Formosa tem recorde demortes sem atendimento

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SEGUNDA-FEIRA - Brasília, 29 de Junho de 2009 WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE ANO 39, EDIÇÃO Nº338 Jonatas, um imigrante da bola O jogador de futebol é um dos brasileiros dispostos a bancar despesas para realizar o sonho de atuar no exterior Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília Formosa tem recorde de mortes sem atendimento Em cada grupo de 100 mil habitantes, há 306 óbitos sem assistência na cidade. Índice é 100 vezes maior que o de Brasília. Ao lado, Beatriz Alves mostra a foto e o túmulo do primo, Júlio Cezar, que morreu sem conseguir ser atendido, depois de passar por três hospitais 07 COMPORTAMENTO Pesquisa realizada na Universidade busca provas científicas dos benefícios proporcionados pela meditação CULTURA 08 Internet faz ressurgir o teatro de improviso e dá popularidade a grupos como o brasiliense Anônimos da Silva (foto) 06 FOTO: FERNANDA NEVES FOTO: ANA CLÁDIA FELIZOLA FOTO: MARIA SCODELER Pequenos doadores investem em arte Milhares de brasilienses ajudam projetos culturais com estímulos da Lei Rouanet. Em 2008, 3.567 pessoas doaram, em média, entre R$200 e R$300 anuais no DF. Ana Estrela (foto) foi a vice-campeã em doações CULTURA Impasse na desocupação de vagas em quartos da CEU Associação dos moradores e decanato divergem sobre o número de irregularidades na casa do estudante. Polêmica envolve ordens de despejo e ocupação de uma sala da reitoria 03 Alteração no comportamento social dos escorpiões amarelos pode modificar padrão evolutivo da espécie POR AQUI Novos campi movimentam comércio em satélites Com a chegada da UnB a Ceilândia, Planaltina e ao Gama, pequenos comerciantes lucram com bares e restaurantes. Alguns improvisam estabelecimentos na própria residência 04 06 FOTO: FABIANO BOMFIM 05 FOTO: LEONARDO MUNIZ CIÊNCIA E TECNOLOGIA FOTO: MARIA SCODELER 03

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Em cada grupo de 100 mil habitantes, há 306 óbitos sem assistência na cidade. Índice é 100 vezes maior que o de Brasília. Ao lado, Beatriz Alves mostra a foto e o túmulo do primo, Júlio Cezar, que morreu sem conseguir ser atendido, depois de passar por três hospitais

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SEGUNDA-FEIRA - Brasília, 29 de Junho de 2009 WWW.FAC.UNB.BR/CAMPUSONLINE ANO 39, EDIÇÃO Nº338

Jonatas, um imigrante da bola

O jogador de futebol é um dos brasileiros dispostos a bancar despesas para realizar o sonho de atuar no exterior

Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília

Formosa tem recorde demortes sem atendimentoEm cada grupo de 100 mil habitantes, há 306 óbitos sem assistência na cidade. Índice é 100 vezes maior que o de Brasília.Ao lado, Beatriz Alves mostra a foto e o túmulo do primo, Júlio Cezar, que morreu sem conseguir ser atendido, depois de passar por três hospitais

07

COMPORTAMENTO

Pesquisa realizada na Universidade busca provas científicas dos benefícios proporcionados pela meditação

CULTURA

08

Internet faz ressurgir o teatro de improviso e dá popularidade a grupos como o brasiliense Anônimos da Silva (foto)

06

FOTO: FERNANDA NEVESFOTO: ANA CLÁDIA FELIZOLA

FOTO: MARIA SCODELER

Pequenos doadores investem em arte

Milhares de brasilienses ajudam projetos culturais com estímulos da Lei Rouanet. Em 2008, 3.567 pessoas doaram, em média, entre R$200 e R$300 anuais no DF. Ana Estrela (foto) foi a vice-campeã em doações

CULTURA

Impasse na desocupação de vagas em quartos da CEU

Associação dos moradores e decanato divergem sobre o número de irregularidades na casa do estudante. Polêmica envolve ordens de despejo e ocupação de uma sala da reitoria

03

Alteração no comportamento social dos escorpiões amarelos pode modificar padrão evolutivo da espécie

POR AQUI

Novos campi movimentam comércio em satélites

Com a chegada da UnB a Ceilândia, Planaltina e ao Gama, pequenos comerciantes lucram com bares e restaurantes. Alguns improvisam estabelecimentos na própria residência

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FOTO: FABIANO BOMFIM

05

FOTO: LEONARDO MUNIZ

CIÊNCIA E TECNOLOGIA

FOTO: MARIA SCODELER

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2 Opinião ))

EXPEDIENTEEditora-Chefe: Sacha BrasilSecretária de redação: Taíssa DiasDiretora de arte: Juliana NogueiraEditores: Taíssa Dias (Opinião), Filipe Kafino (Por Aqui), Juliana Leão (Cultura), Camilla Machuy (Especial e Ciência & Tecnologia), Pedro Duprat (Esporte e Saúde), Tchérena Guimarães (Comportamento) e Lucas Doca (Fotografia)Repórteres: Amanda Gonzaga, Ana Beatriz Lemos, Ana Cláudia Felizola, Ana Paula Paiva, Anna Carolina Vilela, Bruno Silva, Camila Guedes, Fabiano Bomfim, Fernanda Neves, Gláucia Chaves, Izabella Miranda, Leonardo Muniz, Luciana Albuquerque, Marina Bosio e Naira GomesFotógrafos: Ana Cláudia Felizola, Fabiano Bomfim e Maria ScodelerDiagramadoras: Marciele Santos, Mayara Reis e Naiara LeãoProjeto gráfico: Filipe Kafino, Leonardo Muniz, Lucas Doca e Naiara Leão Professor responsável: Solano NascimentoProfessor de fotografia: Lourenço CardosoJornalista: José Luiz SilvaMonitoras: Janine Moraes e Marina de SáSuporte técnico: Pedro França e Mário FilhoTIRAGEM: 4000 EXEMPLARES – GRÁFICA GUIAPACK

Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília

Campus Darcy Ribeiro, Faculdade de Comunicação, ICC-Ala Norte.Contato: (61) 3307-1925 Ramal 207/241 – [email protected] - Caixa Postal: 04660 CEP: 70910-900

ConjunturaRomário Schettino, presidente do Sindi-cato dos Jornalistas Profissionais do [email protected]

O fim do diploma e o jornalismo

Chave de ouroEDITORIAL

Carta do leitor

Parabéns aos colegas do Campus pelo grande furo (matéria Carros do STF usam vaga especial) na edição nº 335. Além do prestígio em ter sido citada pela coluna Panorama Político do jornal O Globo, essa edição encheu de orgulho os alunos de se-

mestres anteriores. Continuem com o bom

trabalho. Na maioria das vezes, a notícia não está tão escancarada, tão a céu aberto como no caso dos carros do Gilmar Mendes. Mas, vas-culhando um pouquinho, o que não faltam na UnB são grandes manchetes com po-tencial para fazer os grandes jornais nacionais salivarem.

LUCIANA YONEKAWAEx-aluna do Campus do 2/2005

OMBUDSKIVINNA

O Campus edição n° 337 conseguiu olhar para o ou-

tro lado. O jornal mostrou o po-tencial investigativo da equipe. As denúncias da fraude no vale-refeição, do descuido com a saúde mental e do alto preço dos ali-mentos exploram ângulos pouco evidenciados em outros veículos.

Poderia haver nessas matérias, no entanto, mais exploração das fon-tes governamentais. Faltou cutu-car um pouco mais os responsá-veis estatais por essas situações.

A matéria sobre eventos gra-tuitos em Brasília parece uma pílula de otimismo. Entre outras coisas, faltou falar da questão do transporte público. A pouca dis-ponibilidade de ônibus à noite, especialmente para as cidades

satélites, não é um ponto impor-tante a ser discutido?

