosobre o novo momento educacional do país e a demanda de um novo tipo deprofessor. Mas, a maioria dos estudos abordava uma temática que abrangiaquestões do desenvolvimento psicológico das crianças e adolescentes, processosde ensino e instrumentos de medida de aprendizagem e suas implicações técnicaspara a atuação dos professores. É somente em meados da década de 50, que essefoco vai se deslocar com maior força para as condições culturais e tendências dedesenvolvimento da sociedade brasileira em suas implicações para a formaçãode professores. Neste momento aparecem, por exemplo, estudos sobre a origeme as condições sociais de vida dos professores.

A partir de meados da década de 60 começaram a ganhar fôlego e destaque osestudos de natureza econômica, com trabalhos sobre a educação comoinvestimento, demanda profissional, formação de recursos humanos, técnicasprogramadas de ensino, etc. As pesquisas sobre os professores mostram estudossobre a absorção e utilização de técnicas operacionais de planejamento e deensino, sobre mensuração das formas com que professores se dirigem aos alunos,através de contagem de expressões e escalas de atitudes, sobre a eficiência detreinamentos, etc. No início dos anos setenta observa-se também análises queincorporam orientações humanistas da psicologia transplantadas para a educaçãoe a formação de professores, como as abordagens morenianas e rogerianas. Mas,nesse período, ainda, predominaram os enfoques tecnicistas, o apego a taxonomiase à operacionalização de variáveis atuantes no ensino-aprendizagem e na relaçãoprofessor-alunos.

No final dos anos mil novecentos e setenta e nos oitenta discute-se e pesquisa-seo papel dos professores em sua articulação com as transformações sociais, seupapel transformador em contraposição ao seu papel conservador. Nascem nesseperíodo as discussões que opõem a idéia de compromisso político e competência

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técnica. Com críticas aos limites dos enfoques anteriormente desenvolvidos,com a propagação do emprego das metodologias da pesquisa-ação e das teoriasdo conflito no final dos anos 70 e começo dos anos 80, ao lado de um certodescrédito de que soluções técnicas resolveriam problemas de base na educaçãobrasileira, o perfil da pesquisa sobre professores se enriquece, abrindo espaço aabordagens críticas. Perpassam as pesquisas sobre professores as teorias críticas navertente sociológica, as teorias construtivistas, na vertente psicológica, e, asperspectivas culturalistas na vertente antropológica. Este movimento se amplianos anos noventa, ao lado de grande diversificação de abordagens associadasao tema, aparecendo também muitos estudos que, a partir de meados dessadécada, passam a estudar questões curriculares da formação de docentes e aspectossócio-institucionais, bem como questões de identidade do professor e problemasligados à profissionalidade.

A produção de trabalhos se amplia significativamente nas duas últimas décadas,mas, ocorre também o aumento do aparecimento de problemas metodológicosna construção das pesquisas e nos tratamentos teórico-interpretativos.No andar dessa produção, alguns pesquisadores experientes alimentam acomunidade acadêmica com análises contundentes quanto à consistência esignificado do que vem sendo produzido sob o rótulo de “pesquisa educacional”.Evidenciam-se problemas de fundo na própria produção das pesquisas, osquais merecem alguma consideração. Assim, a qualidade da produção dapesquisa sobre formação de professores vai se revelar muito desigual quanto aoseu embasamento ou elaboração teórica e, quanto à utilização de certosprocedimentos de coleta de dados e de análise. Observa-se que a investigaçãosobre formação de professores ressente-se da sucessividade de certos modismos(autores da moda) e da pouca densidade teórica própria.

