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Vitória da Conquista, Bahia, 02 à 07 de outubro de 2017
XVI Semana de Economia e II Encontro de Egressos de Economia da UESB
FORMAÇÃO DE PREÇOS EM ECONOMIA POPULAR E SOLIDARIA: EM BUSCA
DA COMPREENSÃO POLITICA SOBRE VALOR DO TRABALHO
Modalidade: Artigo Completo
GT 5: Economia do trabalho, Economia Solidária, Cooperativismo
Sara de Souza Silva1
Juliana de Freitas Silva2
José Raimundo Oliveira Lima3.
RESUMO
O trabalho trata-se de um estudo de caso com o grupo Sabores do Quilombo que está em
processo de incubação desde julho de 2016 e desenvolve suas atividades de produção e
comercialização de alimentos da culinária local na cantina do módulo I da Universidade
Estadual de Feira de Santana sobre a composição do custo de produção para a formação do
preço. Deste modo, a compreensão da formação de preço justo com o grupo de produção
Sabores do Quilombo considera alguns aspectos que estão equiparados à base analítica da
teoria microeconômica, no contexto de uma racionalidade quantitativa, porém dela se
distinguindo ao considerar os princípios da economia popular e solidária. Assim, para além da
análise da formação do preço, esse trabalho, permitirá a compreensão do trabalhador sobre o
custo de produção do bem, o valor do seu trabalho, o valor de uso e o valor de troca,
permitindo uma não alienação do seu trabalho e uma consequente formação política na
economia popular e solidária, haja vista que a pesquisa ação possibilita o envolvimento do
sujeito na construção do processo político educativo.
Palavras-chave: Formação de Preço – Economia Popular e Solidária – Custo de Produção
1. INTRODUÇÃO
As formulações em torno da Economia Popular e Solidária e seus elementos
característicos como a autogestão, cooperação, solidariedade, sistema de preços justos e todo
o seu processo econômico-político-organizativo, conduzem a uma nova concepção
1 Graduanda do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Feira de Santana.
[email protected] Cristovão Barreto nº 1052 Brasilia, Feira de Santana-ba. (75)98205-9730. 2 Graduanda do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Feira de Santana.
[email protected]. 3 Professor Adjunto do Curso de Economia da UEFS. Coordenador da IEPS-UEFS. Economista (UEFS). Mestre
Gestão Integrada de Organizações (UNEB). Doutor em Educação e Contemporaneidade (UNEB). [email protected]
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socioeconômica da produção e exigem que se pensem relações de formação, trabalho,
mercado e, principalmente, redes socioprodutivas fora do sistema tradicional capitalista, numa
dimensão política formativa.
Essa economia se contrapõe ao modo de produção capitalista, que é notoriamente
excludente para o trabalhador, na medida em que seu objetivo é alcançar sempre o maior
lucro possível. Na atual fase de acumulação flexível do capitalismo, a formação e acesso ao
mercado são obrigações individuais de cada sujeito, conforme apregoa o discurso do
empreendedorismo, não cabendo mais ao Estado propor políticas públicas de educação e
emprego. Desconsidera-se a importância do valor trabalho na produção de tudo o que é
necessário à sobrevivência humana, o que resulta no uso da tecnologia para a escravização da
classe trabalhadora, e não, como seria de se esperar, a seu favor.
A gestão de todo o processo produtivo é realizada de modo a dissimular os custos de
produção – e, portanto, o valor social do trabalho. O processo político-pedagógico de
discussão e compreensão do valor trabalho, contida no debate sobre a formação de preços e
preço justo – oportuniza que outras relações sociais, mais solidárias, se associem buscando
novas formas de (auto) gestão que lhes possibilite o conhecimento dos processos produtivos a
partir dos custos de produção e, consequentemente, do valor e relevância do trabalho na
produção integral.
