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Universidade de S ˜ ao Paulo Instituto de F ´ ısica de S ˜ ao Carlos Rafael Guolo Dias Formulac ¸ ˜ oes Alternativas da Relatividade Geral: da Geometrodin ˆ amica ` a Estrutura de GAUGE de Ashtekar-Barbero S ˜ ao Carlos 2011

Transcript of Formulac¸oes Alternativas da˜ Relatividade Geral: da ... · quˆantica da gravita¸c˜ao, haja...

Universidade de Sao Paulo

Instituto de Fısica de Sao Carlos

Rafael Guolo Dias

Formulacoes Alternativas da

Relatividade Geral: da

Geometrodinamica a Estrutura de

GAUGE de Ashtekar-Barbero

Sao Carlos

2011

Rafael Guolo Dias

Formulacoes Alternativas da

Relatividade Geral: da

Geometrodinamica a Estrutura de

GAUGE de Ashtekar-Barbero

Dissertacao apresentada ao Programa de

Pos-Graduacao em Fısica do Instituto de

Fısica de Sao Carlos da Universidade de

Sao Paulo para obtencao do tıtulo de

Mestre em Ciencias.

Area de concentracao: Fısica Basica.

Orientador: Daniel Augusto Turolla

Vanzella.

Versao original

Sao Carlos

2011

AUTORIZO A REPRODUCAO E DIVULGACAO TOTAL OU PARCIAL DESTE

TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRONICO, PARA

FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Ficha catalograica elaborada pelo Servico de Biblioteca e Informacao IFSC/USP

Dias, Rafael Guolo

Formulacoes alternativas da relatividade geral: da geo-

metrodinamica a estrutura de Gauge de Ashtekar-Barbero./ Rafael

Guolo Dias; orientador Daniel Augusto Turolla Vanzella.– Sao Carlos,

2011.

152p.

Dissertacao (Mestrado – Programa de Pos-Graduacao em

Ciencias. Area de concentracao: Fısica Basica) Instituto de Fısica

de Sao Carlos da Universidade de Sao Paulo.

1. Relatividade geral. 2. Teorias de Gauge. 3. Ashtekar.

4. Fibrados. 5. Conexoes. I. Tıtulo

Dedico aos mestres e familiares que

guiaram meus passos ate aqui.

AGRADECIMENTOS

Um trabalho, mesmo que individual, nunca e realizado sozinho. Dentre todos os amigos que

me suportaram nessa empreitada, gostaria de fazer um agradecimento especial para:

• FAPESP, pelo suporte ao projeto;

• Daniel Vanzella, Denise de Mattos e Edivaldo Lopes dos Santos, por toda as orientacoes

que culminaram nesse resultado ao longo dos anos de mestrado e iniciacao cientıfica,

pela paciencia e mesmo as vezes pela falta dela nos momentos necessarios;

• Gabriel Luchini e Renatto Bettiol, pelas elucidacoes nos momentos de “escuridao teorica”e

tambem por todo o material fornecido e que foi de muita utilidade;

• Willian Lima pela participacao nas reunioes e as muitas conversas na sala durante o

trabalho;

• Tiago Bueno de Moraes, Willian Trevisan e Joao Luiz Bunoro, companheiros diarios do

“cafe? - passa aqui”, que nos salvaram a todos de enlouquecer com nossos trabalhos;

• Thiago Mosqueiro, por me ensinar LaTeX;

• Diva Rubim, pelas longas conversas sobre o passado/presente/futuro que me permitiram

me estruturar e me organizar durante o caminho;

• Joseana “MacGyver”, que convocou “sessoes metal”e fez com que eu ainda tivesse vida

social, e Fabiano Fidencio, por me mostrar o quao pequeno e o mundo e que podemos

viver nele e tambem nos divertir.

• Os amigos de Rio Claro que alegraram os finais de semana;

• Minha famılia, que me educou e sempre me amparou quando era preciso;

• Deus, acima de tudo e por tudo.

“A ciencia em seu todo nada mais e que

um refinamento do pensamento comum.

E por essa razao que nao e possıvel re-

stringir o pensamento do fısico ao exame

dos conceitos de seu proprio campo es-

pecıfico. Ele nao pode avancar sem con-

siderar criticamente um problema muito

mais difıcil, o de analisar a natureza do

pensamento humano.”(Albert Einstein)

RESUMO

DIAS, R. G. Formulacoes Alternativas da Relatividade Geral: da Geometrodinamica a Estrutura

de Gauge de Ashtekar-Barbero. 2011. 152 p. Dissertacao (Mestrado) - Instituto de Fısica de

Sao Carlos, Universidade de Sao Paulo, Sao Carlos, 2011.

Desenvolvemos aqui um estudo das formulacoes alternativas-equivalentes da Relatividade

Geral, baseada no formalismo de conexoes de Ashtekar. Iniciamos discutindo a estrutura

matematica necessaria de fibrados e conexoes, e a teoria de sistemas Hamiltonianos vincula-

dos. Em seguida, damos uma breve introducao ao formalismo metrico de Einstein e entao

passamos ao formalismo geometrodinamico canonico (formalismo ADM). Introduzimos as

transformacoes no espaco de fase que geram as formulacoes alternativas, de forma general-

izada tal que possamos obter ambas as variaveis complexas de Ashtekar ou as variaveis reais

de Barbero, ou mesmo qualquer forma intermediaria por meio do parametro de Immirzzi.

Palavras-chave: Relatividade Geral. Teorias de Gauge. Ashtekar. Fibrados. Conexoes.

ABSTRACT

DIAS, R. G. Alternative Formulations of General Relativity: from Geometrodynamics to

Ashtekar-Barbero’s Gauge Structure. 2011. 152 p. Dissertacao (Mestrado) - Instituto de

Fısica de Sao Carlos, Universidade de Sao Paulo, Sao Carlos, 2011.

We develop here a study of the alternative-equivalent formulations of General Relativity, based

on Ashtekar’s connexion formalism. We begin discussing the mathematical structure needed

of fibre bundles and connexions, and the theory of constrained Hamiltonian systems. Next,

we give a brief introduction for Einstein’s metric formalism and then we pass to the canonical

geometrodynamic formalism (ADM formalism). We introduce the transformations of the phase

space which generate the alternative formulations, in a generalized form such that we can

obtain both Ashtekar’s complex variables or Barbero’s real variables, or even any intermediary

form by using the Immirzzi parameter.

Keywords: General Relativity. Gauge Theories. Ashtekar. Fibre Bundles. Connexions.

SUMARIO

INTRODUCAO p. 19

1 Fibrados e Conexoes p. 21

1.1 Fibrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 21

1.1.1 Aplicacoes entre fibrados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 23

1.1.2 Fibrados Vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 25

1.1.3 Fibrados Principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 29

1.1.4 Fibrados Associados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 32

1.2 Conexoes em Fibrados Principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 34

1.2.1 Forma Conectora Local e Potencial de gauge . . . . . . . . . . . . p. 37

1.2.2 Levantamento Horizontal e Transporte Paralelo . . . . . . . . . . . p. 39

1.2.3 Holonomias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 43

1.2.4 Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 44

1.3 A Derivada Covariante em Fibrados Vetoriais Associados . . . . . . . . . . p. 49

1.3.1 Expressao Local para a Derivada Covariante . . . . . . . . . . . . p. 50

1.3.2 Curvatura Rederivada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 53

2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos p. 55

2.1 Invariancia de Gauge e Vınculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 55

2.1.1 Lagrangeano e Vınculos Primarios . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 55

2.1.2 Hamiltoniano Canonico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 57

2.1.3 Vınculos secundarios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 59

2.2 Vınculos de Primeira e Segunda-classe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 61

2.2.1 Transformacoes de gauge . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 61

2.2.2 Hamiltoniano estendido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 62

2.2.3 Colchete de Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 63

2.3 Fixacao de Gauge e Invariantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 65

2.4 Geometria da Superfıcie de Vınculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 66

2.4.1 Geometria do espaco de fase (geometria simpletica) . . . . . . . . p. 67

3 Eletrodinamica Associada a um U(1)-Fibrado p. 75

3.1 Eletromagnetismo Classico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 75

3.1.1 Equacoes de Maxwell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 76

3.1.2 Hamiltoniano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 78

3.2 Campo Escalar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 80

4 Relatividade Geral p. 83

4.1 Bases da Teoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 83

4.2 A Equacao da Geodesica no Limite Newtoniano . . . . . . . . . . . . . . p. 85

4.3 A Equacao de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 86

4.4 Princıpio Variacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 89

4.4.1 Acao de Eistein-Hilbert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 89

4.4.2 Variacao de Einstein-Palatini . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 90

5 Formulacao ADM p. 93

5.1 Decomposicao 3 + 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 93

5.2 Formas Espaciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 95

5.2.1 Derivada covariante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 96

5.2.2 Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 97

5.3 Pullback para σ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 99

5.4 Hamiltoniano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 101

5.5 Estrutura simpletica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 103

5.5.1 Vınculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 104

5.6 Geometria das Transformacoes de Gauge . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 105

5.6.1 Trajetorias de qab . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 106

5.6.2 Trajetorias de P ab . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 107

5.6.3 Relacao Entre Diff(M) e as Transformacoes dos Vınculos . . . . . . p. 114

6 Variaveis de Ashtekar p. 117

6.1 D-beins e curvatura extrınseca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 117

6.2 Funcoes no espaco estendido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 119

6.2.1 Estrutura Simpletica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 120

6.2.2 Vınculo de Rotacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 122

6.3 Nova Conexao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 123

6.3.1 Resumo Historico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 123

6.3.2 Transformacao Canonica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 124

6.3.3 Condicoes de Realidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 127

6.3.4 Interpretacao Quadri-dimensional . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 128

6.4 Vınculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 130

6.5 β = ±i: Formulacao de Ashtekar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 132

6.5.1 Acao Auto-dual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 132

6.5.2 De trıadas para espinores SU(2) . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 134

6.5.3 Vınculos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 136

6.5.4 Discussao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 136

6.6 β real: Formulacao de Barbero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 137

CONCLUSAO p. 139

REFERENCIAS p. 141

APENDICE A -- Elementos de Geometria Riemanniana p. 145

A.1 Revisao de Tensores e Variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 145

A.1.1 Variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 145

A.1.2 Tensores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 147

A.1.3 Aplicacoes Induzidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 150

A.2 Metricas Riemannianas e Pseudo-Riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . p. 151

A.2.1 Metricas Riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 151

A.2.2 Metricas Pseudo-Riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 153

A.3 Conexoes Lineares e Derivada Covariante . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 154

A.3.1 Geodesicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 156

A.4 Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 158

APENDICE B -- Grupos de Lie p. 163

APENDICE C -- Formalismo de Palatini em Tetradas p. 169

19

INTRODUCAO

Tratamos neste trabalho de uma revisao das formulacoes Hamiltonianas da Relatividade

Geral em termos das variaveis desenvolvidas por Ashtekar1,2 e suas variantes apresentadas

por Barbero e Immirzzi3–5. Tais formulacoes surgem num contexto da busca de uma teoria

quantica da gravitacao, haja visto que a teoria da Relatividade Geral, proposta por Albert

Einstein em 1915 para descrever a gravidade (vide, por exemplo,6), sobrevive como sendo a

unica teoria classica de uma “interacao fundamental”cujo sucesso nao foi (ainda) suplantado

pelo de uma versao quantica.

Uma das principais dificuldades na unificacao da Relatividade Geral com a Mecanica

Quantica e a incompatibilidade das duas teorias no que concerne a questao da interpretacao do

tempo7. Em mecanica quantica, o tempo e uma variavel independente, parametro da evolucao

dinamica do sistema quantico pela equacao de Schrodinger. Em Relatividade Geral, o tempo

e tratado a par com as as tres dimensoes espaciais, compondo a variedade do espaco-tempo

quadridimensional. A metrica de fundo dessa variedade compoe a geometria do espaco-tempo

e e a variavel dinamica: dessa geometria que surgem os efeitos da gravidade.

Podemos distinguir espaco e tempo atraves de folheacoes do espaco-tempo, em que hiper-

superfıcies sao de tipo espaco se seus vetores tangentes apontam nas direcoes espaciais, e o

tempo e encarado como a direcao ortogonal a essas hipersuperfıcies. Todavia, em geral

inumeras folheacoes diferentes sao possıveis a um mesmo espaco-tempo e nenhuma e prefer-

encial em relacao as outras. Mais ainda, quando considerada a escala de Planck (a escala em

que se espera que os efeitos quanticos da gravidade se revelem), esperar-se-ia que a geome-

tria do espaco-tempo estivesse sujeita aos efeitos do princıpio da incerteza de Heisenberg, e

o tensor metrico estaria entao sujeito a flutuacoes nas componentes, o que nao permitiria a

definicao de um cone de luz e portanto das separacoes tipo-espaco, tipo-tempo ou tipo-luz.

Assim, o carater geometrodinamico da Relatividade Geral se impoe como uma barreira as

tecnicas usuais de quantizacao a essa teoria.

E conveniente, portanto, reformular a Relatividade Geral de modo que a teoria nao seja

20 INTRODUCAO

dependente de uma metrica de fundo. E isso e possıvel gracas as ferramentas proporcionadas

pela teoria matematica dos fibrados (veja8). Podemos, dessa forma, transmitir o carater

dinamico para conexoes, em substituicao a metrica.

Veremos, no entanto, que utilizar conexoes como variaveis de uma teoria fısica e um

procedimento tambem usado na descricao de teorias de gauge, e portanto aproximamos a Rel-

atividade Geral das teorias que descrevem os outros princıpios fundamentais da natureza. Com

isso, encontramos uma motivacao mesmo a nıvel classico para a reformulacao da gravitacao em

termos de conexoes, e que portanto e uma motivacao ainda mais fundamental que a primeira.

Tal proximidade, ainda, sugere uma abordagem para a quantizacao, uma vez que teorias de

gauge do tipo de Yang-Mills sao bem sucedidas em suas versoes quanticas.

Nosso trabalho pode bem ser dividido em duas partes. Nos capıtulos iniciais tratamos da

matematica dos fibrados e conexoes (para isso, seguimos8–10) e o modo de se tratar sistemas

Hamiltonianos que sao sujeitos a vınculos11. Dada essa estrutura preliminar, aplicamos os con-

ceitos no tratamento do eletromagnetismo como teoria de gauge. Na segunda parte, podemos

entao iniciar a discussao da teoria da Relatividade Geral. Damos uma breve introducao a teoria

de Einstein, seguindo6,12. Discutimos o formalismo geometrodinamico canonico (ou Hamilto-

niano) desenvolvido por Arnowitt-Deser-Misner (ADM) e passamos por fim as transformacoes

no espaco de fase que introduzirao as novas variaveis de uma forma geral, tomando como

base o desenvolvimento em13. Dada a formulacao geral, terminamos com uma discussao da

formulacao complexa de Ashtekar em termos de espinores (como em14) e as variantes reais

introduzidas por Barbero, com uma breve analise de seus pontos positivos/negativos4,5,15

21

CAPITULO 1

Fibrados e Conexoes

O conceito de fibrados demonstra-se cada vez mais como uma ferramenta poderosa na

construcao de teorias fısicas. Semelhante a definicao de uma variedade, que localmente se

assemelha a Rn, um fibrado e localmente visto como a extensao de um espaco topologico

pelo pruduto com outro, o que permite que sua estrutura manifeste-se desde exemplos simples

como a relacao entre um espaco de configuracoes (variedade) e seu respectivo espaco de fase

(fibrado tangente) em mecanica classica, ate como base para o tratamento de teorias com

liberdades de gauge.

1.1 Fibrados

Consideremos as variedades E, B e F e um grupo de Lie G. Vamos assumir que G×F →F e uma acao efetiva a esquerda e π : E → B e uma submersao suave (i.e, π e uma aplicacao

suave tal que π∗ e sobrejetora). Seja uma cobertura aberta Uα de B e suponhamos que

existam difeomorfismos (trivializacoes locais) ψα : Uα × F → π−1(Uα) satisfazendo as

seguintes propriedades:

(i) π ψα = π1, onde π1(b, f) = b;

(ii) se b ∈ Uα ∩ Uβ 6= ∅ entao ψ−1β ψα(b, f) = (b, θαβ(b)f), onde θα,β(b) ∈ G e θαβ :

Uα ∩ Uβ → G e suave.

Entao a 7-upla (E, π,B, F,G, Uα, ψα) e chamada um fibrado coordenado e dois fibra-

dos coordenados (E, π,B, F,G, Uα, ψα) e (E, π,B, F,G, Vβ, φβ) serao equivalentes

se φ−1β ψα(b, f) = (b, θαβ(b)f), onde θαβ : Uα ∩ Vβ → G e suave.

Chamamos de fibrado uma classe de equivalencia (E, π,B, F,G) de fibrados coordenados

com respeito a relacao de equivalencia acima. E e denominado o espaco total, π a projecao,

B o espaco base, F a fibra e G o grupo de estrutura. Tambem ψα e chamada a funcao

22 1 Fibrados e Conexoes

coordenada e θαβ a funcao de transicao. Para cada b ∈ B, π−1(b) e chamado a fibra

sobre b e e usualmente escrito como Eb (evidentemente, Eb ' F ).

E

B

p

F

G

Ua

Ua

Ub

Ub

U

U

bb

f

qa,b(b)fqa,b(b)

ya

yb

Figura 1.1– Fibrados coordenados.

