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ALAN MARCOS BLENKE FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR E COMPLEXIDADE: a experiência do Curso de Administração da Sociedade Educacional de Santa Catarina (SOCIESC) Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Administração e Turismo – Curso de Mestrado Acadêmico em Administração da Universidade do Vale do Itajaí, como requisito à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Luís Boeira Biguaçu (SC) 2009

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ALAN MARCOS BLENKE

FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR E COMPLEXIDADE: a experiência do Curso de Administração da Sociedad e

Educacional de Santa Catarina (SOCIESC)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Administração e Turismo – Curso de Mestrado Acadêmico em Administração da Universidade do Vale do Itajaí, como requisito à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Dr. Sérgio Luís Boeira

Biguaçu (SC)

2009

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ALAN MARCOS BLENKE

FORMAÇÃO DO ADMINISTRADOR E COMPLEXIDADE: a experiência do Curso de Administração da Sociedade Educacional de

Santa Catarina (SOCIESC)

Esta dissertação foi julgada aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em

Administração e Turismo – Curso de Mestrado Acadêmico em Administração da

Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, Centro de Educação de Biguaçu.

Área de Concentração: Organizações e Sociedade

Biguaçu, 26 de Junho de 2009.

_______________________________________ Prof. Dr. Carlos Ricardo Rossetto

Coordenador do Programa

BANCA EXAMINADORA :

________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Luis Boeira - ORIENTADOR

UNIVALI - CE Biguaçu – SC

_________________________________________ Profa. Dra. Lucila Maria de Souza Campos

UNIVALI - CE Biguaçu – SC

_________________________________________ Profa. Dr. Rodrigo Bandeira-de-Mello

FGV - EAESP

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me permitir saborear esta vida com tanta disposição e

saúde plena; por poder estar ao lado de pessoas tão especiais que, ao longo desses

meus poucos anos de vida, já fui agraciado com muitos encontros verdadeiramente

valorosos; pelas dificuldades que contribuíram para me tornar um ser humano

melhor - e que nem sempre eu soube reconhecer esse processo durante a

experiência da dificuldade, da dor e da angústia que me assolava.

Aos meus pais, Hélio e Rute, a quem devo gratidão por ter assumido a

responsabilidade de contribuir com a formação de meu caráter e de ensinarem-me o

sagrado Amor Familiar. Aos meus irmãos, Marla e Charles (in memorian), a quem

agradeço a oportunidade de ter aprendido a brincar e sorrir, a brigar e reconciliar, a

ter e dividir, a chorar e consolar, a querer e ceder - ter irmãos é ter a esperança de

nunca ficarmos sós.

Aos meus queridos sogros, a quem considero como pais, que na simplicidade

de suas vidas deixam o exemplo de resignação, amor e dedicação.

A minha esposa Virginia, ser humano magnífico, a quem devo muito do meu

aprimoramento humano. Certamente, palavras escritas ou faladas não traduziriam a

amplitude e profundidade da minha admiração e amor por esta Mulher.

Aos meus filhos, Vitor, D´Artagnan e Petrus, obrigado pela paciência. Como é

difícil ter que dizer um não quando se quer dizer um sim – o compromisso assumido,

muitas vezes, nos faz ter que abrir mão de algumas coisas que consideramos muito

especiais.

A SOCIESC, instituição que sempre primou pelo desenvolvimento de seus

colaboradores, e em especial a pessoa do diretor geral Professor Doutor Sandro

Murilo Santos, um entusiasta que está além do seu tempo. Muito obrigado!

Aos professores e aos profissionais do Programa de Mestrado da UNIVALI,

pelo apoio, trabalho e contribuição para o fortalecimento do Programa, e

especialmente aos mestres doutores, àqueles a quem muito sou grato, pois é

grandiosa a dedicação desses cientistas, pesquisadores para a construção de um

mundo melhor.

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Da mesma forma como duas asas são essenciais

para um pássaro alçar vôo ao céu, duas rodas

para uma carroça mover-se, dois tipos de

educação, material e espiritual, são necessárias

para que o homem atinja o seu objetivo na vida. A

espiritual destina-se à vida, enquanto a material, a

um meio de vida. É só quando o homem é

equipado com estes dois aspectos da educação

que merece respeito e amor por parte da

sociedade.

(Swami Sathya Sai Baba)

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RESUMO

Esta dissertação de mestrado tem como objetivo geral compreender as representações sociais de professores, coordenação e alunos a respeito da experiência do curso de administração da SOCIESC (Sociedade Educacional de Santa Catarina), em parceria com a FGV (Fundação Getúlio Vargas). Para consecução do objetivo geral foi identificada na literatura a evolução e conceituação da formação do administrador a partir do referencial teórico dos estudos organizacionais e da abordagem do paradigma da complexidade sobre valores e princípios educacionais. As representações sociais de professores, coordenação e alunos são identificadas e relacionadas com o referencial teórico-paradigmático. São identificados nos depoimentos de professores e alunos aspectos da obra Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, de Edgar Morin (com revisão e contribuições de diversos autores, além de apoio da UNESCO), sobre a ação pedagógica do curso de administração. Assim, para se atingir os objetivos específicos, buscou-se inicialmente identificar a evolução sobre a formação do administrador, a sua realidade atual, além das exigências da contemporaneidade para essa formação. Dando continuidade, passou-se a trabalhar nas etapas de análise, ou seja, foram estudados o projeto político do curso, as percepções dos professores e suas representações sociais a partir das entrevisas. Utilizou-se, além da pesquisa documental e bibliográfica, a pesquisa qualitativa (com entrevistas individuais e também por meio de grupo focal), visando a descrição e a interpretação das representações sociais. Como parte das conclusões, constata-se que as representações sociais de professores e alunos diferem entre si e em relação ao Projeto Pedagógico do curso, embora também tenham aspectos convergentes. Há, de um modo geral, uma insatisfação tanto de professores quanto de alunos em relação à metodologia de ensino-aprendizagem proposta no curso a partir da parceira com a FGV. Tal metodologia é percebida como desestimuladora da reflexão crítica e da contextualização do aprendizado a partir de problemáticas locais ou regionais, reforçando, pelo contrário, um aprendizado ideológico e abstratizante, baseado especialmente na memorização dos conhecimentos. Nos depoimentos, tanto de professores quanto de alunos, é possível perceber aspectos direta ou indiretamente vinculados aos sete saberes necessários a educação do futuro, como expressão de desejos, esperanças, convicções e propostas alternativas ao ensino tradicional em administração.

Palavras-Chave: Administração. Pensamento complexo. Representações sociais

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ABSTRACT

The general objective of this Master’s degree dissertation is to understand the social representations of professors, coordinators and students, relating to the experience of the course in business management run by the SOCIESC, in partnership with the FGV. To achieve the general objective, the evolution and concept of the training of the manager were identified in a bibliographic review, based on organizational studies. The theoretical framework was used so that based on a list of educational values relating to the profile of the manager, this could be compared with the reality of the institution studied. Next, the social representations of the professors, coordinators and students were identified and related to the paradigmatic and theoretical framework, in order to reveal what was unknown. Finally, the UNESCO proposal on the seven complex lessons in education for the future by Edgar Morin was related to the voices of the professors and students, identifying the pedagogical practice of the course in business management of the IST. Thus, to achieve the specific objectives, this work initially seeks to identify the evolution of manager training, its current reality, and present-day demands on this training. This work then deals with the stages of analysis, studying the political plan of the course, the professors’ views, and their social representations, based on interviews. It also deals with the student’s views and their social representations, and analyzes which of the seven complex lessons in education for the future were contemplated in the expressions of the professors and students, based on the interpretations of their arguments. This is characterized as a qualitative study, using the field strategy of an interpretative case study, which used conceptual categories as guidelines for the interpretations, and content analysis as the data analysis technique. The conclusion shows that the social representations of the professors and students differ from each other, and from the pedagogical project of the course, and that complex thought, based on the UNESCO proposal in the seven complex lessons in education for the future, is reality in the arguments of professors and students, however, it is still not part of the teaching practice of all. It is hoped that this work will provide a broad and in-depth framework for further studies.

Key words: Management. Complex thought. Social representations

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Estruturação dos documentos............................................................... 80

Figura 2: Estruturação dos documentos............................................................... 80

Figura 3: Plano de Ensino e Aula......................................................................... 95

Figura 4: Plano de Aula e Descrições................................................................... 96

Quadro 1: Cronologia das Origens do Pensamento Administrativo ..................... 22

Quadro 2: Polaridades do Grande Paradigma do Ocidente................................. 44

Quadro 3: Três Grandes Subcampos do Conhecimento Administrativo.............. 54

Quadro 4: Principais Abordagens dos Estudos Organizacionais.......................... 55

Quadro 5: Síndrome Comportamentalista............................................................ 57

Quadro 6: Pontos cegos da teoria das organizações........................................... 58

Quadro 7: Diretrizes para a reformulação da teoria das organizações................. 59

Quadro 8: Categorias delimitadoras..................................................................... 60

Quadro 9: Objetivos Específicos e Procedimentos de Pesquisa.......................... 69

Quadro 10: Categorização para entrevista........................................................... 77

Quadro 11: Identificação do Curso....................................................................... 81

Quadro 12: Resultado do processo de avaliação do curso de Administração...... 82

Quadro 13: Notas de avaliação ENADE............................................................... 82

Quadro 14: Organização Curricular...................................................................... 85

Quadro 15: Carga horária total do curso, incluindo 120 h/a de atividades

complementares............................................................................................. 86

Quadro 16: Princípio e Saber............................................................................... 89

Quadro 17: Políticas fundamentais do ensino do IST......................................... 93

Quadro 18: O saber e suas representações sociais – Professores.......................... 113

Quadro 19: O saber e suas representações sociais - Alunos.............................. 142

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANPAD - Associação Nacional de Pós Graduação em Administração

Associação Brasileira de Técnicos de Administração

CAPES - Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq - Conselho Nacional de Pesquisa

DASP - Departamento Administrativo do Serviço Público

EASP - Escola de Administração de Empresas de São Paulo

ENADE - Exame Nacional de Desempenho do Estudante

ETT - Escola Técnica Tupy

EUA – Estados Unidos da América

ex-URSS – Ex União Soviética

FCJ – Faculdade Cenecista de Joinville

FGV - Fundação Getúlio Vargas

FNEGE - Fondation Nationale pour I´Enseignent de La Gestion

GPO - Grande Paradigma do Ocidente

IDORT - Instituto da Organização Racional do Trabalho

IES - Instituições de Ensino Superior

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IST - Instituto Superior Tupy

MEC - Ministério da Educação e Cultura

MERCOSUL - Mercado Comum do Sul

MIT - Massachusetts Institute of Tecnology

ONGs – Organizações não governamentais

PCN - parâmetros curriculares nacionais

PPC - Projeto Político do Curso

PPI - Projeto Pedagógico Institucional

SOCIESC - Sociedade Educacional de Santa Catarina

TEX - Trabalhos Experimentais

UNESCO – Universidade da União Européia

UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA .................................................................. 13

1.2 ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL ....................................................................... 19

1.3 SOCIEDADE EDUCACIONAL DE SANTA CATARINA (SOCIESC) ............... 30

1.3.1 Breve Histórico ............................................................................................. 30

1.3.2 Gestão Empreendedora ............................................................................... 31

1.4 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA ............................................ 32

1.5 OBJETIVOS .................................................................................................... 33

1.5.1 Objetivo Geral ........................................................................................................ 33

1.5.2 Objetivos Específicos ............................................................................................ 34

1.6 JUSTIFICATIVA .................................................................................................... 34

2 REFERENCIAL TEÓRICO-PARADIGMÁTICO ...................................................... 36

2.1 ASPECTOS TEÓRICO-PARADIGMÁTICOS .................................................. 36

2.2 ESTUDOS ORGANIZACIONAIS E ESTUDOS CRÍTICOS ............................. 46

2.2.1 Estudos críticos na ótica de Guerreiro Ramos ....................................................... 48

2.2.2 Perspectivas de cultura organizacional .................................................................. 54

2.2.3 Representações sociais ......................................................................................... 56

3 METODOLOGIA DA PESQUISA ........................................................................... 60

3.1 ASPECTOS DA METODOLOGIA QUALITATIVA ........................................... 60

3.2 METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................... 62

3.2.1 Categorias de análise e interpretação.................................................................... 66

4 RESULTADOS, DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO ............................................. 69

4.1 ANÁLISE DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO ...................................... 70

4.1.1 Identificação do curso ............................................................................................ 71

4.1.2 Organização curricular ........................................................................................... 74

4.1.3 Disciplinas por período .......................................................................................... 76

4.1.4 Proposta pedagógica: pressupostos, políticas e diretrizes ..................................... 80

4.1.5 Participação dos Professores na construção do Projeto Pedagógico do Curso ..... 84

4.1.6 Marco Filosófico .................................................................................................... 84

4.1.7 Planos de ensino e de aula .................................................................................... 85

4.1.8 A construção das provas ....................................................................................... 86

4.2 ENTREVISTAS ................................................................................................ 89

4.2.1 O depoimento da coordenação do curso ............................................................... 90

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4.2.2 Professores e seus depoimentos ........................................................................... 99

4.2.3 Grupo focal com professores ............................................................................... 119

4.2.4 Alunos do sétimo período de administração ........................................................ 122

5 CONSIDERAÇÕES ............................................................................................. 130

5.1 LIMITAÇÕES ................................................................................................. 135

6 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 136

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1 INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objetivo geral compreender a experiência do curso de

Administração do Instituto Superior Tupy (IST) da Sociedade Educacional de Santa

Catarina (SOCIESC), em sua parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV),

considerando-se como tópico central da pesquisa o perfil do administrador egresso.

Para introduzir esta temática, serão abordados, a seguir, aspectos da cultura

organizacional e escolar, em âmbito global, incluindo tópicos do referencial teórico,

além de aspectos da realidade dos cursos de administração no Brasil e breve

histórico da SOCIESC. Isto possibilitará a delimitação do problema de pesquisa e a

definição de objetivos específicos do estudo.

A abordagem da cultura organizacional, em si mesma, tem recebido atenção

crescente, à medida que ocorre uma transição do modelo de sociedade industrial

para um modelo que tem sido denominado pós-industrial ou pós-moderno, ainda que

tais denominações sejam motivo de ampla controvérsia entre os estudiosos do

mundo contemporâneo. (KUMAR, 1997; DE MASI, 2000).

Especialmente depois da 2ª Guerra Mundial, países orientais, a exemplo do

Japão – importando (influenciados pelo plano Marshall)1, inicialmente, técnicas

gerenciais dos países ocidentais (leia-se Estados Unidos) –, passaram a imprimir

sua própria cultura organizacional nos setores produtivos. Desde então, o mundo

empresarial e os cursos de administração têm dedicado crescente atenção ao

estudo da temática cultura organizacional.

Por outro lado, as ciências sociais, especialmente a Sociologia da Educação e

a Sociologia das Organizações, têm dedicado crescente atenção à cultura das

organizações escolares – principalmente após o chamado Fim da Guerra Fria, ao

final da década de 1980. 1 Plano Marshall: plano criado pelos Estados Unidos com o objetivo de contribuir com a recuperação dos países da Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial. Oficialmente o nome desse plano chamava-se Programa de Recuperação Européia, no entanto, por ser George Marshall o secretário de Estado, tornou-se popularmente conhecido como plano Marshall. O plano foi elaborado em julho de 1947, após uma reunião em que estavam presentes os representantes dos países europeus. Mesmo tendo sido convidados, recusaram-se a participar dessa reunião a União Soviética e os países da Europa Oriental. O Programa de recuperação durou quatro anos e, durante esse período, os Estados Unidos transferiram cerca de 13 bilhões de dólares (em valores da época), a título de assistência técnica e econômica aos países integrantes do plano. Disponível em < http://www.mundoeducacao.com.br/geografia/plano-marshall> Acesso em 27 de fevereiro de 2009.

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Com efeito, a despolarização ideológica entre os blocos ocidental e oriental,

com EUA e ex-URSS à frente, gerou grande inquietação cultural, com autoconfronto

institucional e social, levando ao questionamento, nas escolas, em todos os níveis,

enfoques relativos às perspectivas, aos pressupostos pedagógicos, aos valores e

metas da Educação.

A emergência do ideário neoliberal, dos debates sobre globalização dos

mercados e sobre riscos socioambientais tornou crescentemente complexa as

opções dos dirigentes de escolas, dos professores e dos estudantes de um modo

geral. As escolas, em princípio, são instituições que precisam preparar pessoas para

o enfrentamento do presente e do futuro e, num contexto de despolarização

ideológica, seus pressupostos são expostos ao debate público.

Muitos discursos emergentes apontam as escolas como espaço social

fundamental de mudança das sociedades. Tal afirmação pode ser percebida nas

seis observações feitas por Raimain Laufer (apud CHANLAT, 2006), referentes à

formação em gestão, explicitando que as instituições de ensino, com abordagem em

gestão, têm se deparado com exigências contrastantes e contraditórias. Ao mesmo

tempo em que ocorre uma demanda cada vez maior pelo ensino do tipo genérico,

com ênfase transversal da gestão, emergem demandas com enfoque especializado

para suprir competências técnicas. Essa configuração impõe a necessidade de se

estar focado nas tendências do mundo industrial, social, econômico e de gestão.

Tais tendências apontam para o aumento da complexidade e das incertezas em todo

o mundo.

É preciso, então, perceber que administrar uma empresa, atualmente,

significa gerir sistemas complexos, contribuindo para o surgimento nas organizações

da função do gestor de risco e do gestor de crises, aptidão que permitirá enfrentar as

incertezas diante do mundo globalizado.

A crescente importância da empresa conduz necessariamente a incutir um

novo jeito de considerar a dimensão geral do ensino, considerando como central o

papel da gestão.

Compete, assim, às universidades ter e dar clareza dessa nova realidade

global. Esta mesma clareza deve fazer perceber-se no ato de transmitir e fazer

ciência. Essa realidade globalizante apresenta como palco uma diversidade de

necessidades sociais, econômicas e industriais jamais vistas e que, por sua vez, têm

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exigido dos seus atores, interpretações que transcendem os seus aspectos

territoriais, legais e culturais.

Cabe esclarecer que o fato de fazer parte do quadro de colaboradores da

SOCIESC, como coordenador para a divisão de ensino técnico, também contribuiu

para a escolha do tema da dissertação. A partir dos contatos , surgiu o interesse em

compreender a dinâmica do curso de administração do Instituto Superior Tupy (IST)

em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), à luz dos Sete Saberes

Necessários a Educação do Futuro.

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

As considerações apresentadas nesta introdução tornam-se válidas quando

se toma consciência de que a última grande mudança das escolas de gestão data

do ano de 1960, quando, com o auxílio da Fondation Nationale pour I´Enseignent de

La Gestion (FNEGE), baseada no modelo norte-americano, decidiu-se manter um

corpo docente permanente, constituído por especialistas de diversas áreas da

gestão, cujo tempo de atividade era distribuído entre ensino, pesquisa e consultoria

(CHANLAT, et al, 2006).

A definição de gestão, porém, pode trazer formas variadas quando

interpretadas por suas tradições. Dessa maneira, a escola francesa apresenta

gestão como devendo ser ensinada pela prática; a norte-americana diz que a gestão

deve ser ensinada por professores especialistas; a de Harvard, em especial,

apresenta gestão como uma disciplina particular a ser ensinada por estudos de

casos, buscando realismo.

Para o Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), a gestão é uma disciplina

universitária como outra qualquer, suscetível de constituir objeto de pesquisas

técnicas e científicas sofisticadas, expressando a diversidade das possíveis

definições de gestão.

É notória a incerteza de muitas explicações científicas, no mundo

contemporâneo, em muitos ramos do conhecimento. Parece irrealista a pretensão de

se compreender a atual conjuntura global a partir de abordagens epistêmicas

cartesiana, mecanicista, positivista e funcionalista, marcadas pela dissociação entre

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sujeito e objeto, entre disciplinas científicas, e entre ciência e concepções filosóficas

e outras não redutíveis à quantificação. No entanto, tais abordagens continuam

sendo determinantes na constituição de cursos de administração. De um modo

geral, parece evidente que os interesses e os conhecimentos tecnocientíficos são

predominantes sobre os aspectos culturais, éticos e políticos nas escolas de gestão

(AKTOUF, 2004).

Nesse contexto, o número de cursos de administração tem aumentado

rapidamente desde 1931, quando da fundação do Instituto da Organização Racional

do Trabalho (IDORT). Entretanto a formação dos administradores pouco evoluiu,

pois, via de regra, se mantém alicerçada nos velhos modelos de organização,

alinhada a valores e princípios que enaltecem a dimensão econômica, valorizando o

tecnicismo e a fragmentação quando da estruturação do curso. A evolução da

administração no Brasil será tratada mais adiante.

Emergem diante da complexa rede de relações, atividades e exigências de

conhecimentos impostas pelo mercado ao profissional de administração a

interligação entre a parte e o todo e, ao mesmo tempo, do todo com a parte.

Fazendo uma analogia com um holograma, Morin (2003, p. 33) afirma que

cada parte contém praticamente a totalidade da informação do objeto representado;

em qualquer organização complexa, não só a parte está no todo, mas também o

todo está na parte, um novo jeito de pensar que considere a complexidade, sem

desconsiderar a necessidade de religar, fazer dialogar as áreas e as disciplinas, os

saberes, suas representações sociais e seus contextos (JOVCHELOVITCH, 2008).

Apresenta-se instalada uma crise do sentido que não pôde, até o momento,

ser aplacada, nem pela expansão científica em seu formato hegemônico, nem pelas

revoluções e evoluções tecnológicas percebidas durante as últimas décadas. Os

planos existencial, ético e cultural não têm acompanhado o ritmo das mudanças

tecnológicas (DE MASI, 2000). Pelo contrário, parece haver um aumento de

violência e desordem em meio aos ganhos em termos de conforto e facilidades

obtidos por meio da tecnologia, o que é paradoxal na cultura contemporânea.

Compreende-se cultura, aqui, como um conjunto de valores, de crenças ou

representações sociais e de ideologia, conjunto este acionado pelos atores nos

processos de interação social.

No tocante às escolas, como espaço de formação, pode-se dizer que, nas

últimas décadas, têm sido alvo de críticas severas, pois é necessário que se faça, no

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contexto sociopolítico, uma reforma da modernização e descentralização, de tal

forma que adquiram flexibilidade e maior velocidade a fim de se adaptarem às

constantes transformações sociais.

A exportação de todos os problemas econômicos e sociais para o domínio da esfera educativa transformou a instituição escolar num contexto favorável à eclosão de reformas várias em última instância, geradora de mudanças desejadas (TORRES, 2007, p. 156).

Toda essa dinâmica e transformação social pede uma reflexão acerca da

importância dada a esses locais denominados escolas ou espaços de formação.

Usar o meio escola como possibilidades de contribuir, de maneira eficaz e eficiente,

para a transmissão do conhecimento e exercitar a cidadania, a moral, a ética diante

da diversidade de pensar e de agir tem se caracterizado como um bom laboratório,

porém seria irrealista a ideia de que nas escolas se encontram todas as respostas

para a crise civilizatória contemporânea.

Qualificar o ser humano tem se tornado um desafio árduo para as instituições

de ensino. O mercado competitivo, instável, incerto e cheio das indefinições, abre

portas para pessoas cada vez mais capacitadas no seu autogerir, que se

autoestimulam e se apresentam com um espírito empreendedor, com ar de

inovação, capazes de desconstruir para construir, comunicar, renovar rotinas e, ao

mesmo tempo, adaptar-se rapidamente a toda inovação implementada, tirando o

melhor proveito de si, do meio e das ferramentas que lhe estão ao alcance, de tal

sorte que as suas ações possibilitem um diferencial contributivo. Compete às

escolas criar alternativas para que o profissional, ao deparar-se com essas

exigências, consiga reagir de maneira a considerar o todo, o complexo e a intrincada

rede de suas ações e reações.

Discutir a formação acadêmica é pensar sobre quais conhecimentos, habilidades, valores e atitudes os alunos devem adquirir para enfrentar as exigências da vida social como a profissão, o exercício da cidadania, a criação e o usufruto da cultura e da arte, a produção de novos conhecimentos, as lutas pelas melhorias das condições de vida e de trabalho (CLOSS et al, 2006, p. 6).

Historicamente, as escolas sempre fizeram parte do mundo das organizações

burocráticas pelo seu modo predominante de regulação e exercício do poder,

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sustentado na crença de que é justo obedecer às leis e às ordens estabelecidas.

Foucault (2000) propõe que essa ordem racionalizada seja entendida como ordem

de domínio dos corpos (dos alunos), uma espécie de domesticação, em que se

mantêm constantemente sob o olhar panóptico, disciplinados e anônimos. Uma

técnica importante para que se tenha, de antemão, todo e qualquer movimento de

quem se mantiver sob o controle de quem vigia a situação.

Analisando a cultura organizacional no contexto escolar, percebe-se que se

apresenta basicamente organizada em torno de três tópicos (TORRES, 2005, p.

436) o que de maneira sintetizada apresento utilizando-me da idéia da autora:

1. A natureza ontológica da cultura, re-equacionada, quer em termos da

estreita imbricação nas relações clássicas estabelecidas entre a estrutura e a

agência humana, quer ao nível das transações (culturais) estabelecidas entre

o dentro/interior e o fora/exterior do campo organizacional;

2. As modalidades e a essência das configurações culturais,

designadamente o caráter multiforme, interativo e dinâmico das

manifestações culturais;

3. Por último, a distinção teórico-conceptual entre “cultura escolar” e

“cultura organizacional escolar”, assim como o estatuto epistemológico,

teórico e empírico que tais designações podem assumir na investigação de

realidades escolares concretas.

As escolas, como alvo e objeto de estudo, nacional e internacionalmente,

chamam a atenção para aspectos relevantes quando indicam total desinteresse por

um número cada vez maior de alunos que, desinteressados em estudar e em se

aprimorar, acabam sendo reprovados e, por conseguinte, afastados das escolas. É

nesse quadro de perplexidades que o pensamento complexo2 de Edgar Morin

adquire forças, lançando uma nova ótica e criando alternativas restauradoras do

sentido. Assim como referencial paradigmático este estudo utiliza o pensamento

2 Cabe observar que Morin prefere o termo “pensamento complexo” à noção de “teoria da

complexidade”. Enquanto a noção de teoria implica aspectos racionais e lógicos, a noção de pensamento implica ir além, envolvendo também aspectos intuitivos, afetivos, paradoxais. O pensamento complexo é sinônimo de paradigma da complexidade, que Morin contrapõe ao paradigma disjuntor-redutor, conforme será visto mais adiante.

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complexo, de Edgar Morin, especialmente a obra Os Sete Saberes Necessários à

Educação do Futuro.

Percebendo a amplitude com que a obra de Edgar Morin abarca e trata as

várias facetas do conhecimento, das idéias, da vida, da humanidade, da natureza,

da ética, a UNESCO solicitou-lhe a sistematização de um conjunto de reflexões que

servissem de ponto de partida para se repensar a educação do futuro.

Morin, em Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro atende a esse

pedido e coloca o ato pedagógico em seu sentido mais elevado de conduzir a uma

educação no contexto da condição humana planetária, em que às incertezas impõe-

se a ética e a antropoética, numa visão de totalidade, do ser e do conhecimento.

Carvalho (2000), na apresentação da obra Os Sete Saberes Necessários à

Educação do Futuro (MORIN 2004), escreve

A educação do futuro exige um esforço transdisciplinar que seja capaz de rejuntar ciências e humanidades e romper com a oposição entre natureza e cultura. Edgar Morin, nesses ‘sete saberes’, expõe não um credo a ser cumprido acriticamente, mas um desafio cognitivo a todos os pensadores empenhados em repensar os rumos que as instituições educacionais terão de assumir, se não quiserem sucumbir na inércia da fragmentação e da excessiva disciplinarização, características dessas últimas décadas de mundialização neoliberal. [...] Precisamos reaprender a rejuntar a parte e o todo, o texto e o contexto, o global e o planetário, e a enfrentar os paradoxos que o desenvolvimento tecnoeconômico trouxe consigo, globalizando de um lado e excluindo do outro. (CARVALHO, 2000)

A referida obra contribui com aquele que se preocupa com o fazer educação

como uma maneira de transformar ao invés de meramente informar. São caminhos

que se abrem para um pensar amplo, um olhar para a dimensão micro ou local sem

desconsiderar a dimensão macro ou global. Faz a junção daquilo que está disjunto,

considerando uma educação que se desloca para a totalidade aberta do ser humano

e não apenas a uma de suas partes. Durante a descoberta das reflexões

provocadas pelos pensamentos de Morin, é possível perceber a ignorância do

homem por ele mesmo.

Apresenta-se, a seguir, os títulos de cada um dos sete saberes, os quais

serão comentados no capítulo do referencial teórico: As cegueiras do conhecimento:

o erro e a ilusão; Os princípios do conhecimento pertinente; Ensinar a condição

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humana; Ensinar a identidade terrena; Enfrentar as incertezas; Ensinar a

compreensão; A ética do gênero humano.

Esta abordagem dos saberes educacionais é compreensível no contexto do

paradigma da complexidade, expresso pela obra La Méthode, em seis volumes.

Sintetizar esta obra é, em si mesmo, um trabalho árduo que Robin Fortin realizou em

um livro de 283 páginas publicado em 2005. Em algumas de suas obras recentes o

próprio Morin tem divulgado um conjunto de sete princípios propostos da

complexidade, visando contribuir com uma abordagem sintética do paradigma:

Princípio sistêmico; princípio hologramático; princípio do anel retroativo; princípio do

anel recursivo; princípio da auto-eco-organização; princípio dialógico; princípio da

reintrodução daquele que conhece em todo conhecimento.

No capítulo dois do referencial teórico-paradigmático, esses princípios serão

retomados, assim como Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro.

Com vistas ao referencial teórico utilizado a complexidade social e humana

sugere a compreensão de questões atuais cada vez mais difíceis de serem tratadas,

indica a necessidade de um novo modelo de educação, uma educação que permita

o entrelaçamento entre a diversidade de disciplinas e que esteja aberta às várias

dimensões do ser humano e da sociedade em geral, em uma tentativa de melhor

enfrentar os desafios da contemporaneidade.

Há muito a sociedade brasileira está constituída de um tipo de ensino

repressivo e um aprender passivo, consequência de uma sociedade comandada

pela Igreja, pelo Estado e pelo Exército. O ensino tradicional parece engessado por

um processo que paralisa, anula o ato de querer aprender como fonte de libertar-se

da ignorância que mantém o aluno aprisionado às suas próprias limitações,

impedindo-o de explorar todo o seu potencial criativo. Formatado o pensamento

desde a educação infantil e copiando os modelos constituídos desde o seio familiar,

mantém, conforme Oliveira e Ferreira (2007), os alunos em posição de não

assumirem o papel de sujeitos capazes de experimentar o processo educativo, isto é

guardam uma atitude passiva e não reflexiva, deixando de exercer a condição de co-

responsáveis pelo ato de aprender.

Esses alunos, futuros gestores, ao ingressarem ou constituírem as

organizações contemporâneas, naturalmente e, quase como se estivessem em um

estágio letárgico profundo, reproduzirão as suas pseudoverdades, reafirmando a

divisão de classes, privilegiando sempre aqueles capazes de manter a alta

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performance produtiva, dedicados a normas, regras e regimentos da empresa que

os contrata. Aqueles saídos especialmente da graduação em administração

esculpem esses modelos no exercício das suas atribuições, reproduzindo-os como

receitas que trarão as recompensas exigidas por esta mesma sociedade dominante.