Além desses modismos, que evidentemente se associam a determinadas condiçõeshistórico-conjunturais, outra tendência que parece clara em muitos dos trabalhosé a do imediatistismo quanto à escolha dos problemas de pesquisa. Parece dominara preocupação quanto à aplicabilidade direta e imediata das conclusões, queem geral se completam nos trabalhos por “recomendações”. Embora estatendência tenha se atenuado nos últimos anos, ela é presença constante.O sentido pragmático e de um imediatismo específico observável nos estudosfeitos sobre professores, se reflete na escolha e na forma de tratamento dosproblemas. Estes problemas oriundos de práticas profissionais são tratados, emgeral, nos limites de recortes discutíveis em seu alcance. Além disso, a relaçãopesquisa-ação-mudança parece ser encarada de maneira um tanto simplista.Embora reconhecendo a necessária origem social dos temas e problemas napesquisa sobre formação de docentes e a necessidade de trabalhos que estejamvinculados mais especificamente a questões que no imediato são carentes deanálise e proposições, uma certa cautela quanto a esta tendência deveria ser

PPPPProblemas metodológicosroblemas metodológicosroblemas metodológicosroblemas metodológicosroblemas metodológicos

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tomada porque este tipo de abordagem na maioria das vezes, na medida em quefacilita a prevalência do aparente e do excessivamente limitado, acaba deixandode lado questões que são as realmente fundamentais. A temporalidade daspesquisas é diferente da temporalidade da gestão e da ação. Seus objetivostranscendem o imediato. As perguntas mais de fundo e de espectro mais amplo,numa perspectiva pragmatista e imediatista, deixam de ser trabalhadas. Esseimediatismo traz também consigo um grande empobrecimento teórico.

Isso não quer dizer que não devamos nos voltar para os problemas concretos queemergem no cotidiano da história vivida por professores – é aí que os problemastomam corpo – mas, a pesquisa não pode estar a serviço de solucionar pequenosimpasses do cotidiano, porque ela, por sua natureza e processo de construçãoparece não se prestar a isso, vez que o tempo da investigação científica, em geral,não se coaduna com as necessidades de decisões mais rápidas. A busca da perguntaadequada, da questão que não tem resposta evidente, é que constitui o ponto deorigem de uma investigação científica. Nem sempre este esforço de busca dehipóteses mais consistentes, de colocação de perguntas mais densas é encontradona produção das pesquisas, e não só em nosso país.

Neste ponto vamos fazer uma digressão, tratando de modo mais geral aspectos dapesquisa educacional, voltando mais adiante à pesquisa sobre professores.Em vários momentos históricos no Brasil assistimos à sucessão de predomínio demodelos investigativos, na dependência tanto de mudanças em perspectivas evalores quanto ao próprio processo de pesquisar, como na dependência dainfluência de certas teorias que se impõem por sua penetração internacional.A produção em pesquisa sobre formação de professores mostra também essasucessão de modelos, com alguns problemas metodológicos em seu emprego.Os conhecimentos científicos são produzidos em uma sociedade e esta produçãoe sua veiculação/socialização está interligada às formas como certas relaçõessociais e de poder se estruturam, tanto em nível mais geral, como nos pequenosgrupos ou em nichos institucionais. Isto dá suporte a crenças e representaçõesespecíficas sobre a construção de conhecimentos científicos, da busca da verdade.

Assim é que, assistimos à absorção, nesse campo do conhecimento humano,de determinados modelos investigativos que predominaram na área dasciências chamadas de exatas, e que tiveram muita penetração nos anos50 a 70 em nosso país. Observar com precisão e controle, e, mensurar

Os rótulos: Quantitativo/QualitativoOs rótulos: Quantitativo/QualitativoOs rótulos: Quantitativo/QualitativoOs rótulos: Quantitativo/QualitativoOs rótulos: Quantitativo/Qualitativo

Abordagem objetivante nasAbordagem objetivante nasAbordagem objetivante nasAbordagem objetivante nasAbordagem objetivante naspesquisas em educação: anos 50 a 70pesquisas em educação: anos 50 a 70pesquisas em educação: anos 50 a 70pesquisas em educação: anos 50 a 70pesquisas em educação: anos 50 a 70

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passa a ser condição de cientificidade. Na área de educação isto veio semostrando, por exemplo, nos estudos da relação professor-aluno através deescalas ou planilhas, nos estudos de rendimento escolar e suas associaçõescom diferentes variáveis, nas medidas das condições para alfabetização,no uso de técnicas sociométricas ou psicométricas etc.

