FORMAÇÃO CULTURAL E ARTE/EDUCAÇÃO: análise das …Disse o poeta Mário Quintana, imbuído de...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Letras Câmpus de Araraquara - SP JOSÉ VITOR FERNANDES BERTIZOLI FORMAÇÃO CULTURAL E ARTE/EDUCAÇÃO: análise das proposições pedagógicas paulistas na perspectiva da Teoria Crítica ARARAQUARA S.P. 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho”

Faculdade de Ciências e Letras Câmpus de Araraquara - SP

JOSÉ VITOR FERNANDES BERTIZOLI

FORMAÇÃO CULTURAL E ARTE/EDUCAÇÃO: análise das proposições pedagógicas paulistas na perspectiva da

Teoria Crítica

ARARAQUARA – S.P. 2017

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JOSÉ VITOR FERNANDES BERTIZOLI

FORMAÇÃO CULTURAL E ARTE/EDUCAÇÃO: análise das proposições pedagógicas paulistas na perspectiva da

Teoria Crítica

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP Araraquara/SP, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Escolar. Linha de Pesquisa: Teorias pedagógicas, trabalho educativo e sociedade. Sob orientação do Prof. Dr. Ari Fernando Maia.

ARARAQUARA – S.P. 2017

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Ficha catalográfica elaborada pelo sistema automatizadocom os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Bertizoli, José Vitor Fernandes FORMAÇÃO CULTURAL E ARTE/EDUCAÇÃO: análise dasproposições pedagógicas paulistas na perspectiva daTeoria Crítica / José Vitor Fernandes Bertizoli — 2017 113 f.

Dissertação (Mestrado em Educação Escolar) —Universidade Estadual Paulista "Júlio de MesquitaFilho", Faculdade de Ciências e Letras (CampusAraraquara) Orientador: Ari Fernando Maia

1. Arte/educação. 2. Formação Cultural. 3. TeoriaCrítica. I. Título.

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JOSÉ VITOR FERNANDES BERTIZOLI

FORMAÇÃO CULTURAL E ARTE/EDUCAÇÃO: análise das proposições pedagógicas paulistas na perspectiva da

Teoria Crítica

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP Araraquara/SP, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Escolar. Linha de Pesquisa: Teorias pedagógicas, trabalho educativo e sociedade. Sob orientação do Prof. Dr. Ari Fernando Maia.

Data da defesa: 02/02/2017 Local: Faculdade de Ciências e Letras – UNESP Araraquara/SP Membros Componentes da Banca Examinadora:

__________________________________________________ Presidente e Orientador: Prof. Dr. Ari Fernando Maia

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Letras – Araraquara/SP

__________________________________________________ Membro titular: Profa. Dra. Juliana Campregher Pasqualini

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Letras – Araraquara/SP

__________________________________________________ Membro titular: Profa. Dra. Sueli Soares Dos Santos Batista Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza - SP

Faculdade de Tecnologia de Jundiaí/SP

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Dedico este trabalho àqueles que ainda julgam ser causa

digna a constante luta por um processo educativo que

humanize e promova a emancipação dos estudantes.

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AGRADECIMENTOS

Disse o poeta Mário Quintana, imbuído de sua simplicidade e sabedoria

características, pequeno poema que me chegou aos ouvidos. O título: Pergunta

Errada.

Se eu acredito em Deus? Mas que valor poderia ter minha resposta,

afirmativa ou não? O que importa é saber se Deus acredita em mim.

(QUINTANA, 2006, p.367)

Por acreditar na dúvida constante, que se converte em afirmação, mais do

que verdadeira, vejo Deus nas pessoas e me esforço para que ele, por meio delas,

acredite em mim. Por isso, sou muito grato a muito tantos que cruzaram meu

caminho nesses anos de vida. Agradeço muito a Josie e a Maluzinha, minhas

amadas meninas, por entenderem, principalmente na reta final deste trabalho, as

tantas exclamações de minha parte: Agora não posso! Estou ocupado! Preciso

terminar! Depois! Só um minutinho! Já estou indo! Vocês fazem parte da minha vida,

e sou muito grato por tê-las ao meu lado nessa caminhada. Resta-me exclamar

agora que: Amo vocês! Sou imensamente grato aos meus pais, Anísio e Lídia, pois

em suas simplicidades me ensinaram a ser o que sou hoje. A importância de se

trilhar um caminho honesto e de sempre batalhar por meus sonhos, até que se

convertessem em realidade.

Agradeço a todos os mestres e mestras que estão em mim, que deixaram

algo de si ao longo de toda a minha formação acadêmica. Em especial ao Prof. Ari

por ter me oportunizado a experiência que hoje se materializa nesta dissertação; por

suas orientações e ensinamentos tão valorosos. À Profa. Juliana, que ao longo do

tempo se converteu em colega de trabalho na construção da Proposta Pedagógica

para a Educação Infantil de Bauru, muito me ensinando; por suas colaborações no

exame de qualificação e finalização desta pesquisa. À Profa. Sueli pela

disponibilidade em participar presencialmente do exame de qualificação,

apresentando sugestões riquíssimas para a conclusão do texto. A todos os colegas

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da pós-graduação que dividiram comigo suas dúvidas e descobertas enquanto

esperávamos na fila do café, na cantina do câmpus.

À Secretaria Municipal da Educação de Bauru, na pessoa da Profa. Vera

Casério e Fernanda Bechara Fantin, por oportunizar minhas dispensas semanais,

entendendo minhas ausências. A todos os meus amigos do Departamento

Pedagógico pela acolhida e pelas realizações conjuntas nesses últimos anos, em

especial à Yaeko por dividir comigo sua sabedoria e justiça oriental, aos parceiros

Rita, Kátia, Sara e Fábio com quem pude contar em todas as ocasiões. Realmente

cinco é um número muito significativo! A Meire pela companhia nas viagens

filosóficas até Araraquara. Enfim, a todos os integrantes do DPPPE que muito me

ensinaram e compartilharam comigo. Aos meus companheiros arte/educadores do

sistema municipal de ensino de Bauru, por dividirem comigo a esperança de sempre

melhorar o ensino de arte nas escolas municipais. A todos os educadores,

professores ou não, que comigo trabalharam por tantas escolas pelas quais passei e

a todos os alunos que possibilitaram a mim a contínua formação enquanto

profissional e ser humano.

Aos meus amigos pessoais por todas as vivências, alegrias e tristezas

compartilhadas, em especial à Karen e ao Dariel, que se revelaram, em tão pouco

tempo, grandes amigos e compartilharam meu correr contra o tempo, dados os

prazos.

Um grande abraço a todos vocês. Gratidão!

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RESUMO

Este trabalho pretende analisar as proposições pedagógicas trazidas no material didático da área de arte, para professores e alunos encaminhados às unidades escolares da rede pública estadual paulista, sob a perspectiva da Teoria Crítica. Discutiu-se, como é proposto, o ensino da área na educação básica, etapa fundamental, particularmente na rede pública estadual de São Paulo e em conseguinte as implicações, ou possibilidades, desta para a formação cultural dos estudantes. Foi analisada uma situação de aprendizagem em artes visuais colocada ao sexto ano do ensino fundamental, que aborda a tridimensionalidade como elemento estético, que segundo a proposta tem como finalidade abordar a relação entre forma e conteúdo na linguagem artística em questão. Pautado no referencial teórico, buscou-se apontar elementos da cultura afirmativa presentes no material, em seguida tornar evidentes aspectos identitários aos da indústria cultural em um processo de semiformação. Buscou-se também imprimir certo caráter propositivo à analise, objetivando ampliar a tensão entre o que é posto pelo sistema de ensino e o que poderia figurar no material. A hipótese de que a facilitação exacerbada de acesso à obra artística e a fragilidade pedagógica do material, caracterizado por proposições simplistas, que não ultrapassam o senso comum, concorrem para o contrário daquilo que se pretende no processo formativo educacional, ou seja, uma formação integral com vistas à emancipação, resistindo à razão instrumental, à reificação e à regressão dos sentidos. São apresentadas evidências com o intuito de comprovar o esperado, visto a forma como é conduzido, via orientações pedagógicas, o ensino dos conteúdos artísticos. A arte, que deveria ser ponto central da proposição pedagógica, se insere como mero exemplo empírico. Outro dado que merece destaque é a caracterização do material como instrumento de controle do trabalho docente visto não permitir autoria no processo de ensino e aprendizagem, impondo ao professor o papel de mero executor.

Palavras chave: Arte/educação. Formação cultural. Teoria Crítica.

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ABSTRACT

This term paper intends to analyze the pedagogical propositions brought in the didactic material of the art area, for teachers and students sent to the school units of the São Paulo state public network under the perspective of Critical Theory. It was discussed, as it is proposed, the teaching of the area in basic education, fundamental stage, particularly in the state public network of São Paulo and consequently the implications, or possibilities, of this for the cultural formation of students. It was analyzed a situation of learning in the visual arts placed in the sixth year of elementary school, which deals with three - dimensionality as an aesthetic element, which according to the proposal aims to address the relationship between form and content in the artistic language in question. Guided by the theoretical framework, we sought to point out elements of affirmative culture present in the material, then make evident aspects of identity in the cultural industry in a semiformation process. It was also tried to impress certain propositional character to the analysis, aiming to amplify the tension between what is put by the system of education and what could appear in the material. The hypothesis that the exacerbated facilitation of access to the artistic work and the pedagogical fragility of the material, characterized by simplistic propositions that do not go beyond common sense, run contrary to what is intended in the educational formation process, that is, an integral formation with a view to emancipation, resisting instrumental reason, reification and regression of the senses. Evidence is presented in order to prove what is expected, given the way in which the teaching of artistic content is conducted through pedagogical guidelines. Art, which should be the central point of the pedagogical proposition, is inserted as a mere empirical example. Another fact worth mentioning is the characterization of the material as an instrument of control of teaching work, since it does not allow authorship in the teaching and learning process, imposing on the teacher the role of mere performer. Keywords: Art / education. Cultural training. Critical Theory.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................

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1 CULTURA, ESTÉTICA E EMANCIPAÇÃO HUMANA................................. 15

1.1 Sobre a Cultura Afirmativa...................................................................... 15

1.1.1 A Indústria Cultural............................................................................... 21

1.1.2 Sociedade do Espetáculo..................................................................... 25

1.2 Estética e Formação Cultural.................................................................. 28

1.2.1Teoria Estética Adorniana: a obra de arte como enigma................... 28

1.2.2 Formação Cultural (Bildung) e a Semiformação (Halbbildung)........ 33

2 FORMAÇÃO CULTURAL E O ENSINO DE ARTE NO BRASIL.................

37

2.1 Arte/educação nas Escolas Brasileiras: caminhos percorridos.......... 38

2.2 Legislação e Parãmetros Legais ao Ensino de Arte nas Escolas........ 43

2.3 São Paulo Faz Escola: o currículo oficial paulista................................ 46

2.3.1 Os Cadernos de Arte e Suas Proposições Pedagógicas................... 48

3 ANÁLISE E REFLEXÕES SOBRE AS PROPOSIÇÕES PEDAGÓGICAS.

52

3.1 Proposições Pedagógicas e o Caráter Afirmativo da Cultura ............. 52

3.2 Proposições Pedagógicas, Industria Cultural e Semiformação.......... 56

3.3 Análise da Situação de Aprendizagem................................................... 61

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 76

REFERÊNCIAS................................................................................................ 79

ANEXO A – Mapa dos territórios da arte...................................................... 85

ANEXO B – Caderno do professor................................................................ 87

ANEXO C – Caderno do aluno....................................................................... 99

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INTRODUÇÃO

Muito se discute sobre a importância da formação integral do ser humano no

âmbito escolar. Atualmente na lei que rege a educação nacional em nosso país, a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394 de 1996, encontramos em seu art.

2º, referindo-se aos princípios e fins da educação nacional, o dever do oferecimento

desta com a finalidade do desenvolvimento pleno do educando. A educação escolar

vem recebendo, ao longo do tempo, uma crescente demanda de proposições e é

vista, por parcela significativa da sociedade, como um meio profícuo de

transformação social. Questiona-se, no entanto, se tais demandas devem, ou não,

ser incorporadas pelas instituições escolares considerando que frequentemente os

processos e objetivos educacionais são subvertidos dadas as contradições

existentes no âmbito da instituição.

Acredita-se que numa proposta de educação de caráter integral, como a

apresentada na política educacional do nosso país, estejam inseridos os

conhecimentos estéticos e culturais desenvolvidos e acumulados pelo homem ao

longo de sua história, assim como a reflexão frente às criações culturais dos tempos

passados e contemporâneo. Nesse sentido, pensar as relações e/ou as

possibilidades de experiências estéticas e o desenvolvimento do humano

emancipado devem perpassar pelas preocupações pedagógicas dos educadores.

Formalmente, as escolas possuem, na sua estrutura curricular, um rol de

disciplinas que podem sofrer pequenas variações dadas às especificidades dos

sistemas de ensino visto conforme disciplina a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional,

Art. 26 - Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (BRASIL, 1996)

Dentre as disciplinas que compõem a base nacional comum figura a área de

arte, sob a seguinte orientação:

§ 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da educação infantil e do

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ensino fundamental, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos

1 (BRASIL, 1996).

A disciplina arte configura-se, nos diversos sistemas educacionais existentes

no país, como a área que tem por responsabilidade promover a formação cultural

dos estudantes, nesse sentido delimitou-se que, no âmbito da educação escolar,

será temática dessa pesquisa a relação entre a formação cultural e a

arte/educação2.

O trabalho ora apresentado é pesquisa de base empírica com caráter

qualitativo. Segundo Neves (1996) a pesquisa qualitativa, oriunda da Antropologia e

da Sociologia, vem sendo bastante utilizada pela área de ciências humanas nas

últimas décadas, principalmente por investigadores ligados à Educação e à

Psicologia. A pesquisa qualitativa

“[...] trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.” (MINAYO, 2001, p. 21-22).

Todavia ela assume diversas definições, pois compreende um conjunto de

técnicas de pesquisa que “[...] visam descrever e a decodificar os componentes de

um sistema complexo de significados.” (NEVES, 1996, p. 1).

Segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002), as pesquisas qualitativas

têm, como característica, grande variedade de procedimentos ou instrumentos de

1 O parágrafo apresenta redação dada pela Medida Provisória nº 746, de 2016 que versa sobre a reformulação

do Ensino Médio no Brasil. Vale lembrar que a proposta sugere, conforme se percebe no texto, a supressão da obrigatoriedade da arte na etapa educacional em questão. 2 Ao longo da implantação da arte na educação escolar algumas nomenclaturas distintas foram utilizadas.

Oficialmente temos a implantação da “educação artística” no currículo escolar pela LDB 5.692/71, depois é apontado na LDB 9.394/96 o “ensino de arte”, marcado pelo movimento denominado de “arte-educação” (que será tratado em capítulo posterior), porém as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (Resolução CNE/CEB nº 2/98), então em vigência, mantém a nomenclatura anterior fazendo com que essa permaneça em uso nas unidades escolares. Por solicitação da Federação dos Arte Educadores do Brasil o Conselho Nacional de Educação apresentou parecer favorável pela mudança, (Resolução CNE/CEB nº 22/2005) passando a denominar a área como “artes”. Desde então, é comum o professor dessa área do conhecimento ser denominado ou se autodenominar arte-educador. Contemporaneamente muitos escritos da área apresentam a nomenclatura arte/educação, seguindo justificativa apresentada por Ana Mae Barbosa em sua obra: Arte/Educação contemporânea: Consonâncias Internacionais. “[...] uso as expressões ensino da Arte e Arte/Educação como equivalentes. Prefiro a designação Arte/Educação (com barra) por recomendação de uma linguista, a Lúcia Pimentel, que criticou o uso do hífen como usávamos em Arte-Educação, para dar o sentido de pertencimento. Já a barra, com base na linguagem de computador, é que significa “pertencer a” (BARBOSA, 2010, p. 21).

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coleta de dados e aponta-nos que, dentre outros, a análise de documentos é

bastante significativa a esse tipo de trabalho. Nesse sentido, selecionou-se tal

instrumento como via para a coleta de dados.

Ao longo do primeiro capítulo, foram apresentados os pressupostos teóricos

que embasaram a pesquisa – proposições pedagógicas e situações de

aprendizagem constantes no material didático da área de arte da rede estadual de

ensino de São Paulo. Buscou-se apresentar conceitos basilares da Teoria Crítica da

Sociedade – Marcuse, Adorno e Debord – no tocante às questões relacionadas à

formação cultural, assim como as contradições e as configurações históricas entre

cultura e sociedade, bem como os seus reflexos no processo educativo.

O capítulo segundo teve, como principal característica, a apresentação do

panorama geral, quanto ao ensino da área de arte em nosso país, até a indicação

pontual de como se configuram as proposições dessa área de conhecimento no

âmbito da rede pública estadual de ensino de São Paulo. Ao percorrer tal trajeto, do

geral (nacional) para o particular (estadual paulista) chegou-se aos materiais

didáticos indicados, atualmente, para o uso em todas as unidades escolares dessa

rede. Explicita-se aqui o objeto da pesquisa, que são as proposições pedagógicas

apresentadas no material da área de arte para a rede pública estadual paulista,

nesse sentido buscou-se refletir de forma crítica quanto as possibilidades formativas

com vistas à emancipação humana considerando as mediações propostas por este.

Foi tomada como modelo para a análise a situação de aprendizagem, da linguagem

das artes visuais3, apresentada para o primeiro bimestre do sexto ano do ensino

fundamental. Entendeu-se que, considerando as características de não

aprofundamento, assim como a ausência de diacronísmo na disposição dos

conteúdos, uma situação de aprendizagem seria capaz de apresentar as principais

características do material. O modelo representando o todo.

A análise do material indicado anteriormente compõe o terceiro capítulo, este

por sua vez foi subdividido em três momentos. No primeiro momento realizou-se

reflexão quanto aos elementos da cultura afirmativa presentes no material, em

3 O material didático, para o período bimestral, é composto por quatro situações de aprendizagem, sendo: uma

em artes visuais, uma em teatro, uma em dança e uma em música. Isso se dá para atender o que está disposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que aborda as quatro linguagens descritas como conteúdos da área de arte. Uma apresentação mais atenda da estrutura do material será apresentada na parte final do segundo capítulo. A linguagem das Artes Visuais foi eleita por se tratar da área de conhecimento de formação inicial do pesquisador, acredita-se que tal aspecto potencializa a análise dos conteúdos, visto que a reflexão será qualificada ao ponto em que se apresentem argumentos históricos e estruturantes mais aprofundados.

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seguida buscaram-se tornar evidentes aspectos identitários aos da indústria cultural

num processo de semiformação e por último apresenta-se um olhar mais

aprofundado diante da situação de aprendizagem tomada por referência.

Perpassaram pelo texto reflexões acerca do caráter enigmático da arte, bem como

as relações entre forma e conteúdo, ambos presentes nas elaborações estéticas de

Adorno (2003). Objetivou-se também, na tentativa de aprofundar as reflexões no

tocante ao fazer pedagógico, imprimir um caráter propositivo estabelecendo uma

tensão entre o que está posto e possibilidades com finalidade contrária ao já

estabelecido.

A questão colocada à pesquisa foi: as proposições pedagógicas, presentes

no material didático da área de arte para a rede pública estadual paulista, colaboram

para o processo de formação cultural dos estudantes, tendo em vista a emancipação

destes?

Tínha-se como hipótese inicial, o entendimento de que propor a formação

cultural, na área de arte, para todo o estado de São Paulo, tendo como instrumento

de orientação uma apostila única, que apresenta passo a passo o caminho a ser

percorrido por professores e estudantes, não possibilitaria a promoção de um

processo educativo tendo em vista a emancipação dos envolvidos. O que se

confirmou após análise de tal material.

Quando se entende a escola como espaço privilegiado para a transmissão da

cultura acumulada historicamente e para a formação crítica e sensível dos seres

humanos espera-se que este cumpra com o papel de formar as gerações vindouras

para a liberdade e autonomia de pensamento

No processo didático estabelecido na rede pública estadual paulista, via

materiais de orientação, os conteúdos da cultura – no caso específico, as obras de

arte visuais – são convertidos em temáticas, ou tomam o posicionamento de

“exemplo” para determinada proposição. Então, buscou-se identificar as

potencialidades de ampliação ou redução do caráter enigmático da obra artística.

Nas palavras de Loureiro (2006, p. 4-5):

No ato de dizer alguma coisa, a obra de arte também desdiz, o que, de certa maneira, dá a tonalidade do enigma sob a perspectiva da linguagem. De imediato, no imaginário social, o conceito de enigma tende a ser confundido com questão e charada (cuja resposta seria definida a priori), ou mesmo com a noção de algo não-racional e, portanto, misterioso. Todavia, a condição enigmática das obras de arte não consiste naquilo que é

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irracional, mas sim, em sua racionalidade. O enigma não está na intenção do artista, mas naquilo que a obra expressa: a própria história.

A questão que se coloca é como a exacerbada “facilitação” na recepção da

arte, bem como o esvaziamento de conteúdos e contextualização, vão ao encontro

de estabelecer certa relação ou experiência estética (formativa) entre os

estudantes/espectadores e as obras de arte. Há o entendimento de que nas obras

de arte verdadeiras encontramos um conteúdo de verdade que não está totalmente

acessível, mas que deve ser almejado.

Sob este aspecto, o caráter enigmático das obras não é o seu ponto último, mas toda a obra autêntica propõe igualmente a solução do seu enigma insolúvel. Na instância suprema, as obras de arte são enigmáticas, não segundo a sua composição, mas segundo o respectivo conteúdo de verdade. (ADORNO, 2003a, p.148).

Nesse sentido, o processo pedagógico, para a arte/educação, deveria ser

estruturado tendo em vista a promoção do encontro entre aprendiz e obra por meio

de questões instigantes, que tivessem como objetivo não a facilitação, mas talvez a

abertura para um processo de diálogo entre os envolvidos. Assim, possivelmente,

seria explorada a potencialidade formativa da arte na direção da emancipação, bem

como no combate da alienação e semiformação presentes nos produtos da indústria

cultural.

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“A ditadura perfeita terá as aparências da democracia, uma prisão sem muros na

qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura

onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua

escravidão”.