A editoria de comportamento, desta vez, encontrou um caminho. A matéria Alívio virtual aborda um tema comportamental novo e com embasamento. Porém, como no resto do jornal, a foto é a mais óbvia possível. O jornal cria imagens com textos e também com fotos. A equipe do Campus parece que está esquecendo isso e, com raras exceções, opta pelos bonecos (foto enquadrando per-sonagem acima do joelho) ou por fotos gerais que pouco acrescen-

tam ao leitor.Apesar do amadurecimento do

jornal, há uma carência em olhar para a UnB além da produção científica ligada à saúde, à biologia e às engenharias. A Universidade tem pesquisas e projetos de exten-são em outras áreas. Além disso, os problemas que acontecem na UnB estão sendo deixados de lado. O jornal não publicou, por exemplo, nada sobre a questão do Restaurante Universitário.

Entre lunetas e microscópios

Ana Rita Cunha, estudante do 7° semestre de Jornalismo

* Ombudskvinna, feminino de ombuds-man. Na imprensa, é a pessoa que anali-sa o jornal do ponto de vista do leitor

É falsa a afirmação de que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) não muda nada na profissão do jornalista.

Assim como é falso que a decisão foi baseada na defesa da li-berdade de expressão, como se essa estivesse ameaçada pelos jornalistas diplomados.

Os cursos de jornalismo podem e devem até continuar exis-tindo, mas é inegável que, se para ser jornalista hoje o diploma específico é desnecessário, melhor será investir tempo e dinhei-ro em algum outro curso superior e ingressar em uma redação amiga para “aprender” a ser jornalista. Como se jornalismo fos-se apenas a emissão de opiniões e não a apuração dos fatos com técnica e ética profissional.

É verdade que qualquer pessoa com nível universitário terá mais chances nesse novo mercado de trabalho, mas isso não quer dizer que o jornalismo brasileiro será melhor, ou mais livre. Quem decide que expressão será divulgada não é o jornalista, mas o dono do negócio, ou seja, o empresário da comunicação.

Fim dos alojamentos provisóriosNa edição nº 03, de maio de 1971, o Campus noticiou a construção dos prédios da Casa do Estudante Universitário (CEU) para o aloja-mento de 552 estudantes em 92 apartamentos. Os alojamentos seriam “equipados com os móveis necessários à comodidade mínima de seus moradores: cama-colchão, guarda-roupa, estante, cadeiras, e mesa”. A construção representou o fim dos alojamentos provisórios localizados em várias partes da UnB, que abrigavam cerca de 385 alunos.

EDIÇÃO 45 – JORNAL CAMPUS

HÁ QUASE 40 ANOS

Leia o Campus Online www.fac.unb.br/campusonline!

ILUSTRAÇÃO: ANÍGER DE OLIVEIRA

P ara uns, finalmente. Para outros, infelizmente. Chegamos à última edi-

ção deste semestre do Campus. Quem vê o jornal pronto, não tem ideia do trabalho que dá. Desde a escolha das editorias, com sofrimento para definir quem será o editor-chefe, os repórteres, os fotógrafos, dia-gramadores, secretário de reda-ção, até o fechamento do jornal, período de loucura. Procura-mos unir um grupo desunido e transformar um pedaço de papel em vários pontos de vista, que relatem ao máximo o que acontece ao nosso redor. Entre erros e acertos, tentamos abran-ger um público fora dos não existentes muros da UnB. Além de noticiarmos matérias que tinham relação com a Universi-dade, também lembramos que é importante a preocupação com outras coisas, como os números alarmantes de morte de indíge-

nas por desnutrição, a fiscaliza-ção do direito das minorias, o aniversário de 30 anos da Lei da Anistia, as irregularidades nos vales-refeição e o preocupante número de mortes sem assistên-cia em Formosa. Reportagens como As tribos da fome, Carros do STF usam vaga especial, ‘1Olhos vendados para o passado, Com-pras fictícias de alimentos e Líder em morte sem assistência mos-traram que o jornal tentou não optar pelo óbvio. Procuramos, com isso, fiscalizar e questionar o poder, dever intrínseco da pro-fissão. Fomos longe e ganhamos citações em blogs e nos jornais O Globo e Hoje em Dia. Para as próximas equipes do Campus, desejamos que nunca esqueçam que o jornal-laboratório é um aprendizado, em que podemos acertar e errar, mas devemos cui-dar para que as notícias sejam divulgadas com qualidade, com verdade e com vontade.

Participe também do Campus, escreva a sua cartaEnvie críticas e sugestões para [email protected]!

ILUSTRAÇÃO: RAFAEL BEMJAMIM E LUCAS DOCA

Outro aspecto da vida profissional do jornalista diz respeito às relações de trabalho e sindicais. O Brasil tem leis que regu-lamentam essas relações e o sindicato faz parte desse sistema, com prerrogativas legais importantíssimas.

Essas relações ficaram descobertas para os jornalistas na me-dida em que, atualmente, só são filiados ao sindicato os porta-dores de registros profissionais obtidos mediante apresentação do diploma de jornalismo, à exceção dos casos previstos na lei para repórteres fotográfico e cinematográfico, diagramador e ilustrador, que são examinados por uma comissão específica eleita em assembléia da categoria para atuar de comum acordo com as Superintendências Regionais do Trabalho (SRTs).

Se o Ministério do Trabalho e Emprego, que emite os registros pro-fissionais dos jornalistas, não disser que não só vai continuar emitindo registros como vai estabelecer novos critérios para isso, teremos que pen-sar em alternativas para a continuidade do sindicato.

Devemos discutir com o sindicato patronal, por exemplo, a abran-gência da nossa Convenção Coletiva àqueles que tiverem sido contra-tados tendo como base o reconhecimento do sindicato da sua condição de profissional. Afinal, o sindicato é dos Jornalistas Profissionais do Dis-trito Federal e isso ainda não mudou.

A reportagem Luz que cura sem deixar marcas, da edição 336 do Campus, informou que a Terapia Fotodinâmica cura de 80% a 100% dos tumores cutâneos. O correto é que essa terapia cura de 80% a 100% da ceratose actínia, que são células que podem se transformar em câncer em um prazo de 10 a 20 anos.

ERRAMOS

FOTO: DIVULGAÇÃO

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to foi feito pelo Campus cruzando dados do portal Datasus, do Ministério da Saúde, com números do Ins-tituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE). Em Goiânia houve quatro mor-tes a cada 100 mil residentes. O índice de Formosa supera outras cidades na faixa de até 100 quilômetros de dis-tância do Plano Piloto. Os óbitos ocorreram entre 2000 e 2006, os últimos anos atu-alizados pelo Datasus.

Formosa tem 25 unida-des do Programa Saúde da Família e nove centros de atendimento, que abrangem vários segmentos não emer-genciais. O único pronto-socorro conveniado ao Sis-tema Único de Saúde (SUS) em que Júlio Cezar poderia ser atendido era o do Hos-pital Municipal de Formosa. Levado pela família à insti-tuição, ele foi entubado com um dos dois galões de oxi-gênio do local. Dali, foi en-caminhado para Planaltina, a cerca de 40 quilômetros

Líder em mortes sem assistência

Os pulmões de Júlio Cezar, 39, foram se deteriorando com

o tempo por causa de uma fibrose que ocasionou a pau-latina e irreversível falta de capacidade dos órgãos. Ele precisava de atendimento médico frequente, mas che-gou o dia em que um posto de saúde não mais bastou. Em janeiro deste ano, Júlio Cezar teve um ataque súbito de falta de ar e precisou ser atendido com urgência no Hospital Municipal de For-mosa. A cidade é a recordista regional em mortes por falta de assistência médica.

Num período de sete anos, a cada 100 mil habitantes do Distrito Federal, apenas três morreram por falta de assis-tência médica. Em Formo-sa, distante 90 quilômetros do Plano Piloto, no mesmo período, morreram 306 sem atendimento a cada 100 mil moradores. O levantamen-

dinado ao governo de Goiás. Segundo Ana Cristina, por conta dos inúmeros proble-mas, é preciso mais coope-ração entre as regiões admi-nistrativas do DF e Formosa para que se consiga alguma melhoria efetiva no atendi-mento à população.

