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FORMAÇÃO DOCENTE: TEORIA, PRÁTICA E EXPERIÊNCIA Os três artigos que compõem o painel FORMAÇÃO DOCENTE: TEORIA, PRÁTICA E EXPERIÊNCIA tratam da formação de professores e resultam de pesquisas desenvolvidas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Cada uma das pesquisas tomou como foco principal um nível educacional específico: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação Superior. Ao olhar para a formação de professores de crianças de 0-5 anos, Marques (2016) discute a prática como uma experiência no curso de Pedagogia. Mostra a necessidade de formar professores que brincam, de modo a darem conta dos eixos norteadores das propostas pedagógicas, estabelecidos pelas DCNEI/2009. Com relação ao Ensino Fundamental, Pinto (2016) trata do mal-estar docente e sua relação com as práticas pedagógicas de professores que se encontram em diferentes momentos de sua vida profissional. Contrariando a ideia de que professores iniciantes entram em crise por se depararem com uma realidade diferente da idealizada pelos cursos de formação, esse estudo remete à possibilidade de que a postura individual, as vivências e a história pessoal contribuem para determinar os modos de reação de cada um frente às situações adversas na docência. Em se tratando do Ensino Superior, Santos e Pinto (2016) focam os desafios do processo de ensinar e aprender enfrentados pelos docentes universitários. Os resultados apontaram para a necessidade de formação para a docência universitária especialmente para os professores especialistas na sua área específica de conhecimento, mas que não possuem formação didática para docência. Nesse sentido, os pesquisadores que integram esse painel entendem que as políticas educacionais brasileiras não podem priorizar a formação de professores desse ou daquele nível de ensino, pois avanços no campo da educação exigem que as teorias, as práticas e as experiências perpassem todos os níveis de ensino. Palavras-chave: Educação Infantil. Ensino Fundamental. Educação Superior. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 7344 ISSN 2177-336X

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FORMAÇÃO DOCENTE: TEORIA, PRÁTICA E EXPERIÊNCIA

Os três artigos que compõem o painel FORMAÇÃO DOCENTE: TEORIA, PRÁTICA

E EXPERIÊNCIA tratam da formação de professores e resultam de pesquisas

desenvolvidas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Cada uma das pesquisas

tomou como foco principal um nível educacional específico: Educação Infantil, Ensino

Fundamental e Educação Superior. Ao olhar para a formação de professores de crianças

de 0-5 anos, Marques (2016) discute a prática como uma experiência no curso de

Pedagogia. Mostra a necessidade de formar professores que brincam, de modo a darem

conta dos eixos norteadores das propostas pedagógicas, estabelecidos pelas

DCNEI/2009. Com relação ao Ensino Fundamental, Pinto (2016) trata do mal-estar

docente e sua relação com as práticas pedagógicas de professores que se encontram em

diferentes momentos de sua vida profissional. Contrariando a ideia de que professores

iniciantes entram em crise por se depararem com uma realidade diferente da idealizada

pelos cursos de formação, esse estudo remete à possibilidade de que a postura

individual, as vivências e a história pessoal contribuem para determinar os modos de

reação de cada um frente às situações adversas na docência. Em se tratando do Ensino

Superior, Santos e Pinto (2016) focam os desafios do processo de ensinar e aprender

enfrentados pelos docentes universitários. Os resultados apontaram para a necessidade

de formação para a docência universitária especialmente para os professores

especialistas na sua área específica de conhecimento, mas que não possuem formação

didática para docência. Nesse sentido, os pesquisadores que integram esse painel

entendem que as políticas educacionais brasileiras não podem priorizar a formação de

professores desse ou daquele nível de ensino, pois avanços no campo da educação

exigem que as teorias, as práticas e as experiências perpassem todos os níveis de ensino.

Palavras-chave: Educação Infantil. Ensino Fundamental. Educação Superior.

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PROFESSOR DO ENSINO FUNDAMENTAL: TRANSIÇÃO NO SABER-

FAZER

Marialva Moog Pinto

Universidade Alto Vale do Rio do Peixe - SC

RESUMO

O presente estudo é um recorte da pesquisa intitulada O professor: identidade, crise

profissional e transição no saber-fazer,de perspectiva qualitativa e cunho interpretativo

que toma o professor do Ensino Fundamental enquanto sujeito.Como principal objetivo,

ouvindo professores que atuam no contexto escolar no Ensino Fundamental, procurei

compreender quais os possíveis motivos, de maior implicação no seu trabalho, que

causam ou causaram a “crise de identidade profissional docente,” que os professores

vêm enfrentando. O estudo buscou fundamentação nas teorias críticas que explicitam

muito bem a realidade escolar no contexto atual a partir das mediações que as práticas

cotidianas exercem sobre os indivíduos. Reconhece ainda, em sua base epistemológica,

que a profissão professor está em um momento de transição no saber-fazer, modificação

no papel do professor para poder contemplar as exigências sociais e políticas atuais.

Destaca, portanto, a importância do desvelamento da ação pedagógica e seus

condicionantes, buscando novas formas de atuação no papel do professor e

compreensão do novo mundo que se apresenta. Assim, torna-se fundamental também

repensar de forma séria, incisiva e abrangente, o papel dos cursos de formação. Foram

realizadas entrevistas semiestruturadas com três professores em momentos diferentes de

carreira, para poder melhor entender os motivos dos professores iniciantes,

intermediários e os professores em final de carreira. Os dados confirmaram os

pressupostos do estudo, indicando que os professores em muitos momentos, não têm

clareza do processo atual deixando de exercer o seu poder como grupo organizado e

tornando a educação algo que aos poucos perde sua importância. Compreender melhor

esse processo pode auxiliar no melhor entendimento do novo papel que o professor que

atua neste espaço e tempo, com dificuldades características do mundo atual, deve

assumir.

Palavras-chave:Ensino Fundamenta. Identidade Profissional. Professor.

INTRODUÇÃO

A identidade profissional docente é a temática deste estudo. Propõe-se um

trabalho que busca entender as dificuldades que os professores, como sujeitos deste

espaço e tempo sócio cultural, vêm enfrentando sob o aspecto da identidade profissional

e o saber-fazer deste profissional.

As orientações neoliberais desviam o papel do professor, subordinado ao Estado,

acabando com o papel do professor que oferece aos cidadãos conhecimento e destreza

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para uma vida de qualidade e anuncia um novo papel, o de auxiliar o sistema econômico

a manter-se rentável e competitivo (CORTESÃO, 2000).

Os professores do ensino fundamental já não são, como os párocos, os únicos

agentes culturais e as escolas já não são mais ocupadas pela elite social das cidades.

Entretanto, se reconhece que os professores compõem um dos mais numerosos grupos

profissionais da atualidade e também um dos mais qualificados do ponto de vista

acadêmico, embora se saiba que nem todos investem na profissão.

A escola tem a tarefa primordial de pensar o futuro, pois concentra um potencial

cultural e o professor tem o enorme desafio de recriar a profissão professor através da

autonomia profissional exigente e responsável. Essas consequências têm causado

autodepreciação e desconfiança em relação à competência dos professores. Os valores

que sustentaram a profissão docente caíram em desuso, fruto da evolução social e

transferência de responsabilidades, do sistema educativo e da família para o professor.

O principal objetivo do estudo, ouvindo professores que atuam no contexto

escolar, procurei compreender quais os possíveis motivos, de maior implicação no seu

trabalho, que causam ou causaram a crise de identidade profissional docente, que os

professores vêm enfrentando. Na verdade, procurei compreender as principais causas da

crise de identidade profissional dos professores.

Outro ponto necessário para poder olhar para esse problema foi entender que o

professor não foi sempre assim, e que existe uma história construída, uma caminhada,

muitas lutas e reivindicações. Precisei aceitar que o professor não é anjo, mas também

não é vilão. Há uma tensão. A escola, e consequentemente o professo, têm assumido a

culpa de problemas sociais e políticos.

O contexto pesquisado foi uma escola da rede municipal de São Leopoldo –RS

em que se participou de reuniões e contatos com as professoras, durante dois semestres

através da minha participação em outro projeto de pesquisa da universidade, nessa

mesma escola.

Na coleta dos dados para análise, foi realizado entrevistas semiestruturadas com

professoras do Ensino Fundamental em diferentes momentos da profissão. A primeira

professora, sujeito da pesquisa estava ha dois anos de profissão. A segunda professora

exercia sua profissão ha dezoito anos. E a terceira professora estava em processo de

aposentadoria, pois exercia a vinte e nove anos a profissão na mesma escola. Esta última

já estava afastada da sala de aula, sendo responsável pela biblioteca da Instituição.

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ALGUNS OLHARES SOBRE A PROFISSÃO PROFESSOR

O conceito variável, ideal de “bom professor”, em seu perfil clássico, prescreve

o que o professor deve ser. Determina competência e domínio de conteúdos bem

explicados, em ritmo e linguagem adequados. Traduz as grandes teorias, tornando-as

acessíveis aos alunos, onde a metodologia é expositiva, contribuindo com o

funcionamento harmonioso do sistema, produzindo uma sociedade pouco

questionadora. O professor deve ser neutro e justo no ato educativo, com a ideia de que

proporciona oportunidades iguais, pois todos têm acesso ao conhecimento de forma

idêntica e simultânea.