Na economia popular e solidária são vários os exemplos de alternativas viáveis que
permitem ao trabalhador inserir-se em redes e no mundo do trabalho, por meio de iniciativas
de geração de trabalho e renda de forma autônoma, promovendo relações sociais mais justas,
como os grupos sócioprodutivos que se constituem enquanto espaços de exercício de
cidadania, pois se enxergam como donos dos meios de produção e os assumem pelo processo
de autogestão.
As empresas/empreendimentos4 de Economia Solidária são organizações
econômicas que têm por finalidade constituírem-se como alternativa à
organização social e econômica tradicional, na medida em que visam a
melhoria de vida de seus sócios. Como são empresas autogestionárias, onde
4 Pontua-se, desde já, que se opta, no entanto, por evitar o uso da palavra empreendimento, pela sua relação
semântica com o contexto da organização capital-trabalho nos moldes capitalistas, contraditório, em tese, a nosso
ver, com Economia Popular Solidária. Tenta-se, assim, desde já, obviar resistência ao “discurso empreendedor”,
e sua tendência a esconder relações de trabalho subordinadas ou a compactuar com um discurso naturalizador da
exclusão social.
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todos os sócios são trabalhadores e participam da gestão do
empreendimento, estamos falando de uma organização que deve prover a
todos sem explorar o trabalho de seus membros, dividindo os resultados
desse trabalho de forma justa. (ANTEAG, 2º VOL, p.26, 2005)
Para Lima (2016) essa é uma característica política e organizativa da economia
popular e solidária que deve ser pensada nunca de forma isolada, numa única unidade
socioprodutiva, mas, de maneira total, na perspectiva do desenvolvimento local envolvendo
sempre iniciativas congêneres em redes.
No âmbito dessa economia o programa Incubadora de Iniciativas de Economia
Popular e Solidária de UEFS (IEPS/UEFS) desenvolve ações de incubação, com um processo
de formação política/pedagógica interdisciplinar, e nesse processo todas as ações e
instrumentos são elaborados e estudados de forma democrática numa dinâmica que favorece o
aprendizado de todos, conforme discute Brandão (1995), bem como uma interação das
diversas formas de saberes e o conhecimento dito científico, oportunizado pela pesquisa e
extensão,
No processo de incubação, a IEPS/UEFS subordina-se aos fundamentos da
Economia Popular e Solidária, visando à integração solidária dos sujeitos,
tendo como valor principal o trabalho-educação. Adotam-se metodologias
variadas, com atenção às singularidades dos grupos, considerando o grau de
escolaridade de seus membros, organicidade, peculiaridades culturais,
localização, consciência sobre o grau e formas de consumo, entre outras.
Atividades continuadas [...] objetivam, ainda, promover a articulação dos
grupos incubados em redes socioeconômicas de produção, comercialização e
consumo, impulsionando outra forma de desenvolvimento que suplante a
competitividade, utilitarismo, consumo predatório e o individualismo que
caracterizam a economia capitalista.. (PITA, LIMA & LIMA, 2015).
Esse processo de produção ou articulação dos conhecimentos permite uma práxis da
pesquisa-ação (THIOLLENT, 2011) que possibilita conhecer e compreender a realidade dos
grupos que passam pelo processo de incubação e envolver-se no processo formativo,
respeitando as singularidades de cada grupo ou cada sujeito envolvido.
Dentre as ações da IEPS-UEFS acontece o projeto que articula uma rede de trabalho
coletivo e produção solidária (MANCE, 2002), sendo participantes os grupos dos projetos
“Cantina Solidária” I e III, ''Plantas Ornamentais'' e “Projeto Rede Recostura”, visando-se ao
fortalecimento das iniciativas, e para, além disso, garantindo à comunidade universitária e
também à comunidade externa, especialmente de onde os grupos têm origem, discussões e
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conhecimento sobre a possibilidade do consumo consciente, conforme discute Singer (2002).
Saliente-se que, no caso dos Projetos Cantina Solidária I e II, os grupos ocupam espaços de
cantinas do campus central para realizar suas atividades socioprodutivas. É no bojo desta
experiência, desenvolvida a partir da metodologia da pesquisa participante, que as discussões
apresentadas especificamente neste trabalho se desenvolveram.