“Se Brasília quiser, se So-bradinho e Planaltina quise-rem colocar um freio nisso, (a solução) é o governo do DF investir aqui”, afirma o recém-chegado secretário de Saúde de Formosa, Abimael da Silva Rocha, apesar de re-conhecer a falta de apoio do estado de Goiás. “Esta cida-de é a trincheira do Distri-to Federal.” Ele explica que o Hospital de Formosa tem de atender outros 16 municí-pios e, por isso, não consegue suportar a demanda. Segun-do ele, para o hospital aten-der os casos de emergência, precisaria haver um espaço adequado e a contratação de cirurgiões e anestesistas para ficarem 24 horas de plantão.

“A cidade está sufocada. A população triplicou de tama-nho e o hospital continua o mesmo”, concorda a diretora da instituição, Paula Gui-marães, que assumiu o car-go em fevereiro deste ano e prevê a inauguração das no-vas dependências para este mês. “O que está faltando é a aparelhagem, eu não estou precisando de casca de ovo”, comenta.

A diretora explica que para atender casos graves é preciso estabilizar o paciente antes de ele ser levado para Brasília. Enquanto ele está lá, a administração do hospital é responsável pela busca de uma vaga em hospitais próxi-mos pela ordem de distância:

de Formosa, e, em seguida, ao Hospital Regional da Asa Norte (HRAN).

Cerca de 700 pessoas passam, por dia, pelo Hos-pital de Formosa. O local tem dois centros cirúrgicos, que funcionam apenas para pequenas intervenções com hora marcada. A falta de equipamentos e a insuficiên-cia de equipes médicas mar-cam o lento atendimento do pronto-socorro improvisado por conta de uma reforma que se iniciou há três meses. Faltam lençois e medica-mentos. Em dias de semana, dezenas de pessoas esperam atendimento do lado de fora da emergência. O hospital não tem Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Jogo de empurra“O estado tem que passar

uma contrapartida para os municípios, coisa que não está passando”, explica Ana Cristina Americano, geren-te da Regional de Saúde do Entorno Norte, órgão subor-

Formosa, município goiano distante 90 km do Plano Piloto, tem índice de óbitos 100 vezes maior que o registrado no Distrito Federal

ANA PAULA PAIvA

Planaltina, Sobradinho e o HRAN. “Por vezes, o hospi-tal entra em contato com os hospitais em Brasília e con-segue a vaga, mas chegando lá, a porta é fechada”, diz a gerente Ana Cristina. No caso de Júlio Cezar, a técnica de enfermagem Eliane Re-gis, que ficou responsável por acompanhar o paciente até Brasília, preferiu não esperar a vaga devido à gravidade do caso. Não sendo possível es-tabilizar o doente, ela ficou telefonando da ambulância, entre Formosa e Brasília, para confirmar a existência do leito no HRAN.

No caminho, o oxigênio para o paciente acabou, e Eliane – que por pouco não perdera um filho também por falta de atendimento em Formosa - intensificou os pedidos para encontrar uma vaga no HRAN. Não con-seguiu. Decidiu, então, pedir uma alternativa para onde le-var Júlio Cezar. Veio a suges-

tão: siga para o Hospital Uni-versitário de Brasília (HUB), que na época estava em refor-mas e não tinha atendimento no pronto-socorro. Ao chegar ao hospital desesperado, sem oxigênio, com as mãos e os pés roxos, Júlio Cezar saiu corren-do de dentro da ambulância para o meio da rua. Vendo a cena, a equipe da Pediatria que estava de plantão tentou ajudá-lo, mas não tinha mais nada a fazer. O paciente fale-cera. “A gente ficou sem en-tender, mas tem que aceitar”, desabafa Beatriz Alves, prima de Júlio Cezar.

A Secretaria de Saúde do DF informou, por e-mail, que “a as-sistência médica do município de Formosa é de responsabili-dade das secretarias de Saúde do local e do estado de Goiás”. A Secretaria de Saúde de Goiás alegou por meio de sua assesso-ria que o alto número de óbitos por falta de amparo médico em Formosa pode ser fruto de erro no registro de mortes.

PACIENTES DO HOSPITAL MUNICIPAL DE FORMOSA SÃO ATENDIDOS EM PRONTO-SOCORRO IMPROVISADO

FOTO: GRACILIANO SILVEIRA

3Especial((

CEU: direito de entrar X medo de sair

Cabelos grisalhos, olhar vago, calças rasga-das, tênis velho, pare-

des descascadas. Assim vive Mukum Celestine Mbah, de 42 anos. Mestrando da Uni-

versidade de Brasília (UnB), o africano nascido em Cama-rões mora na Casa do Estu-dante Universitário (CEU) desde 2002, quando iniciou a graduação em Química. Em 2007, concluiu o curso e pas-sou em 1º lugar para o mes-

LUCIANA ALBUQUERQUE

POR AQUI

trado. Fato que para a maio-ria representa comemoração, para Mukum era motivo de preocupação. Nesse momen-to, ele perdia a permissão para morar na CEU e se tornava um ocupante irregular.

Desde então, Mukum ten-ta uma vaga para moradia no bloco K da Colina, que é re-servado a estudantes de pós-graduação, mas após dois anos ainda não foi contemplado. Em abril deste ano, o afri-cano recebeu uma ordem de despejo com reintegração de posse à UnB. Ou seja, ele de-veria desocupar o quarto 217 do bloco A da CEU. Sem ter aonde ir e recebendo, como única fonte de renda, comis-são por ser fiscal de provas do Cespe, ele continua ocupando o espaço. “Se eu sair daqui, vou ter que largar tudo. Onde

vou começar tudo de novo? Dá medo pensar nisso”, teme.

Estudantes que ocupam o Salão de Atos da Reitoria desde 8 de junho defendem a necessidade de diálogo entre a CEU e o Decanato de As-suntos Comunitários (DAC), responsável pela moradia gra-tuita de universitários caren-tes. A ocupação é encabeçada pela Associação dos Mora-dores da Casa do Estudante Universitário (Amceu).

“O DAC está ‘judicializan-do’ as relações entre a UnB e os moradores. Queremos participar das discussões e acompanhar alguns casos em que a gente sinaliza que está havendo injustiça”, sugere Thiago Rodrigo de Oliveira, dirigente da Amceu. “Nós so-mos contrários à maioria dos casos de irregularidade, mas

entendemos que existe uma minoria que precisa ser exa-minada com mais calma.”

Segundo a decana de As-suntos Comunitários, Rachel Nunes, existem hoje 74 alunos irregulares na CEU. “O direi-to dos 39 que estão na lista de espera e têm a moradia gratuita como condição necessária para sua manutenção na Universida-de não está sendo respeitado”, defende. Ela afirma que não pode entregar os processos nas mãos da Amceu. “Não é um tratamento de massa. Nosso tratamento é individualizado, ético e democrático”, garante.

“Como tiram da Casa uma pessoa que não tem aonde ir, que por duas vezes não conse-guiu vaga na Colina, no contex-to em que há vagas na CEU? Isso precisa ser revisto”, aponta Thiago Oliveira. Apesar de a

decana alertar para a superlo-tação da Casa, o representante da Amceu afirma que, das 368 vagas – quatro em cada um dos 92 quartos -, aproximadamen-te 250 estão ocupadas. Renato Fonseca, estudante de Ciências Sociais e morador da CEU, garante que divide o quarto com apenas dois companhei-ros. “Em vários quartos moram duas ou três pessoas”. O Serviço de Moradia Estudantil (SME) se recusou a dar informações.

A decana afirma não haver intransigência. “É essencial que esses moradores irregulares sejam mais conscientes e percebam que há pessoas impedidas de ocupar vagas por causa da permanência deles”, diz. “Nós continuaremos trabalhando para resolver as irre-gularidades da Casa e isso acon-tecerá gradativamente.”, garante Rachel Nunes.IRREgULAR E SEM DINHEIRO PARA ALUgUEL, MUkUM TEM DE SAIR DA CEU

FOTO: LUCIANA ALBUQUERQUE

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4 Por Aqui ))

Assédio moral em sala de aula

A chegada da UnB a cidades-satélites tem beneficiado pequenos comerciantes. Por causa dos universitários, o consumo de lanches e refeições aumentou

Comércio lucra com novos campiAMANDA GONZAGAMARINA BOSIO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) clas-sificou o assédio mo-

ral como o mal do século. A primeira pesquisa em âmbito nacional, feita em 1998 com 4.718 trabalhadores, revelou que 68% deles já haviam so-frido algum tipo de constran-gimento. Entretanto, o assé-dio moral não se restringe aos ambientes profissionais. Ele acontece em qualquer situação em que haja uma relação hie-rárquica, o que significa que o assédio moral também ocorre nas escolas e universidades.