Não se trata de assumir que essas questões sejam desprezíveis, de modo algum,mas, de considerar que esta absorção foi feita sob a égide do princípio segundoo qual os procedimentos que definem uma ciência são unos, ou seja, sob aperspectiva de que a ciência é una, portanto seu método também, o que édiscutível. Período e setores houve em que, para se considerar um trabalhocomo científico este deveria compor-se segundo os mesmos padrõesmetodológicos consolidados nas ciências experimentais no final do século 19 eprincípio do 20. Somente o uso destes padrões dariam a elas o estatuto, e oreconhecimento, como áreas da ciência. Nestas condições o que passa a valer éo modelo metodológico que deve ser repetido, modelo este que implicava emneutralidade do pesquisador, em operacionalização de variáveis, em capacidadede obter mensurações e de replicar o estudo nas mesmas condições, ou quase.Concebe-se que todos os fenômenos são passíveis de serem observadosdiretamente, diretamente medidos e conceitualizados, experimentados,manipulados e testados. Objetos “a priori” definidos, objetos que podem sercontrolados pela manipulação de variáveis, levando à determinação das leisque regulam suas manifestações. É a busca das leis gerais de causa e efeito, ou derelações funcionais determinísticas.

O problema é que no concreto exercício do trabalho de pesquisa cria-se umaperspectiva dogmática, com que se passa a construir instrumentos de medida oude observação controlada, a acreditar nas medidas de forma absolutizada e naneutralidade das intervenções de pesquisa e também, dos dados. Então,sustentando toda esta objetivação, na verdade, há uma crença, a crença de quea realidade é mensurável e traduzível em funções explicativas, universais, porum pesquisador neutro, e que somente este tipo de abordagem do real trazconhecimento verdadeiro.

Esta tradição objetivante trouxe, evidentemente, na constituição histórica dapesquisa sobre professores, muitas contribuições nos limites de seus recortes.Posturas críticas vieram ampliar as perspectivas para essa pesquisa. Questiona-sea relatividade das medidas, cujas mensurações substituem o próprio fenômeno,sem considerar a contaminação valorativa do pesquisador na coleta e tratamentodos dados, nem os viéses intrínsecos dos instrumentos de medida e de sua validadereal, da própria discussão sobre as possibilidades concretas de controle dascondições de levantamento dos dados.

Além dessas críticas aos fundamentos, mesmo daquela perspectiva de fazerciência, é preciso assinalar que nesses círculos evidencia-se grande desigualdadede consistência na apropriação e desenvolvimento de métodos e técnicas deanálise. Podemos detectar, pelo acompanhamento histórico de produções degrupos de pesquisa, que em muitos deles houve uma apropriação não só acríticadesse modelo, como também feita sem aprofundamento e sem o domínionecessário dos pressupostos e técnicas que sustentam as análises quantitativas.

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Observa-se mesmo falta de domínio de princípios e conceitos elementares quedão base a esta forma de produção científica, mais associada a dados quantitativos.Encontram-se, por exemplo, erros primários detectáveis em análises quantitativase instrumentos de medida, que estão descritos em teses, artigos, relatórios, etc.Acrescentamos, assim, aos problemas dos fundamentos das metodologias nestatradição, os problemas de uma apropriação e uso superficiais, muitas vezes, atéequivocados de modelos estatísticos de análise.

Com o surgimento de abordagens alternativas, colocadas sob o rótulogeral de “metodologias qualitativas” propugnam-se novas perspectivas naconstituição de conhecimentos nesse campo. Passa-se a privilegiar os estudos decaso, as abordagens antropológicas, as naturalísticas, a pesquisa-ação/intervenção, as observações cursivas, os depoimentos, histórias de vida, etc..Busca-se apoio em várias vertentes epistêmicas, por exemplo na fenomenologia,na dialética- histórica, ou, como na maioria dos casos, adota-se uma perspectivanaturalística. Novos conceitos passam a ser utilizados, como o de dominação,reprodução, mediação, representação social, etc. Há também uma reaproximaçãocom áreas da filosofia. Com isto, troca-se a predominância dos estudos ondequantificações predominam pela quase hegemonia desses estudos chamados“qualitativos”.