A partir de tais considerações, a economia popular e solidária exige uma abordagem
própria para a formação de preços. O objetivo deste trabalho é apresentar pesquisa sobre a
formação de preços nesse contexto, desenvolvida mais em particular com um dos grupos que
se dedica à produção e comercialização de alimentos em uma das cantinas da UEFS, cujo
processo de incubação corresponde ao Projeto Cantina Solidária III. Discute-se, assim, o
processo de formação de preços numa dinâmica e processo formativo próprios ao contexto de
incubação desenvolvido na IEPS/UEFS.
2. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PREÇOS JUNTO AO GRUPO SABORES DO
QUILOMBO
O grupo “Sabores do Quilombo’’, formado por trabalhadoras da comunidade
quilombola da Lagoa Grande, localizada no distrito de Maria Quitéria, do município de Feira
de Santana – Bahia, ocupa o espaço da cantina do modulo I da Universidade Estadual de Feira
de Santana (UEFS). Estando em curso o processo de incubação, durante o qual o grupo
produz e comercializa alimentos, verificou-se a necessidade de atualização dos preços
praticados na cantina. Realizamos, neste sentido, algumas atividades sobre a formação dos
preços, complexificando-se as discussões para que também incluíssem a perspectiva do preço
justo dos produtos locais a serem vendidos. Pontuava-se a prioridade na valorização dos
produtos locais, que marcam a identidade, além de compor fatores que influenciam a demanda
e possibilitam o desenvolvimento local, conforme afirma Lima (2016).
Nesta situação, a teoria microeconômica, uma das bases de abordagem da economia
convencional, lida com o seguimento de custo de produção, que visa a articular receita
(quantidade vendida a um dado preço) e custo (quantidade gasta na compra de insumo para
viabilizar a produção), formas para maximizar os lucros. Com o custo de produção composto
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pelo custo fixo, que não depende do nível de produção, somado ao custo variável que depende
do nível de produção, considera-se dentro da sua função a quantidade produzida, mão-de-obra
e capital e assim forma-se o preço dos produtos comercializáveis.
Esse tipo de abordagem “explica muito, mais pouco se entende”, já que privilegia uma
compreensão dos custos orientada na lógica de garantir o maior lucro possível, sem que seja
levado em consideração mais nenhum fator ou princípio. Em geral é feita por especialistas
cuja “técnica” e vocabulário não permitem o envolvimento dos trabalhadores nas discussões
de apropriação dos fatores de produção de forma democrática, de maneira que o
conhecimento sobre o custo total, cuja compreensão é indispensável para formar uma ideia de
preço mais clara a todos, dificilmente insere-se numa dinâmica de processo educativo, no
sentido adotado por Freire (1987), dificultando os fins a que se destina uma economia
educativa e democratizante. Portanto, apenas o aporte dessa teoria serve muito pouco ao
propósito da compreensão política-pedagógica dessa proposta.
No modo de produção capitalista não existe a possibilidade de preço justo. No
processo educativo de trabalho da economia popular e solidária, diversamente, vê-se a estreita
relação entre a quantidade que a iniciativa produz e os custos dessa produção, para justificar o
preço a ser cobrado no mercado ou rede e, daí, passa-se a entender a proposta de preço justo,
categoria utilizada como recurso didático para que as trabalhadoras o compreendessem de
forma clara, ainda que o preço calculado seja maior ou menor do que o comumente praticado
em sua volta (LIMA, 2011a).
A “mão-de-obra” é um componente variável fortemente influente no preço na
economia capitalista, com efeito, seus custos são tidos como “altos ou excessivos” na
dinâmica da produção, em função de sua remuneração ser pagar por um “salário”
anteriormente definido. Como esse valor é pré-determinado, deve ser explorado de forma a
maximizar os lucros, não se levando em consideração a quantidade que o trabalhador produz,
de modo a desvelar a cortina de fumaça sobre sua exploração. Sendo assim, quanto menos o
trabalhador conhecer o processo formativo dos preços, melhor para o capital em sua missão
de extração máxima de mais valia (trabalho não pago).