Para Tragtenberg (apud OLIVEIRA; FERREIRA, 2007), parte desse processo

(ora denominado adestramento), passa pela responsabilidade do professor, que

ocupa uma posição de simples reprodutor de conceitos e preceitos. Ancorado ao

autoritarismo narcísico, deixa de exercer o espontâneo gosto de aprender, estudar e

compartilhar, tomando com humildade a verdade de que o saber do mestre ainda

está por ser concluído, e a ignorância do aluno está por acabar, o saber não é único

e a ignorância não é perpétua.

Surge no México em Setembro de 2006 a Multiversidad Mundo Real Edgar Morin

situada em Hermosillo, Sonora, com o propósito de desenvolver trabalhos que

contemplam o pensamento complexo na formação acadêmica dos seus alunos além

da formação dos seus docentes. Edgar Morin é o presidente do conselho científico

Internacional da multiversidad Mundo Real Edgar Morin e que apresenta um projeto

educativo mais ambiciosos do mundo da educação , segundo a própria

multidiversidad da educação. www.multiversidad.org

A partir de 2006 surge na universidade de Pernambuco, campos de Caruarú

uma experiência no curso de administração envolvendo interdisciplinaridade e

pensamento complexo.(ARAÚJO; FARIAS, 2007: ARAÚJO 2004)

1.2 ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL

A administração institucionalizou-se e profissionalizou-se no Brasil, mas esse

processo não foi simples e tão pouco sua construção aconteceu de maneira

homogênea. Giroletti (2005), no artigo Administração no Brasil: potencialidades,

problemas e perspectivas, aborda essa temática de maneira esclarecedora, o que é

possível constatar após um breve histórico do surgimento do pensamento

administrativo.

Faz-se mister entender que a origem do pensamento administrativo data de

1776, com Adam Smith, criador da Escola Clássica de Economia, que percebia a

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necessidade de especialização dos operários, o controle do processo produtivo e de

remuneração. Para Smith, já naqueles tempos, o bom administrador deveria cultivar

a ordem, a economia e a atenção.

A cronologia (quadro 1) a seguir apresenta a contribuição deixada pelos

diversos pensadores em suas épocas para que a administração se consolidasse e

se tornasse de grande importância e contribuição nos tempos atuais.

Ano Autor Contribuição

1776 Adam Smith

Aplicação do princípio de especialização aos operários; controle; remuneração.

1800

James Watt e Mathew Boulton

Padronização de procedimentos operativos. Especializações. Métodos de trabalho. Planejamento. Incentivos de remuneração. Tempo standard. Festas de Natal para empregados. Bonificações de Natal.

1810 Robert Owen

Necessidade de práticas de administração de pessoal. Treinamento de operários. Grupo de casas operárias, higienicamente construídas.

1820 James Mill Análise de movimentos humanos.

1832 Charles Babbage

Ênfase no método científico. Divisão do trabalho. Estudo de tempos e movimentos. Contabilidade de custos. Efeitos das diversas cores sobre a fadiga e a eficiência do operário.

1835 Marshall,

Laughlin e outros Reconhecimento e discussão da importância das funções administrativas.

1850 Mill e outros

Amplitude de controle. Unidade de comando. Controle de mão-de-obra e dos materiais. Especialização e divisão do trabalho. Incentivos salariais.

1855 Henry Poor

Princípios de organização, comunicação e informação aplicados às ferrovias.

1856 Daniel McCallun

Uso do organograma para mostrar a estrutura administrativa. Administração sistemática da ferrovia.

1871 W.S.Jevons

Estudo de movimentos. Estudo do efeito de diferentes ferramentas usadas pelo operário. Estudo da fadiga.

1881 Joseph Wharton

Estabeleceu os primeiros cursos em nível colegial para o estudo da administração.

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1886 Henry MetCalfe Henry Towne

A arte e a ciência da administração. Filosofia administrativa. A ciência da administração.

1891 Frederick Halsey Plano de prêmios no pagamento de salários.

1900 Frederick W.

Taylor Henry Fayol

Administração Científica.

1911 Frederick W. Taylor

Publicação do livro: Princípios da Administração Científica

1940 Elton George

Mayo

Criação da Teoria das Relações humanas em oposição à Teoria Clássica da Administração, ênfase centrada nas pessoas.

1950 Max Weber

Teoria da burocracia. Surge a Teoria Estruturalista, preocupada em integrar todas as teorias das diferentes escolas. Racionalidade. Máxima eficiência

1970 Ludwig Von Bertalanffy

Teoria de sistemas. As empresas são como um sistema aberto em contínua interação com o meio ambiente.

Quadro 1: Cronologia das Origens do Pensamento Administrativo Fonte: LODI, J.B.(1993, p. 26-27) adaptada pelo autor

A história da Administração no Brasil teve início em 1931, com a fundação do

Instituto da Organização Racional do Trabalho (IDORT). Nesse mesmo ano surgiria

o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), fundado por Luiz Simões

Lopes. A partir desse órgão, surgiu a Escola de Serviço Público que enviava

técnicos aos Estados Unidos para aperfeiçoamento com defesa de tese.

Em 1944, é criada a Fundação Getúlio Vargas (FGV), mantenedora da Escola

de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP). Com o DASP criou-se um

cargo exclusivo de Técnico em Administração, atualmente denominado

administrador, que lutava pelo reconhecimento da administração como profissão.

Os Técnicos fundam, em 19 de Novembro de 1960, a Associação Brasileira

de Técnicos de Administração e redigem um projeto de lei para institucionalizar a

administração, tendo como contribuição a singular participação do então técnico de

administração, e, no cargo de Deputado Federal, o Professor Alberto Guerreiro

Ramos. Em 09 de Setembro de 1965, com o apoio do Diretor Geral do DASP, o

Presidente da República, Humberto de Alencar Castelo Branco, sanciona a Lei no

4769. Mais de dois anos após a sua publicação, a Lei foi regulamentada através do

Decreto-Lei 61.934, de 22 de setembro de 1967, mantendo-se o nome técnico em

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administração. Em 13 de junho de 1985, por força da Lei Federal no735, mudou-se a

denominação de técnico em administração para administrador. Atualmente, são mais

de 1.700 instituições de ensino superior e de especialização na área de

administração no país, um contingente de mais de 300.000 profissionais registrados

e mais de 500.000 alunos vinculados a cursos de administração.

Com o advento do curso de graduação em administração no Brasil, a partir de

1970, desenvolveram-se vários aspectos positivos e, com eles, outros de ordem

problemática, que requerem reflexões para que possam ser feitos ajustes e

adaptações à realidade brasileira. Sintetizam-se a seguir alguns aspectos da

realidade contemporânea dos estudos em administração de acordo com Giroletti

(2005, p. 116-117):

a) Fica evidente o atendimento das demandas geradas pelo setor público,

por empresas privadas e mais recentemente pelo terceiro setor. Esta última

em franco desenvolvimento, por apresentar características peculiares à

capacidade de administrar e gerar renda, com o propósito de auto-

sustentação e de articulação com o meio público, para a obtenção de verbas

que lhes permitam promover o bem social objetivado. Há uma qualidade

internacional de administradores nas empresas brasileiras, assevera Peter

Drucker, em recente entrevista (Giroletti, 2005); porém, a falta mais evidente

de profissionais competentes na administração apresenta-se nos órgãos

públicos motivada pela pouca profissionalização, pois há preferência por

indicações de ordem político-partidária.

b) A consolidação da pós-graduação permitiu o aperfeiçoamento do

professor, garantindo-lhe melhoria profissional significativa. Desdobrou-se em

um número cada vez maior de alunos buscando profissionalização e

tornando-a, diante da diversidade e constante mudança do mercado, uma

ferramenta capaz de fazer ajustes, prospectar os diversos panoramas na

diversificada gama de cenários de curto, médio e longo prazo, estimulando o

crescimento e o empreendedorismo como ação individual. O censo da

Educação Superior do INEP/MEC, de 2003, aponta que, do total de alunos

matriculados no ensino superior no Brasil, 14,5%, ou seja, 564.681 alunos

estão vinculados a cursos de administração.

c) O crescente aumento da pesquisa, nas mais diversas áreas da

administração, bem como um número cada vez maior de produção

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acadêmica, em que ambos, pesquisa e produção acadêmica, atingem níveis

de qualidade que lhes põem em destaque e evidência no mercado e atraem

os administradores com boas remunerações e perspectivas vantajosas de

crescimento. Outros ainda, preferindo a academia, mantêm-se em atividades

de ensino, pesquisa e extensão. Para esses, porém, a exigência da titulação

está acompanhada da capacidade de produção científica como fatores de

permanência e progresso na carreira.

Destaca-se ainda a criação, em 11 de julho de 1951, a partir do Decreto no

29.741, da comissão para promover a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior, conhecida como CAPES. Nesse mesmo ano, é criado o

Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), e de fundações estaduais de amparo à

pesquisa que contribuem com recursos, como aspectos positivos gerados pela

disponibilidade do curso de administração. A diversificação na forma de ensinar

administração permitiu, inclusive, a criação do mestrado profissionalizante, aumento

dos trabalhos inscritos nos congressos e encontros da Associação Nacional de Pós-

Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD) e outras associações científicas

desse gênero.

Os avanços e crescimentos que colocaram a administração e administradores em

evidência no mercado trazem consigo problemas que requerem maior atenção e

cuidados. Segundo Giroletti (2005) esta atenção deve voltar-se aos seguintes

problemas:

a) Falta de conhecimento da história dos estudos em administração,

criando espaços que não estão sendo preenchidos com o registro de

acontecimentos e fatos relevantes do que e como as coisas se sucederam.

Isso dificulta a renovação e a autocrítica visando à autossuperação. O registro

historiográfico permitiria planejar novos rumos, trajetos que evitariam aqueles

mais tortuosos e/ou imprudentes. A história implica estudar o passado para

melhor compreender o presente e prospectar um futuro com diferentes

resultados, preferencialmente que traga consigo um “quê” de inovação. Tal

necessidade não é diferente na administração, sendo, porém, um árduo

desafio que requer um trabalho dedicado e coletivo. A história da

administração no Brasil só se tornará consistente e reconhecida como

fidedigna quando construída sob o consenso de um grupo de trabalho com a

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capacidade de trabalhar a interdisciplinaridade, envolvendo pesquisadores de

todas as partes possíveis do país.

b) Um segundo problema apontado por Giroletti (2005) relaciona-se à

necessidade de mudança da quantidade de oferta de ensino superior para a

qualidade de ensino; não sendo uma realidade apenas do ensino superior em

administração, torna-se um desafio para todo o ensino superior. Poder-se-ia

esperar que a classificação de ensino que esse reconhecimento de qualidade

se desse pelo próprio mercado, mas isso não é o suficiente. Necessário se

faz que o Estado seja atuante como regulador, fiscalizador e avaliador

constante dos processos educativos, caso se queira que o ensino superior no

Brasil mantenha níveis satisfatórios de qualidade.

c) O terceiro problema diz respeito à hiperespecialização do ensino em

Administração, que deveria ser amplo e, de certo modo, genérico para que a

adaptação acontecesse durante o desempenhar das atribuições do

administrador no campo de trabalho, especializando-se na modalidade que

implique conhecimentos específicos em determinada área. A

hiperespecialização tornou-se um chamariz das Instituições de Ensino

Superior (IES) que, acreditando acertar o passo e “encurtando” o tempo para

a aplicabilidade dos conhecimentos administrativos absorvidos, vendem a

imagem de diferencial diante da concorrência. Significa, no entanto,

desconsiderar a proposta de educação apresentada pela UNESCO para o

século XXI. Assim como o projeto de reforma de universidade da União

Européia, a UNESCO indica que, nessa oportunidade de ensino, dever-se-á

premiar a predominância da teoria sobre a prática, que a teoria seja

generalista, adiando ao máximo a idéia de especialização. Tal necessidade

caracteriza-se pela tendência mundial de educação movida pelo processo de

globalização. Trazendo esse enfoque para a graduação em Administração,

segundo Giroletti (2005), uma formação geral consideraria, mesmo com

variações, seis especialidades: a gestão da produção, recursos humanos,

marketing, finanças, administração pública e, mais recentemente, o terceiro

setor. O mercado sinaliza a necessidade de profissionalização híbrida, ampla

e generalista. O profissional apresentaria maiores facilidades para adaptar-se

às mudanças necessárias à atividade no seu emprego que, em muitas

ocasiões, é provocada pela permanente renovação tecnológica.

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d) Um quarto problema está na excessiva ênfase no caráter prático do

conhecimento, como se as universidades, em especial a área de

Administração, tivesse a capacidade de gerar receitas que, sendo seguidas,

resolveriam as demandas de dificuldades em uma gama de diversidade

quase infinita. O ensino teórico,

[...] o desenvolvimento do raciocínio, a capacidade de abstração e generalização, a criatividade, a inovação, o empreendedorismo, o senso crítico e a capacidade analítica devem ter precedência sobre a prática (GIROLETTI, 2005, p. 117).

Com essa base construída, o acadêmico estaria capacitado a aprender com a

sua prática, criar novos olhares sobre o mesmo objeto e, dessa maneira, ter

aptidão para novos achados. O administrador de posse desse olhar científico

e crítico, adquiriria competência para acompanhar, promover e antecipar-se

às mudanças de um mundo globalizado. Necessário é que as universidades

mantenham em sua construção esse caráter crítico, filosófico e artístico. Ao

contrário disso, elas têm erradamente aberto mão do desenvolvimento da

competência e da independência intelectual do administrador.

e) Apontado como quinto problema, está o condicionamento que as

empresas impõem, de certa maneira, às universidades, exigindo-lhes que

façam dos alunos o que chamam de preparados para o mercado. Quanto

mais próximos da realidade da empresa privada em seus postulados

acadêmicos, tanto melhor parecerá ser a universidade. Essa réplica da

empresa na universidade descaracteriza o seu propósito primeiro, de

estimular a pensar, a criticar e a inovar. Se a universidade simplesmente

renovar aquilo que hoje atende às demandas empresariais, mas que em

futuro breve será superado com novas tendências e ganhos tecnológicos que

as tornará obsoletas, seu espaço de ação se manterá determinado pelo

mercado. Isso não significa, entretanto, desprezar ou não reconhecer o

mercado como realidade relevante.

f) O sexto problema é o conjunto de efeitos colaterais do crescimento

quantitativo da Administração sem um correspondente crescimento em

qualidade. A falta de qualidade encontra-se desde o precário rigor

metodológico à cultura do individualismo, que se mostra estimulado pela

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competição entre as instituições, como se não bastasse a pressão para a

conclusão do mestrado e do doutorado no menor tempo possível. Perseguir

prazos para somar pontos, vislumbrando a ascensão da carreira, gera a

incapacidade de manter um senso crítico ou de profundidade com densidade

bastante para debates que possam ir além das próprias fronteiras. Essa

superficialidade culmina com uma tendência que vem caracterizando as

universidades com a carência de professores e alunos capazes de construir a

partir de sua própria reflexão. Ao contrário, vem se mantendo limitada, na

grande maioria, à condição de atender às expectativas de quantidade e não a

qualidade de produção, por conta de pressões impostas por indicadores de

produtividade.

g) A dependência dos autores brasileiros à literatura estrangeira

apresenta-se como sétimo problema. A característica do Brasil colônia reflete-

se nos dias atuais, quando surge na contemporaneidade a valorização

primeira do que é estrangeiro em detrimento do nacional, quando não o

menosprezo em resposta ao produto da própria pátria. Essa idolatria pelo

estrangeiro importa alternativas de administração e de gestão que, em

território nacional, são reverenciadas como inovadoras e revolucionárias e,

por serem importadas, têm conotação de bom produto com resultados

comprovadamente de êxito. Os autores brasileiros, no entanto, fazem uso

maior de referências estrangeiras, não simplesmente por aspectos

relacionados ao Brasil Colônia, mas também devido a uma contingência. É de

certa prudência citar autores estrangeiros, pois há de se considerar que a

universidade surge primeiro, e com maior intensidade, nos países centrais, e

posteriormente nos periféricos e emergentes. Assim, o autor que cita o

pensador estrangeiro denota atualização e virtude por perceber tendências

que, em determinados assuntos, sequer aparecem no Brasil.

h) A crise de valores com a qual se depara a sociedade contemporânea,

atingindo pessoas, famílias, governos, relações internacionais e de negócios

compreende o oitavo problema a ser considerado. Para servir de exemplo,

empresas e empresários, que durante décadas de existência sempre foram

cotados como empresas bem conceituadas e reconhecidamente de boa

reputação nacional e internacional, tornam-se alvos de escândalos por

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maquiarem as demonstrações contábeis de suas empresas ou, ainda, por

sonegação de impostos.

A Universidade, certamente, pode contribuir para que a construção dos seus

alunos esteja além da transferência de conhecimentos científicos e tecnológicos,

especialmente a administração. Por tratar das Ciências Sociais, compete-lhe o

repasse formal dos aspectos morais e éticos que constituem a sociedade como um

bem maior do que o interesse particularizado seja oriundo de pessoa física ou

jurídica. Entende-se que a universidade e a Administração, em especial, não

poderão se render à desordem, ao jeitinho, ao modo fácil de obter lucros, levando

em consideração apenas “o quê” em detrimento do “como”.

Assim, a universidade mantém, sob a sua responsabilidade, a competência

de formar o cidadão, alinhar-lhe o caráter para uma atuação reta e liberta de

interesses particularizados.

O restabelecimento do homem com a sua natureza autônoma de pensar e de

se relacionar corretamente com o meio em que está inserido constitui sua

responsabilidade. Permanecer produzindo para o seu bem-estar e tornar-se dono do

próprio destino é cumprir com a sua capacidade individual. Para Morin, compete a

universidade

[...] regenerar a partir e do reexame às suas idéias, pois as heranças conservadas, memorizadas, integradas e ritualizadas como idéias de valores precisam ser atualizadas antes de retransmitidas (MORIN, 2005, p. 81)

No entanto, o bem-estar individual está relacionado com a coletividade, ou

seja, com a da sua comunidade e com a de seu país e, em maior proporção, com o

mundo.

i) O último problema apresenta-se pela diversidade do ensino superior no

Brasil, quando, em 1988, a Constituição Federal definiu como inseparável e

indissolúvel a tríade ensino, pesquisa e extensão para o ensino superior. A

autonomia e liberdade didática, administrativa e de gestão financeira e

patrimonial, com a possibilidade de cursos de mestrado e doutorado, além da

realização de pesquisas e estudos avançados se constitui como parte de um

modelo de universidade. Porém, a realidade do ensino superior brasileiro é

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bastante diversificada no tocante às alternativas possíveis de se adquirir

formação. As possibilidades variam desde universidades, centros

universitários, faculdades isoladas a escolas e centros de educação

tecnológica.

O fato é que, diante dessa pluralidade de instituições de ensino superior,

algumas mais que outras podem criar, manter e/ou extinguir cursos de graduação,

pós-graduação e atuar com unidades fora da sede, enquanto outras se mantêm

limitadas, tendo que colocar sob a apreciação do Ministério da Educação e Cultura

(MEC) seus pedidos de abertura de curso e explicar a descontinuidade de outros.

Há, ainda, um embate entre as universidades públicas e privadas: enquanto

as públicas tentam manter a sua hegemonia sobre o sistema, as particulares lutam

por benefícios monetários e de toda ordem, oriundos do setor público, com a

apresentação de atividade filantrópica e, na maioria das vezes, a universidade

pública é beneficiada em detrimento da particular. Outra vertente de discussões está

pautada na abertura de mestrados profissionalizantes por algumas universidades, o

que tem sido severamente criticado por aquelas que mantêm o mestrado acadêmico.

Sendo possível toda essa diversidade, o fato é que ajustes são necessários

para que as diferenças se tornem complementares e, com isso, contribuam com o

crescimento do país. Não se vêem problemas na diversidade, quando há

complementaridade. Nas palavras de Morin (2005, p. 89)

É preciso substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une. É preciso substituir um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento do complexo, no sentido originário de termo ‘complexus’: o que é tecido junto. (MORIN, 2005, p. 89)

O pensamento da complementaridade é o princípio do pensamento complexo;

é entendido como alternativa para dar conta dessa relação dialógica entre ordem,

desordem e auto-organização que, por natureza, são antagônicas entre si. Só se

libertando dos paradigmas clássicos e totalizantes é que a ciência pode abrir espaço

para repensar a própria ciência, para a reflexão, a revisão, a experimentação, a

inovação a imaginação e a criatividade.

É em busca de novas alternativas de transformação social que se pretende

refletir sobre a questão do ensino de administração, especialmente por ser alvo de

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franca ampliação no cenário atual, anterior à revolução industrial, que seguia

dominado pela Igreja, pelo exército e pelo Estado.

É nessa desafiadora conjuntura social que se inserem as instituições de

ensino de todo o país, ao mesmo tempo em que são influenciadas e influenciam a

construção de novas gerações que se deparam com uma realidade de grandes

mudanças sociais e econômicas em intervalos de tempo cada vez menores.

Muros divisores entre economias antagônicas deixam de existir: são fronteiras

que se abrem para a internacionalização das culturas e de tecnologias. Formas de

fortalecimento por blocos surgem como alternativa de ganho conjunto, a exemplo

dos países da União Européia e do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)3,

sinalizando a necessidade de um pensar local e ao mesmo tempo global por parte

dos gestores.

Outra situação a ser considerada na atual conjuntura do ensino superior

brasileiro é a realidade da relação vagas ofertadas versus vagas preenchidas.

Consulta aos últimos dados organizados pelo Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), referentes ao censo da Educação

Superior até 2007, demonstra que o crescimento do número de vagas para o ensino

superior privado aumenta de maneira significativa. Foram criados nos últimos anos

novos cursos, novas faculdades, novos centros universitários, novas universidades.

Na análise dos dados apresentados em 2009 pelo INEP, constata-se que no ano de

2007, foram ofertadas pelo menos 2.823.942 novas vagas pelas Instituições de

Ensino Superior (IES), o que, comparadas ao ano anterior, 2006, perfazem 194.344

novas vagas. No entanto, a questão que tem chamado atenção é o aumento de

vagas ociosas que cresce proporcionalmente ao número de vagas ofertadas. Só em

2007, atingiram a proporção de 47,5%, ou seja, 1.341.987 vagas não foram

preenchidas nas IES no Brasil. Recai sobre as IES privadas a maior fatia desse

volume, atingindo o número de 1.311.218, o que equivale a 46,4% do total de vagas

ofertadas. Já para o setor público, o percentual é de 1,1% de vagas ociosas.

3 MERCOSUL: O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado em 26/03/1991 com a assinatura do tratado de Assunção no Paraguai constituindo-se desse bloco econômico os seguintes países: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e, mais recentemente, a Venezuela, integrada ao bloco econômico, em Julho de 2006. Disponível em http://www.mercosul.gov.br Acessado em 15 de março de 2009.

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Por esses dados, infere-se que não existe seleção para o ingresso em

grande parte das IES do setor privado nacional. Um dos problemas oriundos desse

cenário é a base da formação acadêmica desses estudantes, que se apresenta

insuficiente para um bom acompanhamento dos programas de graduação.

A seguir, será contextualizado o curso de Administração da Sociedade

Educacional de Santa Catarina (SOCIESC), que é objeto desta dissertação.

1.3 SOCIEDADE EDUCACIONAL DE SANTA CATARINA (SOCIES C)

1.3.1 Breve Histórico

A SOCIESC nasceu do sonho de Hans Dieter Schmidt, o então presidente da

Indústria de Fundição Tupy, localizada em Joinville (SC), quando, em visita à

metalúrgica suíça Georg Fischer, ficou encantado com a enorme preocupação da

empresa com o aperfeiçoamento pessoal e profissional de seus colaboradores. No

ano de 1959, Hans Dieter Schmidt faz com que esse sonho se torne realidade,

criando a Escola Técnica Tupy (ETT): uma escola feita para a comunidade e

principalmente para os jovens que se viam cheios de planos com a oportunidade de

aperfeiçoamento educacional e profissional. Segundo as informações obtidas no

Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do Instituto Superior Tupy (IST) Suas

primeiras atividades foram voltadas à formação de técnicos de grau médio.

Em 1967, um acordo firmado entre o Brasil e a Alemanha trouxe para a

Escola Técnica Tupy investimentos na ordem de DM$ 1.000.000,00 (um milhão de

marcos alemães) em equipamentos de última geração na Europa. Atrelado ao

investimento financeiro, viria ainda o conhecimento, a tradição e a cultura de um

modelo educacional europeu baseado em valores como seriedade, competência,

ética e cidadania.

Alguns anos mais tarde, engenheiros da Indústria de Fundição Tupy,

professores e especialistas enviados da Alemanha uniam-se, criando a Sociedade

Educacional Tupy.

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Em 1985, essa sociedade passa a ser dirigida por um conselho formado por

presidentes das principais empresas de Joinville e ganha também um novo nome:

Sociedade Educacional de Santa Catarina (TERNES, 1989).

O Instituto Superior Tupy constitui-se como uma das unidades de ensino da

Sociedade Educacional de Santa Catarina.

Nos anos 80, sob o regime militar e paralisado pela moratória, o país corta

gastos e fica para trás a fase de investimentos. As oportunidades de empregos nas

indústrias já não apresentavam os mesmos índices dos anos 70, reflexo dos efeitos

da globalização que levaram à modernização e à automatização das máquinas e

equipamentos empregados nas indústrias de transformação, o que resultou no

chamado “Desemprego Tecnológico” (SANTOS, 2004).

Observando-se atentamente o processo evolutivo da SOCIESC, percebe-se

que os reflexos que atingiram o processo de desenvolvimento econômico do país

têm ligação direta com a realidade dessa escola. Constata-se essa conexão entre

escola e realidade política na evasão, inadimplência, em queda na demanda dos

cursos e na baixa procura das empresas pelos cursos de extensão e pós-graduação

(SANTOS; VIEIRA, 2004).

1.3.2 Gestão Empreendedora

Diante da realidade a que fora imposta, a SOCIESC não foi poupada. Houve

internamente dificuldades de toda ordem para a escola, que percebeu uma

possibilidade de minimizar as influências negativas do momento pondo os seus

laboratórios e equipamentos de ensino a serviço de pesquisas financiadas por

órgãos públicos de fomento. Com essa alternativa, a escola, ao mesmo tempo em

que qualificava pessoal pela pesquisa, divulgava os resultados nas empresas da

região. Junto a esse procedimento, a utilização das aulas práticas dos alunos para a

execução de serviços especializados a terceiros constituía um desafio, pois,

enquanto estimulava o aprimoramento técnico, gerava considerável receita para a

escola. Esse caminho abriu as portas para que a ETT passasse a prestar serviços

às empresas e solidificasse seu modelo auto-sustentável de ensino técnico

profissionalizante (SANTOS, 2004).

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Como complemento pedagógico, nas séries finais dos cursos, os alunos

eram estimulados a desenvolver pesquisas com base nos desafios encontrados na

prestação de auxílio técnico a empresas da região. Esses trabalhos, denominados

Trabalhos Experimentais (TEX), são realizados até hoje para a conclusão dos cursos

técnicos profissionalizantes.

A sobrevivência da instituição está pautada na capacidade de gerir

alternativas que se originam da criatividade dos seus gestores em dar o

direcionamento apropriado diante das investidas dos acontecimentos externos,

sejam eles quais forem. A superação das dificuldades com a capacidade de inovar

em relação a fontes de receita surge como uma característica fundamental para a

sua sobrevida, e isso só se deu pelo posicionamento de aceitar a diversidade e

construir um meio de se reerguer mesmo diante de tamanha pressão da nova

realidade. Diferentemente de se manter na posição de vítima do processo, a

organização coloca-se a favor das mudanças e inovações necessárias à

transformação da sociedade e não à simples adaptação às contingências.

1.4 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA

Este estudo tem como objetivo compreender a experiência do curso de

Administração do Instituto Superior Tupy da SOCIESC, em sua parceria com a

Fundação Getúlio Vargas, considerando-se como tópico central da pesquisa o perfil

do administrador. O referencial paradigmático é o pensamento complexo, de Edgar

Morin, especialmente a obra Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, e

o referencial teórico é aberto e plural (o chamado pluralismo teórico é, com efeito,

adequado ao paradigma da complexidade) – mas com ênfase nos estudos críticos

das organizações e na teoria das representações sociais.

Em síntese, a pergunta central pode ser assim formulada: Como professores,

coordenação e alunos percebem a experiência do curso de administração da

SOCIESC, em parceria com a FGV, considerando-se o perfil do administrador

egresso?

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O trabalho toma como base para a análise do perfil do administrador o Projeto

Pedagógico do Curso de Administração do IST, o Projeto Pedagógico Institucional e

as representações sociais de alunos de penúltimo semestre, bem como de docentes

e da coordenação. Foram entrevistados cinco alunos e cinco professores.

Pretende-se identificar pontos de contato – ainda que de forma indireta e

indutiva – entre os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, o perfil

desejado do administrador, segundo a SOCIESC, e as representações sociais de

alunos e professores. Parte-se do pressuposto de que tal análise poderá contribuir

com a avaliação da experiência de parceria com a FGV e futuras revisões do Plano

Pedagógico, visando uma melhoria constante.

Morin e Moigne (2000), vinculando o ponto de vista cognitivo aos aspectos

contextuais – tal como faz Jovchelovitch (2008) ao tratar de representações sociais –

dizem que há uma inadequação que cresce, aprofunda-se e agrava-se entre os

conhecimentos disjuntos, fragmentados, compartimentados em disciplinas e, por

outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais,

multidimensionais, transnacionais, globais. Tornam-se invisíveis os conjuntos

complexos nessa situação, bem como as inter-relações e retroações entre as partes

e o todo, entre as entidades multidimensionais e os problemas essenciais.

A formação do profissional da administração representa um conjunto

complexo, formado de partes como: proposta pedagógica do curso, proposta

pedagógica da instituição e pessoas envolvidas (corpo docente e discente).

1.5 OBJETIVOS

1.5.1 Objetivo Geral

Compreender as representações sociais de professores, coordenação e

alunos a respeito da experiência do curso de administração da SOCIESC, em

parceria com a FGV, com ênfase no perfil do administrador egresso.

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1.5.2 Objetivos Específicos

Para alcançar o objetivo geral do projeto, foram definidos os seguintes

objetivos específicos:

a) Relacionar valores educacionais sobre o perfil do administrador na

documentação oficial do curso e da SOCIESC (Projeto Pedagógico) ao

referencial paradigmático e teórico;

b) Identificar, nas representações sociais de professores, coordenação e alunos,

aspectos relacionados, direta ou indiretamente, ao referencial paradigmático e

teórico.

1.6 JUSTIFICATIVA

A administração, assim como outras áreas do conhecimento, como a

medicina, a tecnologia da informação, e a automação, tem passado por um

acelerado processo de mudanças, induzindo os profissionais à busca constante de

adaptação, transformação e auto-organização. Na perspectiva do pensamento

complexo, seria adequado dizer auto-eco-organização, ou seja, tanto profissionais

quanto organizações estão diante do desafio de conquistar autonomia complexa,

auto-eco-organizadora.

A emergência de um novo mundo exige a conscientização generalizada da

globalização (em suas dimensões econômica, política, cultural e ecológica), a

interdependência crescente das relações internacionais, o que se constitui como um

grande desafio à análise, à interpretação (DELORS, 2000). Este clima de incerteza

requererá dos profissionais de administração alternativas que possam contribuir para

a solução de problemas em escala mundial, o que é apontado pelo relatório Jacques

Delors Educação Um tesouro a Descobrir (UNESCO, Comissão Internacional sobre

Educação para o século XXI, de 1996).