Porém, é de se notar que, do ponto de vista dos métodos utilizados, da pertinentee fundada crítica ao modelo anteriormente dominante, e com as alternativaspropostas, partiu-se também, para uma adesão pouco fundamentada quanto aosprocedimentos genericamente denominados de “qualitativos”, como se emqualquer condição de investigação científica não se estivesse lidando, sempre esempre, com questões de qualidade, de qualificação. Nesta mudança nãoparece ter se produzido ainda um processo de transformação mas, sim, ummovimento de adesão, novamente acrítica, sem que as novas perspectivas tenhamsido realmente apropriadas com integração compreensiva e abrangente dosseus princípios básicos, estes muito complexos pela natureza mesma dasmetodologias não-quantitativas e dos elementos novos com que se estátrabalhando. Preocupa a ligeireza com que se caracteriza esta tradiçãoinvestigativa em certos grupos acadêmicos e que se reflete em trabalhospublicados. Aderindo-se às novas perspectivas “qualitativas” não parece haverconsciência clara de que observações cursivas, perguntas abertas, depoimentos,histórias de vida, anotações livres de campo, tanto quanto as escalas, osinstrumentos fechados e os testes, estão sujeitos a toda sorte de percalços pelaassociação ou submissão a valores e atitudes do pesquisador e do própriopesquisado (porque há um sujeito falante que pergunta, que usa determinadaspalavras, que intervém e tem um referencial pessoal, escolhas e preferências, quenessa condição dialoga com seus interlocutores na pesquisa). Impera a afirmaçãogenérica de que nada é neutro, o que pode nos levar a admitir, no limite,

Abordagens alternativas em educação: os anos 80Abordagens alternativas em educação: os anos 80Abordagens alternativas em educação: os anos 80Abordagens alternativas em educação: os anos 80Abordagens alternativas em educação: os anos 80

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que tudo na pesquisa é opinião do próprio pesquisador e não fruto de umadepuração séria à luz de uma dada perspectiva, de uma teorização, ou dosconfrontos de valores pesquisador-pesquisado, pesquisador-pesquisador,pesquisador-grupos de referência. Encontram-se também problemas no trato comas categorias analíticas e com os conceitos utilizados. A apropriação de teoriastambém tem se mostrado superficial e frágil nesses trabalhos. A leitura de inúmerostrabalhos nos mostra que adentrou-se por novas formas de abordagemmetodológica mas, não se percebeu que os problemas de fundo são os mesmos eque qualitativo, em pesquisa, não é dispensa de rigor e consistência. Enveredarpor novos caminhos considerados mais ajustados às necessidades de umacompreensão diferenciada do real, não quer dizer apenas utilizar outros tipos deinstrumentos, mas sim transformar atitudes e perspectivas cognoscentes, semabandonar o eixo da consistência explicativa.

Estes problemas aparecem nas pesquisas sobre formação de professores. Realizamosanálise de uma amostra de teses e dissertações produzidas em dez instituições dopaís, e de artigos publicados em 9 revistas de educação, em todos os númerossaídos, com datas desde 1961 a 2002. Referindo-nos às dissertações e tesese, apenas aos artigos que relatam pesquisa sobre formação de professores,encontramos exemplos que ilustram bem os problemas metodológicosapontados acima.