Dentro da perspectiva da economia popular e solidária, compreende-se a “mão-de-
obra” como força de trabalho de pessoas que não estão ligadas diretamente apenas ao
processo de produção, mas que também, e principalmente, são as responsáveis pela
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organização e execução de todas as atividades, incluindo aí a “gestão”. Neste universo
específico o preço justo deve considerar o valor produzido pelos trabalhadores diretos e
indiretos, ou seja, os que produzem e os que fornecem os insumos. Os trabalhadores então,
conscientes enquanto classe, sobre a importância de seu trabalho no processo de valorização
do valor, compreendem o "fluxo principal" de uma economia política, transformando esse
conhecimento em luta e ação política.
Nessa esteira, Singer (2008), considera o preço justo a divisão igualitária relativa dos
ganhos e a soma dos custos das horas trabalhadas com os produtos finais envolvendo as horas
dadas pelos trabalhadores nos produtos intermediários. Obviamente, não é tão simples assim
uma elaboração teórica fluida de compreensão, mas sua construção se dá no processo de
trabalho coletivo e deve ser a base da compreensão para o trabalho organizativo e político
dessa outra economia (LIMA, 2016).
Deste modo, a compreensão da formação de preço justo com o grupo de produção
“Sabores do Quilombo” considera alguns aspectos que estão equiparados à base analítica da
teoria microeconômica, no contexto de uma racionalidade quantitativa, porém dela se
distinguindo ao considerar os princípios da economia popular e solidária. Um desses
princípios é o comércio justo, que além de valorizar o trabalho de cada pessoa envolvida no
processo produtivo, prioriza os insumos que vêm da própria localidade, num nítido esforço de
incluir no preço de venda dos produtos uma lógica que consubstancia um preço justo para o
grupo e para a comunidade envolvida.
Nesta perspectiva temos como objetivo transformar essa discussão teórica da formação
de preços, de uma economia para outra, a partir da forma como se pratica a política de preços:
valorizando o trabalho como elemento central para o desenvolvimento local.
Os quadros 1, 2, 3 e 4, a seguir, foram construídos coletivamente através de atividades
formativas sobre quatro produtos produzidos e comercializados pelo grupo Sabores do
Quilombo durante processo de incubação. Os produtos foram escolhidos a partir do
acompanhamento das vendas do grupo, identificando-se os de maior saída.
3. UMA ANÁLISE PONTUAL DO CUSTO DE PRODUÇÃO DOS PRATOS MAIS
VENDIDOS PELO GRUPO SABORES DO QUILOMBO
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Iniciou-se com a análise do curso de produção do acarajé, produto regional e
intensamente representativo da cultura local, inclusive com elementos de valorização da
cultura afro-brasileira.
A escolha do produto que inaugurou a análise coletiva do custo de produção deveu-se
ainda, a um dissenso no grupo quanto à viabilidade da comercialização do acarajé pelo grupo.