Na Universidade de Brasí-lia (UnB), foi criada em julho de 2008 a Comissão de Ética (CE), que dentre outras fun-ções se disponibiliza a avaliar casos de assédio moral. A me-nos de um mês de completar um ano, “a Comissão recebeu menos de dez processos rela-

cionados a esse tipo de assé-dio”, segundo Marcel Bur-sztyn, presidente da CE. Para ele, uma das razões é o desco-nhecimento sobre o assunto e a burocratização da denúncia.

Para ser apurada, a queixa deve ser relatada por escri-to, enviada para análise para que se instaure o processo e só a partir daí os envolvidos prestarão depoimento. No momento, apenas três casos tramitam na comissão, um de-les ainda referente ao ano de 2008. Mesmo que a CE da Universidade tenha sido cria-da, dentre outras razões, para apurar casos de assédio moral, o presidente, Marcel Bursztyn, esclarece que “a intenção não é que se faça uma caça às bruxas, e sim que se crie um ambiente de respeito mútuo entre pro-fessores e alunos”.

Falta informaçãoO assédio moral é muitas

Com a chegada dos no-vos campi da Universi-dade de Brasília (UnB)

a Planaltina, Gama e Ceilân-dia, o comércio de bares, res-taurantes e lanchonetes des-sas regiões tem crescido. Um exemplo disso é o Bar do Car-los, em Planaltina. Logo que o campus da UnB começou a funcionar, em 2006, Carlos Ferreira abriu um bar quase em frente ao prédio da Uni-versidade. O estabelecimento já virou ponto de encontro dos alunos, que frequentam o local principalmente na hora do almoço e nos inter-valos entre as aulas.

Há um ano, o Bar do Car-los passou também a servir refeições na hora do almoço. O prato econômico, que vem com arroz, feijão, salada e duas opções de carne, custa R$ 3. São vendidas, por dia, cerca de 80 refeições, a grande maioria para os alunos. Carlos Ferreira afirma que lucra, aproximada-mente, R$ 3 mil por mês. “Já fiz reforma em casa e comprei um carro”, conta. Carlinhos, como é chamado, já se tornou amigo dos estudantes. “Mui-tos alunos até fazem o trote aqui no bar”, afirma.

Outros bares, restaurantes e lanchonetes que ficam perto do campus de Planaltina não são muito frequentados pelos estudantes devido à falta de

segurança da região. “Um dia, fomos almoçar em outro lu-gar, mas decidimos não voltar nesse restaurante por medo”, conta Pedro Rufino, estudan-te do 5º semestre de Gestão do Agronegócio. Segundo ele, um dia depois de ir a esse res-taurante, uma adolescente foi morta em frente ao local.

No Gama, o campus pro-visório está instalado em uma região onde o comércio já era movimentado. No entanto, algumas lanchonetes e res-taurantes aumentaram as suas vendas devido à presença dos alunos da UnB. É o caso da lanchonete Simpsons Bur-ger, que já existe há sete anos, mas praticamente dobrou seu movimento nos últimos dois semestres, tempo de funcio-namento do novo campus. Giordani Rodrigues, dono do estabelecimento, afirma que o faturamento com a lanchone-te cresceu de R$ 2,5 mil para R$ 4 mil mensais.

Depois da chegada dos universitários, Giordani já aumentou a lanchonete, con-tratou mais um funcionário e comprou uma máquina de sorvete no valor de R$ 15 mil. Ele afirma estar preocupado com a baixa do movimen-to que pode acontecer com a mudança da UnB para o campus definitivo. Por isso, o comerciante pensa em abrir outra lanchonete no novo prédio. “Pretendo ir atrás do pessoal”, alega. Como o úni-co Centro Acadêmico (CA) do local é pequeno para o nú-mero de alunos, os universitá-rios frequentam a lanchonete

IZABELLA MIRANDA

UNIVERSIDADE

vezes encarado apenas como grosseria ou falta de educação daquele que o pratica. Bruno Alvarenga, do 8º semestre de Medicina Veterinária, conta que vivenciou na UnB uma si-tuação de agressão verbal em sala de aula. “Nós tínhamos um professor que nos destra-tava, dizia que não sabíamos de nada, então resolvemos fazer um abaixo-assinado e encaminhamos à coordenação da faculdade”, lembra Alva-renga. “Depois disso, o assun-to foi resolvido e o professor acabou virando amigo”, diz o estudante, que preferiu não identificar o professor.

Embora alguns casos se resolvam sem grandes proble-mas, outros geram dificulda-des para os alunos, que muitas vezes não sabem a quem re-correr. Martim Nogueira, ex-membro do Diretório Central dos Estudantes (DCE), rece-beu em 2007 a queixa de um

aluno que se sentiu humilhado em sala pelo professor a ponto de querer trancar a disciplina para não ter que se encon-trar com os colegas. Noguei-ra, então, disse ao estudante que buscasse a reitoria. “Não há uma política dentro das

universidades que incentive a denúncia desses casos. Muitos alunos têm medo de denunciar e, na maioria das vezes, nem sabem que estão sofrendo as-sédio”, diz Nogueira. Para ele, deveria haver uma conscienti-zação maior sobre o assunto.

FOTO: AMANDA GONZAGA

FOTO: MARINA BOSIO

também para conversar, jogar truco e até estudar. “Aqui é o CA da galera”, diz Jean Lucas Camargo, estudante do 1º se-mestre de Engenharia.

A duas quadras do campus provisório do Gama, está loca-lizado o restaurante L’appetit, um dos mais frequentados pe-los estudantes. Lá, o quilo da refeição custa R$ 12,90, mas alunos da UnB têm 10% de desconto no almoço. Raimun-do Genilson Feitosa comprou o restaurante um pouco antes da chegada do campus à re-gião. Ele conta que o ex-dono vendeu a ele o estabelecimen-to porque o movimento estava baixo, mas, segundo Genilson, com a chegada da UnB a si-tuação mudou. “Grande parte dos meus clientes são alunos da Universidade”, afirma. De 250 refeições servidas por dia,

o comerciante diz que aproxi-madamente 100 são para esses alunos.

No campus da Ceilândia, que ainda funciona provisoria-mente numa escola, a falta de opção de lugares para almo-çar fez com que os estudantes juntassem dinheiro para com-prar um forno de micro-ondas. Muitos dos universitários le-vam a refeição de casa. “Há fila para esquentar a marmita”, diz Elias Rodrigues, estudante do 2º semestre de Gestão em Saúde. Atentas a essa necessi-dade, algumas donas-de-casa da região passaram a vender refeições, fazendo restauran-tes nas varandas de suas casas. “Percebo que o comércio aqui está começando a aumentar”, afirma Rodrigues.

Maria Aparecida dos San-tos já vendia em casa pastel e JEAN LUCAS (CENTRO) E OS AMIgOS SE REÚNEM NA LANCHONETE SIMPSONS

refrigerante, mas, neste semes-tre, começou a servir também almoço. “Os alunos vieram me pedir e eu comecei a fazer”, conta a dona-de-casa. Para atender os estudantes, ela já comprou uma bancada de self-service e vende cerca de 40 re-feições por dia.

Outra moradora da região que tem se beneficiado com a venda de almoço para os uni-versitários é Natinha Lima. Ela e o marido já trabalhavam com serviço de bufê, mas agora que está grávida prefere trabalhar em casa, servindo almoço prin-cipalmente para os universitá-rios. De segunda a sexta, Na-tinha chega a vender, por dia, 70 refeições, que variam de R$ 5 a R$ 8 o prato. No final de semana o movimento é menor. “No sábado vendo, no máximo, 30 refeições”, conta Natinha.

