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2. / A separação horizontal dos poderes: as formas de governo Esta temática da forma de governo está intimamente associada ao princípio da separação de poderes, mais concretamente à separação horizontal dos poderes, a qual, pressupondo uma separação simultaneamente funcional e orgânica do poder (distinguem-se várias funções, as quais são atribuídas a distintos órgãos), preconiza um arranjo balanceado ou equilibrado dos poderes como forma de evitar a excessiva concentração de poder num único órgão. 2.1. Conceito Por forma ou sistema de governo deve entender-se o modo como, no âmbito de um determinado Estado, se relacionam entre si os órgãos que exercem o poder político. Para a caracterização da forma de governo existente num determinado Estado é necessário ter em consideração os seguintes elementos: i. quais os órgãos que exercem o poder político (em regra, o chefe de Estado, o parlamento e o governo); ii. como está distribuído o poder político entre esses órgãos; iii. qual o modo como eles se relacionam reciprocamente 2.2. Tipologia das formas de governo As formas de governo tradicionais são a parlamentar (v.g., Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália) e a presidencial (v.g., EUA, Brasil). A primeira caracteriza-se por uma separação flexível dos poderes e a segunda por uma separação rígida dos poderes. Para além destas formas puras 1 , verifica-se actualmente o surgimento de formas de governo mistas ou híbridas, mais concretamente, do modelo misto parlamentar-presidencial (v.g., França, Portugal, Finlândia). Finalmente, com uma utilização confinada à Suíça, temos a forma de governo directorial, um sucedâneo do governo de assembleia típico da época revolucionária francesa. 2.2.1. Forma de governo parlamentar O parlamentarismo inglês costuma ser visto como o paradigma das formas de governo parlamentares. Foi em Inglaterra que ao longo de vários séculos se foram esculpindo os contornos desta forma de governo, à medida que o parlamento inglês ia limitando e, a partir de determinado momento, esvaziando os poderes do monarca. O parlamentarismo inglês é, pois, um 1 Pura por oposição às formas de governo mistas ou híbridas. Na verdade, dentro da categoria das formas de governo parlamentares e presidenciais é possível encontrar vários modelos.

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C. Politica

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2. / A separação horizontal dos poderes: as formas de governo

Esta temática da forma de governo está intimamente associada ao princípio da separação de poderes, mais concretamente à separação horizontal dos poderes, a qual, pressupondo uma separação simultaneamente funcional e orgânica do poder (distinguem-se várias funções, as quais são atribuídas a distintos órgãos), preconiza um arranjo balanceado ou equilibrado dos poderes como forma de evitar a excessiva concentração de poder num único órgão. 2.1. Conceito

Por forma ou sistema de governo deve entender-se o modo como, no âmbito de um determinado Estado, se relacionam entre si os órgãos que exercem o poder político.

Para a caracterização da forma de governo existente num determinado Estado é necessário ter em consideração os seguintes elementos: i. quais os órgãos que exercem o poder político (em regra, o chefe de Estado, o parlamento e o governo); ii. como está distribuído o poder político entre esses órgãos; iii. qual o modo como eles se relacionam reciprocamente 2.2. Tipologia das formas de governo

As formas de governo tradicionais são a parlamentar (v.g., Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália) e a presidencial (v.g., EUA, Brasil). A primeira caracteriza-se por uma separação flexível dos poderes e a segunda por uma separação rígida dos poderes.

Para além destas formas puras1, verifica-se actualmente o surgimento de formas de governo mistas ou híbridas, mais concretamente, do modelo misto parlamentar-presidencial (v.g., França, Portugal, Finlândia).

Finalmente, com uma utilização confinada à Suíça, temos a forma de governo directorial, um sucedâneo do governo de assembleia típico da época revolucionária francesa. 2.2.1. Forma de governo parlamentar O parlamentarismo inglês costuma ser visto como o paradigma das formas de governo parlamentares. Foi em Inglaterra que ao longo de vários séculos se foram esculpindo os contornos desta forma de governo, à medida que o parlamento inglês ia limitando e, a partir de determinado momento, esvaziando os poderes do monarca. O parlamentarismo inglês é, pois, um 1 Pura por oposição às formas de governo mistas ou híbridas. Na verdade, dentro da categoria das formas de governo parlamentares e presidenciais é possível encontrar vários modelos.

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parlamentarismo monista e não dualista, na medida em que nele não existe já um equilíbrio de poderes entre o monarca e o parlamento como existira num tempo mais recuado do parlamentarismo.

2.2.1.1. Considerações genéricas sobre a forma de governo parlamentar

A forma de governo parlamentar caracteriza-se por uma separação de poderes flexível — pouco rígida —, havendo uma interdependência razoável entre os vários órgãos que exercem o poder político, em particular entre o parlamento e o governo.

De um ponto de vista puramente teórico, o poder político está nas mãos de três órgãos: o chefe de Estado, o parlamento e o governo. Na prática, quase sempre o chefe de Estado (seja ele um monarca ou presidente da República) é um órgão neutro, não detendo praticamente poder político efectivo.

Existem várias concretizações desta forma de governo; o sistema político inglês não é exactamente igual ao alemão, ao italiano, etc.. Basta pensar que no Reino Unido o chefe de Estado é um monarca, enquanto que na Alemanha e na Itália o chefe de Estado é um Presidente da República.

A simples existência de um parlamento, ainda que com poderes substanciais, não é per se suficiente para caracterizar a forma de governo parlamentar. Basta atentar nos amplos e importantes poderes do Congresso (parlamento federal) norte-americano.