QUADRO 1 : CUSTO DE PRODUÇÃO DO ACARAJÉ (CAMARÃO ÁGUA DOCE)
CUSTOS INDIRETOS (VARIAVÉIS)
CARURÚ VATAPÁ MASSA RECHEIO
PRODUTO
VALOR
VALOR
PRODUTO
VALOR
PRODUTO
VALOR
TRABALHO
FARINHA R$ 0,01 R$ 0,01 FEIJÃO R$ 0,20 TOMATE R$ 0,06 R$ 0,12
CAMARÃO R$ 0,09 R$ 0,09 CEBOLA R$ 0,40 CAMARÃO R$ 0,18
CASTANHA R$ 0,03 R$ 0,03 GENGIBRE R$ 0,03
AMENDOIM R$ 0,02 R$ 0,02 AZEITE
DE DENDÊ
R$0,22
LEITE DE
COCO
R$ 0,22 R$ 0,22
CEBOLA R$ 0,40 R$ 0,40
COENTRO R$ 0,07 R$ 0,07
SAL R$ 0,01 R$ 0,01
ALHO R$ 0,01 R$ 0,01
TOMATE R$ 0,06 R$ 0,06
PIMENTÃO R$ 0,05 R$ 0,05
QUIABO R$ 0,04
TOTAL R$ 1,01 R$ 0,97 R$ 0,85 R$0,24 R$0,12
TOTAL DOS CUSTOS INDIRETOS (VARIAVEIS) R$ 3,19
CUSTOS DIRETOS (FIXOS)
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PRODUTO VALOR
GÁS R$ 0,03
ENERGIA R$0,03
DEPRECIAÇÃO R$0,017
TOTAL DOS CUSTOS
INDIRETOS
R$0,077
TOTAL GERAL R$ 3,26
Fonte: Documentos produzidos pelos autores no processo de incubação, julho/2016.
O acarajé é um produto que traz em seu bojo não apenas a referência de uma
alimentação regionalizada, mas, sobretudo, carrega a história e luta do povo africano
escravizado – o alimento que era oferecido, nos ritos do candomblé, à orixá Iansã. Diante da
privação/restrição material de alimentos por conta da condição de escravizados, esse alimento
se populariza como alternativa de sobrevivência, marcando a culinária baiana até os dias
atuais. A receita é ensinada de maneira oral de uma pessoa para outra.
No quadro acima se verifica um custo de produção acima do preço praticado, em
geral, pelo mercado baiano. Pressupõe-se que a aquisição dos insumos descritos na forma
industrializada, em grande escala, acaba reduzindo o custo médio por unidades produzidas. O
produto final deve então sofrer variações de preço, que via de regra apontam a inviabilidade
do negócio (no caso, produção artesanal do acarajé). Entretanto, o material é produzido na
comunidade, todos ganham com a produção dos insumos, além do fato de o acarajé ser
transformado em “carro–chefe” de atração de público, favorecendo a comercialização dos
demais produtos.
QUADRO 2 : CUSTO DE PRODUÇÃO DO ACARAJÉ (CAMARÃO ÁGUA SALGADA)
CUSTOS INDIRETOS (VARIAVÉIS)
CARURÚ VATAPÁ MASSA RECHEIO
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PRODUTO VALOR VALOR PRODUTO VALOR PRODUTO VALOR TRABALHO
FARINHA R$ 0,01 R$ 0,01 FEIJÃO R$ 0,20 TOMATE R$ 0,06 R$ 0,12
CAMARÃO R$ 0,13 R$ 0,13 CEBOLA R$ 0,40 CAMARÃO R$ 0,26
CASTANHA R$ 0,03 R$ 0,03 GENGIBRE R$ 0,03
AMENDOIM R$ 0,02 R$ 0,02 AZEITE DE
DENDÊ
R$0,22
LEITE DE
COCO
R$ 0,22 R$ 0,22
CEBOLA R$ 0,40 R$ 0,40
COENTRO R$ 0,07 R$ 0,07
SAL R$ 0,01 R$ 0,01
ALHO R$ 0,01 R$ 0,01
TOMATE R$ 0,06 R$ 0,06
PIMENTÃO R$ 0,05 R$ 0,05
QUIABO R$ 0,04
TOTAL R$ 1,05 R$ 1,01 R$ 0,85 R$0,32 R$0,12
TOTAL DOS CUSTOS INDIRETOS (VARIAVEIS)
R$ 3,35
CUSTOS DIRETOS (FIXOS)
PRODUTO VALOR
GÁS R$ 0,03
ENERGIA R$0,03
DEPRECIAÇÃO R$0,017
TOTAL DOS CUSTOS
INDIRETOS
R$0,077
TOTAL GERAL R$ 3,42
Fonte: Documentos produzidos pelos autores no processo de incubação, julho/2016.