Há um aumento do número de instituições de ensino superior em todo o país,

que, em consulta aos dados do Censo da Educação Superior no Instituto Nacional

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de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), referentes ao censo

de Ensino Superior de 2007, apresentam a existência de 2.281 instituições de

educação superior no Brasil com 23.488 cursos e 4.880.381 estudantes.

Freqüentando só o curso de administração, o percentual ultrapassa os 14%

de estudantes, o que dá ao curso de administração no Brasil a primeira colocação

em número de alunos. Essas estatísticas apontam uma melhoria na formação e,

sobretudo, um prestígio social para a formação em administração, conclui Giroletti

(2005).

Porém, muitos problemas relacionados a essa formação ainda são motivos de

discussões. Problemas como a hiperespecialização, a expansão da quantidade de

formadores em desequilibrada proporção com a necessidade de qualidade na

formação, a excessiva ênfase aos aspectos práticos do conhecimento em detrimento

da pesquisa e da didática de alto nível, precisam ser tratadas. Em síntese, as

questões relativas aos Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro constituem

também um desafio à formação de administradores.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO-PARADIGMÁTICO

Este capítulo se propõe a tratar dos aspectos teórico-paradigmáticos, da sua

evolução a partir de Aristóteles ao macroconceito de paradigma, sintetizado por

Edgar Morin em doze características. Serão tratadas, ainda, das teorias da cultura

organizacional (como um dos temas dos estudos organizacionais, especialmente da

abordagem dos estudos críticos). A emancipação, a partir dos estudos críticos, traz a

síndrome comportamentalista e os pontos cegos da teoria das organizações à sua

reformulação, a partir de quatro diretrizes propostas por Guerreiro Ramos, além dos

tipos possíveis de sistemas sociais. Nas perspectivas de cultura organizacional, será

apresentada a disputa pela hegemonia segundo Martin e Frost, destacando-se as

perspectivas da integração, de diferenciação e de fragmentação.

Será apresentada a noção de representações sociais a partir, especialmente,

da obra de Jovchelovitch (2008), como um conceito mediador entre aspectos sociais,

individuais e cognitivos. Essa articulação entre o paradigma da complexidade, a

abordagem dos estudos críticos, especialmente de Guerreiro Ramos, a abordagem

das principais perspectivas em cultura organizacional e a noção de representações

sociais é, em si mesma, um desafio ainda não superado na literatura. Portanto, aqui,

esse desafio é sugerido e enfrentado de forma apenas introdutória.

Por fim, Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, de Edgar

Morin, serão tomados como referencial mais adequado à interpretação das

representações sociais, dos depoimentos e dos documentos coletados.

2.1 ASPECTOS TEÓRICO-PARADIGMÁTICOS

De acordo com Morin (1999; 2002a; 2002b; 2003a; 2005) – que produziu uma

das mais extensas obras epistemológicas disponíveis no mundo contemporâneo,

intitulada La Méthode, entre várias outras de alcance mais restrito – há basicamente

dois grandes paradigmas (embora cada um deles contenha paradigmas menores,

vinculados a autores clássicos ou ciências particulares) em disputa no meio

acadêmico contemporâneo: o do disjuntor-redutor e o da complexidade.

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O primeiro paradigma, vinculado à revolução científica moderna, separa

objeto e sujeito, qualidade e quantidade, estabelecendo polaridades no pensamento

das sociedades urbano-industriais, com raízes históricas no século XVI (e mesmo

antes), favorecendo a emergência das chamadas ciências particulares, as

disciplinas, assim como o afastamento da filosofia em relação às ciências em geral.

A cultura dita científica é separada das chamadas humanidades, desde o

cartesianismo, o que é reforçado pelo mecanicismo, positivismo e, mais

recentemente, pelo funcionalismo e pelo estrutural-funcionalismo.

O segundo paradigma – chamado da complexidade ou emergente – se

fundamenta, por um lado, na segunda revolução científica, ocorrida com a

emergência da física quântica e subatômica, na primeira metade do século XX; por

outro, na terceira revolução científica, que se expressa pelos diálogos multi, inter e

transdisciplinares, na busca de respostas a problemas crescentemente complexos e

interligados pela própria dinâmica histórica (MORIN et al, 2003; VASCONCELOS,

2002).

Enquanto o paradigma disjuntor-redutor separa as formas de conhecimento

ou as reduz a fórmulas abstratas e simplificadoras (em que pesem suas aparências

de complexidade), o paradigma da complexidade associa, sem fundir, e distingue,

sem separar, as diversas formas de conhecimento, contribuindo com uma percepção

crítica, emancipadora e prudente da ciência.

Para Morin (2002), paradigma é algo que não se revela inteiramente, que

condiciona o alcance das teorias e que não está limitado ou baseado unicamente

nos aspectos racionais, mas incluem-se elementos não-racionais e institucionais.

A dualidade cartesiana forma a base da visão disjuntora-redutora que separa

não só o sujeito do objeto investigado, colocando cada um em seu lugar próprio para

ser lido e interpretado, cada qual de acordo com a sua esfera, mas também separa a

filosofia (investigação reflexiva) da ciência (investigação objetiva). Essa dissociação

apresenta dois conjuntos de conceitos em polaridades que constituem o Grande

Paradigma do Ocidente, conforme apresentado no quadro 2, a seguir:

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Sujeito Objeto

Alma Corpo

Espírito Matéria

Qualidade Quantidade

Finalidade Causalidade

Sentimento Razão

Liberdade Determinismo

Existência Essência

Quadro 2: Polaridades do Grande Paradigma do Ocidente Fonte: Morin (2003, p. 26).

Enquanto Kuhn (1996 apud MORIN, 2002, p. 187) retrai-se diante das críticas

constantes em torno de suas várias definições da noção de paradigma, propondo o

termo matriz disciplinar como substituto, Morin amplia a noção de paradigma,

tornando-a transdisciplinar. Isso vai além da multidisciplinaridade ou

interdisciplinaridade, o que induz a uma mudança paradigmática.

Essa complexa realidade surge nas organizações como um processo que

impõe aos gestores e administradores uma necessidade de renovar o saber e o de

transmitir esse saber, não desconsiderando ou relegando a segundo plano a

diversidade de subculturas existentes nos mais diversos níveis organizacionais. A

aprendizagem organizacional se faz viável ao se considerar que a renovação está

eminentemente ligada à renovação dos modos de pensar, de se colocar diante das

necessidades de superação dos desafios, da falta de criatividade e do

condicionamento de modelos mecanicistas ou funcionalistas de organização (ETKIN,

2003).

Essa percepção é apontada também por Chanlat et al (2006, p. 359-360)

[...] a característica dos tempos atuais é o sentimento de que a gestão, a empresa e a economia estão sob o efeito de uma grande alteração, sendo que a nova situação caracteriza-se por um forte crescimento da complexidade e da incerteza em todo o mundo [...].

A organização é um sistema complexo de caráter sociotécnico e adaptativo,

em que se conjugam fatores de índole política, cultural, econômica e social. Dessa

forma, a aprendizagem não está restrita à transmissão ou à comunicação de

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informação; necessita ser incorporada às bases de comportamento e de imaginação

para que, então, possam ser produzidos novos saberes (ETKIN, 2003).

Na metáfora de Morin (apud MARIOTTI, 2007), o organismo funciona como

uma máquina físico-química que está permanentemente em troca com o meio. Tal

máquina não está limitada ao funcionamento fisiológico; incluem-se o convívio social

e o econômico. O ser humano dispõe ainda de uma instância mental onde se

encontram os sentidos, as emoções, a subjetividade e a intuição.

Para Morin (2002, p. 265-268), pelo menos doze características sintetizam o

macroconceito de “paradigma”:

1. O paradigma é não falsificável, isto é, está ao abrigo de qualquer

informação-verificação empírica; no entanto, falsificáveis tornam-se as teorias

científicas que dele dependem;

2. O paradigma utiliza-se do princípio de autoridade axiomática. Embora

não se confunda com os axiomas, é o seu fundador; a autoridade do axioma

legitima o paradigma retroativamente;

3. O paradigma dispõe de um princípio de exclusão: aqui, além da

exclusão de dados, enunciados e idéias que não se ajustem a ele, desfaz-se

também daqueles problemas que não reconhece. Dessa maneira, um

paradigma de simplificação (disjunção ou redução) impede o reconhecimento

da existência do problema da complexidade;

4. Aquilo que o paradigma exclui como não existente torna-se um ponto

cego. Assim, segundo o paradigma estruturalista, o sujeito e o devir são

fictícios; de acordo com o paradigma epistemo-estruturalista de Foucault, o

homem não passa de uma invenção epistêmica. Sendo assim, todo discurso

dito humanista desqualifica aquele que o faz;

5. O paradigma é invisível. Situado na ordem inconsciente e na ordem

supraconsciente, é o organizador invisível do núcleo organizacional visível da

teoria, mantendo-se em um lugar invisível. É assim invisível na organização

consciente que controla. “Os nossos discursos conscientes são tanto menos

conscientes do seu conteúdo quanto mais se julgam totalmente conscientes”

(MORIN, 2002, p. 266). É invisível por natureza por ser sempre virtual; o

paradigma nunca é formulado como tal; ele só existe nas suas manifestações.

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6. O paradigma cria a evidência auto-ocultando-se. Como é invisível,

aquele que lhe está submetido, pensa obedecer aos fatos, à experiência, à

lógica, quando, na verdade, é a ele que obedecem em primeiro lugar;

7. O paradigma é cogerador do sentimento de realidade, visto que o

enquadramento conceitual e lógico do que é percebido como real tem a ver

com a determinação paradigmática. Assim, aquele que obedece ao

paradigma da Ordem (soberana) acredita que todos os fenômenos

deterministas são fatos reais e que os aleatórios não passam de ficção, de

aparências;

8. A invisibilidade do paradigma torna-o invulnerável. No entanto, ele tem

um ponto fraco: há, em toda sociedade, em todo grupo, indivíduos desviantes,

anômicos, em relação ao paradigma reinante. Podem-se considerar ainda e

sobretudo, por muito raras que sejam, as revoluções de pensamento, isto é,

revoluções paradigmáticas;

9. Existe a incompreensão e antinomia entre paradigmas, isto é, entre

pensamentos, discursos, sistemas de idéias comandadas por paradigmas

diferentes. Dessa maneia, aquele que situar-se no quadro da oposição

paradigmática capitalismo-socialismo considera ilusório ou enganador tudo o

que insere os dados políticos do Ocidente e do Leste no quadro de uma

oposição paradigmática democracia-totalitarismo e vice-versa. “O pacto Hitler-

Stálin, de 1939, parece puramente circunstancial no quadro do primeiro

paradigma, o qual estabelece uma relação consubstancial entre capitalismo e

nazismo. Em contrapartida, no quadro do segundo paradigma, o pacto é

altamente representativo do parentesco entre os dois totalitarismos” (MORIN,

2002, p. 267);

10. O paradigma está recursivamente ligado aos discursos e sistemas que

gera. Apóia aquilo que o apóia. Como em toda organização recursiva viva, o

gerador tem constantemente necessidade de ser regenerado pelo que gera, e

tem, portanto, necessidade de confirmação, provas, etc. Deve atualizar-se

constantemente com conhecimentos, reconhecimentos, verificações. Assim, o

determinismo tem necessidade de confirmar frequentemente os

determinismos adquiridos e descobrir constantemente novos determinismos.

É a confirmação que se esgota. “É a irrupção não reprimida dos dados ou

argumentos que contradizem as suas leis, que criam as condições prévias

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para uma revolução paradigmática” (MORIN, 2002, p. 267). Assim,

atualmente (início do século XXI), a ordem suprema, soberana absoluta

encontra-se em crise e procura salvar-se, tornando-se constitucional,

tolerante aqui e ali para com desordens pouco importantes, estatisticamente

absorvíveis ou localmente isoláveis;

11. Um grande paradigma determina, via teorias e ideologias, uma

mentalidade, uma mindscape, uma visão de mundo. É por isso que uma

mudança no paradigma se ramifica pelo conjunto do nosso universo, e uma

revolução paradigmática modifica o nosso mundo. As visões do mundo têm

um componente quase alucinatório. Um grande paradigma comanda a visão

da ciência, da filosofia, da razão, da política e da moral;

12. Como atacar algo invisível e invulnerável como um paradigma? Jamais

poderá ser atacado contestado, vencido diretamente. É preciso que sofra

lesões em suas estruturas mais significativas, a partir de frestas, de fissuras,

erosões e corrosões no edifício das concepções e teorias que o sustentam.

Estando fracassadas as restaurações e reformas secundárias, a substituição

é inevitável. É preciso um processo de ida e volta, corrosivo e crítico dos

dados, observações, experiências, para que o desabamento se conclua,

arrastando na queda o paradigma cuja morte poderá, como a vida, manter-se

invisível.

De maneira sintetizada, são apresentados, a seguir, sete princípios do

paradigma da complexidade adaptado por Boeira e Vieira (2006)

1. Sistêmico ou organizacional: conecta o conhecimento das partes ao

conhecimento do todo. A idéia sistêmica é contrária à reducionista.

2. Hologramático: coloca em evidência o aparente paradoxo dos sistemas

complexos, em que a parte está no todo e o todo está na parte;

3. Princípio do anel rotativo: rompendo com o princípio da causalidade

linear entre causa e efeito, permite o conhecimento dos processos de auto-

regulação. A causa, de certa forma, retroage sobre o efeito. Morin (2000)

afirma que, inflacionistas ou estabilizadoras, as retroações são numerosas

nos fenômenos econômicos, sociais, políticos e psicológicos;

4. Princípio do anel recursivo: supera a noção de regulação com a de

autoprodução e auto-organização. Produtos e efeitos são produtores e

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causadores. Os indivíduos humanos, observa Morin (2000), produzem a

sociedade nas e por meio de suas interações, mas a sociedade, enquanto um

todo emergente, produz a humanidade dos indivíduos por meio da linguagem

e da cultura;

5. Princípio da auto-eco-organização: os seres vivos são auto-

organizadores, mas dependem da co-organização dos sistemas naturais, dos

quais extraem energia e informação. Portanto, são auto-eco-organizadores,

equilibrando-se entre autonomia e dependência;

6. Princípio dialógico: permite assumir racionalmente a associação de

noções contraditórias visando conceber um mesmo fenômeno complexo.

Morin (2003) observa que, sob formas diversas, a dialógica entre ordem,

desordem e reorganização, por meio de intermináveis inter-retroações, está

constantemente em ação nos mundos físico, biológico e humano;

7. Princípio da reintrodução daquele que conhece em todo conhecimento:

“da percepção à teoria científica, todo conhecimento é uma

reconstrução/tradução por um espírito/cérebro numa certa cultura e num

determinado tempo”. (MORIN, 2000, p.34)

Essas características são próprias de todos os paradigmas, segundo Morin

(2003), embora reconheça, tal como fez Kuhn (1996), a existência de paradigmas

maiores e menores, ou de menor alcance. Observa-se que, na interpretação de

Morin, os paradigmas incluem aspectos não-racionais, apropriados à sua concepção

do ser humano como homo sapiens-demens, ou seja, racional e não-racional, o que

não representa novidade após a psicanálise, mas um reconhecimento da dimensão

inconsciente como parte indissociável da natureza humana (MORIN, 2003). A obra

deste autor está fundamentada em contribuições da filosofia pré-socrática, da

filosofia moderna e de inúmeras ciências sociais e/ou naturais e exatas. Uma análise

do conjunto da obra de Morin pode ser encontrada em Kofman (1996) e uma síntese

interpretativa dos seis volumes de sua principal obra foi elaborada por Fortin (2005).

Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro podem ser resumidos da

seguinte forma:

1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão. Acompanham o

homem na sua própria evolução, do seu surgimento à contemporaneidade.

Quando se considera o passado, inclusive o recente, percebe-se que foi

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dominado por inúmeros erros e ilusões. Assim, a educação é uma porta que

dá acesso à liberdade para o entendimento. No entanto, em muitas das

ocasiões, tem sido o motivo de limitação do pensamento, o empobrecedor da

crítica que abafa a curiosidade espontânea, o desejo pela descoberta, a

vontade de pensar. Deveria a educação elucidar que não há conhecimento

que não esteja, pelo menos em alguma medida, ameaçada pelo erro e pela

ilusão.

2. Os princípios do conhecimento pertinente: a educação do futuro

confronta-se com uma dificuldade universal de inadequação entre os saberes

desunidos, de um lado, e a realidade dos problemas que apresentam

características multidisciplinares, transversais, multidimensionais,

transnacionais, globais e planetários, de outro. Tornando-se inteligíveis o

contexto, o global, o multidimensional, o complexo (complexo no sentido de

ser tecido junto).

3. Ensinar a condição humana: o ser humano é simultaneamente físico,

biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Mas, paradoxalmente, a unidade

complexa da natureza humana é desintegrada na educação por meio de

disciplinas. A condição humana, segundo o autor, deveria ser o objeto

essencial de todo o ensino. O texto apresenta formas de reconhecer, com

base nas disciplinas atuais, a unidade e a complexidade humanas, reunindo e

organizando conhecimentos das ciências da natureza, das ciências humanas,

da literatura e da filosofia.

4. Ensinar a identidade terrena: a mundialização, no estágio em que se

encontra, traduz-se em um novo objeto, o mundo como tal. Problemas

gerados durante décadas pela própria civilização, agora requerem uma

reflexão: como os cidadãos podem analisar e resolver os problemas gerados

por eles mesmos? Cada parte do mundo assume maiores parcelas de

influência sobre o todo, da mesma maneira que se torna cada vez mais

constituinte da sua parcela.

5. Enfrentar as incertezas: a única certeza que o homem deveria conter

em si mesmo é a possibilidade da incerteza, mesmo diante da mais absoluta

certeza. Diz Morin (2003) que a ciência contribui para que se adquira o

conhecimento da verdade, e não poucas vezes a verdade encontrada trata-se

de zonas de total incerteza. O fim do século XX surge como prova dessa

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afirmativa. Assim, a educação deveria considerar a possibilidade de incluir o

ensino da incerteza a exemplo do que já acontece nas ciências físicas, nas

ciências que consideram a evolução biológica e nas ciências históricas.

Torna-se imprescindível que aqueles que se ocupam com a educação

estejam à frente ante a incerteza de um mundo que revela novos tempos.

6. Ensinar a compreensão: o ser humano tem se deparado com um

problema que se tornou crucial, o problema da compreensão. Diz o autor que

a educação para a compreensão está ausente do ensino instituído. Sustenta

que é necessário estudar a incompreensão a partir de suas causas, suas

modalidades e efeitos; isso implicaria estudar as causas do racismo, da

xenofobia, do desprezo. Esta seria uma das bases mais seguras da educação

para a paz.

7. A ética do gênero humano. Para Morin, a ética não pode ser ensinada

por meio de lições de moral. Deve formar-se nas mentes com base na

consciência de que o humano é, simultaneamente, indivíduo, parte da

sociedade e parte da espécie. Nesse sentido, a ética indivíduo/espécie

necessita do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo, e do indivíduo pela

sociedade, isto é, democracia. A ética indivíduo/espécie conduz à cidadania

terrestre. Diz o autor que o desenvolvimento conjunto da autonomia individual,

da participação comunitária e da consciência de pertencer à espécie humana

é fundamental para ampliar os espaços da democracia bem como para

regenerar a própria democracia existente.

Como complementaridade aos Sete Saberes Necessários à Educação do

Futuro, o já referido relatório de Jaques Delors (2001) aponta perspectivas para a

educação do futuro.

aprender a conhecer, isto é conseguir as ferramentas da compreensão; aprender a fazer, para que se torne viável a sua ação sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, dessa maneira torna-se possível a participação e a cooperação com os outros em todas as atividades humanas; finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as três anteriores (DELORS, 2001, p. 90)

Para Delors (2001), educar não pressupõe “uma bagagem escolar cada vez

mais pesada”. Isso já se tornou inadequado e, com a velocidade das mudanças, até

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mesmo impossível. Necessário se faz que as informações possam ser exploradas de

maneira a tirar o melhor proveito delas do começo ao fim da experiência terrena.

A realidade futura sugere o desenvolvimento da capacidade de “descobrir,

reanimar e fortalecer o seu potencial criativo – revelar o tesouro escondido em cada

um de nós” (DELORS, 2001, p.90). Assim “aprender a conhecer” consiste na

capacidade de dominar o repertório de saberes codificados que foram adquiridos

com o intuito de permitir o melhor emprego delas no meio e como finalidade da vida.

“Aprender a fazer” não está desassociado do “aprender a conhecer”, mas está

mais estreitamente ligado a como ensinar ao aluno a colocar em prática os

conhecimentos adquiridos, sendo capaz de adaptar-se à constante evolução das

profissões e do mundo. O “aprender a fazer” precisa evoluir para além da

significação simplista de ensinar alguém a fazer algo material bem definido.

Necessário é “aprender a comportar-se, eficazmente numa situação de incerteza,

como participar na criação do futuro”. (DELORS, 2001, p.96)

“Aprender a viver juntos”, “aprender a viver com os outros” é, para a

educação, o seu grande desafio na atualidade. Vive-se em uma época de grandes

turbulências e desafiadoras de convívio, face à tamanha violência que se alastra,

opondo-se à idéia de crescimento e evolução moral e ética da humanidade. Sem se

ter a pretensão de encontrar a solução para todos os problemas de conflitos da

humanidade a partir da educação, propõe-se que a educação tenha, pelo menos em

sua pedagogia, a alternativa de fazer com que o aluno conheça a si mesmo, saiba

identificar a sua similaridade como outro e, indo um pouco mais além, que saiba

colocar-se no lugar do outro com o uso da empatia, da compaixão, da não-violência.

“Aprender a ser” implica pensar no ser humano integral. Assim, deverá

desenvolver não apenas o seu intelecto, o seu corpo, mas igualmente deverá

desenvolver a sensibilidade, o sentido estético, a responsabilidade pessoal, e ainda

a sua espiritualidade (DELORS, 2001). “Aprender a ser” tem por objetivo

a realização completa do homem, em toda a sua riqueza e na complexidade das suas expressões e dos seus compromissos: indivíduo, membro de uma família e de uma coletividade, cidadão e produtor, inventor de técnicas e criador de sonhos (DELORS, 2001, p. 101).

Essas aptidões deverão proporcionar ao aluno a autonomia para a construção

dos seus próprios pensamentos, desenvolverem a capacidade de criticar

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construtivamente, sempre pensando no aperfeiçoamento de si mesmo sem que para

isso seja desconsiderado o outro.

2.2 ESTUDOS ORGANIZACIONAIS E ESTUDOS CRÍTICOS

Os estudos organizacionais (ou teoria organizacional) estão abertos às

contribuições interdisciplinares e, de forma crescente, também ao paradigma da

complexidade. Isso ocorre especialmente na perspectiva dos estudos críticos

(ALVESSON; DEETZ, 1998; DAVEL; ALCADIPANI, 2003; BOEIRA; VIEIRA, 2006;

ETKIN, 2003).

A fim de situar o tema cultura organizacional no conjunto dos subcampos do

conhecimento administrativo, o quadro 3 destaca os três principais subcampos:

Subcampos Características

Técnicas ou

metodologias

gerenciais

Idéias para auxiliar o trabalho do gerente. Racionalidade instrumental.

Natureza prescritiva e pragmática do conhecimento.

Exemplos: Organização racional do trabalho (ORT), de Taylor;

Administração por Objetivos (APO), de Drucker; Sistemas ISO.

Áreas

funcionais

Racionalidade instrumental. Natureza prescritiva e pragmática do

conhecimento. Subáreas de especialização da prática administrativa:

marketing, finanças, gestão da produção e gestão de recursos humanos.

Funções básicas da empresa definidas por Fayol: técnicas, financeiras,

contábeis, de segurança, comerciais e administrativas.

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Teoria das

organizações

ou estudos

organizacionais

Organização como objeto central de análise. Distingue-se da TGA (Teoria

Geral da Administração), que inicia com a escola clássica, passando pela

escola de relações humanas, comportamentalista, estruturalista e sistêmica,

até finalizar com a escola contingencialista da Administração.

A Teoria da Organização ou Estudos Organizacionais nasce com H. Simon,

nos anos de 1950. Porém o livro “As Funções do Executivo”, de Chester

Barnard (1938), já antecipa parte dos estudos sobre organizações e seu

contexto, apesar do título indicar o contrário.

Quadro 3: Três Grandes Subcampos do Conhecimento Administrativo Fonte: Elaborado a partir do ensaio de França Filho (2004)

Complementando o quadro acima, observam-se, no quadro a seguir, três

abordagens dos estudos organizacionais ou teoria das organizações. A temática da

cultura organizacional situa-se, principalmente, na terceira abordagem, a dos

estudos críticos:

Abordagens Características

Comportamento

organizacional

Herdeiro da psicologia dominante nos EUA. Vinculado ao paradigma

funcionalista. Trata de temas como motivação, liderança e tomada de decisão

nas organizações.

Estruturalista

(sociologia das

organizações)

Influenciada por sociólogos norte-americanos (Gouldner, Selznick, Merton),

tratam de burocracia e sistemas sociais, orientado pela interpretação que

Parsons fez de Weber.

Vinculada ao paradigma funcionalista.

Estudos críticos

Buscam revelar algumas dimensões da análise organizacional não

percebidas pelo paradigma funcionalista. Têm enfoque interdisciplinar,

promovendo o diálogo entre ciências sociais (antropologia, sociologia,

psicologia, economia, história, ciência política). Tratam de temas como:

gênero, conflito interétnico, poder, ideologia, ética e cultura. Alguns nomes

associados a essa abordagem: Chanlat, Aktouf, Burrel, Morgan, Clegg,

Enriquez, Gaulejack, Girin; no Brasil: Guerreiro Ramos, Maurício Tragtenberg

e Fernando Prestes Motta.

Quadro 4: Principais Abordagens dos Estudos Organizacionais Fonte: Elaborado a partir do ensaio de França Filho (2004)

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Entre os principais autores referenciais da abordagem dos estudos críticos

encontram-se os que concebem as organizações como sistemas culturais, cognitivos

e inclusive como “sistemas epistemológicos”, como é o caso de Guerreiro Ramos

(1981, p. 118). Já entre autores adeptos do paradigma funcionalista (ou disjuntor-

redutor) a cultura organizacional é concebida como recurso, como objeto das

organizações, conforme será visto mais adiante.

Na perspectiva do pensamento complexo, a cultura organizacional é sempre

plural, contraditória, dinâmica, contendo aspectos que a unificam e aspectos que a

fragmentam. Dito de outra forma, no paradigma da complexidade a cultura

organizacional é constituída tanto por aspectos funcionalistas quanto por aspectos

críticos. A abordagem complexa da cultura organizacional parece vinculada

especialmente aos estudos críticos, com enfoque multidisciplinar, interdisciplinar

e/ou transdisciplinar, assim como multiparadigmático e interparadigmático

(VASCONCELOS, 2002, p. 46). Entretanto, sabe-se que grande parte da literatura

que trata da temática da cultura organizacional encontra-se vinculada às abordagens

do comportamento organizacional e da sociologia das organizações.

O subtópico seguinte aborda a contribuição de Guerreiro Ramos.

2.2.1 Estudos críticos na ótica de Guerreiro Ramos

Guerreiro Ramos, na obra A Nova Ciência das Organizações, distingue a

racionalidade instrumental da substantiva, em sua tentativa de superar a obra de

Weber e a Escola de Frankfurt, constituindo-se como um pioneiro da abordagem dos

estudos críticos.

A razão, na antiguidade grega, distinguia entre o bem e o mal, o falso e o

verdadeiro, já que filosofia e ciência estavam indiferenciadas. No sentido moderno, a

razão (que a partir da revolução científica separou as ciências da tradição filosófica)

quer legitimar a sociedade moderna exclusivamente nas bases do utilitarismo,

liberando-se de responsabilidades quanto à opção entre o bem e o mal. Se, por um

lado, isso representou liberdade dos cientistas diante da autoridade da igreja

católica, também representou, por outro lado, início de uma trajetória de

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desenvolvimento científico irresponsável em relação ao contexto social e à ética

humanitária.

Examinando a racionalidade substantiva, Mannheim (apud GUERREIRO

RAMOS, 1981, p.6) define-a como uma percepção inteligente das inter-relações de

acontecimentos que viabiliza uma vida orientada por decisão independente.

Para Guerreiro Ramos, a racionalidade substantiva, diferentemente da razão

instrumental ou utilitária, não é um atributo da sociedade, já que, como razão

independente de suas expectativas de sucesso, é orientada pela consciência

humana e não pela mediação social, que lhe serve de contexto. Conclui afirmando

que a redefinição das ciências sociais e da teoria das organizações deve estar

centralizada na psique humana e que os atuais sistemas sociais têm falhado por

focalizarem primeiramente a sociedade e depois o indivíduo, mantendo a

racionalidade substantiva em segundo plano.

No quadro seguinte, há uma síntese do que o autor denomina traços da

síndrome comportamentalista – a fluidez da individualidade, o perspectivismo, o

formalismo e o operacionalismo – que são pressupostos da teoria dominante

(funcionalista) das organizações.

Caracteríticas da Síndrome Comportamentalista

A fluidez da individualidade está relacionada com uma relatividade moral, que não considera nada

bom ou mau em si mesma, e com a conduta calculista guiada pelas regras objetivas de

conveniência;

O perspectivismo, que envolve a compreensão de que as condutas são afetadas por uma

perspectiva levando cada indivíduo a calcular a visão do outro para manipulá-lo;

O formalismo, que abrange um conjunto de condutas moldadas pelos imperativos externos ao qual

o indivíduo recorre para superar a alienação causada pelo relativismo moral e o egocentrismo;

O operacionalismo, que recorre aos métodos das ciências naturais de características matemáticas

e inspiração positivista como forma de validar e verificar o conhecimento, aderindo a uma

orientação controladora do mundo, inferindo que as coisas são resultados de causas eficientes,

uma vez que interpreta o mundo como um encadeamento de antecedentes e conseqüentes.

Quadro 5: Síndrome Comportamentalista Fonte: Paes de Paula (2004)

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A síndrome comportamentalista é interiorizada, na interpretação que Paes de

Paula (2004) faz de Guerreiro Ramos (1981) sobre os indivíduos de maneira

despercebida, pois atuam sob pressão social para que sejam entronizados,

transformando-se uma segunda natureza; e a organização, refém da própria

síndrome, nada pode fazer para promover a emancipação do indivíduo.

Guerreiro Ramos sustenta que inclusive a escola das relações humanas

passa a adaptar-se aos pressupostos da ciência administrativa condicionada pelo

paradigma funcionalista (disjuntor-redutor), que articula estratégias integracionistas,

visando conciliar metas individuais e organizacionais. Quanto a esse ponto de vista,

Guerreiro Ramos é confirmado por autores contemporâneos, como Omar Aktouf e

Jean-François Chanlat.

Assim, a subjetividade de pessoas engajadas politicamente é pouco tolerável

nas organizações econômicas. Os sistemas sociais que desprezam os aspectos

substantivos normalmente deformam a linguagem e os conceitos através dos quais a

realidade é apreendida. Paes de Paula (2004) sintetiza quatro pontos cegos da

teoria das organizações (quadro 6) ao resgatar a obra de Guerreiro Ramos (1981).

Ponto cego 1

O conceito de racionalidade predominante da teoria organizacional

é fortemente afetado por implicações ideológicas que a fazem

considerar o comportamento econômico como a totalidade da

natureza humana;

Ponto cego 2 Não faz distinção entre o significado substantivo e formal da

organização;

Ponto cego 3 Não tem uma compreensão clara do papel da interação simbólica

no conjunto dos relacionamentos interpessoais;

Ponto cego 4

Tende a não fazer distinção entre trabalho e ocupação, apoiando-

se em uma visão mecanomórfica da atividade produtiva do

indivíduo.