Interpretando a definicao, o espaco total E pode ser reconstituıdo “colando”produtos

triviais Uα × F de acordo com as funcoes de transicao θαβ , correspondentes da acao do

grupo de estrutura na fibra. Mais precisamente, considere a reuniao⋃

α Uα × F . Sempre que

x ∈ Uα ∩ Uβ , consideremos a relacao de equivalencia “ ∼ ” identificando (x, f) ∈ Uα × F

com (x, θαβ(b)f) ∈ Uβ × F . Entao o espaco quociente

α Uα × F

corresponde a E e a projecao sobre o primeiro fator a projecao do fibrado. Um fibrado e dito

trivial se for um produto direto B × F .

A representacao de um fibrado pode em alguns casos ter partes de sua estrutura omiti-

das, se essas forem evidentes pelo contexto. Assim, um fibrado pode em alguns casos ser

representado apenas pela tripla (E, π,B), ou ate mesmo somente pelo espaco total E.

Uma secao de um fibrado (E, π,B, F,G) e uma aplicacao s : B → E tal que πs = idB,

onde idB e a identidade em B. Em outras palavras, uma secao e uma aplicacao s : B → E

tal que s(b) ∈ Eb para cada b ∈ B.

E

B

p

Ua b

s(b)

s

Figura 1.2– Uma secao s em π−1(Uα).

1.1 Fibrados 23

1.1.1 Aplicacoes entre fibrados

Dados dois fibrados (E1, π1, B1) e (E2, π2, B2), uma aplicacao de fibrados e um par de

aplicacoes contınuas (f , f), f : E1 → E2 e f : B1 → B2, tal que o seguinte diagrama comuta

E1f

π1

E2

π2

B1f

B2

, (1.1.1)

isso e, π2 f = f π1. O diagrama acima implica precisamente que f(π−11 (b)

)⊂ π−1

2 (f(b))

para todo b ∈ B, ou seja, o par de aplicacoes (f , f) preserva as fibras. Dois fibrados (E, π,B)

e (E ′, π′, B) sao equivalentes se existe uma aplicacao de fibrados f : E ′ → E tal que

f : B → B e a identidade e f e um difeomorfismo:

E ′f

π′

E

π

BidB

B

. (1.1.2)

p p1 2

B1 B2

E1 E2

f

f~

b f(b)

Figura 1.3– Uma aplicacao entre fibrados.

Dado um fibrado (E, π,B) e uma aplicacao f : N → B, o par (E, f) define um novo

fibrado sobre N com a mesma fibra F do anterior. O conjunto

f ∗E ≡ (p, u) ∈ N ×E; f(p) = π(u) (1.1.3)

e denominado o pullback de E por f . A fibra Fp de f∗E e uma copia da fibra Ff(p) de E, e se

definimos π1 : f∗E → N por π1(p, u) = p e π2 : f

∗E → E por π2(p, u) = u, o pullback f ∗E

24 1 Fibrados e Conexoes

pode ser munido com a estrutura de um fibrado e obtemos a seguinte aplicacao de fibrados:

f ∗Eπ2

π1

E

π

Nf

B

. (1.1.4)

E

BN

N Ex

p

f(p)

u

f E*

p1

p

p2

f

Figura 1.4– O pullback de E por f

Completamos a discussao sobre aplicacoes de fibrados mostrando uma maneira de verificar

se um fibrado e trivial. Duas aplicacoes f, g : X ′ → X sao ditas homotopicas se existe uma

aplicacao suave (denominada uma homotopia) F : X ′ × [0, 1] → X tal que F (x, 0) = f(x)

e F (x, 1) = g(x) para todo x ∈ X ′. Um espaco X e contratil se a aplicacao idX : X → X

e homotopica a alguma aplicacao constante f0 : X → X, f0(x) = x0 para todo x ∈ X (para

algum ponto x0 ∈ X), isso e, existe F : X × [0, 1] → X contınua tal que F (x, 0) = idX = x

e F (x, 1) = f0(x) = x0, para todo x ∈ X .

Como um exemplo simples, podemos mostrar que X = Rn e contratil a origem 0. Se

definimos H : X × [0, 1] → X por H(x, t) = tx, temos que H(x, 0) = 0 e H(x, 1) = x para

todo x ∈ X , o que demonstra a afirmacao. Dessa forma, qualquer subespaco convexo de Rn

e tambem contratil.

A seguir, estabelecemos como utilizar os conceitos de homotopia para mostrar que um

fibrado e trivial.

Teorema 1.1.1 Seja (E, π,B, F ) um fibrado e sejam f e g aplicacoes homotopicas de N

para B. Entao f ∗E e g∗E sao fibrados equivalentes sobre N .

1.1 Fibrados 25

Omitiremos a demonstracao, e nos concentraremos no decorrente corolario.

Corolario 1.1.2 Seja (E, π,B) um fibrado. E e trivial se B e contratil a um ponto.

Demonstracao. Seja B uma variedade contratil a um ponto. Entao existe uma homotopia

F : B × [0, 1] → B tal que

F (p, 0) = p, F (p, 1) = p0, (1.1.5)

onde p0 ∈ B e um ponto fixo. Seja (E, π,B) um fibrado sobre B e considere os fibrados por

pullback h∗0E e h∗1E, onde ht(p) = F (p, t). O fibrado h∗1E e definido sobre um unico ponto p0

e portanto e um fibrado trivial, h∗1E ' p0 × F . Por outro lado, h∗0E = E, uma vez que h0

e a identidade. Entretanto, de acordo com o teorema anterior, h∗0E e h∗1E sao equivalentes,

entao E e um fibrado trivial.

Trataremos a partir de agora da questao de como fibrados sao classificados e como tipos

diferentes podem ser construıdos.

1.1.2 Fibrados Vetoriais

Um fibrado vetorial n-dimensional (ou fibrado n-plano) e um fibrado onde cada

fibra e dotada com a estrutura de um espaco vetorial n-dimensional, de modo que a seguinte

condicao de trivialidade local e satisfeita: para cada p ∈ B, existe uma vizinhanca U de p e

um homeomorfismo t : π−1(U) → U ×Rn que e um isomorfismo de espaco vetorial para cada

π−1(q) sobre q × Rn, de forma que o seguinte diagrama comuta:

π−1(U)t

π

U × Rn

π1

U

(1.1.6)

Consideramos entao F como Rn e o grupo de estrutura como GL(n,R), uma vez que espacos

vetoriais sao mapeados isomorficamente em espacos vetoriais de mesma dimensao. Se F for

o espaco vetorial complexo Cn, entao o grupo de estrutura sera GL(n,C).

O exemplo mais simples de um fibrado n-plano e B×Rn, com π : B×Rn → B a projecao

sobre o primeiro fator, e a estrutura obvia de espaco vetorial em cada fibra. Esse e chamado

o fibrado n-plano trivial sobre B e e denotado por En(B). Qualquer fibrado equivalente a

En(B) tambem sera dito trivial.

Um fibrado vetorial cuja fibra e unidimensional (F = R ou C) e denominado um fibrado

26 1 Fibrados e Conexoes

p p

p (U)-1 U Rxn

t

1

U

Figura 1.5–Condicao de trivialidade local 1.1.6.

de linha, tal como o cilindro S1 × R, que e um R-fibrado de linha trivial. Outro exemplo, a

faixa de MobiusM pode ser considerada um fibrado vetorial 1-dimensional sobre S1, pois pode

ser obtida de [0, 1]×R pela identificacao (0, a) ∼ (1,−a), enquanto S1 e obtida identificando

0 a 1. A aplicacao π e definida por π(t, a) = t para 0 < t < 1 e π ((0, a), (1,−a)) = 0, 1.Suponha que M admita uma secao s : S1 → M contınua. Tal aplicacao corresponde a uma

funcao contınua s : [0, 1] → R com s(0) = −s(1). Para isso, s deve ser 0 em algum lugar,

entao a secao s deve tambem ser nula em algum lugar, ou seja, s(θ) ∈ π−1(θ) deve ser o

vetor nulo para algum θ ∈ S1. Nao podemos portanto simplesmente escrever M como um

produto S1 ×R (o que ocorreria no caso de um cilindro) pois ocorre a inversao da orientacao

da fibra. M entao nao e um fibrado trivial.

Figura 1.6–Faixa de Mobius.

Tratamos a seguir de alguns exemplos mais importantes de fibrados vetoriais.

Fibrado Tangente

E possıvel atribuir a cada n-variedade M um fibrado n-plano TM sobre M , denominado

1.1 Fibrados 27

o fibrado tangente, que consiste na colecao de todos os espacos tangentes em M :

TM =⋃

p∈M

TpM. (1.1.7)

Para cada aplicacao suave f :M → N associa-se uma aplicacao de fibrados (f∗, f), de forma

que f∗ e a aplicacao diferencial de f . Se U ⊂ M e uma subvariedade aberta, entao TU e

equivalente a TM |U , e para f :M → N a aplicacao (f |U)∗ : TU → TN e a restricao de f∗.

Figura 1.7–Esboco do fibrado tangente a uma circunferencia S1.

Seja Ui uma cobertura aberta deM . Se xµ = ϕi(p) e o sistema de coordenadas em Ui,

um elemento de TUi e especificado por um ponto p ∈ Ui e um vetor V = V µ(p)∂µ|p ∈ TpM .

Se u ∈ T (Ui∩Uj), sendo xµ = ϕi(p) e y

µ = ϕj(p) respectivamente os sistemas de coordenadas

em Ui e Uj , o vetor V correspondendo a u sera

V = V µ ∂

∂xµ|p = V µ ∂

∂yµ|p.

Vemos entao que

V ν =

(∂yν

∂xµ

)

p

V µ, (1.1.8)

onde esperamos que a matriz (Gνµ) ≡ (∂yν/∂xµ) seja nao singular, ou seja, (Gν

µ) ∈ GL(n,R).

As trivializacoes locais sao exibidas por

ψ−1i (u) = (p, V µ), ψ−1

j (u) = (p, V µ). (1.1.9)

Para completar, seja X um campo vetorial em M . X designa um vetor X|p ∈ TpM para

cada ponto p ∈ M . Podemos definir X como uma secao de TM , pois X e visto como uma

aplicacao suave de M → TM , e essa aplicacao nao e totalmente arbitraria uma vez que p

deve ser aplicado em um ponto u ∈ TM tal que π(u) = p.

28 1 Fibrados e Conexoes

Fibrado Dual

O fibrado cotangente T ∗M = ∪p∈MT∗pM e definido similarmente ao fibrado tangente.

Dada uma carta Ui com coordenadas xµ, a base de T ∗pM e tomada como dx1, . . . , dxn,

que e dual a ∂/∂xµ. Se p ∈ Ui ∩ Uj , sendo yµ as coordenadas de Uj , entao uma 1-forma

ω e expressa como

ω = ωµdxµ = ωµdy

µ, (1.1.10)

onde temos que

ωµ =

(∂xν

∂yµ

)

p

ων =(G−1

)νµ(p)ων . (1.1.11)

Generalizando, dado um fibrado vetorial (E, π,M, F ), podemos definir seu fibrado dual

(E∗, π′,M, F ∗), em que a fibra F ∗ de E∗ sera o conjunto de aplicacoes lineares de F para R

(ou C).

Referenciais

No fibrado tangente TM , cada fibra possui uma base ∂/∂xµ = ∂µ dada pelo sistema

de coordenadas xµ em uma carta Ui. Da mesma forma, se M e munida de uma metrica g,

podemos tambem empregar uma base ortonormal eα(p) ∈ Fp para cada p ∈ Ui de forma

que resgatamos

gαβ(p) = 〈eα(p), eβ(p)〉 . (1.1.12)

Ambos os conjuntos ∂µ ou eα formam, assim, campos vetoriais linearmente independentes

sobre Ui.

Assim, seja (E, π,M) um fibrado vetorial com fibra Rk (ou Ck). Em uma carta Ui, π−1(Ui) '

Ui×Rk (Ui e trivial), e podemos escolher k secoes linearmente independentes e1(p), . . . , ek(p)sobre Ui. Diz-se que essas secoes definem um referencial sobre Ui.

...

e (p)1

e (p)2

e (p)k

M

Rk

pUi

Figura 1.8–Um referencial e1(p), . . . , ek(p) sobre Ui.

1.1 Fibrados 29

Dado um referencial sobre Ui, temos uma aplicacao natural Fp → F (= Rk ou C

k) dada

por

V = V αeα(p) 7→ V α ∈ F. (1.1.13)

A trivializacao local e ψ−1i (V ) = (p, V α(p)), onde, por definicao, temos

ψi(p, 0, . . . , 1α, 0, . . . , 0) = eα(p). (1.1.14)

Seja Ui ∩ Uj 6= ∅ e considere a mudanca de referenciais. Em Ui temos um referencial

e1(p), . . . , ek(p) e em Uj, e1(p), . . . , ek(p), onde p ∈ Ui ∩ Uj . Um vetor eβ(p) e entao

expresso como

eβ(p) = eα(p)G(p)αβ , (1.1.15)

onde (G(p)αβ) ∈ GL(k,R) ou GL(k,C). Qualquer vetor V ∈ π−1(p) e expresso como

V = V αeα(p) = V αeα(p), (1.1.16)

e tiramos entao que

V β = G−1(p)βαVα, (1.1.17)

onde G−1(p)βαG(p)αγ = G(p)βαG

−1(p)αγ = δβγ .

Dada uma base geral eα(p) sobre Fp, podemos definir uma base dual eα(p) de F ∗p

por eα(eβ)|p = δαβ .

1.1.3 Fibrados Principais

Um fibrado (P, ρ, B, F,G) e chamado um fibrado principal se F = G e G atua em

si proprio por translacoes a esquerda. Tais fibrados possuem a importante propriedade de

que todos os fibrados nao-principais podem ser contruıdos a partir de (ou “associados”) um

fibrado principal especıfico. Um fibrado principal (P, ρ, B,G) pode tambem ser denotado por

P (B,G) e e usualmente chamado de um G-fibrado principal sobre B.

Mostraremos a seguir que alem da acao a esquerda (que define as funcoes de transicao),

a fibra tambem admite uma acao a direita:

Proposicao 1.1.3 Fibrados principais P (B,G) admitem uma acao livre a direita µ : P×G→P . Alem do mais, orbitas dessa acao sao fibras sobre o fibrado.

30 1 Fibrados e Conexoes

Demonstracao. Considere trivializacoes ψα : Uα ×G→ ρ−1(Uα) e defina

µ(x, g) = ψα(ψ−1α (x) · g), (1.1.18)

onde (b, f) · g = (b, fg), para todo b ∈ B, f, g ∈ G. Chequemos primeiro se essa acao esta

bem definida, isso e, se a definicao nao depende da escolha de ψα. Isso segue do fato que o

grupo de estrutura atua a esquerda e a acao definida acima e uma acao a dirita. De fato,

ψα(ψ−1α (x) · g) = ψα(b, fg) = ψβ(b, θαβ(b)fg) = ψβ ((b, θαβ(b)f) · g) = ψβ(ψ

−1β (x) · g).

(1.1.19)

Para verificar que a acao e livre, basta notar que µ(x, g) = x implica que ψ(b, fg) = ψ(b, f).

Como ψ e bijetora, entao fg = f , o que obriga g = e. A observacao que as orbitas coicidem

com as fibras e imediata da definicao de µ.

P

G

Ua

Ua

b

b

x

xgya

ya (x)

ya (x)g

-1

-1

p

Figura 1.9–Acao a direita de G em P .

Dada uma secao si(p) sobre Ui, definimos uma trivializacao local preferencial ψi : Ui×G→π−1(Ui) como segue: para u ∈ π−1(p), p ∈ Ui, ha um unico elemento gu ∈ G tal que

u = si(p)gu. Entao definimos ψi como ψ−1i (u) = (p, gu). Nessa trivializacao local, a secao

si(p) e expressa como

si(p) = ψi(p, e). (1.1.20)

Essa trivializacao local e chamada a trivializacao local canonica. Por definicao ψi(p, g) =

ψi(p, e)g = si(p)g. Se p ∈ Ui ∩Uj , duas secoes si(p) e sj(p) sao relacionadas pela funcao de

transicao θij(p) como segue:

si(p) = ψi(p, e) = ψj(p, θij(p)e) = ψj(p, θij(p))

= ψj(p, e)θij(p) = sj(p)θij(p). (1.1.21)

Enunciamos a seguir um teorema que propicia uma maneira de construir fibrados principais.

1.1 Fibrados 31

Omitiremos, todavia, sua demonstracao.

Teorema 1.1.4 Seja µ :M ×G→ M uma acao propria livre a direita. Entao M/G admite

uma estrutura suave tal que (M, ρ,M/G,G) e um fibrado principal, onde ρ :M →M/G e a

projecao canonica.

Observamos que a estrutura suave em M/G tem as seguintes propriedades que garantem

sua unicidade:

(i) ρ :M →M/G e suave;

(ii) Para qualquer variedade N e qualquer aplicacao h :M/G→ N , h e suave se e somente

se h ρ e suave.

Como um exemplo simples de fibrado principal, seja G o grupo cıclico Z2 = e, a com

a2 = e, e tomemos a acao do grupo na n-esfera Sn pela troca de pontos antipodais

xe = x e xa = −x. (1.1.22)

Essa acao e livre e da origem a um Z2-fibrado principal cujo espaco base e difeomorfo ao

espaco projetivo real RP n ' Sn/Z2.