2.2.1.2. Características típicas da forma de governo parlamentar • Característica essencial — a responsabilidade política do governo perante o parlamento (o governo tem que prestar contas da sua actuação política ao parlamento). O parlamento dispõe de alguns instrumentos jurídico-políticos para levar a cabo o controlo sobre a actuação do governo. O mais eficaz com que conta o parlamento para tornar efectiva a responsabilidade do governo é a moção de censura, que pode ser apresentada pelos parlamentares. Se for aprovada no parlamento, o governo é destituído. Existem outras formas de apurar a responsabilidade política do governo, embora não tenham, à partida, o mesmo efeito devastador da moção de censura, pois não têm como objectivo imediato a queda do governo. São eles as comissões de inquérito, as interpelações, as perguntas orais ou escritas ao governo, etc.. Ver as diferenças entre moção de censura, moção de confiança e moção de censura construtiva • Existência de um executivo dualista ou bicéfalo: o poder executivo encontra-se dividido e é exercido pelo chefe de Estado e pelo governo, formado este último por ministros e chefiado por um chefe de governo (Primeiro-Ministro, chanceler, etc.) Actualmente, este dualismo é meramente aparente. Pelo menos no regime parlamentar clássico ou puro, o que temos é, na prática, um quase monismo do executivo. Com efeito, cada vez mais o chefe de Estado tem um

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papel meramente simbólico. Ele promulga leis, ratifica tratados, nomeia o primeiro-ministro e os outros ministros, dissolve o parlamento mas a verdade é que, em regra, se limita a praticar um acto puramente formal.

Nas formas de governo parlamentar o chefe de Estado pode ser um monarca (Inglaterra, Espanha) ou um presidente da República (Alemanha, Itália). Neste último caso, ele não costuma possuir legitimidade popular; regra geral, é eleito indirectamente, pelo parlamento ou por um órgão ad hoc composto por membros do parlamento e outras entidades (trata-se de uma eleição orgânica). • A função de orientação e decisão política está distribuída fundamentalmente entre o parlamento e o governo e ambos colaboram na execução dessa orientação política. • Referenda ministerial: através deste instrumento, o governo co-responsabiliza-se por alguns dos actos do chefe de Estado. • Existência de um governo enquanto órgão colegial, autónomo e solidário. • O governo é constituído pelo líder do partido que saiu vencedor das eleições e pelos ministros que este escolhe; em caso de coligação, será igualmente composto por membros dos partidos coligados. • O governo tem uma estrutura piramidal, com um chefe no seu topo (no qual se concentra o grosso do poder governamental). • Em regra, não existe incompatibilidade entre o mandato parlamentar e as funções ministeriais: os membros do governo podem ser simultaneamente parlamentares; diga-se que, em alguns países (Inglaterra e Irlanda), certas pastas ministeriais têm que ser ocupadas por membros do parlamento. • O governo pode ser dissolver o parlamento; o acto formal de dissolução cabe ao chefe de Estado mas é o governo quem decide. Todas as características acabadas de enumerar são típicas dos regimes parlamentares, mas não é necessário que se verifiquem cumulativamente para que se possa classificar a forma de governo existente num determinado Estado como parlamentar. Na realidade, tirando a responsabilidade política do governo perante o parlamento, as outras características não são essenciais, no sentido de que, se uma ou mais delas não se verificarem, nem por isso se deverá afirmar liminarmente que não se está perante uma forma de governo parlamentar. 2.2.2. Forma de governo presidencial

Os Estados Unidos da América são habitualmente referenciados como o paradigma da forma de governo presidencial. Pela simples razão de que esta particular forma de governo foi idealizada e pela primeira vez posta em prática

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neste país pelos Founding Fathers (Pais Fundadores da Constituição federal norte-americana de 1787).

Ao contrário da forma de governo parlamentar que, como se viu, se foi sedimentando aos poucos, a forma de governo presidencial foi artificialmente criada, resultando do labor e espírito criativo dos Founding Fathers.

A forma de governo presidencial constitui, deste modo, um dos principais contributos do constitucionalismo norte-americano, a par, entre outros, com a judicial review e a forma de Estado federal.

2.2.2.1. Considerações genéricas

Preconiza uma separação de poderes bastante rígida: os órgãos que exercem o poder político são perfeitamente autónomos entre si e cada um deles exerce, praticamente em exclusividade, uma determinada função.

O poder político está repartido entre dois órgãos: o presidente (que detém o poder executivo) e o parlamento (que detém o poder legislativo). Nesta forma de governo, e portanto, desde logo, nos EUA, não existe um governo, enquanto órgão colegial, autónomo e solidário. O presidente é ajudado por uma série de colaboradores — os Secretários de Estado —, mas eles são meros colaboradores e executantes das decisões do presidente. A figura do Conselho de Ministros em que as questões são discutidas e decididas em conjunto não existe. Por vezes, o presidente nomeia também Conselheiros Especiais para colaborarem em áreas específicas (v.g., segurança, relações externas).

2.2.2.2. Características típicas da forma de governo presidencial • O presidente é simultaneamente chefe de Estado e chefe de governo; ele possui a plenitude do poder executivo, exercendo as funções que são típicas daqueles dois cargos. • O presidente é legitimado democraticamente. A legitimidade democrática do presidente confere-lhe uma autoridade pelo menos tão importante como a do parlamento — ambos emanam da vontade popular. • O presidente não é uma figura meramente simbólica. Ele é um órgão que exerce de forma activa e efectiva o poder político, possuindo funções reais e consideráveis. Por exemplo, nos EUA é ele que conduz a política interna e externa do seu país (é ele que gere o orçamento federal, nomeia embaixadores, participa nas negociações internacionais, é o comandante supremo das forças armadas, cabendo-lhe decidir as intervenções armadas em que o seu país se vai envolver, etc. • O presidente e o parlamento são independentes um do outro de forma bastante rigorosa. Existe uma separação quase total entre eles, não sendo nenhum deles politicamente responsável perante o outro. Isto significa que nem