Os alunos deste modelo de professor que porventura forem eliminados neste

processo de ensino e aprendizagem, o serão por seleção natural e justa. São os menos

dedicados, os menos persistentes ou os menos dotados.

Hoje questionamos esta perspectiva. Pesquisas e autores levantam possibilidades

para uma nova forma de participar deste processo, objetivando crescimento ao individuo

num espaço que permite diálogo e descobertas. Deseja-se que o professor não seja mais

o transmissor, mas partícipe, descobrindo com os alunos. As experiências pessoais dos

estudantes, na sua trajetória de vida e cultura, precisam ser valorizadas nas aulas.

Na perspectiva crítica, uma escola democrática é aquela que oferece situações de

ensino e aprendizagem adequadas. O trabalho se articula na aceitação e respeito à

diferença e o professor deve respeitar a heterogeneidade cultural, estar atento às

relações de poder, dominantes e dominados, opressores e oprimidos. Deve preocupar-se

em recriar, contribuir na formação dos sujeitos, salientando valores fundamentais para a

vida em sociedade, não os seus valores, mas aqueles que emergem de uma séria

reflexão.

O processo de construção de uma escola democrática exige que o professor

conheça o seu aluno. É um processo de observação e pesquisa, onde deve ser possível

produzir conhecimento sobre seus estudantes, valorizando os saberes do grupo,

respeitando seus valores, aproveitando os saberes que todos têm, considerando sua

origem social e étnica.

Hall (2002) nos diz que o processo de globalização desestruturou as identidades

tradicionais e desarticulou grupos culturais do passado, fazendo com que valores que

sustentavam a profissão docente caíssem em desuso. Fruto da evolução social e

transformação do sistema educativo, ocasionando uma crise de identidade nos

professores, causada também pela crise cultural. Há uma profunda crise das condições

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sociais, mais significativa do que a crise das linguagens, das narrativas e dos discursos

sociais. As linguagens conhecidas anteriormente, foram absorvidas pelo mundo pós-

moderno, pela globalização e ainda não se tem linguagens alternativas que nos façam

sentido.

A pesquisa feita por Gatti (1996) mostra que poucos professores escolhem a

profissão com a expectativa de ensinar. Os motivos mais relevantes são: emprego

seguro, escola de formação de professores próxima à casa, possibilidade de combinar

estudo com trabalho, profissão mais adequada para mulheres e em alguns casos porque

simplesmente aconteceu. Os professores pesquisados, dizem que sempre quiseram ser

professor, mas 40% optariam por outra profissão, pela pouca valorização, pelos baixos

salários e por ser um trabalho desgastante.

Além da crise da educação, as sociedades parecem sofrer um processo de erosão

intenso, pela globalização da vida das sociedades e pelo abandono dos princípios de

justiça. Esta crise social também influencia a profissão professor. Correia (2003)

acredita que os profissionais de educação enfrentam uma crise de autoridade e uma crise

dos mecanismos de poder.

Os professores enfrentam o domínio excessivo do Estado que os responsabiliza

pelos fracassos da escola. Esta subordinação exclusiva ao Estado, sem regulações

intermediárias de poder, como fator de estrangulamento do professorado e do

desenvolvimento profissional, é um dos fatores apontados por Nóvoa (1995) como

ocasionante do estresse dos professores.

O Estado Educador se enfraquece, dando espaço ao Estado Avaliador que impõe

regras de avaliação agora para o desempenho dos professores, que deixam de ser

somente avaliadores para serem avaliados.

As crises cultural, social e antropológica são impulsionadas pela crise do mundo

capitalista que desacomoda as identidades culturais, impõe novas regras como ideal de

felicidade, distribui desigualmente o direito à vida e à escola, sendo o lugar de todos,

obrigatoriamente é a depositária de todas estas tensões. Desta forma, chega-se à crise da

profissão docente.

Nóvoa (1995) lembra que o professor não é um técnico nem um improvisador,

mas sim, um profissional que pode utilizar o seu conhecimento e a sua experiência para

se desenvolver em contextos pedagógicos práticos pré-existentes.

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Segundo Cortesão (2000), após tantos conflitos, exigências e imposições, os

professores sentem-se mal, questionam seu papel e isolando-se profissionalmente,

tentam manter a ordem e transmitir saber.

Tentam explicar as lições que prepararam (currículo bastante cristalizado), ou

tentam inovar trabalhando muitas vezes com projetos que deram certo para uma outra

turma e que não dizem respeito à realidade ou interesse do seu grupo de alunos.

Continuam classificando a aprendizagem de seus alunos, perderam seu público

garantido (submisso) que estava disponível a aprender o exigido ou interiorizar

humildemente o que não podiam aprender.

A responsabilidade pela crise da escolarização recai sobre o professor, através da

ideologia das necessidades de formação que são atribuídas a ele, provocando um

individualismo profissional. Há uma modificação na demanda da escola - “educação

para todos”1- e consequentemente, há também uma mudança no papel do professor.

Para Codo (2001), os professores “perderam a referência precisa do que devem saber,

de como se deve ensinar ou avaliar, ou seja, perderam aspectos importantes da sua

identidade profissional” e, ainda, com

a democratização da clientela escolar, todavia teve lugar uma

deformação do método, com queda, assim, da qualidade. Se ensinou o

povo o caminho da escola, mas não se ofereceu uma verdadeira

escola. De fato se criaram pobres cursos supletivos, cursos noturnos

de “faz de conta”... quatro ou até cinco cursos diários, superlotação

das salas, sobrecarga de jornada de trabalho dos professores, má

formação profissional, ridícula remuneração dos docentes, grande

confusão na avaliação dos resultados, redução da hora/aula etc. tudo

para cicatrizar a ferida de uma dura sociedade desigual. (2001, p.71)

Há uma modificação do apoio da sociedade ao sistema educativo, ocasionado de

um lado pela instabilidade do professor e de outro pela falta de compreensão da família

menos privilegiada economicamente, em relação ao significado da escola.

Com a massificação do ensino, a sociedade deixa de apoiar o professor como

fazia anteriormente e “o resultado foi a retirada do apoio unânime da sociedade e o

abandono da ideia de educação como promessa de um futuro melhor”(ESTEVE apud

NÓVOA, 1995, p.104).

Outro ponto que se modifica para o professor é que agora ele precisa buscar

apoio nas famílias dos alunos para que o mundo escolar faça sentido no mundo não-

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escolar e esta é uma relação necessária, especialmente com os alunos/famílias vindos

das classes trabalhadoras ou periféricas.

Domingos (1975) diz que, conforme Bernstein, os professores apresentam

comportamento de desapego, quando o professor aceita a Ordem Instrumental1 e não

aceita a Ordem Expressiva1. Já o comportamento de alheamento (distraído, transfere

para outro), é muito comum aos professores sem esperança de promoção, mas que

aceitam as duas ordens anteriores. Quando o professor apresenta posição hostil em

relação às duas ordens, torna-se alienado em relação à profissão e à escola. Tende-se a

interpretar os professores comprometidos como aqueles professores que aceitam

totalmente as ordens da escola.

Os professores novos na escola comportam-se na posição de expectativa. Os

professores de grupos semelhantes, provavelmente assumem posições semelhantes, de

amizade ou pressão.

Bernstein apud Domingos (1975), acrescenta que estas discrepâncias existentes

são geradoras de conflitos no nível da escola, no nível da comunidade e da sociedade

como um todo. O resultado desta análise aponta também para a importância crítica da

estrutura organizacional e da estrutura do conhecimento da escola, bem como os

princípios de sua transmissão.

Na verdade, o que irá definir a posição de alunos e professores, afetar

a natureza das suas relações e das relações entre grupos de amizade e

grupos de pressão, modificar a relação do aluno com a família e com a

comunidade, é a estrutura da escola, ou seja, o modo como as duas

ordens são transmitidas, o que é transmitido por elas e quais os

objetivos oficiais e não oficiais. (BERNSTEIN apud DOMINGOS,

1975, p.125)

A bagagem trazida da formação inicial e continuada e os saberes construídos

pela experiência reforçam a sociedade eleita e garante transmissão e continuidade da

experiência humana através da manutenção dos saberes selecionados por uma

determinada cultura.

Os professores têm estado sujeitos, nas últimas décadas, à

desprofissionalização.Gostaria de lembrar que, para Sacristán, apud Nóvoa (1995), a

profissionalidade se define pelo que é específico na profissão docente, conjunto de

comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a

especificidade de ser professor. E ainda complementa dizendo que “o conceito de

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profissionalidade docente está em permanente elaboração, devendo ser analisado em

função do momento histórico concreto e da realidade social que o conhecimento escolar

pretende legitimar; em suma, tem de ser contextualizado”(1995, p.74).