Quadro 6: Pontos cegos da teoria das organizações Fonte: Paes de Paula (2004)

A atenção das organizações tem sido principalmente de ordem econômica,

sendo deixados de lado por muitos teóricos a análise sistemática e acurada da

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variedade de sistemas sociais presentes no espaço macrossocial e organizacional.

Guerreiro Ramos (1981) observa que as organizações econômicas constituem

apenas um caso particular entre os diversos tipos de sistemas microssociais, mas tal

tipo particular tem sido considerado exemplar (paradigma) para os demais tipos,

avançando além das suas fronteiras, especialmente por influência da ciência

administrativa.4 O comportamento administrativo, diz o autor, não pode ser

considerado central na vida humana por ser incompatível com o pleno

desenvolvimento do indivíduo.

Necessário se torna a reformulação da teoria das organizações, nas formas

convencionais, e, para isso, Guerreiro Ramos (op.cit.) propõe um conjunto de

diretrizes (quadro 7):

Diretriz 1

Uma vez que os homens têm diferentes tipos de necessidades, que

requerem múltiplos tipos de cenários sociais, é importante categorizar

esses tipos de sistemas e também formular as condições operacionais

de cada um deles;

Diretriz 2 Diferentes cenários organizacionais requerem diferentes categorias de

tempo e espaço vital;

Diretriz 3

Diferentes cenários organizacionais produzem diferentes sistemas

cognitivos; o comportamento administrativo é apenas um caso particular

de um tipo específico de organização, que é a organização econômica;

Diretriz 4

Esses diferentes cenários organizacionais se inter-relacionam no

contexto geral da tessitura da sociedade, requerendo uma abordagem

substantiva do planejamento dos sistemas sociais.

Quadro 7: Diretrizes para a reformulação da teoria das organizações Fonte:Paes de Paula (2004)

Sempre que o mercado for considerado como a principal categoria para dirigir

a ordenação dos negócios pessoais e sociais, manter-se-ão os sistemas sociais

4 É sintomático que este ponto de vista seja confirmado e analisado em profundidade na obra intitulada Pós-

globalização, administração e racionalidade econômica: a síndrome do avestruz, de Omar Aktouf, em 2004 –

portanto vinte e três anos depois de Guerreiro Ramos.

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controlados sob o formato unidimensional. A proposição de Guerreiro Ramos é a de

que seja desenvolvido um modelo multidimensional, em que o mercado seja

considerado legítimo e necessário, embora considerado apenas um enclave entre

outros.

Guerreiro Ramos apresenta o que denomina categorias delimitadoras, ou

seja, tipos possíveis e realmente existentes de sistemas sociais.

Definição Características

Economia

Contexto organizacional

altamente ordenado, como os

monopólios, as firmas

competidoras e as organizações

sem fins lucrativos que se

voltam para a produção de bens

ou serviços.

a) Os clientes para os quais produz bens e/ou

presta serviços têm influência direta ou indireta

no planejamento e execução de suas

atividades;

b) A sobrevivência está condicionada à

eficiência com que produz bens e/ou presta

serviços para os clientes;

c) Em geral, assumem grandes dimensões de

tamanho e complexidade;

d) Os membros são detentores de empregos e

avaliados como tais;

e) A circulação de informações é condicionada

pelos interesses pessoais ou empresariais.

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Isonomia

Contexto organizacional no qual

todos os membros são iguais,

como as associações de

estudantes e minorias, as

empresas de propriedade dos

trabalhadores, algumas

associações artísticas e

religiosas, associações locais de

consumidores e grupos de

cidadãos

Interessados em assuntos e

problemas da comunidade, por

exemplo.

a) Tem como objetivo essencial permitir a

atualização dos membros, baseada em

prescrições mínimas, estabelecidas por

consenso;

b) É autogratificante, pois indivíduos

livremente associados desempenham

atividades compensadoras em si mesmas;

c) As atividades são promovidas como

vocações e não como empregos;

d) O sistema de tomada de decisões e de

fixação de diretrizes políticas é abrangente,

não diferenciando entre líderes e liderados;

e) Sua eficácia está condicionada à

prevalência de relações interpessoais primárias

entre seus membros.

Fenonomia

Sistema social “...mais ou

menos estável, iniciado e

dirigido por um indivíduo ou

pequeno grupo, que permite aos

seus membros o máximo de

opção pessoal e um mínimo de

subordinação a prescrições

operacionais formais.”

(GUERREIRO RAMOS, 1983

[1981]: p.152)

É o caso de oficinas de artistas,

escritores, jornalistas, inventores

e outros que trabalham por

conta própria.

a) Constituição de um ambiente onde as

pessoas possam liberar sua criatividade, que

seja estabelecido com plena autonomia;

b) Membros se engajam em obras

automotivadas, que consideram relevantes em

termos pessoais;

c) Trata-se de um cenário social protegido do

mercado: a comercialização de seus produtos

é consequência e não finalidade;

d) Apesar de interessados em suas próprias

singularidades, seus membros têm consciência

social.

Quadro 8: Categorias delimitadoras Fonte: Paes de Paula (2004)

Guerreiro Ramos (1981, p. 141) denomina paradigma paraeconômico,

sugerindo a necessidade de um novo modelo alocativo, que considere não apenas

as atividades remuneradas, mas também as não remuneradas, entendendo que o

indivíduo que produz não é apenas e somente aquele que detém um emprego.

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Na seqüência, visando-se complementar esta abordagem de Guerreiro

Ramos, serão apresentadas três das mais destacadas perspectivas de cultura

organizacional, a partir da revisão bibliográfica de Martin e Frost, feitas entre a

segunda metade da década de 1990 e o início do século atual.

2.2.2 Perspectivas de cultura organizacional

Martin e Frost (2001) utilizam a metáfora do rei da montanha, inspirando-se

em um jogo para crianças, para ilustrar o que denominam jogos de guerra da cultura

organizacional: a luta pelo domínio intelectual. Destacam na revisão bibliográfica

internacional três perspectivas que lutam pela hegemonia desse campo de estudos:

a) integração; b) diferenciação; c) fragmentação (MARTIN; FROST, 2001;

MASCARENHAS et al, 2004; MARTIN, 1992).

A primeira perspectiva compreende a cultura como uma variável

organizacional, algo que pode ser administrado. Trata-se de um enfoque

funcionalista, que tende a excluir a ambigüidade e a complexidade do processo

cultural, visando à integração cultural por meio de consenso. A preocupação dos

administradores seria a de desenvolver tecnologias gerenciais para intervir na

realidade cultural das organizações, visando ao aumento de produtividade e

vantagem competitiva. Devido a essas características, é, sem dúvida, a abordagem

mais popular que vem se renovando por intermédio de parcerias entre universidades

e empresas (MASCARENHAS et al, 2004, p. 205). Os críticos denominaram essa

abordagem cultural de Engenharia de Valor, porque os autores tiveram a ousadia de

afirmar que líderes culturais eficientes poderiam criar culturas fortes em torno de

seus próprios valores (MARTIN E FROST, 2001, p. 223).

A segunda perspectiva é a que enfatiza a diferenciação de subculturas. Os

pesquisadores identificados com esse enfoque partem, geralmente, do

interacionismo simbólico e da antropologia interpretativa – ou seja, de variantes da

fenomenologia –, compreendendo a cultura como algo que as organizações são, e

não algo que elas têm. Por outras palavras: as organizações seriam concebidas

como sistemas de valores socialmente construídos e as culturas como grupos de

princípios cognitivos, redes de significados, crenças e valores. Trata-se de uma

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abordagem que sinaliza a possibilidade de uma mudança paradigmática nas

organizações pelo reconhecimento da diversidade interna, expressa em subculturas.

Nesse enfoque, a ambiguidade, os conflitos e a complexidade são reconhecidos,

embora os consensos sejam admitidos no âmbito das subculturas. Assim, do ponto

de vista de diferenciação, a cultura organizacional não é unitária; é uma conexão

(nexus) em que as influências ambientais se cruzam, construindo conjuntos de

subculturas que se sobrepõem e que encontram alojamento dentro das fronteiras

permeáveis da organização (MARTIN E FROST, 2001, p. 227).

A terceira perspectiva, a da fragmentação, focaliza a ambiguidade, a falta de

consenso, a multiplicidade de interpretações, não sendo admitida a formação de

subculturas. Enquanto nesse último caso há uma preocupação claramente

descritiva, na segunda abordagem destaca-se o interesse na crítica, e na primeira

perspectiva a ênfase está no interesse gerencialista, instrumental.

Estudos recentes e abrangentes sobre a bibliografia especializada em cultura

organizacional em contexto escolar, produzidos por Torres (2005; 2007; 2008),

confirmam a influência das três perspectivas, acima sintetizadas, como

“modalidades” de “apreensão da cultura organizacional escolar”. A autora manifesta

um posicionamento crítico compatível com abordagens multidisciplinares:

Não obstante a diversidade de trabalhos produzidos em diferentes contextos escolares, a edificação de um modelo teórico para a análise da cultura organizacional da escola ainda se encontra comprometida pelo tradicional fechamento disciplinar dos estudos e pelos limites temporais e lógicas institucionalmente impostas aos projetos de investigação (TORRES, 2007, p. 168).

Em sua última pesquisa sobre a temática, Torres (2008, p. 53) constatou que,

em três bases de dados, mais de 50% dos estudos recenseados “adotaram a

perspectiva integradora”, deixando clara a “supremacia desta corrente na

abordagem dos fenômenos culturais nas organizações”.

A seguir, será introduzida a noção de representações sociais, visando-se

complementar a abordagem da cultura organizacional.

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2.2.3 Representações sociais

A noção de representações sociais é das mais debatidas em ciências sociais,

conforme é possível constatar pelo volume de publicações em psicologia social,

sociologia, antropologia e, mais recentemente, também nos estudos organizacionais

(MOSCOVICI, 2004; JOVCHELOVITCH, 2008; SCHULZE et al. 2002). A utilidade

desta noção, aqui, ocorre por meio do enfoque inter e transdisciplinar, e mesmo

multidimensional, da cultura-natureza humana, o que complementa e reforça o

referencial teórico-paradigmático que tem sido apresentado.

Diz Jovchelovitch (2008) que a famosa frase de Descartes – “Penso, logo

existo” – produziu um forte impacto, inaugurando a “era representacional”.

De Descartes nós herdamos a noção de representação como desincorporada e a-social. Esta concepção emergiu como parte de um conjunto mais amplo cuja idéia central era a separação, na verdade o corte radical entre o sujeito e o mundo. [...] Ela permitiu a emergência do individualismo como nós o conhecemos e o aparecimento de um novo vocabulário preocupado com a descrição e o entendimento de um espaço psicológico interno, íntimo, onde fosse possível localizar a experiência do sujeito individual. (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 46).

A autora também observa que a teoria da mente de Locke reforçou o

processo, levando o sujeito para longe de si mesmo, expulsando da representação

suas dimensões subjetivas e intersubjetivas.

A dupla separação entre Eu e mundo e entre Eu e si mesmo ocasionou uma dupla cisão: ela não apenas privou a representação de suas origens humanas e do seu contexto de produção, mas também, e com igual importância, desumanizou radicalmente o sujeito da representação (Ibid., p. 51).

A representação social, contemporaneamente, é concebida como uma noção

que articula aspectos cognitivos, individuais e sociais. Desde a infância, no confronto

entre o princípio do prazer e o princípio da realidade (Freud), a representação

simbólica emerge como mediação entre o Eu e o mundo, e, mais tarde, na vida

adulta, como mediação entre o Eu e o si mesmo.

Jovchelovitch argumenta que (2008, p. 21) que

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No centro deste esforço está a análise da representação, entendida como uma forma dialógica gerada pelas inter-relações eu/outro/objeto-mundo. A representação, eu busco demonstrar, está na base de todos os sistemas de saber e compreender sua gênese, desenvolvimento e modo de concretização na vida social nos fornece a chave para entender a relação que amarra o conhecimento à pessoa, as comunidades e mundos da vida. É por meio da representação que podemos compreender tanto a diversidade como a expressividade de todos os sistemas de conhecimento.

Moscovici introduziu o conceito de representação social em um estudo

pioneiro sobre as maneiras pelas quais a psicanálise penetrou o pensamento

popular na França (La Psicanalyse: Son image et son public, 1961). Trata-se de um

conceito, mas também de um fenômeno e de uma teoria que inclui aspectos sociais

e psicológicos. O autor se filia a uma corrente de pensamento sociopsicológico.

Durante décadas houve hostilidade de parte dos psicólogos ao chamado

sociologismo, assim como houve hostilidade de parte dos sociólogos ao chamado

psicologismo. Moscovici construiu uma teoria inter e transdisciplinar apesar destas

posturas exclusivistas.

A ciência mista que surgiu desta iniciativa coloca a idéia de representação

social no lugar da idéia de razão. Dessa forma, entende-se que o conhecimento seja

algo não apenas racional, mas também irracional, representando percepções,

interesses, necessidades, desejos, frustrações, etc.

Durkheim concebia as representações coletivas como formas estáveis de

compreensão coletiva, com o poder de integrar grupos e a sociedade como um todo.

Moscovici, com o conceito de representações sociais, buscou explorar a variação e a

diversidade das idéias coletivas nas sociedades modernas. Essa diversidade reflete

a falta de homogeneidade nas sociedades modernas, com diferenças que refletem

distribuição desigual de poder e, portanto, uma heterogeneidade de representações

sociais. Disto resulta, por exemplo, que as representações sociais de dirigentes e

dirigidos, numa organização, sejam diferentes, já que estão vinculadas a distintos

recursos usados para exercer suas influências mútuas.

De acordo com Jovchelovitch (2008), o conceito de representações sociais é

uma transformação psicossocial do conceito durkheimiano de representações

coletivas. Mas ambos os conceitos remetem ao conhecimento sobre o que torna um

agrupamento de pessoas uma comunidade.

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A partir do conceito de representações coletivas, Moscovici formulou características centrais das representações sociais, em particular a dimensão que se refere ao seu caráter material, ao fato de que elas constituem um ambiente, ainda que simbólico. O caráter material das representações sociais se deve a que elas são fatos sociais no sentido durkheimiano do termo. [...] Embora o conceito psicossocial de representações sociais tenha perdido muito da natureza claustrofóbica das representações coletivas de Durkheim, Moscovici conservou seu caráter de fato social, sua força material e o poder de ambientes simbólicos para resistir à mudança e solidificar-se por meio de processos de institucionalização (JOVCHELOVITCH, 2008, p. 97, 98).

Moscovici sustenta que todas as interações humanas, sejam entre duas

pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações. Estas surgem inclusive

entre pessoas e coisas que se tornam familiares. A informação que é recebida e à

qual uma pessoa tenta dar um sentido requer representação, ou seja, aquilo que é

fruto de uma familiarização do que era estranho. Para o autor,

pessoas e grupos criam representações no decurso da comunicação e da cooperação. Representações, obviamente, não são criadas por um indivíduo isoladamente. Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem. Como conseqüência disso, para se compreender ou explicar uma representação, é necessário começar com aquela, ou aquelas, das quais ela nasceu. [...] Quanto mais sua origem é esquecida e sua natureza convencional é ignorada, mais fossilizada ela se torna. O que é ideal gradualmente torna-se materializado. Cessa de ser efêmero, mutável e mortal e torna-se, em vez disso, duradouro, permanente, quase imortal. Ao criar representações, nós somos como o artista, que se inclina diante da estátua que ele esculpiu e a adora como se fosse um deus (MOSCOVICI, 2003, p. 41).

Nessa dissertação, entretanto, não está incluída a pretensão de uma

abordagem aprofundada de tal teoria. A idéia é fazer uma aproximação (e não uma

articulação teórica stricto sensu) da noção de representações sociais com o

pensamento complexo, a abordagem dos estudos críticos e as principais

perspectivas sobre cultura organizacional. Com efeito, é possível perceber que há

uma convergência entre tais enfoques, partindo-se da idéia mais abrangente, a de

paradigma da complexidade. A noção de representações sociais focaliza

especialmente as ciências sociais, embora não faça uma disjunção entre estas e as

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ciências naturais. Por outro lado, é possível conceber representações sociais dos

mais variados tipos, mais vinculados à razão instrumental ou substantiva, mais

vinculados à perspectiva da integração, da diferenciação ou da fragmentação.

As representações sociais podem assumir tanto aspectos de doutrinas, ou

sistemas muito fechados, quanto aspectos de sistemas ideológicos, também

tendentes ao fechamento e à racionalização, ou de aspectos teóricos, mais voltados

para a racionalidade, para a crítica que requer também auto-exame, autocrítica, ou

crítica intersubjetiva. Esta última é própria da ciência e da filosofia quando não se

degradam em formas ideológicas. Tanto Moscovici quanto Morin apresentam

conceitos que ultrapassam fronteiras disciplinares e são críticos de concepções de

ciência que não dialogam entre si. Enquanto Moscovici buscou embasamento de

suas idéias em pesquisas empíricas e nas ciências humanas, principalmente a

psicologia e a sociologia, Morin buscou apoio tanto de pesquisas empíricas quanto

de ciências humanas, da filosofia e de ciências naturais.

A seguir, pretende-se definir os aspectos da metodologia da pesquisa.

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3 METODOLOGIA DA PESQUISA

A chamada metodologia não se restringe à forma da metodologia da

pesquisa. É razoável considerar que há um conjunto de metodologias com suas

particularidades. Para Teixeira (2005, p. 13), esse conjunto constitui-se de três

metodologias: a) acadêmica; b) da ciência; c) da pesquisa. A metodologia

acadêmica é aquela que trata das formas de estudar, da leitura, da escrita, da

apresentação de trabalhos e da absorção das normas e regras que as constituem.

Já a metodologia da ciência atenta para os tipos de conhecimento, dos paradigmas,

do estudo crítico das várias ciências, o que se denomina epistemologia. Por último, a

metodologia da pesquisa, que trata dos tipos de pesquisa, seus métodos e técnicas.

3.1 ASPECTOS DA METODOLOGIA QUALITATIVA

A noção de metodologia traz consigo um conjunto de técnicas que, de acordo com

a influência do paradigma disjuntor-redutor, predomina na ciência desde o século XVII

e pode apresentar limitações.

[...]a palavra método deve ser concebida fielmente em seu sentido original, e não em seu sentido derivado, degradado, na ciência clássica; com efeito, na perspectiva clássica, o método não é mais que um corpus de receitas, de aplicações quase mecânicas, que visa a excluir todo sujeito de seu exercício. O método degrada-se em técnica porque a teoria se tornou um programa. Pelo contrário, na perspectiva complexa, a teoria é engrama, e o método, para ser estabelecido, precisa de estratégia, iniciativa, invenção e arte. O método, gerado pela teoria, regenera-a. O método é a práxis fenomenal, subjetiva, concreta, que precisa da geratividade paradigmática/teórica, mas que, por sua vez, regenera esta geratividade. Assim, a teoria não é o fim do conhecimento, mas um meio-fim inscrito em permanente recorrência.[...] ( MORIN, 1998, p. 335)

O método fenomenológico ou interpretativo (MOREIRA, 2002), que serve de

base à pesquisa qualitativa, é parcialmente identificado com o paradigma da

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complexidade, e se distingue claramente do método experimental, quantitativo ou

positivista, que se enquadra no paradigma disjuntor-redutor.

Apresentam-se, resumidamente, as características da pesquisa qualitativa, a

partir da contribuição de Moreira (2002, p. 57)

a) Um foco na interpretação que os próprios participantes têm da situação em estudo; b) ênfase na subjetividade, em vez da objetividade: aceita-se que a busca da objetividade é um tanto quanto inadequada, já que o foco de interesse é justamente a perspectiva dos participantes; flexibilidade na condução da pesquisa, já que o pesquisador trabalha com situações complexas, que não permitem a definição exata e a priori dos caminhos que a pesquisa irá seguir; d) orientação para o processo e não para o resultado: a ênfase está no entendimento e não num objetivo predeterminado, como na pesquisa quantitativa; e) preocupação com o contexto, no sentido de que o comportamento das pessoas e a situação ligam-se intimamente na formação da experiência; f) reconhecimento do impacto do processo de pesquisa sobre a situação de pesquisa: admite-se que o pesquisador exerce influência sobre a situação de pesquisa e é por ela também influenciado.

Com base nessas características da pesquisa qualitativa, pretende-se

compreender a formação do administrador a partir das representações sociais sobre

a experiência do curso de graduação em Administração, nível de bacharelado, do

Instituto Superior Tupy, em parceria como a Fundação Getúlio Vargas.

Ainda de acordo com Moreira (2002, p. 46), os procedimentos metodológicos

básicos apropriados para esse tipo de estudo podem ser a observação participante,

observação e entrevistas abertas.5

Para Godoi e Balsani (2006) a pesquisa qualitativa abarca, em sua

metodologia, várias maneiras de se pesquisar em uma tentativa de ajudar a

compreender e explicar os vários aspectos do fenômeno social, com o cuidado de se

estar sempre o mais próximo possível do ambiente natural dos atores pesquisados.

5 A propósito, foram excluídas dessa versão a transcrição integral das entrevistas (224 páginas). Tal transcrição foi feita com o propósito de viabilizar uma análise técnica da banca examinadora da dissertação. O conteúdo poderá ser utilizado futuramente em artigos, desde que devidamente contextualizada e interpretada.

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3.2 METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para o cumprimento dos objetivos propostos, o roteiro a seguir serviu como

guia.

Objetivo 1:

Relacionar valores educacionais sobre

o perfil do administrador na

documentação oficial do curso e da

SOCIESC (Projeto Pedagógico) ao

referencial paradigmático e teórico;

Procedimentos:

Pesquisa documental:

- Analisar o projeto pedagógico;

- Planos de Ensino;

- Planos de aula;

Objetivo 2:

Identificar, nas representações sociais

de professores, coordenação e alunos,

aspectos relacionados, direta ou

indiretamente, ao referencial

paradigmático e teórico.

Procedimentos:

Entrevistas individuais e semi-estruturadas com a

coordenadora do curso, com professores do curso e

com alunos do sétimo período de administração.

Como complemento: uso da técnica de grupo focal

com um grupo de professores.

Quadro 9: Objetivos Específicos e Procedimentos de Pesquisa

Entendendo que as teorias não são sistemas estáticos, o pesquisador deve

estar atento e mantendo-se em certo grau de lucidez que lhe permita interpretar o

fenômeno pesquisado, o que lhe dará autonomia e vida própria para seguir em

frente com seus estudos e pesquisas. Quando isso não acontece, diz Rey (2005, p.

30), “é admitir que a pesquisa converte-se em uma seqüência técnica de aplicação

de procedimentos que exclui o intelecto do pesquisador como fonte para a produção

do conhecimento”. Torna-se um autômato, desprovido da capacidade de refletir,

criar, inovar e recriar a partir das próprias interpretações. Assim, continuará a ler o

mundo apenas pela escrita alheia.

O recurso da entrevista é uma das técnicas mais frequentemente utilizadas

para a coleta de dados nas pesquisas humanas, diz Vasconcelos (2002, p. 220). A

entrevista resgata o que se chama de “o caráter dinâmico do compreender, perdido

ou suprimido tanto pela tradição empirista quanto pela metafísica ideacional

ocidental” (GODOI et al., 2006, p. 302).

As entrevistas seguiram a característica focalizada ou semi-estruturada.

Como roteiro para a execução das entrevistas foi utilizado os saberes propostos por

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Morin (2001): As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; os princípios do

conhecimento pertinente; ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrena;

enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão; a ética do gênero humano e

respectivas categorias que estão apresentadas de maneira detalhada no quadro 10

da página 66 em que se trata das categorizações de análise.

Embora haja a característica de liberdade, esta modalidade de entrevista

tenta manter-se no tema especificado, cabendo ao entrevistador ater-se ao diálogo.

Um esforço para esta permanência é necessário, ao mesmo tempo em que a

naturalidade do diálogo deva ser preservada, sem que se deixem de lado os

objetivos da entrevista. Evitar dispersão do entrevistado e simultaneamente evitar

que o mesmo se sinta intimidado requer cordialidade, habilidade e paciência, o que

torna o ato de entrevistar um desafio.

Trivinõs (1987) explica que, ao mesmo tempo em que valoriza a presença do

investigador, essa modalidade de entrevista (focalizada) oferece todas as

perspectivas possíveis para que o informante sinta-se em sua plena espontaneidade

e liberdade tão necessárias para que se consiga a rica contribuição no ato de

investigar.

Há, porém, nessa modalidade de pesquisa qualitativa, fatores que inibem ou

facilitam o processo de pesquisa. Dos fatores inibidores, duas ordens são descritas

por Valles (apud GODOI, et al., 2006, p. 311):

Os primeiros estão associados à própria falta de vontade, ou disponibilidade comportamental ou emocional do entrevistado: falta de tempo; a ameaça do eu; a etiqueta; o trauma. A outra ordem de fatores inibidores apresentada por Godoi e Mattos não está ligada aos aspectos comportamentais ou emocionais, mas à incapacidade relativa do entrevistado para comunicar a informação, fantasiando o evento, tornando a resposta confusa e sem seqüência cronológica. (VALLES apud GODOI, et al., 2006, p. 311)

Para que o processo de entrevista flua de maneira natural, o pesquisador, na

tentativa de conseguir explorar ao máximo o contexto da pesquisa, deverá firmar

com o(s) entrevistado(s) o que Godoi e Mattos (2006) chama de acordo inicial. Esse

acordo é uma espécie de contrato, o entrevistador compromete-se com o

entrevistado a esclarecer os motivos e as intenções da pesquisa, assegurando-lhe o

anonimato, explicando-lhe a logística e ainda comprometendo-se a fornecer a

devolução das informações.

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O pesquisador depara-se, ainda, nessa tentativa de manter vivo e natural o

diálogo como processo de pesquisa, com a dificuldade de manter uma sequência de

abordagem lógica e passível de conclusões.

A habilidade do entrevistador reside em conduzir a fala, omitindo-se ao máximo em conduzir o sujeito, em emitir opiniões, independentemente do uso auxiliar de roteiros e guias (GODOI et al., 2006, p. 313 - 314).

E ainda a resposta para essa modalidade de pesquisa qualitativa tem relação

direta com a habilidade e sensibilidade do pesquisador, desde a sua proposta de

questões a serem aplicadas, sua vivência anterior até como se veste, se movimenta,

se comunica com o entrevistado.

Silveira (apud GODOI et al.,2006, p. 321) apresenta ao entrevistador o que

chama de pistas de ações para a eficiência na captação dos dados.

São elas: seja empático, não sugira respostas, respeite o entrevistado, não o interrompa, não o intimide, estabeleça um clima de confiança, utilize uma linguagem próxima à dele eliminando palavras técnicas eruditas ou, por outro lado, as de baixo calão, seja flexível, minimize a presença do gravador, procure falar menos do que ele, mas insista no que quer – tudo sob a égide de uma maior eficiência do partejar da palavra alheia e do direcionamento dessa palavra para os objetivos de captação de dados fidedignos. (SILVEIRA, apud GODOI et al.,2006, p. 321)

Além da entrevista, e inclusive como pré-requisito para a mesma, fez-se a

consulta a documentos organizacionais, leis e regulamentos pertinentes ao tema

estudado. Trata-se, portanto, de uma pesquisa documental que para Godoy (1995)

refere-se ao exame de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico,

ou que podem ser reexaminados com o objetivo de uma interpretação nova ou

complementar.

A amostragem foi intencional não probabilística, com vistas a responder à

questão formulada. Em face desta escolha, foram entrevistados: o coordenador(a)

do curso, professores envolvidos com o curso de administração, e os alunos que se

encontravam no 7o período. As entrevistas estenderam-se ainda àquelas pessoas

que estiveram diretamente envolvidas com o processo de construção do projeto

pedagógico do curso de administração da instituição em estudo. A escolha dessas

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pessoas está associada à idéia de que são elas as que melhor poderão traduzir os

resultados do objeto em estudo.

Para Minayo (2004, p. 197), os pesquisadores tendem a encontrar três

grandes obstáculos quando partem para a análise dos dados recolhidos no campo.

O primeiro deles, chamado de “ilusão da transparência”, é a falsa idéia de que o real

apresenta-se nitidamente ao observador. Essa ilusão tende a ser maior tanto quanto

maior for a familiaridade do pesquisador com o objeto de pesquisa. O segundo

obstáculo trata da atenção que o pesquisador deve manter em mente para que não

sucumba à magia dos métodos e das técnicas, esquecendo-se do principal, ou seja,

a fidedignidade às significações presentes no material e referente às relações

sociais dinâmicas. O terceiro obstáculo, bastante comum quando empregado na

interpretação dos trabalhos empíricos, está na dificuldade de juntar a teoria e os

conceitos muito abstratos aos dados colhidos no trabalho de campo. Isso ocorre

sempre que a elaboração da teoria fica distante das descrições, geralmente

marcadas pela “ilusão da transparência”.

Conforme Minayo (Ibid., p. 197), uma análise do material recolhido buscou

atingir pelo menos três objetivos

a)Ultrapassagem da incerteza em que se deve fazer as seguintes interrogações: o que eu percebo na mensagem estará lá realmente como as percebo? Minha leitura será válida e generalizável? b) Enriquecimento da leitura: um esforço deverá ser empregado para que seja ultrapassado o olhar imediato, no intuito de compreender as significações e descobrir quais os conteúdos e estruturas latentes. c) Integração das descobertas que vão além do aparente.

Sendo a pesquisa bibliográfica a atividade de localização e consulta de fontes

diversas de informação escritas para coletar dados gerais ou específicos a respeito

de um tema (cf. LIMA apud ENIEL, 1997), a pesquisa bibliográfica, neste estudo

utilizou-se de artigos, documentos da IES estudada, além de livros, dicionários,

enciclopédias, periódicos, resenhas, monografias, dissertações, teses, apostilas,

boletins, entre outros.

A partir da pesquisa documental, foi possível examinar documentos como o

projeto político institucional e o projeto pedagógico do curso que trouxeram

contribuições para compreender o desenvolvimento da formação do administrador

em estudo. A acessibilidade a alguns desses documentos, durante e depois das

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entrevistas, permitiu que se chegasse a constatações e conclusões, as quais, sem

esse acesso, tornaria ainda mais difícil o trabalho de pesquisa. Conforme descreve

Bayley (apud GODOY, 2006) a pesquisa documental não se limita a uma única

maneira de registro escrito – toma a amplitude de recortes de jornais e outros textos

publicados, cartas, memorandos, documentos administrativos, por exemplo.

A utilização da entrevista em profundidade – focus group – contribuiu como

instrumento para perceber a interação do grupo pesquisado. O focus group é

particularmente apropriado quando o objetivo é explicar como as pessoas

consideram uma experiência, uma idéia, ou um evento, diz Freitas e Oliveira (2006).

A flexibilidade percebida nessa técnica de coleta de dados normalmente não é

possível em toda a sua potencialidade quando comparada às entrevistas individuais.

A base que norteou as entrevistas seguiu a categorização descrita abaixo.

Embora possa reduzir e limitar a amplitude das interpretações e do próprio processo

de entrevista, essa categorização não deixou de ser útil e importante para o roteiro

de entrevistas.

3.2.1 Categorias de análise e interpretação

O conjunto de conceitos e definições apresentados no referencial teórico-

paradigmático foi relevante para a análise e a interpretação das representações

sociais a respeito da experiência e documentos do curso de administração da

SOCIESC. O destaque, entretanto, coube aos sete saberes e suas categorias

específicas, que foram consideradas relevantes para a seleção dos trechos mais

representativos dos depoimentos. O quadro a seguir apresenta sumariamente tais

saberes e categorias.