CARLOS JÁ COMPROU UM CARRO E REFORMOU A CASA gRAÇAS AO MOVIMENTO DE ALUNOS DA UNB EM SEU BAR

A primeira pesquisa reali-zada no Brasil sobre assédio moral contra alunos em uni-versidades, feita em Minas Gerais em 2002, questionou 1.132 estudantes de escolas superiores públicas e privadas e o resultado mostrou 1.014 relatos de casos de constran-gimento e humilhação, envol-vendo alunos e professores.

Henrique de Miranda, au-tor da pesquisa O Assédio Moral na Educação Superior, classifica situações como ro-tular os estudantes de acordo com o lugar em que sentam na sala de aula como excludentes e discriminatórias. Ele alega que, muitas vezes, o despre-paro dos docentes e o baixo nível de inteligência emocio-nal ocasionam tais situações. “Mas a questão cultural tam-bém pode ser um fator, já que, durante muitos anos, a sala de aula refletiu a estrutura opres-siva social”, lembra.

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5Cultura((

de divulgação das formas de colaboração e dos resultados desse tipo de ação. “Arte é para todos”, alerta.

É tentando reverter esse quadro que o projeto Eu faço Cultura, do Movimento Cultural do Pessoal da Cai-xa, foi criado. Desde 2007, o projeto mobilizou mais de 160 mil funcionários da Caixa Econômica Federal (CEF), arrecadando mais de R$ 2 milhões por ano em todo o Brasil. O dinheiro é usado na organização das Semanas Culturais, com ofi-cinas de artes plásticas, mú-sica, literatura e fotografia em mais de 30 cidades no país. Ely Freire, funcionária da CEF, é uma das pioneiras no Eu Faço Cultura. “Desde o começo, o projeto me ani-

ANNA CAROLINA vILELA

A paixão pela arte é o sentimento comum a Ana Elisa, Ely e

milhares de outros incen-tivadores da cultura. Essas pessoas fazem doações in-dividuais – algumas vezes de R$ 200 a R$ 300 por ano - para projetos culturais a partir do benefício fiscal concedido pela Lei Rouanet, tradicionalmente utilizada por empresas que buscam deduções no Imposto de Renda(IR).

Apenas no Distrito Fe-deral, 3.567 pessoas foram contabilizadas pelo Ministé-rio da Cultura (Minc) como doadoras no ano passado. Nesse número incluem-se doações de qualquer valor feitas a projetos culturais aprovados pelo Minc. Juntas essas pessoas doam quase R$ 2 milhões por ano no DF, ajudando na promoção das artes plásticas, da dança, da literatura e da música brasi-leira.

O campeão de doação no DF em 2008, que doou R$ 18 mil, não quer sair do ano-nimato. Ana Elisa Estrela foi a segunda maior incen-tivadora cultural, com R$ 4 mil doados ao projeto Bienal do Mercosul. A colaboração pouco teve a ver com o in-centivo fiscal. “Minha maior motivação foi a vontade de participar de um projeto no qual acredito”, comen-ta. Ela considera que é im-portante tanto acompanhar o uso dos recursos públicos quanto doar, “não somente dinheiro, mas também tem-po e dedicação”. Ana Elisa admite que faz parte de um grupo pequeno que sabe que pode colaborar com a cultu-ra brasileira, e critica a falta

mou muito. É uma excelente forma de atrair mais pessoas físicas para colaborar com a cultura. Gente interessada é o que não falta”, conta. Ely não se arrepende. “A gente vê o resultado. São projetos culturais que, de fato, aten-dem à comunidade”, diz. A meta do projeto este ano é aumentar o valor e diversi-ficar o destino das doações, chegando a cidades do inte-rior e a estados fora do eixo Centro-Sul. “Acredito que o pouco que cada um pode dar possa fazer a diferença para aqueles artistas que têm menos recursos para mostrar seu trabalho”, afirma Ely.

Sem deduçãoA atual Lei de Incentivo

à Cultura, mais conhecida como Lei Rouanet, ainda não é grande estímulo para a co-laboração de pessoas físicas. Segundo a lei, essas pessoas podem abater até 6% do va-lor total do Imposto de Ren-da com as doações feitas a projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura. Entretanto, o abatimento só é feito por aqueles que op-tam pelo modelo completo da declaração do IR. Retira-dos os isentos, isso equivale a menos de 5% da população do país. “Essa situação exclui grande parte da população na arrecadação de recursos para a produção cultural”, afirma Elyeser Szturm, professor do Instituto de Artes Visuais da Universidade de Brasília. O consultor e produtor cultu-ral Murilo Alves defende que precisaria haver um in-centivo para a contribuição de isentos do IR à cultura.

“Mesmo essas pessoas deve-riam receber ressarcimento”, opina.

A aposentada Agripina Soares, 65, é do grupo dos que colaboram sem receber qualquer incentivo fiscal da Receita Federal. Moradora da cidade de Taguatinga há 31 anos, desde que chegou de Curvelo (MG) para tra-balhar no serviço público federal, ela aposentou-se há mais de dez anos e, mesmo com o salário baixo, contri-bui para o fomento da cul-tura brasileira, hábito que cultiva desde sua mocidade. “Sempre gostei muito das artes. Desde menina toca-va piano, freqüentava sa-raus. Fico muito entristecida quando penso que a maioria dos brasileiros não pode fa-zer o mesmo”, lamenta. Por ano, Agripina destina cerca

Funcionários públicos, aposentados e outras pessoas fazem pequenas doações pela Lei Rouanet, tradicionalmente usada por empresas para contribuições milionárias

de R$ 300,00 para projetos culturais. Desde 2006, ela incentiva o projeto Biblio-teca Braille, de Taguatinga, que insere cegos no mundo da literatura. “Com o pouco que posso, gosto de ajudar aqueles que têm menos con-dições de ter acesso à cultu-ra”, conta a mineira.

Uma maior contribuição por parte das pessoas físicas é uma boa forma de resolver um grande impasse da Lei Rouanet: o destino da doa-ção. Os incentivos de empre-sas geralmente são voltados, por questões de marketing, a grandes projetos, preterindo-se projetos menores. Segundo Szturm, com a doação feita por pessoas comuns, não somente aumenta-se o número de in-centivadores como é possível que uma quantidade diversa de projetos receba apoio.

IndiquePor Pedro Duprat

God Has Failed (RPWL, 2000) Pink Floyd é a pri-meira lembrança ao escutar essa banda, mas as impres-sões mudam enquanto o disco toca. Além da in-fluência óbvia dos mes-tres do rock progressivo, experimentações com ar-ranjos bizarros e até com justaposição de gravações tocadas ao contrário e da banda tocando normal-mente criam um resultado no mínimo interessante, indo além do óbvio. É o primeiro CD da banda alemã e foi recebido com entusiasmo pela crítica.

Arca Russa (Rússia, 2002) Filmado literalmente sem cortes, Arca Russa repro-duz a visão de um narra-dor pelos corredores do museu Hermitage, em São Petersburgo. Passando por vários momentos da histó-ria do país, esse andarilho vai testemunhar, em pri-meira pessoa, as mudanças ocorridas na Rússia. Ima-gens hipnóticas e transcen-dentais mostram as glórias e angústias representadas pelo palácio.

Filme

O Sol Também se Levanta (Ernest Hemingway, 1926) O livro é um retrato fiel da chamada “geração perdida”. Um grupo de expatriados americanos viaja a Pam-plona para acompanhar a Fiesta de San Fermín. A festa em si é o encontro dos personagens e de todas as suas ansiedades. A falta de otimismo, a desilusão e o vazio da geração pós-guerra são expostos na obra.