Do ponto de vista sociológico diz-se que é uma semi profissão em comparação

com as profissões liberais clássicas e, conforme Nóvoa, (1995), isto ocorre porque

depende de coordenadas político-administrativas que regulam o sistema educativo. A

conduta do professor é definida e condicionada pelo sistema educativo em que está

inserido. As exigências profissionais provocam individualismo profissional e o suporte

do saber especializado é precário na formação, o que provoca uma busca de ações

adquiridas culturalmente através da socialização.

Nóvoa (1995), Codo (2001), Cortesão (2000), Esteve (1999), e outros comparam

o professor a um ator, ator de uma peça teatral na qual, sem dar-se conta,retiram-lhe o

cenário, ou melhor, muda-se completamente o cenário inicial e o professor continua ali

representando uma peça teatral deslocada do contexto expresso. Isto lhe causa uma

crise, pois não sabe se deve continuar ou não o ato, por outro lado, os espectadores,

percebendo seu desajustamento, o banalizam e desqualificam sua atuação.

Os professores buscam apoio em sua identidade cultural de tempos atrás,

acreditando que assim poderão encontrar uma alternativa para o seu sofrimento;

negando o sofrimento do centro, o professor coloca sempre no outro ou em outro lugar,

defasagens suas como profissional. Um exemplo disso é a família que cobra da escola,

que cobra da família, e o Estado cobra da escola, que cobra do Estado. Estes

dispositivos não são alternativas profissionais, não é bom nem mau, são produzidos de

forma subjetiva.

As exigências feitas aos professores não coincidem com a interpretação pessoal

que os professores têm de seu fazer e isto apresenta manifestações latentes de

conflito.Um professor não pensa somente com a cabeça, mas com a vida, com o que foi,

com o que viveu, com aquilo que acumulou em termos de experiência de vida. Ele é

uma pessoa comprometida em e por sua própria história – pessoal, familiar, escolar,

social – que lhe proporciona um lastro de certezas a partir das quais ele compreende e

interpreta as novas situações que o afetam, e constrói, por meio de suas próprias ações, a

continuação de sua história. (Tardiff, 2000)

OS ACHADOS DA PESQUISA

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Os professores, como sujeitos deste espaço e tempo, estão sendo incitados pelos

processos de globalização e sistema educativo a modificar seus fazeres. Assim, nos

deparamos hoje com um grande número de profissionais em crise com sua identidade

profissional, pois não conseguem mais manter suas crenças em relação à profissão. O

mundo mudou e exige-se do professor um novo papel, que muitos não aceitam

(alheamento), outros não têm clareza (insatisfação) e alguns tentam se adaptar sem

modelos que os apoiem (processo desgastante que causa estresse).

Este momento de transição entre o antigo papel que foi construído há décadas e

o novo papel que ainda não se sabe qual é, provoca a crise de identidade dos

professores. A crise é útil, pois incomoda, desacomoda, tornando-se impulsionadora

para uma reestruturação do sujeito.

Cada sujeito utiliza mecanismos próprios como possibilidades para sair da crise,

alguns logo buscam alternativas, outros se debatem tentando permanecer como antes e

outros desistem durante o processo.

Os salários já não sustentam e o professor é incentivado a ter outra forma de

subsistência além da escola.

Algumas perspectivas puderam ser evidenciadas, que não configuram

conclusões definitivas, mas formas de olhar e compreender um pouco melhor a

complexidade da estrutura que contempla hoje o sistema educativo influenciado.

- Como motivos da crise de identidade profissional do professor concluo que o mundo

mudou e com isto todos os processos de interação que envolvem o ser humano também

mudaram. Fala-se em crise de autoridade, crise das narrativas, crise da linguagem, crise

de identidade, crise da religião, crise econômica,...

- As convenções sociais estão em crise, hoje o homem questiona todos os processos que

o envolvem, pois busca ser feliz e retira de si tudo que não é real, questionando

inclusive questões filosóficas, teológicas, religiosas e transcendentes. Aceitamos apenas

o que nos torna mais felizes e o processo global econômico nos faz acreditar que a

felicidade está no “ter”.

- Juntamente com isto, o aumento da população mundial desestabilizou os processos

econômicos, que não abarcam a população total, tornando uma parcela desta população

excluída, para evitar o colapso.

- Assim, todas as instituições públicas e privadas estão sentindo esta desestabilização e

a escola, como instituição de grande influência na população, tem sido usada para

manipular interesses desses atores que tentam controlar essas crises.

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Assim, direcionando o foco desta pesquisa, encontrei como principais causas da crise

em relação à profissão professor.

- A impossibilidade dos alunos das classes menos privilegiadas economicamente, de

terem acesso ao consumo incitado pela globalização, causando frustração, revolta e

violência desses alunos.

- A luta desesperada das famílias por sobrevivência que leva mães e pais ao mercado de

subempregos, deixando os filhos defasados em educação moral e valores para a vida em

sociedade.

- Alunos que não vêm para a escola buscar saber, mas buscam o alimento do dia,

restando à escola a imposição de valores fundamentais que a família anteriormente

oferecia através do afeto, mas em grande parte dos casos não oferece mais.

- Políticas públicas desacreditadas e imposições do sistema educativo, que apoia a

globalização e é conivente com seus mandos.

- Alguns professores lutam para continuar transmitindo saber e não aceitam

responsabilizar-se por questões que são responsabilidade da família ou do estado.

- Admitem que os cursos de formação não dão suporte para as práticas e que os saberes

são produzidos no dia-a-dia, na experiência.

- Os salários dos professores não garantem a subsistência de suas famílias, quanto mais

buscar a formação continuada exigida pelo sistema. Muitos professores não concordam

com o fato de assumir funções que não são suas e por isto consideram seu salário uma

retribuição simbólica por suas atribuições sociais.

- A afetividade despendida durante as aulas não retorna ao professor que se sente

desgastado emocionalmente.

- A sala de aula é um lugar solitário que transforma a profissão professor em muitas

outras profissões que ele não está preparado para exercer, ficando a aprendizagem

esquecida em muitos momentos.

Outras questões foram apontadas pelos professores em seus relatos:

- Os professores não se reconhecem em crise de identidade em relação a profissão

professor, mas à medida que vão relatando como se sentem, percebem que não se

sentem bem em muitos momentos.

- Muitos professores desconhecem questões estruturais do mundo que domina os

sujeitos, buscando explicações para as dificuldades sempre no próximo, como a família,

o governo, mas poucos vão além. Possuem falas muito parecidas, como se fossem

códigos de interpretação do grupo profissional.

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- Alguns professores sentem-se vazios em muitos momentos, pensando em desistir da

profissão, mas não desistem, pois é uma profissão segura e que tem um grupo de

profissionais na mesma situação, que sempre apoia quem demonstra maior insatisfação.

- Duas professoras entrevistadas sentem dificuldade de olhar para a sua profissão como

algo relacionado com os macro-atores, que estabelecem regras e manipulam a educação

como forma de conquista dos objetivos de uma macro-estrutura; voltam-se sempre para

o micro, a sala de aula, o salário, a família.

- Apenas uma professora busca a formação continuada faz esta relação e interpreta os

problemas do micro-social como sendo influência também dos macro-atores. Esta

postura pode estar relacionada com a formação continuada, mas também com a própria

estrutura pessoal desta professora que é naturalmente questionadora. Outro ponto

importante é que ela está na fase inicial da profissão e, conforme alguns autores, isto

seria um primeiro momento para a crise na profissão e ela demonstra buscar alternativas

constantemente.

- Os que estão em processo de mal-estar docente e crise sentem-se mais comprometidos

e procuram apoio dos cursos de formação numa espécie de “catarse”, necessária para

abrir possibilidades e troca de sentimentos, fortalecendo os professores em seu saber-

fazer e criando novas possibilidades para a profissão.

- Os cursos de formação precisam se reestruturar e abrir espaços para a experiência dos

professores/estudantes. Muitos entram e saem dos cursos de formação sem que haja a

valorização de suas experiências profissionais.

- Alguns professores demonstram sentimentos de crise e mal-estar também ocasionados

por fatores pessoais, pois o professor também é sujeito deste mundo e é influenciado por

ele. Isto aparece no ambiente profissional.

- Concluí que alguns professores percebem que todo o processo educativo está mudando

e chegam a dizer que gostariam de saber qual a nova postura que devem tomar, quais as

novas formas de interpretar seu papel, sentem-se desacomodados, mas não têm clareza

de como agir. Gostariam de tornar mais explícitas as novas decisões, mas outros não

aceitam e querem continuar transmitindo saber, pois foi para isto que estudaram e se

formaram na profissão.

Em seus relatos, os sujeitos explicitaram claramente a tensão que há nessa

profissão, advinda de muitos lugares e que recaem no professor. Houve o

reconhecimento de que há uma crise e sentem-se mal muitas vezes por não saberem

como lidar com estes sentimentos.

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Nesse estudo, o ambiente escolar tornou-se fundamental e determinante para a

superação das dificuldades, assim como o grupo de colegas professores que apoiam

quem demonstrar estar desistindo da profissão.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em seus relatos, os sujeitos explicitaram claramente a tensão que há na

profissão, advinda de muitos lugares e que recaem no professor. Houve o

reconhecimento de que há uma crise e sentem-se mal muitas vezes por não saber como

lidar com estes sentimentos.