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Sete saberes e suas categorias específicas

As cegueiras do conhecimento: o

erro e a ilusão.

- A vulnerabilidade do conhecimento pelo erro e

pela ilusão;

- Os erros mentais;

- Os erros intelectuais;

- Os erros da razão;

- As cegueiras paradigmáticas;

- O Imprinting e a normalização;

- A noologia: possessão;

- O inesperado;

- A incerteza do conhecimento.

Os princípios do conhecimento

pertinente

- A percepção do contexto;

- O global (a relação entre o todo e a parte);

- A antinomia (fragmentação dos contextos);

- A redução e a disjunção.

Ensinar a condição humana

- O paradoxo da ignorância do todo versus o

avanço do conhecimento das partes;

- O humano do Humano: Unidualidade;

- O circuito indivíduo/sociedade/espécie

Ensinar a identidade terrena

- A era planetária;

- O legado do século XX;

- Os novos perigos;

- A identidade e a consciência terrena.

Enfrentar as incertezas

- Enfrentar as incertezas;

- A imprevisibilidade em longo prazo

-O desafio e a estratégia;

Ensinar a compreensão

- O ruído de transmissão;

- A compreensão contrária ao seu sentido

enunciado;

- A ignorância dos ritos;

- O egocentrismo;

- O espírito redutor;

- A interiorização da tolerância;

- A compreensão, ética e cultural planetária

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A ética do gênero humano

- O circuito indivíduo/sociedade: ensinar a

democracia;

- A dialógica democrática

- A humanidade como destino planetário

Quadro 10: categorização para entrevista Fonte: MORIN 2001

O conjunto destes saberes e categorias serviram como guia para as

entrevistas e para a análise de documentos da SOCIESC. Não serviram para uma

busca de classificação disjuntora-redutora de representações sociais, já que o

referencial teórico-paradigmático permitiu fazer a crítica deste procedimento em sem

se tratando de pesquisas qualitativas. É na voz dos entrevistados que surgem os

saberes e então torna-se possível compreender quais destes saberes tornam-se

evidentes na sua formação.

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4 RESULTADOS, DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO

Antes de se iniciar o trabalho com a análise do projeto político pedagógico,

deseja-se apresentar que o estudo em questão visa também a refletir sobre algumas

alternativas a partir do pensamento complexo (tal como proposto por Edgar Morin),

alternativas emergentes no contexto da crise universitária (tomando por base a

análise de Boaventura de Souza Santos, entre outros), evidentemente sem qualquer

pretensão de esgotar temática tão ampla; trata-se, antes, de apresentar alguns

questionamentos e rumos a partir de iniciativas e experiências já existentes.

As chamadas exigências do mercado têm influenciado profundamente as

formas de administração das universidades, no contexto da globalização. Tal

influência apresenta-se, por exemplo, na ênfase sobre a capacitação do corpo

docente, na estruturação de conhecimentos voltada para resultados quantificáveis e,

por consequência, na própria transmissão desses conhecimentos aos acadêmicos.

A crescente e redobrada pressão política, social e econômica, exercida sobre a instituição escolar, coagindo-a a adaptar-se aos modelos de administração e gestão tipicamente empresariais para poder dar conta das novas exigências ditadas pelo mercado de trabalho, arrastou consigo todo um movimento investigativo que passa a colocar no centro das suas prioridades teóricas o estudo das dimensões culturais da escola, fundamentalmente numa perspectiva gestionária e instrumental (TORRES, 2007, p.156).

De fato, a crise universitária e da educação em geral é um tema que

compreende aspectos mercadológicos, pedagógicos, políticos, econômicos,

epistemológicos, éticos, entre outros. É uma crise ampla, profunda e complexa.

Passa-se a tratar a seguir do projeto político pedagógico do curso de

administração do IST/SOCIESC, entendendo que o pensamento linear-cartesiano, o

taylorismo, o fordismo e demais formas convencionais de administração de

organizações típicas da sociedade industrial têm sido aplicadas nas escolas e

universidades, como que para manter a ordem previsível dos resultados para o

cumprimento das demandas mercadológicas.

Morin (2000, p. 21) diz que o desenvolvimento do conhecimento científico é

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Poderoso meio de detecção dos erros e de luta contra as ilusões. Entretanto, os paradigmas que controlam a ciência podem desenvolver ilusões, e nenhuma teoria científica está imune para sempre contra o erro. Além disso, o conhecimento científico não pode tratar sozinho dos problemas epistemológicos, filosóficos e éticos (MORIN, 2000, p.21).

A análise do projeto pedagógico do curso manterá o seu foco no marco

filosófico, sem deixar, porém, de caracterizar a constituição do curso em sua

estrutura curricular por período de formação como forma de enriquecer a

compreensão das informações que nos foram transmitidas por ocasião das

entrevistas.

A análise dos dados seguiu a orientação dos dez princípios adotados por

Tesch (1990, apud Godoi, 2006), em que os segmentos de dados devem ser

categorizados conforme tenha sido organizado a partir dos dados. Devendo ser

agrupados de acordo com a característica de cada categoria, física ou

conceitualmente, tendo como a principal ferramenta intelectual a comparação.

4.1 ANÁLISE DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

O IST, unidade de graduação da SOCIESC, iniciou suas atividades no ensino

superior em 1997. Dos vinte e cinco cursos ofertados, dezenove são da área

tecnológica, engenharias e tecnologias. Os outros seis são cursos de graduação nas

seguintes áreas: Arquitetura e Urbanismo, Administração, Sistemas de Informação,

Ciências Contábeis, Direito e Pedagogia.

O projeto político pedagógico do curso apresenta a seguinte hierarquização

na estruturação dos documentos dentro da organização:

Figura 1: Estruturação dos documentos Fonte: PPI SOCIESC 2009

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A figura a seguir, apresenta o desdobramento do Projeto Pedagógico

Institucional. Esse desdobramento quer identificar a origem da base filosófica,

princípios e valores que no projeto pedagógico do curso foram identificados.

Sistema de Avaliação Institucional

PROJETO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL

ESTRUTURA BÁSICA

Dimensão ComunitáriaDimensão Administrativa

Dimensão PedagógicaMARCO OPERACIONAL

DIAGNÓSTICO

Representa a realidade na quala instituição está inserida

Visão de HomemVisão de Ensino

Missão do EnsinoPolíticas e Diretrizes do Ensino

MARCO SITUACIONAL

BASE FILOSÓFICAPRINCÍPIOS E VALORES

MARCO REFERENCIAL

Figura 2: Estruturação dos documentos Fonte: PPI SOCIESC 2009.

O curso de administração do IST/ SOCIESC está autorizado pela portaria 199

de 19 de Janeiro de 2005 publicado no diário Oficial da União em 21 de janeiro de

2005 e apresenta a constituição que será apresentada nos itens a seguir.

4.1.1 Identificação do curso

ENDEREÇO DE OFERTA DO CURSO (CAMPUS): Rua: Albano Schmidt, 3 333

DENOMINAÇÃO DO CURSO: Bacharelado em Administração

TURNO DE FUNCIONAMENTO: Matutino Vespertino Noturno To tais

Nº. DE VAGAS ANUAIS: 100 - 100 200

PERIODIZAÇÃO: Semestral

REGIME DE MATRÍCULA: Crédito, com 1 crédito correspond endo a 18 h.a.

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CARGA HORÁRIA TOTAL Horas/aula 3.600 Horas 3.000

DURAÇÃO DO CURSO: Tempo Mínimo Tempo Máximo

8 semestres 14 semestres

Quadro 11: Identificação do Curso Fonte: Projeto pedagógico do curso - DC 9407 Revisão 03 p. 4

Para o curso de administração, grande parte dos professores, quase que na

sua totalidade, são profissionais que exercem as suas funções nas indústrias de

Joinville ou região, e que, dispondo de tempo no período noturno, optam por

trabalhar nas escolas ministrando aulas. O corpo docente do curso está composto

de vinte professores, sendo nove mestres, quatro doutores, sete especialistas.

Esses professores não tem dedicação exclusiva para o curso de administração. Do

total de professores, seis deles trabalham com dedicação integral na instituição, oito

professores com dedicação parcial e seis são professores que assumem poucas

horas no curso. A instituição, em Agosto de 2008, contava com quatro turmas de

administração que perfaziam 103 alunos na soma dos alunos de todos os períodos

em andamento.

A SOCIESC, para qualificar a formação dos alunos de administração, buscou

a parceria da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio de Janeiro, no ano de 2005, o

que se concretizou no segundo semestre daquele mesmo ano com a assinatura do

convênio entre as organizações.

Entre as atribuições da FGV está o compromisso de auxiliar na realização do

curso de Administração, fazer auditorias periódicas para a verificação das condições

da organização didático-pedagógica, do corpo docente e da infra-estrutura

educacional.

Sendo atendidos os requisitos pela organização conveniada, a FGV concede

uma certificação de Qualidade para o curso, o que se traduz na chancela FGV no

certificado de Bacharel em Administração do IST/ SOCIESC.

Esta modalidade de convênio é um projeto piloto e inovador que a Fundação

Getúlio Vargas iniciou em 2005 com cinco instituições de ensino no país. Entre elas,

estão pelo menos duas unidades da SOCIESC, uma na unidade de Joinville -

campus Marquês de Olinda – e outra na unidade de Florianópolis – ÚNICA Tupy,

ambas no estado de Santa Catarina.

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Em outubro de 2005, alterou-se o currículo do curso de administração do IST/

SOCIESC com o intuito de adequá-lo às diretrizes curriculares, estando aprovado e

publicado no diário oficial da união em 05 de outubro de 2005. Dessa maneira o

curso pôde ser iniciado em fevereiro de 2006, o que significa dizer que as turmas

ingressantes em 2006 que se caracterizam como as primeiras turmas de

administração do IST/ SOCIESC em parceria com a FGV, estão, em 2009/1, no

sétimo período do curso de administração e, portanto, receberão a colação de grau

em dezembro de 2009 como administradores formados pelo IST/SOCIESC.

Em outubro de 2007 o curso passou por nova alteração na estrutura

curricular, com o objetivo de adequá-lo à resolução 02 de 18 de junho de 2007, que

dispõe da carga horária mínima para os cursos de graduação. Aprovada pelo

conselho de ensino, pesquisa e extensão do Instituto Superior Tupy (IST) através da

resolução 180/2007 de 17 de outubro de 2007, tem a sua validação a partir do

primeiro semestre de 2008.

O curso apresenta avaliações a partir de indicadores internos e externos que,

ao mesmo tempo em que monitora, contribui para que estejam alinhados com os

propósitos documentados no projeto político pedagógico do curso, constituído pelo

IST/SOCIESC. Abaixo, apresentam-se os resultados obtidos nos processos de

avaliação do curso: resultados obtidos nos processos de avaliação (autorização,

reconhecimento, ENADE, avaliações internas).

Dimensões Percentual de Atendimento

Essenciais Complementares

Contexto Institucional 100 92

Organização Didático-Pedagógica 100 100

Corpo Docente 100 88

Instalações 100 100

Total 100 95

Quadro 12: Resultado do processo de avaliação do curso de Administração Fonte: Projeto pedagógico do curso - DC 9407 Revisão 03 p. 5

Pode-se perceber a partir dos percentuais apresentados no quadro acima o

elevado padrão que oferece a organização estudada, particularmente para o curso

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de administração, foco do estudo, naquelas dimensões tomadas como referências

para autorização e reconhecimento do curso.

Em 2005, o curso passou por uma primeira avaliação do Exame Nacional de

Desempenho do Estudante (ENADE). Como havia apenas alunos ingressantes, não

houve possibilidade de emitir um conceito final. Porém, os resultados das provas de

conhecimento geral e específico mostraram que o curso ultrapassa a média

nacional. O quadro 13 a seguir apresenta as notas obtidas nestas provas.

Formação Notas

IST Brasil

Geral 47,2 40,8

Específica 38,8 33,2

Média 40,9 35,1

Quadro 13: Notas de avaliação ENADE Fonte: Projeto pedagógico do curso - DC 9407 Revisão 03 p. 5

Por ocasião dessa avaliação a instituição estudada apresenta média superior a

média Brasil.

4.1.2 Organização curricular

A elaboração e organização curricular do curso está constituída com base na

publicação da Resolução CNE 04/2005 que define como deve ser a organização

curricular para os cursos de Administração e também em função do convênio

assinado entre o IST/SOCIESC e a FGV.

De acordo com as especificações dessa organização curricular, a instituição

pretende que o aluno saiba desenvolver-se com capacidade e aptidão para

compreender a realidade científica, técnica, social e econômica dos processos

produtivos e do respectivo gerenciamento. A tabela a seguir demonstra a distribuição

das disciplinas por área de formação proposto pelo curso de administração do

IST/SOCIESC e a FGV.

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Distribuição de Acordo com a Resolução 04/2005

Núcleos Disciplinas Carga Horária

Formação Básica Microeconomia 80 h.a.

Macroeconomia 80 h.a.

Tecnologia da Informação 80 h.a.

Introdução ao Direito 80 h.a.

Psicologia Aplicada à Administração 80 h.a.

Comportamento Organizacional 80 h.a.

Contabilidade Geral 80 h.a.

Contabilidade Gerencial 80 h.a.

Introdução às Ciências Sociais e Políticas 80 h.a.

Filosofia, Ética e Responsabilidade Social 80 h.a.

Comunicação Empresarial 80 h.a.

Sub-Total 880 h.a.

Formação Profissional Introdução à Administração 80 h.a.

Teoria Geral da Administração 80 h.a.

Administração Financeira I 80 h.a.

Administração Financeira II 80 h.a.

Matemática Financeira 80 h.a.

Administração Orçamentária e Controladoria 80 h.a.

Administração Mercadológica I 80 h.a.

Administração Mercadológica II 80 h.a.

Administração de Serviços 80 h.a.

Administração de Recursos Humanos I 80 h.a.

Administração de Recursos Humanos II 80 h.a.

Administração de Produção e Materiais 80 h.a.

Logística 80 h.a.

Administração de Sistemas de Informação 80 h.a.

Estágio Supervisionado 440 h.a.

Administração Estratégica 80 h.a.

Sub-Total 1.640 h.a.

Conteúdos de Estudos

Quantitativos e suas tecnologias Matemática I 80 h.a.

Matemática II 80 h.a.

Estatística I 80 h.a.

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Estatística II 80 h.a.

Métodos Quantitativos 80 h.a.

Sub-Total 400 h.a.

Formação Complementar

Tópicos Especiais em Administração I 80 h.a.

Tópicos Especiais em Administração II 80 h.a.

Atividades Complementares 120 h.a.

Eletiva I 80 h.a.

Eletiva II 80 h.a.

Eletiva III 80 h.a.

Eletiva IV 80 h.a.

Eletiva V 80 h.a.

Sub-Total 680 h.a.

TOTAL GERAL 3.600 h.a.

Quadro 14: Organização Curricular Fonte: Projeto pedagógico do curso - DC 9407 Revisão 03 p. 26-27

4.1.3 Disciplinas por período

A tabela a seguir apresenta as disciplinas distribuídas por semestre letivo e

respectiva carga horária.

ESTRUTURA CURRICULAR 2008-1

DISCIPLINAS CÓD.

CARGA HORÁRIA

(horas aula)

PRÉ-

REQUISITO

Semanal Total Cód.

1o Per

íodo

Comunicação Empresarial ADM2001 4 80 -

Introdução à Administração ADM2002 4 80 -

Introdução às Ciências Sociais e Políticas ADM2003 4 80 -

Matemática I ADM2004 4 80 -

Tecnologia da Informação ADM2005 4 80 -

2o Per

íodo

Microeconomia ADM2006 4 80 -

Teoria Geral da Administração ADM2007 4 80 -

Matemática II ADM2008 4 80 ADM2004

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Estatística I ADM2009 4 80 -

Psicologia Aplicada à Administração ADM2010 4 80 -

3o Per

íodo

Macroeconomia ADM2011 4 80 -

Introdução ao Direito ADM2012 4 80 -

Estatística II ADM2013 4 80 ADM2009

Contabilidade Geral ADM2014 4 80 -

Comportamento Organizacional ADM2015 4 80 -

4o Per

íodo

Contabilidade Gerencial ADM2016 4 80 ADM2014

Métodos Quantitativos ADM2017 4 80 ADM2013

Administração de Sistemas de Informação ADM2018 4 80 -

Matemática Financeira ADM2019 4 80 ADM2004

Administração Mercadológica I ADM2020 4 80 -

5o Per

íodo

Administração Financeira I ADM2021 4 80 ADM2019

Administração de Recursos Humanos I ADM2022 4 80 -

Administração de Produção e Materiais ADM2023 4 80 -

Administração Mercadológica II ADM2024 4 80 ADM2020

Filosofia, Ética e Responsabilidade Social ADM2025 4 80 -

6o Per

íodo

Administração Financeira II ADM2026 4 80 ADM2021

Administração de Recursos Humanos II ADM2027 4 80 ADM2022

Logística ADM2028 4 80 ADM2023

Administração de Serviços ADM2029 4 80 -

Eletiva I - 4 80 -

7o Per

íodo

Administração Orçamentária e Controladoria ADM2030 4 80

ADM2018 ADM2023 ADM2026 ADM2027

Eletiva II - 4 80 -

Administração Estratégica ADM2031 4 80 -

Tópicos Especiais em Administração I ADM2032 4 80 -

Estágio Supervisionado ADM2033 8 440 -

8o Per

íodo

Tópicos Especiais em Administração II ADM2034 4 80 -

Eletiva III - 4 80 -

Eletiva IV - 4 80 -

Eletiva V - 4 80 -

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Opt

ativ

as

Estágio não Obrigatório EST001 - 2000 -

Linguagem Brasileira de Sinais – LIBRAS CH210 2 40 -

Metodologia do Trabalho Acadêmico ADM2035 2 40 -

Total 160 3.600* -

Quadro 15 : * Carga horária total do curso, incluindo 120 h/a de atividades complementares. Fonte: Projeto pedagógico do curso - DC 9407 Revisão 03 p. 27-28

Notadamente, a estrutura curricular do curso apresenta maior ênfase para as

disciplinas exatas quando comparadas às disciplinas de ciências humanas e sociais.

Constata-se nessa comparação a preponderância das primeiras sobre as segundas

na relação de 86,6% para 13,3% respectivamente. A hegemonia do homo

economicus na formação do administrador sobre a formação do homo socialis é

evidente. (Aktouf, 2004; Chanlat,1999). Vale lembrar que as diretrizes curriculares

para o curso de administração são propostas por resolução específica do MEC.

A preocupação com questões dessa natureza já havia sido observada por

Mariotti (2007, p. 19), fazendo a seguinte pergunta:

Como desenvolver uma abordagem às atividades humanas que dê suficiente ênfase aos resultados econômicos sem esquecer os atributos humanos, e dê suficiente destaque aos atributos humanos sem esquecer os resultados econômicos?

Para Giroletti (2005), a Universidade, certamente, pode contribuir para que a

formação dos alunos esteja além da transferência de conhecimentos. O aluno deve

perceber a possibilidade de contribuir com a sociedade em que está inserido,

deixando de permanecer apenas nos interesses de ordem particular.

Constata-se no projeto pedagógico do curso, já na fase introdutória, o

interesse pela chamada “integral formação do aluno”, em que são explicitados os

princípios éticos de valorização das pessoas, responsabilidade social e crescimento

com reconhecimento. São contempladas ações que possibilitam esta formação (a

integral) a partir da aplicação da tríade ensino, pesquisa, extensão.

A proposta pedagógica do curso de administração do IST/SOCIESC,

convergem para aplicação dos Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro,

caracterizando-se pelas políticas e princípios que fundamentam o seu ensino, além

da notória sintonia percebida nos pressupostos, os quais serão tratados mais

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adiante. Servindo de base para estas políticas, tornam-se manifestos que tais

princípios devem nortear as ações pedagógicas durante o processo de formação do

profissional em administração.

O PPC afirma que a formação atribui conhecimentos de cunho técnico

tecnológico, sem deixar de lado a formação humanística. Assim, está aberto ao

desafio de proporcionar ao universitário estratégias que possam permitir-lhe

aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Estes

quatro princípios educacionais apresentados como marco filosófico no projeto

político pedagógico do curso pertencem ao relatório Educação – um tesouro a

descobrir, de Jacques Delors, iniciado em 1993 e concluído em 1996, texto

elaborado e apresentado para a Organização das Nações Unidas para a Educação,

a ciência e a Cultura (UNESCO) 6.

Como apresenta o quadro 16 nota-se que os princípios adotados no projeto

pedagógico do curso, a partir de Delors (2001) apresentam sintonia com os sete

saberes necessários à educação do futuro. O que dá abertura ao pensamento

complexo.

Princípio:

Educação um tesouro a descobrir

Saber:

Os sete saberes necessários à educação do

futuro

Aprender a conhecer

As cegueiras do conhecimento: o erro e a

ilusão

Os princípios do conhecimento pertinente

Aprender a ser Ensinar a condição Humana

Ensinar a identidade Terrena

Aprender a fazer Enfrentar as incertezas

Aprender a conviver Ensinar a compreensão

A ética do gênero humano

6 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Fundada em 16 de Novembro de

1945. Para esta agência especializada das Nações Unidas, não é suficiente construir salas de aula em países

desfavorecidos ou publicar descobertas científicas. Educação, ciências sociais e naturais, cultura e comunicação

são os meios para se conseguir atingir um objetivo bem mais ambicioso; construir paz nas mentes dos homens.

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Ensinar a identidade Terrena

Quadro 16: Princípio e Saber Fonte: Adaptado pelo autor a partir de Delors (2001) e Morin (2004)

Delors (2001, p. 90) diz que “uma nova concepção ampliada de educação

devia fazer com que todos pudessem descobrir, reanimar e fortalecer o seu potencial

criativo – revelar o tesouro escondido em cada um de nós.” Ampliadas as fronteiras

da educação, transcendendo a visão do homo economicus, o homem deve ser

capaz de entender a sua complexa relação entre a parte e o todo. Assim abre-se a

oportunidade de aprender a ser.

O uso de uma pedagogia de base “problematizadora”, de acordo com sua

base axiológica, caracteriza-se pela “dialogicidade” e pela “conscientização”. O

documento em análise para a caracterização do saber “Ensinar a compreensão”,

afirma que o ato de compreender inclui, necessariamente, um processo que se

amplia além do emitir e receber a informação. O emissor quando se coloca no lugar

do receptor em uma tentativa de compreender sob que aspectos será interpretada

não ignora as suas realidades e experiências para as interpretar. Segundo Morin

(2003, p. 95) “sempre intersubjetiva, a compreensão pede condição de dialogar com

abertura, simpatia e com certo grau até mesmo de generosidade”, o que significa

colocar-se no lugar do outro, isto é, utilizar-se da empatia para favorecer a

compreensão.

4.1.4 Proposta pedagógica: pressupostos, políticas e diretrizes

As políticas institucionais que fundamentam as políticas de ensino, pesquisa e

extensão, gestão acadêmica, suas diretrizes e objetivos, trazem a promoção do

trabalho conjunto e indissociável da tríade ensino, pesquisa e extensão. Nesta

proposta pedagógica, o Instituto Superior Tupy (IST) registra o desejo de atuar como

promotor de mudanças da realidade social, como lócus de construção de

conhecimento científico e tecnológico que estejam alinhados para a solução dos

problemas relacionados ao desenvolvimento social. Propõe o desenvolvimento do

homem para além das competências profissionais. Quer ensinar a construção,

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preservação e difusão do conhecimento sem que sejam deixadas de lado a

valorização das pessoas e do seu contexto cultural e social.

A reaproximação das áreas tecnocientíficas e humanistas do conhecimento (as chamadas “duas culturas”) pode contribuir para mudar nosso comportamento habitual. A ciência busca explicar. As humanas procuram compreender. Quando se alimentam mutuamente, a explicação e a compreensão ampliam a consciência das pessoas. Uma das maneiras mais eficazes de consegui-lo é promover o desenvolvimento pessoal, interpessoal e ambiental por meio do pensamento complexo. (MARIOTTI, 2007, p. 21)

O projeto político pedagógico apresenta a qualidade como sua referência

fundamental e inerente às atividades institucionais, propondo-se manter o aluno em

sintonia quanto à pertinência e à coerência das atividades institucionais em relação

às políticas e às necessidades sociais.

Para dar sustentabilidade a sua política de ensino, as definições das

diretrizes, objetivos e metas do projeto pedagógico, a SOCIESC faz constar no

projeto pedagógico pelo menos oito pressupostos, sendo:

a) Indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão;

b) Aprender a conhecer;

c) Formação humanística;

d) A Inter, a transdisciplinaridade e o pluralismo;

e) Responsabilidade social;

f) Crescimento com reconhecimento;

g) A contextualização;

h) A flexibilização.

Sustentam-se nos pressupostos da indissociabilidade entre o ensino, a

pesquisa e a extensão, relacionando seus projetos pedagógicos de maneira que a

promoção da ação permita um vínculo entre a academia e a sociedade. As ações

devem ser possibilitadas por trabalhos de extensão, envolvendo ainda os alunos nos

projetos de pesquisa por meio de programas de iniciação científica, o que resultaria

da aplicação da teoria em prol da sociedade.

Em seu relatório, Delors (2001) afirma que os sistemas educacionais trazem

em si mesmos o compromisso que ultrapassa o ensinar. Promovem assim a

pesquisa para que seja possível dar respostas aos múltiplos desafios das

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sociedades e colocá-los em prática para elevação da cidadania por meio do

enriquecimento contínuo dos saberes e do exercício de uma cidadania adaptada às

exigências do nosso tempo.

Esse compromisso, no entanto, demanda uma compreensão que extrapole o

periférico, o regional. Entram em jogo a diversidade global , a complexa rede das

relações e os reflexos de suas ações, sem que se deixe de considerar que uma

sociedade que vive em um arranjo complexo não poderá na simplificação, na

disjunção, na redução, encontrar guarida que possibilite soluções e respostas

satisfatórias para os seus anseios multidimensionais.

A educação, diz Morin (2005), tem o compromisso de constituir a

autoformação da pessoa. Esta deverá proporcionar-lhe a possibilidade de assumir a

sua condição humana, ensinar a viver para que, tornando-se solidário e sentindo-se

responsável por sua pátria, enraizado da identidade da sua nação, da sua pátria, lhe

dê a condição de cidadão. Esta idéia está presente no Código de Ética Profisisonal

do Administrador, aprovado em 2001.

A pedagogia declarada no Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e, por

subordinação, também constante no Projeto Político do Curso (PPC), considera que

a maneira de promover o desenvolvimento da realidade está em problematizá-la a

partir da crítica consciente sobre ela mesma. Como apresentado no quadro 2 por

França Filho (2004), os estudos críticos trazem em si este enfoque interdisciplinar,

promovendo o diálogo entre as ciências sociais (antropologia, sociologia, psicologia,

economia, história, ciência política) para a promoção do desenvolvimento humano e

social, pois tratam de temas como gênero, conflito interétnico, poder, ideologia, ética

e cultura.

Após diálogo com a coordenação e, a partir do entendimento dessas políticas,

buscou-se o agrupamento de acordo com a característica de cada categoria por

comparação e, assim, ligá-las aos sete saberes necessários à educação do futuro.

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Políticas fundamentais do ensino do Instituto

Superior Tupy

Os Sete Saberes Necessários a Educação do

Futuro

1 - papel de agente transformador da realidade

social como locus de construção de

conhecimento científico e tecnológico voltado à

solução dos problemas relacionados ao

desenvolvimento social;

II - O princípio do conhecimento pertinente;

V – Enfrentar as incertezas

2 - a responsabilidade social III – Ensinar a condição humana

3 - o compromisso com o desenvolvimento do

homem para além das competências

profissionais

III – Ensinar a condição humana;

IV – Ensinar a identidade terrena;

VII – A ética do gênero humano.

4 - o compromisso com a construção,

preservação e difusão do conhecimento, da

cultura e do ambiente;

VI – Ensinar a compreensão

5 - o compromisso com a valorização,

qualificação e desenvolvimento das pessoas; o

compromisso com a recuperação, preservação e

manutenção do meio ambiente;

III – Ensinar a condição humana;

IV- Ensinar a identidade terrena;

VII – A ética do gênero humano

6 - a qualidade como referência fundamental e

inerente às atividades de ensino;

I – As cegueiras do conhecimento: o erro e a

ilusão

7 - a pertinência e coerência dos cursos e outras

atividades do ensino em relação às políticas

institucionais e às necessidades sociais.

II – Os princípios do conhecimento pertinente

Quadro 17: Políticas fundamentais do ensino do IST Fonte: Adaptado pelo autor a partir do PPC (2007) e Morin (2003)

Esta interpretação por associação genérica de idéias é apenas uma entre

outras possíveis.

Percebe-se que o movimento do Instituto Superior Tupy, na elaboração do

PPC, tem sido no sentido de construir para si uma identidade capaz de se sustentar

frente às exigências dos novos tempos. Quer contribuir como alavanca social,

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promovendo no acadêmico, a mudança no seu pensamento, transportando-o do

nível de ingenuidade para o de criticidade.

A grade curricular, embora valorize significativamente as disciplinas exatas,

apóia-se no projeto político do curso para que o acadêmico tenha uma visão ampla e

aberta de mundo. Suas tendências, a de mundo, e incertezas, devem fazer parte da

sua formação, independentemente da disciplina, propondo que o administrador seja

capaz de promover mudanças em um mundo desafiador.

4.1.5 Participação dos Professores na construção do Projeto Pedagógico do

Curso

O Projeto Político Pedagógico do Curso de Administração foi concebido a

partir do Projeto Político Institucional (PPI), por quem mantém subordinação. No

entanto, não foi concebido com a participação dos professores do curso de

administração. Foi, antes, construído pela orientadora pedagógica dos cursos do

Instituto Superior Tupy, havendo até, por parte da docência, quem ainda não

conhecesse o projeto do curso, tendo o primeiro contato com o referido documento

pela primeira vez por ocasião das entrevistas.

4.1.6 Marco Filosófico

O marco filosófico que dá sustentabilidade ao curso está alicerçado na visão,

missão, princípios e valores da SOCIESC, sendo assim descritos pela Instituição:

Visão :

• Ser um centro de excelência e referência em educação e tecnologia;

Valores :

• Crescimento / Reconhecimento;

• Responsabilidade social;

• Valorização das pessoas

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Missão :

• Contribuir para o desenvolvimento humano e da comunidade através da

educação e da tecnologia.

Alicerça-se ainda nas propostas da comissão internacional sobre a educação

para o século XXI. No entanto, no PPC não há referência explícita ao relatório

Jacques Delors.

4.1.7 Planos de ensino e de aula

Os planos de ensino e de aula são entregues para cada professor para que

tenham acesso ao programa da FGV, como exemplificado a seguir pelas figuras 1 e

2. O professor que elabora a aula é da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

Portanto o professor que ministra a aula deve adaptar-se ao modelo de plano de

aula elaborado por outro.

Figura 3: Plano de Ensino e Aula Fonte: SOCIESC 2009-05-27

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Figura 4 : Plano de Aula e Descrições Fonte: SOCIESC 2009-05-27

4.1.8 A construção das provas

Os alunos devem compor a média sete (7,0) para aprovação na disciplina.