A seguir, apresentamos um exemplo importante, que segue como corolario do teorema

1.1.4. Seja H um subgrupo de Lie fechado do grupo de Lie G. Mostraremos que G e um

fibrado principal com fibra H e espaco de base G/H . Defina a acao a direita de H em G

por µ(g, a) = ga, g ∈ G, a ∈ H . A acao a direita e diferenciavel, uma vez que G e um

grupo de Lie. Defina a projecao π : G → G/H pela aplicacao π : g 7→ [g] = gh; h ∈ H.Claramente, g, ga ∈ G sao aplicados ao mesmo ponto [g], π(g) = π(ga) (= [g]). Para definir

as trivializacoes locais, precisamos definir uma aplicacao fi : G → H em cada carta Ui. Seja

s uma secao local sobre Ui e seja g ∈ π−1([g]). Defina fi por fi(g) ≡ s([g])−1g. Como

s([g]) e uma secao em [g], ela e expressa como ga para algum a ∈ H e de acordo com isso

s([g])−1g = a−1g−1g = a−1 ∈ H . Entao definimos uma trivializacao local ψi : Ui ×H → G

por

ψ−1i (g) = ([g], fi(g)).

E facil de ver que fi(ga) = fi(g)a (a ∈ H), assim π−1i (ua) = (p, fi(u)a) e satisfeito.

32 1 Fibrados e Conexoes

1.1.4 Fibrados Associados

Dado um fibrado principal P (M,G) podemos construir um fibrado associado como segue.

Seja G atuando em uma variedade F a esquerda. Defina uma acao de g ∈ G em P × F por

(u, f) 7→ (ug, g−1f), (1.1.23)

onde u ∈ P e f ∈ F . Entao, o fibrado associado (P ×G F, π,M, F,G) e uma classe de

equivalencia P × F/G na qual dois pontos (u, f) e (ug, g−1f) sao identificados.

Consideremos como exemplo o Z2-fibrado principal formado pela acao do grupo Z2 no

cırculo S1, tal como exibido acima, em 1.1.22. O espaco base S1/Z2 e tambem difeomorfo a

S1, e o fibrado e uma dupla cobertura do cırculo por um cırculo. Um numero interessante de

fibrados associados podem ser formados por esse fibrado particular pelo processo de associacao:

1. Z2 atuando em F = [−1, 1] com a ∈ Z2 levando r ∈ [−1, 1] em si proprio (isso e, acao

trivial) corresponde a um cilindro;

2. Z2 atuando nao-trivialmente em [−1, 1] com a ∈ Z2 levando r ∈ [−1, 1] em −r corre-

sponde a uma faixa de Mobius;

3. Z2 atuando em F = S1 com a ∈ Z2 refletindo os elementos do cırculo da fibra no

diametro resulta na garrafa de Klein.

Tomemos agora o caso em que F e um espaco vetorial V de dimensao k. Seja ρ a repre-

sentacao k-dimensional de G. O fibrado vetorial associado P ×ρ V e definido identificando

os pontos (u, v) e (ug, ρ(g)−1v) de P × V , onde u ∈ P, g ∈ G e v ∈ V . A estrutura de um

fibrado vetorial associado E = P ×ρ P e dada a seguir:

(i) A projecao πE : E → M e definida por πE(u, v) = π(u). Essa projecao esta bem

definida, uma vez que πE(ug, ρ(g)−1v) = π(ug) = π(u) = πE(u, v);

(ii) A trivializacao local e dada por ψi : Ui × V → π−1E (Ui);

(iii) A funcao de transicao de E e dada por ρ(θij(p)), onde θij(p) e a de P .

Por outro lado, um fibrado vetorial naturalmente induz um fibrado principal associado a ele,

empregando as mesmas funcoes de transicao.

1.1 Fibrados 33

Fibrado Referencial

Associado ao fibrado tangente TM sobre uma variedadem-dimensionalM esta um fibrado

principal denominado o fibrado referencial

LM =⋃

p∈M

LpM, (1.1.24)

onde LpM denota o conjunto dos referenciais sobre p. Introduzimos coordenadas xµ em uma

carta Ui, entao TpM tem uma base natural ∂µ em Ui. Um referencial u = X1, . . . , Xmem p e expresso como

Xα = Xµα∂µ|p, (1.1.25)

onde 1 ≤ α ≤ m e (Xµα) e um elemento de GL(m,R) tal que Xα sao linearmente

independentes. Definimos trivializacoes locais ψi : Ui ×GL(m,R) → π−1(Ui) por ψ−1i (u) =

(p, (Xµα)).

A estrutura de fibrado de LM e definida como se segue:

(i) Se u = (X1, . . . , Xm) e um referencial em p, definimos πL : LM →M por πL(u) = p;

(ii) A acao de a = (aij) ∈ GL(m,R) no referencial u = (X1, . . . , Xm) e dada por µ(u, a) =

ua, onde ua e um novo referencial em p, definido por

Yβ = Xαaαβ .

Por outro lado, dados quaisquer referenciais Xα e Yβ existe um elemento de

GL(m,R) tal que a relacao de transformacao acima e satisfeita. Portanto GL(m,R)

atua em LM transitivamente;

(iii) Sejam Ui e Uj cartas sobrepostas com coordenadas xµ e yµ, respectivamente. se p ∈Ui ∩ Uj, temos

Xα = Xµα

∂xµ|p = Xµ

α

∂yµ|p,

onde (Xµα), (X

µα) ∈ GL(m,R). Como Xµ

α = (∂xµ/∂yν)pXνα, achamos que a funcao de

transicao θLij(p) e

θLij(p) =

((∂xµ

∂yν

)

p

)

∈ GL(m,R). (1.1.26)

Em relatividade geral, a acao a direita corresponde a transformacao de Lorentz local,

enquanto a acao a esquerda corresponde a transformacao geral de coordenada. Se Xα e

normalizado introduzindo-se uma metrica, a matriz (Xµα) se torna uma tetrada e o grupo de

estrutura reduz-se a O(m).

34 1 Fibrados e Conexoes

Trivialidade de fibrados

O teorema a seguir nos fornece a condicao sob a qual um fibrado principal e trivial, e a

partir desse que qualquer fibrado associado tambem o e.

Teorema 1.1.5 Um fibrado principal e trivial se e somente se ele admitir uma secao global.

Demonstracao. Seja (P, π,M,G) um fibrado principal sobre M e seja s uma secao global do

fibrado. Essa secao pode ser usada para mostrar que existe um homeomorfismo entre P e

M × G. Se a e um elemento de G, o produto s(p)a pertence a fibra em p. Como a acao a

direita e transitiva e livre, qualquer elemento u ∈ P e unicamente escrito como s(p)a para

algum p ∈M e a ∈ G. Defina uma aplicacao Φ : P →M ×G por

Φ : s(p)a 7→ (p, a). (1.1.27)

Dado um aberto U ⊂ M , um aberto em P e da forma π−1(U), que e aplicado por Φ no

aberto (U,G) ∈ M ×G. Por outro lado, a inversa de Φ aplicada ao aberto (U,G) nada mais

e que uma trivializacao em U , e assim tambem contınua. Portanto Φ e um homeomorfismo.

Mostramos, pois, que P e um fibrado trivial M ×G.

Por outro lado, suponha que P 'M ×G. Seja φ :M ×G → P uma trivializacao. Tome

um elemento fixo g ∈ G Entao sg :M → P definida por sg(p) = φ(p, g) e uma secao global.

Se olhamos o caso da faixa de Mobius, como existe um p ∈M tal que s(p) = 0, nao pode-

mos mais construir uma bijecao Φ. Portanto, nao ha como os espacos serem homeomorfos, o

que demonstra a nao-trivilidade.

Corolario 1.1.6 Um fibrado vetorial E e trivial se e somente se seu fibrado principal associado

P (E) admite uma secao global.

Demonstracao. A demonstracao segue do fato de E e P (E) dividirem o mesmo conjunto de

funcoes de transicao.

1.2 Conexoes em Fibrados Principais

Vimos na secao anterior que fibrados sao estruturas poderosas que nos permitem abordar

de forma clara varias questoes de carater topologico/geometrico, algumas das quais podem

1.2 Conexoes em Fibrados Principais 35

ter aplicabilidade fısica, como e o caso dos fibrados referenciais. No entando, ate o momento

sempre selecionamos um ponto na variedade base e trabalhamos em cima da fibra desse

ponto, sem estabelecer relacoes entre diferentes fibras de diferentes pontos. A viabilidade

de trabalharmos com fibrados em teorias fısicas (que usualmente estabelecem uma dinamica

entre os pontos da variedade fısica), ou mesmo em questoes de matematica pura, se da entao

principalmente pela existencia das conexoes, responsaveis por instituir uma derivada covariante

na estrutura do fibrado, e assim fazer a “conexao”entre as diversas fibras.

Seja u um elemento de um fibrado principal P (M,G) e seja Gp a fibra em p = π(u).

Definimos o subespaco vertical VuP como um subspaco de TuP que e tangente a Gp em

u. Uma conexao em P e entao uma separacao, para cada u ∈ P , do espaco tangente TuP

no subespaco vertical VuP e num subespaco horizontal HuP tal que

(i) TuP = HuP ⊕ VuP ;

(ii) Um campo vetorial suave X em P e separado em campos vetoriais suaves XH ∈ HuP

e XV ∈ VuP de modo que X = XH +XV ;

(iii) HugP = Rg∗HuP , para quaisquer u ∈ P e g ∈ G, sendo Rg(u) = ug a acao a direita

de G em P .

p

M

P

p

u

ugV Pug

V Pu H Pu

H Pug

Figura 1.10–Separacao entre subespaco vertical e subespaco horizontal

Vejamos como VuP e construıdo. Tomemos um elemento A ∈ g. Pela acao a direita

Rexp(tA)u = u exp(tA) (1.2.1)

e definida uma curva atraves de u em P . Como π(u) = π(u exp(tA)) = p, essa curva pertence

36 1 Fibrados e Conexoes

ao interior de Gp. Defina um vetor A# ∈ TuP por

A#f =d

dtf(u exp(tA))|t=0, (1.2.2)

onde f : P → R e uma funcao suave arbitraria. O vetor A# e tangente a Gp em u, e assim

A# ∈ VuP . Dessa forma definimos um vetor A# em cada ponto de P e construımos um

campo vetorial A#, denominado o campo vetorial fundamental gerado por A. Ha assim

um isomorfismo # : g → VuP dado por A 7→ A#, para cada u ∈ P .

A condicao (iii) ainda estabelece que um subespaco HuG em u e capaz de gerar todos os

subespacos horizontais sobre a mesma fibra, atraves da aplicacao linear Rg∗ induzida pela acao

a direita. Essa condicao garante que se um ponto u e transportado paralelamente, tambem o

e seu multiplo ug.

Para tornar essa definicao obscura mais tratavel, definimos uma 1-forma conectora

ω ∈ g ⊗ T ∗P como uma projecao de TuP sobre a componente vertical VuP ' g de forma

que, dado um vetor A# ∈ TuP ,

(i) ω(A#) ≡ A, em que A ∈ g.

(ii) R∗gω ≡ Adg−1ω, isso e, para X ∈ TuP ,

R∗gω(X)|ug = ω(Rg∗X)|u ≡ g−1ω(X)g|u (1.2.3)

(a aplicacao Adg−1 levando ω 7→ g−1ωg e denominada acao adjunta). Definimos, assim, o

subespaco horizontal HuP pelo nucleo de ω,

HuP ≡ X ∈ TuP ; ω(X) = 0. (1.2.4)

Verifiquemos que a definicao acima e consistente com a definicao que primeiro demos

para a conexao. Fixe um ponto u ∈ P e seja HuP definido como acima. Tome X ∈ HuP e

construa Rg∗X ∈ TugP . Achamos que

ω(Rg∗X) = R∗gω(X) = g−1ω(X)g = 0, (1.2.5)

uma vez que ω(X) = 0. De acordo com isso, Rg∗X ∈ HugP . Notemos tambem que Rg∗ e

uma aplicacao linear invertıvel, assim qualquer vetor Y ∈ HugP e expresso como Y = Rg∗X

para algum X ∈ HuP .

Mostramos assim que a definicao de uma 1-forma conectora e equivalente a da conexao,

separando TuP em HuP⊕VuP . A 1-forma conectora aqui definida e tambem conhecida como

1.2 Conexoes em Fibrados Principais 37

conexao de Ehresmann.

1.2.1 Forma Conectora Local e Potencial de gauge

Definida a conexao no fibrado, nos e interessante “trazer”essa ferramenta para o espaco

base, que a frente fara o papel de nossa variedade fısica. Dada uma cobertura aberta Ui de

M e uma secao local σi bem definida em cada Ui, introduzimos uma 1-forma Ai com valores

na algebra de Lie g em Ui por

Ai ≡ σ∗i ω ∈ g⊗ Λ1(Ui), (1.2.6)

onde Λ1(Ui) e o espaco das 1-formas diferenciais em Ui.

Como ω e definida em todo P , i.e., a separacao TuP = HuP ⊕ VuP e dada para todo

u ∈ P , devemos ter ωi = ωj em Ui ∩ Uj . Como consequencia, as formas locais Ai devem

satisfazer uma propriedade de transformacao similar a dos sımbolos de Christoffel, o que

procuraremos mostrar a seguir.

Lema 1.2.1 Seja P (M,G) um fibrado principal e σi(σj) uma secao local sobre Ui(Uj) tal

que Ui ∩ Uj 6= ∅. Para X ∈ TpM (p ∈ Ui ∩ Uj), σi∗X e σj∗X satisfazem

σj∗X = Rθij ∗(σi∗X) + (θ−1ij dθij(X))#, (1.2.7)

onde θij : Ui ∩ Uj → G e a funcao de transicao e d o operador derivada exterior.

M

P

X

X

X

p

sisi

sj

sj

*

*

Figura 1.11–ωi = ωj em Ui ∩ Uj implica na relacao 1.2.7 entre σi∗X e σj∗X .

Demonstracao. Tome uma curva γ : [0, 1] → M tal que γ(0) = p e γ(0) = X . Como σi(p)

38 1 Fibrados e Conexoes

e σj(p) sao relacionadas por 1.1.21 do modo σj(p) = σi(p)θij(p), temos

σj∗X =d

dtσj(γ(t))|t=0 =

d

dtσi(t)θij(t)|t=0

=

(d

dtσi(t)

)

θij(p) + σi(p)d

dtθij(t)|t=0

= Rθij ∗(σi∗X) + σj(p)θ−1ij (p)

d

dtθij(t)|t=0, (1.2.8)

onde σi(t) representa σi(γ(t)) e assumimos que G e um grupo matricial para o qual Rg∗X =

Xg. Notemos que

θ−1ij (p)dθij(X) = θ−1

ij (p)d

dtθij(t)|t=0 =

d

dt

[θ−1ij (p)θij(t)

]|t=0 ∈ TeG ' g, (1.2.9)

pois θ−1ij (p)θ(γ(t)) = e em t = 0. Isso mostra que o segundo termo de σj∗X representa o

campo vetorial (θ−1ij dθij(X))# (definido em 1.2.2) em σj(p).

A condicao que procuramos e entao obtida aplicando a 1-forma conectora ω na equacao

do lema acima. Temos entao

σ∗jω(X) = ω(σj∗X) = ω[Rθij∗(σi∗(X))] + ω

[(θ−1

ij dθij(X))#]

= R∗θijω(σi∗X) + θ−1

ij dθij(X)

= θ−1ij σ

∗i ω(X)θij + θ−1

ij dθij(X), (1.2.10)

onde utilizamos as condicoes da definicao da 1-forma conectora ω. Como isso e verdadeiro

para qualquer X ∈ TpM , a equacao acima reduz-se a

Aj = θ−1ij Aiθij + θ−1

ij dθij , (1.2.11)

que e a condicao de compatibilidade que procuravamos.

Por outro lado, dada um cobertura aberta Ui, as secoes locais σi e formas locais

Ai que satisfazem a equacao acima, podemos construir a 1-forma ω sobre P . Como um

fibrado nao-trivial nao admite uma secao global, o pullback Ai = σ∗i ω existe localmente mas

nao necessariamente globalmente. Em teorias de gauge identificamos Ai ao potencial de

gauge. Relacionamos a liberdade na escolha de gauge com a escolha da trivializacao local, e

assim a condicao 1.2.11 exprime tal relacao. Em resumo, a acao do grupo de estrutura sobre

a 1-forma Ai se torna a responsavel por gerar a liberdade de gauge encontrada no sistema

fısico.

Convem ressaltar novamente que ω e definida globalmente sobre o fibrado P (M,G).

Embora haja muitas 1-formas conectoras em P (M,G), elas compartilham a mesma informacao

1.2 Conexoes em Fibrados Principais 39

global acerca do fibrado. Por outro lado, uma peca local individual (potencial de gauge) Ai

e associada com o fibrado trivial π−1(Ui) e nao pode ter qualquer informacao global sobre P .

E ω, ou equivalentemente, o total de Ai satisfazendo a condicao de compatibilidade, que

carrega a informacao global sobre o fibrado.