É necessário enfatizar que a professora que está em processo de início da

profissão foi a que mais demonstrou não colocar no outro a culpa das dificuldades

profissionais, busca alternativas constantemente, contrariando a ideia de que professores

iniciantes entram em crise, pois se deparam com uma realidade diferente da idealizada

pelos cursos de formação. Isto nos remete à possibilidade de que a postura individual de

cada sujeito, suas vivências, sua história, é que vão determinar a reação de cada um

frente às situações.

Nesse estudo, o ambiente escolar tornou-se fundamental e determinante para a

superação das dificuldades, assim como o grupo de colegas professores que apoiam

quem demonstrar estar desistindo da profissão ou mesmo em processo de mal-estar

docente.

Os professores querem saber como devem exercer sua profissão através deste

novo modelo que se apresenta; isto ficou claro na fala de dois sujeitos que dizem, ...eu

não sei se tinha que dar uma parada, fazer um estudo, eu não sei sabe, mas do jeito que

está, eu acho que eu não ia mais saber trabalhar...e outra ainda diz que, ... eutava

precisando assim... como é que eu posso dizer, um retorno ao objetivo, do que é o meu

papel como educador.

A crise não significa desistência, como uma das professoras diz, que fica triste

sobre situações da profissão, mas não infeliz, e isto nos remete à possibilidade de

mudança e na medida em que o processo vai acontecendo, os caminhos vão-se

clareando e começamos a pensar em possibilidades.Será este o nosso novo papel

enquanto educadores deste espaço e tempo, encontrar novas possibilidades, criar este

novo papel para a profissão professor?

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REFERÊNCIAS

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CORREIA, José Alberto. MATOS, Manuel. Solidões e solidariedades nos cotidianos

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Leopoldo, Unisinos, 01 set. 2003. Seminário do Programa de Pós-Graduação em

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CORTESÃO, Luisa. Ser professor:umofício em risco de extinção. Porto:

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DOMINGOS, Ana Maria. A Teoria de Bernstein em sociologia da Educação. Ed.

Fundação Calouste. Lisboa, 1975.

HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade7. ed. Rio de Janeiro:

DP&A, 2002.

NÓVOA, António (org). Profissão Professor. 2. ed. Portugal: Porto Editora, 1995.

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DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DESAFIOS NO

PROCESSO DE ENSINAR E APRENDER

Adelcio Machado dos Santos

Universidade Alto Vale do Rio do Peixe - UNIARP/SC

RESUMO O presente artigo tem como temática os desafios do processo de ensinar e

aprender enfrentados pelos docentes universitários. A docência envolve muitos saberes,

porém, a aula do professor da Educação Superior em geral é determinada a partir dos

saberes que o mesmo tem internalizado como apropriadas para exercer a profissão. O

estudo preocupa-se com a qualidade do ensino na educação superior em geral e com a

formação docente em específico. A pesquisa teve como objetivo analisar o que ocorre

atualmente na docência universitária e quais aportes pode contribuir para uma mudança

significativa nas práticas docentes.Esta complexa função suscita perguntas que norteiam

este estudo, pois importa-nos saber quem é o docente da Educação Superior? Por que o

professor faz o que faz em sala de aula? O que o professor precisa saber para ensinar?

Como mobilizar o desejo do estudante em aprender? Trata-se de uma pesquisa do tipo

qualitativa e cunho exploratório que se utiliza da pesquisa bibliográfica para

desenvolver o estudo. O apoio bibliográfico vem especialmente de Cunha

(2010),Masetto (1998 e 2003), Tardif (2002), Gil (1997), Grilo e Lima (2008). As

teorias pedagógicas avançaram muito nos últimos tempos, buscando uma aprendizagem

efetiva, porém o que se percebe é que em sala de aula, pouco se conquistou, pois muitos

professores das áreas específicas acreditam que sabem como é ser professor, afinal têm

muitos “modelos passados” para lançar mão durante as aulas.Os resultados apontam

para a necessidade da formação para a docência universitária especialmente para os

professores especialistas na sua área específica de conhecimento, mas que não possuem

formação didática para ser professor.

Palavras-chave: Docência universitária. Educação Superior. Ensino e aprendizagem.

INTRODUÇÃO

A docência na Educação Superiortem merecido atenção da comunidade

universitária, uma vez que as instituições enfrentam desafios para garantir um ensino de

qualidade. Acredita-se que docentes qualificados podem preparar melhor os futuros

profissionais.

As agências internacionais organizadas em conferências mundiais elaboram

indicadores de qualidade para a Educação Superior (ES) e os governos e as Instituições

de Educação Superior (IES) de cada país, organizam-se para adaptarem-se. Entre os

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indicadores para uma ES de qualidade está a competência de natureza pedagógica

necessária para garantir professores bem preparados.

Agências internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),por exemplo,exigem uma educação de

qualidade. Já as agências nacionais como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP), para cumprir as determinações, atuam avaliando

os estudantes egressos, para garantir que as determinações estejam sendo seguidas de

forma efetiva. Um dos fatores fundamentais para se garantir esta qualidade, é a

qualificação profissional docente.

Existe uma grande variação na forma como cada docente exerce a sua função,

pois esta condição depende de muitos fatores como a sua formação, seus modelos

docentes, concepções pessoais relativas ao papel do professor, concepções de cada

docente sobre o papel do aluno e de como se dá o ensino e a aprendizagem, entre outras

influências inclusive contextuais.

Outro fator que influencia a docência é a instituição em que o professor está

inserido. No caso do Brasil, existe uma variedade de tipos de instituições e conforme a

estruturapedagógica, administrativa e da gestão, temos um perfil institucional que

influencia também a prática de cada professor. Esse quadro ampliaria significativamente

se quiséssemos analisar também as práticas de outros contextos, fora do Brasil.

Esta complexa função suscita perguntas que norteiam este estudo, pois importa-

nos saber quem é o docente da Educação Superior? Por que o professor faz o que faz em

sala de aula? O que o professor precisa saber para ensinar? Como mobilizar o desejo do

estudante em aprender? A resposta não é única nem linear, porém, a afirmativa de que

os cursos de formação continuadapara a docência, sãofundamentais para o processo de

inovação profissional do professor, é inquestionável.

Trata-se de uma pesquisa do tipo qualitativa e cunho exploratório que se utiliza

da pesquisa bibliográfica para desenvolver o estudo.O presente trabalho tem como

objetivo analisar o que hoje ocorre na docência universitária e quais aportes podem

contribuir para uma mudança significativa nas práticas docentes. O apoio bibliográfico

vem especialmente deCunha (2010), Masetto (1998 e 2003), Tardif (2002), Gil (1997),

Grilo e Lima (2008).

A docência é uma função complexa e autores acreditam que a prática concreta

do professor de educação superior, assenta-se sobre aspectos como o conteúdo da área

na qual é um especialista; visão de educação, de homem e de mundo; habilidade e

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conhecimentos que lhe permitem uma efetiva ação pedagógica em sala de aula (ABREU

E MASETTO, 1982).

Percebe-se que tal visão da prática do professor da educação superior sofreu

algumas necessárias mudanças que podem ser observadas adiante.

Desafios para a Docência na Educação Superior

A pressão que cada instituição exerce sobre seus docentes é distinta. Se o

professor atua em uma Universidade significa desenvolver ensino, pesquisa e extensão,

ter autonomia didática, administrativa e financeira e congregar um corpo docente com

titulação acadêmica significativade mestrado ou doutorado. Já nos Centros

Universitários, significa trabalhar em instituição que desenvolva ensino e algumas vezes

a pesquisa, que atue em uma ou mais áreas do conhecimento. Já as Faculdades

Integradasrepresentam um conjunto de instituições que oferecem ensino e extensão e

pouca ou nenhuma pesquisa. No entanto, se o professor atua num grupo de pesquisa em

uma universidade, provavelmente sua visão de docência terá um forte condicionante de

investigação (MOROSINI, 2000, p.14).

Pesquisas mostram que a ES, para além de tantas finalidades relevantes,tem duas

principais funções na formação dos sujeitos estudantes: Formar tecnicamente,

desenvolvendo no estudante durante o curso de graduação, competências, habilidades,

para uma área específica e promover profissionais de alto nível com uma forte formação

técnica com aplicabilidade no mundo laboral; eFormar integralmente a pessoa humana,

formando o sujeito postulando que o educando cresça como pessoa, com postura,

princípios, valores e que na ES a pessoa transcenda o senso comum(PINTO, 2012,p.35).

Masetto (2003) e outros autores apontam o exercício da dimensão política e da

cidadania como fato indispensável no exercício da docência universitária, pois há a

necessidade de uma visão geral de tudo o que acontece. Nas palavras do autor:

[...] como cidadão, o professor estará aberto para o que se passa na

sociedade, fora da universidade ou faculdade, suas transformações,

evoluções, mudanças; atento para as novas formas de participação, as

novas conquistas, os novos valores emergentes, as novas descobertas,

novas proposições visando, inclusive, a abrir espaço para discussão e

debate com seus alunos sobre tais aspectos na medida em que afetem a

formação e o exercício profissional (MASETTO, 2003, 31).