Essa média se dá em duas avaliações. A primeira parcial, chamada de P1,

apresentada pela figura 3, é construída pelo professor ministrante da aula, ou seja,

da instituição filiada à FGV. Essa prova não necessariamente precisa ser de múltipla

escolha. No entanto, é feita nesse formato na maioria das vezes para que o aluno

tenha familiaridade com a P2 que invariavelmente segue o modelo de múltipla

escolha, como poderemos notar na figura 3 a seguir:

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Figura 3: Prova P1 Fonte: SOCIESC 2009-05-27

A P2 é um instrumento de avaliação organizado pela FGV que elabora a

prova, com base em questões encaminhadas pelos professores das cinco unidades

filiadas ao programa de certificação. Esta prova é elaborada com questões de

múltipla escolha, como exemplificado na figura 4:

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Figura 4: Prova P2 Fonte: SOCIESC 2009-05-27

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4.2 ENTREVISTAS

A estrutura e o processo de entrevistas foram baseados na indicação de

Godoi (2006, et al, p. 134) sobre Entrevistas Semi-Estruturadas. Primeiramente

foram detalhados cuidadosamente e de maneira clara os objetivos.

A elaboração das questões para a entrevista seguiu um roteiro pré-

estabelecido para que, no ato de entrevistar, se mantivessem, entrevistador e

entrevistado, alinhados aos planos e objetivos da pesquisa. A intenção foi a de

manter a maior naturalidade e liberdade possíveis para que a entrevista ocorresse

de maneira fluida e sem interrupções.

Como descrito por Godoi (et al, 2006, p.134), mesmo quando o pesquisador

se utiliza de um roteiro, deve-se manter certo grau de flexibilidade, permitindo, dessa

maneira, a expressão espontânea do entrevistado mesmo que traga consigo termos

de cunho pessoal ou siga uma linha de pensamento diversa do entrevistador.

Tendo em mente essa dinâmica da entrevista, não se forçou uma seqüência

de respostas às questões elaboradas. Fez-se, antes, inclusões de pensamentos

durante as entrevistas para que aflorasse com certa naturalidade no próprio discurso

as percepções sobre os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. Esta

prática foi adotada tanto para os professores como para os alunos.

Inicialmente, manteve-se contato com a coordenadora e orientadora

pedagógica do curso de administração, informando-as sobre os propósitos da

pesquisa, o que foi aceito com normalidade e disposição para contribuição.

Conforme consta na introdução, o pesquisador integra o corpo de

colaboradores da instituição como coordenador de ensino. Por esse motivo, havia

preocupações quanto à receptividade dos entrevistados e quanto à sua efetiva

contribuição. Por outro lado, havia também o estímulo proporcionado pela facilidade

de acesso a professores, alunos e à documentação.

A apresentação dos propósitos da pesquisa aos professores fez-se com a

ajuda da coordenadora do curso. No caso dos alunos do sétimo período, foi obtida a

permissão para expor em sala de aula os objetivos da pesquisa de maneira prévia.

Assim, o roteiro introdutório deixou claro aos entrevistados que:

a) O objetivo a que a pesquisa se propõe é o estudo do curso de

administração da SOCIESC à luz dos Sete Saberes Necessários à Educação

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do Futuro, de Edgar Morin, querendo verificar os pontos de contato entre a

proposta do curso e estes saberes.

b) Que a etapa de análise do projeto pedagógico do curso sinalizou a

convergência para tal reflexão. O que se quer, então, é constatar de que

maneira isso ocorre no ato de elaborar os planos de ensino, os planos de

aula, as provas e no ato pedagógico.

c) Se há indícios do processo de interdisciplinaridade no curso, que

práticas vêm sendo adotadas pelo corpo docente que podem estimular a

interdisciplinaridade e como ela é percebida pelos alunos.

d) O acesso às informações será de uso restrito do pesquisador e do

orientador, os quais se comprometem em fazer uso para única e

exclusivamente atender às necessidades da pesquisa. Os entrevistados não

serão identificados por seus nomes.

e) A pesquisa só se viabiliza com a contribuição de cada um dos

entrevistados, com sua disposição para responder as questões. E que,

embora haja por parte do pesquisador um roteiro, ao entrevistado será dada a

liberdade para pontuar questões que considere importantes;

f) Por existir dificuldades nessa fase da pesquisa para que fiquem

registradas as informações com fidedignidade e que detalhes importantes não

se percam, será solicitada aos entrevistados a permissão para que as

entrevistas sejam gravadas.

4.2.1 O depoimento da coordenação do curso

A entrevista com a coordenadora do Curso de Administração do IST/

SOCIESC permitiu utilizar da sua experiência para alinhamento da entrevista e servir

como fase introdutória para entender como é a estruturação e a dinâmica do curso.

A abordagem dos Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro foi integrada à

entrevista, inserindo-se questões que provocassem a emergência desses saberes

nas suas falas sempre que se tratava das práticas do ato pedagógico, ou sobre os

próprios pontos de vista da coordenação a respeito dos saberes. Dessa maneira,

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91

tentou-se identificar os pontos de contato entre a proposta de Edgar Morin e a ação

pedagógica do curso.

A parceria entre a SOCIESC e a FGV para o curso de Administração do

Instituto Superior Tupy de Joinville surge para a coordenadora como um importante

“diferencial” quando comparado como os cursos de administração de outras

Instituições de Ensino Superior (IES). Dentre os principais motivos, destacam-se o

reconhecimento da Fundação Getúlio Vargas como uma instituição de larga

experiência na formação de administradores. Outro fator seria o reconhecimento das

empresas pela capacidade profissional em âmbito nacional desses profissionais.

A coordenadora trata destas questões com os alunos, relatando na entrevista,

como exemplo, o seguinte caso de um aluno que a questiona

Professora, eu não sei até que ponto vale à pena continuar aqui ou pagar duzentos reais a menos na FCJ.7 E o argumento que a gente usa é que a FGV, onde ele estiver no Brasil, as pessoas saberão onde ele recebeu a certificação. E se você estudar na FCJ, que é uma faculdade local de Joinville, que tem qualidade - e eu não vou questionar isto -, mas que não tem a representatividade que tem uma FGV.

A coordenadora complementa na entrevista que a escola de administração de

empresas da Fundação Getúlio Vargas é referência nacional para as próprias IES

que formam o profissional de administração e dá o exemplo da sua experiência na

graduação em administração:

É que a escola de Administração de Empresas da FGV é referência. Eu estudei na ESAG, que é considerada a melhor faculdade de administração de Santa Catarina, inclusive pelo próprio MEC, em função dos provões. A minha turma foi a primeira que fez provão. Desde então, o conceito é A.

Quando questionada sobre o motivo dessa atribuição de referência nacional

na formação de administradores, no seu entendimento, afirma:

Porque de lá saem grandes cérebros que vão tocar o país, além de que temos a FGV como a primeira faculdade que fez muitas coisas

7 O aluno se refere à Faculdade Cenecista de Joinville.

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em termos de administração. Foi a primeira faculdade que instituiu o marketing; primeiro nível de pesquisa de mercado saiu de lá. Nós temos nomes de respeito, hoje, atuando nacionalmente em empresas e no setor público, que nasceram na instituição.

O curso de administração do IST apresenta, em grande parte, ênfase para as

disciplinas de exatas, o que, no entender da coordenadora, torna-se um diferencial.

Essa constatação já foi comentada no capítulo em que foi analisada a grade

curricular do Curso de Administração do IST, e confirmada quando foi lhe

perguntado quais as competências que o curso propõe deixar ao acadêmico como

diferencial

Principalmente numéricas, quantitativas, analíticas[...] eu acho que o diferencial dele está nos métodos quantitativos que os outros perderam[...]. Então há uma predominância numérica se comparada à comportamental.

Na opinião da coordenadora do curso a tendência contemporânea à

especialização e à estruturação do pensamento por meio da matemática se

confirma. Mariotti (2007) observa que estamos vivendo uma espécie de ilusão em

que há a preponderância da razão linear, da busca de objetividade e da

quantificação. “Tudo deve ser lógico e transformável em números” (MARIOTTI,

2007, p.53). É a razão instrumental, mecanicista, e que, paradoxalmente, quanto

mais se evidência como limitada para a realidade do mundo contemporâneo, mais é

reforçada.

Morin (2002) apresenta uma preocupação ainda mais ampla sobre esse

paradoxo, dizendo que isso pode ser o indício de uma tragédia para o

conhecimento. Trata-se da perda da reflexão. Mesmo em uma época em que novos

conhecimentos científicos se desenvolveram há uma degradação da reflexão,

especialmente da cultura humanística. “Há rarefação da reflexão na cultura

científica, cada vez mais destinada a um conhecimento por um lado quantitativo e

manipulador e, por outro, parcelar e disjunto” (MORIN, 2002, p. 85).

É fundamental observar que, nessa crítica, não há desconsideração quanto à

importância da matemática, das finanças dos orçamentos, das estatísticas, da

contabilidade, para a formação do administrador. Isso não se discute.

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Há um processo que tem enfraquecido a possibilidade de compreensão, a

interpretação da realidade e a resolução de problemas. É o processo de fechamento

das disciplinas nelas mesmas. Há uma espécie de hiperespecialização das

disciplinas, o que Japiassu (1976) denominou, já na década de 1970, de “patologia

do saber”.

Para Morin (2002, p. 106), a fecundidade (ou virtude) da disciplina na história

da ciência já foi demonstrada. Ela circunscreve uma área de competência, o que

permite que o conhecimento se torne tangível. Por outro lado, um objeto não usual

para o estudo científico é construído. Entretanto, o autor enfatiza que a instituição

disciplinar

[...] acarreta, ao mesmo tempo, um perigo de hiperespecialização do pesquisador e um risco de ‘coisificação’do objeto estudado, do qual se corre o risco de esquecer que é destacado ou construído (Idem, 2002, p. 106).

Ao ser questionada sobre o Código de Ética Profissional do Administrador,

que requer uma formação do aluno além da dimensão voltada para o

desenvolvimento social, humano e ecológico, a coordenadora responde que

[...] os aspectos humanos são bastante trabalhados também [...].mas o nosso curso, eu acho que o diferencial dele está nos métodos quantitativos [...] (informação verbal)

Foram citadas as disciplinas que contemplam na sua grade curricular esta

formação em desenvolvimento social e humano, sendo quatro disciplinas pelo

menos.

Pôde-se constatar que, embora a transdisciplinaridade e o pluralismo estejam

contemplados no projeto pedagógico do curso, enfatizando uma educação de

concepções problematizadoras, que concebe na dialogicidade uma alternativa de

ensino que contribua para a solução dos problemas, estes aspectos constituem-se

de uma prática que não está sistematizada na instituição. É antes uma possibilidade

que pode ocorrer quando um determinado professor ministra mais de uma disciplina.

Então, ele se utiliza dessa condição para fazer algumas conexões que entende

viável e conveniente. Nas palavras da coordenadora

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[...] é mais uma prática individual. Por isso eu falo que pretendo desenvolver um projeto interdisciplinar para o próximo semestre. A idéia é a de que pelo menos duas disciplinas se relacionem, envolvendo algum tipo de questão em que seja desenvolvido um projeto. (informação verbal)

Constata-se aqui que a maneira de pensar a transmissão dos conhecimentos

ainda persiste na individualidade das disciplinas, quer dizer, há dificuldades para que

sejam aplicadas a interdisciplinaridade constante do PPC e a realidade prática do

Curso de Administração. Foi possível constatar ainda que dessa maneira outros

pressupostos igualmente previstos do PPC acabam sendo atendidos apenas

parcialmente ou não são atendidos.

Conduzindo a entrevista para a abordagem dos Sete Saberes Necessários à

Educação do Futuro, de Edgar Morin, constatou-se o desconhecimento desta

proposta promovida pela UNESCO. Entretanto, também se constatou que o projeto

pedagógico do curso sustenta valores educacionais fundamentados no relatório

Delors, que tem convergência com a obra de Morin. Quando questionada como os

professores e os alunos poderiam lidar com a idéia da “cegueira do conhecimento”, a

coordenadora diz

Eu acho que chega uma hora que os alunos pensam: meu Deus, mas é tudo muito incerto. E eu já tive que relembrá-los de que estão buscando a sua formação em uma ciência social aplicada, em que nem tudo é estanque ou previsível [...]

A coordenadora sustenta, conforme já foi visto, que o curso se diferencia de

outros por focalizar aspectos matemáticos e quantitativos. Esta idéia é bastante

questionável, considerando-se a tradição e a realidade institucional dos cursos de

administração. Mas, por outro lado, ela ressalta, mais uma vez, que

[...] realmente o administrador não pode estar focado apenas em números. Não é só razão, é preciso que se considere também, aspectos da emoção.

Observa-se, neste depoimento, um traço de um dos Saberes Necessários à

Educação do Futuro: “ensinar a condição humana”. Trata-se do circuito

razão/afeto/pulsão, como a tríade bioantropológica. A racionalidade não dispõe de

um poder supremo e definitivo quando relacionado com os demais (afeto / pulsão).

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Nesse circuito, a racionalidade pode ser dominada, submersa e até mesmo tornar-se

dependente da afetividade ou da pulsão (MORIN, 2003).

Ensinar a compreensão entre as pessoas é a alma da educação. É por meio

da compreensão que se viabiliza a solidariedade intelectual e moral da humanidade

(MORIN, 2003). Essa realidade da necessidade da compreensão não sendo

aplicada se traduz em problemas que degeneram as relações. Ensinar a

compreensão surge a partir da pergunta de como se dá a interação entre

professores e os alunos

Confesso que eu estou bastante confusa com o perfil de aluno que eu tenho aqui. Eu estou achando bem complicado. Tenho alunos muito infantis. Tem pai de aluno que vêm aqui nos cobrar questões que o próprio aluno deveria resolver. Tem mãe de aluno que liga para ver se filho está vindo para a escola. Parece segundo grau. [...] Teve uma aluna que me desafiou um semestre inteiro, não tinha uma aula que ela não me desaforava de algum jeito, e dizia assim: “Eu não gosto de você.

Há espaço para que seja trabalhado o saber “ensinar a compreensão” com

professores e alunos. A incompreensão tem sido motivo de dissensões familiares,

entre pais e filhos, maridos e esposas e como se pôde constatar também entre

alunos e professores. A incompreensão se alastra nas relações como um câncer,

diz Morin (2003). A resultante disso são as agressões de todo modo, calúnias e

homicídios psíquicos (desejo de morte). Sobre os alunos, diz na entrevista:

[...]não há respeito nem entre eles mesmos. Não tem um professor que consiga dar uma aula decente para eles. Tem sempre 4 ou 5 conversando, de um lado e do outro. Então o lado que quer aprender fica brigando com o outro lado, e vice versa. Não adianta, não há o que fazer. Eles mesmos chegam à conclusão de que têm que melhorar. Passa 2 dias e eles já estão brigando novamente.

É o efeito do egocentrismo que tende a passar para o outro a causa dos seus

próprios males. Na perspectiva do pensamento complexo, todos os sujeitos têm na

psique um princípio de exclusão, que é fonte de egocentrismo e egoísmo. A

exclusão convive contraditoriamente com um princípio de inclusão, que é fonte de

variados níveis de altruísmo (com amigos, familiares, comunidade, partido,

nacionalidade, humanidade). Ambos são imprescindíveis para a sobrevivência

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humana, mas há uma barbárie psíquica na medida em que predomina o princípio da

exclusão (MORIN, 2005).

O mundo dos intelectuais, escritores ou universitários, que deveria ser mais o compreensivo, é o mais gangrenado sob o efeito da hipertrofia do ego, nutrido pela necessidade de consagração e de glória (MORIN, 2003, p.97).

Para tentar identificar o princípio do conhecimento pertinente, buscou-se

identificar como ou onde são contemplados assuntos relativos à evolução do ser

humano e suas relações com a sociedade (o contexto), as constantes mudanças

mundiais, a dinâmica entre as partes e os conjuntos.

Começa com introdução às ciências sociais e políticas, continua com filosofia, sociologia e ética. O IST/FGV também oferece como optativa uma disciplina de responsabilidade social, e desenvolvimento sustentável, que não está no projeto porque entrou agora como eletiva. [...] Eu creio que, hoje, os professores, como é o meu caso, não podem deixar de ressaltar estes aspectos.

Embora haja esta expectativa da coordenação, para que esses conteúdos

sejam tratados, há uma incerteza por desconhecer o conteúdo e a dinâmica de sala

de aula para essas disciplinas. O que não lhe permite ter certeza dessa prática:

[...] eu não me aprofundei ainda no conteúdo que é trabalhado nas outras disciplinas. Mas eu acho que hoje há uma preocupação de todas as áreas em enfatizar estas questões sociais, da responsabilidade social corporativa, da diversidade [...] a contratação de pessoas, o respeito à legislação, aspectos ambientais. Uma empresa que não tenha consciência de que pode trazer conseqüências drásticas ao meio ambiente e à sociedade pagará um preço alto se for pega cometendo algum tipo de irregularidade nesse sentido.

Quando questionada sobre a disponibilidade e interesse dos professores em

trabalhar a interdisciplinaridade, a coordenadora informa que

Eu tenho uns 03 professores que são bem participativos. Com eles eu poderei contar. Mas a participação do professor horista, que é a grande maioria no nosso caso, o que acontece: eles não têm comprometimento, ele vem aí, dá as horas dele de aula e, não vem para a reunião de colegiado de curso. Momento onde a gente poderia realmente extravasar, colocar essas questões, pontuar os

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interesses e melhorias para o curso.

O quadro docente é, na sua maioria, de professores que desenvolvem outras

atividades durante o dia, mas que apresentam certa experiência com a sala de aula.

Isso é visto como uma boa prática, pois as aulas podem ser enriquecidas com

exemplos daquela experiência profissional trazida pelo professor. A dificuldade que

alguns dos professores apresentam, segundo a coordenadora, é para se adaptar ao

modelo do IST/FGV. Esse modelo consiste em receber os planos de ensino e de

aulas prontos do Rio de Janeiro e, a partir desse material, o professor deve estudar

para que aquele conteúdo seja apresentado em sala.

[...] então é assim: é muito conteúdo para se trabalhar nas oitenta horas aula. É muito puxado mesmo, o conteúdo é muito denso. O material vem pronto da FGV, vem os slides prontos, vem a ementa pronta, vem o plano de aula pronto, vem para cada aula o que tem que ser trabalhado. Então em algumas disciplinas é impossível o professor conseguir fazer alguma coisa fora daquele conteúdo [...]

Questionada sobre a possibilidade de se fazer adaptações para a realidade

local ou de se agregar conteúdo, responde que

Temos uma pequena possibilidade de fazer as adaptações locais com as disciplinas eletivas, ao final do semestre e, com o trabalho de conclusão de curso e estágio [...] até esta fase a grade é totalmente fechada.

Para alguns professores essa prática torna-se difícil, exaustiva. Acabam não

se adaptando. Essa prática está associada ao que Morin (2003) chamou de a

cegueira paradigmática. “O paradigma está oculto sob a lógica e seleciona as

operações lógicas que se tornam ao mesmo tempo preponderantes, pertinentes e

evidentes sob seu domínio” (MORIN, 2003, p. 25). O paradigma disjuntor-redutor

parece estar na base da proposta de parceria entre IST/FG, gerando incongruências

e insatisfações. A coordenadora informa que

Um dos nossos professores de período integral está deixando o curso, disse que não se adaptou muito bem à metodologia do IST/FGV.

Reafirmando o que já havia constatado anteriormente, diz:

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[...] este modelo aí é um modelo cartesiano [...] realmente não é muito fácil se adaptar à metodologia do IST/FGV, imagine você pegar uma aula pronta, feita da cabeça de alguém que não foi você, com todo histórico de conhecimentos daquela pessoa, e você tem que trabalhar esta aula.

Essa prática pode traduzir-se na falta de renovação da maneira de pensar,

tanto dos professores como dos alunos. Segundo Etkin (2003), a aprendizagem se

renova quando é renovada a maneira de pensar, pois diante da necessidade de

superar desafios e prejuízos, utiliza-se da criatividade. Isso pode levar à superação

dos modelos mecanicistas ou funcionalistas de organização.

Para Morin (2005, p.83), “a reforma de pensamento exige a reforma da

Universidade”. Todo esse conjunto de informações da coordenadora traz consigo

algumas preocupações. Dentre elas, está a inabilidade para a redação e para a

reflexão entre os alunos. O modelo de provas ditas “objetivas”, com questões de

múltipla escolha e a necessidade de transmissão de conhecimento “pronto” têm

estimulado o que Santos (2000) denominou “razão indolente”.

Os alunos estão condicionados a responder provas objetivas. E agora o que acontece, eu estou com uma turma na sétima fase que não sabe escrever. Eles tiveram uma disciplina de projetos, em que deveriam construir o pré-projeto, e foi um carma para sair alguma coisa. Eu fico imaginando o que eu vou sofrer para conseguir fazer com que eles escrevam os relatórios de estágio, e depois o trabalho de conclusão de curso.

Essa abordagem é tratada sob a ótica de que o conteúdo programático deve

ser repassado na íntegra, sob pena de não haver êxito na prova P2 em que poderá

ser contemplado qualquer parte de todo o conteúdo programático da disciplina.

No pensar de Giroletti (2005), a Universidade, certamente, pode contribuir

para que a formação dos seus alunos esteja além da transferência de

conhecimentos científicos e tecnológicos, especialmente a administração, por tratar

das ciências sociais.

Na continuidade da entrevista com a coordenadora, constatou-se que o

modelo da FGV está ainda em processo de adaptação. Concomitantemente à

experiência da parceria com a SOCIESC, há outras quatro IES aplicando o mesmo

modelo.

A caracterização do modelo IST/FGV parece indicar a predominância da

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perspectiva de cultura organizacional integradora e funcionalista (MARTIN; FROST,

2001), pois está voltada, principalmente, para o aumento de produtividade e da

vantagem competitiva. Essa prática de geração de resultados, diz Mascarenhas

(2004), tem sido renovada com parcerias entre universidades e empresas,

buscando-se as “melhores práticas”, com ênfase nos ganhos de produtividade e

resultados econômicos.

O que é possível concluir a partir da entrevista com a coordenadora é que há

sensibilidade e disposição para a prática dos Sete Saberes Necessários à Educação

do Futuro. No entanto, há um fator dificultador para esta prática, pois são poucos os

professores com dedicação integral e não apresentam, segundo a coordenadora, a

consciência do conjunto dos setes saberes e de suas inter-relações complexas.

Outra constatação é que a parceria entre IST/SOCIESC e a FGV está

atrelada ao que Martin e Frost (2001) chamam de líderes culturais eficientes. A

parceria concretiza uma representação social específica, que manifesta o desejo de

transferir de uma organização para outra um reconhecimento, uma marca, um

símbolo de credibilidade, visando à ampliação do mercado e à vantagem

competitiva. A cultura organizacional na perspectiva da integração é reafirmada da

mesma forma que o paradigma disjuntor-redutor, com conseqüências para a prática

pedagógica.

4.2.2 Professores e seus depoimentos

Este capítulo apresenta uma análise das entrevistas realizadas com os

docentes do curso de administração. Por terem sido as entrevistas gravadas, faz-se

referência às suas representações sociais, ou seja, um saber “expressivo, pois

procura representar mundos subjetivos, intersubjetivos e objetivos”

(JOVCHELOVITCH, 2008, p. 259). De acordo com a teoria das representações

sociais, o saber não é um construto cognitivo monológico, pois liga o conhecimento a

pessoas e aos contextos públicos em que é produzido.

A partir das suas experiências e o seu olhar para a construção do

profissional de administrador, procurou-se desvelar as práticas do seu fazer

pedagógico, conhecer suas impressões a respeito do programa de administração. O

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objetivo foi identificar o quanto conseguem, mesmo que intuitivamente, desenvolver

interpretações sobre alguns dos Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro.

Na busca destes sete saberes nas entrevistas com os professores, foi

possível observar o quanto a metodologia proposta pela parceria entre o IST e a

FGV apresenta situações contrárias aos mesmos, gerando obstáculos à qualidade

de ensino-aprendizagem.

Além da coordenadora do curso, foram entrevistados outros quatro

professores, perfazendo o total de cinco professores entrevistados. Desses apenas

dois professores compõem carga horária exclusiva para o curso de administração

sendo a coordenadora um deles, os outros 18 que compõem o corpo docente são

em regime parcial ou horistas. Assim como já foi apresentado anteriormente, o curso

conta com vinte professores que se distribuem entre professores com dedicação

integral, parcial e horista.

As reuniões que antecederam as entrevistas também contribuíram para o

contato com as representações sociais dos docentes.

No quadro a seguir resumem-se as representações sociais encontradas, ou

melhor, decodificadas, a partir das entrevistas com os professores. Isto significa que

não há apenas uma descrição sumária das palavras, mas a busca das principais

idéias subjacentes aos depoimentos a parir das categorias percebidas.

Saber Categorias Síntese da Representação Social

As cegueiras do

conhecimento:

o erro e a

ilusão.

- A vulnerabilidade do conhecimento pelo erro

e pela ilusão;

- Os erros intelectuais;

- Os erros da razão;

- As cegueiras paradigmáticas;

- O Imprinting e a normalização;

- O inesperado;

- A incerteza do conhecimento.

Problemas existentes fogem até do

objetivo principal que é a

educação. Material vem pronto da

FGV (slides, ementa, plano de

aula). A sensação é de falta de

liberdade.

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Os princípios do

conhecimento

pertinente

- A percepção do contexto;

- O global (a relação entre o todo e a parte);

- A antinomia (fragmentação dos contextos);

- A redução e a disjunção.

Os estudos de caso excluem a

realidade nacional, além da local e

da regional. Há uma disjunção

local-global e uma importação de

casos do exterior, principalmente

dos EUA.

Ensinar a

condição

humana

- O paradoxo da ignorância do todo versus o

avanço do conhecimento das partes;

- O circuito divíduo/sociedade/espécie

Há a necessidade de se considerar

a emoção. Não é possível trabalhar

o tempo todo no modelo racional.

Há uma percepção crítica da

disjunção entre razão e emoção.

Ensinar a

identidade

terrena

- A era planetária;

- O legado do século XX;

- Os novos perigos;

Falta no modelo proposto, uma

visão ampla de mundo. O gestor

não deve apenas atingir as suas

metas de produção. Deve

considerar as implicações sobre a

comunidade. Visão unilateral pode

ser catastrófica.

Enfrentar as

incertezas

- Enfrentar as incertezas;

- A imprevisibilidade em longo prazo

Há consciência das incertezas, das

mudanças constantes, mas sem

uma estratégia complexa de

enfrentamento das incertezas.

Ensinar a

compreensão

- O ruído de transmissão;

- A compreensão contrária ao seu sentido

enunciado;

- A ignorância dos ritos;

- O egocentrismo;

- O espírito redutor;

Há preocupação quanto à efetiva

aprendizagem dos alunos, suas

formas de interpretar o que se

busca transmitir, mas a

compreensão, em sua dimensão

subjetiva, está ausente do modelo

proposto.

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A ética do

gênero humano

- O circuito indivíduo/sociedade: ensinar a

democracia;

- A humanidade como destino planetário

Há preocupação quanto à

responsabilidade assumida em

relação à formação de

administradores e também em

relação ao compromisso com a

marca de credibilidade da FGV,

além de um receio quanto a um

possível fracasso.

Quadro 18: O saber e suas representações sociais - Professores As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão

A tentativa de perceber este saber nas expressões dos sujeitos está pautada

na idéia apresentada por Morin (2003), quando diz que a mente precisa estar

preparada para não se deixar parasitar pelos erros e ilusões, criados por nós

mesmos, acerca dos conhecimentos tidos como verdades últimas. Em outras

palavras, há de se fazer permanentemente uma análise daquilo que se acredita e se

admite como verdadeiro, de tal maneira que uma luta constante seja travada contra

o erro e a ilusão em busca da lucidez.

As cegueiras paradigmáticas – isto é, “os indivíduos conhecem, pensam e

agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles” (op.cit., p.25) - uma das

cegueiras do conhecimento apresentadas por Morin (2003) é evidenciada nas

expressões dos entrevistados com uma tendência a um consenso de pensamento e

interpretações em torno desse saber e que os representa. Toda representação social

articula aspectos cognitivos, individuais e até sociais, como já foi apresentado

anteriormente. Para Jovchelovitch (2008), todo conhecimento é constituído de

representações e busca a representação. Ela afirma que “dessa maneira, os saberes

também buscam representar as pessoas que os possuem e os usam” (Ibid., p. 194).

Os depoimentos dos professores contêm representações sociais que

sinalizam o cuidado deles para não incorrer erros e ilusões. Buscam certa criticidade

diante do modelo de ensino e aprendizagem, incluindo certa auto-crítica. É o que se

deduz de suas falas:

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E2 – [...] mas também tem que cuidar com a sala de aula (dos alunos) e isto se torna difícil com este enlatado que a gente tem aí para trabalhar [...] E3 – [...] nem todas as verdades são verdadeiras [...] o grande objetivo: a gente despertar a consciência crítica no aluno [...] E4 – [...] eu sempre falo sobre a própria ciência que nem sempre está certa [...] nós, professores, temos a obrigação de influenciar o aluno de forma [...] que ele aceite o novo, mas que também não fique preso àquilo.

No relato de um professor (abaixo), ele diz que, ao propor uma modificação

no formato da prova (de uma prova com questões objetivas, para uma prova com

questões discursivas), o aluno o afronta. Esta atitude do aluno parece estar

mantendo-o em submisso ao modelo de ensino, enquanto o professor tenta

transcender a limitação. A representação social do aluno, nesse caso, mantém a

cegueira paradigmática do modelo sobre o senso crítico do professor.

E4 – “eu não vou fazer esta prova” – mas por que você não vai fazer [pergunta o professor]? “porque não está igual ao modelo de prova da Fundação Getúlio Vargas”.

Por outro lado, alguns depoimentos abaixo sinalizam justamente a tendência

contrária, ou seja, dos professores ficarem presos aos seus padrões. Parece haver o

que Morin (2003, p. 30) chamou de “obstáculo intelectual para o conhecimento”.

Estando o professor envolvido com o seu meio intelectual, não percebe a

permanência das suas idéias em certo grau de inflexibilidade, querendo talvez que o

novo ajuste-se ao tradicional, ao invés de tentar adaptar-se.

Há de se considerar a existência de certa ambigüidade, pois enquanto nos

depoimentos precedentes é expressa a consciência e o cuidado contra o erro e a

ilusão, nas seguintes existe certa reafirmação de seus próprios modelos.

E1 - o material vem pronto da FGV, vem os slides prontos, vem a ementa pronta, vem o plano de aula pronto, cada aula o que tem que ser trabalhado, então em algumas disciplinas é impossível o professor conseguir fazer alguma coisa extracurricular [...] E2 - Foi bem difícil para eu adaptar meu estilo de trabalho. E4 - a gente sempre está com modelos, tudo é modelo [...] eu tenho que ser fiel ao que eles nos passam, é algo muito engessado, porque o aluno vai ser certificado de acordo com aquele conteúdo.

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E5 - tem conteúdo que eu acho desnecessário, mas como vem um pacote fechado, eu acabo tendo que passar, por exemplo, a seção sobre Guerreiro Ramos é especificamente associação. Fala também do Prestes Mota, só que é, assim, você dá uma passada.

Para Morin (2003), não há conhecimento que não esteja, pelo menos em

alguma medida, ameaçado pelo erro e pela ilusão. No caso do depoimento que

menciona Guerreiro Ramos e Prestes Motta, há de se refletir sobre a importância

desses autores para a formação crítica do administrador. Ao tratá-los como

desnecessários, o professor perde uma preciosa oportunidade de estimular o senso

crítico dos alunos. Cabe informar que as contribuições dos dois autores constam nos

planos de aula da disciplina de TGA.

As representações sociais aparecem relacionadas à categoria incerteza do

conhecimento.