U(1)-Fibrado

Olhemos para o exemplo de um U(1)-fibrado P sobre M . Sejam cartas sobrepostas Ui e

Uj, e Ai (Aj) uma forma conectora local em Ui (Uj). A funcao de transicao θij : Ui ∩ Uj →U(1) e dada por

θij(p) = exp[iχ(p)], χ(p) ∈ R. (1.2.12)

Como U(1) e abeliano, Ai e Aj sao relacionados por

Aj(p) = θ−1ij (p)Ai(p)θij(p) + θ−1

ij (p)dθij(p) = Ai(p) + idχ(p). (1.2.13)

Em componentes, temos a expressao

Ajµ = Aiµ + i∂µχ. (1.2.14)

1.2.2 Levantamento Horizontal e Transporte Paralelo

A instituicao da conexao, separando o espaco dos vetores verticais (tangentes a fibra)

em um determinado ponto do fibrado do espaco dos vetores horizontais, pertencentes ao

nucleo da 1-forma conectora, nos permite tratar agora de movimentos no fibrado. Para isso,

primeiramente trataremos de relacionar uma trajetoria no espaco base a uma no espaco total.

Seja P (M,G) um G-fibrado e seja γ : [0, 1] → M uma curva em M . Uma curva

γ : [0, 1] → P e dita um levantamento horizontal de γ se π (γ) = γ e o vetor tangente a

γ(t) sempre pertence a Hγ(t)P . Se X e um vetor tangente a γ, entao ele satisfaz ω(

X)

= 0

por definicao. Essa condicao e uma equacao diferencial ordinaria, e o terema fundamental de

EDO’s garante a existencia local e a unicidade do levantamento horizontal.

Teorema 1.2.2 Seja γ : [0, 1] → M uma curva em M e seja u0 ∈ π−1(γ(0)). Entao existe

um unico levantamento horizontal γ(t) em P tal que γ(0) = u0.

Vamos construir tal curva γ. Seja Ui uma carta que contem γ e tomemos uma secao

σi sobre Ui. Se existe um levantamento horizontal γ, ele pode ser expresso como γ(t) =

σi(γ(t))gi(t), para algum gi(t) ≡ gi(γ(t)) ∈ G. Nossa intencao e, entao, derivar uma equacao

que determine gi(t) em cada ponto, a partir da conexao ω.

40 1 Fibrados e Conexoes

M

P

Ui g

g~

u0

s

Figura 1.12–Levantamento horizontal γ(t) de γ(t) ∈ Ui.

Sem perda de generalidade, podemos tomar uma secao tal que σi(γ(0)) = γ(0), ou seja,

gi(0) = e. Seja X um vetor tangente a γ(t) em γ(0); cometeremos entao o abuso de notacao

e chamaremos de γ∗ : Tγ(t)M → Tγ(t)P a aplicacao levando X no vetor X , tangente a γ

em u0 = γ(0) (o abuso se da porque γ : [0, 1] → P , e nao faz sentido definir uma aplicacao

γ∗X tal como a definicao de push-forward). Como o vetor tangente X e horizontal, satisfaz

ω(

X)

= 0. Uma pequena modificacao no lema 1.2.1 gera

X = gi(t)−1σi∗Xgi(t) +

[gi(t)

−1dgi(X)]#. (1.2.15)

Aplicando ω na equacao, temos

0 = ω(

X)

= gi(t)−1ω (σi∗X) gi(t) + gi(t)

−1dgi(t)

dt. (1.2.16)

Multiplicando a esquerda por gi(t),

dgi(t)

dt= −ω(σi∗X)gi(t), (1.2.17)

e o teorema fundamental das EDO’s garante a existencia e a unicidade da solucao.

Como ω(σi∗X) = σ∗i ω(X) = Ai(X), a equacao acima e expressa em uma forma local

dgi(t)

dt= −Ai(X)gi(t), (1.2.18)

1.2 Conexoes em Fibrados Principais 41

cuja solucao formal com gi(0) = e e

gi(γ(t)) = P exp

(

−∫ t

0

Aiµdxµ

dtdt

)

= P exp

(

−∫ γ(t)

γ(0)

Aiµ(γ(t))dxµ

)

, (1.2.19)

onde P e o operador de ordenacao do caminho ao longo de γ(t). O levantamento horizontal

e expresso como γ(t) = σi(γ(t))gi(γ(t)).

Corolario 1.2.3 Seja γ′ outro levantamento horizontal de γ, tal que γ′(0) = γ(0)g. Entao

γ′(t) = γ(t)g para todo t ∈ [0, 1].

Demonstracao. Notemos primeiramente que o subespaco horizontal e invariante a direita,

Rg∗HuP = HugP . Seja γ um levantamento horizontal de γ. Entao γg : t 7→ γ(t)g e tambem

um levantamento horizontal de γ(t), uma vez que seu vetor tangente pertence a HγgP . Do

teorema 1.2.2 achamos que γ′ e o unico levantamento horizontal que comeca em γ(0)g.

M

g(t)

g(t)

g(t)

~

~ g

gg

u0

u0

u1

u1

Figura 1.13–Uma curva γ(t) em M e seus levantamentos horizontais γ(t) e γ(t)g.

Consideremos como exemplo o fibrado P (M,R) ' M × R, para M = R2 − 0. Seja

φ : ((x, y), f) → u ∈ P uma trivializacao local, onde (x, y) sao as coordenadas de M ,

enquanto f e do grupo aditivo R. Entao

ω =ydx− xdy

x2 + y2+ df (1.2.20)

e uma 1-forma conectora. Para vermos isso, dado A# = A ∂∂f, A ∈ R um elemento da algebra

42 1 Fibrados e Conexoes

de Lie do grupo aditivo, temos

ω(A#)=

1

x2 + y2

[

ydx

(

A∂

∂f

)

− xdy

(

A∂

∂f

)]

+ df

(

A∂

∂f

)

= A.

Alem do mais, Rg∗ω = ω = g−1ωg, uma vez que R e abeliano. Seja γ : [0, 1] → M uma curva

t 7→ (cos 2πt, sin 2πt). Trabalharemos um levantamento horizontal que comeca em ((1, 0), 0).

Seja

X =d

dt≡ dx

dt

∂x+dy

dt

∂y+df

dt

∂f

tangente a γ(t). Para X ser horizontal, deve satisfazer

0 = ω(X) =dx

dt

y

r2− dy

dt

x

r2+df

dt= −2π +

df

dt⇒ f = 2πt+ cte.

Encontramos, pois, o levantamento horizontal γ passando por ((1, 0), 0),

γ(t) = ((cos 2πt, sin 2πt), 2πt),

que e uma helice sobre o cırculo unitario. Sob a acao do grupo (a direita ou a esquerda, nao

importa), f translada para f + g, g ∈ R. O levantamento horizontal deslocado e

γg = ((cos 2πt, sin 2πt), 2πt+ g).

Tomemos agora uma curva γ : [0, 1] → M , e um ponto u0 ∈ π−1(γ(0)). Ha um unico

levantamento horizontal γ(t) atraves de u0, e assim um unico ponto u1 = γ(1) ∈ π−1(γ(1)).

O ponto u1 e chamado o transporte paralelo de u0 ao longo de γ, e define uma aplicacao

Γ(γ) : π−1(γ(0)) → π−1(γ(1)) levando u0 a u1. Empregando a forma local, temos

u1 = σi(1)P exp

(

−∫ 1

0

Aiµdxµ(γ(t))

dtdt

)

. (1.2.21)

Pelo corolario 1.2.3, podemos mostrar que Γ(γ) comuta com a acao a direita Rg. Primeiro

note que RgΓ(γ)(u0) = u1g e Γ(γ)Rg(u0) = Γ(γ)(u0g). Observe que γ(t)g e um levanta-

mento horizontal por u0g e u1g, e da unicidade do levantamento horizontal por u0g, temos

u1g = Γ(γ)(u0g), isso e, RgΓ(γ)(u0) = Γ(γ)Rg(u0). Como isso e verdade para qualquer

u0 ∈ π−1(γ(0)), vemos que

RgΓ(γ) = Γ(γ)Rg. (1.2.22)

1.2 Conexoes em Fibrados Principais 43

1.2.3 Holonomias

Vemos em 1.2.21 que o transporte paralelo ao longo de um levantamento horizontal γ de

uma curva γ deM depende de todo o caminho da curva, e nao somente de suas extremidades.

Dessa forma, se consideramos duas curvas α, β : [0, 1] → M com α(0) = β(0) = p0 e

α(1) = β(1) = p1 e seus levantamentos horizontais α e β tais que α(0) = β(0) = u0, nao

necessariamente teremos α(1) = β(1). Mais ainda, se considerarmos um loop γ : [0, 1] →M em p = γ(0) = γ(1), no geral teremos γ(0) 6= γ(1). Um loop γ define assim uma

transformacao τγ : π−1(p) → π−1(p) na fibra, que e compatıvel com a acao a direita do

grupo,

τγ(ug) = τγ(u)g, (1.2.23)

o que segue diretamente de RgΓ = ΓRg. Notemos, todavia, que τγ nao depende apenas do

loop γ, mas tambem da conexao.

Voltemos a 1-forma conectora 1.2.20 e o loop γ, definidos no R-fibrado sobre M =

R2 − 0. ω e γ definem ali uma aplicacao τγ : π−1((1, 0)) → π−1((1, 0)), que leva g 7→g + 2π, g ∈ R.

M

P

~

~u0

a

a

b

b

M

P~

u0

g

gu1

(a) (b)

tg

Figura 1.14 – (a) Duas curvas α, β com mesmas extremidades podem resultar transportes paralelosdiferentes em seus levantamentos horizontais; (b) o levantamento horizontal de um loop

nao necessariamente e fechado.

Tomemos um ponto u ∈ P com π(u) = p e consideremos o conjunto de loops Cp(M)

44 1 Fibrados e Conexoes

em p,

Cp(M) ≡ γ : [0, 1] → M ; γ(0) = γ(1) = p. (1.2.24)

O conjunto de elementos

Φu ≡ g ∈ G; τγ(u) = ug, γ ∈ Cp(M) (1.2.25)

e um subgrupo do grupo de estrutura G, que denominaremos grupo de holonomia em u.

Se α, β e γ = α ∗ β sao loops em p, temos τγ = τβτα, assim

τγ(u) = τβτα(u) = τβ(u)gα = ugβgα. (1.2.26)

Isso mostra que

gγ = gβgα. (1.2.27)

O loop constante c : [0, 1] → p define a transformacao identidade τc : u 7→ u. O loop inverso

γ−1 de γ induz a transformacao inversa τγ−1 = τ−1γ , e assim gγ−1 = g−1

γ .

1.2.4 Curvatura

Vamos agora definir uma derivada covariante sobre o fibrado, e com isso determinar uma

curvatura para a conexao. Para isso, precisamos primeiramente generalizar a operacao de

derivada exterior de r-formas reais, dada por A.1.20, para r-formas com valor vetorial φ ∈Λr(P )⊗ V ,

φ : TP ⊗ · · · ⊗ TP → V, (1.2.28)

onde V e um espaco vetorial de dimensao k. A forma mais geral de φ e φ = φα ⊗ eα, onde

eα e uma base de V e φα ∈ Λr(P ). Lembramos ainda que uma conexao ω decompoe um

campo vetorial suave X em TuP em duas componentes XH ∈ HuP e XV ∈ VuP .

Seja φ ∈ Λr(P )⊗ V e X1, . . . , Xr+1 ∈ TuP . A derivada covariante de φ e definida por

Dφ(X1, . . . , Xr+1) ≡ dPφ(XH1 , . . . , X

Hr+1), (1.2.29)

onde dP e a derivada exterior em P e dPφ ≡ dPφα ⊗ eα. A 2-forma de curvatura Ω e a

derivada covariante da 1-forma conectora ω,

Ω ≡ Dω ∈ Λ2(P )⊗ g. (1.2.30)

Tomemos uma p-forma ζ = ζα⊗Tα e uma q-forma η = ηα⊗Tα, onde ζα ∈ Λp(M), ηα ∈

1.2 Conexoes em Fibrados Principais 45

Λq(M) e Tα e uma base de g. Defina o comutador de ζ e η por

[ζ, η] ≡ ζ ∧ η − (−1)pqη ∧ ζ= TαTβζ

α ∧ ηβ − (−1)pqTβTαηβ ∧ ζα

= [Tα, Tβ]⊗ ζα ∧ ηβ

= f γαβTγ ⊗ ζα ∧ ηβ. (1.2.31)

Se fazemos ζ = η, entao

[ζ, ζ ] = 2ζ ∧ ζ = f γαβTγ ⊗ ζα ∧ ζβ. (1.2.32)

O teorema abaixo nos fornece uma formula para a 2-forma de curvatura:

Teorema 1.2.4 Sejam X, Y ∈ TuP . Entao Ω e ω satisfazem a equacao de estrutura de

Cartan

Ω(X, Y ) = dPω(X, Y ) + [ω(X), ω(Y )], (1.2.33)

que e tambem escrita como

Ω = dPω + ω ∧ ω. (1.2.34)

A demonstracao do teorema consiste em considerar em separado as possibilidades de

combinacoes de X, Y pertercendo a HuP ou VuP , e verificar se a equacao acima e coerente

com a definicao da 2-forma de curvatura. Omitiremos aqui a demonstrcao. Vejamos contudo

como chegar da primeira para a segunda equacao do teorema. Notemos que

[ω, ω](X, Y ) = [Tα, Tβ]ωα ∧ ωβ(X, Y )

= [Tα, Tβ](ωα(X)ωβ(Y )− ωβ(X)ωα(Y )

)

= [ω(X), ω(Y )]− [ω(Y ), ω(X)]

= 2[ω(X), ω(Y )]. (1.2.35)

Assim,

Ω(X, Y ) =

(

dPω +1

2[ω, ω]

)

(X, Y ) = (dPω + ω ∧ ω) (X, Y ). (1.2.36)

Significado Geometrico da Curvatura

A curvatura em fibrados principais possui uma interpretacao similar a do tensor de cur-

vatura de Riemman, que expressa a nao-comutatividade do transporte paralelo de vetores.

46 1 Fibrados e Conexoes

Para ver isso, comecemos mostrando que Ω(X, Y ) gera a componente vertical do colchete de

Lie [X, Y ] de vetores horizontais X, Y ∈ HuP . Segue de ω(X) = ω(Y ) = 0 que

dPω(X, Y ) = Xω(Y )− Y ω(X)− ω ([X, Y ]) = −ω ([X, Y ]) , (1.2.37)

e como XH = X e Y H = Y , temos

Ω(X, Y ) = dPω(X, Y ) = −ω ([X, Y ]) . (1.2.38)

Dado um sistema de coordenadas xµ em uma carta U , sejam V = ∂∂x1 e W = ∂

∂x2 .

Consideremos entao o levantamento horizontal γ de um paralelogramo infinitesimal γ, cujos

vertices sao O = (0), P = (ε, 0, . . . , 0), Q = (ε, δ, 0, . . . , o) e R = (0, δ, 0 . . . , 0). Sejam

X, Y ∈ HuP tais que π∗X = εV e π∗Y = δW , entao

π∗([X, Y ]#

)= εδ[V,W ] = εδ

[∂

∂x1,∂

∂x2

]

= 0, (1.2.39)

isso e, [X, Y ] e vertical. A consideracao acima mostra que o levantamento horizontal γ de

um loop γ falha em fechar. Essa falha e proporcional ao vetor vertical [X, Y ] conectando o

ponto inicial e o ponto final na mesma fibra. A curvatura mede essa distancia,

Ω(X, Y ) = −ω ([X, Y ]) = A, (1.2.40)

onde A e um elemento de g tal que [X, Y ] = A#.

Como a discrepancia entre os pontos inicial e final do levantamento horizontal de uma

curva fechada e simplesmente a holonomia, esperamos que o grupo de holonomia seja expresso

em termos da curvatura.

Teorema 1.2.5 Seja P (M,G) um G-fibrado sobre uma variedade conexa M . A algebra de

Lie h do grupo de holonomia Φu0 de um ponto u0 ∈ P concorda com a sub-algebra de g

gerada pelos elementos da forma

Ωu(X, Y ), X, Y ∈ HuP,

onde u ∈ P e um ponto no mesmo levantamento horizontal que u0.