Aldous Huxley

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1. CULTURA, ESTÉTICA E EMANCIPAÇÃO HUMANA

Este capítulo tem como propósito abordar as contradições entre civilização e

cultura, bem como, indicar as mudanças na qualidade da ideologia da cultura como

processo histórico. O texto aborda as reflexões de Marcuse referentes à Cultura

Afirmativa, como se estabeleceu historicamente o distanciamento entre o espiritual e

o material, em seguida apresenta as elaborações teórico-filosóficas de Adorno e

Horkheimer sobre o que ficou conhecido como Indústria Cultural, bem como as

transformações causadas pelas produções massificadas na subjetividade dos seres

humanos. São evidenciados os aspectos mercantis os quais se subverteram as

produções culturais e a intensificação de tal processo alinhada a logica do capital. O

processo de intensificação da alienação da grande massa, no tocante a sua

formação intelectual e autônoma em contato com as produções artísticas, são

abordadas sob a perspectiva de Guy Debord. Objetiva-se com essa discussão

teórica estabelecer os alicerces para a realização da análise pretendida por esta

pesquisa.

1.1 Sobre a Cultura Afirmativa

Muitas são as definições elaboradas historicamente buscando abarcar o

termo cultura, o que se vê, no entanto, é que no transcorrer dessas elaborações, a

cultura e também a arte vão sendo apresentadas e pensadas sob a tutela de

interesses externos à finalidade da elevação do espírito e da emancipação humana.

Considerando a sociedade capitalista em que estamos inseridos, deve-se atentar

quanto ao caráter de mercadoria que permeia todas as relações e produções

humanas no presente contexto. A cultura então assume nesse esteio posição

ambígua, visto que, ao mesmo tempo em que pode ser encarada como expressão

do estado de alienação, que numa análise crítica, passa a colaborar para o processo

emancipatório do homem, muitas vezes de forma oposta lhe é imposta a função de

disfarce ou justificativa da ordem estabelecida, nesse sentido emerge de tais

produções o caráter ideológico. No esteio das discussões acerca da cultura, Hebert

Marcuse escreve na década de 1930 o ensaio “Sobre o caráter afirmativo da cultura”

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que em suma versa sobre as relações comprometedoras entre a alta cultura e a

ideologia burguesa.

Marcuse traça um paralelo entre o mundo antigo e o mundo moderno,

apresentando como a filosofia antiga – Platão e Aristóteles – pensava as relações

entre a verdade, a vida e o lugar da arte na sociedade. Segundo o autor, era vigente

na Grécia antiga, uma dicotomia social entre aqueles que se encarregavam do

necessário à sobrevivência daqueles que se ocupavam com as questões intelectuais

e a fruição estética. Havia, então, hierarquização dos conhecimentos desprendidos

pelos homens, um primeiro de caráter superior, filosófico, sem fim exterior a ele

próprio e o segundo de caráter pragmático, inferior, orientado ao cotidiano e a

permanência e existência do ser humano na terra.

A separação entre o útil e necessário do belo e da fruição constituí o início de um desenvolvimento que, por um lado, abre a perspectiva para o materialismo da práxis burguesa e, por outro lado, para o enquadramento da felicidade e do espírito num plano à parte da “cultura”. (MARCUSE, 1997, p. 90).

Essa separação deixa latente, segundo Marcuse (1997), “a ordem perversa

das condições materiais da vida” ao passo em que garantir a permanência geral da

humanidade não tangencia a felicidade e a liberdade de toda a sociedade. A

polarização entre ócio e trabalho, bem e mal, razão e sensibilidade é sensível na

filosofia aristotélica. A razão, melhor parte da alma humana, deveria dominar o estar

no mundo, garantindo o alcance do belo e do bom distante da práxis e da vida

material.

“Para a teoria antiga, a valorização superior das verdades que vão além do

necessário incluía também o socialmente “elevado”: trata-se das verdades

localizadas nos setores socialmente dominantes” (MARCUSE, 1997, p. 92). É a

partir da pretensão de que a teoria pura, como primeira ciência, era apropriada para

uma elite e vedada à totalidade da sociedade que se configura, ou se forma, o

conceito de cultura. Aristóteles, em sua filosofia, não mascarava o fato de que tudo o

que ultrapassava as necessidades à garantia da vida material era considerado

supérfluo, caracterizava tais “luxos” como verdades, bens e felicidades supremas

distanciadas por um abismo daquilo tido como necessário.

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A teoria antiga afirmara de boa consciência que a maioria dos homens são obrigados a despender sua existência com a provisão das necessidades vitais, enquanto uma pequena parcela se dedica ao prazer e à verdade. Por menos que tenha se modificado a situação, a boa consciência desapareceu. (MARCUSE, 1997, p. 94).

Refere-se, o autor, nessa passagem do texto, à época burguesa na qual

modificações decisivas entre o necessário e o belo surgem. A boa consciência, a

dicotomia social declarada, cede espaço à universalização de valores, às relações,

aos direitos, à liberdade, a partir da ideia de indivíduo. Porém, na prática, o que se

reproduz no âmbito cultural é a separação, já existente no campo da práxis, entre

produto e produtor. No cerne dessa ideologia, os seres, anteriormente desprovidos

das verdades e belezas espirituais, teriam condições de tê-las, visto o caráter de

universalidade, segundo Marcuse (1997), a cultura fornece alma à civilização.

Antes de adentrarmos ao conceito de cultura afirmativa explicitado por Hebert

Marcuse, é importante esclarecer, conforme o próprio afirma, que existem inúmeras

tentativas para se definir cultura, citando duas delas. A definição de cultura como a

unidade da produção material e espiritual, e outra que retira o mundo espiritual do

todo social, dessa forma, porém, a cultura é elevada a uma falsa universalidade,

jogando o espiritual contra o material. Essa segunda definição é que será designada

como cultura afirmativa. Segundo Marcuse (1997, p. 95-96):

Cultura afirmativa é aquela cultura pertencente à época burguesa que no curso de seu próprio desenvolvimento levaria a distinguir e elevar o mundo espiritual-anímico, nos termos de uma esfera de valores autônoma, em relação a civilização. Seu traço decisivo é a afirmação de um mundo mais valioso, universalmente obrigatório, incondicionalmente confirmado, eternamente melhor, que é essencialmente diferente do mundo de fato da luta diária pela existência, mas que qualquer indivíduo pode realizar para si “a partir do interior”, sem transformar aquela realidade de fato.

A cultura afirmativa, ao mesmo tempo em que apresenta a “pseudo”

universalidade de acesso aos bens espirituais, fato buscado pela burguesia em

ascensão, apresenta essas realizações simbólicas como um ideal, ou perfeição

abstrata. Esse ideal abstrato transcende as barreiras do esforço para a manutenção

da vida, deixa-se então a predestinação apontada por Aristóteles no sentido de

individualizar as possibilidades de alcance daquilo que ultrapassa o estar no mundo.

O campo do bom, do belo e do verdadeiro.

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Esse novo posicionamento da cultura vem ao encontro dos objetivos político-

ideológicos colocados pela classe burguesa. A igualdade abstrata dos indivíduos vai

ser alcançada ao ponto em que no plano objetivo as desigualdades se intensificam.

A validade universal da mesma seria imediatamente suprimida, uma vez que na produção capitalista a igualdade abstrata dos indivíduos se realiza como desigualdade concreta: só uma pequena parte dos homens dispõe do poder de compra necessário para adquirir as mercadorias exigidas para assegurar a felicidade. (MARCUSE, 1997, p. 97).

Possuindo as possibilidades financeiras, trajetória já cursada pela nova

classe, bastava a esses o alcance da igualdade abstrata. Esse posicionamento,

junto a cultura afirmativa, garante respostas certeiras aos questionamentos dos

contrários a realidade concreta vivida pela maioria da população, visto que a

igualdade apresentada se pautava pelo abstrato/ideal como possibilidade a todos.

Essa contradição, travestida como ideal de progresso social, entre objetivo e

subjetivo, real e abstrato, garantia inclusive o papel de dominação da classe

burguesa.

Porém o idealismo burguês não é somente uma ideologia: ele expressa também uma situação verdadeira. Não contém só a legitimação da forma vigente da existência, mas também a dor causada por seu estado; não só a tranquilidade em face do que existe, mas também a recordação daquilo que poderia existir. (MARCUSE, 1997, p. 99).

A resignação frente ao cotidiano surge ao ponto em que o idealismo burguês

expressava por meio da contraposição drástica a realidade vivida pela maioria da

população. Isso é evidenciado, segundo Marcuse (1997, p. 99), quando afirma que

“nesse exagero se encontra a verdade superior: que um mundo como este não pode

ser modificado por isso ou aquilo, mas unicamente mediante seu desaparecimento”.

Assim como na arte há um distanciamento das figuras ideais, a filosofia vai deixando

de lado o idealismo, que não via no materialismo burguês a finalidade da

humanidade, dando lugar à filosofia materialista que apontava a possibilidade da

felicidade na luta pela realização histórica do homem.

A cultura é tida, então, como uma força interior que pode atingir o exterior –

interno para o externo. Isso traria um caráter humano ao homem, tendo em vista o

enobrecimento deste, no entanto, sem modificar a ordem material da vida. Nesse

sentido devemos apresentar a ideia de pessoa, tomada como referência, aquela que

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encontra o seu maior grau de realização, nas palavras de Marcuse (1997), na

efetivação de uma comunidade livre e racional, onde todos os membros possuem

igualdade no tocante as possibilidades de desenvolvimento.

Colocado o caráter enobrecedor do humano, no âmbito da cultura, e que é

tido como algo ideal a se alcançar pela sociedade, temos então, a arte como via de

fruição. “A unidade representada pela arte, o puro caráter humano de suas pessoas

é irreal; constitui o oposto do que ocorre na realidade social efetiva” (MARCUSE,

1997, p. 102). Na irrealidade dessa arte ideal reside os anseios mais significativos

do homem frente a uma objetividade ruim.

Fica claro, frente ao descrito, a adversidade entre cultura e civilização.

Tradicionalmente na Escola de Frankfurt, é conferido significado distinto dos

antropólogos ao que se tem como cultura. Enquanto na Antropologia considera-se

cultura o conjunto de práticas, hábitos e modos de vida; os frankfurtianos, seguindo

a tradição alemã de associar cultura a kultur, identificam o termo como: arte,

filosofia, literatura e música, ou seja, as expressões da subjetividade humana.

Portanto, na visão alemã e consequentemente dos autores da Teoria Crítica, cultura

é associada à dimensão espiritual e civilização associada aos aspectos da

materialidade e objetividade da existência humana. Vale evidenciar, que para tais

autores, tomando como referência Marcuse, apesar de entenderem a existência de

um momento de verdade na separação entre cultura e civilização, visto que a

primeira tem a capacidade de expressar anseios humanos legítimos, são críticos a

tal dicotomia.

No âmbito da cultura afirmativa, há de se destacar a celebração da alma, visto

que o reino da cultura “é essencialmente o reino da alma” (Marcuse, 1997, p.103)

ela é apresentada como a substância propriamente dita do indivíduo que no campo

da práxis burguesa e sua razão abstrata não conseguem lidar. O que pode ser

alcançado pela ideologia burguesa é o espírito que se contrapõe – na cultura

afirmativa – de forma incisiva à alma. Ao espírito se relaciona o eu como sujeito

independente, racional, do pensamento e a alma às paixões, aquilo que é interior,

inacessível, aquilo que não encontra espaço na materialidade do mundo. E se a

alma apresenta-se como “lugar” inacessível, livre, espaço em que reside o bom, o

belo e o verdadeiro almejados pelos homens em suas individualidades, de nada tem

a ver com o corpo físico, assim pode existir uma boa alma num corpo ruim e vice

versa.

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“A liberdade da alma foi utilizada para desculpar miséria, martírio e servidão”

(Marcuse, 1997, p. 108), assim a existência terrena se submete ideologicamente à

economia capitalista, mas a alma transcende o valor econômico e justifica a

“pseudo” igualdade entre os indivíduos constituintes da sociedade.

Em seu desenvolvimento, a cultura afirmativa subordina os sentidos humanos

à alma, quando essa se torna âmbito decisivo da vida, com o intuito de controlar os

grupos insatisfeitos.

A interiorização da fruição por meio da alma se tornaria uma das tarefas decisivas da educação cultural. Na medida em que os sentidos seriam internalizados nos acontecimentos da alma, eles deveriam ser domados e transfigurados. Da conexão entre os sentidos (Sinnlichkeit) e a alma seria gerada a ideia burguesa do amor. (MARCUSE, 1997, p. 110).

O amor burguês traz consigo a busca pela constante felicidade terrena, a

superação do isolamento e exige a exclusividade – princípio individualista da

sociedade burguesa. Ao mesmo tempo em que esse amor, juntamente com a

amizade, se adequa aos princípios dessa sociedade, tais sentimentos apresentam-

se como os dois únicos aspectos, ligados à alma, que se realizam efetivamente no

âmbito objetivo.

Assim como a alma está para a vida efetiva, objetiva; a cultura afirmativa está

para a sociedade burguesa, no campo do ideal, do sublime, do inalcançável, mas ao

mesmo tempo, de forma contraditória, disponível a todos no campo do tangível.

Essa seria então a apresentação mais declarada da ideologia burguesa no campo

da cultura, a intensificação das contradições entre objetivo e subjetivo, ausência de

liberdade exterior e superação da liberdade interior. Alcançou de forma efetiva seu

papel de preparação ideológica do Estado autoritário, atuando na alma, por meio da

propaganda cultural “[...] uma espécie de ópio que pelo qual se disfarça o perigo e

se desperta uma enganosa consciência de ordem” (MARCUSE, 1997, p. 125).

E justamente porque a alma vive além da economia, a economia consegue se impor tão facilmente a ela. A alma adquire seu valor justamente pela sua característica de não se sujeitar à lei do valor. O indivíduo provido de alma se submete mais facilmente, se curva mais humildemente ao destino, obedece mais à autoridade. (MARCUSE, 1997, p.125).

Ao final de seu ensaio sobre o caráter afirmativo da cultura Marcuse alerta

sobre a impossibilidade de se demolir a cultura em geral, no que se refere a

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superação efetiva da cultura afirmativa. Essa cultura, que de certa forma reproduz

uma postura já tomada no mundo antigo, firmou como sendo a visão ou a

idealização de uma vida que não se apresentava como possível no âmbito objetivo e

esse caminhar histórico fez com que nos acostumássemos com essa dicotomização

entre ideal e real “A necessidade de que se precisa numa certa medida matar a vida,

para ter acesso a bens com valor próprio” (MARCUSE, 1997, p 127-128).

Sua superação não eliminará a individualidade junto com a eliminação da cultura, mas realizará efetivamente a individualidade. E “uma vez que nos encontramos de alguma forma felizes, não podemos fazer nada que não seja promover cultura”. (MARCUSE, 1997, p.130-131).

Posicionando-se de forma pragmática, a cultura não apresenta nenhuma

utilidade. Essa separação entre cultura e civilização cobra seu preço e a sociedade,

cada vez mais escrava na busca dos meios para a sua subsistência, deixa de lado

tudo aquilo que não lhe traz resultado imediato. As perdas nesse sentido são

irreparáveis.

1.1.1 A Indústria Cultural

Em 1936 Walter Benjamin publica em francês, na revista do Instituto de

Pesquisas Sociais, a primeira versão do texto intitulado “A Obra de Arte na Era de

sua reprodutibilidade Técnica”. Benjamin aponta para os, cada vez mais acelerados,

processos e possibilidades de reprodução das obras de arte. Anteriormente objetos

únicos, agora as produções artísticas podem ser editadas e replicadas inúmeras

vezes. A essa situação coloca-se a crítica do autor, visto que é removido do objeto

artístico aquilo que lhe era específico, ou seja, a partir de sua reprodução, a obra de

arte perde sua “aura”. Essa reprodutibilidade infinita faz com que a obra de arte

ganhe maior espaço na sociedade, porém à custa da perda de sua essencial

qualidade. Nas palavras do autor, aura pode ser definida como “uma figura singular,

composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa

distante, por mais perto que ela esteja” (BENJAMIN, 1994, p. 170).

Autenticidade e unicidade são os elementos constituintes da aura da obra

artística, que lhe conferem autoridade. Enquanto o segundo remete ao

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transcendental, pois apresenta algo ligado a suas tradições ancestrais de caráter

ritualístico e/ou teológico, garantindo-lhe qualidade única; a primeira está ligada aos

aspectos físico-materiais, enquanto objetivação que carrega a essência da obra,

expressando de forma latente as questões de tempo e espaço que a permeiam.

O conceito de aura permite resumir essas características: o que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua aura. Esse processo é sintomático e sua significação vai muito além da esfera da arte. Generalizando, podemos dizer que a técnica de reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra por uma existência serial. E, na medida em que essa técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido. Esses dois processos resultam num violento abalo da tradição, que constitui o reverso da crise atual e a renovação da humanidade. (BENJAMIN, 1994, p. 168-169).

No contexto capitalista, a obra de arte aurática com sua autenticidade e

unicidade, abre espaço para a obra pós-aurática que contrariamente à primeira tem

como características marcantes a transitoriedade e a produção seriada.

Aliada à possibilidade da reprodução da obra de arte, vê-se, ao longo do

século XX, o estabelecimento da industrialização da cultura, a lógica da produção

industrial domina o fazer cultural. Em meados da década de 1940, Theodor W.

Adorno e Max Horkheimer publicam “A dialética do esclarecimento” na qual apontam

a perda da ideia humanista da razão que levaria a suprema individualidade do

homem presente no iluminismo. A arte, canal primordial para o desenvolvimento

dessa razão humanista, não mais seria capaz de realizá-lo. Adorno e Horkheimer

ampliam em suas análises o estado ambíguo e contraditório no qual a arte é

subjugada na sociedade capitalista, pois além de assumirem as ideias trazidas

anteriormente por Benjamim, da obra de arte pós-aurática, fruto da reprodutibilidade

técnica, apontam para as novas características atribuídas a essas produções, tais

como, potencial comercial, capacidade de distração, total falta de crítica, etc. Se

num primeiro momento, a elaboração e a distribuição das produções culturais, por

meio do mercado do capital, possibilitou certa autonomia dessas obras, visto que

historicamente sempre estiveram relegada aos mecenas, sejam patronos individuais

ou a própria igreja, com a intensificação da “mercantilização” da arte, esta “renega a

sua própria autonomia incluindo-se orgulhosamente entre os bens de consumo, que

lhe confere o encanto da novidade” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 147).

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Numa análise geral as artes passam a ser apenas mais um produto dentre

tantos outros existentes no mercado capitalista, assumem agora papel totalmente

distinto daquele historicamente apresentado, intensificando o processo de reificação

do homem com vistas à intensificação da razão instrumental.

A teoria da reificação [...] descreve o modo pelo qual, sob o capitalismo, as formas tradicionais mais antigas da atividade humana são instrumentalmente reorganizadas ou "taylorizadas", analiticamente fragmentadas e reconstruídas, segundo vários modelos racionais de eficiência e essencialmente reestruturadas com base em uma diferenciação entre meios e fins. Trata-se de uma ideia paradoxal, que não pode ser adequadamente apreciada até que se entenda em que medida a separação meios/fins efetivamente isola ou suspende os próprios fins, daí o valor estratégico desse termo da Escola de Frankfurt, "instrumentalização", que significativamente coloca em primeiro plano a organização dos meios em si mesmos, contra qualquer uso ou valor particular que se atribua à sua prática. (JAMESON, 1994, p.2).

Há a intensificação do distanciamento entre a alta cultura e a grande

população, apesar de estarem entre nós, seja em festivais de música eletroacústica,

seja em exposições pós-modernas, a arte, que indistintamente, deveria apresentar

inspirações grandiosas, torna-se para as massas mera mercadoria. As produções

culturais, no mercado capitalista, são um dos pilares do sistema de dominação para

o desenvolvimento e manutenção dos modelos político e econômico vigentes.

Adorno, ao apontar o poder alienante da indústria cultural, ao analisar a

produção americana, vislumbrava a tendência de massificação total, regressão dos

sentidos e reificação do homem, processo este fruto da organização da sociedade

nos moldes capitalistas. O entretenimento puro e repetitivo exclui a possibilidade da

critica e da percepção da negatividade frente à realidade vivida, são um refúgio para

a dura concretude.

A indústria cultural surge como resposta à queda do idealismo da razão

iluminista, a globalização coloca-se como ideia de progresso e desenvolvimento,

assim, cada vez mais, vemos as identidades locais darem lugar ao “comum” e

massificado, vamos nos tornando aos poucos um grande coletivo homogeneizado

com pseudos gostos e valores. Os produtos de fácil digestão inviabilizam o

pensamento crítico e principalmente as posturas individualizadas.

[...] os consumidores se transformam em escravos dóceis; os que em setor algum se sujeitam a outros, neste setor conseguem abdicar de sua vontade, deixando-se enganar totalmente [...] à renúncia à individualidade que se

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amolda à regularidade rotineira daquilo que tem sucesso, bem como o fazer o que todos fazem [...] (ADORNO, 2000, p. 80).

Para Adorno e Horkheimer a indústria cultural é uma máquina de disseminar

conformidade, a massificação se dá pela imposição da ideologia dominante sobre a

grande massa. Nas palavras dos autores “a produção capitalista os mantém tão bem

presos em corpo e alma que eles sucumbem sem resistência ao que lhes é

oferecido” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 125). A lógica do mercado, que

agora é também a lógica da cultura, ou mais especificamente da indústria cultural,

retirou a autonomia da manifestação artística, o não servir para nada abre espaço

para a finalidade premeditada, para o divertimento em prol da alienação e faz com

que a obra perca sua dimensão estética.

Tal denominação [Indústria Cultural] evoca a ideia, intencionalmente polêmica, de que a cultura deixou de ser uma decorrência espontânea da condição humana, na qual se expressaram tradicionalmente, em termos estéticos, seus anseios e projeções mais recônditos, para se tornar mais um campo de exploração econômica, administrado de cima para baixo e voltado apenas para os objetivos supramencionados de produzir lucros e de garantir adesão ao sistema capitalista por parte do público (DUARTE, 2007, p. 9).

E como negar algo que me é necessário? Gostos e necessidades são

produzidas pelo mercado no intento de arrebanhar cada vez mais consumidores, a

novidade na cultura massiva é a não-novidade. As fórmulas de sucesso, garantias

certeiras de lucro e satisfação, promovem a realização individual - que nunca foi tão

coletiva – e faz as vezes de produto de sucesso que garante ao produtor o retorno

farto de recursos financeiros. Essa assertividade, no que se refere à finalidade,

agregada a total falta ou diluição do estilo, numa preferência coletiva retroalimenta o

mercado da cultura e atrofia qualquer possibilidade de reflexão. “O inimigo que se

combate é o inimigo que já está derrotado, o sujeito pensante” (ADORNO;

HORKHEIMER, 1985, p. 140).