Num primeiro momento – anos 1960/70 – encontramos artigos que usam medidassem verificação de validade e fidedignidade dos instrumentos, emprego deestatísticas nem sempre de modo adequado aos pressupostos do modelo de análiseempregado. Mais recentemente, a partir sobretudo de 1987, são bem freqüentestrabalhos que mostram problemas no desenvolvimento de estudos de caso, estudosde campo, estudos etnográficos. Encontramos dificuldades mesmo dequalificação da própria metodologia empregada, e desencontros entre ametodologia que é declarada como adotada, os procedimentos de levantamentode dados e as análises. De modo geral, observa-se ausência de mediaçõesinterpretativas na forma pela qual os autores desses trabalhos tratam as informaçõesbibliográficas disponíveis, tanto na construção de referentes teóricos, como nasanálises e interpretações. O que se observa são relatos do que já se tem comoacervo, ou seja, descrição/reprodução do que está já publicado e, portanto éacessível a qualquer um. Quantas e quantas vezes não vemos as mesmascitações de Saviani, Freire, Libâneo, Bourdieu, Marx, Piaget, Schon, Zeichner,Perrenoud, Nóvoa, Enguita, Pimenta, Lüdke, André, Alves etc, repetidas erepetidas, pois, não se processa uma revisão bibliográfica como uma“reconstrução” ativa, com uma perspectiva pessoal interpretativo-crítica sobreo tema. Sobre este ponto gostaria de comentar que leituras, confronto de autores,dúvidas sobre afirmações ou modelos e conclusões de pesquisa, questões doslimites impostos por conceitos e metodologias, no contraponto com o próprio

Comparando abordagensComparando abordagensComparando abordagensComparando abordagensComparando abordagens

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contato - vivência - do pesquisador com a área, e, no caso área ligada a umaprofissão, no contraponto mesmo da experiência cotidiana do trabalho no qualse gera um conhecimento específico, é que se criam as condições que permitemo desenvolvimento de uma perspectiva crítica dos autores, ao mesmo tempoque consistente com os problemas que se propõem examinar. A partirdessa base é que o pesquisador tem condições de desencadear análises einferências, caso contrário fica-se no óbvio ou no senso comum. Este trabalho deconstrução de referentes quase não é observado na produção.

Encontra-se, por outro lado, em trabalhos na década de 1990 sobre estatemática, uma certa tendência a pontificar sobre um dever ser, como tambémcerto tipo de proselitismo, trazendo à margem dos dados a afirmação deidéias que, pela forma de expressão, se quer difundir mas, que não encontramsuporte direto ou indireto nos dados apresentados (mal ou bem). Esta tendênciaé mais forte em teses e dissertações do que em artigos.

É justo assinalar que encontramos trabalhos consistentes distribuídos pelo períodoexaminado, embora menos freqüentes. Notamos, ainda, a partir das publicaçõesdatadas de 1999 para cá, um lento processo de superação dessas vulnerabilidadespela emergência de trabalhos metodologicamente mais bem cuidados.

Mesmo com os problemas apontados, as pesquisas sobre formação docentetêm trazido contribuições que merecem reflexão. De modo sintético e, emgrandes traços, as pesquisas sobre professores mostram que, com a grandeexpansão das redes de ensino em curto espaço de tempo e a ampliação conseqüenteda necessidade de docentes, nas últimas décadas, o sistema de formação deprofessores não logrou prover o ensino com profissionais com qualificaçãoadequada, muitas vezes nem suficiente. Por outro lado, e como componentefundamental do quadro de carências existentes, verifica-se que, osadministradores públicos, em diferentes níveis, não têm contemplado aeducação e a carreira dos professores com políticas coerentes com as necessidadeslocais ou regionais. Ainda é baixa a consciência política em relação à importânciasocial dos professores no quadro do desenvolvimento social. Portanto, háproblemas de gestão implicados nos processos formativos e no exercício daprofissão. As pesquisas põem em questão, sobretudo, o modelo de formaçãopredominante no país, que ainda reflete, embora em tons atenuados, a perspectiva

Os anos 90Os anos 90Os anos 90Os anos 90Os anos 90

O que nos sinalizam as pesquisasO que nos sinalizam as pesquisasO que nos sinalizam as pesquisasO que nos sinalizam as pesquisasO que nos sinalizam as pesquisas

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de uma certa elite, que valoriza o enciclopedismo, a excessiva especialização, afragmentação do conhecimento, em nome de seu necessário aprofundamento, ede uma qualidade cujos componentes não são esclarecidos. A questão daformação dos professores tem sido um grande desafio em todos os níveisformativos e de gestão e as pesquisas não deixam dúvidas quanto a isso. Ocenário das condições de formação dos professores não é, pois, animador pelosdados obtidos em inúmeras investigações.