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o parlamento pode afastar o presidente através de um voto de desconfiança, nem, inversamente, o presidente pode dissolver o parlamento. Eles estão condenados a viver juntos para sempre. Parafraseando Maurice Duverger, trata-se de um casamento sem divórcio. Mas a separação não é total, havendo mecanismos através dos quais presidente e parlamento procuram influenciar a actuação do outro: a) O presidente pode exercer o direito de veto sobre as leis parlamentares (podendo, em regra, esse veto ser ultrapassado por uma maioria parlamentar qualificada), pode dirigir mensagens ao parlamento (nos EUA, este instrumento, inicialmente bastante inócuo, é hoje uma forma importante de o presidente tentar influenciar a actuação do Congresso, sendo a mensagem sobre o estado da Nação — proferido no início de cada sessão anual do Congresso — se tornou um verdadeiro programa de elaboração legislativa, que prevê e sugere uma série de iniciativas legislativas nos mais variados domínios. b) O parlamento tem à sua disposição comissões de inquérito, a ratificação dos tratados internacionais negociados pelo presidente e a confirmação dos altos cargos da Administração. 2.2.2.3. O impeachment e o ‘presidencialismo’ latino-americano

Ainda a propósito desta especial forma de governo, há que fazer alusão a dois fenómenos com ela habitualmente relacionados: o impeachment e o presidencialismo, enquanto deturpação da forma de governo presidencial.

a) O impeachment O impeachment é um mecanismo jurídico-penal (e não puramente

político), que poderá ser utilizado quando o presidente incorra na prática de certo tipo de crimes.

Têm-se verificado em alguns dos países que adoptaram a forma de

governo presidencial um aproveitamento político (para fins políticos) da figura do impeachment, que é um mecanismo de destituição presidencial.

Descrevendo de forma bastante sumária o modo de funcionamento deste mecanismo de responsabilidade nos EUA, temos que a proposta de destituição é apresentada e votada na Câmara dos Representantes, bastando uma maioria simples. O julgamento de destituição cabe ao Senado, embora, para este efeito, ele seja presidido pelo presidente do Supreme Court (Supremo Tribunal de Justiça). Quando aos fundamentos para a destituição, eles são a traição à Pátria, o suborno e outros crimes graves contra a Constituição. b) O ‘presidencialismo’ latino-americano

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Como foi já referido, as várias formas de governo, quer as puras quer as mistas, apresentam distintos figurinos no âmbito de cada uma delas. Assim sendo, é natural que a forma de governo presidencial adoptada em alguns países da América Latina (v.g., Brasil, Venezuela, Argentina) se afaste da matriz norte-americana.

O problema surge quando esse afastamento consubstancia uma verdadeira deturpação do arranjo de poderes típico desta forma de governo. O que tem sucedido em alguns países da América Latina é que o modelo presidencial é totalmente descaracterizado, em regra por obra do chefe de Estado em funções, que, numa tentativa de concentrar em si o grosso do poder político, vai aos poucos esvaziando os poderes do parlamento e aumentando os do chefe de Estado. Quase sempre esse projecto político é cristalizado no texto constitucional que assim consagra uma forma de governo totalmente disfuncional do ponto de vista da separação de poderes, na medida em que se verifica uma verdadeira atrofia do parlamento e das suas atribuições e uma hipertrofia da figura e dos poderes presidenciais. A disfuncionalidade traduz-se no patente desequilíbrio entre os poderes (não existe um esquema balanceado dos poderes), o qual não permite, por sua vez, o controlo recíproco entre eles (o sistema de checks and balances é neutralizado ou, pelo menos, bastante fragilizado)2.

Atestando este fenómeno de deturpação da forma de governo presidencial, Maurice Duverger opta por lhe atribuir a designação de ‘presidencialismo’ – por oposição a forma de governo presidencial –, fórmula à qual atribui um sentido claramente pejorativo.

2.2.3. Forma de governo mista parlamentar-presidencial

Trata-se de uma forma de governo compósita, em que se combinam características da forma de governo parlamentar e características da forma de governo presidencial. A combinação entre as características provenientes destas duas formas de governo varia de país para país, resultando muitas vezes de processos de metamorfose baseados no circunstancialismo próprio de cada país e destinados a alcançar um equilíbrio dos respectivos sistemas políticos.

Actualmente é utilizada em França, Portugal e Finlândia. A história da forma de governo mista é bastante recente, estando associada à Constituição de Weimar (Constituição alemã de 1919).

Verdadeiramente, com esta constituição apenas pretendeu estabelecer um denominado parlamentarismo racionalizado, ou seja, uma forma de governo parlamentar com um correctivo presidencial. Com efeito, foi preocupação dos constituintes alemães corrigir um sistema parlamentar que dava origem a constantes excessos por parte do poder legislativo. Para isso, optou-se, entre outras coisas, pela instituição de um Presidente da República democraticamente legitimado, o qual funcionaria como uma instância de controlo ou, talvez melhor, uma espécie de poder moderador encarregado de estabelecer e manter o equilíbrio entre o poder legislativo e o poder executivo. Apesar disso, é comum atribuir-se a origem desta forma de governo 2 De assinalar que este fenómeno de deturpação da forma de governo presidencial no sentido de uma concentração excessiva de poderes no chefe de Estado também se tem verificado em alguns países africanos.

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mista à Constituição de Weimar na medida em que foi nela que, pela primeira vez, se positivou um modelo de governação que associava a uma base vincadamente parlamentar, um conjunto de características típicas da forma de governo presidencial, como sejam a existência de um Presidente da República democraticamente eleito e detentor de poderes políticos efectivos.

2.2.3.1. Considerações genéricas À semelhança do que sucede com as formas de governo parlamentar e

presidencial, também em relação à forma de governo mista, e por maioria de razão, dado o seu hibridismo, existem vários figurinos (diferentes concretizações deste modelo de governação).