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Desta forma compreende-se que a formação na educação superior, não é como

uma formação em um curso técnico, para saber fazer, mas é sim uma formação que

possibilite ao educando transcender, tornando-se um profissional competente, mas

também um homem que tenha possibilidades intelectuais para dar conta dos problemas

sociais do seu tempo.

Quem é o docente da Educação Superior?

Há poucas décadas, um bom histórico estudantil na graduação, possibilitava que

o estudante seguisse como professor na instituiçãoemque se graduou e assimo ex-

estudante iniciava sua experiência docente. Esta prática ainda ocorre em algumas

instituições brasileiras, embora haja uma forte avaliação institucional externa que vem

coibindo esta prática.

Outra forma de aceder a ES está em contratar mestres e doutores bastante

jovens, que possuem uma formação profissional, porém nenhuma experiência na

docência.E ainda há os casos, muito recorrentes, de profissionais que acedemà docência

na educação superiorpor ser um reconhecido profissional em sua área específica de

atuação. Por exemplo, um excelente profissional da área do Direito inicia a docência no

Curso de Direito, assim como o renomado Jornalista, Engenheiro Civil e o Arquiteto,

entre outrosprofissionais são convidados para a docência nos respectivos cursos. Nos

dois casos citados, o profissional que se torna um professor, não possui formação para a

docência.

Com o impacto da sala de aula e muitos estudantes, este professor

imediatamente utiliza-se dos saberes técnicos da sua área específica de atuação

profissional e dos saberes pedagógicos, por imitação dos modelos dos seus bons

professores e suas práticas.

Ao utilizar-se de saberes adquiridos na sua vida escolar e universitária como

estudante, o docenteexperimenta através de tentativas e erros, que o levará a uma

seleção, em longo prazo, das práticas que deram certo, visando repeti-las e

consequentemente, eliminando as tentativas que não foram bem sucedidas.

Assim, o professor vai elaborando ao longo da experiência docente, um “menu”

de práticas positivas, que tendem a não se modificar ao longo de sua trajetória

docente.No entanto, Grillo e Gessinger (2008, p.36) explicam que faz parte do senso

comum a ideia de que ensinar se aprende ensinando e, consequentemente, não é preciso

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preparar-se para ser professor. No entanto, tal ideia não se sustenta, pois a docência

representa um desafio e exige conhecimentos, competências e preparação específica

para o seu exercício.

A docência envolve muitos saberes, porém como vimos,a aula do professor da

ES em geral é determinada a partir dos saberes que o mesmo tem internalizado como

apropriadas para exercer a profissão.

Por que o professor faz o que faz em sala de aula?

Atualmente o termo “saberes” tem sido muito utilizados na área pedagógica e

Tardif (2002, p.199) caracteriza como “os pensamentos, as ideias, os juízos, os

discursos e os argumentos que obedecem a certas exigências de racionalidade”. Para

Cunha (2010,p.19) o autor considera que “há racionalidade, quando há consciência do

ato exercido, isto é, quando o sujeito é capaz de justificar a sua ação por meio de razões,

procedimentos ou discursos”.

Cunha (2010) apresenta a organização dos saberes dos professores, relacionada

ao campo pedagógico. Estão identificados como: saberes relacionados com o contexto

da prática pedagógica; saberes referentes à dimensão relacional e coletiva das situações

de trabalho e do processo de formação; saberes relacionados com a ambiência da

aprendizagem; saberes relacionados com o contexto sócio histórico dos alunos; saberes

relacionados com o planejamento das atividades de ensino; saberes relacionado com a

condução da aula nas suas múltiplas possibilidades; e saberes relacionados com a

avaliação da aprendizagem.

Portanto, para compreender as práticas docentes e pensar a docência é necessário

saber que “assumir a complexidade é desvelar o oficio do professor como requerente de

múltiplas condições para o seu exercício” (CUNHA, 2010, p.21-22).

Isto posto, pesquisas nos mostram que quando questionado sobre sua aula, o

professor poucas vezes pensa na epistemologia da sua prática. Sobre a sua aula ele tem

em mente três elementos: os conteúdos, ele como professor e o estudante. Quando

questionados, os docentes dividem-se em dois grupos: um grande grupo de professores

que se consideram o “transmissor” do conhecimento (postura que já está superada pelas

novas teorias pedagógicas); e um grupo bem menor que considera a pedagogia centrada

na relação professor, aluno e conhecimento (postura mais indicada a partir das novas

teorias educacionais).

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a) Aula centrada no Professor

A aula centrada no professor, não dá conta da complexidade do ensinar e do

aprender. Neste caso, o professor acredita que ensinar é transferir conhecimento. Quer

apresentar oralmente, da formamais clara possível, a realidade para o estudante, e

acredita ainda ser possível que este assimile tal realidade, assim comoela se apresenta.

A forma de ensinar é sempre a mesma, não importando acomplexidade dos conceitos

em jogo, tampouco as especificidades das áreas de conhecimento; se o docente

considera que a transmissão deconhecimento é eficiente, a não aprendizagem é

decorrente da incapacidade do estudante absorver o conteúdo, sejaporque não prestou

atenção à explicação, seja porque não sededicou a um programa de estudos que

auxiliasse na “fixação”do conteúdo trabalhado.

Sabe-se da importância de uma eficaz comunicação docente em que o professor

é a fonte principal, porém cabe a ele tomar alguns cuidados, para que se possa assegurar

a transmissão adequada de suas ideias e emoções. Tais cuidados abrangem a definição

com clareza dos objetivos a serem alcançados. Visto que a definição clara dos objetivos

favorece a seleção do material a ser incluído na aula e a concentração dos recursos para

alcançar resultados desejados.

Outro ponto relevante na comunicação do professor é a organização das ideias,

fato que requer o pleno domínio da matéria e a convicção de que realmente esta é

importante para os alunos.

Gil (1997) analisa como problema comumente encontrado na comunicação

docente, o verbalismo, ou seja, a transmissão de conhecimentos e habilidades mediante

o emprego exagerado de palavras. O autor aponta como consequência desse verbalismo,

o grande fluxo de palavras vazias que são passadas aos alunos e que para nada servem.

Observa-se então que, muitas vezes, os esforços verbais dos professores são

utilizados apenas para que os alunos memorizem o conteúdo, sem que se tornem

capazes de compreender o seu significado ou aplicá-los em situações concretas.

Apontamos aqui outras características deste modelo de docência:o professor não

considera a experiência prévia do estudante, agindo como se o aluno não tivesse nada a

contribuir com o assunto; o professor também tem a preocupação em fixar o conteúdo

da aula, a partir de exercícios que propiciem a memorização de definições; há uma forte

hierarquia em aula, estando a cargo do professor as decisões sobre que conteúdos, que

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métodos de ensino e como avaliar; e regulação da interação entre os estudantes, já que o

que importa é ouvir o professor.

b) Aula centrada na relação professor, aluno e conhecimento

A aula centrada na relação professor, aluno e conhecimento, Grillo e Lima

(2008, p.22) explicam que o professor acredita que “o aluno constrói conhecimento na

interação com o objeto cognoscível e, por isso, organiza o ensino de modo a garantir ao

aluno o papel de protagonista no processo de aprendizagem”.

Neste modelo o professor considera que: o estudante possui uma experiência

prévia, ocorridas em sua vida social, cultural e por este motivo pode contribuir com a

aula; oportuniza a participação dos estudantes quando provoca a problematização; o

professor sabe que o estudante pode lapidar o que já sabe, conhecendo a participação de

cada um em que nível individual os estudantes estão em relação ao conhecimento; o

professor media a relação entre o estudante e o objeto de conhecimento; e favorece a

construção de argumentos, lembrando que essas são aprendizagens fundamentais para

um sujeito pesquisador, problematizar e argumentar.

Ser este professor, não é uma prática fácil uma vez que a complexidade dos

conhecimentos prévios, mediante aprendizagens que tenham significado, exige do

professor enorme competência em seu papel orientador, pois é necessário que ele esteja,

permanentemente, atento para promover a ajuda adequada ao momento do processo em

que se localiza o educando, visto que conhecer não é adivinhar (FREIRE, 1980 apud

GRILLO e LIMA, 2008, p.29).

Como mobilizar o desejo do estudante em aprender?

No Brasil, aproximadamente há duas décadas, principiou-se uma autocrítica por

parte de vários membros participantes do ensino universitário, sobretudo de professores,

acerca da atividade docente, percebendo nela um valor e um significado até então não

considerado.

Analisando-se cada mudança, verifica-se que uma ocasiona a outra, neste

sentido o perfil do docente da educação superior, ainda conforme Masettopassa de

especialista para mediador do processo de aprendizagem.