Morin (2003, p. 31) afirma que compreender o conhecimento em sua

estruturação implica considerar condições bioantropológicas, socioculturais e

condições de teorias abertas, isto é, noologia. Por este motivo (de estruturação do

conhecimento), devem levar a interrogações sobre o mundo, sobre o homem e sobre

o próprio conhecimento, evitando, assim, o idealismo e a racionalização.

Em seus depoimentos, E2, E3 e E4 apresentam a condição de estarem

atentos de maneira a evitar a ideologia e a racionalização nas suas práticas

pedagógicas. Confirma o contato desse saber “incerteza do conhecimento” na

prática pedagógica desses professores.

E2 – [...] eu costumo dizer aos alunos: não tenham síndrome de Gabriela que nasceu assim, cresceu assim, e vai morrer assim. O mundo muda, sempre. Então não fiquem bitolados pensando apenas no hoje. E3 - eu penso que sempre há uma oportunidade de melhoria e de evolução, então será que tudo é verdade [...] não, eu acho que tudo merece ser questionado [...] E4 - fala de uma modalidade de software (Windows) que é ensinado sem que haja a possibilidade da apresentação de outras alternativas que ele conhece, como por exemplo, os softwares livres. E4 - tecnologia com ideologia, isso está errado.

Embora haja essa compreensão de se evitar a ideologia ligada à tecnologia

(E4), o programa do curso não permite alternativas, nesse sentido.

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“O inesperado” (MORIN, 2003, p. 30) – isto é, estar aberto ao novo, pois o

inesperado poderá surpreender a qualquer momento, sem que seja possível prever

como e de que maneira ele se apresentará. Diante do inesperado, o importante é ser

capaz de rever nossas teorias e idéias.

É, no entanto, outra fonte geradora de erro e de ilusão, mas que, aparece

como orientações dos professor aos alunos a partir da sua experiência profissional.

Assim, quer despertar no aluno a consciência de que, mesmo estando de posse de

suas teorias e idéias, não estará seguro de que as coisas acontecerão como

previsto, e que, caso este pensamento lhe acompanhe, poderá não disponibilizar de

estrutura suficiente para aceitar o novo. Este saber aparece na orientação do

professor aos seus alunos quando diz:

E5 - você pode ter um chefe grosso, você vai encontrar gente legal, talvez você tenha que decidir com informação ou sem informação, você vai tomar porrada para decidir se deu certo, você vai tomar porrada para decidir se deu errado.

Em outra expressão de E5, é manifestada a imposição de uma força

normalizadora que Morin (2003, p. 27) chamou de “imprinting e a normalização”. Isto

significa que a verdade pode estar acobertada por determinismos paradigmáticos e

modelos explicativos que, associados ao determinismo de convicções e crenças,

torna invisível outra interpretação senão aquela já gravada cognitiva e

intelectualmente nas mentes, o que pode levar ao conformismo e, por conseguinte, à

paralisação.

Esta dominação intelectual e cognitiva pode acarretar o erro e a ilusão, pois é

como se uma força coercitiva inibisse a espontaneidade, simplesmente por medo de

contrariar a ideologia dominante. No depoimento a seguir, nota-se uma

representação social que pode indicar, indiretamente, o imprinting e a normalização:

E5 – [...] temos problemas aqui no meio que fogem até do objetivo principal que é a educação.

No entender desse professor, o modelo a que se submete retira dele mesmo

o propósito primeiro da sua atribuição, ou seja, educar. O modelo parece induzir os

professores à atividade de adestradores, treinadores, limitando fortemente suas

inclinações para assumir as mais nobres características da educação.

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O que parece possível concluir é que este saber surge nas suas práticas

pedagógicas, ainda que em ações não planejadas, e tornam-se possíveis quando

buscam alternativas vividas nas suas experiências profissionais, que não a docência.

De qualquer maneira há a contribuição para uma sensibilização dos alunos à

criticidade e ao entendimento de que os modelos nos impõem limitações que podem

nos induzir a erros e ilusões.

Dessa maneira, a imparcialidade aparece como alternativa que permite a

abertura para aquilo que ainda é desconhecido, não familiar, mas que deve ser

considerado para que não se esteja cego ou iludido pelas próprias representações

sociais.

Apesar disso, nota-se ainda duas situações: a primeira diz respeito à vontade

do professor em compartilhar com a turma sua experiência e seus saberes, criando

alternativas extracurriculares, que são rechaçadas pelos alunos sempre que

percebem que determinado conteúdo não será cobrado pelo modelo de prova

proposto para o curso. Quanto mais o conteúdo for reflexivo e menos quantificável,

mais tensão parece se inserir neste conflito. A segunda, ao que percebe o

pesquisador, parece dizer respeito à certa resistência por parte dos professores em

assumir o novo. Trata-se aqui tanto do conteúdo como do modelo proposto para a

formação do administrador. Esse novo modelo parece conflitar com o modelo já

sedimentado nas representações e convicções de cada professor.

Das Cegueiras do Conhecimento: o erro e a ilusão, foi possível identificar

aspectos das seguintes categorias: cegueiras paradigmáticas (parte do calcanhar-

de-aquiles do conhecimento), inesperado, incerteza do conhecimento e

imprinting/normalização. As categorias denominadas erros mentais, erros

intelectuais, erros da razão e noologia (possessão) provavelmente fazem parte do

cotidiano dos professores, mas em seus depoimentos não foi possível identificá-las

com clareza.

Os princípios do conhecimento pertinente

A educação deve evidenciar a inadequação entre os saberes compartilhados

por um lado e, por outro, problemas multidisciplinares, transversais,

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multidimensionais, transnacionais, globais, sendo preciso contextualizar

informações/dados para que adquiram sentido. O conhecimento torna-se insuficiente

quando as informações são isoladas.

O princípio do conhecimento pertinente integra, junta e remonta os diversos

conhecimentos para que a contribuição dos saberes isolados se complementem.

Este saber subdivide-se em três categorias: a) da pertinência do

conhecimento (contexto, global, multidimensional e complexo); b) da inteligência

geral (antinomia); c) dos problemas essenciais (disjunção e especialização fechada,

redução e disjunção e, finalmente, falsa racionalidade).

O princípio do conhecimento pertinente pode ser identificado nas expressões

dos professores, que reconhecem a necessidade deste saber (ainda que

indiretamente, sem a leitura da obra de Morin) no ato pedagógico. Nas entrevistas,

os professores E2, E4 e E5 argumentam, isto é, nas expressões dos entrevistados

aparece uma tendência a um consenso de pensamento e interpretações em torno

desse saber e que os representa. Esta representação articula aspectos cognitivos,

individuais e até sociais a favor de tornar indispensável a consideração do contexto

na sua prática de ensinar. Compreendem a importância de situar os dados e as

informações no seu contexto para que adquiram sentido (MORIN, 2003).

Embora a contextualização possa parecer óbvia, o material disponibilizado

nem sempre é adaptado para a realidade nacional e nunca para a realidade

regional. Compete ao professor que irá ministrar aquela disciplina fazer as

adaptações possíveis. Pode-se perceber isso nas expressões a seguir.

E2 - eu reclamei, porque todos os estudos de caso que nós vimos não tinha um caso brasileiro, era tudo fora da nossa realidade nacional [...] e assim eu não me sinto à vontade nas aulas [...] é só exemplos de American Airlines, só de Starbucks, só caso que não tem a ver com o nosso dia a dia [...]

E4 - o problema que eu vejo, no nosso caso, é que a forma que se faz não está contextualizada [...] vem tudo formatadinho [...] é tudo compartimentado, o negócio é cartesiano mesmo [...]

E5 - o administrador [...] precisa conhecer a empresa no seu contexto.

No entanto, os professores tentam adaptar o conteúdo à realidade que

permita a compreensão dos alunos, como exemplificado a seguir por E2:

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E2 – [...] eu faço adaptações buscando a realidade brasileira, porque é mais fácil de o aluno assimilar.

Embora o conteúdo tenha procedência de qualidade, o que não se discute, o

modelo de replicação parece inibir adaptações necessárias e restringir uma

liberdade fundamental aos responsáveis pela educação. O contato direto com os

alunos, com sua realidade socioeconômica, com suas características psicossociais,

é parcialmente desprezado pelo modelo, o que poderia ser compensado pela

atuação docente.

Por outro lado, ao enfatizar conteúdos de realidades distantes, o modelo

requer de cada professor um esforço extra para compreender o material para, em

seguida, traduzi-lo para a realidade nacional, regional e local. A educação não

deveria ignorar o processo de formação de representações sociais, que implica em

tornar familiar o que é estranho.

Outra possível representação social situa-se nos problemas essenciais. Morin

(2003, p. 41) afirma em “os problemas essenciais” que os recortes do saber em

disciplinas permite que se conheça a parte, porém, perde-se a percepção do global.

Essa disjunção e especialização fechada, isto é, o recorte das disciplinas e a forma

particular de abstração dificultam a compreensão do que está tecido junto.

Por rejeitar as relações entre o sujeito e o objeto; encaminha o pensar à abstração

matemática. Privilegia dessa maneira o que pode ser calculável, tornando-o possível

de se formalizar. Nas expressões dos entrevistados E1, E2 e E3 há a tendência a

um consenso de pensamentos e interpretações em torno desse saber e que os

representa nessa disjunção e especialização.

E1 – [...] destes projetos interdisciplinares é possível estabelecer alguns links de empresas com a comunidade, mas é uma coisa que a gente ainda esta fazendo a formatação. Eu não me aprofundei ainda no conteúdo que é trabalhado nas outras disciplinas. E2 – Nunca houve, assim, sentar para discutir exatamente sobre a relação entre a minha disciplina e outras. E3 – [...] neste complexo mundo competitivo, a matemática em particular tem sido relegada a um segundo plano nos cursos de administração. Quando eu falo de base matemática é poder aplicá-la, por exemplo, para compreender um conjunto complexo, como é o caso de um processo de fabricação.

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Essa disjunção e especialização fechada, essa fragmentação do

conhecimento, resulta na fragmentação do global, do complexo. Leva à perda da

aptidão natural da mente para contextualizar os saberes. No global, e suas inter-

relações, resulta um ser humano que se vê desconectado de qualquer

responsabilidade que ultrapasse as fronteiras da sua especialização.

Os professores, no entanto, entendem a importância da interdisciplinaridade,

parecem entender que o ideal não é isolar a parte do todo como também não

separar as partes umas das outras.

Entre os fatores que dificultam a interdisciplinaridade está a falta de reuniões

específicas para este objetivo. A maioria dos professores não recebe remuneração

para atividades além das previstas para aulas. Assumem a docência sem que esta

seja a sua principal ocupação. Apesar disso, alguns professores tentam ampliar os

pontos de vista dos alunos, como se vê nos depoimentos a seguir:

E2 – o aluno me pergunta: por que eu tenho que aprender bem estatística se eu só quero trabalhar com vendas? Porque tudo está alinhado, conectado. E4 - eu faço a minha aula buscando a história das coisas, eu percebi durante a minha vida, que para ensinar é preciso ajudar as pessoas a entender a história das coisas.

Os professores demonstram sensibilidade à pertinência dos conhecimentos.

Consideram o global e também o regional, visando o senso de responsabilidade dos

alunos. Expressam a necessidade de compreensão das relações sociais, das

representações sociais, dos seus contextos disciplinares e interdisciplinares.

Tendem a fazer adaptações, ou seja, eles necessariamente interpretam o conteúdo,

de acordo com suas crenças, desejos, interesses. Eles re(a)presentam para si

mesmos o conteúdo que precisam compartilhar com os alunos, e fazem isso visando

a compreensão que têm das representações sociais dos alunos, na tentativa de

serem compreendidos por eles. Caberia perguntar: como poderia ser diferente?

Como poderiam deixar de lado suas subjetividades, suas representações sociais, e

transmitir de forma neutra e mecânica o conteúdo do plano de aula?

Ao mesmo tempo, porém, em que há este esforço para a realização do

conhecimento pertinente, os professores revelam-se frustrados diante do modelo

“conteudista” e, de certa forma, pode ser percebido como “inflexível”.

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E4 – [...] do meu ponto de vista a administração deveria ter reuniões aqui para contextualizar cada disciplina e tratarmos das relações e correlações entre elas, mas não acontece. A gente faz uma reunião ou duas por semestre, mas não há um tempo para se preparar desta forma, não há, realmente não há. E5 – [...] a parte de ensino é extremamente amarrada porque ela vem pronta, é conteudista [...] é um curso de Administração voltado muito para o raciocínio lógico [...] é muito voltado para a parte de matemática.

É possível concluir que o princípio do conhecimento pertinente é um saber

que se faz presente em ações não planejadas, e que normalmente se sustentam nas

experiências de suas realidades profissionais ou de docência, quando já dispõem de

vasta convivência em sala de aula.

A prática dos professores, quando tentam nacionalizar ou regionalizar o

conteúdo a ser transmitido, contribui para um melhor entendimento dos alunos. Esta

condição os leva a compreender a importância do contexto e suas ligações com o

nacional e o internacional. Porém, com a cobrança da assimilação dos conteúdos

desconexos e descontextualizados, isolados por disciplinas, a reflexão é

desestimulada. Assim, perde-se, minimiza-se ou fragmenta-se a complexidade, a

multidimensionalidade. Desconsidera-se que o ser humano é ao mesmo tempo

biológico, psíquico, social, afetivo e racional (MORIN, 2003, p. 38).

Do saber denominado princípio do conhecimento pertinente, foi possível

encontrar, nas expressões dos professores, pelo menos as seguintes categorias:

contexto e disjunção e especialização fechada. Outras categorias, como inteligência

geral, a redução e a disjunção e a falsa racionalidade não foram identificadas de

maneira relevante nos discursos.

Ensinar a condição humana.

A condição triádica e complexa entre indivíduo, sociedade e espécie tende a

ser fragmentada na educação contemporânea – ou predomina o individualismo, ou a

visão da sociedade. Frequentemente falta uma consciência de espécie humana. A

crise civilizatória expressa tal fragmentação.

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Os professores entrevistados E2, E3 e E4 parecem sensíveis a este saber.

Porém, há de se considerar que as expressões a seguir surgem como respostas às

questões acerca desse saber, o que não significa uma prática elaborada com a

intenção de ensinar a condição humana.

E2 – [...] importante é o professor realmente conseguir agregar para o aluno um conhecimento e fazer com que este conhecimento passe a ser presente na vida do aluno [...] [referindo-se ao circuito indivíduo/sociedade/espécie] E3 – [...] há a necessidade de se considerar a emoção. Não dá para trabalhar o tempo todo no modelo Weberiano. Racional. E4 – [...] É essa diversidade que faz o sucesso dos seres humanos[...] o ser humano é o centro das coisas, você tem que entender de gente [...] principalmente o administrador que vai trabalhar só fazendo as pessoas trabalharem, então ele precisa entender bem de gente.

Como apontado por Giroletti (2005), um dos problemas da formação está na

excessiva ênfase no caráter prático do conhecimento, como se as universidades, em

especial a área de Administração, tivesse a possibilidade de gerar receitas que,

sendo seguidas, resolveriam quase todos os problemas.

o desenvolvimento do raciocínio, a capacidade de abstração e generalização, a criatividade, a inovação, o empreendedorismo, o senso crítico e a capacidade analítica devem ter precedência sobre a prática (GIROLETTI, 2005, p. 117).

Com essa base construída, o acadêmico estaria capacitado a aprender com a

sua prática. O administrador poderia adquirir competência para acompanhar,

promover e antecipar-se às mudanças em um mundo globalizado.

Um pacote de ensino que proporciona um tipo de aula instrumental,

meramente expositiva, que despreza as interpretações ou representações sociais

dos professores e também as interpretações ou representações sociais dos alunos,

é produto de uma concepção behaviorista, comportamentalista, da condição

humana. Guerreiro Ramos (1981) já havia criticado tal concepção simplista, que está

fundamentada em estudos do comportamento animal em laboratórios.

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Ensinar a identidade terrena

A globalização, ou mundialização, tem implicado o surgimento de um novo

objeto de estudo e ensino, que é o mundo em si mesmo, e também a identidade

terrena comum entre as diversas culturas. De acordo com Morin (2004, p. 64), “o

que agrava a dificuldade de conhecer nosso mundo é o modo de pensar que atrofiou

em nós, em vez de desenvolver, a aptidão de contextualizar e de globalizar”

Pelo menos dois professores, E1 e E3, argumentam a favor de uma

consciência ambiental, planetária. Para E1 não basta que as empresas cuidem do

meio ambiente calcadas apenas nas exigências previstas na legislação. É preciso

uma conscientização de que todos habitam uma mesma esfera global.

E1 – [...] a maior parte das empresas que hoje adotam princípios ambientais e, que estão incorporados, está relacionado a algum tipo de legislação que as obriga a fazer. Por iniciativa própria são poucas as empresas.

Parece desnecessário tratar aqui da complexa crise ecológica pela qual passa

a humanidade. O filme Uma Verdade Inconveniente, que é estrelado por Al Gore,

candidato à presidência dos EUA em 2000, por exemplo, remete a uma tomada de

consciência sobre a grave crise e também sobre a urgente necessidade de ação

conjunta das várias culturas.

Diante desse contexto, como considerar racional um ensino tecnicista que

atende às exigências industriais nas suas necessidades de especialização,

valorizando e premiando, em grande parte, os resultados econômicos, imediatos,

sem dar maior importância ao destino da própria espécie?

O entrevistado E3 argumenta sobre a importância dos meios para o

cumprimento dos fins. Não é, no entanto, uma prática adotada por todos os

professores e, aqueles que se dispõem a chamar para si a responsabilidade,

acabam sendo questionados pelos alunos. Estes resistem a temas que não fazem

parte dos conteúdos cobrados nas provas. Caso uma determinada atividade não

valha nota, o aluno tende a rejeitar as informações, considerando-as

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desnecessárias8. No depoimento abaixo, E3 responde a questão que se relaciona a

ensinar a identidade terrena:

E3 – [...] é preciso ter a visão de mundo. Se o gestor se preocupar apenas em atingir as suas metas de produção sem considerar as implicações desse cumprimento de meta à comunidade, isso pode ser catastrófico.[...]

Somente com um modelo cartesiano, positivista, mecanicista é possível

acreditar que o conhecimento possa ser transmitido para um lugar, como para um

aluno. Supõe-se que o conhecimento esteja em uma disciplina. E que assim pode

ser “transmitido” como se fosse um sinal de rádio, uma onda eletromagnética. Mas

conhecimento não é isso. Saber não é isso. Conhecer e saber são representações

sociais, formas simbólicas que mesclam conteúdos subjetivos, intersubjetivos e

objetivos. O conhecimento é construído social e historicamente, nas interações

humanas. É objetivado num CD, num livro, mas não pode ser transmitido de forma

neutra, pura, instrumental, para ninguém. Todo ato de conhecer é participativo.

Professores e alunos só podem conhecer algo tornando familiar o que lhes parece

estranho ou desconhecido. E sempre fazem isso com base em suas vivências,

subjetividades, crenças, interesses, desejos.

A educação, diz Morin (2005, p. 65), tem o compromisso de constituir a

autoformação da pessoa. Deverá proporcionar-lhe a possibilidade de assumir a sua

condição humana, ensinar a viver para que, tornando-se solidário e sentindo-se

responsável por sua comunidade, por sua nação, pela humanidade como um todo.

A pedagogia declarada no Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e também

no Projeto Político do Curso (PPC) considera que a maneira de promover o

desenvolvimento da realidade é problematizando-a criticamente.

Ignorar a identidade terrena é desconsiderar a própria realidade humana na

sua fragilidade existencial. Enquanto se estimula o consumismo e o produtivismo

descaracteriza-se a educação, seus valores mais nobres. Assim, o ser humano

8 Segundo Paes de Paula, no artigo intitulado “Pedagogia Crítica no Ensino da Administração: desafios e

possibilidades”, publicado em 2006, a pressão da cultura imediatista espera soluções prontas e respostas inquestionáveis dos cursos de Administração e de sua equipe docente. De modo geral, esse público tende a incentivar os professores a trabalharem a educação como técnica, escamoteando seus aspectos políticos e morais.

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deixa de reconhecer a unidade na diversidade e a diversidade na unidade. Para que

serve, então, a educação? Qual o papel da universidade diante da humanidade?

Enfrentar as incertezas

É fundamental que o ser humano seja educado para conviver com as

incertezas e aprenda a enfrentá-las. A educação não pode ignorar incertezas

constatadas nas ciências físicas, nas ciências da evolução biológica e nas ciências

históricas. Faz-se mister que as mentes sejam preparadas para o inesperado.

Assim, à educação compete a vanguarda ante a incerteza dos tempos atuais.

Este saber despertou nos professores certa curiosidade, pois questioná-los

como preparam os seus alunos para se depararem com a incerteza foi algo novo

para eles. Mesmo que as expressões apresentem certa compreensão a este

respeito, os professores entenderam que a incerteza deve ser trabalhada de

maneira cuidadosa e diferente, para que essa realidade se torne clara aos alunos.

Ensinar a enfrentar as incertezas é compreender que o processo de tradução

da realidade, diz Morin (2003), está sujeito à incerteza cérebro-mental, à incerteza

lógica, à incerteza racional e à incerteza psicológica de cada ser humano. Dessa

maneira, aquilo que pode ser perfeitamente factível para alguns para outros, é

simplesmente impossível de realizar. Dessa maneira, o que importa é entender que

a incerteza está no real e, saber isso, é compreender que algo ainda está por ser

descoberto naquilo que já parece descoberto. Isto é ser realista no sentido

complexo.

Os entrevistados E1, E2, E3, E4 e E5 consideram que preparar os alunos

para que saibam lidar com a incerteza significa torná-los conscientes da própria

incerteza dos conhecimentos e dos padrões que já possuem e que estão adquirindo.

Como já apresentado anteriormente, o próprio conhecimento está sujeito ao erro e à

ilusão. Esta abordagem não é identificada claramente nos discursos dos

entrevistados.

De acordo com o princípio da reintrodução daquele que conhece em todo

conhecimento, segundo o qual “da percepção à teoria científica, todo conhecimento

é uma reconstrução/tradução por um espírito/cérebro numa certa cultura e num

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determinado tempo” (MORIN, 2000, p. 34). Este saber também não foi identificado

com clareza nos discursos dos entrevistados.

As expressões a seguir exemplificam as formas pelas quais os professores se

posicionam quanto ao saber enfrentar as incertezas:

E1 - não existe em gestão nenhuma decisão sem risco, quando eu escolho uma coisa, eu decido uma coisa eu estou negando várias outras, então é isto que eu tento passar para o aluno. E2 – [...] um plano de ensino é como um plano de ação de um administrador [...], se ele não for controlado e verificado constantemente, você pode atingir um objetivo que já está ultrapassado [...] E3 – O uso de modelos (reengenharia) são perigosos, extremamente perigosos, tem-se que ser crítico, usar receitas pode ser perigoso, eu digo isso nas minhas aulas. E4 – [...] esta visão da incerteza eu sempre digo para os meus alunos que é a única coisa que não muda. É a certeza de que a mudança acontecerá. E5 – [...] tem que preparar o aluno para tomar decisão, [...] a incerteza fica maior ou menor de acordo com a coragem de assumir os seus riscos [...]

O ensinar a enfrentar as incertezas é um saber muito ligado às noções de

risco e de decisão nas representações sociais dos professores. Entretanto, parece

não estar tão vinculado ao pensamento crítico quanto ao paradigma funcionalista

(instrumental, comportamentalista). Embora no Projeto Político do Curso a educação

problematizadora seja enfatizada, o modelo adotado na parceria SOCIESC/FGV

parece inibir o pensamento crítico.

Ensinar a compreensão

Ensinar a compreensão pode constituir-se uma das bases da educação mais

seguras para a promoção da paz mundial, capaz de enfraquecer os movimentos

racistas, a xenofobia e o desprezo.

A compreensão pede uma atitude responsável diante de si e perante o outro.

Diante de si porque sem que se faça uma introspecção, a fim de perceber os

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próprios acertos e erros, incorre-se no egocentrismo degenerativo das relações

interpessoais; e perante o outro, para que diante da incompreensão alheia haja

capacidade de agir com empatia suficiente, capacidade de compreender porque não

se é compreendido, o que não deixa de ser uma maneira de exercitar a democracia.

Nas expressões dos professores, percebem-se duas posturas em relação a

este saber, o que gera uma ambivalência entre como pensam e como agem. As

duas posturas, se analisadas separadamente, compõem representações sociais

significativas que as sustentam.

A primeira postura está presente nos discursos de E2, E3 e E4. Estes

professores manifestam preocupação com a necessidade de compreender os alunos

e de serem compreendidos, e também quanto às formas de avaliação. Consideram

que estas precisam levar em consideração aspectos de ordem comportamental que

distinguem os alunos.

E2 - eu vejo que o psicológico dos alunos está abalado por este perfil de provas [...] eu não tenho a oportunidade de avaliar o aluno no seu esforço em querer aprender na sala de aula [...] Como ele desenvolve o seu pensamento, como ele se esforçou, ou se dedicou, porque ele é considerado um número. E3 - O professor que ficar um semestre todo falando só de dentro da sua caixinha [...] só resta ao professor, então, em qualquer disciplina, trabalhar no sentido de relacionar as coisas para chamar a atenção do aluno, no intuito de fazer com que ele entenda a importância daquele conhecimento E4 - Eu sempre procuro primeiro perceber dentro do nosso aluno como é que ele está pensando [...] Não é que ele esteja errado, é que isso pode dificultar justamente o aprendizado dele [...]

A segunda postura expressa formas de incompreensão e de descontrole

sobre o diferente, sobre aquilo que foge do roteiro do professor e que o torna

impotente diante do evento.

O espírito redutor, isto é, a tendência a reduzir o complexo a um único

elemento e mantê-lo como o mais significativo, aparece no discurso de E3. Ele reduz

a possibilidade de mudanças no chamado “clima organizacional” a um conhecimento

técnico sobre gráfico. No discurso de E5, uma maneira redutora de agir e interpretar

as ações dos alunos é evidenciada quando se questiona o envolvimento dos alunos

em atividades de pesquisa ou extensão.

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E3 – [...] Se você não entende de gráfico como é que você vai avaliar a curva de tendência do clima organizacional? E5 – muitas vezes a gente pega pesado com os alunos [...] porque sabe que aluno move-se através de nota, no voluntariado não vai [...]

Outras expressões favoráveis a esse saber aparecem na forma de ruído da

transmissão, isto é, a transmissão da informação cria o malentendimento ou o não-

entendimento como expressa E4 e E5.

E4 – [...] funcionou perfeitamente, teve relatórios e tudo, e por que funcionou? Porque o pessoal se interessou [...] deu certo em outras experiências mas para o curso de administração não conseguem fazer isso acontecer. E5 – [...] tem aluno que diz assim: eu não vim fazer engenharia, "isto eu pego um livro e vou ler."

Contudo, em nenhuma das expressões notam-se orientações acerca da

necessidade da compreensão, seus caminhos e possibilidades que pudessem

permitir aos alunos compreender esta condição humana nas comunicações, nas

relações, no convívio.

Delors (2001) apresenta esta necessidade de compreensão da humanidade

pelas comunidades e vice versa – sem a ingênua idéia de acreditar que, reunindo os

membros de grupos diferentes haveria a compreensão, quando é sabido que,

mesmo dentro de um espaço comum, já acontecem competições.

O ensinar a compreensão, defendido por Morin, está fortemente relacionado à

idéia de aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros, defendida por

Delors.

A noção de compreensão tem sido trabalhada de forma unilateral, vinculada a

sua dimensão quantitativa ou objetiva. Mas a compreensão também tem uma

dimensão subjetiva, que foi separada daquela. Tal separação parece ser reforçada

pelo modelo da parceria SOCIESC/FGV. O formato de aula é cartesiano, com

critérios para que a produção dos conteúdos seja atingida nas datas programadas.

Conclui-se que este saber, na sua dimensão subjetiva – fundamental inclusive

para a dimensão objetiva (MORIN, 2005) –, não é trabalhado com os alunos.

[...] as idéias manipulam-nos mais do que as manipulamos. A possessão por uma idéia faz com que nos tornemos incompreensivos com os que estão possuídos por outras idéias e os que não se deixam possuir por nossas idéias. (MORIN, 2005, p.119)

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Assim revela-se um descumprimento desta perspectiva contemplada na

proposta do Projeto Político Institucional e no Projeto Pedagógico do Curso.

A ética do gênero humano

A educação, diz Morin, deve conduzir à antropo-ética, considerando-se a

condição humana, constituída simultaneamente pelo indivíduo, pela sociedade e

pela espécie. A ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade

pelo indivíduo e do indivíduo pela sociedade, o que implica em democracia.

Enquanto isso, a ética indivíduo/espécie convoca a cidadania terrestre.

É dessa tríade complexa que emerge a consciência de educar para a

compreensão de que a verdadeira pátria é todo o planeta terra (Terra-Pátria), e não

apenas uma parte dela, uma porção, como o território em que se nasceu. Com a

compreensão da Terra-Pátria, tornar-se viável a realização da cidadania terrena.

O espaço escola passa a ser um laboratório para que, nesse ambiente

diversificado de idéias e opiniões, o amadurecimento das relações aconteça em prol

de uma democracia que estimule a liberdade individual, além das próprias

responsabilidades.

Contrariando essa noção ampla da educação, os entrevistados E2 e E5

mostram em seus discursos uma representação do aluno como “cliente”, como

alguém que está comprando um serviço, um produto. Essa visão mercadocêntrica é

simplificadora do ser humano, especialmente daquele que está em processo de

aprendizagem.

E 2 - uma coisa que eu acho muito importante e defendo é a satisfação do cliente E5 – [...] estamos assumindo uma responsabilidade que é além de formar administradores, temos a responsabilidade da marca, a gente tem que tomar cuidado para que isto não se torne um processo falso.

Esta representação limitante da cidadania (como consumidor de um serviço) é

contrária à ampliação do educando como um cidadão do planeta Terra, com senso

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crítico, voltado para a transformação social e não apenas para a adaptação de sua

consciência ao mercado.

Com uma marca pela qual zelar, o professor passa a ter a preocupação de

agradar a sua clientela. Surgem estão questionamentos relacionados ao processo

de ensino, que deveria promover a espontaneidade e a democracia, ao invés de

acatar um modelo rígido que beira à catequização do aluno. A proposta de modelo

usado remete mais a uma sociedade autoritária ou totalitária do que realmente

democrática, o que configura a permanência do modelo hegemônico positivista,

instrumental e reducionista.

Os depoimentos apresentam aspectos de valores éticos e morais. No entanto,

estes são reduzidos a uma especialização disciplinar. Não apresentam aspectos da

relação indivíduo/sociedade/espécie.

Em conclusão às expressões dos professores entrevistados, são percebidos

argumentos que corroboram para que haja o contato com os Sete Saberes

Necessários à Educação do Futuro nas práticas pedagógicas. Porém, em pelo

menos cinco dos sete saberes explorados, esta prática não se desdobra para o ato

pedagógico. Permanece, assim, como uma intenção, ou uma necessidade que é

expressa pelos professores de maneira crítica quando falam que o modelo é

engessado, não possibilitando ações em torno desses saberes.

Assim, o ato pedagógico dos professores tende ao conteudismo, ao

reducionismo e à fragmentação. Segundo a análise das entrevistas, parece haver

uma desconexão entre o conteúdo ensinado e o próprio contexto.

O professor parece incapaz de perceber a interação entre as disciplinas.

Parece não perceber como as outras disciplinas poderiam enriquecer a sua

especialidade. Por isso, a interdisciplinaridade permanece um ideal distante e vago.