Com tantas informações disponíveis não se constata a consolidação de umprocesso de mudança no interior das instituições formadoras de professores,especialmente nas universidades. Entre o volume de produção de pesquisa sobrea formação de professores - grande - e o conjunto de iniciativas inovadorasnas universidades ou faculdades - poucas - há uma diferença brutal em detrimentodestas.

Pelo exposto acima, observa-se, o pequeno impacto das pesquisas sobre asinstituições formadoras de professores (muitas, produtoras desta pesquisa). Pelosproblemas apontados na construção das pesquisas sobre formação de professores,embora algumas nos forneçam conhecimentos importantes, podemos nos colocaralgumas dúvidas sobre a robustez das contribuições dessas pesquisas sobreformação de professores para uma compreensão mais profunda da temática oupara mudanças efetivas no quadro formativo de professores. Elas, sem dúvida,deixam marcos no espaço e na cultura onde são produzidas, pelo menos nosentido dos grupos e instituições envolvidas, integrando um processo formativoque, mesmo limitado em sua abrangência imediata, alcança o social e outrosâmbitos institucionais regionais pelas sucessivas turmas de educandos que asportam e transportam para outras situações. Neste âmbito elas têm umpapel. Porém, sobre a densidade e abrangência do conhecimento sobre osobjetos de interesse pesam os problemas teórico-metodológicos.

Outro lado, dessa questão do impacto, a considerar, é a da relação do produzidocomo pesquisa e seu papel sócio-político. O que se produz enquantoconhecimento nas reflexões e pesquisas na academia socializa-se não de imediato,mas, em uma temporalidade histórica, e essa história construída nas relaçõessociais concretas seleciona aspectos dessa produção no seu processo peculiar dedisseminação e apropriação.

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Considerações FConsiderações FConsiderações FConsiderações FConsiderações FinaisinaisinaisinaisinaisEm trabalho recente (GATTI, 2002) questionávamos se haveria um papelsocial para a consistência metodológica. Avançamos a hipótese de que osresultados de pesquisa, na sua disseminação pelo social, têm alguma relaçãocom os métodos de trabalho dos pesquisadores, a partir da credibilidade quevenham a ter nos meios acadêmicos. Claro que esta disseminação é seletiva,desigual e dependente dos jogos de forças sociais em determinado momento.Mas, estudos frágeis metodologicamente parecem não ter muita ressonânciasocial. Seu trajeto é curto. É como se houvesse uma certa sensibilidade social aoque é mais rigoroso, o mais rigoroso sendo também mais vigoroso. Maisvigoroso porque em seus conseqüentes - por exemplo, impactos nos sistemasescolares, em redes, ou salas de aula - mostram-se mais duradouros, poisseus frutos nas políticas e práticas educacionais servem de avaliação para aconsistência de seus resultados.

Historicamente observa-se que estudos para serem tomados como conhecimentorelevante e ter penetração social, mais amplamente, ou regional ou localmente,precisam carregar em si um certo tipo de possibilidade de abrangência, comaderência ao real, tocando de forma inequívoca, não ambígua, vaga ou arbitrária,em pontos críticos do concreto educacional vivido. Há pesquisas “politicamenteinteressantes” ante certos grupos, mas que mostram fôlego curto face aos desafiosdo mundo da educação em seus diferentes setores e níveis.

Uma última consideração: trabalhos de pesquisa têm na universidade um papeldidático, formativo, mas não se pode atropelar os cuidados metodológicos,também por uma questão formativa. Cabe refletir no que Jerome Brunner assinala,com grande pertinência:

A comunidade mais ampla tende cada vez mais a deixar de lado nossaspublicações, que, para os leigos no assunto parece que contêmprincipalmente estudos de pouca monta e intelectualmentedescomprometidos, cada um dos quais não é mais do que uma resposta aum punhado de pequenos estudos similares.(1991:12)

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392 Formação de professores, pesquisa e problemas metodológicosBernardete Angelina Gatti

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