Em linhas gerais podemos afirmar que a indústria cultural tem a

potencialidade de subverter as grandes inspirações da arte em produtos que

massificam, atrofiam o pensamento crítico e não permitem espaço à individualidade.

Com o avanço dessa modalidade de produção, as manifestações artístico-culturais

vão cada vez mais convergindo aos anúncios publicitários, essa convergência é tida

como o novo estilo de se produzir arte.

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Aquilo que se poderia chamar o valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de troca, em lugar do prazer estético penetra a ideia de tomar parte e estar em dia, em lugar da compreensão, ganha-se prestígio. O consumidor torna-se álibi da indústria de divertimento a cujas instituições ele não se pode subtrair. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 120).

Mais uma vez fica clara a posição de conivência que se coloca a grande

massa frente ao que lhes é apresentado, haja vista a potencialidade da indústria

cultural ou do divertimento. Conivência essa, premeditada e articuladamente,

produzida na coletividade dos espectadores. A promessa que nunca se cumpre

presente no entretenimento, que ocupa o curto tempo livre existente, fecha o circuito

da alienação. Na falsa ideia ou ilusão de potência e liberdade frente aos bens

culturais massivos, o que o sujeito cada vez mais experimenta é a impotência e a

conversão de sua intelectualidade em ilusória pseudo-atividade.

1.1.2 Sociedade do Espetáculo

Sob a perspectiva crítica da análise cultural e num processo de intensificação

da alienação da grande massa, no tocante a sua formação intelectual e autônoma

em contato com as produções artísticas, abordamos as reflexões de Guy Debord. O

autor amplia a discussão no que se refere à separação entre o homem e o mundo

que habita dado tamanho grau de alienação nesse processo de produção ao tempo

em que tudo, inclusive sua vida, torna-se mercadoria. Aquilo de espiritual que já fora

convertido em produto pela indústria cultural intensifica-se na direção do espetacular

e também ao revés o processo material depende cada vez mais de se revestir de

estímulos estéticos chamativos e sensacionais, estes fazendo às vezes de invólucro

ou embalagem do produto em si. Tudo aquilo que era diretamente vivido pelo

homem afasta-se de tal maneira dele que se torna representação e essa

representação ou espetáculo passa a ser acumulado como capital. Segundo o

aforismo 34 “O espetáculo é o capital a um tal grau de acumulação que se torna

imagem” (DEBORD, 2003, p. 20). O espetáculo que se tornou não parte, mas o todo

de nossas vivências diárias, reafirma de forma imperativa e incessante a separação

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entre o homem e o mundo produzido por si, ao mesmo tempo em que coloca-se

como verniz que veda a real percepção das relações humanas.

A intensificação da acumulação do capital, o poder de uns poucos sobre

muitos, ultrapassa a materialidade e atinge a cultura, a mercantilização do

pensamento sob o poderio de uma ideologia capaz de fazer negar a vida real,

convertendo-a em representação.

O espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta na plenitude a essência de qualquer sistema ideológico: o empobrecimento, a submissão e a negação da vida real. O espetáculo é, materialmente, «a expressão da separação e do afastamento entre o homem e o homem». O «novo poderio do embuste» que se concentrou aí tem a sua base na produção onde surge «com a massa crescente de objetos... um novo domínio de seres estranhos aos quais o homem se submete». É grau supremo duma expansão que necessariamente se coloca contra a vida. «A necessidade de dinheiro é, portanto a verdadeira necessidade produzida pela economia política, e a única necessidade que ela produz» (Manuscritos econômico-filosóficos). O espetáculo estende por toda a vida social o princípio que Hegel, na Realphilosophie de Iena, concebe quanto ao dinheiro; é «a vida do que está morto movendo-se em si própria». (DEBORD, 2003, p. 135).

A falsa representação da vida real levada às últimas consequências no plano

da produção cultural. O processo industrial de produção passa a também dominar o

processo ou trabalho intelectual, sendo assim, o produtor de cultura/intelectualidade

passa a produzir capital. O intelectual, que fora distinto da reprodução material da

vida terrena, sob a autoridade do capital, torna-se um produto, com o objetivo

principal (concreto) de potencializar a alienação e separação entre homem e vida.

Isso se torna explicito, por exemplo, em certas profissões que convertem saberes,

técnicas e aspectos estéticos a bens materiais em escala industrial de produção – a

ideia do invólucro – tais como designers e artistas gráficos ou visuais.

A espetacularização de nossas vidas se dá diante da fetichização existente

nos relacionamentos, seja com outros seres humanos, seja com a materialidade da

vida, assim como em relações aos bens e produções da esfera intelectual. Esse

importante conceito marxista – fetiche – rege nossa vida contemporânea de

ignorância frente aos processos de produção, seja dos bens materiais ou

intelectuais. Segundo Marx (1982), o fetiche da mercadoria “não é mais nada que

determinada relação social entre os próprios homens que para eles aqui assume a

forma fantasmagórica de uma relação entre coisas” (p. 71).

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O fetiche da mercadoria, que se estende para as relações humanas e da

intelectualidade, ou do âmbito cultural, vai ser o elemento chave para o

desenvolvimento da sociedade do espetáculo. As artes e as criações intelectuais

passam a ser adequadas e exploradas pelo modo de produção industrial atingindo

grau elevadíssimo de elaboração do capitalismo que se converte em espetáculo.

O espetáculo, compreendido na sua totalidade, é simultaneamente o resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele não é um complemento ao mundo real, um adereço decorativo. É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares de informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto do entretenimento, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e no seu corolário — o consumo. A forma e o conteúdo do espetáculo são a justificação total das condições e dos fins do sistema existente. O espetáculo é também a presença permanente desta justificação, enquanto ocupação principal do tempo vivido fora da produção moderna. (DEBORD, 2003, p. 10 -11).

O espetáculo proclama a aceitação passiva “o que aparece é bom, o que é

bom aparece” Debord (2003, p.12), a negação visível da vida que se tornou visível, a

conversão, de forma fetichizada, da realidade em algo superior.

O controle social, por via da espetacularização, culmina na regressão dos

sentidos e na produção de uma idiotização que, convertida em imagem, extrapola as

vias sensíveis e causa resignação. Aqui se explicita então um movimento dialético,

visto que os sentidos humanos são formados pelo contato com o mundo audível,

imagético, etc. assim sendo, o filme forma o olho, a música forma o ouvido e assim

por diante. Adorno e Horkheimer (1985) ao se referirem à fuga do cotidiano por via

do divertimento, já apontavam o favorecimento à resignação, lugar este onde a

grande massa buscava se esquecer.

Atingimos então o ápice da acumulação do capital, que convertido em

imagem, assim como foi descrito no tocante a indústria cultural, se retroalimenta

num processo de “(des)educação” para a regressão dos sentidos e a idiotização das

massas. O processo de reificação do homem segue seu percurso agora mais ligado

a ideias abstradas – espetaculares – do que relacionado à materialidade objetivada

entre nós.

Com essa mercantilização universal de nosso mundo objetivo, os conhecidos relatos sobre a direção-para-o-outro do consumo habitual contemporâneo e a sexualização de nossos objetos e atividades são

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também dados: o novo carro da moda é essencialmente uma imagem que outras pessoas devem ter de nós e consumimos, menos a coisa em si, mas sua ideia abstrata, aberta a todos os investimentos libidinais engenhosamente reunidos para nós pela propaganda. (JAMESON, 1994, p. 4).

Em tempos onde mais do que ser e, até mesmo, ter, o que se revela como

realmente importante é o parecer ser, os objetos materiais oferecidos em grande

escala pela publicidade promovem as condições favoráveis ao “empoderamento” e à

visibilidade na sociedade do espetáculo. A ostentação de uma etiqueta, de um carro

de última geração, possibilita o poder necessário àquele que já não encontra sentido

em nada, se não no ardiloso jogo proposto pelo capital; de forma pacífica cada um

assume sua devida posição no tabuleiro.

1.2 Estética e Formação Cultural

Serão abordados, adiante, aspectos significativos da filosofia estética

adorniana ao mesmo tempo em que se evidencia a intrínseca ligação do autor com

as manifestações artísticas desde a sua mais precípua formação. A arte verdadeira

é abordada como manifestação expressiva humana que possibilita a sobrevivência

da estética frente ao fetichismo hegemônico da indústria cultural e o vislumbrar da

possibilidade de resistência à reificação presente na sociedade administrada e

racional. Dando continuidade ao texto apresentar-se-á os conceitos de formação e

semiformação elaborados por Adorno, assim como, as possibilidades formativas via

as manifestações artísticas e culturais genuínas.

1.2.1 Teoria Estética Adorniana: a obra de arte como enigma

Fruto de um meio social e intelectual extremamente propício à formação

crítica e estética Theodor W. Adorno, filho de uma cantora lírica e sobrinho de uma

pianista, iniciou seus estudos musicais muito cedo. Ao mesmo tempo, consta de sua

biografia, estudos realizados aos sábados sobre a filosofia de Kant – Crítica da

Razão Pura - sob a orientação de Siegfried Kracauer, que era especialista no tema e

amigo de sua família. Mais tarde, paralelo a sua formação acadêmica, estuda

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composição em Viena fazendo parte do círculo musical de vanguarda do qual

pertencia Arnold Schoenberg. "Estudei filosofia e música. Em vez de me decidir por

uma, sempre tive a impressão de que perseguia a mesma coisa em ambas"

(ADORNO, 2002, p. 9). Filosofia e arte se entrecruzam na formação de Adorno

desde sua infância e evidentemente são refletidas decisivamente na elaboração de

seus escritos no campo da estética (JAY, 1988). Publicada postumamente, a Teoria

Estética, segundo alguns comentadores, é uma obra inacabada, apresentada em

texto corrido, sem divisão em capítulos, traz denso conteúdo teórico, assim como o

restante da produção intelectual adorniana.

O esclarecimento iluminista é criticado pelo autor, visto a regressão

conseguida como resultado daquilo que fora projetado como caminho a

emancipação do homem. A indústria cultural intensificou a separação e

impossibilitou veementemente o processo de individuação do homem submetendo-o

a ideias universalizadoras e totalitárias, culminando num processo de idiotização

humana ou de desumanização.

A autonomia que ela [arte] adquiriu, após se ter desembaraçado da função cultual e dos seus duplicados, vivia da ideia de humanidade. Foi abalada à medida que a sociedade se tornava menos humana” (ADORNO, 2003a, p. 11).

A razão pura promoveu o revés daquilo que propagava como ideal, inseriu a

arte como aparato disseminador da ideologia dominante.

Tornou-se manifesto que tudo o que diz respeito à arte deixou de ser evidente, tanto em si mesma como na sua relação ao todo, e até mesmo o seu direito a existência. A perda do que se poderia fazer de modo não refletido ou sem problemas não é compensada pela infinidade manifesta do que se tornou possível e que se propõe a reflexão. (ADORNO, 2003a, p. 11).

O texto é iniciado de forma pessimista, ou poderíamos dizer extremamente

realista, frente à sociedade de consumo que se desenvolvia a pleno vapor. O

pessimismo é apontado por muitos como característica, não só dos escritos de

Adorno, mas de todos os teóricos frankfurtianos, como nos referenda Pucci (2001, p.

1-2) “Uma das pechas lançadas contra os frankfurtianos clássicos, particularmente

contra Adorno, é a de serem eles autores pessimistas, construtores de becos sem

saída, amantes das coisas negativas e melancólicas”. De fato, há em sua obra, a

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carga do pessimismo que lhe é conferido, exatamente ao considerar a coerção,

censura e controle, existentes em sociedades autoritárias, e ao mesmo tempo, nas

ditas sociedades democráticas, o reinado do capital que determinava o pensar de

seu povo - via ideologia da indústria cultural. Vale aqui considerar que o pessimismo

de tais autores é também metódico ao ponto em que para estes não podemos

vislumbrar, nesse mundo, alguma reconciliação completa, algo já consumado e

realizado inteira e perfeitamente. Nesse sentido se faz necessário manter sempre a

via crítica, a visada negativa. Tal perspectiva é a essência do assumido pessimismo.

Entretanto, por meio de sua teoria estética, Adorno explicita o papel formativo

da experiência estética para o alcance da emancipação do homem, o autor credita à

arte a possibilidade de mediação com a realidade social na qual foi elaborada, assim

sendo, gozando de certa autonomia, apresenta-se como negação e possibilidade de

reflexão crítica. Vemos então, diferente do anunciado no inicio do texto, certa

postura esperançosa frente à realidade.

[...] é na separação refletida entre ambos os pólos que se dá a possibilidade de uma redenção da natureza. O sujeito que recordar sua porção de natureza poderia, com efeito, desembaraçar-se do destino imposto pelo esclarecimento, que o obriga a voltar-se contra ela com violência. (ALVES JUNIOR, 2003, p.159).

A obra artística seria então, capaz de possibilitar um vislumbre do mundo

falso sem disfarces, da dor e da vertigem que são produzidas quando esse mundo

inconciliado e mau é olhado sem máscaras. A arte expressa sem meias palavras à

violência, a memória dos vencidos ou a esperança do melhor, imagens do que é

inconciliado, do mundo que não permite aos homens o usufruto de uma vida boa.

Com razão, busca-se o aspecto reconciliador das obras de arte na sua unidade, no fato de elas, segundo o antigo topos, curarem as feridas com a lança que as infligiu [...] nas obras de arte, o espírito já não é o velho inimigo da natureza. Suaviza-se até se reconciliar. (ADORNO, 2003a, p.155).

Via as suas características de não-identidade e de não-imediaticidade, que

revela sua autonomia, a arte verdadeira, segundo Adorno, encarna a possibilidade

de sobrevivência da estética frente ao fetichismo hegemônico da indústria cultural.

A arte se dirige ao não-idêntico [...]. A autonomia da arte, questão fundamental da Teoria Estética, é a afirmação deste não-identico [...]. A obra autônoma é o não-idêntico da sociedade e seus processos internos

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[...]. O que a arte autônoma provoca na sociedade é o impacto de sua não identidade com ela. Neste sentido, ela aponta para uma verdade não-intencional, uma verdade não ditada pela lógica da consciência do sujeito, possibilitada pela “autoconsciência inconsciente da arte da sua participação no que lhe é contrário”. (TIBURI, 1995, p. 122).

É exatamente pelo fato de ocupar o polo oposto àquele dos produtos da

indústria cultural, que as obras artísticas modernas provocam o impacto da não-

identificação. A incompreensão é presente na arte moderna, o estranhamento frente

à obra oferece ao espectador a resistência necessária, a não compreensão plena do

que é apresentado. Seja o conhecedor e partidário da modernidade, seja o cidadão

comum, pouco afeito as questões estéticas, nas palavras de Adorno, não percebem-

na verdadeiramente visto que às obras modernas pertence uma “dimensão de

enigma insuperável” (FREITAS, 2008, p.35). A arte não pertence às leis da

racionalidade tradicional. Ao ponto que se deve considerar também o revés, a

recusa pelo espectador dada a sua compreensão do que lhe é apresentado, a sua

proximidade tão latente que, imerso no contexto torna sua apreciação dificultada.

Mas o que faz a arte contemporânea tão "difícil"? Justamente o que ela tem de mais simples: a proximidade com nosso tempo. Diante dela, há pouca ou nenhuma perspectiva histórica. Por outro lado, se a apreciação é prejudicada, é nas obras contemporâneas que a relação entre vida e arte é mais forte. (COSTA, 2004).

A autora em questão trata a produção visual de arte na contemporaneidade

como “A arte da proximidade” quando justifica sua reflexão frente a população que

classifica as exposições contemporâneas de artes visuais como indecifráveis e de

difícil acesso. A justificativa elaborada pela autora é o excesso de proximidade e não

o contrário. Assim Adorno o faz ao referir-se a música de Schoenberg, a dissonância

que parece não ser compreendida, na verdade, torna-se fator que denuncia a

condição do sujeito/espectador e o repete de tal produção artística.

O medo que, hoje como ontem difundem Schoenberg e Webern não procede da sua incompreensibilidade, mas precisamente por serem demasiadamente bem compreendidos. A sua música dá forma àquela angústia, àquele pavor, àquela visão clara do estado catastrófico ao qual os outros só podem escapar regredindo. (ADORNO, 2000, p. 105).

Num processo relacional entre homem e objeto artístico, a racionalidade

apresenta-se como necessária para a mímesis, porém não se restringe a esta, ao

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ponto em que são também requeridas certas forças subjetivas que possibilitam essa

abertura, à aceitação da convivência com o diferente, à produção de uma

experiência intelectual. A imitação da obra é apontada por Adorno como a saída à

insuficiência dos elementos necessários à compreensão artística.

[...] a mímesis da obra de arte, de forma bastante paradoxal, é sua semelhança consigo mesma, o que significa dizer que ela não tem identidade apreendida de forma abstrata, o que faz com que o sujeito precise conformar-se, na sua singularidade, ao movimento interno da obra de arte. Isso é o contrário do que ocorre na indústria cultural, que imita o sujeito, mostrando-lhe aquilo que ele já percebe em si mesmo, na vida cotidiana. Na arte moderna, o sujeito tem que imitar o que é substancialmente diferente daquilo que ele espera – o que é tarefa difícil e depende de um conjunto de forças subjetivas que normalmente não são colocadas em jogo na atitude passiva no cotidiano, e são virtualmente abandonadas na indústria cultural. (FREITAS, 2008, p. 36).

A manifestação artística genuína, como força contrária ao anestesiante

sensível propagado pela produção massiva de cultura desestabiliza o homem no

sentido de buscar o novo frente aos seus olhos. Torna-se, portanto, resistência à

irracionalidade presente na razão pura.

A arte é refúgio do comportamento mimético. Nela, o sujeito expõe-se, em graus mutáveis da sua autonomia, ao seu outro, dele separado e, no entanto, não inteiramente separado. A sua recusa das práticas mágicas, dos seus antepassados, implica participação na racionalidade. Que ela, algo de mimético, seja possível no seio da racionalidade e se sirva dos seus meios, é uma reação à má irracionalidade do mundo racional enquanto administrado. [...] a arte representa a verdade numa dupla acepção: conserva a imagem do seu objetivo obstruído pela racionalidade e convence o estado de coisas existentes da sua irracionalidade, da sua absurdidade. (ADORNO, 2003a, p.68).

Eis o caráter enigmático da arte verdadeira proclamado, ao mesmo tempo em

que objetivamente, na sua estrutura, a obra de arte, não permite o acesso ao seu

conteúdo de verdade – visto a racionalidade em que estamos imersos – é

exatamente fazendo uso da razão que podemos almejar esse contato. Ao

desavisado a arte, frente à racionalidade, não passa de absurdo.

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1.2.2 Formação Cultural (Bildung) e a Semiformação (Halbbildung)

Se numa análise desprovida de crítica pode parece absurdo tratar das

possibilidades formativas da educação, visto que estas deveriam ser seu fim, sob a

perspectiva da Teoria Crítica há muito que se ponderar. Assim como já foi explanado

anteriormente o processo de esvaziamento difundido via indústria cultural, bem

como, os aspectos nocivos e ideológicos da cultura afirmativa afetaram a

constituição da individualidade do homem, assim como continuam – de forma cada

vez mais aguda - a inviabilizar a possibilidade formativa. A educação escolar,

tratando-se da especificidade desta pesquisa, encontra-se sabidamente em estado

latente de descaracterização. Vale ressaltar, antes de adentrarmos aos conceitos

elaborados por Adorno, que o contexto em que o autor elaborou seus ensaios era

demasiadamente diferente do encontrado atualmente.

Segundo Adorno (2003b, p. 2) formação cultural (bildung) trata-se da

apropriação do âmbito cultural pelo lado de sua apropriação subjetiva, “bildung” é o

termo alemão utilizado para se definir cultura, reportando-se às transformações do

âmbito da subjetividade humana em um processo de formação, nesse sentido é

utilizado nas traduções para a língua portuguesa como equivalente de formação

cultural. No polo contrário à formação cultural, encontra-se aquilo que foi definido

pelo autor como semicultura ou semiformação (halbbildung) “é o espírito

conquistado pelo caráter de fetiche da mercadoria” Adorno (2003b, p 15), a

“coisificação” do espiritual. A semiformação deve ser entendida como a negação da

formação, a impossibilidade da concretização do processo de transformação da

subjetividade, está ligada a uma relação alienada, falseada com o âmbito da cultura.

Deve-se atentar para que “o prefixo semi, para ele [Adorno], não é metade do

caminho para se atingir o todo, é antes um impeditivo dificílimo de se transpor.”

(PUCCI, 2001, p. 06).

Enquanto a formação cultural, na tradição filosófica alemã, está relacionada a

autonomia e a emancipação do homem, a semiformação estabelece o revés desse

ideal, ou seja, acomodação, alienação e dominação.

[...] a semiformação carreia a debilidade em relação ao tempo, o enfraquecimento da memória. Aprisionada nos limites da vivência, a semiformação acomete a relação do sujeito com o mundo e brutaliza a consciência, por ser um incentivo a não-reflexão. (LOUREIRO, 2006, p. 179).

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Já o processo formativo, por sua vez, é entendido sob dois aspectos, a saber:

a adaptação e a crítica. A tensão entre esses dois momentos é o que pode

possibilitar o livre agir, a postura emancipada do ser, a verdadeira formação cultural

“[...] está ancorada nestes dois conceitos, ao mesmo tempo: liberdade do sujeito e

adaptação. A liberdade significa autonomia enquanto que adaptação é conformar-se

com o que é dito e exigido” (CORREIA, 2016, p. 119).

E a ideia filosófica de formação que a ela corresponderia se dispôs a formar de maneira protetora a existência. Havia um duplo propósito: obter a domesticação do animal homem mediante sua adaptação interpares e resguardar o que lhe vinha da natureza, que se submete à pressão da decrépita ordem criada pelo homem. (ADORNO, 2003b, p. 3-4).

Porém, para o autor quando essas categorias se tornam fixas, isolando-se de

forma cristalizada, no transcorrer da nossa história, abre-se espaço para o avanço

das situações de regressão e dominação. Com a conversão da produção simbólica

em mercadoria, pela lógica do capital, consolidam-se as bases em que se constitui o

processo de semiformação. “A desumanização implantada pelo processo capitalista

de produção negou aos trabalhadores todos os pressupostos para a formação e,

acima de tudo, o ócio” (ADORNO, 2003b, p. 6).