Assim, em França verifica-se presentemente um pendor mais acentuadamente presidencial da forma de governo. Já em Portugal, é actualmente evidente uma acentuação da componente parlamentar. Curiosamente, nestes dois países verificou-se um percurso inverso em termos de definição da forma de governo. Em França, a Constituição de 1958 (ainda vigente) criou um sistema parlamentar com um correctivo presidencial que haveria de evoluir, sobretudo por obra do General de Gaulle, para uma forma de governo em que se acentuou a componente presidencial (o ponto alto deste processo de mutação foi a instituição da eleição por sufrágio universal directo do chefe de Estado, consequência da resposta esmagadoramente positiva do povo francês numa consulta referendária promovida por de Gaulle em Outubro de 1962), ao ponto de a forma de governo existente em França ser hoje consensualmente apelidada de semipresidencialismo. Ao invés, em Portugal, o texto originário da Constituição de 1976 consagrava uma forma de governo mista parlamentar-presidencial que iria parlamentarizar-se, no sentido de que o órgão Presidente da República viu serem-lhe retirados, por via de sucessivas revisões constitucionais, algumas das atribuições e competências que inicialmente lhe cabiam.

É uma forma de governo que se caracteriza pela existência de três

órgãos constitucionais que exercem poder político activo: o chefe de Estado (que é necessariamente um Presidente da República), o parlamento e o governo.

2.2.3.2. Características típicas da forma de governo mista parlamentar-

presidencial 1) Características provenientes da forma de governo parlamentar:

a) A responsabilidade política do governo perante o parlamento.

b) A existência de um governo enquanto órgão colegial, autónomo e solidário

c) O governo tem uma estrutura piramidal, com um chefe no seu topo (no qual se concentra o grosso do poder governamental). d) A referenda ministerial

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2) Características provenientes da forma de governo presidencial:

a) O chefe de Estado é um Presidente da República que goza de legitimidade democrática (ele é eleito por sufrágio universal). b) O Presidente da República não é uma figura meramente simbólica, gozando, pelo contrário, de alguns poderes políticos efectivos (por exemplo, o poder de veto sobre as leis e o poder de convocar os referendos).

2.2.3.3. Traços de parlamentarismo dualista na forma de governo francesa e portuguesa Para além das características acabadas de assinalar, é possível encontrar tanto no modelo de governação francês como no português traços do parlamentarismo dualista ou orleanista3. São eles os seguintes: a) A dissolução do parlamento por parte do Presidente da República – um resquício do pouvoir de dissolution royale dos monarcas franceses. b) A dupla responsabilidade do governo perante o Presidente da República e o parlamento. 2.2.3.4. O semipresidencialismo francês e a forma de governo mista parlamentar-presidencial portuguesa

Antes de mais, diga-se que é possível encontrar em Portugal autores que designam a nossa forma de governo de semipresidencialista (Jorge Miranda). Esta designação não agrada a Gomes Canotilho e Vital Moreira, os quais assinalam, do ponto de vista puramento semântico, que a expressão semipresidencialismo enfatiza a componente presidencial, e, de um ponto de vista substantivo, que a forma de governo francesa é mais acentuadamente presidencial do que a portuguesa. Duas razões, aliás interligadas, para rejeitar a classificação da forma de governo portuguesa como semipresidencial. Deixando de parte a questão da nomenclatura, cabe agora estabelecer as principais diferenças que intercedem entre as formas de governo francesa e portuguesa, em particular no que respeita especificamente aos poderes dos respectivos chefes de Estado. Basicamente, interessa saber quais os poderes que o Presidente francês possui que não encontram paralelo no nosso modelo de governação, mais acentuadamente parlamentar. 1) O Presidente francês preside habitualmente ao Conselho de Ministros, o 3 O parlamentarismo dualista ou orleanista corresponde a uma fase mais recuada do parlamentarismo, quando ainda era possível observar um certo equilíbrio de poder entre o monarca e o parlamento. Mais tarde, com o constante esvaziamento dos poderes do monarca e o consequente apagamento, em termos políticos, desta figura, deu-se a transição para o parlamentarismo monista.

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Presidente português apenas quando é convidado pelo Governo. 2) O Presidente francês exerce poderes de tipo governamental nos domínios da política externa e da defesa4, o Presidente português não exerce poderes de tipo governamental. 3) Em França, basta a nomeação presidencial do primeiro-ministro e restantes membros do Governo para que este último entre no exercício pleno das suas funções; em Portugal, a nomeação presidencial não é suficiente, só podendo o Governo entrar no exercício pleno das suas funções após a aprovação do seu programa de governo pela Assembleia da República. Até lá, terá que limitar-se “à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos” (art. 186º CRP). 2.2.4. Forma de governo directorial

A forma de governo directorial caracteriza-se genericamente pela

predominância que é dada ao parlamento e pela dependência do governo. A origem histórica desta forma de governo parece poder encontrar-se na forma de governo de assembleia ou convencional. Esta preconizava que o parlamento é o órgão mais importante da estrutura organizatória estadual, cabendo-lhe o desempenho do poder legislativo e, teoricamente também do executivo, mas, dada a sua pesada estrutura, delega num corpo de agentes – o directório – o seu exercício, corpo esse que lhe está subordinado. Esta forma de governo de assembleia ou convencional foi utilizado em França no período da Convenção (1792-95), daí o nome de forma de governo de assembleia ou convencional5.

2.2.4.1. Considerações genéricas Um dos traços característicos desta forma de governo directorial reside

na circunstância de não haver uma distinção clara entre legislativo e executivo, no sentido de que a autonomia do executivo não tem os seus contornos bem delineados. De forma concreta, é ao parlamento que compete nomear os membros do executivo, exonerá-los ou reconduzi-los.