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A partir do século XX, as próprias necessidades educacionais impõem ao

professor a necessidade da pesquisa e produção de conhecimento, além de atualização e

especialização para que possa incentivar seus alunos a pesquisar.

Gil (1997) afirma que o conhecimento da necessidade da preparação pedagógica

do professor universitário tem conduzido muitas instituições de ensino superior a

desenvolver programas com vistas a alcançar objetivos dessa natureza, principalmente,

depois que o Conselho Federal de Educação, através da Resolução nº 12/83, estabeleceu

que os cursos de Pós-graduação Lato Sensu, destinassem pelo menos um sexto de sua

carga horária mínima para disciplinas de conteúdo pedagógico.

Sendo assim, a docência em nível superior, exige um professor com domínio da

área pedagógica, não somente um professor conhecedor de todo o conteúdo da

disciplina a ser ministrada. Masetto (2003) destaca que o tema da didática pedagógica é

o ponto mais “carente” dos professores universitários, seja pelo fato de nunca terem a

oportunidade de entrar em contato com essa área, ou porque a veem como algo

desnecessário para sua atividade de ensino, ou ainda porque consideram que a docência

é uma profissão que todos podem exercer, afinal são anos de frequência à escola, vendo

como se faz uma aula.

Dentro desse contexto, apontam-se alguns eixos que abrangem a formação

didático-pedagógica, ou seja, o conceito do processo de ensino-aprendizagem: o

professor como gestor do currículo, a compreensão da relação professor-aluno e aluno-

aluno.

Sendo a aprendizagem do aluno o objetivo primordial da docência,

consequentemente se faz necessário que o professor saiba com clareza a distinção entre

o ensino e a aprendizagem, além de quais os princípios básicos da aprendizagem, o que

se deve aprender no contexto atual, como aprender de modo significativo, de modo que

a aprendizagem se faça com maior eficácia e maior entendimento.

Outro ponto fundamental é que o docente compreenda que o currículo de

formação de um profissional implica o desenvolvimento da área cognitiva quanto à

aquisição, à elaboração e à organização de informações, ao acesso a conhecimento

existente, à produção de conhecimento, à identificação de diferentes pontos de vista

sobre o mesmo assunto, à imaginação, à criatividade, à solução de problemas, além da

aprendizagem de habilidades, como o trabalho em equipe multidisciplinar, a boa

comunicação, e o uso eficaz e produtivo das novas tecnologias que vão surgindo no

mercado (MASETTO [et al], 1998).

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Seguindo essa linha de raciocínio, é importante, também, que o professor

desenvolva uma atitude de parceria e (co)responsabilidade com os alunos, que planejem

o curso juntos, usando técnicas em salas de aula que facilitem a participação e

considerando os alunos como adultos que podem se (co)responsabilizar por seu período

de formação.

Ainda, um professor que, juntamente com seus alunos, constitua um grupo de

trabalho com metas comuns, que incentive a aprendizagem uns com os outros, estimule

o trabalho em equipe, a busca de solução para problemas em parceria, que seja um

motivador para o aluno realizar suas pesquisas e seus relatórios, criando condições

permanentes de feedbackentre aluno e professor.

Segundo Masetto (2003), atualmente, no processo de ensino-aprendizagem é

necessário que o professor atue como profissional na docência, em relação ao domínio

da tecnologia educacional, tanto em sua teoria como em sua prática. Ainda conforme o

autor, hoje, as mais de cem técnicas de aula existentes e aplicadas, agregam-se às

tecnologias de informação e comunicação relacionadas com a informática e a

telemática, atuando como auxílio no processo de ensino-aprendizagem presencial, tanto

no sistema de educação à distância, como na pesquisa.

Gil (1997) informa que a moderna pedagogia dispõe de inúmeros métodos de

ensino. Assim, convém que o professor conheça as vantagens e limitações dos métodos

para utilizá-los nos momentos e sob as formas mais adequadas.

O professor universitário, antes de tudo, deve ser um pesquisador, visto que a

pesquisa é um esforço metódico de busca de informações para produzir conhecimentos

novos, ampliar a compreensão do mundo e auxiliar na solução dos problemas concretos

que as pessoas enfrentam.

Segundo Gil (1997), pode-se perceber que as autoridades educacionais vêm

incentivando o desenvolvimento de programas de formação e aperfeiçoamento de

professores para o ensino superior. E, nas universidades e nos estabelecimentos isolados

de ensino superior, é cada vez maior o número de Núcleos de Apoio Pedagógico –

NAP, para auxiliar e apoiar os docentes em sua formação em serviço.

Contudo, o professor que busca desenvolver em suas aulas estudantes que

adquiram competência para a pesquisa, deve antes de tudo saber que escolher trabalhar

com a pesquisa como princípio educativo não significa implantar na aula um projeto de

pesquisa, em sua acepção clássica, mas prevê criar situações de ensino em que o aluno

lide, sistematicamente, com alguns princípios inerentes ao ato de pesquisar, tais como o

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questionamento, a construção de argumentos, a produção escrita e o permanente diálogo

entre situações do cotidiano e conteúdos escolares/acadêmicos (GRILLO E LIMA,

2008, p. 97).

Chizzotti (2001) destaca que a investigação pode levar a descobertas originais e

dar um novo vigor ao ensino. Neste sentido, os movimentos de professores que se

autodenominam professor-pesquisador, um novo profissionalismo docente é unânime

em advogar a pesquisa como integrante do ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vivemos um momento em que se sabe que a docência universitária precisa ser

qualificada, mas não porque a pedagogia universitária que se oferece não esteja

adequada, mas sim, porque grande parte dos profissionais que ocupam os espaços da

docência não está preocupada em buscar a formação pedagógica, para melhor exercer

sua função.

Enquanto tivermos aceitação para o discurso de que “se o estudante não aprende

é porque não se dedicou o suficiente”, teremos docentes despreparados lançando mão

desta fala para justificar o insucesso na aprendizagem dos seus estudantes.

As teorias pedagógicas avançaram muito nos últimos tempos, buscando uma

aprendizagem efetiva, porém o que se percebe é que em sala de aula, pouco se

conquistou, pois muitos professores das áreas específicas acreditam que sabem como é

ser professor, afinal têm muitos “modelos passados” para lançar mão durante as aulas.

A pesquisa em sala de aula como principio educativo pode ser uma alternativa

para que os estudantes se interessem mais em aprender. Porém esta é uma decisão

importante, pois mesmo neste caso precisa haver uma formação docente específica. O

professor deve entender que desenvolver competências para a pesquisa, antes de tudo é,

possibilitar um espaço em aula para que os estudantes possam questionar, argumentar e

escrever envolvendo os conteúdos escolares com o cotidiano (teoria/prática), formando

assim, cidadãos tecnicamente e integralmente bem preparados para atuar em sociedade.

REFERÊNCIAS

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_______. A Gestão da Aula Universitária na PUCRS.O fazer pedagógico e as

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LARROSA, Jorge Bondía. Notas sobre a experiência e o saber de experiência.

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A PRÁTICA PEDAGÓGICA COMO EXPERIÊNCIA NA FORMAÇÃO DE

PROFESSORES PARA EDUCAÇÃO INFANTIL

Circe Mara Marques

Universidade Alto Vale do Rio do Peixe - UNIARP/SC

RESUMO: Este artigo trata da formação de professores para a educação infantil.

Resultou de uma pesquisa que teve como objetivo identificar e analisar as experiências

significativas vividas pelos estudantes de Pedagogia durante o curso. O sentido de

experiência foi tomado como sendo aquilo que nos toca, nos acontece e nos transforma,

seguindo o viés filosófico encontrado nos estudos de Larrosa (2004). A investigação de

ordem qualitativa foi realizada em uma universidade privada localizada na região

metropolitana de Porto Alegre, durante o ano de 2012. Envolveu um grupo de trinta e

dois estudantes de Pedagogia, matriculados na disciplina de Infâncias de 0-10, a qual

corresponde ao sexto semestre do curso. Os dados foram coletados a partir de uma roda

de conversa com os estudantes. Esses apontaram os momentos de práticas de ensino,

envolvendo atividades lúdicas, como sendo os mais significativos vividos por eles

durante o curso. Contudo, constatou-se também que os mesmos produzem brinquedos e

planejam brincadeiras, mas poucos deles entram nas brincadeiras com as crianças. A

Pedagogia, por tratar formação de professores para a infância, é responsável pela

construção da “consciência lúdica” e essa construção não se dará somente a partir da

informação sobre a importância do brincar e da formação de opinião, mas dentro do

próprio jogo. Então é necessário inventar possibilidades para interromper o trajeto

tradicional da formação de professores e pensar em outras possibilidades de

transformação nesse curso. Não de transformação da sociedade como quer a teoria

crítica, mas da própria transformação.

Palavras chave: Experiência. Formação de professores. Educação Infantil.

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Este artigo trata da formação de professores para a educação infantil. Resultou

de uma pesquisa qualitativa que teve como objetivo identificar e analisar experiências

significativas vividas pelos estudantes de Pedagogia durante o curso. Segundo Larrosa,

a experiência “não é o que passa ou o que acontece, ou o que toca, mas o que nos passa,

o que nos acontece ou nos toca” (2004, p. 154).