Não escapam dessa lógica, evidentemente, as instituições escolares, nesse

sentido retomamos ao início de nossa explanação nessa seção, em que são

questionados o caráter e as possibilidades formativas do ambiente pedagógico

formal. Os sistemas de ensino, sejam eles públicos ou privados, adaptam-se à lógica

do mercado e se equiparam ao que é produzido ou determinado por este.

Apesar de Adorno considerar, em seu ensaio “Teoria da Semiformação”,

ineficientes as tentativas pedagógicas para se remediar tal situação ao longo de sua

produção intelectual, o autor vislumbra um porvir pelo resgate do processo

educacional. Nas palavras de Loureiro (2006, p. 187):

Apesar de suas limitações, Adorno acredita na contribuição da educação escolar nesse processo, uma educação para o esclarecimento e para a emancipação. Se a saída do esclarecimento é a autoconsciência daquilo em que ele se transformou, Adorno indica que o exercício de elaborar o passado deve resistir à onipotência da instrumentalização da própria razão à medida que zela pelo seu potencial crítico em relação à realidade e a si mesma.

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Adorno (1995) nos alerta para o fato de que “[...] o defeito mais grave com

que nos defrontamos atualmente consiste em que os homens não são mais aptos à

experiência” (p.148). Buscar não o esclarecimento, mas a real experiência formativa,

apresenta-se como possibilidade de resistência crítica à ordem estabelecida. A

educação escolar, bem organizada e pautada nesse pressuposto, pode vir a

contribuir para tanto. O contrário também pode se estabelecer, inclusive de forma

muito mais facilitada, visto que basta aos educadores manterem a passividade, não

vislumbrando possibilidades de mudança.

Nas palavras de Maar (2003, p. 473):

[...] é preciso aplicar toda energia para que “a educação seja uma educação para a contradição e para a resistência” no existente, para se contradizer e resistir como modo de ir além do plano da reconstrução cultural e da vigência da semiformação, referindo-se ao plano da vida real efetiva.

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“Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível que lhe deres:

Trouxeste a chave?”

Carlos Drummond de Andrade

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2. FORMAÇÃO CULTURAL E O ENSINO DE ARTE NO BRASIL

Este segundo capítulo tem o principal objetivo de discutir como se dá a

formação cultural na educação escolar formal brasileira, especificamente falando no

âmbito da, hoje identificada, disciplina arte. O texto está dividido em três seções

distintas que buscam apresentar um panorama do desenvolvimento histórico e da

consolidação, no tocante à legislação e parâmetros de ensino atuais. Assim sendo,

apresentamos, na primeira seção, um olhar ampliado diante dos caminhos

percorridos pelo ensino de arte no nosso país, desde a colonização portuguesa até

os dias de hoje. Na segunda seção, nos atemos às questões legais e aos

parâmetros de ensino vigentes. Para tanto, analisamos os seguintes documentos: a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional número 9.394 (1996), as Diretrizes

Curriculares Nacionais da Educação Básica (2010) e os Parâmetros Curriculares

Nacionais (1997). A última parte do texto apresenta o Currículo Oficial do Estado de

São Paulo para a área de arte que integra a grande área de Linguagens, Códigos e

suas Tecnologias, bem como o Projeto São Paulo Faz Escola que deu origem à

estrutura curricular paulista.

Partindo de diretrizes gerais para a particularidade da arte/educação proposta

no estado de São Paulo, aliada às marcas deixadas pelo desenvolvimento histórico,

pretende-se enunciar a discussão sobre os materiais didáticos, bem como as

proposições pedagógicas encaminhadas às escolas pertencentes ao sistema

estadual paulista público de ensino, que, segundo dados da Secretaria Estadual de

Educação de São Paulo, conta com mais de 4 milhões de alunos, mais de 5 mil

escolas e aproximadamente 250 mil educadores4. Os expressivos números colocam

a rede de ensino paulista como a maior de todo o país, justificando assim a análise

desta, visto que muito daquilo que propõe reverbera nacionalmente no âmbito

educacional.

4 Dados obtidos por meio do site oficial da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo – Base

Censo Escolar 2014 <http://www.educacao.sp.gov.br/dados-educacionais> acesso em 18/06/2016 às 17h24.

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2.1 Arte/educação nas Escolas Brasileiras: caminhos percorridos

Analisando brevemente a história da introdução da arte no currículo escolar

básico podemos traçar paralelos e entender os motivos pelos quais, ainda hoje, a

disciplina não se firmou de maneira consistente junto às demais áreas de

conhecimento presentes na escola. Esse traçado histórico de forma diacrônica

permite-nos, também, ampliar o grau de conscientização no que se refere às

grandes transformações e caminhos percorridos.

Um dos instrumentos de conscientização dos educadores poderá se constituir na análise do sistema educacional, que numa sociedade dependente, de acordo com Berger, "necessariamente tem que ser histórica", porque a análise histórica atravessa o processo de transformação, modernização e inovação do sistema educacional. (BARBOSA, 2002, p. 39).

Vale ressaltar que o intento deste texto é discutir os caminhos percorridos

pela arte/educação concernente à educação formal (ensino infantil, fundamental e

médio), visto que, não fosse esse o recorte escolhido, deveríamos nos valer de um

olhar antropológico para compreender como se davam os processos de transmissão

cultural e artística dos indígenas, habitantes primeiros de nossa terra.

Segundo Martins; Picosque e Guerra (1998), desde seu descobrimento, o

Brasil recebe influências culturais de diversos países do mundo que contribuíram

para o nosso povoamento. Dentro dessas influências citam a Missão Artística

Francesa, trazida em 1816 por Dom João VI, que tinha como um dos objetivos a

criação da Academia Imperial de Belas-Artes, efetivada em 1826, a qual após a

proclamação da república passou a ser chamada de Escola Nacional de Belas-

Artes. Esta é tida como a primeira instituição de formação artística em território

brasileiro, inaugurando assim o ensino da arte/educação no nosso país. Apesar de

o Barroco brasileiro estar vivendo um momento de explosão, o Neoclassicismo,

trazido pelos franceses, foi tomado como o estilo das elites, como aquilo que havia

de mais moderno. A apropriação de tal estilo artístico por parte da elite brasileira faz

com que este adquira uma conotação de luxo, se tornando distante da grande

população, pois tudo o que fugia a esses padrões era desvalorizado. A partir dessa

época, temos uma arte/educação pautada pelo desenho de observação no qual era

característico o autoritarismo, a cópia fiel de modelos clássicos europeus, não

deixando grande margem à criação.

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Até 1870 pouco se contestou o modelo de ensino da arte da Academia Imperial das Belas Artes, que foi em parte utilizado pela escola secundária. Nas escolas secundárias particulares para meninos e meninas, imperava a cópia de retratos de pessoas importantes, de santos e a cópia de estampas, em geral europeias, representando paisagens desconhecidas aos nossos olhos acostumados ao meio ambiente tropical. Estas paisagens levavam os alunos a valorar esteticamente a natureza europeia e depreciar a nossa pela rudeza contrastante. (BARBOSA e COUTINHO, 2011, p. 8).

O arte/educação na escola formal, na maior parte de sua história, não esteve

em consonância com a produção artística, isso denuncia o distanciamento das

instituições educativas da sociedade. Por muito tempo o desenho, com o caráter

pragmático, de preparação para o trabalho, imperou como figura central na

educação no campo das artes. Este deveria servir à ciência e à produção industrial.

Essa tendência utilitária da criação gráfica estende-se por anos e é incorporada

pelos currículos escolares. Na década de 1920, com a eclosão do modernismo

brasileiro, tal postura – pragmática – passa a ser questionada no meio artístico,

porém no âmbito educacional ainda as práticas tecnicistas perduram.

Na década de 1940, surge o que ficou historicamente conhecido como

Movimento das Escolinhas de Arte do Brasil, uma iniciativa de caráter inovador e

alheio à formalidade do sistema educacional, em que se almejava possibilitar a

liberação da expressão infantil, ao mesmo tempo em que se promoviam formações

para professores, leigos e demais interessados no processo de arte/educação.

Escolinha de Arte do Brasil (EAB), assim passou a ser chamado e reconhecido o espaço, onde as crianças se encontravam para realização de atividades com professores que no início supriam todas as necessidades financeiras (materiais principalmente) em nome da experiência vivenciada. Essas atividades para Augusto Rodrigues deveriam ser realizadas de forma que liberasse a criança através do desenho, da pintura, e cada vez mais interessado em perceber a criança no seu aspecto global, a criança e a relação professor (a)/aluno(a), a observação do comportamento delas, o estímulo e os meios para que elas pudessem, através das atividades, terem um comportamento mais criativo, mais harmonioso. (LIMA, 2012, p. 457-458).

As Escolinhas de Arte do Brasil, por meio de um dos seus idealizadores, o

educador Anísio Teixeira, sedimenta na educação brasileira as ideias de John

Dewey. Além do desenho, a música aparece como parte do currículo escolar,

limitando-se a aulas de solfejo, canto orfeônico, memorização de hinos pátrios e

algumas músicas folclóricas, projeto esse que teve como autor o músico e

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compositor Heitor Villa-Lobos, quando da instituição do projeto de canto orfeônico

nas escolas no governo de Getúlio Vargas.

No transcorrer da história, surgem também outras disciplinas que diziam ter

ligação com as artes como: artes domésticas, trabalhos manuais e artes industriais,

nas quais meninos e meninas desenvolviam atividades separadas destinadas

especificamente para cada sexo.

Com a influência do movimento denominado Escola Nova, o ensino de arte

passa a ser dirigido como regrava sua filosofia, ou seja, centrado no aluno, o papel

do professor é oportunizar que esses se expressassem de forma espontânea. “Sua

ênfase é a expressão, como um dado subjetivo e individual em todas as atividade,

que passam dos aspectos intelectuais para os afetivos” (FERRAZ e FUSARI, 1999,

p. 31). Com isso passa a ser valorizada a criatividade do aluno como máxima no

ensino de arte, porém, muitas vezes, refletia numa prática extremamente

espontaneísta sem reflexão sobre os resultados obtidos. Se por um lado houve um

grande avanço no que se refere ao respeito desprendido pelo fazer infantil e a

liberdade no ato de criar, não se buscavam pessoas que entendessem e refletissem

a arte, mas o que se proporcionava eram situações nas quais a criança podia

experimentar a linguagem plástica, sem nenhuma intervenção do professor.

Do ponto de vista da Escola Nova, os conhecimentos já obtidos pela ciência e acumulados pela humanidade não precisariam ser transmitidos aos alunos, pois acreditava-se que, passando por esses métodos, eles seriam naturalmente encontrados e organizados (FUSARI e FERRAZ, 1992, p. 28).

A partir de 1970, foi criada a Educação Artística – não como componente,

mas sim como atividade educativa/cultural – na qual deveriam ser abordados os

seguintes conteúdos: música, teatro, dança e artes plásticas por um só professor

que deveria dominar todas essas linguagens de forma competente. Polivalência esta

que, a rigor, é exigida até os dias de hoje.

Mesmo com sua institucionalização, a arte/educação durante sua trajetória foi

recebendo uma série de desvios que a comprometia, tais como ser confundida com:

lazer, terapia, descanso das aulas “sérias”, preenchimento de desenhos

mimeografados, confecção de decoração e presentinhos para datas comemorativas.

Isso refletia, de certa forma, profissionais mal preparados, que não sabiam como

nem o que desenvolver com seus alunos. À época, os professores que ministravam

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essas aulas ou não eram habilitados, ou egressos da licenciatura curta em

Educação Artística, curso criado para responder a demanda de professores com

duração média de dois anos.

A então denominada Educação Artística chega à década de 1980 sem rumo,

completamente isolada e desqualificada no âmbito educacional como resultado de

seu processo histórico, que muito contribuiu para tanto. A falta de embasamento

teórico e metodológico, que sustentasse a área, era sentida pelos profissionais da

arte/educação.

A partir dos anos 80, acreditando em um papel específico que a escola tem com relação a mudanças nas ações sociais e culturais, educadores brasileiros mergulham em um esforço de conceber e discutir práticas e teorias de educação escolar para essa realidade. Conscientizam-se de como a escola se configura no presente, com vistas a transformá-la rumo ao futuro. (FERRAZ e FUSARI, 1999, p. 33).

É nesse período que se intensifica a organização real da área nos diversos

níveis de ensino. A arte/educação passa a ser objeto de reflexão de professores,

universitários e artistas. Vários fatores contribuíram para tanto, sendo o principal a

possível eliminação da área do currículo escolar quando do início da reestruturação

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, dado o descrédito que atingira.

A Prof.ª Dr.ª Ana Mae Barbosa, docente da Escola de Comunicação e Artes

da Universidade de São Paulo (USP), aparece então como uma das precursoras na

luta pela implementação da área de arte na educação, enquanto disciplina, com

fundamentação e metodologia própria. Defendendo a arte/educação como

epistemologia da arte5, Barbosa apresenta olhar abrangente para o ensino da área

calcada em uma visão de educação para liberdade. Com objetivo central de formar

fruidores de arte, seres que pudessem entender, ou ao menos que fossem aguçados

a refletir sobre a produção que lhes era apresentada, traz para a educação formal a

5 [...] conceito de arte/educação como epistemologia da arte e/ou arte/educação como um intermediário entre

arte e público. A ideia é que arte/educação esclarecida pode preparar os seres humanos, que são capazes de desenvolver sensibilidade e criatividade através da compreensão da arte durante suas vidas inteiras. Outra ideia sustentada pelos mesmos cursos é que todas as atividades profissionais envolvidas com a imagem (TV, publicidade, propaganda, confecção, etc.) e com o meio ambiente produzido pelo homem (arquitetura, moda, mobiliário, etc.) são melhores desenvolvidas por pessoas que têm algum conhecimento de arte. (BARBOSA, 1989, p. 176).

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denominada Proposta Triangular de Ensino da Arte6, esta idealizada e colocada em

prática no setor educativo do Museu de Arte Contemporânea da USP, do qual foi

diretora.

Hoje, tal abordagem de ensino, tornou-se bastante difundida entre os

professores da área, visto que, em síntese, sua proposta central é traduzida pelos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino de arte – documento

editado pelo Ministério da Educação. Assim, decorridas algumas décadas, a arte

permanece na estrutura curricular oficial brasileira, porém, hoje não mais com o

nome de educação artística, e sim arte. Segundo o PCN de arte: “São

características desse novo marco curricular (...) incluí-la na estrutura curricular como

área com conteúdos próprios ligados à cultura artística e não apenas como

atividade” (BRASIL, 1998, p.29).

Assim, a arte é importante na escola, principalmente porque é importante fora dela. Por ser um conhecimento construído pelo homem através dos tempos, a arte é um patrimônio cultural da humanidade e todo ser humano tem direito ao acesso a esse saber. (MARTINS et al.,1998, p. 13).

Ainda segundo Martins et al. (1998) tratar a arte como conhecimento é o

ponto fundamental e seu ensino significa articular três campos conceituais: A

criação/produção, a percepção/análise e o conhecimento da produção artístico-

estética da humanidade. Segundo o PCN-Arte (1998) três campos conceituais

devem ser trabalhados, sendo: produção, fruição e reflexão. Produção no sentido

que é característica da disciplina o trabalho prático, independente da linguagem

abordada (teatro, música, dança ou artes visuais), através do ensino de técnicas

especificas de criação artística. Fruição no tocante ao perceber a obra, ou seja,

utilizar sensibilidade para tomar contato com esta e finalmente a reflexão, no intuito

de fazer com que o aluno entenda o contexto no qual a obra foi concebida e possa

traçar relações com seu meio.

É característica da área, na atualidade, buscar cada vez mais profissionais

que entendam os meandros da arte/educação, todas as influências sofridas, tanto no

que diz respeito à diversidade cultural brasileira, bem como as tendências

6 Esta proposta, difundida e orientada por Ana Mae Barbosa (...) tem por base um trabalho pedagógico

integrador de três facetas do conhecimento em arte: o “fazer artístico”, a “análise de obras artísticas” e a “história da arte”. Este trabalho foi desenvolvido e pesquisado no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. (FERRAZ; FUSARI, 1999, p. 35).

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pedagógicas que afetaram, de maneira profunda, o ensino-aprendizagem. Tal

postura coloca-se como desafio a todos. Nesse sentido, releva-se a importância de

tal pesquisa na direção da ampliação das discussões teóricas que contribuam para a

formação tanto de futuros professores como de seus alunos.

No tocante à consolidação da arte no meio educacional, vê-se que, apesar do

longo caminho percorrido, com a constante luta da classe intelectual, seja de

pesquisadores acadêmicos da área, seja de professores da rede básica e entidades

de classe, ainda há muito que se percorrer para que esta se consolide junto às

demais disciplinas existentes no currículo oficial.

2.2 Legislação e Parâmetros Legais ao Ensino da Arte nas Escolas

A legislação vigente que apresenta as diretrizes para a educação brasileira é

a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Elaborada

em uma conjuntura política bastante diferente de sua antecessora a lei nº 5.692/71,

essa segunda elaborada no âmbito da ditadura militar brasileira ao tempo em que a

primeira tem como marca a abertura política que culminou no processo de

redemocratização do país no final da década de 1980. De acordo com Mazzante

(2005, p. 74):

Em 1987, a Assembleia Nacional Constituinte procurou articular os diferentes setores sociais em debates legais, pelos quais a educação nacional torna-se alvo de preocupação constitucional.

Com esse novo momento político, professores e entidades de classe são

chamados à participação acerca da construção das novas diretrizes educacionais,

intento que se conclui transcorridos oito anos de trabalho, em 1996. Em seu artigo

1º, a LDB 9.394 já aponta que as manifestações culturais fazem parte dos processos

formativos, a saber:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1996).

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Assim como em seu artigo inicial, o documento reconhece o papel da

dinâmica cultural e das características regionais e locais para a elaboração de parte

diversificada que deverá compor o currículo da educação infantil, do ensino

fundamental e do ensino médio (BRASIL. Lei 9.394, 1996, art. 26).

No que se refere à arte/educação, a nova legislação apresenta alguns pontos

significativos, dentre eles podemos destacar dois pontos: a nova nomenclatura

assumida, passando de educação artística para arte; deixa de ser uma atividade

pedagógica e passa a ser caracterizada como área de conhecimento, assim como

as demais disciplinas. Isso significa que, pelo menos no campo legal, não há

diferenças entre a área em questão e os demais componentes do currículo escolar.

Essas alterações são fruto do engajamento dos professores da área que se

articularam por meio de associações estaduais e da Federação dos Arte-

Educadores do Brasil, que a partir das novas diretrizes passam a modificar questões

ligadas à formação de professores, currículos, etc. Sendo assim, após diversas

modificações realizadas ao longo de quase duas décadas de vigência, no parágrafo

6º do artigo 26, da LDB 9.394, que trata da composição dos currículos da Educação

Básica, encontramos a seguinte redação:

§ 2o O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais,

constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. (BRASIL, 1996).

Recentemente tal parágrafo recebeu uma complementação no que diz

respeito a um maior delineamento das expressões artística que deverão ser

trabalhadas em sala de aula por meio da lei 13.278 de 2 de maio de 2016 Ҥ 6o As

artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o

componente curricular de que trata o § 2o deste artigo” (BRASIL, 2016).

Ainda na LDB 9.394, encontramos as seguintes menções referentes à arte e à

cultura. Quanto aos princípios e fins da educação nacional, são apontados como

premissas no Art. 3º a “II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a

cultura, o pensamento, a arte e o saber.” (BRASIL, 1996), imprimindo o caráter de

liberdade e democracia no processo de formação cultural. Destarte no Art. 32, dessa

mesma lei, quando são apresentados os meios para se alcançar o objetivo geral do

ensino fundamental – formação básica do cidadão – encontramos a “II - a

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compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das

artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade.” (BRASIL, 1996). Arte e

cultura, notadamente, ocupam na legislação espaços significativos frente à formação

e humanização dos homens, sendo colocada como tarefa da escola mesmo em

suas etapas iniciais.

Além dos trechos já apontados, encontramos menções quanto às práticas

culturais, que englobam fazeres artísticos, das etnias que deram origem à formação

do povo brasileiro. Nesse sentido, tratando-se diretamente do ensino de arte, é

apresentado pela redação da lei 11.645, de 10 de março de 2008, a qual altera o

parágrafo 2º do Art. 26-A da LDB, a seguinte diretriz:

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos

indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (BRASIL, 2008)

Outro documento estruturante da educação nacional é o que apresenta as

Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Tais normativas são fruto do

empenho do Conselho Nacional da Educação com a participação de diferentes

setores organizados da sociedade civil que foram objetivadas em volume bastante

denso no ano de 2013.

O documento, além de apresentar diretrizes curriculares gerais para a

educação básica, traz atualizações e adequações frente aos direcionamentos dados

aos diversos segmentos do ensino através da legislação vigente. Sendo assim, o

documento visa

[...] estabelecer bases comuns nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, bem como para as modalidades com que podem se apresentar, a partir das quais os sistemas federal, estaduais, distrital e municipais, por suas competências próprias e complementares, formularão as suas orientações assegurando a integração curricular das três etapas sequentes desse nível da escolarização, essencialmente para compor um todo orgânico. (BRASIL, 2013, p.8)

Analisando o material verificamos que, pertinente à pesquisa em curso, este

não apresenta demais contribuições a nossa reflexão se não aquelas já

apresentadas aqui quando do estudo da Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96, nesse

sentido considerando a especificidade da rede estadual, apresentamos a seguir as

normativas da rede estadual paulista.