Livro

Álbum

Mecenas com pouco dinheiro

FOTO: MARIA SCODELER

DOAÇÕES PELA LEI ROUANET

Pessoas Físicas Pessoas Jurídicas20082007

Ç

2007 2008

Nº de doadores

Total doado

4871 3567 52 50

2 milhões 2 milhões 33 milhões32 milhões(R$)

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O PROJETO BIBLIOTECA BRAILLE LOCALIZADO NA CIDADE DE TAgUATINgA FOI UM DOS BENEFICIADOS PELA AJUDA DE PEQUENOS DOADORES

ANA ESTRELA FOI A SEgUNDA MAIOR INVESTIDORA EM CULTURA EM 2008

FOTO: ANNA CAROLINA VIVELA

Confira a agenda cultural diariamente no site: fac.unb.br/campus2009@

ILUSTRAÇÃO: JULIANA FONTES

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6 Cultura

Com o incentivo do YouTube, Orkut e Twitter, companhias resgatam peças que não têm roteiro nem textos decorados

))

Vida social de escorpiões vira pesquisa

Se você anda pelos cor-redores da Faculdade de Saúde (FS) da Uni-

versidade de Brasília, saiba que escorpiões amarelos fo-ram encontrados por lá. O número de animais achados foi tão expressivo a ponto de originar uma pesquisa no De-partamento de Zoologia. Ao observar bichos conhecida-mente solitários vivendo em duplas ou trios dentro de va-las, entulhos e no subsolo da FS, o professor Paulo César Motta começou a investigar se a mudança no comporta-mento representa uma evolu-ção da espécie.

O objetivo é descobrir se a aparente sociabilidade dos escorpiões pode provocar in-

centivo à reprodução desses animais e, assim, criar risco de superpopulação. Caso seja comprovado aumento da na-talidade, quem mora na ci-dade terá de tomar algumas precauções, pois esses animais se adaptam perfeitamente ao meio urbano. “Eles têm abrigo e alimento suficiente, ausência de predadores e re-produção por partenogênese”, afirma Motta. A espécie de escorpiões amarelos é forma-da apenas por fêmeas, que se reproduzem de forma autô-noma e assexuada.

Ao todo, 40 escorpiões amarelos foram coletados na Faculdade de Saúde. Para comprovar a hipótese, o mé-todo aplicado consiste em dividir os escorpiões em po-tes comuns, com substrato de terra e alimento à vontade. As

caixas estão divididas em três fases de controle. Na primeira, há dez potes, com um escor-pião em cada. Na segunda, cin-co potes abrigam três espéci-mes cada, enquanto na terceira fase outros cinco recipientes recebem seis escorpiões cada. A ideia é saber se aqueles que estão agrupados se reprodu-zem mais rápido que os que foram isolados, sob as mesmas condições ambientais.

Normalmente, um escorpião tem um parto a cada seis meses, quando nascem de 12 a 25 filho-tes. Será feita uma média pon-derada do número de partos e de novos animais para avaliar a diferença da taxa de nata-lidade entre as fases. Além disso, mantê-los no mesmo espaço físico em longo prazo poderá fazer com que se des-cubra a existência de algum

tipo de comunicação química ou tátil entre eles. Para realizar a pesquisa, o professor conta com o auxílio de três estu-dantes do terceiro semestre de Biologia. Elas estão em busca de apoio do Programa de Ini-ciação Científica (Proic).

Os escorpiões amarelos vis-tos na Faculdade de Saúde têm entre cinco e seis centímetros de largura. Encontraram o ha-bitat perfeito no subsolo do prédio, com comida em abun-dância, umidade, escuridão e a ausência de predadores. Foi de lá que cinco animais saí-ram pelo ralo do Laboratório de Biocompatibilidade de Materiais Odontológicos. Edivaldo Teles, servidor respon-sável pelo local, guarda todos os “visitantes” num recipiente com formol. “Foi tranquilo pegar es-ses bichos. Arrumei uma pinça

FABIANO BOMFIMe dei uma pinçada neles”, brin-cou. Os funcionários do almo-xarifado pregaram um escorpião na parede da sala. É preciso ter cuidado no manejo desses ani-mais. O veneno age diretamente no sistema nervoso, causando agitação, náuseas e podendo ser

fatal principalmente em crianças e idosos. A prefeitura do campus Darcy Ribeiro retirou boa parte do entulho do subsolo da FS, mas há produtos que só podem ser removidos com autorização do Comitê de Tratamento de Resíduos Químicos.

ESTUDO DA UNB INVESTIgA MUDANÇA NO COMPORTAMENTO DE ARACNÍDEOS

CIÊNCIA E TECNOLOGIA

FOTO: FABIANO BOMFIM

GLÁUCIA CHAvEZ dois tempos de 45 minutos de duração. Cabe à plateia deci-dir quais situações serão in-terpretadas e, depois, escolher o time que se saiu melhor em cada prova.

Também conhecida como teatro-esporte, a técnica de-senvolvida pelo dramaturgo e diretor Keith Johnstone no fi-nal dos anos 60 está ressurgin-

Os mesmos atores, o mesmo nome, a mes-ma ideia, mas nunca o

mesmo espetáculo. Assim é o chamado teatro do improviso, ou game-show, um modelo teatral que quebra a estrutu-ra dramática convencional ao colocar o público na função mais importante da peça: a de diretor. Cada espetáculo é, literalmente, uma partida. Divididos em dois ti-mes, os atores competem usando apenas a improvisação durante

do graças a ferramentas como o YouTube – que reproduz pequenas cenas dos espetácu-los -, o Orkut – que reúne co-munidades de apreciadores da técnica - e o Twitter – usado para divulgar informações so-bre as peças. O teatro de im-proviso também virou sucesso no programa televisivo Whose line is it anyway?, apresentado nos Estados Unidos e na In-glaterra.

Em Brasília, o teatro-

esporte começou em um bar, com os atores Edson Duavy e Fernando Booyou realizando cenas sugeridas pelos clientes. A ambientação do botequim foi adaptada ao teatro, dando origem ao espetáculo Qual o seu pedido?, representado em diversos palcos da cidade pela companhia Anônimos da Sil-va, integrada também por Da-niel Villas Boas, Lucas Moll, Saulo Pinheiro e Leônidas Fontes. É da companhia o ví-deo O herói Leônidas Fontes, que, com mais de 400 mil vi-sualizações no YouTube, aju-dou a divulgar o Anônimos. “Começamos a inventar coi-sas diferentes, mais focadas na cultura pop”, explica Duavy. Para ele, o sucesso das peças deve-se à identificação ime-diata do público com os temas abordados. “É um teatro para ouvir as pessoas. O público se

sente especial”, acredita. Os atores afirmam que o entrosamen-

to é essencial para o grupo e, con-sequentemente, elemento-chave para o bom an-damento do e s p e t á c u l o . “Às vezes, um quer dar uma ideia e ou-tro quer dar outra, mas não bate. A gente trei-na bastante

para ter esse p e n s a m e n t o

conjunto”, diz Villas Boas. “É o que a gente chama de jogar junto”, completa Moll, pro-vando que o entendimento não fica restrito aos palcos.

O ator Lucas Moll explica que, embora a preferência da maioria das companhias que adotam a técnica seja pelo gênero da comédia, existem muitas outras vertentes do teatro-esporte. “Há várias companhias no Chile que fa-zem espetáculos inteiros de improviso, e a intenção não é ser comédia, como é o nosso caso”, compara. O cenário e o figurino das peças também va-riam de acordo com o país em que são encenadas. “No Brasil temos o tema futebol, mas, em outros lugares, tem mais bas-quete. No mundo inteiro, cada um pega um esporte que seja mais a cara do país”, explica Daniel Villas Boas.

Famosos e palhaçosO sucesso dos mais de 70

vídeos disponíveis no YouTu-be do espetáculo Os Impro-váveis, da companhia paulista Barbixas de Humor, renderam ao grupo um quadro no pro-grama Quinta Categoria, da MTV. Já o grupo Zenas Em-provisadas (ZÉ), também de São Paulo, aposta em nomes famosos para chamar a aten-ção do público, como Marcelo Adnet – da MTV – e Fernan-do Caruso, conhecido por suas participações nos programas globais Zorra Total e Os Nor-mais.