A investigação foi realizada junto a uma turma do sexto semestre do referido

curso em uma instituição privada de ensino superior, localizada na região da grande

Porto Alegre, em 2012. Para dar conta de tal objetivo, busquei aporte teórico nos

estudos Larrosa (1998, 2002, 2003 e 2004) quando trata do sentido filosófico da

experiência e nos estudos de Fortuna (2004, 2011 e 2012) ao defender a formação

lúdica no curso de Pedagogia.

Conforme o Art, 4º da Resolução CNE/CP Nº 1/2006, que estabelece as

Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, esse curso destina-se a

formar professores para atuar na “Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino

Fundamental, nos curso de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação

Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam

previstos conhecimento pedagógicos”. Para isso está previsto uma carga horária de

3.200 horas. Conforme o Art. 7º desse documento tal carga horária é assim distribuída:

I – 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como assistência às

aulas, realização de seminários, participação na realização de

pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de documentação, visitas a

instituições educacionais e culturais, atividades práticas de diferente

natureza, participação em grupos cooperativos de estudo; II – 300

horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente na

Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental,

contemplando também outras áreas específicas, se for o caso,

conforme o projeto pedagógico da instituição; III – 100 horas de

atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de

interesse dos alunos, por meio, da iniciação científica, da extensão e

da monitoria (BRASIL, 2006).

Considerando o compromisso em formar profissionais para funções tão

diversificadas, cabe problematizar se o tempo previsto, três mil e duzentas horas, é

suficiente para dar conta de tal empreitada.

Larrosa (2002, p. 23) aponta que “[...] a experiência é cada vez mais rara, por

falta de tempo”. Nesse sentido, para dar conta de formar profissionais aptos a atuarem

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em tantas funções diferentes, os conteúdos precisam ser trabalhados de forma

“aligeirada”, ou seja, o currículo do curso está organizado de modo que muitas coisas se

passem, muitas coisas aconteçam, sendo que poucas delas “nos” passam e “nos”

acontecem durante o processo de formação. Cada estudante do curso é sujeito do

estímulo, da vivência pontual e a ela “tudo atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o

choca, mas nada lhe acontece” nos tempos que correm (LARROSA, 2002, p. 23).

Nesse sentido, a pergunta mobilizadora do estudo que aqui está sendo

apresentado, consistiu-se em saber quais propostas vividas no curso passam, tocam e

transformam os estudantes de Pedagogia.

OS CAMINHOS METODOLÓGICOS ESCOLHIDOS

A investigação de ordem qualitativa foi realizada em uma Universidade privada

localizada na região metropolitana de Porto Alegre, durante o ano de 2012. Participaram

da coleta de dados um grupo de trinta e dois estudantes do curso de Pedagogia,

matriculadas na disciplina de Infâncias de 0-10, a qual corresponde ao sexto semestre do

cursoi. Os dados foram produzidos a partir de uma roda de conversa com os mesmos.

Segundo Larrosa (2003), conversar pressupõe estar aberto a ouvir o que o outro tem a

dizer “porque se alguém pode discutir, ou dialogar, ou debater, com qualquer um, é

claro que não se pode conversar com qualquer um [...]” (LARROSA, 2003, p. 212).

Conversar, então, exige que se conheça o outro e que se pare para escutá-lo. Os rumos

da conversa „acontecem‟ na própria conversa, de modo que não se pode ter definido e

delimitado de antemão o que será conversado.

Todos participantes foram informados de que a pesquisa estava sendo realizada

com a intenção de conhecer quais propostas desenvolvidas durante o curso haviam sido

vividas intensamente por eles, de modo a lhes passar, lhes tocar e lhes transformar. Em

um primeiro momento foi apresentado e discutido no grupo o sentido filosófico da

experiência, a partir de Larrosa. Em um segundo momento lhes foi apresentada a

seguinte questão: quais propostas de atividades se constituíram em experiência para

você durante o curso de Pedagogia? Foi dado um tempo para que os estudantes

visitassem suas memórias do curso e trocassem idéias com os colegas da turma, caso

desejassem. Depois, foi organizada uma roda para dar início à discussão em grande

grupo. Nessa roda, ao mesmo tempo em que os estudantes se participavam livremente,

também ficou garantida a possibilidade de não se manifestar, caso essa fosse a escolha

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de algum deles. Nos rumos dessa conversa foram surgindo os detalhes e as minúcias das

experiências vividas por eles durante o curso. Nesse sentido, os dados analisados aqui

correspondem ao que foi colocado pelos estudantes durante a roda de conversa.

AS PRÁTICAS DE ENSINO COMO EXPERIÊNCIAS NO CURSO DE

PEDAGOAGIA

Ao serem indagados sobre o que havia se constituído „neles‟ em experiência

durante o curso, os estudantes fizeram referências às práticas de observação, às práticas

de ensino e de estágios, sendo que justificam isso dizendo que são momentos “criativos,

dinâmicos, trazem à tona bons projetos e desencadeiam de bons debates” (Aline P.,

2012); “tiram da mesmice no curso” (Rose A da S., 2012) e, “é onde se aprende de

verdade” (Solange P. M., 2012). Os momentos de práticas de ensino são ocasiões muito

esperadas pela maioria dos estudantes da instituição pesquisada, considerando que não

atuam em escolas e anseiam por estar com as crianças nesses espaços. Apenas dois

estudantes fizeram referência a passeios de estudo realizados durante o curso.

Devo dizer, ainda, que os momentos de práticas são também os mais difíceis de

serem administrados por parte dos estudantes, pois precisam conciliar os horários de

aulas na faculdade, os horários do estágio, os horários de seu trabalho, bem como outros

compromissos de ordem pessoal. Apesar desse “corre-corre”, é recorrente ouvir desses

que o tempo foi curto e que quando a prática começou a ficar boa, ela acabou.

Ficou claro, então, o quanto o “tempo” pode impedir ou possibilitar que algo

“nos” aconteça durante o processo de formação de professores. A experiência, no

sentido de algo que nos acontece,

[...] requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível

nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar,

parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar

mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos

detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade,

suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza,

abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a

lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito,

ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24).

Outro aspecto interessante foi o fato de nenhum estudante ter feito referência à

situações de sala de aula na universidade, à participação em seminários ou grandes

conferências, à apresentação de trabalhos em sala de aula, a pesquisas na biblioteca ou

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outros espaços acadêmicos – atividades essas com maior representatividade na carga

horária de formação.

Larrosa separa a experiência tanto da informação quanto da opinião. A respeito

da primeira, ele aponta que

O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo

buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante

informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor

informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo

saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido

de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça

(LARROSA, 2002, p. 22).

Assim, é possível dizer que nada nos tocou ou nos aconteceu, mesmo “depois de

assistir a uma aula ou a uma conferência, depois de ter lido um livro ou uma

informação, depois de ter feito uma viagem ou de ter visitado uma escola” (LARROSA,

2002, p. 22), embora se tenha conquistado mais informações e se saiba coisas que antes

não se sabia nada nos aconteceu!

Nesse processo de formação, também não basta “ter” informação, é necessário

construir opinião, ou seja, o sujeito deve se posicionar a favor ou contra essa

informação. Contudo, segundo Larrosa (2002), essa obsessão pela opinião também

anula a possibilidades de experiência, fazendo com que nada nos aconteça. Assim, um

processo de formação voltado à fabricação de sujeitos manipulados pelos artefatos da

informação e da opinião, constitui sujeitos incapazes de experiência.

A partir disso, ressalto que dados os da pesquisa apontam como desafio aos

professores e aos estudantes do curso, juntos, inventar possibilidades para interromper o

trajeto tradicional da formação de professores e pensar em outras possibilidades de

transformação nesse curso. Não de transformação da sociedade como quer a teoria

crítica, mas da própria transformação, pois segundo Larrosa (2002), somente o sujeito

da experiência está “aberto à sua própria transformação” (p. 26).

Débora de M. L. (2012) assim expressa sua expectativa com relação ao curso:

“espero que o curso possa continuar me oferecendo ferramentas necessárias para me

tornar a educadora que pretendo ser”. Então, como criar condições de possibilidade para

que os estudantes “inventem, cada um, a própria transformação” no curso de

Pedagogia?

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Para se chegar à verdade sobre si mesmo, “não há um caminho traçado de

antemão, como se bastasse segui-lo, sem desviar-se, para se chegar a ser o que se é”.

Nas palavras de Foucault, a experiência “arranca o sujeito de si mesmo, [...] é uma

empreitada de dessubjetivação” (FOUCAULT, 2010, p. 291). Essa empreitada, “que

leva a um „si mesmo‟, está por ser inventada de uma maneira sempre singular, e não se

pode evitar nem as incertezas nem os desvios sinuosos” (LARROSA, 1998, p. 10, grifos

do autor).