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2.3 São Paulo Faz Escola: o currículo oficial paulista

O currículo oficial da rede estadual paulista vigente teve sua implementação

no ano letivo de 2008, enquanto parte do corpo docente da rede pública oficial

estadual, narramos aqui nosso conhecimento empírico frente a tal projeto

referenciado, evidentemente, por registros encontrados nos materiais distribuídos a

época para as unidades de ensino e nos portais oficiais. O então governador do

estado José Serra, ao assumir a administração, nomeia para dirigir a pasta da

educação Maria Helena Guimarães de Castro. Apesar das últimas administrações

terem sido do mesmo partido político a secretária assume a gestão educacional

apontando uma série de falhas e graves problemas estruturais nas escolas

paulistas. Em seu primeiro ano de administração traça uma série de modificações

estruturais no sistema público estadual de ensino, dentre eles a adoção de um

currículo único. O projeto de reformulação curricular paulista, assim como do sistema

de avaliação institucional - SARESP, recebe o nome de São Paulo Faz Escola e tem

como coordenadora Maria Inês Fini. De acordo com a página oficial da Secretaria da

Educação de São Paulo

O São Paulo Faz Escola tem como foco unificar o currículo escolar para todas as mais de cinco mil escolas estaduais. O programa é responsável pela implantação do Currículo Oficial do Estado de São Paulo, formatado em documentos que constituem orientações para o trabalho do professor em sala de aula e visa garantir uma base comum de conhecimento e competências para todos os professores e alunos. (SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, 2016)

O ano letivo de 2008 foi iniciado com videoconferências com a coordenadora

do projeto e com a secretária de estado da educação, as quais estimulavam os

professores a se entusiasmarem com o novo currículo oficial que em breve seria

implementado. A primeira ação efetiva do projeto foi o envio para as unidades

escolares de material didático especial em formato de jornal que tinham como

objetivo preparar os alunos para os demais materiais que seriam efetivados em

breve. Tais materiais foram utilizados pelas escolas num período de recuperação de

conteúdos, ou de forma propedêutica ao novo programa curricular, por 42 dois dias

atingindo aproximadamente 3,6 milhões de alunos.

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Antes de iniciar o programa curricular, todos os estudantes matriculados da 5ª série do ensino fundamental até a 3ª série do ensino médio terão aulas de recuperação durante 42 dias letivos. No início das aulas, dia 18 de fevereiro, receberão o Jornal do Aluno São Paulo Faz Escola, em que constam as atividades a serem desenvolvidas em todas as disciplinas. Já os professores receberão uma publicação em formato de revista, com orientações sobre como explorar a nova proposta. (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2008)

Juntamente com os jornais, foram enviadas revistas/manuais de orientação

ao trabalho dos professores durante esse período. Segundo a coordenação do

projeto, a escolha do formato – jornal – se justificava, pois seria mais chamativo

durante o processo de ensino “a linguagem é semelhante à dos jornais brasileiros, o

projeto gráfico ajuda na aprendizagem e tem atrativos para prender a atenção dos

jovens.” (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2008) ao tempo em que as revistas

dos professores foram classificadas como “um guia seguro para o professor desenvolver

os exercícios propostos no jornal” (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2008).

A proposta de recuperação, segundo as coordenadoras, tinha como principais

objetivos preparar os alunos para o novo currículo e recuperar competências

solicitadas pelo Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo

(Saresp) que apresentavam números bastante preocupantes.

Terminados os dias de recuperação, as escolas receberam os novos materiais

didáticos propostos. Tratava-se de cadernos brochura nas versões aluno, professor e

gestor que cotidianamente passaram a ser conhecidos como “caderninhos”. Divididos

por volumes e áreas de conhecimento, os materiais dos alunos eram consumíveis – tais

como cartilhas com lacunas em branco para as respostas – ao tempo em que os dos

professores além de apresentarem orientações e sugestões didáticas, contavam com

algumas referências para aprofundamento e estudo. Os cadernos dos gestores traziam

orientações quanto à elaboração da documentação pedagógica e demais rotinas

escolares e serviam como suporte para a supervisão da efetiva implementação do

material por parte dos professores.

Alguns dos problemas iniciais enfrentados pelas escolas foram a demora na

entrega dos cadernos e números insuficientes para o atendimento de todos os alunos.

Alguns materiais também continham erros conceituais e gráficos, fato este que alcançou

a grande mídia e que, coincidentemente ou não, culminou com o afastamento da

secretária de estado da educação Maria Helena Guimarães de Castro. Esta, por sua

vez, foi substituída por Paulo Renato Souza que deu continuidade ao projeto.

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Em 2010, a proposta passa a ser currículo oficial da rede estadual de São

Paulo e continua vigente até os dias de hoje. Os conteúdos e materiais sofreram

poucas alterações, sendo a mais significativa delas uma questão de ordem

estrutural/gráfica. Os cadernos que antes totalizavam quatro ao ano, sendo um por

bimestre, agora se apresentam no formato semestral, sendo dois por ano. Apesar de

estes serem organizados por semestre, a estrutura organizacional das escolas se

divide por bimestres, sendo dois por semestre. Contudo mesmo mudando a

quantidade de volumes os conteúdos continuam os mesmos e os professores

continuam trabalhando da mesma forma que anteriormente.

2.3.1 Os Cadernos de Arte e suas proposições pedagógicas

O currículo de arte e consequentemente os “caderninhos” da área foram

organizados por Gisa Picosque, Mirian Celeste Martins, Geraldo de Oliveira Suzigan,

Jéssica Mami Makino e Sayonara Pereira.

Apresentam, segundo o texto oficial, uma proposta estruturada numa

cartografia (ANEXO A) que traz um mapeamento de territórios artísticos “[...]

propondo, a partir deles e em conexão entre eles, conceitos e conteúdos geradores

de processos educativos [...]” (SÃO PAULO, 2010, p.143). Abarcando a arte como

produto cultural, as autoras, de forma poética, sugerem um mapa que, por sua vez,

foi inspirado na obra de arte “Estudo para superfície e linha” de Iole de Freitas, em

que são apresentados os seguintes territórios da arte e cultura: linguagens artísticas,

processo de criação, materialidade, forma-conteúdo, mediação cultural, patrimônio

cultural e saberes estéticos e culturais. O intento é o de que o professor transite e

articule diferentes campos e saberes da área artística, tal posicionamento explicita o

referencial teórico utilizado, a teoria dos Rizomas de Gilles Deleuze e Félix Guattari,

além de teóricos brasileiros da arte, estética e arte/educação. O conceito rizomático

apresenta-se, então, como metodologia na elaboração/estruturação do documento

curricular. Considerando ser o objeto desta pesquisa, as proposições pedagógicas

presentes no cadernos, não aprofundaremos as discussões acerca desta questão.

Os conteúdos foram distribuídos de forma que nas séries do ensino

fundamental, são apresentados por bimestre, dois territórios, sendo um o primeiro

foco principal e o segundo de caráter introdutório, já que se tornará foco principal no

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bimestre subsequente. No ensino médio, são apresentados três territórios por

bimestre, sendo sempre um o foco principal, em que, segundo o texto oficial, o

jovem é colocado no papel de produtor cultural frente a sua realidade.

Como orientação metodológica geral, no que diz respeito a abordagem dos

conteúdos junto aos alunos, a proposta apresenta a articulação entre:

criação/produção em arte, fruição estética e reflexão. Eixos apresentados pelos

Parâmetros Curriculares Nacionais da área de arte.

Os cadernos do aluno da área de arte apresentam a seguinte estrutura básica

por bimestre:

Ação expressiva – uma proposta inicial que serve como disparadora para os

conteúdos que serão abordados ao longo do período, bem como para a

sondagem de conhecimentos prévios e experiências vividas em aulas dos

anos anteriores. De acordo com o material, o objetivo é “gerar uma primeira

conversa-sondagem sobre o conceito” (SÃO PAULO, 2014b, p.12).

Situações de aprendizagem – sempre uma para cada linguagem/expressão

artística (artes visuais, música, dança e teatro). São apresentadas obras de

arte, textos curtos e algumas atividades que têm como objetivo apresentar os

conceitos e conteúdos elencados para o período/bimestre. O

encaminhamento final da situação de aprendizagem fica a cargo de uma

seção intitulada “Você aprendeu?” onde é reapresentada a questão inicial

novamente para que o aluno relate aquilo que “ficou” da conversa.

Nutrição estética: momento em que o professor apresenta as possíveis

relações entre os conteúdos de cada uma das linguagens/expressões

artísticas.

Já a versão para os professores traz, no início de cada caderno, uma síntese

teórica da proposta curricular da área de arte, orientações de como conduzir cada

uma das situações de aprendizagem dispostas no caderno do aluno, orientações

para avaliação e ao final recursos, indicações de livros, sites e demais materiais de

consulta para o estudo e aprofundamento sobre o tema por parte do docente, um

pequeno glossário com a definição de termos utilizados na publicação e para

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finalizar, pequenas sínteses biográficas sobre os artistas utilizados como referência

no material.

Buscou-se realizar um levantamento histórico com vistas à ampliação do olhar

frente ao desenvolvimento da área de conhecimento em questão, nas escolas

brasileiras, e especificamente na rede estadual pública de São Paulo. Percebe-se

nesse esteio, considerando o disposto ao longo do texto, a forma como são

elaboradas e implementadas as políticas educacionais em nosso país. O caráter

afirmativo da cultura está presente na forma como são impostas as “reformas” e

como se caracteriza a distinção entre a esfera da “cultura escolar” e a esfera da

“vida” dos estudantes. Os professores colocados como mero executores daquilo que

é apresentado, seja pelo poder central, seja pelos sistemas de ensino.

A área de arte, na maioria das vezes colocada como verniz no âmbito

educacional, como se sua simples presença garantisse aos estudantes

participarem/apropriarem-se de tal manifestação expressiva, o que se percebe ao

longo da implementação da arte/educação no currículo brasileiro é um sucessão de

desencontros que fortalecem um caráter instrumental de formação. Diferentemente

do que se propõe sob a perspectiva da teoria crítica.

A arte, sob um olhar crítico, se insere como um conhecimento ou saber que

escapa às amarras da instrumentalização, voltada para a auto conservação. Ocupa

lugar privilegiado, sob sua característica enigmática, como possibilidade de elevação

espiritual na busca do seu conteúdo de verdade “Em Adorno, estética e arte são

formas de conhecimento e requerem a companhia da filosofia, da autorreflexão

crítica para desencantar o enigma na busca pelo conteúdo de verdade da obra de

arte” (LOUREIRO, 2006, p.10).

A seguir, ao longo da análise do material, objeto desta pesquisa, buscou-se

evidenciar tais discrepâncias no tocante ao enunciado no discurso legal e as

mediações propostas ao fazer educativo das escolas paulistas.

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“A arte, enquanto essencialmente espiritual, não pode ser puramente intuitiva. Deve também ser pensada: ela própria pensa”.

T. W. Adorno

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3 ANÁLISE E REFLEXÕES SOBRE AS PROPOSIÇÕES PEDAGÓGICAS

São apresentadas a seguir as análises e interpretações realizadas diante às

proposições pedagógicas presentes no material didático da rede estadual de ensino

de São Paulo, objeto da pesquisa. Pautando-se no aporte teórico selecionado, o

capítulo foi subdividido em três momentos. Inicialmente pretendeu-se uma reflexão

quanto aos elementos da cultura afirmativa, em seguida buscou-se tornar evidentes

aspectos identitários aos da indústria cultural num processo de semiformação e na

terceira parte foi analisada a situação de aprendizagem, tomada por referência, que

é a apresentada para o primeiro bimestre do sexto ano do ensino fundamental. Ao

se tratar de proposições em arte/educação, perpassaram o texto reflexões acerca do

caráter enigmático da arte, bem como as relações entre forma e conteúdo, ambas

presentes nas elaborações estéticas de T. W. Adorno. Ao longo da análise realizada,

objetivou-se também, na tentativa de aprofundar as reflexões frente ao fazer

pedagógico, imprimir um caráter propositivo. Ou seja, ao mesmo tempo em que

foram identificadas lacunas, o caminho escolhido para torná-las ainda mais latentes,

para além dos apontamentos teóricos, foi estabelecer uma tensão entre o que está

posto e o vislumbre de uma possibilidade com finalidade contrária ao já

estabelecido.

3.1 Proposições Pedagógicas e o Caráter Afirmativo da Cultura

Ao longo do segundo capítulo foram apresentados dados referentes às

dimensões da rede estadual pública de São Paulo e à implementação do projeto

São Paulo Faz Escola, o qual teve como premissa equacionar e estabelecer padrões

de qualidade. Nas palavras dos responsáveis pelo programa, que culminou nas

elaborações pedagógicas distribuídas para todas as unidades escolares, “visa

garantir uma base comum de conhecimento e competências para todos os

professores e alunos” (SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, 2016). O fato

que se coloca é o de garantir conhecimento àqueles que antes não o detinham,

sejam eles alunos ou professores. No caso específico dessa pesquisa, garantir que

a arte chegue a toda população escolar. Os percursos formativos e as relações

estabelecidas entre conteúdos, temáticas e objetivações artísticas são determinados

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pelos manuais enviados a professores e alunos, não se observa preocupação

quanto às singularidades regionais no âmbito cultural, abrindo assim fortes

precedentes para simplificações no entendimento daquilo que é posto como

conteúdo. Embora, por vezes, os conteúdos artísticos apontados sejam fruto de

elaborações estéticas significativas na cultura de nosso país, a generalização

promove o direcionamento de uma dada cultura, ou objeto artístico, a um sujeito

abstrato, independente de seu posicionamento referente à classe social e

econômica, por exemplo. Segundo Marcuse (1997, p. 95):

A verdade de um juízo filosófico, a bondade de uma ação moral, a beleza de uma obra de arte devem afetar a todos, se referir a todos, comprometer a todos. Independente de sexo e de origem, sem referência à sua posição no processo produtivo, esses indivíduos precisam se subordinar aos valores culturais. Precisam assumi-los em sua vida, facultando-lhes permear e transfigurar sua existência. A “cultura” fornece alma à “cultura”.

O autor denuncia o caráter idealista da chamada cultura afirmativa, no tocante

à universalidade de sua apropriação, com o objetivo de possibilitar a todos algo que

historicamente lhe foi renegado, porém que continua inatingível no campo material.

Frente aos manuais utilizados nas escolas paulistas, verifica-se a intensificação do

distanciamento entre a arte e a vida, fato também identificado e denunciado por

Ferraz e Siqueira (1987), visto que são abordados conteúdos e expressões artísticas

que são significativas nas regiões metropolitanas, mas que podem não fazer sentido

algum para dados espaços geográficos.

Em um país como o nosso onde, além das diferenças regionais, encontramos diversas formas de organização social, econômica e cultural, torna-se impossível, ou pelo menos inviável, o estabelecimento de “fórmulas” para os cursos de Educação Artística. O ARTE-Educador terá de avaliar o desenvolvimento emocional, social, intelectual do aluno com o qual irá interagir para propiciar atividades que o levem a decodificar crítica e criativamente mundo ao seu redor, além de ajudá-lo a tornar-se um produtor de cultura. (FERRAZ e SIQUEIRA,1987, p.11).

É evidente que o conhecimento de produções e realizações culturais diversas,

distantes e próximas, são fundamentais para o crescimento intelectual de todos.

Porém não se observa tal postura bilateral. Será que os alunos do interior do estado

se identificam com tais produções? Será que manifestações da cultura popular do

interior de São Paulo não contribuiriam para a formação cultural de crianças e jovens

residentes na capital? O material promove a ampliação da formação cultural ou

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sugere a sobreposição de uma dada manifestação de cultura em detrimento de

outra?

Torna-se evidente a utilização da cultura enquanto ideologia, visto que se

afirma certa realidade ao tempo em que se oculta às desigualdades existentes.

Assim como à época burguesa, em que a cultura afirmativa respondia às

necessidades do indivíduo isolado “com a característica humanitária universal; à

miséria do corpo, com a beleza da alma; à servidão exterior, com a liberdade

interior; ao egoísmo brutal, com o mundo virtuoso do dever” (MARCUSE, 1997,

p.98). O estabelecimento, ou o empoderamento dado, a um conjunto de materiais

didático na direção da melhoria do ensino, sem ao menos modificar as condições

concretas existentes nas unidades escolares ou mesmo as condições de trabalho

dos docentes apresenta-se como mero vislumbre de algo que jamais será atingido.

Longe de se alcançar um caráter emancipador por meio da formação

oferecida, nas palavras de Maar (2003, p. 462):

A cultura tematizada no presente já não seria apreendida como ideal emancipadora, mas real conservadora ou “afirmativa”. Como resultado, legitimaria a sociedade imperante, que reconstrói como “cópia” ordenada de modo estritamente afirmativo.

Trata-se então de seu revés, ou seja, a continuidade e aceitação, por parte da

classe trabalhadora, presente na rede pública de ensino, da lógica estabelecida,

porém com a sensação “afirmativa” de avanço e apropriação daquilo que antes lhe

era renegado. Essa artificialidade proposta inviabiliza a experiência formativa, ao

tempo em que faz com que se estabeleça um caráter coletivo, no qual todos se

tornam um na busca incessante por afirmar certa identidade. Isso reifica a

sensibilidade humana e impossibilita a identificação do outro e o alcance de uma

verdadeira individualidade.

Propagar um caráter hegemônico de arte e cultura, que por vezes não tem

relação alguma com os alunos, possivelmente não seja o caminho mais significativo

no sentido da formação cultural desses. Então, estaria a se corroborar com a ideia

de, ao menos, uma maior proximidade entre o âmbito da cultura e o da auto

conservação. A separação entre cultura e civilização cobra seu preço e as perdas

nesse sentido são irreparáveis. Não pode-se ser ingênuos em pensar que uma

formação cultural nesse modelo promoveria a ampliação da crítica e da autonomia,

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porém ao revés, tomando-a como referência, encontra-se alguns elementos que

podem servir como indicadores, possibilidades de ampliação cultural.

A suspensão da realidade objetiva é fundamental ao desenvolvimento da

abstração humana. A cultura não tem utilidade no esteio do pragmatismo cotidiano,

mas tem ampla capacidade de formação do intelecto e da individualidade e, por

conseguinte uma possível transformação da realidade. Pode-se então, citar Marcuse

em Eros e Civilização, quando, ao apresentar o pensamento de Schiller, aponta a

necessidade da “libertação do homem das condições sociais inumanas”

(MARCUSE, 1999, p.167).

Liberdade da dominação e exploração violentas e, pelo contrário, configurada de acordo com o impulso lúdico, a natureza também ficaria liberta de sua própria brutalidade e apta a exibir a riqueza de suas formas não-intencionadas, que expressam a “vida interior” de seus objetos. E uma correspondente mudança ocorreria no mundo subjetivo. (MARCUSE, 1999, p. 168-169).

É evidente, então, que não se propõe os caminhos tomados pela cultura

afirmativa, visto inclusive toda a crítica elaborada ao longo desta análise, mas tem-

se o entendimento de que, num movimento intelectual dialético, pode-se encontrar

nesse momento histórico possibilidades a serem investidas e superadas em nossa

contemporaneidade.

A separação pretendida entre o espiritual e material, entre a arte apresentada

nos materiais didáticos e a vida dos estudantes pode, contrariamente ao pretendido

na arte/educação, afastar ainda mais o espectador/aluno da produção cultural

abordada. A forma como as proposições didáticas são organizadas promovem o

contato simplista entre fruidor e obra, como se a segunda não fizesse parte de uma

estrutura maior da qual o primeiro também faz parte. Encontrar não um meio termo,

mas uma forma propositiva na tensão entre aquilo que está “em mim” e aquilo que

“está na obra” talvez seja uma possibilidade formativa. Trabalhar no campo do

conhecido e reconhecível por parte do estudante em contraposição ou justaposição

daquilo que foi produzido no campo do ideal, numa esfera distante do aprendiz.

Como exemplo, pode-se citar Franz Weissmann, autor da obra tomada como

objeto de estudo das proposições pedagógicas no material didático analisado nesta

pesquisa. Esse autor é reconhecido pelos alunos? Será que a obra construtivista do

artista se projeta nas vidas dos milhares de alunos que se confrontam com sua

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fotografia no material didático? Isso não é proposto pelo material de forma

significativa em nenhum momento. A obra torna-se mero exemplo de uma qualidade

objetiva: ser bidimensional ou tridimensional. Muito além de ser plana ou não, de

ocupar espaço ou não no ambiente, a escultura apresentada no material didático,

que tem reconhecido valor na arte brasileira, traz em si uma carga de vida e

sensibilidade que não é, em momento algum, tematizada na proposição pedagógica.

Essa relação viva entre arte e fruidor pode ser sintetizada nas palavras de Didi-

Huberman (1998, p.95):

Então compreendemos que a mais simples imagem nunca é simples, nem sossegada como dizemos irrefletidamente [...] Por mais minimal que seja, é uma imagem dialética: portadora de uma latência e de uma energética. Sob esse aspecto, ela exige de nós que dialetizemos nossa própria postura diante dela, que dialetizemos o que vemos nela com o que pode, de repente – de um pano - nos olhar nela. Ou seja, exige que pensemos o que agarramos dela face ao que nela nos “agarra” – face ao que nela nos deixa, em realidade, despojados.

Não se preconiza aqui a reconciliação total entre arte e vida, mas, como foi

dito, a promoção da tensão entre essas, ou seja, a instauração de um momento de

sinceridade entre obra e espectador, entre conteúdo e estudante. Talvez resida aí o

início da possibilidade formativa no campo da arte, a porta de entrada para a

apropriação significativa daquilo produzido ao longo de nossa história, tendo em

vista a humanização e sensibilização.

3.2 Proposições Pedagógicas, Indústria Cultura e Semiformação

Um dos primeiros aspectos significativos, que se faz necessário trazer à

reflexão, é o da massificação no sentido da implementação de um mesmo material

para todo o estado de São Paulo, principalmente considerando que o projeto [São

Paulo Faz Escola] não apresenta apenas uma sequência e/ou organização de

conteúdos a serem ensinados, mas sim estabelece um conjunto de materiais que

impossibilitam a criação e “autoria didática” por parte dos professores da rede

publica de ensino. Tal situação, como já foi apontada anteriormente, abre margem a

simplificações e generalizações, bem como ao entendimento de uma pressuposição

da semiformação dos trabalhadores da educação.

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A pressuposição da semiformação de todos os professores e a intensificação

do processo de alienação de sua função docente se concretiza na adoção dos

manuais. Esses colocados aos docentes como facilitadores do ensino-aprendizagem

passam a controlar a atividade desses profissionais, colocando-os em posição

secundária de meros “aplicadores” das situações de aprendizagem. Se a

semiformação é presumida no tocante ao profissional do magistério, esta é, por sua

vez, potencializada nos alunos, destino final de tal processo.

A semiformação não se confina meramente ao espírito, adultera também a vida sensorial. E coloca a questão psicodinâmica de como pode o sujeito resistir a uma racionalidade que, na verdade, é em si mesma irracional. (ADORNO, 2003b, p. 15).