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No quadro 2 observa-se uma pequena vantagem em produzir e comercializar o acarajé
utilizando, ao invés do camarão de água doce, o camarão de água salgada, demonstrando-se
neste último caso uma margem melhor de resultados.
Outro elemento de custo a ser observado é o trabalho, que está embutido como custo
direto em toda a produção, o que melhora os resultados no processo político de desalienação
formativa, conforme aponta Singer,
Se cada mercadoria tivesse o seu preço determinado desta maneira – ou seja,
pela soma de horas de trabalho direto (final) e indireto (intermediário) – cada
agente teria uma renda estritamente igual ao número de horas de trabalho
que despendeu na produção das mercadorias que vendeu. Este é um modelo
relativamente simplificado de determinação de preços justos, desde que se
entenda por justiça que cada trabalhador ganhe um valor em dinheiro
proporcional ao tempo de trabalho gasto na produção das mercadorias que
levou ao mercado para vender (SINGER, 2008, p. 2).
QUADRO 3 : CUSTO DE PRODUÇÃO DO BEIJU
CUSTOS DIRETOS
BEIJÚ DOIS SABORES DE FÉCULA BEIJÚ DOIS SABORES DE GOMA
FRESCA
PRODUTO VALOR PRODUTO VALOR
FÉCULA R$ 0,56 GOMA FRESCA R$ 1,00
FRANGO R$ 0,90 FRANGO R$ 0,90
QUEIJO R$ 0,48 QUEIJO R$ 0,48
MARGARINA R$ 0,04 MARGARINA R$ 0,04
TOTAL DO CUSTO
DIRETO
R$ 1,98 TOTAL DO CUSTO
DIRETO
R$ 2,42
CUSTOS INDIRETOS
PRODUTO VALOR DEPRECIAÇÃO VALOR
GÁS
R$ 0,09 CHAPA
INDUSTRIAL
R$ 0,002
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Fonte: Documentos produzidos pelos autores no processo de incubação, julho/2016
Outro alimento que tem bastante saída nas cantinas da UEFS é o beiju. Massa feita
tradicionalmente utilizando goma de mandioca fresca, pode ser consumido puro – como as
comunidades tradicionais originárias do Brasil faziam – ou ainda podem ser acrescentados
recheios. Diante da tradição de seu consumo e, na atualidade, sua difusão como alternativa
mais saudável e que respeita e considera a vocação local, seu processo produtivo já despertou
interesse do grande capital.
A fécula e goma fresca apresentam contradições quanto a sua lógica produtiva local e
geral. A fécula é produzida industrialmente como subproduto base da mandioca com menor
custo, deixando em desvantagem o produtor final se compararmos com a goma fresca,
produzida localmente na comunidade. No caso da goma fresca, os produtores, além de plantar
a mandioca, realizam todo o seu processo de manipulação até que este esteja pronta para
consumo final, mantendo-se com isso, as propriedades nutritivas desse alimento.
A produção local da região de Feira de Santana (incluída a comunidade de Lagoa
Grande) tem na cadeia produtiva da mandioca a goma fresca como importante subproduto;
outros subprodutos, como a farinha, a crueira e outros derivados compõem um leque de
formadores de remuneração do trabalho pela comunidade.
Neste caso o beiju de goma fresca, enquanto produto de maior sofisticação e valor
agregado, pode ser vendido explicitando-se para o consumidor o seu diferencial local, na
medida em que representa a comunidade pela origem, localização, geografia, cultura,
identidade e maior contribuição socioeconômica remunerativa.
TOTAL GERAL
R$ 2,07
TOTAL GERAL
R$ 2,51
QUADRO 4 : CUSTO DE PRODUÇÃO DE CUSCUZ COM OVO E LINGUIÇA
CUSTOS DIRETOS CUSTOS INDIRETOS
PRODUTO VALOR PRODUTO VALOR
FUBÁ R$ 0,25 GÁS R$ 0,09
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Fonte: Documentos produzidos pelos autores no processo de incubação, julho/2016.