Forma Local

Podemos definir uma forma local F da curvatura Ω, que chamaremos de forca do campo,

por

F ≡ σ∗Ω, (1.2.41)

1.2 Conexoes em Fibrados Principais 47

onde σ e uma secao local definida em uma carta U de M (tal como definimos A). F e entao

expressa em termos do potencial de gauge como

F = dA+A ∧A, (1.2.42)

pois A = σ∗ω, σ∗dPω = dσ∗ω e σ∗(ζ ∧ η) = σ∗ζ ∧ σ∗η. A acao de F em vetores de TM e

dada por

F(X, Y ) = dA(X, Y ) + [A(X),A(Y )]. (1.2.43)

Achemos, agora, a expressao em componentes para F em uma carta ((xµ), U). Seja

A = Aµdxµ, A ∈ g, o potencial de gauge. Entao

dA(∂κ, ∂λ) = ∂µAνdxµ ∧ dxν(∂κ, ∂λ) = ∂µAν det

〈dxµ, ∂κ〉 〈dxµ, ∂λ〉

〈dxν , ∂κ〉 〈dxν , ∂λ〉

= ∂µAν det

δµκ δµλ

δνκ δνλ

= ∂µAν(δµκδ

νλ − δµλδ

νκ)

= ∂κAλ − ∂λAκ. (1.2.44)

Por outro lado, temos que

(∂µAν − ∂νAµ)dxµ ∧ dxν(∂κ, ∂λ) = (∂µAν − ∂νAµ)(δ

µκδ

νλ − δµλδ

νκ)

= ∂κAλ − ∂λAκ − ∂λAκ + ∂κAλ = 2(∂κAλ − ∂λAκ). (1.2.45)

Assim, podemos escrever

dA =1

2(∂µAν − ∂νAµ) dx

µ ∧ dxν . (1.2.46)

Como temos tambem que [A(X),A(Y )] = 12[A,A](X, Y ), se escrevermos F = 1

2Fµνdx

µ ∧dxν , encontramos que

Fµν = ∂µAν − ∂νAµ + [Aµ,Aν], (1.2.47)

e como Aµ e Fµν sao funcoes com valores em g, podemos expandi-las em termos da base

Ti de g (aqui usamos letras romanas para o ındice da algebra, e reservamos as letras gregas

para as coordenadas),

Aµ = AiµTi e Fµν = F i

µνTi. (1.2.48)

Os vetores da base satisfazem a relacao de comutacao usual [Ti, Tj] = f kij Tk, e portanto

48 1 Fibrados e Conexoes

obtemos a expressao

F iµν = ∂µA

iν − ∂νA

iµ + f i

jk AjµA

kν . (1.2.49)

Identidade de Bianchi

Para completar, mostraremos que a 2-forma de curvatura satisfaz a identidade de

Bianchi:

DΩ = 0, (1.2.50)

e acharemos uma forma local para ela. Temos que

DΩ(X, Y, Z) = dPΩ(XH , Y H , ZH),

onde X, Y, Z ∈ TuP . Como ω e Ω assumem valores em g, os expandimos em termos da base

Ti de g. A equacao para Ω fica entao

Ωi = dPωi + f i

jk ωj ∧ ωk. (1.2.51)

Aplicando a derivada exterior,

dPΩi = f i

jk dPωj ∧ ωk + f i

jk ωj ∧ dPω

k, (1.2.52)

mas ω(XH) = 0 para qualquer X , e a identidade esta provada.

Determinemos uma forma local da identidade de Bianchi. Aplicando σ∗ na ultima equacao,

temos que σ∗dPΩ = dσ∗Ω = dF para o lado esquerdo e

σ∗(dPω∧ω−ω∧dPω) = dσ∗ω∧σω−σ∗ω∧dσ∗ω = dA∧A−A∧dA = F∧A−A∧F (1.2.53)

para o lado direito. Portanto,

DF = dF +A ∧F − F ∧ A = dF + [A,F ] = 0, (1.2.54)

onde definimos a acao de D em uma p-forma η de valor em g por

Dη ≡ dη + [A, η]. (1.2.55)

1.3 A Derivada Covariante em Fibrados Vetoriais Associados 49

1.3 A Derivada Covariante em Fibrados Vetoriais Asso-

ciados

E bastante comum, em teorias fısicas, a necessidade de derivar um campo vetorial. Es-

crevendo as teorias em termos de fibrados vetoriais, tais campos vetoriais se tornam secoes

no fibrado. Por exemplo, um campo escalar carregado e considerado como uma secao de

um fibrado de linha complexo (ou seja, um fibrado de fibra C) associado a um U(1)-fibrado

P (M,U(1)). Temos, assim, que diferenciar secoes covariantemente e muito importante na

construcao de acoes invariantes de gauge.

Vimos, ate agora, como instituir uma derivada covariante em um fibrado principal P (M,G),

a partir da 1-forma conectora ω. A partir daı, podemos tambem definir uma derivada covari-

ante nos fibrados associados a P de uma maneira natural. Consideremos entao, para um

G-fibrado P (M,G) de projecao πP , uma secao σi sobre uma carta Ui de M , e a trivial-

izacao canonica φi(p, e) = σi(p). Seja tambem γ um levantamento horizontal de uma curva

γ : [0, 1] → Ui, com γ(0) = p0 e γ(0) = u0.

Associado a P , temos um fibrado vetorial E = P ×ρ V com a projecao πE . Sejam

X ∈ Tp0M um vetor tangente a γ(t) em p0 e s ∈ Γ(M,E) uma secao, ou um campo vetorial,

emM . Escrevemos um elemento de E como [(u, v)] = (ug, ρ−1(g)v); u ∈ P, v ∈ V, g ∈ G.

Quando tomamos um representante da classe de equivalencia, fixamos o gauge. Escolhe-

mos entao a seguinte forma,

s(p) = [(σi(p), ξ(p))] , ξ(p) ∈ V, (1.3.1)

como um representante.

Para definir o transporte paralelo de um vetor em E ao longo de uma curva γ : [0, 1] →M ,

procuramos uma definicao que seja intrınseca, ou seja, independente da escolha de coordenadas

adotadas na representacao. Uma primeira escolha nos leva a olhar para 1.3.1, e definir que

“ξ e transportado paralelamente se ξ(γ(t)) e constante ao longo de γ(t)”. No entanto, tal

“definicao”e dependente da escolha da secao σi(p): se considerada um outra secao σj(p),

temos por 1.1.21 que σj(p) = σi(p)θij(p), e entao (omitindo ρ para simplificar a notacao e

usando apenas t para a variacao ao longo de γ(t)),

[(σi(t), ξ(t))] =[(σj(t), θ

−1ij (t)ξ(t)

)], (1.3.2)

e o elemento θ−1ij (γ(t))ξ(γ(t)) nao e mais constante.

50 1 Fibrados e Conexoes

Definimos entao um vetor como transportado paralelamente se e constante com re-

speito ao levantamento horizontal γ de γ em P . Em outras palavras, uma secao s(γ(t)) =

[(γ(t), η(γ(t)))] e transportada paralelamente se η e constante ao longo de γ(t). Essa definicao

e intrınseca pois se γ′ e outro levantamento horizontal de γ, entao pode ser escrito como

γ′(t) = γ(t)a, a ∈ G, e temos ,

[(γ(t), η(t))] =[(γ′(t), a−1η(t)

)], (1.3.3)

onde η(t) esta para η(γ(t)). Assim, se η(t) e constante ao longo de γ(t), tambem o e seu

multiplo constante a−1η(t).

Definimos a derivada covariante de s(t) ao longo de γ(t) em p0 = γ(0) por

∇Xs ≡[(

γ(0),d

dtη(γ(t))

∣∣∣∣t=0

)]

, (1.3.4)

onde X e o vetor tangente a γ(t) em p0. Para que essa definicao seja intrınseca, nao deve

depender da informacao extra, que e o levantamento horizontal. Seja entao γ′(t) = γ(t)a, a ∈G, outro levantamento horizontal de γ. Se escolhemos “o”levantamento horizontal como γ′(t),

temos um representante [(γ′(t), a−1η(t))]. A derivada covariante e agora dada por

[(

γ′(0),d

dt

a−1η(t)

∣∣∣∣t=0

)]

=

[(

γ′(0)a−1,d

dtη(t)

∣∣∣∣t=0

)]

, (1.3.5)

que concorda com a definida anteriormente. Assim, ∇Xs depende somente do vetor tangente

X e das secoes s ∈ Γ(M,E), e nao do levantamento horizontal γ(t). Nossa definicao depende

somente de uma curva γ e uma conexao, e nao de trivializacoes locais.

Ate agora definimos a derivada covariante num ponto p0 = γ(0). Esta claro que se X e

um campo vetorial, ∇X aplica uma secao s em uma nova secao ∇Xs, assim ∇X e tomada

como uma aplicacao Γ(M,E) → Γ(M,E). Para ser mais preciso, tome X ∈ T (M) cujo

valor em p e Xp ∈ TpM . Ha uma curva γ(t) tal que γ(0) = p e sua tangente em p e Xp.

Entao qualquer levantamento horizontal γ(t) de γ nos permite calcular a derivada covariante

∇Xs|p ≡ ∇Xps. Tambem definimos uma aplicacao ∇ : Γ(M,E) → Γ(M,E)⊗ Ω1(M) por

∇s(X) ≡ ∇Xs; X ∈ T (M), s ∈ Γ(M,E). (1.3.6)

1.3.1 Expressao Local para a Derivada Covariante

E conveniente que tenhamos uma representacao em coordenadas locais da derivada co-

variante. Dados o G-fibrado P (M,G) e um fibrado vetorial associado E = P ×ρ V , definimos

1.3 A Derivada Covariante em Fibrados Vetoriais Associados 51

uma secao local σi ∈ Γ(Ui, P ) e usamos a trivializacao canonica σi(p) = φi(p, e). Para

γ : [0, 1] → M uma curva em Ui, escrevemos entao seu levantamento horizontal γ como

γ(t) = σi(t)gi(t), (1.3.7)

onde gi(t) ≡ gi(γ(t)) ∈ G.

Tomemos uma secao eα(p) ≡ [(σi(p), e0α)] de E, onde e

0α e o α-esimo vetor basico de V ,

(e0α)β = δβα. Temos

eα(t) =[(γ(t)gi(t)

−1, e0α)]

=[(γ(t), gi(t)

−1e0α)], (1.3.8)

onde gi(t)−1 atua em e0α para compensar a mudanca de base ao longo de γ. A derivada

covariante de eα e entao dada por

∇Xeα =

[(

γ(0),d

dt

gi(t)

−1e0α∣∣∣∣t=0

)]

=

[(

γ(0), − gi(t)−1

d

dtgi(t)

gi(t)−1e0α

∣∣∣∣t=0

)]

=[(γ(0)gi(0)

−1, Ai(X)e0α)]. (1.3.9)

Assim,

∇Xeα =[(σi(0),Ai(X)e0α

)]. (1.3.10)

Agora, escrevendo Ai em componentes, temos Ai = Aiµdxµ = A α

iµ βdxµ, onde A α

iµ β ≡A γ

iµ (Tγ)αβ. Entao

Ai(X)e0α =dxµ

dte0βA β

iµ γδγα =

dxµ

dtA β

iµ αe0β. (1.3.11)

Temos, assim, usando 1.3.9, que

∇Xeα =

[(

σi(0),dxµ

dtA β

iµ αe0β

)]

=dxµ

dtA β

iµ αeβ , (1.3.12)

ou

∇eα = A βi αeβ. (1.3.13)

Em particular, para uma curva coordenada xµ, temos

∇µeα = A βiµ αeβ. (1.3.14)

Por construcao, a derivada covariante e independente da trivializacao local, o que tambem

e observado da forma local de ∇Xs. Se σi(p) e σj(p) sao secoes locais de cartas sobrepostas

52 1 Fibrados e Conexoes

Ui e Uj , em Ui ∩ Uj temos σi(p) = σj(p)θij(p). Na i-trivializacao, temos

∇Xs =

[(

σi(0),dξidt

+Ai(X)ξi

∣∣∣∣t=0

)]

=

[(

σj(0)θ−1ij ,

d

dt(θijξj) +Ai(X)θijξj

∣∣∣∣t=0

)]

=

[(

σj(0),dξjdt

+Aj(X)ξj

∣∣∣∣t=0

)]

. (1.3.15)

Vimos, entao, que a derivada covariante e independente do levantamento horizontal tal

como da secao local. O potencial de gauge Ai se transforma sob a mudanca de trivializacao

tal que ∇Xs seja uma secao bem definida em E, e nesse senso, ∇X e a derivada mais natural

em um fibrado vetorial associado que e compatıvel com a conexao no fibrado principal P .

Fibrado Referencial

Consideremos o exemplo de um fibrado referencial LM sobre M , com TM seu fibrado

associado. Notemos que LM = P (M,GL(m,R)) e TM = LM ×ρ Rm, onde m = dimM

e ρ e a representacao m × m-matricial de GL(m,R). Elementos de gl(m,R) sao matrizes

m×m. Reescrevamos a conexao local Ai como Ai = Γαµβdx

µ. Achamos entao que

∇µeα = [(σi(0),Γµe0α)] = Γβ

µαeβ . (1.3.16)

Para uma secao geral (campo vetorial) s(p) = [(σi(p), Xi(p))] = Xαi (p)eα, nos temos

∇∂µs =

(∂

∂xµXα

i + ΓαµβX

βi

)

eα. (1.3.17)

Convem, entretanto, observar que os papeis praticados por α, β, µ em Γαµβ sao bem diferentes

em seus carateres: µ e o ındice de Ω1(M), enquanto que α e β sao ındices em gl(mR).

Veremos, quando tratarmos as variaveis de Ashtekar para a gravitacao, que Γαµβ correspondera

a nossa conexao de spin.

SU(2)-Yang-Mills

Consideremos a teoria SU(2) de Yang-Mills em M . Os fibrados relevantes sao o SU(2)-

fibrado P (M,SU(2)) e seu fibrado associado E = P ×ρ C2, onde tomamos a representacao

bisimensional. O potencial de gauge em uma carta Ui e

Ai = Aiµdxµ = A α

(σα2i

)

dxµ, (1.3.18)

onde σα/2i sao geradores de SU(2), σα sendo as matrizes de Pauli. Sejam e0α (α = 1, 2)

1.3 A Derivada Covariante em Fibrados Vetoriais Associados 53

vetores basicos de C2, e considere secoes

eα(p) ≡[(σi(p), e

)], (1.3.19)

onde σi(p) define uma trivializacao canonica de P sobre Ui. Seja φ(p) = [(σi(p),Φα(p)e0α)]

uma secao de E sobre M . Ao longo de um levantamento horizontal γ(t) = σi(t)U(t), U(t) ∈SU(2), temos

φ(t) =[(γ(t), g(t)−1Φα(t)e0α

)]. (1.3.20)

A derivada covariante de φ ao longo de X = d/dt e

∇Xφ =

[(

γ(0), g(0)−1dΦα(0)

dte0α

)]

+[(γ(0), g(0)−1Ai(X)αβΦ

β(0)e0α)]

= Xµ

(∂Φα

∂xµ+A α

iµ βΦβ

)

eβ . (1.3.21)

1.3.2 Curvatura Rederivada

Determinada a derivada covariante para fibrados associados, resta-nos achar uma expressao

que relacione a curvatura no fibrado associado com a 2-forma de curvatura do fibrado principal.

Vimos em 1.3.6 que a derivada covariante∇Xs define um operador ∇ : Γ(M,E) → Γ(M,E⊗Ω1(M)) por ∇s(X) = ∇Xs. Generalizando, definiremos a acao de ∇ em uma p-forma de

valor vetorial s⊗ η, com η ∈ Ωp(M), como

∇(s⊗ η) ≡ (∇s) ∧ η + s⊗ dη. (1.3.22)

Dados Ui uma carta deM e σi uma secao de P sobre Ui, tomemos a trivializacao canonica

sobre Ui. Mostraremos agora que a forma local da curvatura aparece em

∇∇eα = eβ ⊗ F βi α, (1.3.23)

onde eα = [(σi, e0α)] ∈ Γ(Ui, E). De fato, por calculo direto, achamos que

∇∇eα = ∇(

eβ ⊗A βi α

)

= ∇eβ ∧ A βi α + eβ ⊗ dA β

i α

= eβ ⊗(

dA βi α +A β

i γ ∧ A γi α

)

= eβ ⊗F βi α. (1.3.24)

Se s(p) = ξα(p)eα(p) e uma secao de E, entao

∇∇s = eβ ⊗F βi αξ

α. (1.3.25)

54 1 Fibrados e Conexoes

Encerramos, dessa forma, nosso estudo sobre a geometria de fibrados e conexoes. Alem

dos exemplos ja discutidos aqui, relacionados com aplicacoes fısicas, esperamos deixar claro

a frente, seja de forma explıcita ou apenas implicitamente pelo contexto, a importancia que

essas estruturas possuem no contexto de teorias fısicas, especificamente nas teorias de gauge.

55

CAPITULO 2

Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

2.1 Invariancia de Gauge e Vınculos

Em uma teoria de gauge, as variaveis dinamicas sao especificadas com respeito a um

referencial de escolha arbitraria em todo instante de tempo. Requere-se que as variaveis fısicas

importantes (observaveis) sejam independentes do referencial local, sendo assim invariantes

de gauge. Transformacoes das variaveis por mudancas no referencial arbitrario sao entao

denominadas transformacao de gauge.

No capıtulo anterior, vimos que essa arbitrariedade de escolha do referencial pode ser

expressa por um fibrado principal, e as transformacoes de gauge sao entao encarregadas pela

acao do grupo de estrutura sobre os elementos da fibra. Associamos entao a conexao a um

potencial de gauge, e as transformacoes de gauge resultam na condicao de compatibilidade

1.2.11.

Nesse capıtulo, expandiremos as nocoes de gauge trabalhadas ate aqui. Veremos que a

solucao geral das equacoes de movimento contem funcoes arbitrarias do tempo, e a essas

funcoes atribuiremos o nome de liberdade de gauge. Veremos tambem que um sistema de

gauge e sempre um sistema hamiltoniano que admite vınculos.

2.1.1 Lagrangeano e Vınculos Primarios

Consideremos o lagrangeano

L : TM → C

(qn, qn) 7→ L(q, q). (2.1.1)

56 2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

Os movimentos classicos de um sistema sao aqueles que fazem a acao

SL =

∫ t2

t1

L(q, q)dt, (2.1.2)

estacionaria sob variacoes δqn(t) das variaveis qn, n = 1, . . . , m, que se anulam em t1 e t2.