Nessa racionalização, que é descabida no processo educacional, tanto mais

numa proposição de educar no campo do sensível, encontra como resultado, de

acordo com o pressuposto teórico dessa pesquisa, o seu revés. Por mais que em

determinados momentos seja apontada a liberdade do professor em adotar ou não

as proposições colocadas nos materiais, estes, como já apontamos anteriormente,

passaram a ser utilizados como meio de controle daquilo que vinha sendo

apresentados aos alunos. Ferraz e Siqueira (1987) já tornavam públicas suas

preocupações com o uso de livros didáticos no campo do ensino das artes na obra:

Arte-educação, vivência, experienciação ou livro didático?

Se o trabalho com ARTE-Educação é um processo dinâmico, uma articulação do fluxo da experiência sensível e é um desdobrar de aptidões interiores, propiciando experiências perceptivas, é difícil imaginar um tipo de livro didático que possa atender a esses objetivos. Como é possível um mesmo livro ser utilizado em diversos centros urbanos, periferias das grandes cidades, zonas rurais sem se levar em consideração que estas variações conduzem naturalmente a vivências diferenciadas? (FERRAZ e SIQUEIRA, 1987, p. 41)

Vale contextualizar que à época havia grande preocupação por parte dos

pesquisadores da área quanto à permanência, ou não, das artes no currículo.

Denunciavam que os tais livros didáticos eram culpados pela não realização de

trabalho qualitativo no ambiente escolar. E após mais de três décadas estamos,

ainda, refletindo sobre o efeito nocivo desse mesmo expediente no campo da

arte/educação. Valendo-nos de breve digressão, é importante constar que a mesma

equipe que assumiu a implementação das apostilas na rede pública estadual

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paulista, hoje se encontra no comando do Ministério da Educação onde, ao

proporem a reforma do Ensino Médio, via medida provisória, alteraram a Lei de

Diretrizes e Bases 9.394, retirando a obrigatoriedade do ensino da arte nessa etapa

da educação básica, circunscrevendo-a apenas à Educação infantil e Ensino

Fundamental e são também responsáveis pela versão final da Base Comum

Curricular Nacional, que pautará a elaboração de currículos e o ensino escolar em

todo o país, documento ainda indefinido.

Também ligado à questão do controle do trabalho educativo no âmbito

escolar, merece destaque o posicionamento da secretária da educação do estado de

São Paulo à época da implantação da nova proposta curricular na carta de

apresentação do texto.

A criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que deu autonomia às escolas para que definissem seus próprios projetos pedagógicos, foi um passo importante. Ao longo do tempo, porém, essa tática descentralizada mostrou-se ineficiente. Por esse motivo, propomos agora uma ação integrada e articulada, cujo objetivo é organizar melhor o sistema educacional de São Paulo. (SÃO PAULO, 2008, p. 5).

Já no início da primeira versão do currículo paulista, fica declarado o

posicionamento de centralização das questões referentes à formação escolar. A

liberdade, conseguida as duras penas na luta por uma sociedade democrática,

parece ser ponto negativo para a formação dos seres humanos na visão da

administração do sistema educacional, sendo então necessária a intervenção por

parte do poder centralizador que institui conteúdos e métodos a serem aplicados de

forma impositiva. É evidente, porém, que não se deve considerar como

posicionamento coerentemente a total ausência de orientação para o processo

educativo, visto que, dada a amplitude e poder da mídia, o caráter mercantil ao qual

a cultura se subverte, a precarização da atividade docente, etc.; a orientação de

pontos importantes para a formação cultural e constituição da individualidade dos

escolares é fundamental. A questão colocada é o caráter impositivo em todos os

aspectos do ensino: currículo (elaborado de forma vertical), a escolha das

referências artístico-visuais e manuais com orientações passo a passo de como

proceder em sala de aula. Nessa exacerbação do controle do processo educativo e

do trabalho docente, o professor torna-se apenas uma engrenagem no processo de

“produção” da educação, ao tempo em que o aluno é o cliente.

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O uso de apostilas no âmbito da educação pública, por vezes justificadas

como investimentos no âmbito escolar, pode ser encarado como a “fetichização do

fetichizado”; trazer para o sistema público de ensino os manuais, costumeiramente

adotados pelos sistemas privados, como se esses fossem os responsáveis pela

melhora do nível de qualidade formativa dos alunos. Na verdade verifica-se a

intensificação da semiformação, segundo Adorno (2003b, p. 17):

[...] a semiformação assenta-se parasitariamente no “cultural lag”. Dizer que a técnica e o nível de vida mais alto resultam diretamente no bem da Formação, pois assim todos podem chegar ao cultural, é uma ideologia comercial pseudodemocrática.

Tal processo de controle e, por conseguinte, de alienação e semiformação no

âmbito educacional, se retroalimenta visto que a geração atual educada nesses

moldes terá essa referência para a educação dos que estão por vir, mais uma vez

aproximando o ato educativo do modo de operar do mercado de consumo.

Fica impressa nas proposições pedagógicas e de forma geral na proposta

curricular, caráter pragmático quando são intensificados discursos, tais como:

formação para as “demandas contemporâneas”, para a “adequação ao mundo do

trabalho”. Tais aspectos desmascaram o caráter pretendido de semiformação, para

a sociedade administrada, alijando os jovens da formação cultural. Nesse sentido, o

conhecimento abstrato, a produção cultural e intelectual humana, que deveriam

fazer as vezes de agente potencializador de humanização e emancipação, visto que

apresentam condensado de experiências e objetivações humanas, são convertidas

em material para adequação às demandas existentes na sociedade contemporânea.

Cabe-nos, também, pensar do que se trata o educar na contemporaneidade. Ou,

ampliando tal ponto de observação, o que vem a ser uma postura contemporânea?

Não no sentido denotativo que diz respeito ao conviver em um tempo comum, mas o

de fazer parte das práticas de transformação de seu tempo. Nessa direção, sob uma

perspectiva crítica, adequação e resposta as demandas não deveriam fazer parte de

objetivos educacionais, segundo Adorno (1995, p. 129)

Pessoas que se enquadram cegamente em coletivos convertem a si próprios em algo como um material, dissolvendo-se como seres autodeterminados. Isto combina com a disposição de tratar outros como sendo uma massa amorfa.

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Agamben (2009) provoca-nos ao afirmar que a contemporaneidade é uma

relação singular com o tempo em um constante movimento de dissociação e

anacronismo.

Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. (AGAMBEN, 2009, p.59).

Há necessidade de desajustarmo-nos do nosso tempo para que possamos

nos colocar de maneira crítica à nossa realidade objetiva. Agamben continua com

suas reflexões acerca de nosso tempo denunciando uma possível atitude ingênua

em relação ao que nos é posto. Segundo o autor:

[...] o contemporâneo – deve manter fixo o olhar no seu tempo. Mas o que vê quem vê o seu tempo, o sorriso demente do seu século? Neste ponto gostaria de lhes propor uma segunda definição da contemporaneidade: contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. (AGAMBEN, 2009, p. 62).

A fruição da arte no que diz respeito ao seu caráter enigmático, corroborando

a bildung, como tratado no início desse trabalho, busca exatamente o revés. No

desencontro e na não dissolução completa das características e conteúdos

presentes na obra artística reside a possibilidade formativa, nas palavras de Adorno

(1995 p.148-149)

O defeito mais grave com que nos defrontamos atualmente consiste em que os homens não são mais aptos à experiência, mas interpõem entre si mesmos e aquilo a ser experimentado aquela camada estereotipada a que é preciso se opor.

Incorpora-se a essa visão pragmática e, por que não, tecnicista7 de educação

a escolha, por parte dos autores, em se apontar, não objetivos aos conteúdos, mas

7 Segundo Libâneo “a pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função preparar os indivíduos

para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais” (1985, p. 2). Na construção teórica de tal autor a Pedagogia Tecnicista faz parte da Tendência Idealista Liberal que tem as características supracitadas. O tecnicismo no campo pedagógico, ou a Pedagogia Tecnicista, tem como principais marcas a formação com vistas à adaptação ao sistema produtivo, racionalização do ensino, ênfase no fazer sem aprofundamento ou questionamento, assume o conhecimento de forma objetiva e neutra, etc. Sobre o ensino de arte nessa perspectiva pode-se afirmar que “O que se tem constatado é uma prática diluída, pouco ou nada

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sim habilidades que devem ser desenvolvidas, que no meio educacional, mesmo

não estando explícitas nas proposições em análise, sempre tiveram como

companhia a competência. Não é incomum encontrar nos planos de ensino de

professores, ou mesmo em projeto políticos pedagógicos de unidades escolares os

objetivos de ensino substituídos por competências e habilidades a serem

desenvolvidas. Uma lista de determinadas atitudes que devem, pelo menos de forma

pressuposta, ser alcançadas pelos alunos ao final do processo de forma

“competente”. Mais uma vez tornando explícito o caráter utilitário impresso ao

processo educacional, uma vez que não se propõe a experiência formativa profunda

frente aos conteúdos, mas sim o alcance de habilidades exigidas na atualidade,

lendo-se atualidade como, adequação às necessidades contemporâneas do

mercado de trabalho na lógica mercantil.

3.3 Análise da Situação de Aprendizagem “A Tridimensionalidade como

Elemento Estético”

Foi tomada como referência de análise a situação de aprendizagem

apresentada para o primeiro bimestre do sexto ano do ensino fundamental

(ANEXOS B e C). As situações de aprendizagem pensadas para períodos bimestrais

trazem conteúdos, habilidades e proposições pedagógicas para as artes visuais,

para a dança, para a música e para o teatro, nesse sentido ressaltamos que, serão

apresentadas aqui apenas aqueles relacionados às artes visuais, foco desta

pesquisa. Foi realizada a análise de uma situação de aprendizagem, visto que, ao

se relacionar com o material percebeu-se que uma única análise seria capaz de

suscitar momentos de reflexão, visto que este expressa a totalidade da proposta

pedagógica. Não há caráter de aprofundamento, nem mesmo de diacronia no que se

refere aos conteúdos apresentados, nesse sentido pode-se afirmar que o modelo

expressa o todo. Além disso, as proposições pedagógicas seguem o mesmo padrão,

o diálogo entre alunos e o conteúdo se dá sempre da mesma forma. O plano da

massificação no campo pedagógico, onde não há indivíduos, mas sim “um todo” que

precisa ser ainda mais homogeneizado, escancarando o aspecto opressor no

fundamentada, na qual métodos e conteúdos de tendência tradicional e novista se misturam, sem grandes preocupações, com o que seria melhor para o ensino de Arte” (FUSARI; FERRAZ, 1992, p. 41).

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processo educacional, nas palavras de Adorno “Uma educação sem indivíduos é

opressiva, repressiva” (1995, p. 154).

De acordo com o documento oficial, para a situação de aprendizagem tomada

por referência para análise são apontados como conteúdos: a tridimensionalidade

nas linguagens artísticas e a diferenciação entre o espaço bi e o tridimensional, no

que se refere à cartografia elaborada pelos autores, mapa conceitual geral do

currículo, o conteúdo da tridimensionalidade está inserido entre o estudo da forma-

conteúdo e das linguagens artísticas, nesse sentido podemos já lançar mão das

elaborações teórico-estéticas de Adorno, quanto à classificação em que se insere

tais conteúdos, a saber, a relação dialética entre forma e conteúdo.

Tudo o que aparece na obra de arte é virtualmente conteúdo tal como forma, ao passo que esta permanece, no entanto, o meio de definição do que aparece e o conteúdo permanece o que se define a si mesmo. Tanto quanto a estética se concentrou num conceito mais enérgico de forma, procurou legitimamente, contra a concepção pré-artística da arte, o elemento especificamente estético apenas na forma e nas suas modificações enquanto mudanças do comportamento do sujeito estético; para a concepção da história da arte como história do espírito isto era axiomático. Mas o que promete reforçar o sujeito no sentido da emancipação enfraquece-o ao mesmo tempo mediante a sua dissociação. (ADORNO, 2003a, p. 167)

Percebe-se o nível de complexidade no que se refere à abordagem de tal

relação, que evidentemente, de forma pedagógica, pode ser pensado para o sexto

ano do ensino fundamental. A questão que se coloca é como isso foi abordado em

um material que tem como característica marcante a simplificação do processo de

ensino.

São apresentadas como habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos ao

final do bimestre:

Estabelecer diferenciações entre o espaço bi e o tridimensional; Reconhecer e interpretar a linguagem tridimensional em produções artísticas; e operar com a tridimensionalidade na criação de ideias na linguagem da Arte (SÃO PAULO, 2010, p. 155)

Pela análise dos objetivos, ou melhor, habilidades, colocadas à situação de

aprendizagem, verifica-se que existe ênfase no identificar com a finalidade de

diferenciar uma qualidade da outra. Ações um tanto quanto mecânicas, porém em

seguida aponta-se o vislumbre da criação usando a qualidade da

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tridimensionalidade, aqui sim poderia residir a possibilidade de se abordar as

relações dialéticas entre forma e conteúdo. Seja por meio de propostas de leitura de

obras de artes diversas, seja na elaboração de trabalhos artísticos tendo as

questões colocadas como motivação. Porém o que se observou não foi isso, como

será relatado logo a seguir.

A avaliação de sondagem, que tem como propósito verificar os

conhecimentos prévios dos alunos, no caso da situação de aprendizagem em

questão traz as seguintes orientações: É enunciada no caderno do professor

(ANEXO B) a seguinte proposta “uma conversa sobre tridimensionalidade” ao tempo

em que é colocado o seguinte questionamento para o docente “O que os alunos

conhecem sobre a tridimensionalidade como elemento estético?”, para a

problematização são apresentadas algumas fotografias (duas esculturas, duas

cenas de espetáculos de dança, duas cenas de uma mesma peça teatral, porém

com cenários distintos e dois trechos – recortes – de uma partitura musical). Com

base nas diferentes imagens é proposto no caderno do aluno que em grupo, estes,

conversem tendo como roteiro algumas questões. As quais, um tanto quanto vagas:

O que mais chama atenção de vocês em todas as imagens a seguir? Para você, estas obras fotografadas são tridimensionais ou bidimensionais? Qual a diferença entre os dois fragmentos de partitura? O que mudou nas imagens de um exemplo para o outro? (SÃO PAULO, 2014b, p.12).

Porém, de acordo com o material, o objetivo é “gerar uma primeira conversa-

sondagem sobre o conceito” (SÃO PAULO, 2014b, p.12). Assim sendo, esperava-se

que tais conceitos, bem como, uma análise e/ou aproximação mais sensível entre os

alunos e as obras apresentadas fossem intensificadas ao longo da situação de

aprendizagem que será apresentada a seguir. Até o momento, aos alunos, o que foi

apresentado como possibilidade formativa, foi uma conversa sobre fotografias de

obras ou manifestações artísticas. Não houve contextualização ou discussão sobre

conceitos da área ou possíveis intenções no que se refere a um maior entendimento

das questões estéticas.

A situação de aprendizagem (ANEXO C) apresenta duas proposições

pedagógicas no que se refere à temática, a primeira delas tem como título a

questão: “O que faz um plano bidimensional virar tridimensional?”

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A situação de aprendizagem é iniciada com uma sessão nomeada como

“Ação Expressiva” na qual são apresentadas três questões/provocações iniciais:

O que faz um plano bidimensional virar tridimensional? Para encontrar uma resposta, use uma folha de papel sulfite. Trabalhe apenas com as mãos para fazer uma escultura com a folha de papel. Você e seus colegas terão muitas esculturas para olhar, depois que todos da sala realizarem a experiência. Você sabe dizer quais delas nasceram de papel amassado, dobrado ou cortado? Vamos fazer o contrário: transformar o tridimensional em bidimensional. Que tal fazer uma das esculturas virar desenho no espaço a seguir? (SÃO PAULO, 2014a, p. 11).

Sem apresentar os conceitos, nem mesmo obras de arte, o material retoma o

assunto – tridimensionalidade – já abordado na sondagem/diagnóstico, solicitando

aos alunos que, utilizando uma folha de sulfite, façam uma escultura. Entende-se

que a proposição é a de que o aluno seja capaz de, a partir do que já foi conversado

anteriormente e experimentando essa atividade manual, reconhecer procedimentos

objetivando transformar um plano bidimensional (folha de papel) em algo

tridimensional (papel amassado, dobrado ou modelado). No material de orientação

para o docente encontramos os seguintes encaminhamentos:

Ao iniciarem o fazer que está encaminhado no Caderno do Aluno, o que vemos? Os alunos amassam o papel ou o dobram? Como o deixam “em pé”? Apresentam composições figurativas ou abstratas? A leitura das esculturas produzidas com papéis – amassados, dobrados, cortados – evidencia as escolhas de cada um para fazer a escultura ficar em pé. Podemos estimulá-los a perceber melhor os diferentes aspectos da tridimensionalidade como elemento expressivo observando, por exemplo, os espaços cheios e vazios, condensados ou não, além das relações entre

superfície e profundidade, espaço aberto/fechado, espaço interior/exterior. (SÃO PAULO, 2014b, p. 18).

Se o sistema de ensino estadual parte da pressuposta semiformação do seu

corpo docente, quando da implementação de cadernos com passos a serem

seguidos no processo de ensino-aprendizagem, é um tanto quanto contraditório

prever que alunos, inseridos no sexto ano do ensino fundamental, crianças que

estão em processo formativo, tragam conhecimentos prévios que os tornem capazes

de analisar e avaliar obras e manifestações artísticas diversas e que a partir dessa

análise transformem materiais com intencionalidade. Isso tudo sem a intervenção do

professor, apenas com a apresentação de provocações. Eis o exemplo claro do

processo semiformativo ao qual são expostos os alunos do sistema público de

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ensino, muito distante daquela formação cultural com fins à autonomia destes, que é

apontada na proposta curricular e na legislação vigente. Assim sendo, a formação

cultural “agora se converte em uma semiformação socializada, na onipresença do

espírito alienado, que, segundo sua gênese e seu sentido, não antecede a formação

cultural, mas a sucede” (ADORNO, 1996, p. 389).

No relato de pesquisa, que tinha como foco os domínios dos mecanismos da

indústria cultural na sala de aula e o bloqueio da experiência formativa Vilela (2015),

ao analisar vídeos de situações reais, ocorridas em salas de aula de ensino

fundamental e médio nos apresenta as seguintes constatações sobre atividades

realizadas em grupo pelos alunos:

Tarefas “em grupo” distorcem a atividade didática que deveria estimular a busca autônoma de conhecimento, a discussão e troca de informações e ideias. Elas promovem a divisão de tarefas para encurtar o tempo de dedicação de cada aluno, os trabalhos apresentados em classe evidenciam partes desconexas, informações erradas que o professor não corrige. (VILELA, 2015, p.106)

É evidente que se trata de relato de determinada situação, que pode ser

conduzida de forma diferenciada em outras unidades de ensino, porém da forma

como se apresentam as proposições pedagógicas na rede paulista de ensino,

questões mecânicas e sem embasamento ou esclarecimentos conceituais, entende-

se que, via de regra, os resultados de tal proposição não se dão de outra forma na

maioria das salas de aula.

Logo em seguida, se propõe que o aluno faça o caminho contrário, ou seja,

do tridimensional para o bidimensional, para tanto a sugestão é para que o professor

solicite aos alunos que registrem por meio do desenho a “escultura” elaborada por

eles em outra folha de papel. O material segue com uma nova sugestão/atividade,

muito parecida com a anterior, a proposta em tela é a de que, utilizando folhas em

branco, existentes no próprio material didático, o aluno crie volumes por meio de

corte e dobras e ao final ilumine o trabalho com uma lanterna para perceberem de

forma assertiva superfície e profundidade nos efeitos de luz e sombra. Aqui são

totalmente desconsideradas as condições estruturais das Unidades Escolares,

nesse nos valemos de nosso conhecimento empírico, classes superlotadas e que

raramente apresentam a existência sequer de cortinas para controlar a incidência de

luminosidade no ambiente.

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Entendemos que, desde a sondagem até o término da primeira proposição

aos alunos apenas foram oferecidas atividades superficiais, sem relação direta com

obras de arte, ou ao menos uma análise abordando os aspectos estéticos existentes

nesta, mesmo que por meio de reproduções ou projeções via equipamento de

multimídia. A primeira proposição se apresenta como uma continuidade da

sondagem e não oferece elementos com vistas à instrumentalização dos discentes,

resumindo-se a um mero “tatear” à questão proposta, ao tempo em que, aos

desapercebidos, está se ensinando a arte da escultura no ambiente escolar, está se

promovendo a formação estética dos jovens aprendizes. Não há, até o momento,

ensino de técnica artística nem ao menos um momento de experimentação e

manipulação de ferramentas e materiais com os quais comumente se elaboram

esculturas. Assim fica implícita a ideia de que tudo é arte e se faz arte com qualquer

coisa, um verdadeiro desserviço à formação cultural crítica. Nas palavras de Adorno

“o problema maior é julgar-se esclarecido sem o ser, sem se dar conta de sua

própria condição” (1995, p. 14). Serão esses, estudantes, que terão a ideia de que

conhecem o que é a arte da escultura, sem sequer ter tido contato com tal

expressão artística.

No momento seguinte da situação de aprendizagem (ANEXO C), quando é

apresentada a segunda proposição, que é intitulada: O que você pensa sobre artes

visuais? Identifica-se, no caderno do aluno, duas fotografias da escultura Grande

Flor Tropical do artista plástico Franz Weismann, sendo que cada uma delas

apresenta um ângulo diferente da mesma obra (Fotografia 1 e Fotografia 2). Logo

após, as duas imagens, encontram-se três questões “O que você percebe dessa

escultura?; O artista usou cinco chapas de aço para fazer essa escultura. Como

você imagina que ele trabalhou com essas chapas? De forma bidimensional ou

tridimensional?; Que relações você faz entre essa obra e a escultura que você

criou?” (SÃO PAULO, 2014a, p. 18). No caderno do professor (ANEXO B) a

orientação é a de que depois da conversa inicial – Proposição I – será possível

aprofundar conceitos relacionados à situação de aprendizagem.

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Fotografia 1 – Escultura Grande Flor Tropical (vista1)

Fonte: SÃO PAULO (2014a, p. 16)

Fotografia 1 – Escultura Grande Flor Tropical (vista2)

Fonte: SÃO PAULO (2014a, p. 17)

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De forma bastante sucinta é expresso ao docente que a obra de arte em

questão foi realizada a partir de dobras e cortes em cinco chapas de aço soldadas,

formando assim pétalas geométricas. Sugere-se, ainda, que conforme os alunos

respondam às questões sobre as fotografias seja elaborado, pelo professor, um

grande mapa síntese como os apontamentos feitos pela classe referentes ao que foi

estudado.