Outra iguaria da culinária regional é o cuscuz, alimento a base de milho que pode ser
consumido acompanhado de outros alimentos e bebidas. De fácil armazenagem, popularizou-
se diante das crises derivadas das constantes secas na região semiárida nordestina. Seu custo
de produção é relativamente baixo e sua produção é local. Para mensurar o preço de produção
do cuscuz com ovo e linguiça, consideramos o tempo estimado de preparo de 15 minutos.
Para chegar aos valores acima igualamos as unidades de medida proporcionalmente. O custo
do trabalho foi calculado com base no salário mínimo.
A elaboração do custo de produção deve ainda levar em consideração a depreciação, já
que no final da vida útil dos equipamentos a iniciativa deverá dispor do valor equivalente para
substituição/reparo do maquinário. Singer salienta que não devemos confundir a depreciação
com remuneração do capital:
É preciso não confundir custo de capital com depreciação. O locador da
máquina não é provavelmente um outro produtor solidário, mas uma firma
capitalista. Se ela cobrasse pela máquina apenas a depreciação, no fim da
vida útil da mesma ela teria recebido, na forma de alugueis, uma soma que
apenas lhe permitiria comprar uma máquina igual àquela que foi consumida
no trabalho, ao longo de algumas dezenas de anos. A firma não teria tido
qualquer lucro. Como sabemos, firmas capitalistas visam lucro, que deve ser
proporcional ao valor do capital, constituído pelo valor das máquinas que
loca (SINGER,2008, p. 2).
ÁGUA R$ 0,019 DEPRECIAÇÃO
R$ 0,001 FOGÃO
INDUSTRIAL
JOSEFINA R$ 0,54
OVO R$ 0,4
SAL R$ 0,03
TRABALHO R$ 0,3
TOTAL R$ 1,539 TOTAL GERAL R$ 1,63
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Deve-se considerar ainda o fato de o processo de incubação desenvolvido pela IEPS-
UEFS envolver um grupo de origem quilombola e da zona rural. A escolha de cada alimento
contido no cardápio foi feita de maneira coletiva, levando-se em consideração: os alimentos
que são consumidos diariamente na comunidade, aqueles que são produzidos na própria
comunidade, o valor nutricional, o uso de defensivos químicos, o respeito ao meio ambiente e
à comunidade. A comunidade, portanto, produz a maioria dos produtos que vende, refletindo
suas escolhas neste trabalho a perspectiva do desenvolvimento local, por meio da valorização
dos produtos locais que caracterizam a sua identidade
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mercado dito base das “liberdades produtivas” é frio, monopolista, oligopolista e
não facilita a inserção da produção associada. É uma realidade objetiva a inexistência de
políticas de redistribuição das riquezas de uma forma mais equitativa no Brasil. Na Bahia e
em Feira de Santana, como se pode imaginar, não é diferente. Então, a possibilidade de se
trabalhar para o desenvolvimento local mostra-se complexa e de difícil reversão se conduzida
pela economia convencional. A economia popular e solidária, entretanto, enquanto associada
a uma compreensão de desenvolvimento voltado para a escala humana, que considera diversas
dimensões, tornam-se mais preparada à promoção local.
Nesse contexto, essa outra economia apresenta a necessidade de uma dinâmica própria
para a formação de preços, o que se demonstrou a partir de um estudo com o grupo Sabores
do Quilombo, discutindo-se o processo de formação de preços numa ação/reflexão em
processo formativo próprio do contexto de incubação desenvolvido na IEPS/UEFS, em
benefício do empoderamento individual, coletivo e comunitário.
Essa economia mostrou-se, portanto, articuladora de ações contra-hegemônicas e
desveladora da necessidade de uma abordagem própria para a formação de preços como
alternativa para a agregação de valor da produção, bem como para a defesa política de formas
produtivas, produtos, conhecimentos e tecnologias locais que possibilitam a superação,
através do trabalho associado, da vulnerabilidade em que se encontra a grande massa de
trabalhadores e trabalhadoras.
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REFERÊNCIAS
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