Aplicando o princıpio variacional, extraımos entao as equacoes de Euler-Lagrange:

d

dt

(∂L

∂qn

)

− ∂L

∂qn= 0. (2.1.3)

Analisaremos as equacoes de Euler-Lagrange sob nossos propositos reescrevendo-as na

seguinte forma:

dqn′

dt

∂qn′

(∂L

∂qn

)

+dqn

dt

∂qn′

(∂L

∂qn

)

− ∂L

∂qn= 0

⇒ ∂2L

∂qn′∂qnqn

=∂L

∂qn− ∂2L

∂qn′∂qnqn

. (2.1.4)

Assim, a aceleracao sera unica em funcao das coordenadas e velocidades se a matriz(

∂2L∂qn′∂qn

)

for invertıvel. Caso contrario, o lagrangeano sera dito singular.

Definimos o momento canonico como

pn =∂L

∂qn, (2.1.5)

e consideramos entao a seguinte transformacao de Legendre:

ρL : TM → T ∗M

(qn, qn) 7→ (qn, pn). (2.1.6)

Para lagrangeanos singulares, nao e possıvel resolver as velocidades completamente em termos

dos momentos. Seja m = dim(M) e suponha que o posto da matriz(

∂2L∂qn′∂qn

)

seja m − r,

com 0 < r ≤ m. Pelo teorema da funcao inversa, podemos resolver (ao menos localmente)

m− r velocidades para m− r momentos e as velocidades remanescentes, ou seja,

pA =∂L

∂qA(q, q) ⇒ qA = vA(qa, pA, q

i), (2.1.7)

onde adotamos a, b, . . . = 1, . . . , m; A,B, . . . = 1, . . . , m− r e i, j, . . . = m− r + 1, . . . , m.

Substituindo 2.1.7 nas equacoes remanescentes, pi = ∂L/∂qi, concluımos que as equacoes

nao poderao depender de mais nenhum qi; caso contrario, poderıamos expressar esse qi em

funcao do resto tal como em 2.1.7 e excederıamos o posto m − r. Obtemos, portanto, r

2.1 Invariancia de Gauge e Vınculos 57

equacoes da forma

pi =

[∂L

∂qi(q, q)

]

qA=vA(qa,pA,qi)

≡ fi(qa, pA). (2.1.8)

Concluımos daı que os momentos nao sao independentes uns dos outros, e podemos construir

certas relacoes

φi(q, p) = 0, (2.1.9)

com i = 1, . . . , r, da forma φi(p, q) ≡ pi − fi(q, pA). Relacoes da forma 2.1.9 decorrem

diretamente da definicao dos momentos, sem a necessidade de equacoes de movimento, e

portanto sao denominadas vınculos primarios.

2.1.2 Hamiltoniano Canonico

O hamiltoniano canonico e definido como

Hc = qnpn − L(q, q). (2.1.10)

Apesar de incluir as velocidades em sua definicao, observamos que H e funcao somente das

coordenadas e momentos,

δHc = qnδpn + pnδqn−

pn︷︸︸︷

∂L

∂qnδqn − ∂L

∂qnδqn = qnδpn −

∂L

∂qnδqn. (2.1.11)

Logo,

∂Hc

∂qn= − ∂L

∂qn,

∂Hc

∂pn= qn,

∂Hc

∂qn= 0. (2.1.12)

Entretanto, em uma teoria com lagrangeano singular, o hamiltoniano nao e determinado

de forma unıvoca como uma funcao dos p’s e q’s. Isso porque os δpn nao sao de todo

independentes, mas sao restritos a preservar os vınculos primarios 2.1.9.

Denominamos um hamiltoniano primario correspondente a L a funcao

H ′(qa, pa, qi) ≡ [paq

a − L(qa, pa)]qA=vA(qa,pA,qi) . (2.1.13)

Se reescrevemos a expressao como

H ′(qa, pa, vi) = pAv

A(qa, pB, vj) + piv

i − L(qa, vA(qa, pB, vj), vi) (2.1.14)

e diferenciamos com respeito a vi, observamos que o hamiltoniano primario e linear em vi,

58 2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

com coeficientes φi:

∂H ′(qa, pa, qi)

∂vi= pA

∂vA

∂vi+ pi −

∂L

∂vA∂vA

∂vi− ∂L

∂vi

=

[

pA − ∂L

∂vA

]∂vA

∂vi+

[

pi −∂L

∂vi(qa, pA, v

i)

]

= pi − fi(q, pA) = φi(q, p). (2.1.15)

Como conclusao, podemos escrever

H ′(q, p) = H(q, p) + viφi(q, p), (2.1.16)

onde H e independente das velocidades vi. Dessa forma, as equacoes canonicas 2.1.12 podem

ser reescritas da forma

qn =∂H

∂pn+ vi

∂φi

∂pn, pn = −∂H

∂qn− vi

∂φi

∂qn, φi(q, p) = 0, (2.1.17)

que podem ser derivadas pelo princıpio variacional

δ

∫ t2

t1

dt(qnpn −H − viφi

)= 0, (2.1.18)

para variacoes arbitrarias de δqn, δpn e δvi, sujeitas a restricao δqn(t1) = δqn(t2) = 0. Para

demonstrar isso, fazemos

0 = δ

∫ t2

t1

dt(qnpn −H − viφi

)

=

∫ t2

t1

dt

(

qnδpn + pnδqn − ∂H

∂pnδpn −

∂H

∂qnδqn − vi

∂φi

∂qnδqn − φiδv

i

)

=

∫ t2

t1

dt

[(

qn − ∂H

∂pn− vi

∂φi

∂pn

)

δpn −(∂H

∂qn+ vi

∂φi

∂qn

)

δqn − φiδvi + pnδq

n

]

.

(2.1.19)

Integramos entao o ultimo termo por partes,

pnδd

dtqndt =

pnd

dtδqndt =

0︷ ︸︸ ︷

pnδqn|t2t1 −

pnδqndt. (2.1.20)

2.1 Invariancia de Gauge e Vınculos 59

Como δpn, δqn e δvi sao arbitrarios, encontramos

qn − ∂H

∂pn− vi

∂φi

∂pn= 0, (2.1.21a)

pn +∂H

∂qn+ vi

∂φi

∂qn= 0, (2.1.21b)

φi = 0. (2.1.21c)

Observamos ainda da acao que a teoria e invariante sob a transformacao H 7→ H + ckφk. Se

introduzimos os colchetes de Poisson

F,G =∂F

∂qi∂G

∂pi− ∂F

∂pi

∂G

∂qi, (2.1.22)

com F e G funcoes de (p, q), podemos reescrever as equacoes de movimento como

F = F,H+ viF, φi. (2.1.23)

Concluindo, o espaco de fase P do sistema vinculado tem entao por coordenadas qn e

pn, enquanto vi sao multiplicadores de Lagrange e nao seguem qualquer trajetoria dinamica

prescrita, sendo completamente arbitrarios. Convem ainda introduzir o sımbolo de igualidade

fraca “≈”para equacoes com vınculos:

φj ≈ 0. (2.1.24)

Isso enfatiza que φj e numericamente restrito a zero, mas nao se anula identicamente ao

longo do espaco de fase, ou seja, que possui colchetes de Poisson nao-nulos com as variaveis

canonicas. Assim, duas funcoes que coincidam na subvariedade definida pelos vınculos φm ≈ 0

sao ditas fracamente iguais, e sao escritas F ≈ G.

2.1.3 Vınculos secundarios

E razoavel requerermos, por consistencia, que as relacoes de vınculos sejam constantes

no tempo, φm = 0. Dessa forma, da equacao de movimento obtemos uma condicao de

consistencia,

φm, H+ viφm, φi ≈ 0. (2.1.25)

Essa condicao pode se resumir em tres casos:

(i) A equacao reduz-se identicamente a 0 = 0;

60 2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

(ii) Reduz-se a uma equacao independente de vi, envolvendo apenas p e q, assumindo uma

forma

χ(q, p) ≈ 0, (2.1.26)

que denominamos vınculo secundario (por decorrer das equacoes de movimento).

Nesse novo vınculo, aplica-se novamente a condicao de consistencia, e novamente, ate

se exaurirem as condicoes.

O tratamento dos vınculos secundarios se dara da mesma forma que os vınculos primarios.

Teremos entao k equacoes adicionais, totalizando, de uma maneira uniforme,

φj ≈ 0, j = 1, . . . , r + k = J ; (2.1.27)

(iii) Estabelece uma relacao que impoe uma restricao sobre os vi. Se assumimos que 2.1.27

fornece um conjunto completo de vınculos, temos que

φj, H+ viφj, φi ≈ 0 (2.1.28)

com i = 1, . . . , r e j = 1, . . . , J , formam um conjunto de J equacoes lineares in-

omogeneas nos r ≤ J vi desconhecidos, com coeficientes que sao funcoes de p e q. A

solucao mais geral para essas equacoes sera da forma

vi ≈ U i + vaV ia , (2.1.29)

onde U i e uma solucao particular da equacao inomogenea e V ia e cada uma das a =

1, . . . , A solucoes independentes do sistema homogeneo associado,

V iaφj, φi ≈ 0. (2.1.30)

Os coeficientes va sao totalmente arbitrarios.

Usando que

F, Umφm = UmF, φm+ F, Umφm ≈ UmF, φm, (2.1.31a)

F, V ma φm = V m

a F, φm+ F, V ma φm ≈ V m

a F, φm (2.1.31b)

e substituindo nas equacoes de movimento, chegamos em

F ≈ F,H ′ + vaφa, (2.1.32)

onde representamos H ′ = H +Umφm, φa = V ma φm. Denominaremos entao HT = H ′+ vaφa

de hamiltoniano total. Equacoes da forma F ≈ F,HT contem portanto A funcoes

2.2 Vınculos de Primeira e Segunda-classe 61

arbitrarias va e sao equivalentes, por construcao, as equacoes de movimento originais do

lagrangeano.

2.2 Vınculos de Primeira e Segunda-classe

Uma funcao e dita de primeira-classe se

[F, φj] ≈ 0 (2.2.1)

para todo j = 1, . . . , J ou e dita de segunda-classe, caso contrario. Se F e G sao de

primeira-classe, entao podemos escrever F, φj ≈ f j′

j φj′ e G, φj = gj′

j φj′. Utilizando a

identidade de Jacobi, vemos que o comutador de F e G tambem e de primeira-classe:

F,G, φj = F, G, φj − G, F, φj =

F, gj′

j φj′

G, f j′

j φj′

=

F, gj′

j

φj′ + gj′

j fj′′

j′ φj′′ −

G, f j′

j

φj′ − f j′

j gj′′

j′ φj′′ ≈ 0. (2.2.2)

Temos tambem, decorrendo diretamente da condicao de consistencia, que H ′ e φa sao de

primeira-classe. Ainda mais, como vaV ia e a solucao mais geral da equacao homogenea, φa

e um conjunto completo de vınculos de primeira-classe.

2.2.1 Transformacoes de gauge

A presenca das funcoes arbitrarias va no hamiltoniano total nos mostra que, para um

mesmo estado fısico, podemos ter mais de um conjunto de variaveis canonicas que o rep-

resentem, ou seja, nem todos os p’s e q’s sao observaveis. Consideremos duas escolhas de

funcoes arbitrarias va, va em um tempo t1 e olhemos para a variavel dinamica F no tempo

t2 = t1 + δt,

δF =(

Fva − Fva

)

δt ≈ F, (va − va)φaδt ≈ δvaF, φa ≈ 0, (2.2.3)

onde δva = (va − va)δt. Portanto, transformacoes do tipo 2.2.3 nao alteram o estado fısico

no tempo t2. Concluımos, portanto, que vınculos primarios de primeira-classe geram trans-

formacoes de gauge.

Outra possibilidade e aplicando a uma variavel dinamica F quatro trasformacoes suces-

sivas do tipo 2.2.3, com parametros δva dados por εa, ηa,−εa,−ηa, obtendo, com o uso da

62 2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

identidade de Jacobi,

δF ≈ εaηa′F, φa, φa′+O

(ε2)+O

(η2). (2.2.4)

Como εa e ηa sao arbitrarios, tambem o e εaηa′

e concluımos que o colchete de Poisson

φa, φ′a de quaisquer dois vınculos primarios de primeira-classe gera uma transformacao de

gauge.

Comparemos agora os valores da variavel dinamica F no tempo t+ ε obtida por

(i) fazendo uma transformacao de gauge 2.2.3 de parametro δva = ηa e entao evoluindo o

sistema com H ′,

(ii) fazendo as mesmas operacoes na ordem inversa.

A diferenca resultante deve ser uma transformacao de gauge. De fato, temos

δF = (F, φa, H ′ − F,H ′, φa) εηa = F, φa, H′εηa, (2.2.5)

o que mostra que φa, H′ gera uma transformacao de gauge.

Vemos, dessa forma, que vınculos primarios de primeira-classe geram transformacoes

de gauge. Apesar das consideracoes acima nao dizerem nada a respeito dos vınculos se-

gundarios de primeira-classe, e inclusive sermos mesmo capazes de construir contraexemplos

“patologicos”que mostrem que esses podem nao gerar trasformacoes de gauge, e comum se

adotar, como regra geral, a conjectura de Dirac:

Todo vınculo de primeira-classe gera uma transformacao de gauge.

Em distincao, denotaremos os vınculos de primeira-classe por γa e os de segunda-classe χα,

reservando φj para quando nos referirmos ao conjunto de todos os vınculos indistintamente.

2.2.2 Hamiltoniano estendido

O hamiltoniano total possui funcoes de gauge arbitrarias relacionadas a vınculos primarios

de primeira-classe; acrescentaremos agora a funcao tambem os vınculos secundarios de primeira-

classe, multiplicados por funcoes arbitrarias, resultando no hamiltoniano estendido:

HE = H ′ + uaγa, (2.2.6)

em que a corre todo o conjunto de vınculos de primeira-classe.

2.2 Vınculos de Primeira e Segunda-classe 63

A evolucao predita por H ′, HT ou HE e a mesma para variaveis dinamicas invariantes de

gauge (colchetes de Poisson com γa se anulam fracamente), porem devemos utilizar HE se

lidamos com outros tipos de variaveis para contar com toda a liberdade de gauge. Convem,

no entanto, enfatizar que e HT que gera as equacoes de movimento lagrangeanas, que HE

contem mais funcoes arbitrarias do tempo que HT .

2.2.3 Colchete de Dirac

Vınculos de segunda-classe nao podem ser interpretados como geradores de gauge, uma

vez que uma transformacao por um vınculo de segunda-classe χ nao preserva todos os vınculos

φj ≈ 0 e portanto mapeia um estado permitido em um nao-permitido. Discutiremos entao

um modo de tratar esses vınculos.

Comecando com um exemplo simples, seja um sistema de N pares de coordenadas

canonicas tal que o primeiro par (q1, p1) e vinculado a zero:

χ1 = q1 ≈ 0, χ2 = p1 ≈ 0, χ1, χ2 = 1 (segunda classe).

Podemos simplesmente descartar o primeiro grau de liberdade, pois esse nao e importante.

Tabalhamos entao com o colchete de Poisson modificado:

F,G∗ =N∑

n=2

(∂F

∂qn∂G

∂pn− ∂F

∂pn

∂G

∂qn

)

. (2.2.7)

O colchete modificado dos dois vınculos com qualquer variavel arbitraria e identicamente zero,

entao trabalhando com , ∗ podemos por χα = 0 antes de calcularmos o colchete (igualdade

forte).

Seja Cjj′ = φj, φj′ a matriz do colchete de Poisson na superfıcie de vınculos. Se

detCjj′ ≈ 0, entao existe (ao menos) um vınculo de primeira-classe. Podemos ordenar os

vınculos de forma que a matriz fique da forma

γa χα

γb

χβ

0 0

0 Cβα

, (2.2.8)

onde Cβα e uma matriz anti-simetrica que e invertıvel em qualquer lugar na superfıcie de

vınculo. Notemos que o numero de vınculos de segunda-classe deve ser par, caso contrario a

matriz Cβα teria determinante nulo, contrariando o fato que Cαβ e invertıvel, existindo Cαβ

64 2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

tal que CαβCβγ = δαγ .

Definimos o colchete de Dirac por

F,G∗ = F,G − F, χαCαβχβ, G. (2.2.9)

Temos, assim, as seguintes propriedades satisfeitas:

1. F,G∗ = −G,F∗;

2. F,GR∗ = F,G∗R +GF,R∗;

3. F,G∗, R∗ + R,F∗, G∗ + G,R∗, F∗ = 0;

4. χα, F∗ = 0 ara qualquer F ;

5. F,G∗ ≈ F,G para G primeira-classe e F qualquer;

6. R, F,G∗∗ ≈ R, F,G para F e G primeira-classe e R qualquer.

Preserva-se, portanto

F ≈ F,HE ≈ F,HE∗, (2.2.10)

pois HE e de primeira-classe e tambem

F, γa ≈ F, γa∗ (2.2.11)

para qualquer F .

Dessa forma, o colchete de Poisson pode ser descartado e todas as equacoes da teoria

reformuladas em termos do colchete de Dirac. Os vınculos de segunda-classe tornam-se entao

identidades fortes expressado algumas variaveis canonicas em termos de outras.

2.3 Fixacao de Gauge e Invariantes 65

2.3 Fixacao de Gauge e Invariantes

Observaveis classicos

Um observavel classico e uma funcao na superfıcie de vınculo que e invariante de gauge.

Assim, pode ser descrito como uma funcao F no espaco de fase tal que

F, γa∗ ≈ 0, (2.3.1)

e de modo que duas dessas funcoes sao identificadas se coincidirem na superfıcie de vınculo.

O conceito de observaveis, portanto, envolve:

(i) restricao a superfıcie de vınculo, e

(ii) condicao de invariancia de gauge.