Percebe-se o enfoque na forma, na objetividade, na obra enquanto

construção concreta, e mesmo assim de forma bastante incipiente, mas em

momento algum se pensa às relações entre essa forma e o conteúdo, ou essa forma

que também é conteúdo, e que num processo pedagógico deveria estar presente.

Talvez aqui pudesse residir a oportunidade para se alcançar a última habilidade

apresentada ao conteúdo, a saber, “operar com a tridimensionalidade na criação de

ideias na linguagem da Arte” (SÃO PAULO, 2010, p. 155). Operar com as ideias,

trazer para a objetividade da obra aquilo que está implícito, aquilo de “mágico”,

aquilo que comunica é particular a manifestação artística.

Essa é a particularidade da obra de arte, pela sua linguagem expressa um conteúdo que, ao mesmo tempo em que aparece, revela um ser-a-mais, ou seja, o concreto, na consideração para além do evidente. Mas esse além não é algo anexado de fora, mas conteúdo intrínseco que precisa ser disponibilizado à consciência. (FARINON, 2012, p. 15)

O conteúdo intrínseco da obra artística não é trazido à consciência. As

contribuições da estética da arte para o real processo de formação cultural não se

realizam, no sentido em que ficam apenas “pretendidos” no discurso, ao tempo em

que as proposições pedagógicas oferecem um arremedo, um processo raso e

falseado de apreensão do conteúdo.

O encaminhamento final da situação de aprendizagem fica a cargo de uma

seção intitulada “Você aprendeu?” na qual é reapresentada a questão inicial: O que

faz um plano bidimensional virar tridimensional? Assim é encerrada a proposta de se

tratar a relação forma-conteúdo abordando a tridimensionalidade nas artes visuais.

Como esse direcionamento, fica óbvia a impossibilidade de se alcançar a

formação no sentido da emancipação. No entendimento da expressão artística como

conteúdo singular da produção humana capaz de nos afetar sensivelmente e

possibilitar nossa constituição enquanto indivíduos. Ao longo da análise do material

apresentado aos professores, pautando-se no referencial teórico escolhido,

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colocamo-nos em posição crítica frente aos encaminhamentos dados ao sistema

público estadual de ensino, mas que, infelizmente, pode-se ampliar a praticamente

todo o processo educacional da atualidade. Nesse sentido compartilha-se das

afirmações trazidas por Bandeira e Oliveira (2012, p. 226)

[...] este sistema educacional que hoje forma indivíduos, tanto no aspecto cognitivo, quanto afetivo, para submeterem-se passivamente ao processo de semiformação que impele ao conformismo e à falsa ideia de felicidade obtida pelos bens de consumo.

Fica impresso nas proposições pedagógicas, como já se afirmou

anteriormente, traço evidente de uma formação pragmática de viés pedagógico

tecnicista. Coloca-se como objetivo, que na oportunidade se intitula de habilidade a

ser alcançada, a capacidade de distinguir a qualidade da bidimensionalidade em

relação à tridimensionalidade, porém, não se pode esquecer que tal conteúdo está

sendo discutido na perspectiva de se ensinar arte, ou ver arte, aos discentes, fato

este que suscita alguns questionamentos. Em que momento se tratou das relações

entre forma e conteúdo na obra de arte tomada como referência? As questões

sinestésicas quanto às cores e formas, mesmo que analisadas por meio de

fotografias, foram evocadas durante a leitura e fruição feitas pelos grupos de

escolares? O caráter singular, encontrado pelo artista, de transformar a matéria e

trazer reflexão ou prazer estético aos passantes do ambiente onde a escultura está

instalada foi colocado em pauta? Percebe-se que não se avança do mero

reconhecimento de uma das qualidades intrínsecas à obra analisada em detrimento

do estudo e análise da essência daquilo que traz qualidade estética e artística às

chapas de aço utilizadas. Segundo Adorno “A forma contradiz a concepção da obra

como algo de imediato” (2003a, p. 165), é nessa contradição que reside a crítica,

afinal, se a análise se encerra em suas qualidades físicas, de forma superficial, qual

a diferença entre, escolher como objeto de análise a escultura de Weismann e um

cata-vento feito com uma folha de lata? Ou um carrinho elaborado com uma lata de

legumes em conversa vazia? De certo, para alguns dos estudantes tais opções se

tornariam mais chamativas, visto a forma como é conduzida, ou proposta a

mediação entre espectadores e obra de arte.

No transcorrer de toda a proposição pedagógica, a obra Grande Flor Tropical

de Franz Weismann figura como objeto de apreciação e análise. Quando não era o

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centro da proposta – nas primeiras atividades de sensibilização e discussão com os

alunos – a obra esteve presente indiretamente, pois as atividades sugeridas

apontavam a necessidade de cortar e dobrar o papel para se conseguir transformar

o plano bi em tridimensional. Assim como fez o autor na elaboração da escultura em

questão, ou seja, mesmo antes de apresentá-la por meio de imagens, o processo

pelo qual a obra foi constituída já estava sob discussão.

Oriundo da tradição construtivista, Franz Weissmann apresenta-se como um

dos mais clássicos artistas que produziram no nosso país nesse estilo. Nascido na

Áustria, mais precisamente em Knittefeld, em 1911, vem para o Brasil com seus

familiares quando tinha apenas dez anos de idade. Fixa residência, inicialmente, no

norte do Paraná e em seguida em São Paulo, quando, ao frequentar exposições de

artes plásticas, toma gosto pela área. Em 1932, sua família transfere-se para o Rio

de Janeiro onde Franz matricula-se no curso de arquitetura da Escola Nacional de

Belas-Artes e posteriormente se transfere para o curso de arte até quando abandona

a graduação em 1941 por não se adaptar à academia, nesse período convive com

artistas como Francisco Bolonha, Iberê Camargo, etc.

Em 1945 vai para Belo Horizonte, onde faz sua primeira exposição individual.

Convidado por Guignard, então fundador da Escola do Parque – primeira escola de

arte moderna de Belo Horizonte, Weissmann passa a orientar ateliês de desenho,

modelagem e escultura na instituição. Tem sua escultura recusada na I Bienal de

São Paulo, mas participa da segunda edição do evento período de grande

desenvolvimento na sua identidade artística. Compõe o Grupo “Frente” com outros

artistas que entrariam para a história da arte brasileira, em 1956 deixa de lecionar na

Escola Parque e se muda para o Rio de Janeiro. No final da década 1950 e início

da de 1960, recebe vários prêmios importantes e realiza diversas mostras individuais

e coletivas. Entre 1961 e 1965 vive na Espanha e realiza exposições pela Europa,

retorna ao Brasil e já estabelecido como escultor realiza diversas mostras

individuais, coletivas, temáticas e retrospectivas. Ao longo de sua carreira participou

diversas vezes da Bienal Internacional de São Paulo, Bienal do Mercosul e Bienal de

Veneza, além de ter sido responsável pela instalação de diversas obras públicas.

Faleceu em de 18 de julho de 2005 no Rio de Janeiro (SALZSTEIN, 2001).

Dentre as obras públicas criadas por Weissmann está a Grande Flor Tropical,

utilizada no material didático como referência para abordar o conteúdo

tridimensionalidade como elemento estético. A obra está instalada no Memorial da

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América Latina em São Paulo, foi produzida em 1989, tem as seguintes dimensões

700 X 650 X 650 cm. Trata-se de chapas de aço dobradas, soldadas e coloridas

com a cor vermelha. O artista produziu a obra especialmente para o local a convite

de Oscar Niemeyer, autor do projeto do edifício. A Grande Flor Tropical faz parte de

um conjunto de obras:

[...] nas quais planos de cantoneiras de ferro pintado se aglomeram em ritmo acelerado, evocando uma imagem dinâmica do quadrado, em uma sucessão expressionista de dobras e angulosidades, a cor alternando-se vertiginosamente entre tons graves e agudos (SALZSTEIN, 2001, p.24).

Ainda sobre a presença da cor das monumentais obras de arte em pleno

passeio público a autora situa a importância dessa na intensificação expressiva das

esculturas de Weissmann.

Especialmente a partir dos anos 80, ela [cor] assomava nas esculturas cada vez mais como elemento autônomo e capaz de subordinar a organização de todos os outros elementos formais. Vale dizer, a cor irradiava uma aura de virtualidades para além do arcabouço formal da obra, ademais fortalecendo o veio expressivo que sempre irrigou a matriz construtiva de Weissmann, porque infundia suas esculturas com uma variedade de matizes emocionais que iam da contenção do preto à contundência dos vermelhos e amarelos [...] (SALZSTEIN, 2001, p.44-46).

Tais aspectos estéticos, ligados à produção artística do autor em questão

ficam de fora da análise pretendida pela proposição pedagógica. Entende-se que

essas singularidades são fundamentais para se almejar o encontro com o conteúdo

contido na obra artística. Segundo Adorno (2003a, p.49), “o conteúdo de verdade

das obras de arte funde-se com o seu conteúdo crítico”. Na relação entre forma e

conteúdo encontra-se o enigma e na exigência da resolução deste residem o

vislumbro da emancipação e a justificativa da estética.

O conteúdo de verdade das obras de arte é a resolução objetiva do enigma de cada uma delas. Ao exigir a solução, o enigma remete para o conteúdo de verdade, que só pode obter-se através da reflexão filosófica. Isto, e nada mais, é que justifica a estética. Enquanto que nenhuma obra de arte fica absorvida em determinações racionalistas nem no que por ela é julgado, todas se dirigem, no entanto, em virtude da indigência do seu caráter enigmático, à razão interpretativa. (ADORNO, 2003a, p. 149).

O trato racional, dado aos encaminhamentos didáticos, ao longo das

proposições pedagógicas, inviabiliza, mesmo que no simples almejar, o encontro do

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espectador/aprendiz com o conteúdo de verdade enigmático existente na obra

artística, que culminaria num processo formativo. As simplificações promovem o

mero reconhecimento de aspectos técnicos que constituem a obra.

A Grande Flor Tropical circunscreve-se na produção contemporânea, num

espaço aberto, de livre acesso ao público, característica importante na produção de

Weissmann “Gosto muito de trabalhar para espaços urbanos. Galeria é um mal

necessário” (SALZSTEIN apud WEISSMANN, 2001, p. 59). Existem aspectos

importantes que, entende-se, passaram despercebidos quando da abordagem da

arte na proposta para o ensino da rede pública estadual paulista. Tais como a

tensão existente na intervenção da paisagem urbana, o debruçar-se nas

características específicas da expressão escultórica e as relações semânticas entre

título e obra.

A tridimensionalidade, enquanto elemento estético nas artes visuais, se

objetiva, prioritariamente, por meio da escultura, haja vista a “Grande Flor Tropical”,

tomada como objeto de análise. Segundo Canton (2004), ao refletir sobre o

tridimensional em nosso tempo; a presença deste elemento se justifica por meio de

organizações formais apoiadas no cruzamento entre tempo e espaço.

Especificamente tratando-se da escultura a autora a define como

[...] a forma de arte que se estende pelo espaço, que ganha corpo e relevo, que ocupa ruas, campo, praças, museus. E para se fazer uma escultura, pode-se usar uma enorme variedade de materiais. Dá para moldar o barro, derreter o bronze, cavar a madeira, utilizar plástico, pano, ferro, borracha. Até o corpo humano! (CANTON, 2004, p. 6).

As citações apresentadas são de uma obra direcionada ao público infanto-

juvenil, na qual a autora não se furta à reflexão de tais questões fundamentais ao

estudo da tridimensionalidade e da escultura no plano da produção artística humana.

Krauss (1998) traz à reflexão o conceito de escultura, argumentando:

[...] a escultura é um meio situado de modo peculiar na junção entre quietude e movimento, tempo parado e tempo que transcorre. Dessa tensão que define a real condição da escultura, deriva seu enorme poder expressivo (p. 6).

Weissmann insere em sua produção tais preocupações, bem como as

relações existentes entre obra – espaço – espectador/transeunte, em suas palavras:

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Foi sempre minha preocupação [...] não o ver [o público] simplesmente de fora, como um objeto de adorno, mas como problema espacial. Sempre imagino minhas esculturas em dimensões monumentais, transitáveis, mais não habitáveis. [...] Meu espaço deve funcionar tanto de fora para dentro como de dentro para fora. (SALZSTEIN, 2001, p. 66).

Entende-se que a proposta do artista é, ao mesmo tempo, apresentar

soluções estéticas e construtivas no campo das artes visuais, transformando planos

bidimensionais em tridimensionais; e colocar um “problema” espacial ao

espectador/transeunte, que na relação com a obra encontra a possibilidade de

estabelecimento da experiência estética. Mais do que simples passagem de algo

plano para um volume que ocupa espaço no ambiente, a expressão escultórica tem

grande poder expressivo e sob análise mais atenta não se verificou a exploração de

tais características nas proposições pedagógicas.

Eis a possibilidade de se explorar as características de não-identidade e de

não-imediaticidade, que revela a autonomia da arte verdadeira as quais, segundo

Adorno, encarnam a possibilidade de sobrevivência da estética frente ao fetichismo

da indústria cultural.

Não se estabeleceu, por exemplo, pelo menos não foi sugerido em nenhum

momento, que se proporcionasse contato direto com alguma escultura local, caso

existisse tal possibilidade, visto que a proposta pedagógica tem abrangência

estadual. Mesmo realizando a leitura da obra de arte em questão por meio de

fotografias, os questionamentos colocados aos alunos não ultrapassam a barreira da

opinião pessoal, não há embasamento teórico ou proposição de reflexão mais

atenta, tornando assim o momento educativo superficial. Adorno chama-nos a

atenção para o fato de que “a educação não é necessariamente um fator de

emancipação” (1995, p.9) visto que a escolarização está também inserida no âmbito

da sociedade administrada.

A escola, particularmente, se faz um campo fecundo do desenvolvimento do processo semiformacional. A política educacional vigente, as propostas curriculares, os conteúdos disciplinares, as metodologias e técnicas de ensino tendem, funcionalmente, a favorecer um ensino medíocre, superficial, acrítico, empobrecido de experiências formativas. A sociedade civil brasileira, através de suas organizações e movimentos sociais, conseguiu, após lutas intensas e pressões internacionais, universalizar o ensino fundamental para todas as crianças. O Estado se curvou à imposição dessas lutas históricas. Mas, habilmente, favoreceu condições para o desenvolvimento de uma educação semiformativa, utilizando-se da escola, mais uma vez, para favorecer os interesses dos grupos hegemônicos da sociedade. (PUCCI, 2001, p. 7).

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Um claro exemplo das reflexões trazidas por Pucci (2001), as reformas

realizadas no estado de São Paulo com a implantação de um novo currículo e os

cadernos dos professores e dos alunos nos últimos anos. A arte, considerando o

material analisado, toma posição de simulacro e não transcende ao já estabelecido.

A obra de um artista conceitualmente importante para o panorama das artes visuais

no Brasil se circunscreve no material pedagógico como mero verniz que, ao mesmo

tempo, traz “brilho” e suposta credibilidade ao material, considerando o trato

didático-pedagógico dado, mas age como fonte de semiformação e inviabiliza o seu

revés na direção da intensificação da subserviência pretendida pela sociedade

contemporânea regida pela lógica do capital.

A obra de arte contemporânea, que para muitos é considerada de difícil

acesso intelectual, em vez de ser problematizada e tematizada enquanto

concretização da intelectualidade e inventividade humana – que objetiva dramas,

incertezas e aspirações do homem – é facilitada, via material didático e suas

proposições pedagógicas, não de forma a tornar nítida a proximidade desta como o

nosso tempo e nossas vivências, mas de forma a apresentar algo digerido a tal

ponto que os estudantes sequer percebem a possibilidade de ingeri-la. O que

poderia ser um prato apetitoso, que suscita a vontade de degustá-lo com todos os

meios sinestésicos é processado e enlatado de forma a ser engolido sem mastigar,

de pesar no estômago sem nutrir.

Não se explora a relação entre arte e vida que é tão latente na produção

contemporânea. No caso específico: o que faz uma flor em meio ao concreto tão

marcante da metrópole? Como pode ser uma flor, que tem como marcas a

delicadeza e organicidade, chapas grossas e angulosas de metal? A flor tropical da

metrópole se constitui na artificialidade da produção humana? Ou o espaço existente

para a natureza, em meio ao concreto cinza, é só o da flor de metal? Um metal que

mesmo sendo frio e rígido traz a vivacidade e o calor do vermelho?

Com as proposições pedagógicas colocadas pelo material e com o

direcionamento dado por este ao ensino da arte, com certeza se conseguirá belos

reconhecedores de bi e tridimensionalidade; bons amassadores e dobradores de

papel, mas dificilmente se alcançará seres um pouco mais conscientes de suas

condições na sociedade, ou do espaço em que vivem, homens e mulheres que

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tenham para si a grandeza da produção artística de sua cultura, de forma a serem

modificados e constituídos enquanto indivíduos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pretendeu-se com este trabalho analisar as proposições pedagógicas trazidas

no material didático, da área de arte, para a rede pública estadual paulista, sob a

perspectiva da Teoria Crítica. Ao mesmo tempo em que se buscou uma

aproximação entre tais elaborações teóricas e o campo educacional, mais

especificamente da arte/educação inserida na educação formal, evidenciou-se os

latentes desafios existentes no campo educacional que almeje a formação cultural

emancipada dos estudantes. A estrutura educacional da atualidade não escapa a

lógica do capital e converte-se em locais de intensificação de semiformação,

alienação e adaptação. De acordo com Adorno, “a única possibilidade de

sobrevivência que resta à cultura é a autorreflexão crítica sobre a semiformação, em

que necessariamente se converteu” (2003b, p. 27), nesse sentido ter como objetivo

a formação cultural verdadeira no âmbito da educação escolar perpassa pela

tomada de consciência (crítica) frente ao estabelecido. Acredita-se ter realizado

substancial contribuição analisando proposições pedagógicas utilizadas pelo maior

sistema de ensino público de nosso país.

As manifestações da arte, que tanto potencial tem a oferecer para a formação

humana, no que se refere à constituição de sua individualidade e ao

desenvolvimento de suas capacidades psíquicas, no esteio da indústria cultural,

veem-se sufocadas em meio a “produtos estéticos” que visam ao mero

entretenimento das massas e por vezes sucumbem a essa lógica. A escola,

enquanto local privilegiado de disseminação de cultura e principal fonte de formação

em nossa sociedade, muitas vezes renega sua função precípua e promove o

contrário, “[...] ao invés de instigar as pessoas a desenvolverem plenamente suas

potencialidades, e assim colaborarem efetivamente na transformação social, propicia

um verniz formativo que não dá condições de se ir além da superfície.” (PUCCI,

1997, p. 3).

No que se refere ao objeto de estudo desta pesquisa comprovou-se, frente às

análises realizadas, que a hipótese inicial de que a facilitação exacerbada de acesso

à obra artística, bem como a visível fragilidade pedagógica do material didático

inviabilizariam a possibilidade da realização de um momento de experiência estética

formativa. As proposições pedagógicas reforçam apenas uma visão superficial e

falseada do que vem a ser a arte enquanto manifestação genuinamente humana.

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Apoiado num viés afirmativo de formação cultural, a apostila apresenta

relevantes produções artísticas brasileiras, porém as coloca como mero exemplo no

que se refere aos conteúdos artísticos escolares. Universalização, generalização e

um falso acesso ou democratização da formação cultural ficam latentes,

considerando a forma como se manejam as situações de aprendizagem. A arte, da

forma como é apresentada, é relegada a uma posição de “momento de descanso”

das seriedades apresentadas pelas áreas de conhecimento tidas como importantes

no currículo escolar, marcadamente pragmático.

O que se propõe é a resistência, o posicionamento reflexivo e crítico com

vistas à contestação. Não podemos nos furtar a dizer: isso torna-se cada vez mais

difícil, visto que os mecanismos de alienação e semiformação se intensificam e se

retroalimentam constantemente, por vezes, ocasionando a regressão dos sentidos

humanos.

Ao refletir sobre a formação cultural na sociedade administrada, Adorno observa que ao invés de uma plena potencialização dos sentidos humanos, tem ocorrido uma regressão fundada em uma semiformação na qual a experiência do sujeito é substituída por um momento informativo, fugaz e isolado, que logo é suplantado pelo consumo de outras informações. O viver se fragmenta nesses instantes de consumo desconexos. (LOUREIRO, 2006, p. 179)

Manter o posicionamento crítico vislumbrando a superação, segundo Adorno,

requer “[...] romper com a educação enquanto mera apropriação de instrumental

técnico e receituário para a eficiência, insistindo no aprendizado aberto à elaboração

da história e ao contato com o outro não idêntico, o diferenciado” (1995, p. 27). Tal

orientação possibilita o vislumbrar da arte/educação crítica, que promova a

experiência estética no âmbito das escolas no sentido da formação cultural

(Bildung).

Acredita-se que a presente pesquisa, que se debruçou sobre as proposições

pedagógicas contidas no material didático, apenas apresenta um pequeno aspecto

crítico no modo contemporâneo de se fazer educação em nosso país, que tem como

marca o uso de livros e manuais didáticos como referenciais muito presentes nas

salas de aula. Vislumbra-se que uma possibilidade importante de análise, que

agregaria muitíssimo valor aos estudos aqui iniciados, seria uma análise crítica

acerca dos currículos escolares sob a perspectiva da Teoria Crítica.

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No que se refere à formação cultural, ficamos com a alternativa deixada por

Adorno, quanto à possibilidade de resistência à semicultura:

[...] é ainda a formação cultural tradicional, mesmo que questionável, o único conceito que serve de antítese à semiformação socializada, o que expressa a gravidade de uma situação que não conta com outro critério, pois descuidou-se de suas possibilidades. Não se quer a volta do passado e nem se abranda a crítica a ele. Nada sucede hoje ao espírito objetivo que não estivesse já inscrito nele desde os tempos mais liberais ou que, pelo menos, não exija o cumprimento de velhas promessas. O que agora se denuncia no domínio da formação cultural não se pode ler em nenhum outro lugar a não ser em sua antiga figura, que, como sempre, também é ideológica. (ADORNO, 2003b, p. 10).