E isso também vale para a ética do gênero humano.

4.2.3 Grupo focal com professores

A aplicação do focus group – ou grupo focal – com o grupo de cinco

professores teve o propósito de perceber as interpretações dos pensamentos e

ações em torno dos sete saberes necessários à educação do futuro, suas

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ansiedades, seus valores, suas expectativas como docente. Segundo Morgan (1988,

apud FREITAS; OLIVEIRA 2006, p. 326), o emprego do focus group é singularmente

útil quando o propósito é comprender como uma experiência, uma idéia ou um

evento é vivenciado pelas pessoas. É nas discussões que se torna possível o

afloramento de sentimentos, pensamentos e opiniões, a respeito da experiência, da

idéia ou do evento vividos pelas pessoas. Esta técnica permite que, em um curto

espaço de tempo, seja absorvido uma grande gama de informações, muito embora

não seja possível saber o quanto espontâneo sejam as contribuições.

É sabido que toda técnica de coleta de informações apresenta virtudes e

limitações. Com o focus group aplicado nesse estudo tem-se como principal

interesse a legitimação dos dados coletados, e essa é uma das vantagens

apresentadas por essa técnica, diz Freitas e Oliveira (2006).

Quando da realização do grupo focal, os professores já haviam sido

entrevistados individualmente, e, em um encontro de aproximadamente sessenta

minutos, foram discutidas algumas das questões já tratadas nas entrevistas

individuais. Nesse ponto, os professores tiveram uma disposição e uma atitude de

contribuição diferenciada para que a reunião fosse viável.

A maior dificuldade encontrada foi a de ser mediador e estimulador das

discussões – esta ação não aconteceu com facilidade. De qualquer maneira foi

possível perceber que os professores, diante dos colegas, também sentiram certo

constrangimento, que levou a uma atitude mais reservada. Não externavam suas

opiniões sem medir as palavras e quase nunca apresentando divergência em

relação às opiniões dos colegas.

As críticas e problemas percebidos e apontados durante as entrevistas

individuais foram, em grande medida, deixados de lado. De qualquer maneira, as

representações sociais no grupo focal confirmam o que foi observado nas

entrevistas individuais.

No depoimento de E1, por exemplo, há o argumento para o que Martin e Frost

(2001) chamam de perspectiva da integração. Trata-se de um enfoque funcionalista

que tende a excluir a ambiguidade e a complexidade do processo cultural, visando à

integração cultural por meio de consenso. A preocupação dos administradores seria

a de desenvolver tecnologias gerenciais para intervir na realidade cultural das

organizações, visando ao aumento de produtividade e vantagem competitiva. Os

críticos denominaram essa abordagem cultural de Engenharia de Valor, porque os

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autores tiveram a ousadia de afirmar que líderes culturais eficientes poderiam criar

culturas fortes em torno de seus próprios valores (MARTIN; FROST, 2001, p. 223)

No grupo focal, a manifestação dos professores não converge para uma

representação social única. Enquanto E4 traz as suas percepções para a influência

do poder exercido pelo sistema hierárquico, E1 desabafa diante de exigências de um

mercado competitivo em que os clientes solicitam o que o sistema de ensino não

consegue conceber, chamando-os de iludidos com a realidade.

E2 entende que o erro (as cegueiras do conhecimento) aconteça por falta de

aplicação dos conhecimentos teóricos nas experiências práticas, e que, se os alunos

aplicassem o que lhes é ensinado, o erro não aconteceria ou, pelo menos, seria

minimizado.

E5 expressa a sua opinião afirmando que a prática não é como se aprende na

teoria e que, em administração, não há verdade absoluta.

E3 entende como sendo a escola um ambiente para que se erre e se aprenda

com o erro.

Alguns trechos dos depoimentos de professores, a seguir, exemplificam estas

idéias. Outras expressões podem ser observadas no apêndice.

E1 - Ah eu queria falar um pouquinho de ilusão, eu acho que os alunos de administração em geral são muito iludidos. Primeiro eles chegam aqui achando que é um cursinho “Walita”, que eles vão passar porque não tem matemática – essa é a primeira ilusão. A segunda ilusão é que eles são clientes, então o professor falou um “ó”, o aluno não gostou e vem uma comissão de três falar contigo porque o professor não-sei-o-que. E2 - esta questão do erro (as cegueiras do conhecimento) muitos alunos vivenciam nas empresas que é diferente da teoria e aí a gente comenta, “por isso que sai errado” porque se faz sem planejar, sem conhecer e não absorvendo o que está sendo ensinado [...] E3 - O ambiente de escola eu penso que é um ambiente importante para trabalhar o erro, trabalhar oportunidade de crescimento, deve ser encarado desta forma como oportunidade de crescimento [...]

E4 - essa relação de poder a gente vive neste dilema o tempo todo. Ou você morre e vai para a fogueira, ou você diz tá bom, e sobrevive mais um pouco, em todas as sociedades, até na SOCIESC, pode escrever, é violento. E5 - a teoria na prática é completamente diferente, não adianta, vai depender muito de cada pessoa.

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Embora se tenha feito uma introdução, conversando a respeito dos Sete

Saberes Necessários à Educação do Futuro, nos discursos dos professores notou-

se a incompreensão a respeito da proposta de Morin (2003). Não conseguiram trazer

para a discussão, por exemplo, a possibilidade da cegueira do conhecimento, a

vulnerabilidade do conhecimento, a condição de que os erros podem ser gerados

pelos erros intelectuais, da razão, de paradigmas, do inesperado e a própria

incerteza do conhecimento.

Sob a ótica dos professores, o conhecimento é algo que todos têm que

buscar. É a única forma de se manter atualizado. Entretanto, não conseguiram

traduzir essa realidade de pertinência, entre a parte e o todo, ou seja, não

conseguiram canalizar essa realidade para a sala de aula. É na sala de aula que

deveria ocorrer o contínuo relacionamento entre as disciplinas, o contexto, o global,

o Multidimensional, o complexo. Para que o conhecimento seja pertinente, a

educação deverá torná-los evidentes.

Os demais saberes abordados no grupo focal ficaram desconectados do

propósito de entender como poderiam ser praticados em sala de aula. Dois motivos

relevantes para isso podem ser apontados: a) desconhecimento da proposta do

relatório Delors e da obra de Edgar Morin; b) inexperiência na aplicação da técnica

de grupo focal.

4.2.4 Alunos do sétimo período de administração

As entrevistas com os alunos do sétimo período de administração

aconteceram individualmente, seguindo um roteiro com questões semiestruturadas,

que levaram em consideração as categorias propostas para análise.

No transcurso das entrevistas, porém, os alunos levantaram questões que

lhes provocam ansiedade, desconforto, insatisfações, nesse processo de formação e

que, na repetição dessas características, tornam-se suas representações sociais.

O entrevistador, diz Alonso (1998), deve ter certa sutileza nos seus

movimentos discursivos, de tal maneira que provoque a fala do entrevistador ao

invés de levá-lo à inibição ou ao corte da sua fala. Portanto, é preciso que o

entrevistado não canalize ou conduza a fala do entrevistado para que não haja

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cortes na sua linha de pensamento. Surge no processo de entrevista a oportunidade

de os alunos exporem seus sentimentos em relação ao curso e todo o processo de

ensino–aprendizagem. Estas expressões assemelham-se a uma espécie de

“catarse”. Esse processo talvez não tenha sido bem conduzido em face da

inexperiência do pesquisador.

Durante a entrevista, o roteiro foi parcialmente seguido e as respostas foram

relevantes no contexto deste estudo. As representações sociais dos alunos acerca

dos Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro aparecem em argumentos que

caracterizam a sua ausência na prática pedagógica do curso. Essa ausência pôde

ser percebida com maior evidência em, pelo menos, quatro dos saberes – que serão

tomados para análise e interpretação.

No quadro a seguir, resumem-se as representações sociais encontradas nas

entrevistas com os alunos.

Saber Categorias Síntese da Representação Social

As cegueiras do

conhecimento: o

erro e a ilusão.

- A vulnerabilidade do conhecimento pelo erro e pela ilusão; - As cegueiras paradigmáticas; - O Imprinting e a normalização; - O inesperado; - A incerteza do conhecimento.

O conhecimento é representado como um sistema fechado, o material vem pronto tornando a aula monótona.

Os princípios do

conhecimento

pertinente

- A percepção do contexto; - O global (a relação entre o todo e a parte); - A antinomia (fragmentação dos contextos); - A redução e a disjunção.

Embora não considerado a regionalidade no material, há um esforço de alguns professores para que haja o melhor aproveitamento da disciplina pelos alunos

Enfrentar as

incertezas - Enfrentar as incertezas; - A imprevisibilidade em longo prazo

A necessidade de cumprir com um plano de aula que compromete toda a carga horária, inibe abordar conceitos que pudessem ser debatidos a este respeito.

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Ensinar a

compreensão

- O ruído de transmissão; - A compreensão contrária ao seu sentido enunciado; - O espírito redutor;

As informações e conhecimentos transmitidos não consideram este saber. Muito raramente algum professor busca compreender a realidade da turma para que pudesse trazer a sua aula à realidade daquela turma, daquele aluno.

Quadro 19: O saber e suas representações sociais – Alunos

As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão

Morin afirma que a educação contemporânea, que visa transmitir

conhecimentos, parece cega quanto ao que é o conhecimento humano, seus

dispositivos, enfermidades, dificuldades, tendências ao erro e à ilusão. Uma obra

fundamental sobre este temática é o volume 3 da série sobre o Método, intitulado “o

conhecimento do conhecimento” (MORIN, 1999). Nela são abordadas a antropologia

do conhecimento, a biologia do conhecimento, a psiquiatria do conhecimento, a

relação entre inteligência, pensamento e consciência, entre outros temas.

A cegueira paradigmática, em se tratando da percepção dos alunos, é

inerente ao modelo de ensino-aprendizagem. Os alunos percebem o

condicionamento dos professores ao modelo e consideram as aulas monótonas,

previsíveis, cansativas, já que dispõem de todo o conteúdo antecipadamente.

A representação social que os alunos fazem é, às vezes, ambivalente, já que

tanto contestam o modelo de aulas tradicionais e avaliações de múltipla escolha

quanto resistem diante de iniciativas dos professores que buscam alternativas ao

modelo.

A seguir, são apresentados alguns trechos de discursos dos alunos a respeito

das cegueiras do conhecimento (cegueira paradigmática, imprinting e normalização,

a incerteza do conhecimento).

A1 - passa a ser tão rotineiro, até mesmo as apresentações nos slides, para os alunos, que querendo ou não os alunos acabam se desmotivando a buscar [...]

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A2 - As matérias de cálculo você tem que lembrar basicamente e que foi dado em slides. Que pode cair, questões (na prova) bem parecidas com aquelas que foram dadas (em sala de aula) com números diferentes. A3 - a gente fica muito focada nessa prova e a gente não dá tanta importância a outros materiais que não sejam da FGV. A4 - isso tudo é muito engessado, o professor não tem como trabalhar [...] vários professores já falaram para a gente que se fossem montar, não montariam do jeito que estaria ali, tem muitas informações desnecessárias. A5 - A gente é mais estimulado a decorar matéria e passar na prova.

Os alunos confirmam a manutenção do ensino racionalista, instrumental,

fragmentado. Para Cardoso e Serralvo (2009), o pensamento cartesiano dominante

do mundo tem condicionado nos últimos três séculos a entender a atual realidade

como um mecanismo previsível e finito. Essa inércia do pensamento se reproduz

nas salas de aula. Conforme visto anteriormente, as avaliações de múltipla escolha,

ditas objetivas, contribuem para a permanência dessa inércia, inibindo a reflexão, a

capacidade de interpretar os conteúdos em seus contextos.

Os princípios do conhecimento pertinente

Este saber refere-se a um problema universal: a inadequação cada vez mais

ampla e profunda entre os saberes desunidos, compartimentados, e as realidades

ou problemas cada vez mais multidimensionais, transversais, transnacionais,

multidisciplinares. Nessa inadequação, tendem a ficar invisíveis o contexto, o global,

o multidimensional e o complexo. O princípio do conhecimento pertinente integra,

junta e remonta os diversos conhecimentos para que a contribuição dos saberes

isolados se complementem.

Os alunos A1, A2, A3 dizem que, na maioria das vezes, os professores

parecem se esforçar para que o contexto dos conteúdos seja considerado, por meio

de exemplos da realidade local. O material que é disponibilizado para o curso pela

instituição parceira do IST nem sempre é adaptado à realidade nacional e nunca à

realidade regional, deixando ao professor a tarefa de fazer as adaptações possíveis.

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Os alunos percebem essa situação da seguinte forma:

A1 - uma das ligações tem, por exemplo, administração mercadológica 1 e administração mercadológica 2, é uma sequência [...] o que ligou bastante foi recursos humanos, com alguma coisa de administração mercadológica, filosofia com psicologia, ligou também psicologia com RH, tem uma ligação sim entre as matérias. A4 - a gente passou o semestre todo ouvindo historia da Tigre, da Prefeitura, mas isso é interessante, eles se esforçam bastante, eles tentam trazer o que está no conteúdo dos slides para o nosso entendimento, usando o exemplo do trabalho deles.

Há também situações em que as realidades nacional e local não são

consideradas:

A1 - uma destas matérias de finanças a gente teve a literatura internacional onde os exemplos eram todos internacionais, e ficava complicado para a gente aplicar no dia-a-dia nosso [...] Foi um semestre todo que a gente trabalhou com uma literatura de fora, com um autor de fora, os exemplos todos de fora. Então, eu me senti limitada no meu conhecimento[...]

Nesse caso, a dificuldade apresentada pela aluna foi relativa às diferentes

legislações que regem o sistema financeiro. Na prova, o conhecimento avaliado foi

aquele transmitido em sala de aula, não foi da realidade brasileira, mas o da

realidade norte-americana com algumas adaptações.

Os avanços e os crescimentos que colocaram a administração e

administradores em evidência no mercado trazem consigo problemas que requerem

maior atenção e cuidados. Giroletti (2005) diz que a característica do Brasil Colônia

reflete-se nos dias atuais, quando surge a valorização primeira do que é estrangeiro

em detrimento do nacional, quando não o menosprezo em resposta ao produto da

própria pátria. Essa idolatria ao estrangeiro está associada à importação de

alternativas de administração que, em território nacional, são reverenciadas como

inovadoras e revolucionárias.

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Enfrentar as incertezas

Morin propõe enfrentar as incertezas e não simplesmente adaptar-se a elas.

Para isso, parte tanto de descobertas da microfísica, da termodinâmica e da

cosmologia quanto das ciências da evolução biológica e das ciências históricas.

Sugere que a educação trate de princípios de estratégia que permitam enfrentar os

imprevistos, o inesperado, a incerteza, modificando o curso da ação em face das

informações obtidas ao longo do tempo. Afirma que é preciso navegar em um

oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certeza. Definitivamente, essa

idéia vai além da simples noção de adaptação a mudanças, algo que virou senso

comum no mercado globalizado. A adaptação a um meio externo é uma noção

conservadora, que ignora a complexidade da auto-eco-organização.

Ensinar a enfrentar as incertezas é compreender que o processo de tradução

da realidade, diz Morin (2003), está sujeito à incerteza cérebro-mental, à incerteza

lógica, à incerteza racional e à incerteza psicológica de cada ser humano.

Os alunos A2, A3, A4 e A5 confirmam que estratégias de enfrentamento da

incerteza não são abordadas em sala de aula, ainda que se reconheça o ambiente

altamente mutável da globalização.

Os discursos dos alunos mostram como estão condicionados a não pensar a

respeito de formas de enfrentamento das incertezas. O modelo de prova adotado

para a P1, mas mais especificamente para a P2, pode favorecer uma postura

passiva. Por se tratar de provas de múltipla escolha, o aluno não trabalha a sua

capacidade de interpretar, refletir. Mesmo sabendo que se vive na

contemporaneidade, em constante processo de mudanças, em que os valores são

ambivalentes, em que tudo está conectado, o ensino sobre como enfrentar as

incertezas tem sido negligenciado. O futuro profissional, por não saber como se

comportar diante dessa realidade incerta, torna-se inseguro e paralisado.

A2 - a prova [...] era difícil, quando ele foi ver tinha aprovado, isso é possível porque a prova era de assinalar, não porque ele tinha conhecimento. Comigo também isso já aconteceu, [...]

A3 - Como você deveria agir diante da incerteza, essas coisas não passam [não nos ensinam].

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A4 - Não foi nada que eu aprendi na faculdade [falando sobre enfrentar a incerteza] A5 - a matéria vem muito pronta, a gente acaba não criando muita coisa, a gente fica meio que preguiçosos pela forma que está sendo proposto o conteúdo.

Ensinar a compreensão

A compreensão complexa (constituída de compreensão objetiva, explicativa, e

de compreensão subjetiva, empática) pede uma atitude responsável diante de si e

perante o outro. Diante de si porque, sem que se faça uma introspecção, a fim de

perceber os próprios acertos e erros, incorre-se no egocentrismo destrutivo das

relações interpessoais. E perante o outro, para que diante da incompreensão alheia,

seja possível agir com empatia suficiente, compreender porque não se é

compreendido, o que não deixa de ser uma maneira de exercitar a democracia.

Bem distante de um ensino sobre compreensão complexa, o que as

representações dos alunos mostram é uma sensação de não compreendem o

sentido do que lhes é ensinado. Sentem-se tratados como cobaias em um

laboratório. Percebem muitas matérias como desnecessárias, repetitivas.

A1 - eu posso falar com total certeza, como toda sala, que a gente é um ratinho de laboratório, tudo que é novo no curso está sendo testado na gente. Bom, eu não sei se vai ser o futuro, porque talvez eu vou ter que buscar fora outros conhecimentos. A3 - se eu vou passar uma informação que eu quero que a pessoa saiba, eu tenho que trazer pra realidade da pessoa, pro contexto dele. Eu acho que isso não é muito trabalhado não. A4 - Nesses sete períodos que estudei aqui, tivemos matérias que foram muito redundantes e repetitivas, cansativas, e até mesmo, no meu ponto de vista, desnecessárias. A4 – [...] tivemos logística, eu não sei o que os professores, mestres doutores fizeram lá, especialistas desta área, mas colocaram várias sessões de mapas geográficos, malha rodoviária, malha ferroviária, no meu ponto de vista foi perda de tempo e de energia tanto para a professora ali na frente como para os alunos. Estudamos o que foi totalmente desnecessário [...] A5 - Com base na apostila a gente já consegue passar tranqüilo.

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Quando lhes é perguntado sobre que competência tem sido enfatizada, nem

todos confirmam a expectativa da coordenação, que aponta o cálculo como um

diferencial competitivo do curso.

A1 - Maior ênfase a parte de cálculo, que eu acho [...] A2- Maior enfoque... eu acho que foi em relações humanas[...] A3 - Eu acho que mais a parte de humanas mesmo, de psicologia essa parte assim. A4 - Uma coisa positiva que eu achei desta proposta é que eles focam muito a matemática. A5 - Eu acho que a gente teve muito, até bastante... a gente teve três semestres englobando a matéria Marketing.

Como é possível notar dos cinco entrevistados, dois indicam disciplinas de

ciências humanas, dois reconhecem a ênfase em cálculo e um aponta o marketing,

confirmando que as disciplinas relacionadas como as exatas não são percebidas

por este grupo de alunos como um diferencial. Infere-se daí o que pode ser

reconhecido como uma capacidade do curso em atender uma diversidade de

competências.

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5 CONSIDERAÇÕES

Retoma-se aqui as questões e os objetivos apresentados no capítulo

introdutório deste estudo, e que serão tratados conjuntamente. Apresentam-se

nessa seção os aspectos essenciais por meio de uma descrição geral dos estudos

realizados para, em seguida, confrontar os objetivos propostos com os resultados da

pesquisa. O capítulo é finalizado, considerando as contribuições da investigação

realizada em que se apresentam algumas sugestões para os trabalhos futuros.

A pesquisa possibilitou reflexão de forma contextualizada sobre questões

relativas à formação do Administrador, o pensamento complexo, com ênfase na obra

Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, as representações sociais, a

abordagem dos estudos críticos e as principais perspectivas sobre cultura

organizacional.

Nessa pesquisa, entretanto, não está incluída a pretensão de uma abordagem

aprofundada de cada uma das reflexões, mas uma articulação da noção de

representações sociais com o pensamento complexo, a abordagem dos estudos

críticos e as principais perspectivas sobre cultura organizacional.

Por tratar-se de uma pesquisa qualitativa, a preocupação não é a de

quantificar. Antes, quer-se perceber aspectos da realidade que possam contribuir

para a compreensão da realidade na formação do administrador da Sociesc. Assim,

os resultados desse estudo focam a articulação, a compreensão e a interpretação

dos fenômenos de natureza social relacionados ao curso de administração e a

formação profissional.

A temática central desse estudo está atrelada ao problema de como

professores, coordenação e alunos percebem a experiência do curso de

administração da SOCIESC, em parceria com a FGV, considerando-se o perfil do

administrador.

Para analisar essa temática, inicialmente se apresentou a história e a

evolução da administração, a partir da sua cronologia. Na sequência evidenciamos o

pensamento complexo de Morin complementando com os estudos organizacionais a

partir dos estudos críticos e perspectivas da cultura organizacional, finalizando com

as representações sociais.

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As representações sociais contribuem para a interpretação das opiniões dos

entrevistados, ou seja, da coordenação e professores do curso, e ainda dos alunos

do sétimo período de administração, entendendo que a aglutinação dessas

interpretações tanto dos professores quanto dos alunos passa a representá-los.

Dessas representações, podem-se notar aspectos de convergência e

divergência entre o projeto político do curso, e as representações sociais dos

professores e alunos.

Iniciou-se a análise pelo projeto político pedagógico do curso (PPC) que, de

maneira hierarquizada, contempla as diretrizes do projeto político institucional (PPI),

já apresentado no capítulo 5.1, quando foi tratado do PPC. Na seqüência, se

identifica as representações sociais dos professores, tomando-se como base o

referencial paradigmático e teórico, e concluindo a análise com a identificação de

aspectos dos sete saberes nos depoimentos dos professores e alunos.

É no marco filosófico do PPC que se concentra a análise para a identificação

dos valores educacionais e que estarão sendo trabalhados durante a formação do

administrador.

Neste projeto, percebe-se que o movimento do Instituto Superior Tupy, na

elaboração do PPC, tem sido no sentido de construir para si uma identidade capaz

de se sustentar frente às conjunturas e contribuir significativamente para o contexto

em que está inserido, e de querer promover no acadêmico uma mudança valorativa.

Desta forma, transporta-o do pensamento ingênuo para o da criticidade, com

estímulo a uma metodologia problematizadora que o instiga a raciocinar de maneira

criativa e espontânea.

Podem ser constatados na proposta pedagógica do curso de administração

do IST/SOCIESC aspectos convergentes para os Sete Saberes Necessários à

Educação do Futuro, caracterizando-se pelas políticas e princípios que

fundamentam o seu ensino. Essa convergência pôde ser percebida quando

contemplado no PPC os quatro princípios educacionais apresentados como marco

filosófico no projeto político pedagógico do curso: aprender a conhecer, aprender a

fazer, aprender a conviver e aprender a ser, os quais pertencem ao relatório

Educação - um tesouro a descobrir, de Jacques Delors. Quando estes quatro

princípios são confrontados com os Sete Saberes Necessários à Educação do

Futuro, torna-se possível compreender a convergência do projeto político do curso

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com a proposta de Edgar Morin, o que dá consistência à nova configuração do

ensino já apregoada pela UNESCO.

Essa convergência também tem sintonia com o entendimento de Guerreiro

Ramos (1981) sobre a necessidade da redefinição das ciências sociais e da teoria

das organizações a partir do que ele denomina teoria da vida humana associada ou

paradigma paraeconômico.

No tocante à valorização do indivíduo, o projeto atende a orientação de Closs

(et al, 2006), quando propõe que a formação acadêmica seja discutida, isto é,

pensar sobre quais os conhecimentos, habilidades, valores e atitudes devem ser

ensinadas.

A grade curricular, embora valorize significativamente as disciplinas

baseadas nas chamadas ciências exatas, quantitativas, apóia-se no projeto político

do curso para que o acadêmico tenha uma visão ampla e aberta de mundo – suas

tendências e incertezas fazem parte da sua formação.

Propõe que o administrador seja capaz de promover mudanças em um

mundo desafiador, global, que exige da formação a competência prática, reflexiva e

visionária das suas responsabilidades para com o mundo.

A proposta curricular estudada parece também atender às demandas

apresentadas nos parâmetros curriculares nacionais (PCN), emitida pelo Ministério

da Educação e do Desporto, em 2000, ou seja, já compreende as mudanças

decorrentes da chamada revolução do conhecimento. Esses parâmetros partem de

uma avaliação crítica de um ensino descontextualizado, compartimentalizado e

baseado no acúmulo de informações. A nova configuração do PCN quer dar

significado ao conhecimento escolar mediante a contextualização – evitar a

compartimentalização, mediante a interdisciplinaridade, e incentivar o raciocínio e a

capacidade de aprender (BRASIL, 2000, p. 4).

Apesar de o curso de administração da SOCIESC ser produto de uma

parceria com a Fundação Getúlio Vargas, o projeto político pedagógico do curso tem

identidade própria e está alinhado com a visão, missão e valores da instituição em

estudo.

Concluída a análise do PPC, quer-se identificar as representações sociais a

partir dos argumentos dos professores, tendo como base o referencial paradigmático

e teórico.

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O que se constata, primeiramente, nas representações sociais surgidas a

partir das entrevistas com os professores, é que há um desencontro entre, por um

lado, o que está escrito no PPC, a intenção da coordenação do curso, o que os

professores pensam e dizem, e, por outro, o que efetivamente fazem na sala de

aula.

Embora seja do conhecimento da coordenadora, o PPC, o modelo aplicado

não corresponde ao PPC da instituição. As atividades primam antes pelo

alinhamento e ao atendimento ao modelo conveniado com a instituição parceira.

Isso implica dizer que o modelo de universidade criticado por Giroletti (2005) é

praticado quando a instituição em estudo praticamente desconsidera o marco

filosófico previsto no PPC.

Na relação da coordenadora com os professores, percebe-se que, embora

seja um relacionamento cordial, não se estabelecem vínculos que possibilitariam um

maior comprometimento por parte dos professores, o que contribuiria para a efetiva

aplicação do que está previsto no PPC, como a indissolubilidade da tríade ensino,

pesquisa e extensão. Ainda que tenham surgido nas entrevistas argumentos que

indiquem a preocupação, em algumas situações, com a existência dessa tríade, há

dificuldades institucionais para a plena implementação dessa idéia, especialmente

na graduação. A dificuldade é atribuída à dupla jornada dos docentes, que na sua

maior parte trabalham durante o dia nas suas atividades, tidas como principais,

normalmente na indústria, e que, no período noturno, assumem a condição a

docênica.

Essa realidade em que poucos docentes têm dedicação exclusiva, impede

que outras idéias, apresentadas no PPC, sejam viabilizadas, como a

interdisciplinaridade, a participação nas reuniões de colegiado, a construção de

novos modelos didáticos. Cabe registrar que o atual PPC não foi concebido com a

contribuição dos professores. Foi antes construído a partir de modelos estudados

pela coordenadora pedagógica da instituição. Sem querer demorar nessa temática,

dá-se que os professores apresentam pouca familiaridade com o PPC ao ponto de

alguns nunca o terem visto.

Tratando-se da hiperespecialização, diz Giroletti (2005) que esta realidade

apresenta-se em outras instituições de ensino superior, e que Morin (2003) chama a

atenção para que se trabalhe o contexto, a pertinência do conhecimento. Ambos

afirmam que, além do contexto, faz-se necessário que haja a integração das partes,

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para que seja possível conhecer o todo, o que parece não se caracterizar nessa

proposta.

Os argumentos que se tornam representações sociais dos professores

indicam uma sistemática de ensino para a formação do administrador que é

alicerçada no conteúdo da Fundação Getúlio Vargas. No entanto, apresenta

restrições à inclusão de conteúdos complementares, por iniciativa do próprio

professor ministrante das aulas.

Parece haver pouca flexibilidade no modelo adotado pela instituição. Isto

conflita com a proposta do PPC, item 1.4, intitulado Flexibilidade e

Interdisciplinaridade Curricular. A parceria com a Fundação Getúlio Vargas exige

uma nova sistemática de trabalho por parte dos professores. Nas suas

representações, argumentam quanto à dificuldade de adaptação, o que até mesmo

gera a desistência de alguns professores em continuar lecionando determinada

disciplina, chegando ao ponto de questionar se de fato cumprem nesse modelo o

papel de educadores.

Pode-se perceber a forte influência dos padrões norte-americanos na

formação dos administradores no Brasil. As representações sociais apontam para

essa realidade também na formação dos alunos do curso de administração da

SOCIESC, em parceria com a FGV.

Da contemporaneidade emerge a necessidade de gestores que estejam

abertos a reconstruir as suas perspectivas de gerir as organizações, de elemento

integrante a integrador da sociedade, que seja capaz de exercer suas competências,

suas habilidades e atitudes para o progresso humano. Desta forma, impulsionam

suas ações para a transformação das organizações e dos cidadãos que as

constituem. Diante dessa complexidade social, compete às escolas darem

sustentabilidade às novas exigências que permitam a contínua evolução humana em

um contexto social tão diverso, global.

Por fim, pode-se concluir que os objetivos definidos para este estudo foram

atingidos de maneira exitosa. Outras questões se apresentam e que naturalmente

poderão estimular novas possibilidades de estudo.

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5.1 LIMITAÇÕES

O estudo apresentado e os procedimentos metodológicos utilizados possuem

algumas limitações. Em se tratando da estratégia de pesquisa, o estudo caracteriza-

se como pesquisa qualitativa, bibliográfica e documental sobre a experiência do

curso e suas representações sociais.

Não se tem a pretensão de generalizar as conclusões aqui apresentadas para

todas as experiências de parceria semelhantes, como a já existente entre a

Fundação Getúlio Vargas e o Instituto Superior Tupy/SOCIESC. Porém, não teria

sentido afirmar que as conclusões são válidas apenas para o caso específico, uma

vez que se faz diversas interpretações globais sobre a Educação, Representações

Sociais e os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro.

Quando se faz uma abordagem empírica e nela se questiona não somente

aspectos teóricos, mas também metateóricos, ou seja, paradigmáticos, o que se tem

é uma tensão entre, de um lado, o empírico, e de outro o imaginário, que condiciona

as percepções sobre o empírico. É uma abordagem simultaneamente empírica-

teórica e metateórica.

Por fim, cabe destacar algumas questões que não faziam parte dos objetivos

propostos, mas que emergem como alternativas para outros possíveis estudos

acerca da questão da formação do profissional de administração.

• Quais os impactos da adoção de uma metodologia de ensino que

privilegiasse o modelo de franquias, sob o ponto de vista do empregador?

• Que resultados poderiam ser obtidos se estivéssemos considerando outras

instituições de ensino conveniadas?

• Qual a aceitação desse profissional pelo mercado de trabalho em relação

aos profissionais formados por outras instituições de ensino?

• Como a influência dos docentes pode influenciar a utilização de modelos

coincidentes com as suas crenças filosóficas e ideológicas e predileções

metodológicas?

Essas questões propõem que seja dada a continuidade na pesquisa,

esclarecendo que não se tinha a pretensão de esgotar o tema com todas as

possibilidades de questões possíveis em torno dela. O desafiante não é apenas

provocar questões para que respostas sejam encontradas, mas sim entrar respostas

para questões que não se havia feito antes.

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