A união da linguagem cir-

O segundo ato docense com o ambiente de uma partida de futebol foi a alterna-tiva escolhida pela companhia paulista Jogando no Quin-tal para incrementar o jogo de improvisação. “O palhaço acaba sendo um diferencial”, justifica César Gouvêa, um dos criadores do grupo. Para o ator, integrante do Douto-res da Alegria há seis anos e palhaço há dez, a volta de pe-ças baseadas na improvisação se deve a uma necessidade do próprio público. “As pessoas precisavam de uma coisa nova, de um teatro vivo, onde você vê as cenas sendo construídas na hora e a fragilidade sendo muito evidente”, acredita. “O público quer entrar dentro da peça e do ator, virar cúmplice.”

Com mais de 12 anos de experiência na técnica batizada de clown pessoal (ou palhaço pessoal), o artista e professor da técnica clown, João Porto explica que o teatro de impro-viso, ao contrário do que prega o senso comum, exige treino e técnica. “O ator desenvolve suas habilidades”, diz. “O que ele mostra não é improvisado, é altamente dominado. Não pode ser solto.” Para Porto, é importante entender a diferen-ça entre o teatro improvisado - no qual os atores não possuem técnica nem conhecimentos cênicos e, por isso, não sabem o que vão fazer - e o teatro de improviso. “O artista trabalha bastante, domina as cenas, o conteúdo e só improvisa os momentos dessa composição”, explica o professor.OS ATORES DANIEL VILLAS BOAS (À ESQUERDA) E LUCAS MOLL INTEgRAM A COMPANHIA TEATRAL ANÔNIMOS DA SILVA

TEATRO DEIMPROVISO

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De acordo com a Con-federação Brasileira de Futebol (CBF), no

ano passado, 1176 jogadores profissionais foram transfe-ridos para times do exterior. Fora das estatísticas, existe um sem-número de jovens atletas que, sem passagem notável por clubes nacionais, buscam os mesmos objetivos por conta própria. Eles tiram o dinheiro do bolso, e o re-torno, na maioria das vezes, não é garantido. São os imi-grantes da bola.

Jonatas José dos Santos nasceu na Bahia e começou a jogar com nove anos de idade no Vitória. Quando criança, foi companheiro de time do atual goleiro do Corinthians, Felipe. Chegou a jogar em Portugal, numa filial do time baiano na Ilha de Boa Vis-ta, sem obter sucesso. No retorno ao Brasil, o atacante defendeu diversos clubes até

7Esporte e Saúde((

Sem convite de grandes clubes, atletas tentam por conta própria engrenar a carreira de jogador de futebol no exterior

BRUNO SILvALEONARDO MUNIZ

Imigrantes da BOLA

Pesquisa em andamento no departamento de Engenharia Elétrica da

Universidade de Brasília (UnB) está desenvolvendo um protó-tipo de prótese ativa para am-putados de membros inferiores acima do joelho. Ela tem como objetivo proporcionar a essas pessoas mais independência em terrenos desnivelados e au-xiliá-las na reintegração social, e no trabalho.

O estudo começou em 2005 com a colaboração da Akyia-ma, empresa de engenharia e fornecimento de tecnologia, que doou os micro-motores de corrente contínua para as jun-tas do pé. “Existem sensores na prótese que possibilitam cons-tatar sinais eletromiográficos (a manifestação elétrica da ati-vação neuromuscular associada à contração do músculo) que se traduzem em estímulos de contrações musculares”, afirma Alberto López Delis, um dos membros da equipe. “O desen-volvimento dessa prótese per-mitiria que o paciente realizas-se movimentos difíceis, como andar em terrenos inclinados ou mexer o tornozelo em todos os sentidos”, completa Delis.

NAIRA GOMES

gEOVANY BORgES E O PROTÓTIPO PARA AMPUTADOS DE MEMBROS INFERIORES

Atualmente, a mais comum no mercado é a prótese passiva, aquela que não interage com o paciente. “O diferencial des-sa nova pesquisa é a proposta de um mecanismo ativo”, ex-plica Geovany Araújo Borges, orientador da pesquisa. “Ele vai interagir com o paciente, bem como possibilitar quatro níveis de liberdade: controle de juntas, adaptação do pé em relação ao solo, modelo para classificação de fases de movimento e a exe-cução automática de intenção de movimentos por meio de si-nais eletromiográficos”, descre-ve Borges. Sem contar que ela também possui uma resistência diferente das outras próteses

passivas comuns que são fabri-cadas atualmente.

Também fazem parte da pesquisa os professores Adson Ferreira da Rocha, João Luiz Carvalho, Suélia Rodrigues Fleury Rosa e Francisco Assis de Oliveira. Geovany Borges prevê o término da pesquisa para 2012.

EsperançaSegundo a Secretaria de

Saúde do Distrito Federal, no primeiro trimestre de 2008 houve 33 amputações. Já no primeiro trimestre de 2009, foram realizadas 57. Compa-rando os dois períodos, houve aumento de 24 casos. Em mé-

dia, seis amputações são reali-zadas no Hospital de Base por semana, a maioria em idosos. A causa mais frequente é a ate-rosclerose - termo que designa várias doenças nas quais se ve-rifica espessamento e perda de elasticidade da parede arterial - agravada pelo tabagismo. “Ou o paciente não teve o acesso à saúde pública de qualidade, ou não teve um bom diagnóstico da sua doença”, afirma Múcio Lopes Fonseca, chefe da uni-dade vascular do hospital. “Ele chega num estado já grave e acaba sendo amputado”, la-menta.

Antônio Gomes Bucareste conta que perdeu uma perna por causa de um acidente de trânsito há um ano. “Difícil é aceitar que não tenho mais a minha perna, mas tenho es-perança que após a conclusão dessa pesquisa terei a minha vida de volta”, espera. “Uso prótese passiva há 10 anos, mas é como se eu estivesse carregando uma coisa pesada o tempo todo”, desabafa Lour-des Adão, que teve a perna amputada acima do joelho. “Espero que com essa próte-se ativa os meus movimentos fiquem mais leves, rápidos e fáceis”, afirma.

Caros leitores, o Campus é como time brasileiro: do primeiro para o segundo semestre do ano, o

elenco todo se renova. Prestes a deixar este plantel, aproveito para deixar meu chute (em homenagem ao título desta coluna) sobre o torneio mais importante de todos: a Copa. Não é a de 2014, na boca da im-prensa, nem a das Confederações deste ano, mas sim a de 2010, na África, que ‘é logo ali’.

O posto de grande candidato ao título está vago. A tetracampeã Itália, atual detentora da taça, seria a natural favorita, mas seu envelhecido time está longe de fazer jus à fama. As apostas são incertas até entre o grupo de atuais campeões: enquanto ingleses - com bom elenco - e alemães - com um bom time - chegam com mais força, franceses, uruguaios e argentinos pa-recem cada vez mais cartas fora do baralho.

Na opinião deste colunista, a entrada de um novo time no seleto clube dos vencedores da Copa faria bem ao futebol mundial, apesar de saber que este é um torneio em que as surpresas só são bem-vindas até a disputa de 3º lugar. Dos que realmente têm chance, vale apenas citar a Espanha, que é decisiva sem ter medo de ser vistosa. E no meio disso tudo temos o Brasil, esta seleção que mistura duas características interessantes: o futebol ‘feio’ de 94, desta vez sem Ro-mário e Bebeto, e a falta de crença de 2002, quando nem Pelé acreditava. E o final das duas histórias, to-dos conhecem.

Chute do Campus

Por Bruno Silva

Esporte, palpites e filosofias de boteco

Copa de 2010. Quem leva? Entre desconfianças, o Brasil

!Engenharia cria prótese inteligente

se fixar no DF, onde vestiu as camisas do Ceilandense e, posteriormente, do Brasília.

Hoje, com 23 anos, Jona-tas encerrou o contrato com o clube candango e está ina-tivo há alguns meses. “Gosto muito do que faço e pretendo seguir minha carreira como jogador, mas acho complica-do treinar todo dia e viver de salário mínimo. Tenho uma família para criar”, reclama o atacante, que trabalha como corretor de automóveis.