Há de se resgatar o papel autônomo do professor enquanto propositor do

desenvolvimento de seus alunos. Àquele profissional capaz de promover a

verdadeira experiência formativa com vistas à emancipação a partir do momento em

que os estudantes se apropriam das elaborações intelectuais das gerações

passadas. Tomando como base tais pressupostos acredita-se ser capaz o avanço

da educação escolar, e no caso especifico em tela, a ampliação e melhora da

qualidade da arte/educação.

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MINAYO, M. C. S. Ciência, Técnica e Arte: o desafio da pesquisa social. In Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 18ª ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001. p. 9-29. NEVES, J. L. Pesquisa Qualitativa: características, usos e possibilidades. Caderno de Pesquisas em Administração. São Paulo, v. 1, nº 3, 2ª sem., 1996. PUCCI, Bruno; ZUIN, Antônio A. Soares; OLIVEIRA, Newton Ramos. Filosofia negativa e educação: Adorno. Filosofia, Sociedade e Educação, v. 1, p. 163-191, 1997. PUCCI, B. Teoria crítica e educação: contribuições da teoria crítica para a formação do professor. Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v. 8, p. 13-30, 2001. Disponível em: <http://www.unimep.br/~bpucci/teoria-critica-e-educacao.pdf>. Acesso em 28 out. 2016. QUINTANA, M. Caderno H. São Paulo: Globo, 2006. SALZSTEIN, S. Franz Weissmann. São Paulo: Cosac & Naify , 2001. SÃO PAULO. Proposta Curricular do estado de São Paulo: Arte. Coord. Maria Inês Fini. São Paulo: Secretaria da Educação, 2008. ______. Proposta Curricular do estado de São Paulo: Arte. Coord. Maria Inês Fini. São Paulo: Secretaria da Educação, 2010. ______. Material de apoio ao currículo do estado de São Paulo: Caderno do aluno (arte). Ensino fundamental – anos finais 5ª série/6º ano – Volume 1. São Paulo: Secretaria da Educação, 2014a. ______. Material de apoio ao currículo do estado de São Paulo: Caderno do professor (arte). Ensino fundamental – anos finais 5ª série/6º ano – Volume 1. São Paulo: Secretaria da Educação, 2014b. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Unificação do Currículo escolar: professores e alunos contam com material focado na unificação do currículo escolar e na qualidade do ensino. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/sao-paulo-faz-escola>. Acesso em: 17 ago. 2016.

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TIBURI, M. Crítica da razão e mímesis no pensamento de Theodor W. Adorno. Porto Alegre: EDIPUCRS: 1995. VILELA, R. T. V. O domínio dos mecanismos da indústria cultural na sala de aula e o bloqueio da experiência formativa. In MAIA, Ari F; ZUIN, Antônio A. S; LASTÓRIA, Luiz A. C. N. (orgs.). Teoria crítica da cultura digital: aspectos educacionais e psicológicos. São Paulo: Nankin, 2015.

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ANEXO A

MAPA DOS TERRITÓRIOS DA ARTE

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Proposta Curricular do Estado de São Paulo

50

Arte

patrimônio cultural

línguagens artísticas

processo de criação

materialidade

forma-conteúdo

saberes estéticos e culturais

zarpando

Mapa dos territórios da arte: gestalt visual

Iole de Freitas. Estudo para superfície e linha. Instalação no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro, RJ).

Policarbonato e aço inox, 4,2 X 30,0 x 10, 6m.

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ANEXO B

CADERNO DO PROFESSOR

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No mundo contemporâneo, a tecnolo-gia transforma nosso cotidiano, colocando--nos cada vez mais próximos de universos tridimensionais. O impresso cede lugar ao eletrônico, o papel cede lugar à tela do com-putador, o bidimensional cede lugar ao tridi-mensional. Com a tecnologia da computação gráfica, a tridimensionalidade chega às telas do cinema e da TV, criando universos digi-tais anteriormente inimagináveis, povoados de criaturas “líquidas”, ambientes inusitados e seres imaginários, sem esquecer a constru-ção dos jogos eletrônicos, que permitem a navegação em surpreendentes ambientes tri-dimensionais. Não há como negar que crian-ças e jovens dos tempos atuais convivem cada vez mais com imagens que tendem a perder a bidimensionalidade em proveito da tridimen-sionalidade, potencializando novos hábitos de percepção.

Com a intenção de redimensionar a aten-ção de professores e aprendizes sobre a arte é que focalizamos a tridimensionalidade como estudo nos territórios de forma-con-teúdo e linguagens artísticas.

Conhecimentos priorizados

a PAREYSON, Luigi. Problemas da estética. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

forma-conteúdo

A TRIDIMENSIONALIDADE COMO ELEMENTO ESTÉTICO

Temas e conteúdos

A tridimensionalidade como elemento estético no território de forma-conteúdo

Forma-conteúdo. Onde se vê a forma, lá está o conteúdo. Para Pareysona, “o conteúdo nasce como tal no próprio ato em que nasce a forma, e a forma não é mais que a expres-são acabada do conteúdo”. Um exemplo sim-ples para nos ajudar a entender esse conceito tão amplo: uma das esculturas de bronze de Francisco Stockinger apresentadas na son-dagem é de um casal se abraçando – essa é a forma da escultura, o que vemos e descreve-mos. O conteúdo poderia ser entendido, entre outras possibilidades de leitura, como sendo o amor, o acalanto, o amparo no desespero.

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Arte – 5a série/6o ano – Volume 1

Investigar a relação entre o tridimensional, o espaço, a forma e o conteúdo de uma obra de arte possibilita a potencialização da per-cepção e da imaginação dos aprendizes. Tra-balharemos os seguintes conteúdos:

diferenciação entre os espaços bi e tridi-mensional;

formas do espaço teatral e sua relação com o corpo dos atores;

forma tridimensional do corpo em movi-mento, com ênfase no eixo vertical (altura), horizontal (largura) e sagital (profundidade);

o som no espaço: melodia-ritmo.

A tridimensionalidade nas linguagens artísticas

linguagens artísticas

Linguagens artísticas. O estudo das lingua-gens artísticas que se manifestam de forma tridimensional favorece a construção de um pensamento estético a partir de elos construí-dos na relação com o espaço e o corpo, tan-to para o produtor quanto para o leitor das práticas artísticas, com base nas investigações sobre a tridimensionalidade presente nas lin-guagens das artes visuais, da dança, da música e do teatro.

Competências e habilidades

Estabelecer diferenciações entre os espa-ços bi e tridimensional;

reconhecer e interpretar a tridimensionali-dade em produções artísticas;

operar com a tridimensionalidade na cria-ção de ideias nas linguagens da arte.

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O que os alunos conhecem sobre a tridi-mensionalidade como elemento estético?

Movendo a apreciação

Para gerar uma primeira conversa-sondagem sobre o conceito tridimensionalidade, sugeri-mos, inicialmente, a leitura de algumas imagens de obras de arte. Certamente, são imagens que ajudarão na percepção da tridimensionalidade e que podem, também, despertar outros aspectos potenciais, pelas múltiplas leituras próprias do universo da arte. Porém, é por meio de proble-matizações que este assunto pode ser focalizado.

Para esta leitura, inicialmente propo-nha aos alunos que se dividam em grupos para conversar sobre as pro-

blematizações que estão no Caderno do Aluno:

O que mais chama a atenção de vocês em todas as imagens a seguir?

Para vocês, estas obras fotografadas são tridimensionais ou bidimensionais?

Olhem atentamente a obra de Stockinger, os dançarinos do grupo Terpsí e os da São Paulo Companhia de Dança. Em grupo, experimentem repetir a posição dos corpos reproduzida em cada imagem. Como cada um deles ocupa o espaço? Como eles se re-lacionam no espaço?

Daniela Thomas e José Dias criaram ce-nários diferentes para a mesma peça: O avarento, de Molière. Vocês acham que os dois trabalham com a tridimensionalidade, inventando cenários? Por quê?

Qual a diferença entre os dois fragmentos de partitura? O que mudou nas imagens de um exemplo para o outro?

Talvez o que chame mais a atenção de seus alunos seja a figura humana presente em quase todas as obras (mesmo na parti-tura, pois o título é O professor). Somente na escultura abstrata de Weissmann ela não aparece.

Na repetição das posições das figuras hu-manas com o corpo, seus alunos percebem que, em cada imagem, há um modo de lidar com o espaço? Percebem, em cada imagem – seja escultura ou cenário, seja o corpo dan-çando ou uma partitura –, como os elemen-tos estão dispostos no espaço? Eles notam um cuidado especial na disposição dos dançari-nos no palco ou das esculturas, que formam uma composição?

Os espaçamentos entre as formas huma-nas geram ritmos diversos ao nosso olhar, os espaços cheios e vazios, condensados ou não, com valorizações dos eixos vertical (altura) e horizontal (largura) nos dança-rinos etc.

E o que podem dizer das demais ima-gens? O que conseguem identificar dos es-paços cênicos criados por Daniela Thomas e por José Dias? Há diferenças entre os ce-nários que foram feitos para o mesmo texto dramático. Um, mais realista; outro, mais despojado. Os cenários estão num palco italiano. Os alunos conhecem esta relação palco-plateia?

E o que eles dizem dos fragmentos das partituras? Reconhecer a diferença en-tre estes fragmentos pode ser sutil. O que os alunos conhecem da notação conven-cional da música? Caso haja interesse em saber mais sobre as partituras, você pode chamar a atenção sobre a verticalidade e a horizontalidade, a melodia e a harmonia/acordes.

PROPOSIÇÃO PARA SONDAGEM UMA CONVERSA SOBRE A TRIDIMENSIONALIDADE

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Arte – 5a série/6o ano – Volume 1

As imagens da “Apreciação” fazem lem-brar algo que você já viu ou experimentou nas aulas de Arte?

A conversa, com base nas respostas, ofe-rece maior compreensão sobre seus alunos: o vocabulário utilizado, o nível de atenção despertado, a participação na leitura e na proposta de realizar com seus próprios cor-pos a tridimensionalidade das imagens, seus repertórios sobre o assunto. Esses dados ajudam no desenvolvimento das Situações de Aprendizagem para ampliar o modo de perceber, pensar e imaginar a tridimensio-nalidade.

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raCom boas problematizações, os alunos po-

dem perceber nesses fragmentos que os elemen-tos fundamentais que definem boa parte do repertório da música ocidental são: melodia, ritmo e harmonia. São estes três elementos que criam o campo espacial sonoro nessa música.

A questão maior nesta sondagem é tra-zer à tona o vocabulário e a percepção dos alunos sobre a tridimensionalida-

de, pois a conceituação será posterior. Em conti-nuidade, peça que escrevam um resumo sobre “O que ficou da conversa?”. Então, na seção “O que penso sobre arte?”, encaminhe uma reflexão a partir da seguinte pergunta:

No espaço sonoro, a melodia, que é uma sequência sucessiva de notas diferentes, apre-senta um sentido horizontal, pois cada nota vai

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Horizontal

Foi possível perceber a horizontalidade?

soando numa linha de tempo que pode ser re-presentada graficamente. Neste outro trecho da partitura, foi possível perceber a verticalidade?

Figura 3 – Amilson Godoy e Celso Viáfora. O professor. Partitura (trechos). In: CD-ROM Educação musical para crianças, jovens e adultos – TONS sistema de Educação Musical. São Paulo: G4, 2005-2007.

Figura 4 – Amilson Godoy e Celso Viáfora. O professor. Partitura (trechos). In: CD-ROM Educação musical para crianças, jovens e adultos – TONS sistema de Educação Musical. São Paulo: G4, 2005-2007.

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Figura 5 – Francisco Stockinger. Série Gabirus, 1996. Esculturas. Bronze, várias alturas entre 151 × 41 × 25 cm e 95 ×

40 × 39 cm.

Figura 6 – Franz Weissmann. Grande flor tropical, 1989. Escultura. Chapa de aço SAC-50 e tinta poliuretânica,

7,0 × 6,8 × 6,5 m. Praça Cívica, Memorial da América Latina, SP.

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Arte – 5a série/6o ano – Volume 1

Figura 7 – Terpsí Teatro de Dança. E la nave no va II, 2003. Coreografia: Carlota Albuquerque.

Figura 8 – São Paulo Companhia de Dança. Grand Pas de Deux, de O Quebra-Nozes, de Marius Petipa (1818-1910)

e Lev Ivanov (1834-1901), remontagem Tatiana Leskova, com Luiza Lopes e Diego de Paula, 2012.

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Figura 9 – Daniela Thomas. O avarento, 2007. Cenário. São Paulo (SP).

Figura 10 – José Dias. O avarento, 1999. Cenário. Rio de Janeiro (RJ).

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Arte – 5a série/6o ano – Volume 1

Figuras 11 e 12 – Amilson Godoy e Celso Viáfora. O professor. Partitura (trechos). In: CD-ROM Educação musical para crianças, jovens

e adultos – TONS sistema de Educação Musical. São Paulo: G4, 2005-2007.

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Proposição I – Ação expressiva: O que faz um plano bidimensional virar tridimensional?

Para abordar a tridimensionalidade como elemento estético no território da forma-conteúdo, focalizando as

artes visuais, vamos vivenciar ações que pos-sam trabalhar a diferenciação entre os espaços bi e tridimensional, espaço e volume, pedindo que cada aluno pegue uma folha de papel. De-pois que cada aluno estiver com a sua, pergun-tamos:

O que faz um plano bidimensional virar tridimensional?

Certamente, as respostas ou mesmo as perguntas que virão já são indícios de suas hipóteses sobre a diferenciação entre a bi e a tridimensionalidade.

Ao iniciarem o fazer que está encaminha-do no Caderno do Aluno, o que vemos? Os alunos amassam o papel ou o dobram? Como o deixam “em pé”? Apresentam composições figurativas ou abstratas? A leitura das escul-turas produzidas com papéis – amassados, dobrados, cortados – evidencia as escolhas de cada um para fazer a escultura ficar em pé. Podemos estimulá-los a perceber melhor os diferentes aspectos da tridimensionalidade como elemento expressivo observando, por exemplo, os espaços cheios e vazios, conden-sados ou não, além das relações entre super-fície e profundidade, espaço aberto/fechado, espaço interior/exterior.

Em continuidade, podemos propor aos alu-nos o desenho de suas esculturas para transfor-mar o que é tridimensional em bidimensional.

Como o tridimensional foi registrado por eles? O que importa não é o desenho em perspecti-va, mas sim a presença gráfica do volume.

A conversa sobre essas produções pode provocar a repetição da experiência. Outras esculturas podem ser criadas.

Faça também uma encomenda a ser con-cretizada no próprio Caderno do Aluno. Proponha que eles criem uma forma tridi-mensional fazendo cortes e dobras na pró-pria folha em branco disponível nas páginas 13 e 14 e usando as páginas 12 e 15 como suporte. Feitas as esculturas, é interessante utilizar lanternas para iluminá-las, deixan-do que os alunos percebam, nos efeitos de luz e sombra, as relações entre a superfície e a profundidade, entre os espaços cheios e os vazios, internos e externos, abertos e fechados.

Proposição II – O que você pensa sobre artes visuais?

Depois desta conversa sobre as esculturas, será possível aprofundar os conceitos e co-nectá-los a outros, como o volume e o espa-ço bidimensional, os cortes e as dobras, os efeitos de luz e sombra, a superfície, a pro-fundidade. No Caderno do Aluno, a seção “O que penso sobre arte?” propõe voltar a olhar a obra Grande flor tropical, do ar-tista Franz Weissmann, apresentada agora sob dois ângulos diferentes. Esta obra foi construída a partir de dobraduras angula-res (paralelas ou diagonais) em cinco cha-pas de aço soldadas, formando geométricas pétalas estreitas e alargadas – triangulares, quadradas, retangulares e trapezoides.

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 1 ARTES VISUAIS

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Figuras 13 e 14 – Franz Weissmann. Grande flor tropical, 1989. Escultura. Chapa de aço SAC-50 e tinta poliuretânica, 7,0 × 6,8 × 6,5 m. Praça Cívica, Memorial da América Latina, SP.

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Algumas perguntas estão propostas para orientar o olhar dos alunos so-bre esta obra:

O que você percebe dessa escultura?

O artista usou cinco chapas de aço para fa-zer essa escultura. Como você imagina que ele trabalhou com essas chapas? De forma bidimensional ou tridimensional?

Que relações você faz entre essa obra e a escultura que você criou?

Um grande mapa feito por você na lousa com base nas respostas dos alunos pode ser uma forma de sis-

tematizar o que foi estudado sobre a tridimen-sionalidade em artes visuais, em especial com

a retomada da pergunta que abriu esta Situa-ção de Aprendizagem e que aparece na seção “Você aprendeu?” do Caderno do Aluno:

O que faz um plano bidimensional virar tridimensional?

SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 2 TEATRO

Proposição I – Movendo a apreciação

Proponha novamente a leitura das fotos dos cenários que Daniela Thomas e José Dias criaram para a peça O avarento, de Molière. As imagens registram um fragmen-to de tempo-espaço do espetáculo e, possivel-mente, reforçam o formato do que o teatro representa para os alunos: um edifício teatral, onde há um espaço com cenografia e atores num palco italiano. Problematizar esse for-mato, aproximando mais os alunos da cena contemporânea e abrindo a investigação so-bre a relação entre espaço cênico e ator, é o foco desta proposição. Ou seja, para que um espaço comum, como a sala de aula ou o pá-tio, passe a ser um espaço cênico, basta que uma ação teatral aconteça nesse espaço. Se um ator sai do palco e faz uma cena com um espectador, esse local, que antes era plateia,

passa a ser o espaço cênico, “o espaço onde acontece a cena”.

Para isso, a seguinte pauta do olhar consta no Caderno do Aluno, na seção “Apreciação”:

Olhando as imagens, onde você imagina que está a plateia?

Será que esses espetáculos aconteceram em uma sala de teatro ou na rua?

Será que teatro pode ser feito em qualquer lugar?

Será possível também fazer teatro sem ce-nografia?

O que faz com que um lugar seja um espa-ço cênico?

forma-conteúdo

A tridimensionalidade nas artes visuais no território de forma-conteúdo

diferenciação entre os espaços bi e tridimensional; espaço e volume; relações entre espaços cheio/vazio, aberto/fechado, interior/exterior, superfície/profundidade.

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ANEXO C

CADERNO DO ALUNO

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Arte – 5a série/6o ano – Volume 1

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TEMA:

A TRIDIMENSIONALIDADE COMO ELEMENTO ESTÉTICO

APRECIAÇÃO!

Para começar suas descobertas sobre a tridimensionalidade na arte, você vai conversar com seus colegas sobre algumas imagens apresentadas a seguir:

O que mais chama a atenção de vocês em todas as imagens?

Para vocês, estas obras fotografadas são tridimensionais ou bidimensionais?

Olhem atentamente as obras de Stockinger, os dançarinos do grupo Terpsí e os da São Paulo Companhia de Dança. Em grupo, experimentem repetir a posição dos corpos reproduzida em cada imagem. Como cada um deles ocupa o espaço? Como eles se relacionam no espaço?

Daniela Thomas e José Dias criaram cenários diferentes para a mesma peça: O avarento, de Molière. Vocês acham que os dois trabalham com a tridimensionalidade, inventando cenários? Por quê?

Qual a diferença entre os dois fragmentos de partitura? O que mudou nas imagens de um exemplo para o outro?

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Francisco Stockinger. Série Gabirus, 1996. Esculturas. Bronze, várias alturas entre 151 × 41 x 25 cm e 95 × 40 × 39 cm.

Franz Weissmann. Grande flor tropical, 1989. Escultura. Chapa de aço SAC-50 e tinta poliuretânica, 7,0 × 6,8 × 6,5 m. Praça Cívica,

Memorial da América Latina, SP.

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Terpsí Teatro de Dança. E la nave no va II, 2003. Coreografia: Carlota Albuquerque.

São Paulo Companhia de Dança. Grand Pas de Deux, de O Quebra-Nozes, de Marius Petipa (1818-1910) e Lev Ivanov (1834-1901),

remontagem Tatiana Leskova, com Luiza Lopes e Diego de Paula, 2012.

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Daniela Thomas. O avarento, 2007. Cenário. São Paulo (SP).

José Dias. O avarento, 1999. Cenário. Rio de Janeiro (RJ).

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Amilson Godoy e Celso Viáfora. O professor. Partitura (trechos). In: CD-ROM Educação musical para crianças, jovens e adultos – TONS Sistema

de Educação Musical. São Paulo: G4, 2005-2007.

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O QUE PENSO SOBRE ARTE?

Uma pergunta para você conversar sobre a tridimensionalidade: As imagens da Apreciação fazem lembrar algo que você já viu ou experimentou nas aulas de Arte?

O que ficou da conversa?

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SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 1

ARTES VISUAIS

AÇÃO EXPRESSIVA

O que faz um plano bidimensional virar tridimensional? Para encontrar uma resposta, use uma folha de papel sulfite. Trabalhe apenas com as mãos para fazer uma escultura com a folha de papel.

Você e seus colegas terão muitas esculturas para olhar, depois que todos da sala realizarem a experiência. Você sabe dizer quais delas nasceram de papel amassado, dobrado ou cortado?

Vamos fazer o contrário: transformar o tridimensional em bidimensional. Que tal fazer uma das esculturas virar desenho no espaço a seguir?

Para continuar essa investigação, aguarde a encomenda do seu professor.

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O QUE PENSO SOBRE ARTE?

Olhe novamente a obra Grande flor tropical, do artista Franz Weissmann. Agora, ela aparece fotografada de dois ângulos diferentes.

Franz Weissmann. Grande flor tropical, 1989. Escultura. Chapa de aço SAC-50 e tinta poliuretânica, 7,0 × 6,8 × 6,5 m. Praça Cívica, Memorial da

América Latina, SP.

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Lat

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Franz Weissmann. Grande flor tropical, 1989. Escultura. Chapa de aço SAC-50 e tinta poliuretânica, 7,0 × 6,8 × 6,5 m. Praça Cívica, Memorial da

América Latina, SP.

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Page 115: FORMAÇÃO CULTURAL E ARTE/EDUCAÇÃO: análise das …Disse o poeta Mário Quintana, imbuído de sua simplicidade e sabedoria características, pequeno poema que me chegou aos ouvidos.

Arte – 5a série/6o ano – Volume 1

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O que você percebe dessa escultura?

O artista usou cinco chapas de aço para fazer essa escultura. Como você imagina que ele traba-lhou com essas chapas? De forma bidimensional ou tridimensional?

Que relações você faz entre essa obra e a escultura que você criou?

VOCÊ APRENDEU?

O que faz um plano bidimensional virar tridimensional?

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