Uma vez que se trata de uma forma de governo que apenas é utilizada

na Suíça, doravante a sua descrição terá como ponto de referência este país. A assembleia legislativa, designada Assembleia Federal, é, nos termos

do preceituado na Constituição suíça, “a autoridade suprema da Confederação” (art. 71º). Trata-se de um parlamento bicameral composto, portanto, por duas câmaras: o Conselho Nacional (câmara baixa composta por 200 membros) e o 4 Verdadeiramente, a forma de governo francesa tem uma geometria variável. Assim, se a maioria que apoia o Governo é da mesma cor da maioria que apoia o Presidente, o que se tem verificado é que o Presidente ‘escolhe’ para exercer as funções de primeiro-ministro uma figura de palha e, na realidade, é ele que governa. Se, pelo contrário, governo e Presidente são extraídos de maiorias de diferente cor, então o Presidente actua no estrito limite das suas competências constitucionalmente fixadas. No entanto, dado que ele preside habitualmente ao Conselho de Ministros e, uma vez que dispõe de algumas competências de tipo governamental, vai originar-se um fenómeno denominado de coabitação. 5 JOSEPH-BARTHÉLEMY/PAUL DUEZ, Traité de Droit Constitutionnel, Paris, 1933, pp. 148 e ss.

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Conselho dos Estados (câmara alta que representa os cantões composta de 46 membros – 2 por cantão e 1 para os meios-cantões).

O órgão que exerce o poder executivo é o Conselho Federal, órgão

colegial formado por 7 membros. Segundo o artigo 95º da Constituição suíça, ele é a “autoridade directorial e executiva superior da Confederação”. A administração federal está-lhe subordinada. Os seus membros são eleitos pela Assembleia Federal por um período de 4 anos (pelo período da legislatura). Nenhum cantão pode ter mais do que um conselheiro federal.

O Conselho Federal “exerce colectivamente as funções de chefe de Estado. Ele dispõe da iniciativa legislativa e de poder regulamentar”.

O Presidente da Confederação Helvética (Chanceler da Confederação)

também não é um órgão autónomo, antes um primus inter pares que é escolhido pela Assembleia Federal no seio do Conselho Federal (é, portanto, um conselheiro federal, mais especificamente, é, em simultâneo, Presidente do Conselho Federal e Chanceler da Confederação). Ele assume o cargo rotativamente pelo período de um ano e, regra geral, de acordo com a antiguidade. Não se pode caracterizá-lo nem como chefe de Estado nem como chefe de governo. A sua função é eminentemente representativa. Cabe-lhe dirigir os debates do Conselho Federal e exercer funções de tipo protocolar e de representação externa (cerimónias, inaugurações, viagens, etc.).

2.2.4.2. Características típicas da forma de governo directorial

1) De início, o Conselho federal, ao qual compete o poder executivo por delegação da Assembleia Federal, funcionava mais como um corpo de meros administradores ou delegados do que propriamente como um colégio de ministros. Actualmente, a submissão do Conselho Federal à Assembleia Federal é mais aparente que real. Esta última não só não funciona de forma contínua como, para além disso, parece não dispor de meios de controlo eficazes para fiscalizar a actuação do Conselho Federal. 2) A Assembleia Federal tem uma importante função electiva, a qual, em regra, é exercida em conjunto pelas duas câmaras. Compete-lhe a ela eleger os conselheiros federais, o Chanceler da confederação, os juízes federais, etc.. 3) Tem também a possibilidade de controlar o Conselho Federal através de comissões de inquérito, da fiscalização e acompanhamento do programa governamental. Não possui, contudo, o supremo poder de responsabilização política, qual seja, o da sua destituição. 4) O Conselho Federal, autoridade directorial, também não tem poder para dissolver a Assembleia Federal (o parlamento). 3. /C. A separação vertical dos poderes: As formas de Estado

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3.1. Conceito e critérios de classificação Forma de Estado significa o modo como um determinado Estado resulta estruturado na sua totalidade, tendo em conta fundamentalmente a maneira como os elementos que o compõem (segundo Jellineck, o povo, o território e o poder ou a soberania). Enquanto que para a definição da forma de governo basta ter em consideração um dos elementos do Estado, o poder político, para a definição de forma de Estado é necessário ter em consideração os três elementos fundamentais do Estado. Existe uma pluralidade de critérios que podem ser utilizados para distinguir várias formas de Estado.

Pode, por exemplo, utilizar-se o critério do modo de investidura do chefe de Estado. Com base nele, pode distinguir-se entre o Estado monárquico e o Estado republicano. Pode, de igual forma, lançar-se mão do critério do tipo de relações que intercede entre governantes e governados. Com base nele, podemos distinguir entre Estado democrático e Estado autoritário, seja este ou não um Estado totalitário. Finalmente, um outro critério que pode ser considerado é o dos níveis de organização territorial existentes num determinado Estado. Agora, a distinção estabelece-se entre o Estado unitário e o Estado federal (mais à frente será discutida a questão de saber se existe ou não, como forma de Estado, um tertium genus, o Estado regional ou autonómico). A questão da forma de Estado está, também ela, relacionada com o princípio da separação dos poderes, não já na sua dimensão horizontal, antes na sua dimensão vertical. 3.2. As formas de Estado de acordo com o critério da organização territorial 3.2.1. Forma de Estado unitária Os Estados unitários são Estados simples, caracterizados pela centralização do poder político nos principais órgãos estaduais. Actualmente, na generalidade dos Estados unitários verifica-se um fenómeno de descentralização territorial, reconhecendo-se, em consonância, a existência de entidades ou colectividades locais (em Portugal, as autarquias locais). Nos Estados unitários existem, pois, actualmente, e regra geral, dois níveis de organização territorial:

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1) o Estado central ou entidade política nacional, que abrange todo o território nacional; 2) as entidades ou colectividades locais, que correspondem a parcelas mais pequenas do território nacional. Apesar da existência de dois níveis de organização territorial, a verdade é que, sendo o Estado unitário um Estado simples, existe um único sistema de organização política que se aplica a todo o território: existe um só parlamento (nacional), um só governo (nacional), uma só organização judicial (nacional), etc.. A autonomia das entidades locais é apenas de cariz administrativa e financeira – e não política. Para elas são, pois, transferidas atribuições de natureza administrativa e financeira que pertenciam ao Estado central. O nome, a organização e o número dessas entidades locais varia de Estado para Estado. Há, no entanto, alguns aspectos em comum a ter em consideração. Elas: 1) dispõem de personalidade jurídica própria; 2) dispõem de competências específicas que exercem de forma autónoma, cabendo, contudo, ao Estado central exercer um poder de tutela sobre essas colectividades; 3) dispõem (ou devem dispor) de legitimidade popular própria; 4) dispõem de meios financeiros próprios destinados à gestão dos seus assuntos internos. Em Portugal existe uma descentralização administrativa territorial. As entidades locais às quais é reconhecida a autonomia administrativa e financeira são as autarquias locais – de acordo com o artigo 236º CRP as autarquias locais são as regiões administrativas, os municípios e as freguesias. Em suma, os Estados unitários são aqueles que, apesar de conhecerem mais do que um nível de organização territorial, em virtude de consagrarem e respeitarem uma autonomia local, conservam uma rigorosa centralização do poder político. Como exemplos de Estados que, nos termos dos respectivos textos constitucionais, são Estados unitários, temos, para além de Portugal, a Espanha, a França, a Holanda, etc.. 3.2.2. Forma de Estado federal Segundo Alexis de Tocqueville (homem político francês do século XIX – 1805-59 – cuja obra mais importante foi Da democracia na América) o federalismo foi uma grande descoberta da ciência política. O federalismo anda associado à história dos Estados Unidos da América, uma vez que foi neste país que surgiu e foi aplicado pela primeira vez este esquema de organização política estadual. Ao contrário dos Estados unitários, os Estados federais são Estados complexos ou compósitos, na medida em que são compostos por outros

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estados. Eles possuem três níveis de organização territorial, sendo que em dois deles se exerce poder político: 1) o Estado central ou entidade política nacional; 2) os entes ou unidades federados6; 3) as entidades ou colectividades locais; O poder político é exercido no âmbito do primeiro e do segundo nível de organização territorial. No que se refere, pois, ao poder político, ele encontra-se distribuído por dois centros de poder: o Estado central e as unidades federadas. 3.2.2.1. São várias as denominações que têm sido utilizadas para designar o Estado central: Estado federal (Alemanha), Federação (Suíça, Rússia), União (Índia, ex-União Soviética), etc.. O Estado central dispõe de uma organização política e de uma ordem jurídica próprias, as quais abrangem todo o território do Estado federal (organização política e ordem jurídica federais ou nacionais). No que respeita à organização política federal/nacional, existem ao nível do Estado central órgãos de poder político próprios: o presidente do Estado federal, o parlamento federal, o executivo federal, tribunais federais, etc.. Há que realçar que o parlamento federal possui, regra geral, duas câmaras legislativas (parlamento bicameral), uma delas representando a população do Estado federal (a câmara baixa) e a outra as unidades federadas (a câmara alta). Nos EUA, o Congresso (parlamento federal) é composto pela Câmara dos Representantes (House of Representatives), que representa o povo norte-americano) e o Senado (Senate), que representa as unidades federadas. A destacar, igualmente, no que toca à composição da câmara alta, representativa das unidades federadas, que se aplica o princípio da igualdade de representação, nos termos do qual, cada unidade federada contribui com o mesmo número de representantes para esta câmara legislativa, independentemente da sua população e da extensão do respectivo território (nos EUA, o Senado é composto por 100 membros, dois por cada um dos 50 estados federados). A ideia da igualdade de representação das várias unidades federadas funciona como uma garantia da manutenção da forma de Estado federal. No que se refere à ordem jurídica federal/nacional, ela é encabeçada por uma constituição – a Constituição federal (nos EUA, a Constituição federal de 1797) – aplicável a todo o território do Estado federal. Ela vincula todas as entidades do Estado central, todas as unidades federadas e, do mesmo modo, todas as pessoas que vivem no território do Estado federal. 6 Vital Moreira prefere a expressão ‘unidades federadas’ à de ‘estados federados’, tendo em consideração que estas entidades federadas/unidades políticas territoriais não são possuidoras de soberania (pelo menos, no sentido clássico do termo, v.g., não cunham moeda, não têm exército próprio, não possuem personalidade jurídica internacional), um dos elementos fundamentais que caracterizam um Estado. Por esta razão, e também por uma questão metodológica, também optamos por esta designação. Ver VITAL MOREIRA, ….

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A importância da Constituição federal manifesta-se em dois aspectos essenciais.

a) É no seu texto que está consagrada a opção pelo federalismo (é nela que está contido o denominado pacto federal).

b) É no seu texto que se estabelece a divisão de competências entre o Estado central e as unidades federadas. Tradicionalmente, aplica-se no âmbito dessas relações o princípio da especialidade das atribuições federais, segundo o qual todas as competências que não tenham sido especificamente atribuídas pela constituição federal ao Estado central poderão ser exercidas pelas unidades federadas. Este é o princípio consagrado na Constituição federal norte-americana (o art. 1º, secção 8, enumera as matérias da competência do Estado central, enquanto a Emenda X determina que ”os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem por ela negados aos Estados, são reservados aos Estados ou ao povo”)7. A repartição de competências entre o Estado central e os entes federados pode, porém, obedecer a outros princípios. Desde logo, o princípio inverso, segundo o qual a competência do Estado central é meramente residual. Outra possibilidade é a de uma divisão estrita e equilibrada de poderes entre o Estado central e os entes federados.