Insatisfeito com a alta competitividade nos times locais e o retorno financeiro, Jonatas tomou uma decisão: ir por conta própria para a Alemanha, para tentar a sor-te em um clube de terceira divisão do país. “Mesmo nos times menores, o investi-mento europeu é bem maior que o local e a concorrência é pequena se levarmos em con-sideração que os brasileiros ganham preferência, princi-palmente os que jogam no ataque”, ressalta o jogador.

Para ir ao exterior, jogado-

res como Jonatas procuram um contato que os repre-sentem no país de destino. Normalmente, são pessoas que moram lá e possuem li-gação com um clube local. Um empresário se encarrega de conduzir as negociações em troca de 30% dos lucros, caso o atleta seja contratado. A maior dificuldade, segun-do Jonatas, é o dinheiro para viajar e se sustentar durante o período inicial. “Preciso levantar cerca de R$ 10 mil, fora o preço das passagens, que custam uns R$ 3 mil”, calcula o jogador.

Os períodos de teste ocor-rem sempre no meio da tem-porada europeia, em janeiro, e são abertos a qualquer pes-soa. A triagem dos clubes do exterior é um processo crite-rioso. Os aspirantes são ava-liados durante um mês e fa-zem o teste em uma partida oficial. Para os estrangeiros, aspectos como sociabilidade, disciplina e domínio da lín-gua fazem muita diferença na escolha final.

Esse tipo de processo é menos frequente em clubes brasileiros que optam por jo-gadores de categorias de base. “Às vezes, buscamos meninos que disputam campeonatos amadores, tentaram testes em peneiras e não conseguiram”, explica Gérson, treinador do time de aspirantes do Gama. Ele conta que os jogadores são convidados a fazer um período de teste de 15 dias.

“Quando nos interessa manter um atleta nesse time, fazemos um contrato no qual ele recebe cerca de R$ 500 por mês”, diz o técnico. A rotatividade do grupo é alta. Em cerca de três meses, o grupo é completamente renovado. “A maioria aca-

ba dispensada porque não é o que procuramos. Mas, em um mês de trabalho, sempre achamos um jogador e ele acaba ficando”. Ele explica que esse tipo de sondagem é rara. “Esse trabalho que fa-zemos não é mais feito por quase nenhum clube”, diz o técnico.

Na opinião do ex-jogador Augusto César, que começou sua carreira profissional pelo Gama e passou por Corin-thians, Portuguesa e clubes no Japão, é raro um jogador com o perfil de Jonatas vin-gar no futebol profissional.

Para Augusto, o principal fator é a idade. “Quando um jogador chega do futebol amador com mais de 20 anos,

É ver para crer

EM JANEIRO, JONATAS VIAJA À EUROPA COM O SONHO DE ATUAR EM UM gRANDE CLUBE INTERNACIONAL

FOTO: LEONARDO MUNIZ

FOTO: FABIANO BOMFIM

SAÚDE

ele tem de competir com garotos que recebem treina-mento profissional desde os 12”, comenta o atual treina-dor do Brasília. “Esses garo-tos já têm experiência com o campo e condicionamento físico acompanhado pelos times”, analisa o técnico.

Mesmo com todas as adversidades que ele tem encontrado, as aspirações de Jonatas falam mais alto. “Preferiria ganhar R$ 3 mil e jogar futebol do que, por exemplo, trabalhar na Câ-mara com um salário de R$ 10 mil. É a carreira que so-nho para a minha vida”. Ele garante que, em janeiro, es-tará de malas prontas para ‘ganhar a Europa’.

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8 Comportamento ))

realização de exames físicos e psicológicos, que medem al-terações de comportamento, como ansiedade. Outro proje-to analisa amostras sanguíneas e estuda como a meditação atua em hormônios relaciona-dos ao estresse.

“Apesar dos numerosos relatos dos praticantes sobre os efeitos da meditação, uma das dificuldades para que seja aceita entre os profissionais de saúde é a falta de compro-vação científica”, diz Carlos Eduardo Tosta, professor de Imunologia Celular na Facul-dade de Medicina e orientador das pesquisas. Para Tosta, que há cinco anos também ensina meditação à comunidade, a prática possibilita um proces-so de autotransformação que gera mudanças na saúde física, mental, emocional, espiritual e interpessoal.

O terceiro estudo faz parte da tese de doutorado do psi-quiatra Juarez Castellar e ofe-rece um curso de meditação de 15 semanas no Hospital Uni-versitário de Brasília (HUB) para pacientes em tratamento de câncer de mama. A cada cinco semanas, são feitos tes-

ILUSTRAÇÃO: JULIANA FONTES

Quadrinhos

sudokuOnde está o Timothy?

SoluçõesReferente à última edição

ANA BEATRIZ LEMOSFERNANDA NEvES

São 19h30 de uma ter-ça-feira de junho. Um grupo de dez pessoas

se reúne no Templo Budista Terra Pura para uma sessão de 30 minutos. Alguns es-tão de joelhos sobre tatames, outros buscam posições mais confortáveis. Não falam nem se movimentam. O silêncio, os mantras e a respiração pro-funda de grupos como esse passaram a atrair a atenção de pesquisadores, que tentam dar contornos científicos à crença de que a meditação melhora a vida das pessoas.

Atualmente, existem na Universidade de Brasília (UnB) três projetos em anda-mento para analisar o impac-to da meditação nos sistemas imunológico, nervoso e hor-monal.

Em dois deles, são feitos estudos em participantes de um curso de meditação cria-do na Faculdade de Medi-cina e aberto à comunidade. O primeiro avalia o papel da meditação sobre a saúde físi-ca e emocional por meio da

JOGOS E HUMOR

Referente à esta edição

Prática que leva pessoas a repetirem mantras e relaxarem em silêncio é examinada por pesquisadores

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tes sobre o enfrentamento da doença, grau de esperança, espiritualidade, ansiedade, ní-vel de hormônios ligados ao estresse e outros parâmetros relacionados à imunidade.

“Apesar de a pesquisa estar em andamento, os depoimen-tos das participantes já mos-tram alguns avanços”, explica Castellar. Uma paciente de 47 anos, que pratica meditação há dois meses, duas vezes ao dia, conta que há três semanas não sente mais enxaquecas. Ou-tra, de 46 anos, teve câncer de mama há dez anos. “Procurei a meditação porque a medici-na tradicional cura a doença, mas não atua nas suas causas.

A doença nos faz despertar. Queremos tantas coisas, mas precisamos, na verdade, é de paz e de autoconhecimento. A meditação é um bom caminho para alcançar isso”, relata.

Ajuda no dia a diaMesmo sem a comprova-

ção científica, muitas pessoas sem ligação com as pesquisas da UnB relatam benefícios da meditação. Carolina Alves adiou sua formatura no Cen-tro Universitário de Brasília (Uniceub) porque a ansiedade, o nervosismo e a má organi-zação do tempo a impediram de terminar sua monografia no prazo certo. No semestre

seguinte, Carolina foi elogia-da por professores e colegas, tamanha a serenidade e calma com que concluiu e apresen-tou seu trabalho. “Mudei meu comportamento graças à me-ditação”, conta a fisioterapeu-ta. Por serem voluntárias de pesquisa, elas não devem ter os nomes divulgados.

O empresário Paulo Soares tinha acabado de conquistar seu objetivo: ter uma empresa de informática. A conquista não foi suficiente para lhe tra-zer a satisfação que buscava. Paulo teve bastante dificulda-de para lidar com o excesso de informações novas e a grande responsabilidade. “Eu sempre

acordava com a sensação de que minha cabeça ia estou-rar. Não conseguia pensar em nada, nem resolver nenhum problema ”, revela.

Um dia, antes de iniciar uma reunião importante, resolveu aderir à prática da meditação no seu cotidiano. “Cheguei um pouco mais cedo à reunião, estacionei o carro, me coloquei numa postura confortável. Co-mecei a prestar atenção à mi-nha respiração. Fiquei assim por uns 10 minutos. Quando saí do carro, as perturbações tinham ido embora. Estava me sentindo tranquilo e dis-posto para enfrentar qualquer desafio no trabalho”, conta.

Meditação notubo de ensaio

Agora, tente encontrar o Timothy se divertindo no show da banda Calypso