Se uma funcao f e conhecida em um gauge especıfico, podemos construir uma extensao

invariante de gauge de f , F (p, q). Agora, dado G uma funcao arbitraria no espaco de fase,

podemos tambem considerar sua restricao g em um dado gauge e entao estender para uma

funcao invariante G, que coincide com G no gauge escolhido.

Gauges canonicos

Podemos eliminar a ambiguidade causada pela presenca de vınculos de primeira-classe e

a liberdade de gauge associada a esses impondo condicoes adicionais nas variaveis canonicas,

de modo que haja uma correspondencia injetora entre os estados fısicos e os valores das

variaveis canonicas independentes. Isso e permitido porque as condicoes removem os elementos

arbitrarios nao observaveis da teoria, nao afetando as propriedades observaveis. Convem

somente observar que essas nao sao uma consequencia da teoria, mas uma imposicao para

evitar a “multipla contagem de estados”. A essas condicoes denominamos condicoes de

gauge canonicas.

Seja um conjunto satisfatorio de condicoes de gauge

Cb(q, p) ≈ 0. (2.3.2)

Dado qualquer conjunto de variaveis canonicas, deve haver uma transformacao de gauge que o

mapeia sobrejetoramente sobre Cb e que pode ser obtida pela iteracao de tansformacoes in-

finitesimais δua[F, γa]. Isso garante que 2.3.2 nao afeta as propriedades fisicamente relevantes

do sistema, mas apenas restringe a liberdade de gauge, e como o numero de parametros δua

66 2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

e igual ao numero de vınculos γa, concluımos que o numero de condicoes independentes 2.3.2

nao pode ser maior que o numero de γa’s independentes. Por outro lado, as condicoes devem

fixar o gauge completamente e nao deve existir nenhuma transformacao de gauge alem da

identidade que preserve 2.3.2. Em outras palavras, a equacoes

δuaCb, γa ≈ 0 (2.3.3)

devem implicar δua = 0, o que e possıvel somente se o numero de equacoes independentes

for igual ou maior que o numero de δua. Dessa forma, concluımos que, para fixar o gauge

completamente,

o numero de condicoes de gauge independentes deve ser igual ao numero de vınculos de

primeira-classe independentes.

Os colchetes de Poisson geram entao uma matriz quadrada invertıvel, ou seja, detCb, γa 6= 0.

Mas isso expressa que os vınculos Cb, γa formam juntos um conjunto de segunda-classe, ou

seja, apos a fixacao de gauge completa, nao restam mais vınculos de primeira-classe.

Graus de liberdade

Apos fixado o gauge, encontramos o seguinte numero de graus de liberdade do sistema

fısico:

2×(graus de liberdade fısicos) = (variaveis canonicas independentes)

= (total variaveis) - (vınculos 2a-classe) - (vınculos 1a-classe) - (condicoes de gauge)

= (total variaveis) - (vınculos segunda-classe) - 2×(vınculos primeira-classe).

Vemos aqui tambem a consistencia fısica do fato de o numero de vınculos de segunda-

classe ser par.

2.4 Geometria da Superfıcie de Vınculo

Analogia em Minkowski

A descricao geometrica da superfıcie de vınculo e baseada na estrutura que essa herda

de seu mergulho no espaco de fase. Uma boa analogia e dada pelo estudo de superfıcies

mergulhadas numa variedade pseudo-riemanniana; tomaremos entao um espaco de Minkowski.

2.4 Geometria da Superfıcie de Vınculo 67

Do mergulho, induz-se uma metrica do espaco de Minkowski sobre a superfıcie. Se ηµν e

a metrica de Minkowski e xλ = xλ(yi) sao equacoes parametricas da superfıcie (com ∂ixλ 6= 0

para que yi seja um bom sistema de coordenadas na superfıcie) entao a metrica induzida e

dada por

gij = ηλµ∂xλ

∂yi∂xµ

∂yj. (2.4.1)

De relevancia fısica, a assinatura da metrica induzida caracteriza a superfıcie como tipo espaco,

nula ou tipo tempo. Tal caracterizacao e intrınseca da superfıcie mergulhada e portanto nao

depende de como ela e representada. Vale a pena ainda destacar que a metrica induzida

nao pode ter um numero arbitrario de direcoes nulas ou tipo-tempo, pois isso entraria em

conflito com a assinatura da metrica de Minkowski. Assim, uma superfıcie nao pode conter

duas direcoes tipo-tempo ortogonais, uma vez que nao se pode achar dois vetores tipo-tempo

ortogonais no espaco de Minkowski.

2.4.1 Geometria do espaco de fase (geometria simpletica)

Consideracoes similares ao exemplo acima podem ser feitas para superfıcies mergulhadas

no espaco de fase, caracterizando-as pelo posto de um tensor induzido apropriado. Nesse caso,

nao ha em geral uma metrica natural do espaco de fase, mas podemos fazer uso da estrutura

dos colchetes de Poisson. Se denotamos as coordenadas do espaco de fase por xλ, podemos

definir um tensor antissimetrico contravariante de posto 2,

σλµ = xλ, xµ, (2.4.2)

satisfazendo as propriedades:

(i) det σλµ 6= 0;

(ii) σ[λµ,ρσ

ν]ρ = 0 (identidade de Jacobi);

(iii) Dadas duas funcoes F e G,

F,G =∂F

∂xλ∂xλ

∂qi∂xµ

∂pi∂G

∂xµ− ∂F

∂xλ∂xλ

∂pi∂xµ

∂qi∂G

∂xµ= F,λσ

λµG,µ; (2.4.3)

(iv) (decorrente de (i) e (ii)) Existe uma inversa σλµ tal que σλµσµρ = δρλ e assim temos

det σλµ 6= 0 e σ[λµ,ν] = 0. σλµ e conhecido como 2-forma simpletica.

Por meio dessas propriedades, definimos uma estrutura simpletica.

68 2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

Podemos agora induzir uma 2-forma numa superfıcie Σ mergulhada no espaco de fase, de

coordenadas yi, por

σij = σλµ∂xµ

∂yi∂xµ

∂yj. (2.4.4)

Teremos aqui ainda que σ[ij,k] = 0, mas σij pode nao ser invertıvel, pois pode conter auto-

vetores nulos, i.e., autovetores Xλa tais que σλµX

λaX

µa = 0 (aqui convem nao confundir com

o vetor ~0, tambem chamado de vetor nulo, o que gera ambiguidade). Estabeleceremos a seguir

uma relacao entre o posto de σij e a classe da superfıcie de vınculo.

Proposicao 2.4.1 Seja N a dimensao do espaco de fase e N −M a dimensao de Σ. Entao

N − 2M ≤ posto σij ≤ N −M .

Demonstracao. σij e uma matriz antissimetrica (N −M) × (N −M). Tomemos uma base

para vetores no espaco de fase:

(i) Os primeiros Xλa (a = 1, . . . , A) como uma base do espaco dos autovetores nulos de

σij , tangentes a Σ;

(ii) Complete com vetores apropriados Y λa (a = A + 1, . . . , N − M) para uma base do

espaco tangente a Σ;

(iii) Por fim, adicioneM vetores Zλα (α = N−M +1, . . . , N) para completar todo o espaco

vetorial.

Por construcao, tem-se

σλµXλaX

µb = σλµX

λaY

µa = 0.

Considere agora as M equacoes lineares e homogeneas para os A coeficientes desconhecidos

Aa:

AaXλaσλµZ

µα = 0.

Se A > M , essas equacoes possuiriam solucoes nao-triviais nao importando o que σλµXλaZ

µα

seja (mais variaveis que equacoes), mas nesse caso se acharia um vetor nao-nulo Xλ = AaXλa

que possui produto nulo σλµXλZµ com qualquer vetor Zµ, contradizendo que det σλµ 6= 0.

Assim, A ≤M e o limite inferior no posto de σij e N − 2M .

Superfıcie de vınculo de primeira-classe

Consideremos primeiramente o caso em que temos somente vınculos γa (a = 1, . . . ,M)

de primeira-classe. Os vınculos definem vetores Xλa atraves de

Xλa = σλµ∂µγa, (2.4.5)

2.4 Geometria da Superfıcie de Vınculo 69

as vezes chamados campos vetoriais hamiltonianos associados as funcoes γa. Esses satis-

fazem a relacao Xλa ∂λF ≡ ∂aF = F, γa, pois

Xλa ∂λF = σλµ∂µγa∂λF = ∂λFσ

λµ∂µγa = F, γa. (2.4.6)

A classificacao da 2-forma simpletica e dada a seguir:

Teorema 2.4.2 A 2-forma induzida σij e maximamente degenerada,

posto σij = N − 2M (2.4.7)

e as direcoes nulas sao geradas pelos vetores Xλa .

Demonstracao. Sabemos que N − 2M ≤ posto σij ≤ N −M . Entao, temos que mostrar a

existencia de M vetores nulos linearmente independentes. Um vetor Y λ e tangente a γa = 0

se e somente se Y λ∂λγa ≈ 0. Isso implica

(i) que osM vetores nulos Xλa associados aos vınculos (de primeira-classe) γa sao tangentes

a γa = 0, uma vez que Xλb ∂λγa = γa, γb ≈ 0;

(ii) que σλµXλaY

µ ≈ 0 sempre que Y µ for tangente a superfıcie de vınculo, pois

σλµXλaY

µ = σλµσλν∂νγaY

µ = −σλµσλν∂νγaYµ = −δνµ∂νγaY µ = −Y µ∂µγa ≈ 0.

Portanto, os Xλa sao auto-vetores da 2-forma induzida, o que prova o teorema.

Dado um espaco vetorial simpletico V com uma 2-forma simpletica ω arbitraria e um

subconjunto F de V , definimos o aniquilador de F como o conjunto F⊥ ≡ u ∈ V ;ω(u, v) =

0, ∀v ∈ F. Baseado nisso, F e denominado

(a) isotropico se F ⊂ F⊥;

(b) co-isotropico se F⊥ ⊂ F ;

(c) lagrangeano se F = F ;

(d) simpletico se F ∩ F⊥ = 0.

Uma subvariedade N de uma variedade M com estrutura simpletica ω e dita (a) − (d) se

TpN e (a) − (d) em cada ponto p ∈ N . Concluımos, portanto, que superfıcies de vınculo

70 2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

de primeira-classe sao co-isotropicas, pois contem todas as direcoes “ortogonais”a elas pela

acao de σλµ.

Ainda mais, os vetores Xλa sobre as superfıcies de vınculo sao geradores de subvariedades

M-dimensionais (superfıcies nulas), pois

[Xa, Xb]λ = σλµ (Cc

abγc),µ = CcabX

λc + γcσ

λµ∂µCcab ≈ Cc

abXλc , (2.4.8)

formando assim uma algebra de Lie (ou seja, geram espacos tangentes de uma variedade

M-dimensional). Dessa forma, qualquer vetor tangente as M-superfıcies geradas pelos Xλa

e aniquilado pela 2-forma induzida. Como os Xλa tambem geram transformacoes de gauge,

vemos que as superfıcies nulas coincidem com as orbitas de gauge.

Vınculos de segunda-classe

Olharemos agora para a situacao em que temos somente vınculos de segunda-classe χα =

0. Definimos entao M vetores Xλα = σλµ∂µχα.

Lema 2.4.3 Nenhuma combinacao linear de Xλα e tangente a superfıcie de vınculo.

Demonstracao. Um vetor Y λ e tangente a χα = 0 se e somente se Y λ∂λχα ≈ 0. Se

Y λ ≈ aαXλα, ve-se que

aβXλβ∂λχα = aβσλµ∂µχβ∂λχα = aβχα,λσ

λµχβ,µ = aβχα, χβ = aβCαβ ,

ou seja, Y λ∂λχα ≈ aβCαβ. Como Cαβ e invertıvel, aβCαβ se anula fracamente se e somente

se aβ ≈ 0, ou seja, Y λ ≈ 0.

Partindo disso, podemos classificar a superfıcie de vınculo a seguir.

Teorema 2.4.4 Uma superfıcie χα = 0 e de segunda-classe se e somente se σij e de posto

maximo N −M , ou seja, det σij 6= 0.

Demonstracao. Os vetores Xλα e suas combinacoes lineares sao os unicos para os quais o

produto σλµYλXµ

α e igual a zero para vetores arbitrarios tangentes Y λ. Isso porque um vetor

generico tangente a χα = 0 e sujeito apenas as condicoes Y λ∂λχα ≡ σλµYµXµ

α = 0 e a

nenhuma outra. Nesses termos, a 2-forma induzida σij e degenerada se e so se existe ao

menos uma combinacao linear nao-nula aαXµα de vetores Xµ

α que e tangente a χA = 0, isso

e, se e somente se existe ao menos uma solucao nao-nula de aαXµα∂µχβ ≡ aαCβα = 0. Mas,

2.4 Geometria da Superfıcie de Vınculo 71

pelo teorema anterior, vemos que nao ha tal solucao quando os vınculos sao de segunda-classe.

Por outro lado, se aαCβα = 0 implica aα = 0, entao a matriz Cβα e invertıvel e os vınculos

sao de segunda-classe.

O teorema 2.4.4 permite a definicao de uma superfıcie de segunda-classe sem referencia a sua

representacao explıcita pelas equacoes de vınculo χα = 0.

Devemos agora analisar como proceder com os colchetes de Dirac ao se utilizar a estrutura

simpletica. Dadas duas funcoes f(yi), g(yi) em χα = 0, definimos o colchete

f, g∗ ≡ ∂f

∂yiσij ∂g

∂yj, (2.4.9)

com σijσjk = δik.

Teorema 2.4.5 O colchete de Dirac associado aos vınculos de segunda-classe χα = 0 e

simplesmente o colchete de Dirac induzido na superfıcie χa = 0. Mais precisamente,

F,G∗|χα=0 = f, g∗ (2.4.10)

onde F |χα=0 = f, G|χα=0 = g.

Demonstracao. Ambos os lados sao independentes de coordenadas. Assim, e suficiente veri-

ficar a igualdade em um sistema de coordenadas conveniente. Para esse fim, estendemos alem

de χα = 0 as coordenadas yi ali definidas, requerendo que yi, χα ≈ 0. Isso e possıvel porque

se yi e uma extensao arbitraria de yi, entao yi + λiαχα com λiαCαβ = −yi, χβ preenche o

requerimento necessario. Em seguida, tomamos yi e χα como coordenadas do espaco de fase.

A matriz dos colchetes de Poisson dessas coordenadas e dada, em χα = 0, por

σλµ =

yi, yj 0

0 Cαβ

,

tal que detyi, yj 6= 0. A 2-forma simpletica e obtida por inversao,

σλµ =

σij 0

0 Cαβ

72 2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

com σijyj, yk = δik, CαβCβρ = δαρ . Como σij sao as componentes da 2-forma induzida,

inferimos de σijσjk = δik que

yj, yk|χα=0 = yi, yk∗,

onde yi, yk∗ = σik e o colchete induzido. Isso prova o teorema para as funcoes yi porque

yi, χα = 0.

Agora, considere funcoes arbitrarias F,G. Tem-se

F, χα|χβ=0 =(σλµ∂λF∂µχα

)|χβ=0 = (∂βFCβα) |χβ=0,

com ∂βF = ∂F/∂χβ . Portanto,

F,G|χβ=0 =(σλµ∂λF∂µG

)|χβ=0 =

(σij∂iF∂jG

)|χβ=0 + (∂αFCαβ∂βG) |χβ=0

= σij∂if∂jg + F, χαCαβχβ, G|χβ=0 ⇒ F,G∗|χβ=0 = f, g∗.

Eliminados os vınculos de segunda-classe, as equacoes de movimento na superfıcie de

vınculo, expressas em termos de coordenadas yi, tomam forma de equacoes hamiltonianas

ordinarias, livres de vınculos,

yi = yi, h(y)∗ (2.4.11)

com h(y) = H|χα=0. Se ai(y) e uma 1-forma de potencial para a 2-forma fechada σij ,

σij =∂aj∂yi

− ∂ai∂yj

, (2.4.12)

derivamos as equacoes 2.4.11 do princıpio variacional com

S[yi(t)] =

∫(aiy

i − h)dt. (2.4.13)

De fato,

δ

∫ t2

t1

(aiyi − h)dt = 0 ⇒

dt

(∂ai∂yj

δyj +∂ai∂pj

δpj

)

yi + ajδyj − ∂h

∂yjδyj − ∂h

∂pjδpj

.

(2.4.14)

Integrando por partes, temos que∫ajδy

id = −∫ajδy

j. Retendo somente as variacoes com

respeito a yj, temos

dt

(∂ai

∂jy

dyi

dt− daj

dt− ∂h

∂yj

)

δyj =

dt

(∂ai∂yj

− ∂aj∂yi

∂yi

∂t− ∂h

∂yj

)

δyj = 0

⇒ σijdyi

dt− ∂h

∂yj= 0 ⇒ dyi

dt= σij ∂h

∂yj= yi, h. (2.4.15)

2.4 Geometria da Superfıcie de Vınculo 73

A equacao 2.4.13 e obtida resolvendo os vınculos (de segunda-classe) no princıpio varia-

cional de primeira-ordem original

δSE[qn(t), pn(t), u

α(t)] = δ

(pnqn −H − uαχα)dt = 0 (2.4.16)

da seguinte maneira:

(i) Substituindo xµ = xµ(yi) (com xµ = (qn, pn)) e descartando uma derivada total no

tempo, o termo cinetico fica

pnqn ≡ aµ(x)x

µ = ai(y)yi (2.4.17)

com aµ = (pn, 0), uma vez que a derivada exterior da 2-forma induzida

ai(y) = aµ(x(y))∂xµ

∂yi(2.4.18)

e igual a 2-forma induzida σij ;

(ii) Os ultimos termos H + uαχα reduzem-se a h(y) na superfıcie de vınculo.