As competências do Estado central dependem de Estado federal para

Estado federal, mas há um núcleo duro de matérias que habitualmente lhe é atribuído: as relações externas (as unidades federadas não possuem personalidade jurídica internacional), a defesa e as relações entre as unidades federadas. Estas competências são exercidas pelas autoridades federais de forma exclusiva.

3.2.2.2. As unidades federadas são, também elas, conhecidas por distintas designações: estados federados (EUA e Brasil), territórios (Alemanha e Áustria), cantões (Suíça).

As unidades federadas podem ser no mínimo duas (v.g., antiga

Checoeslováquia e antiga Sérvia-Montenegro), não havendo nenhum máximo pré-estabelecido (nos EUA são 50, na Alemanha são 16, no Brasil são 26 mais o Distrito Federal).

As unidades federadas dispõem, cada uma delas, de uma organização

política e de uma ordem jurídica próprias, que abrangem apenas as respectivas parcelas de território (organização política e ordem jurídica estaduais).

Quanto à organização política estadual, cada uma das unidades

federadas dispõe de órgãos de governo próprio (um parlamento estadual e um governo estadual), de tribunais próprios, de uma administração pública, etc..

7 Este princípio da especialidade das atribuições federais tem vindo a ser alvo de diferentes leituras em alguns Estados federais. Nos EUA, por exemplo, o processo evolutivo por que tem passado o conceito de federalismo – do federalismo dualista para o federalismo cooperativo e, finalmente, para o federalismo competitivo – tem deixado as suas marcas neste princípio.

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Quanto à ordem jurídica estadual, cada unidade federada dispõe de uma constituição, a constituição estadual. As constituições das unidades federadas têm de respeitar a constituição federal.

A legislação estadual, produzida nas unidades federadas, tem que respeitar não só a respectiva constituição como também a constituição federal e a própria legislação federal.

Há, pois, uma acumulação de duas ordens jurídicas – princípio da sobreposição – a ordem jurídica federal/nacional e as ordens jurídicas estaduais –, com a primazia do direito federal e com a sua aplicabilidade directa.

As unidades federadas intervêm na vida do Estado central: 1) participam no processo de revisão da constituição federal (por

exemplo, nos EUA, as emendas à Constituição federal têm de ser ratificadas pelos parlamentos das unidades federadas);

2) participam, através da câmara legislativa federal, na qual estão

representadas, na criação da legislação federal e ainda em outras competências de que esta dispõe;

3) em certos casos, como por exemplo na Alemanha, participam

igualmente na escolha do presidente da República. 3.2.2.3. As federações podem ser perfeitas ou imperfeitas. As federações perfeitas são aquelas que nasceram do livre acordo entre Estados independentes, que decidiram associar-se criando um Estado federal (é o caso da Alemanha, dos EUA, da Suíça, da Índia). Fala-se, nestes casos, de um federalismo por associação8. Subjacente a este modo de formação de um Estado federal está a lógica da união (“a união faz a força”). Como contrapartida desta mais valia, os Estados que vão formar o novo Estado federal “delegam uma parte das suas competências e da sua soberania a uma super-estrutura, o estado federal”. As federações imperfeitas são aquelas que, ao invés, são criadas a partir de um Estado unitário que, a certa altura, através de um processo de descentralização política profundo – motivado, por exemplo, por pressões autonómicas de minorias étnicas ou linguísticas – se transforma num Estado federal (Bélgica e Brasil). Fala-se, nestes casos, de federalismo por dissociação9. 3.2.2.4. Alguns dos actuais Estados federais (federações perfeitas) começaram por ser confederações. É o caso dos EUA (confederação de 1781-8910), a Suíça (confederação de 1291-1848; curiosamente, guarda a antiga

8 J.J. Gomes Canotilho, Sumários . 9 Ibidem. 10 A Constituição federal norte-americana foi aprovada pela Convenção de Filadélfia em 1787, mas foi depois sujeita a ratificação em convenções estaduais, só passando a vigorar (em substituição dos Articles of Confederation) em 1789. Já depois da sua entrada em vigor, ainda seria ratificada pelo Estado da Carolina do Norte (1789) e de Rhode Island (1790).

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designação, Confederação helvética) e a Alemanha (confederação de 1815-71). A confederação não é uma forma de Estado, mas uma associação internacional de Estados independentes, de cariz político-jurídico. Esta associação não prejudica a soberania dos Estados aderentes, que permanece intacta. Eles apenas passam a gerir em comum alguns assuntos e interesses, em geral relacionados com o comércio, a defesa e a segurança comum (contra um agressor exterior) e com a coexistência pacífica entre eles. A criação de uma confederação, enquanto associação internacional de Estados, assenta num tratado internacional (o denominado pacto confederal), ao invés do que sucede com os Estados federais, cuja opção por esta particular forma de Estado fica cristalizada na respectiva constituição. As confederações dispõem de órgãos destinados a conduzir os assuntos e interesses que os Estados que as compõem entenderam merecer uma gestão comum. O número, o tipo e a designação desses órgãos é variável e depende do que tenha sido decidido pelos órgãos confederados. Há, contudo, um órgão típico das confederações, a Dieta confederal. Trata-se de um órgão colegial, de tipo assembleia onde, regra geral, são tomadas as decisões mais importantes. O facto de os Estados conferados manterem perfeitamente intacta a sua soberania reflecte-se na composição e no modo de funcionamento da Dieta confederal. Assim, por exemplo, todos os Estados estão representados de forma paritária (têm todos o mesmo número de representantes); para além disso, as decisões são tomadas por unanimidade, exigindo, portanto, o consenso de todos. A discordância de um só Estado inviabiliza a tomada das decisões (no fundo, cada um dos Estados que forma a confederação dispõe de um veto implícito). Não existem hoje muitos exemplos de confederações. A título de exemplo, refira-se a CEI (Confederação de Estados Independentes), criada em 1991, na sequência do desmoronamento da União Soviética, por 11 das suas antigas Repúblicas. No passado, a utilização deste tipo de associação foi mais frequente, sendo certo que, por vezes, não é fácil estabelecer com toda a certeza se se tratava de uma confederação ou de uma união de Estados11. Resta dizer que a história tem mostrado que as confederações tendem a ser bastante instáveis, ora dissolvendo-se ao fim de um curto período de tempo (v.g, a União das Repúblicas Árabes, que reuniu a Síria e o Egipto entre 1952 e 1961), ora evoluindo para a forma de Estado federal (como se viu, os casos dos EUA, da Alemanha e da Suíça) 3.2.3. Forma de Estado regional ou autonómica Hoje em dia é frequente ouvir falar-se numa terceira forma de Estado, o Estado regional ou autonómico. Será esta uma forma de Estado intermédia 11 A União de Estados pode ser pessoal ou real. Sobre a distinção entre ambas ver J.J. Gomes Canotilho, Sumários .