“ACHO QUE ESCOLHI A PEDAGOGIA E A EDUCAÇÃO INFANTIL PRA

CONTINUAR BRINCANDO” – o brincar e a (trans)formação dos professores

Ao esmiuçarem suas experiências, os estudantes fizeram referências às situações

lúdicas. Nesse sentido Fátima K. (2012) expressou aquilo que trago em epígrafe na

entrada desta seção: “Acho que escolhi a pedagogia e trabalhar na educação infantil pra

continuar brincando”. Essa posição das estudantes vai ao encontro daquilo que está

previsto nas na Resolução CNE/SEB Nº 5/2009, que estabelece as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, quando determina que as Propostas

Pedagógicas das escolas devem ter as brincadeiras como um dos eixos norteadores.

Cabe à Pedagogia formar professores que correspondam a esse desafio legal.

Segundo Saviani (2009), é necessário que tanto os conteúdos de conhecimento

quanto os procedimentos didático-pedagógicos integrem o processo de formação de

professores, pois forma e conteúdo são indissociáveis. No entanto, é mais comum que

se discutam produções teóricas que versam sobre o desenvolvimento do jogo na criança

enfatizando os estudos de Jean Piaget que classificam as crianças, conforme suas idades,

em estágios de jogo sensório-motor, simbólico e de regras. Ou ainda, os estudos de

Vygotsky, que versam sobre a importância das mediações do adulto para o

desenvolvimento da criança.

Desse modo, as alunas constroem alguns princípios teórico-metodológicos para

“lidar” com as crianças. Ou seja, constroem informações e opiniões sobre o brincar,

alicerçadas no campo da Psicologia do Desenvolvimento. Nos planejamentos das

práticas na educação infantil que venho acompanhando observei que diversas alunas

inserem brincadeiras em seus planejamentos, produzem brinquedos para as crianças e

também apresentam justificativas fundamentadas teoricamente para isso, mas poucas

delas “mergulham” nessas brincadeiras com as crianças. Com isso, quero dizer que as

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estudantes “observam” ou “dirigem” as brincadeiras das/para crianças, deixando de

“viver” essas brincadeiras com elas. Em outras palavras, “fazem brincar” ou “deixam

brincar”, mas elas mesmas não brincam.

Algumas “aproveitam” os momentos em que as crianças brincam para organizar

os materiais da sala ou para fazer/responder anotações nas agendas das crianças. Em

outras situações, quando dirigem as brincadeiras do grupo, focam o seu olhar para o

cumprimento das regras ou para o aprendizado de conteúdos escolares que muitas vezes

estão “dissimulados” nessas brincadeiras. E na pressa de dar conta dos compromissos de

rotina e/ou de ensinar conteúdos escolares, os professores quase não param para olhar,

para escutar, para sentir e para “cultivar a arte do encontro” (LARROSA, 2002, p. 24)

com as crianças.

Os estudos de Fortuna (2011) apontam para a ausência do brincar na formação

superior, aparecendo basicamente em algumas disciplinas com caráter teórico-prático,

nos estágios curriculares ou em nível de extensão universitária.

Na universidade pesquisada, embora a organização curricular do curso de

Pedagogia não contemple uma disciplina específica sobre o assunto, observei que esse

tema está previsto nos conteúdos das disciplinas de Educação Infantil I e II, sendo essas

aulas costumavam ser desenvolvidas no espaço da brinquedoteca. As alunas gostavam

de ter aulas nesse espaço e justificavam isso, dizendo que ali encontravam sugestões

para produzir jogos e brinquedos. Anotavam “sugestões” e usavam seus telefones

celulares para fotografar brinquedos que se encontravam nesse local.

Entretanto, ao serem questionadas sobre “brincar pra quê?”, as alunas fizeram

referência à importância dessa atividade para o desenvolvimento das crianças nas mais

diversas áreas, mas quase não se colocaram nessa brincadeira „com‟ as crianças. Isso me

remeteu a outra pergunta: em que medida as discussões referentes ao brincar,

desenvolvidas durante o curso, contribuem (ou não) para que as estudantes brinquem

com as crianças da educação infantil, em suas práticas pedagógicas e de estágio?

Fortuna (2011) investiga como e por que alguns professores tornam-se capazes

de brincar em suas práticas pedagógicas e problematiza a formação lúdica de

professores na universidade. De acordo com essa pesquisadora,

[...] o professor ludicamente inspirado possui uma consciência lúdica que, sem ser inata, constrói-se ao longo de sua formação profissional e existencial e expressa, através de atitudes e de conhecimento, a valorização do brincar na vida, identificando-o como afirmação da

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vida e através da qual se compromete com o brincar (FORTUNA, 2011, p. 96).

Sobre o processo de formação lúdica, essa pesquisadora explica que “as raízes

mais profundas alcançam a infância, perpassando a experiência escolar, a formação

inicial para o magistério, a formação continuada, as leituras e a experiência na

profissão” (FORTUNA, 2012). Também Brougère (1995) não admite o caráter natural e

espontâneo da brincadeira e argumenta que essa atividade “pressupõe uma

aprendizagem social. Aprende-se a brincar” (p. 97).

Entendo que a Pedagogia também é responsável pela construção da “consciência

lúdica”, especialmente por tratar da formação de professores para a infância. Mas

“como” formar professores que brincam? Sala de aula do curso de graduação é espaço

de brincar?

Na perspectiva da Hermenêutica Filosófica, Fortuna (2011) afirma que a

formação de “professores que brincam se dá no jogo: aprendem sobre o jogo jogando,

tanto quanto aprendem a ser professores que brincam jogando” (FORTUNA, 2011, p.

91). Para dar conta desse compromisso com a formação lúdica dos professores, a

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) conta com o Programa de

Extensão Universitária Quem quer brincar?, o qual tem como propósito capacitar

professores para brincar e valorizar o brincar (FORTUNA, 2005).

A partir do pensamento de Larrosa (2002) e de Fortuna (2011), defendo a

posição de que é se “ex-pondo” no jogo que se formam os professores que brincam.

Segundo Larrosa (2002),

Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição

(nossa maneira de pormos), nem a “o-posição” (nossa maneira de

opormos), nem a “imposição” (nossa maneira de impormos), nem a

“proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “exposição”, nossa

maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade

e de risco. Por isso, é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se

opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe” (LARROSA,

2002, p. 25).

Além disso, Fortuna também acredita que “A capacidade de brincar não

desaparece à medida que crescemos, nem vai para o limbo” (FORTUNA, 2011, p. 97) e

“fazer viver o brincar, quando nos tornamos „gente grande‟, é uma forma de perpetuá-

lo” (FORTUNA, 2004, grifos da autora).

Fortuna (2011) propõe que “sejam (re)inseridos no ritmo regular da vida ―

inclusive na vida acadêmica ― a brincadeira e o ócio, superando a dicotomia brincar

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versus aprender e trabalhar versus divertir-se” (p. 343). Assim como Fortuna (2011),

também estou convencida de que brincar deve fazer parte da formação docente, e “nada

é melhor do que o brincar para falar sobre o brincar” (p. 27). Desse modo, acredito que

ao se confeccionar brinquedos com a finalidade de usá-los em suas práticas-lúdicas ― a

exemplo do que fazem os estudantes no curso de Pedagogia―, isso se constitui em um

modo de brincar. Ou seja, enquanto se inventa e se produz o brinquedo, já se está

brincando e já se está formando professores que brincam.

Fortuna (2011, p.348) diz: “Tal qual um bordão, repito: é preciso investir na

formação lúdica do professor”. Nesse sentido, „quase‟ii fazendo coro com ela, eu digo

que é preciso criar condições de possibilidade para que a “experiência” lúdica aconteça

no curso de Pedagogia! Embora eu reconheça que experiências lúdicas poderão se dar

de variados modos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudantes de pedagogia recebem durante o curso um volume enorme de

informações e a todo tempo são instigados a formarem opinião sobre elas. Contudo esse

estudo mostrou que é nas práticas lúdica de ensino que eles vivem experiências que lhes

tocam, que lhes acontecem e lhes transformam. Nesse sentido, também em atendimento

ao que está previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o

curso de Pedagogia precisa assumir o compromisso de formar professores que brincam.

Essa formação pouco se concretizará a partir de informações ou formação de opinião,

mas no próprio jogo, como nos mostram os estudos de Fortuna (2011). Sem dúvidas, os

estudantes precisam ler, discutir, opinar sobre o valor do brincar na formação de

professores, contudo, isso não garante a formação lúdica. É preciso que a experiência

(nos) aconteça ― e aqui eu me refiro, mais uma vez, à experiência no sentido que lhe é

dado por Larrosa, como discuti anteriormente ― experiência essa que, vivida na

universidade, pode nos transformar, nos tirar da fôrma. Só aquele que se (ex)põe e sai

da fôrma é capaz de brincar em suas práticas de ensino.

REFERÊNCIAS

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______. Nietzsche & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2. ed. 1ª.reimp.,2005.

i Na intenção de preservar a identidade dos participantes, os nomes citados nesse artigo são fictícios, ii Digo „quase‟, porque ouso mudar algumas palavras em seu bordão.

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