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entre a forma de Estado unitário e a forma de Estado federal, caracterizada pela existência de três níveis de organização territorial (Estado central, entidades regionais e entidades ou colectividades locais), em dois deles se exercendo poder político (nos dois primeiros) – à semelhança do que sucede nos Estados federais. No entanto, entre outras coisas, as regiões autónomas não dispõem de autonomia constituinte (não possuem o poder de se dotar de uma constituição própria) – aqui se afastando dos Estados federais e aproximando-se dos Estados unitários. Na realidade, os Estados que à partida caberiam nesta categoria (v.g., Espanha, Itália, Portugal, Dinamarca) continuam a manter a designação de Estados unitários nos respectivos textos constitucionais. No entanto, eles reconhecem às regiões um verdadeiro direito à autonomia. É, deste modo, a única constituição existente e vigente nesses Estados que reconhece e regulamenta esta autonomia especial das regiões.

Abstraindo de tomar posição sobre se se trata ou não de uma nova forma de Estado, poder-se-á dizer que os Estados regionais são Estados unitários onde se verificou um processo de descentralização profunda, descentralização essa que não se restringiu aos domínios administrativo financeiro mas, para além disso, avançou no sentido de uma verdadeira descentralização política, reconhecendo autonomia política às regiões; estas dispõem de órgãos de governo próprio: um parlamento dotado de autêntico poder legislativo e de um governo dotado de poder executivo. A figura do Estado regional ou autonómico é relativamente recente. A sua origem está ligada à IIª República espanhola (1931-39), tendo a constituição espanhola de 1931 reconhecido um estatuto de autonomia às suas três comunidades históricas, mais concretamente à Catalunha, à Galiza e ao País Basco. Hoje em dia, são vários os exemplos de Estados que admitem a existência de regiões dotadas de autonomia política. Não há, porém, consenso entre os autores quanto à afirmação desta figura como uma nova forma de Estado, um tertium genus, ou, pelo contrário, se afinal estamos perante um Estado unitário, dotado de regiões com autonomia política12. A autonomia regional pode estender-se a todo o território (Espanha e Itália) ou apenas a partes do território (Portugal e Dinamarca). Podem ser previstos estatutos especiais para algumas regiões, fundados em razões históricas, étnicas, linguísticas ou outras. É o que sucede em Espanha (as três anteriormente referidas e a Andaluzia) e em Itália (com as cinco regiões com estatuto especial). Em termos de níveis de organização territorial, existem três níveis: 1) o Estado central; 2) as entidades regionais; 3) as entidades ou colectividades locais.

12 Gomes Canotilho distingue entre Estado unitário descentralizado com regiões autónomas e Estado regional embora não avance com o(s) critério(s) de distinção entre ambos. J.J. Gomes Canotilho, Tópicos de Direito Constitucional (policopiados), Coimbra, 2004, pp. 68 e 71).

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As entidades regionais conhecem várias designações, por exemplo, Regiões (Itália), Regiões Autónomas (Portugal) e Comunidades Autonómicas (Espanha). As entidades regionais possuem, pois, verdadeira autonomia política, estando dotadas de órgãos de governo próprio. O regime da autonomia (isto é, a caracterização do sistema político das regiões, as suas competências específicas, as relações com o estado central) é regulado na constituição nacional e ainda nos estatutos de autonomia das respectivas regiões. O grau de autonomia de que gozam as entidades regionais varia, pois, de Estado para Estado, dependendo da opção do legislador constituinte (ou do legislador de revisão). Em todos os Estados mencionados tem-se verificado um fenómeno de aprofundamento progressivo da autonomia política das entidades regionais. Um dos aspectos que tem sido objecto de uma maior evolução tem sido o da amplitude do poder legislativo e, em parte ligado a ele, o do valor da legislação regional no confronto com a legislação nacional. Em Itália, por exemplo, o princípio da hierarquia tem vindo a ceder o passo ao princípio da competência, existindo duas ordens paralelas, a nacional e a regional, com as normas regionais a terem que respeitar apenas a constituição. Como se viu, apesar de neste tipo de Estado com autonomia regional haver três níveis de organização territorial, tal como nos estados federais, a verdade é que há algumas diferenças a assinalar entre ambas as formas de Estado. São as seguintes as principais diferenças que intercedem entre o Estado federal e o Estado com autonomia regional: 1) as unidades federadas dispõem de autonomia constitucional (possuem uma constituição própria), o mesmo não sucede com as regiões autónomas; 2) as unidades federadas podem participar na definição das suas competências, quer no momento da criação da constituição federal quer quando esta é submetida a alterações posteriores; as regiões autónomas não intervêm no momento fundador da ordem constitucional; 3) o Estado central não pode, em regra, interferir na esfera própria das entidades federadas, enquanto que no caso dos Estados com autonomia regional o Estado central pode fazê-lo, embora com moderação (em Espanha, Itália e Portugal tem cabido aos respectivos tribunais constitucionais controlar a autonomia regional).