A observacao que 2.4.16 leva a 2.4.13 fornece um novo metodo para calcular os colchetes de

Dirac: resolvem-se os vınculos dentro da acao e le-se os colchetes de Dirac do termo cinetico

da acao desvinculada, usando as equacoes 2.4.12 e 2.4.9. Em muitas aplicacoes esse metodo

se mostra o mais conveniente.

Como os vınculos γa = 0 obedecem a condicao de regularidade, e certamente valido

resolve-los dentro da acao

SE[q, p, ua] =

(pq −H − uaγa)dt. (2.4.19)

Pode-se implementar a condicao de gauge Ca com um novo multiplicador de Lagrange µa,

deixando da forma

S[q, p, ua] 7→ S[q, p, ua, µa] =

(pq −H − uaγa − µaCa)dt. (2.4.20)

Essa acao gera as equacoes de movimento corretas, pois γa = 0 implica em µa = 0. As

equacoes para q, p nao mudam, portanto, e incluem o ua particular fixado para Ca = 0. O

termo cinetico da acao reduzida gera os colchetes de Dirac no gauge Ca = 0.

74 2 Sistemas Hamiltonianos com Vınculos

Caso misto

Para o caso de superfıcies de vınculo tanto de primeira e segunda-classes, teremos posto σij =

N −M −K, 0 < K < M , onde K e o numero de vınculos de primeira-classe independentes.

As orbitas de gauge geradas pelas transformacoes de gauge sao novamente as superfıcies nulas

da 2-forma induzida σij . O espaco de fase reduzido e obtido pelo quociente da superfıcie de

vınculo com as orbitas geradas pelos vınculos de primeira-classe. As equacoes dinamicas na

superfıcie χα = 0 dos vınculos de segunda-classe, escritas em termos dos colchetes de Dirac,

sao geradas pela acao estendida na qual os vınculos de segunda-classe foram resolvidos.

Encerramos por aqui a introducao a sistemas hamiltonianos com vınculos, de maneira que

poderemos operar no espaco-tempo com o que desenvolvemos ate aqui.

75

CAPITULO 3

Eletrodinamica Associada a um

U(1)-Fibrado

3.1 Eletromagnetismo Classico

Trabalharemos aqui o exemplo do eletromagnetismo como teoria de gauge. A teoria

eletromagnetica pode ser descrita por um fibrado principal P (M,U(1)); retomaremos, assim,

o que ja vimos nos exemplos com U(1) e trabalharemos em cima a aplicacao. U(1) e abeliano

e unidimensional (U(1) ' S1), assim podemos omitir os ındices de grupo a, b, . . . (existe um

unico gerador para o grupo) e escrever as constantes de estrutura f cab = 0. O potencial de

gauge (forma local da conexao) em um aberto Ui ∈M e da forma

Ai = Aiµdxµ.

Seja p ∈ Ui ∩ Uj e Ai,Aj as formas locais nos respectivos abertos. A funcao de transicao

θij : Ui ∩ Uj → U(1) e entao dada por

θij = exp[iχ(p)], χ(p) ∈ R. (3.1.1)

Como U(1) e abeliano, Ai e Aj sao relacionados por

Aj(p) = θ−1ij (p)Ai(p)θij(p) + θ−1

ij (p)dθij(p) = Ai(p) + idχ(p). (3.1.2)

Temos tambem que, por ser unidimensional, [A(X),A(Y )] = 0 para quaisquer X, Y ∈ TM ,

e portanto a forca de campo e simplesmente

F = dA. (3.1.3)

F satisfaz a identidade de Bianchi

dF = F ∧ A−A ∧ F = 0, (3.1.4)

76 3 Eletrodinamica Associada a um U(1)-Fibrado

o que e esperado, uma vez que F e exato e portanto fechado, dF = d2A = 0. Em compo-

nentes, temos as expressoes

Aiµ = Aiµ + i∂µχ, (3.1.5a)

Fµν = ∂µAν − ∂νAµ, (3.1.5b)

∂λFµν + ∂νFλµ + ∂µFνλ = 0. (3.1.5c)

Se, ainda, especificamos o espaco baseM como um espaco-tempo de Minkowski quadridi-

mensional, M = R4 e contratil, implicando que o fibrado e trivial,

P = R4 × U(1), (3.1.6)

de modo que podemos estabelecer uma secao global, e a forma local da conexao tambem

pode ser definida globalmente no espaco.

3.1.1 Equacoes de Maxwell

Consideremos entao o eletromagnetismo no espaco de Minkowski. Podemos expressar o

campo eletrico ~E e o campo magnetico ~B em termos do covetor potencial Aµ =(

φ, ~A)

,

como

~B = ~∇× ~A e ~E =∂ ~A

∂t− ~∇φ. (3.1.7)

Essas equacoes ficam invariantes perante a transformacao de gauge

Aµ 7→ Aµ + ∂µχ, (3.1.8)

onde χ e uma funcao escalar. Observamos que essa transformacao se equivale a 3.1.5a atraves

da associacao com o fator i, gerador da algebra de Lie u(1) : Aµ = iAµ. Partindo dessa

associacao, o tensor eletromagnetico decorre da forca do campo, Fµν = iFµν , e obtemos

Fµν = ∂µAν − ∂νAµ ⇒

Ei = Fi0

Fjk = ε ijk Bi ⇔ Bi =

12ε jki Fjk

. (3.1.9)

Lembrando que F e antissimetrico a partir da identidade de Bianchi 3.1.5c, encontramos,

(i) µ = i (i = 1, 2, 3), ν = 0, λ = k:

∂kFi0 + ∂0Fki + ∂iF0k = ∂kEi − ∂iEk + ∂0Fki = (~∇× ~E)j + ∂0Bj = 0

3.1 Eletromagnetismo Classico 77

⇒ ~∇× ~E +1

c

∂ ~B

∂t= 0. (3.1.10)

(ii) µ = i, ν = k, λ = k:

∂kFij + ∂jFki + ∂iFjk = ∂kBk + ∂jBj + ∂iBi = 0

⇒ ~∇ · ~B = 0 (3.1.11)

Vemos daı que obtivemos duas das equacoes de Maxwell partindo somente da identidade de

Bianchi, que e uma condicao geometrica do espaco.

Para encontrar as outras equacoes, precisamos olhar para a dinamica da teoria, e assim

precisamos antes especificar sua acao. A acao de Maxwell SM [A] e um funcional de A e e

dada por

SM [A] ≡ 1

4

R4

FµνFµνd4x = −1

4

R4

FµνFµνd4x. (3.1.12)

Chamemos L = FαβFαβ = ηαληβρFαβFλρ. Pela variacao de SM [A] com respeito a Aν ,

chegamos nas equacoes de movimento

∂L∂Aν

− ∂µ∂L

∂(∂µAν)= 0. (3.1.13)

Desenvolvendo, temos que o primeiro termo e identicamente nulo,

∂L∂Aν

= 2gαλgβρ(

∂α∂Aβ

∂Aν− ∂β

∂Aα

∂Aν

)

Fλρ = 2gαλgβρ(∂δνβ − ∂δνα)Fλρ = 0. (3.1.14)

Calculando o segundo termo,

∂L∂(∂µAν)

= 2gαλgβρ(∂(∂αAβ)

∂(∂µAν)− ∂(∂βAα)

∂(∂µAν)

)

Fλρ

= 2gαλgβρ(δµαδνβ − δµβδ

να)Fλρ

= 2(δµαδνβ − δµβδ

να)Fαβ

= 4Fµν , (3.1.15)

e dessa forma,

∂µFµν = 0. (3.1.16)

Dessa relacao extraımos entao as equacoes de Maxwell remanescentes,

(i) ν = 0:

∂µFµ0 = ∂iF

i0 = η0γηδi∂iFδγ = −∑

iγδ

δ0γδδi∂iFδγ = −∑

i

∂iFi0 = −∑

i

∂iEi = 0

78 3 Eletrodinamica Associada a um U(1)-Fibrado

⇒ ∇ · ~E = 0. (3.1.17)

(ii) ν = i:

∂µFµi = ∂0F

0i + ∂mFmi = −∂0F0i +

m

∂mFmi = ∂0Ei −∑

m

ε jim ∂mBj = 0

⇒ ~∇× ~B =1

c

∂ ~E

∂t. (3.1.18)

3.1.2 Hamiltoniano

Tomando Aµ como variavel de configuracao, representaremos sua velocidade como ∂0Aµ.

O momento conjugado sera entao, reescrevendo F µνFµν = ηµαηνβFµνFαβ,

πλ ≡ δSM [A]

δ(∂0Aλ)= −1

4

Fµν

(η0µηλν − η0νηλµ

)+ Fαβ

(η0αηλβ − η0βηλα

)

= −1

4

2F 0λ − 2F λ0

=

1

4

4F λ0

=

F 00 = 0 ≡ π0

F i0 = −Ei ≡ πi

. (3.1.19)

Estabelecemos, portanto, um vınculo primario

φ1 ≡ π0 = 0. (3.1.20)

Os colchetes de Poisson entre as variaveis canonicas serao dados por

Aµ(x), πν(y) = ηνµδ(x, y). (3.1.21)

O hamiltoniano canonico fica como

H =

d3xF µ0∂0Aµ − L

=

d3x

F i0∂0Ai +1

4F ijFij +

1

2F 0iF0i

, (3.1.22)

onde escrevemos F µνFµν = F ijFij+F0iF0i+F

i0Fi0 = F ijFij+2F 0iF0i. Vemos, no entanto,

que

1

2F µνFµν = F µν(∂µAν − ∂νAµ) = −F µν∂νAµ

= −F 00∂0A0 − F 0i∂iA0 − F i0∂0Ai − F ij∂jAi

= −F 0i∂iA0 − F i0∂0Ai +1

2F ijFij,

3.1 Eletromagnetismo Classico 79

entao,

F i0∂0Ai = −F 0i∂iA0 +1

2F ijFij −

1

2F µνFµν

= −F 0i∂iA0 − F 0iF0i

= −Ei∂iA0 + EiEi. (3.1.23)

Substituindo em 3.1.22, e lembrando que BiBi =14εjki Fjke

imnF

mn = 12F jkFjk, temos

H =

d3x

−Ei∂iA0 +1

4F ijFij − EiEi

=

d3x

A0∂iEi +1

2

(BiBi + EiEi

)

. (3.1.24)

Passemos agora ao calculo da condicao de consistencia para π0,

π0 =π0, H

=

d3xπ0, A0

∂iE

i

= −∂iEi ≈ 0. (3.1.25)

Encontramos, assim, o vınculo secundario

G ≡ ∂iEi ≈ 0, (3.1.26)

que e precisamente a Lei de Gauss do campo eletrico. Temos, portanto, que a Lei de Gauss

nao atua realmente como uma equacao dinamica do sistema, mas como um vınculo. Como seu

colchete de Poisson com π0 e trivialmente nulo, temos que 3.1.26 e um vınculo de primeira-

classe, e portanto seu colchete de Poisson da variavel de configuracao deve gerar uma trans-

formacao de gauge. Seja, entao o funcional do vınculo

G[χ] ≡∫

d3xχ(x)G, (3.1.27)

onde χ atua como um multiplicador de Lagrange. Entao

δAi = Ai, G[χ] =

Ai(x),

χ(y)∂jEj

=

Ai(x),

∫(−Ej(y)∂jχ+ ∂j

(χ(y)Ej

))

=

−∂jχAi(x), E

j(y)

= ∂iχ, (3.1.28)

o que concorda com o que vimos em 3.1.8.

80 3 Eletrodinamica Associada a um U(1)-Fibrado

Como 3.1.26 comuta com o hamiltoniano, a condicao de consistencia para o vınculo e

trivialmente nula, e portanto nao temos mais vınculos. Considerando, pois, 3.1.26 no hamil-

toniano agora como um vınculo, e desprezando o vınculo π0, que e apenas uma constante,

escrevemos o hamiltoniano do sistema na sua forma final como

H =

d3x

1

2

(

~B · ~B + ~E · ~E)

+ χ∇ · ~E

. (3.1.29)

3.2 Campo Escalar

Tomemos agora o campo de gauge U(1) acoplado a um campo escalar complexo ψ.

Trabalharemos entao por vias do fibrado associado E = P ×ρ C, em que ρ e a identificacao

natural de U(1) com um numero complexo. Seja γ uma curva em M com vetor tangente X

em γ(0). Tomemos uma secao σi e expressemos um levantamento horizontal arbitrario γ de

γ como γ(t) = σi(t)eiλ(t), onde g(t) = eiλ(t) ∈ U(1). Se 1 ∈ C e tomado como um vetor de

base, a secao basica e

e = [(σi(p), 1)]. (3.2.1)

Seja ψ(p) = [(σi(p),Ψ(p))] = Ψ(p)e, Ψ : M → C, uma secao de E, que e identificada com

um campo escalar complexo. Com respeito a γ(t) a secao e dada por

ψ(t) =[(γ(t)e−iλ(t),Ψ(t)

)]=[(γ(t), e−iλ(t)Ψ(t)

)]. (3.2.2)

A derivada covariante de ψ ao longo de γ e, portanto,

∇Xψ =

[(

γ(0),d

dt

g(t)−1Ψ(t)

)]

=

[(

γ(0),−g(0)−1dg(t)

dtg(0)−1Ψ(0) + g(0)−1dΨ(t)

dt

)]

=

[(

γ(0), g(0)−1Ai(X)Ψ(0) + g(0)−1dΨ(t)

dt

)]

=

[(

σi(p),Ai(X)Ψ(0) +dΨ(t)

dt

)]

=

(

Ai(X)Ψ(0) +dΨ(t)

dt

)

e

=

(

Aiµdxµ

dtΨ+

dt

)

e = Xµ (AiµΨ+ ∂µΨ) e

= Xµ (Aiµ + ∂µ)ψ. (3.2.3)

Para uma curva coordenada xµ, 3.2.3 fica simplesmente

∇µψ(p) = (∂µ +Aiµ)ψ(p). (3.2.4)

3.2 Campo Escalar 81

Consideremos um campo escalar complexo φ, correspondendo a um par partıcula + an-

tipartıcula carregadas, identificado ao fibrado associado E = P×ρC. A densidade lagrangeana

do sistema e descrita como

L = ηµν∂µφ†∂νφ−mφ†φ. (3.2.5)

Requereremos agora que o campo seja invariante pela transformacao local de gauge

φ 7→ e−α(x)φ, (3.2.6)

em que eiα(x) ∈ G. Substituindo na lagrangeana, temos

L = ηµν∂µ(eiαφ†

)∂ν(e−iαφ

)−mφ†eiαe−iαφ

= ηµν((∂µg)φ

† + g∂µφ†) ((

∂νg−1)φ+ g−1∂νφ

)−mφ†φ

∗= ηµν

(−Aµgφ

† + g∂µφ†) (

Aνg−1φ+ g−1∂νφ

)−mφ†φ

= ηµν (∂µ − iAµ)φ† (∂ν + iAν)φ−mφ†φ

= ∇νφ†∇νφ−mφ†φ. (3.2.7)

onde em ∗ usamos 1.2.18. Instituımos assim a derivada covariante

∇ν = (∂ν + iAν), (3.2.8)

que concorda com 3.2.4, mediante a associacao feita entre o vetor potencial e a conexao.

Concluımos, pois, que o fibrado P (M,U(1)) descreve satisfatoriamente o campo eletro-

magnetico no vacuo, e seu fibrado associado E = P × C e capaz de descrever o campo

partıcula-antipartıcula carregadas (de spin 0, o que todavia pode ser generalizado, utilizando

campos espinoriais).

82 3 Eletrodinamica Associada a um U(1)-Fibrado

83

CAPITULO 4

Relatividade Geral

A teoria da Relatividade Geral e a teoria desenvolvida por Albert Eintein em 1915 para

descrever a estrutura do espaco-tempo e da gravitacao. O espaco-tempo e caracterizado

como uma variedadeM munida uma metrica de Lorentz gµν . A gravidade surge como resultado

da curvatura dessa metrica, associada a distribuicao de materia e energia Tµν na variedade

pela equacao de campo de Einstein:

Rµν −1

2Rgµν =

8πG

c4Tµν . (4.0.1)

Delinearemos nessa secao as ideias principais por tras da teoria, levando a construcao

de suas equacoes. Surgira entao naturalmente, como consequencia da discussao, o papel

fundamental que e assumido pela metrica.

4.1 Bases da Teoria

Partiremos de princıpios fundamentais assumidos em fısica, e procuraremos desenvolver as

ideias que levaram a formulacao da Equacao de Eintein.

Postulado 4.1.1 O princıpio da covariancia geral presume que nao ha campos ve-

toriais preferenciais, ou bases de campos vetoriais preferenciais pertencentes somente a

estrutura da variedade que possam aparecer nas leis fısicas. Em outras palavras, coorde-

nadas sao apenas um artifıcio para descrever a natureza e nao existem a priori, assim nao

devem ter qualquer participacao na formulacao das leis fısicas fundamentais. Em nosso

contexto, o princıpio se traduz na forma de que a metrica e a unica quantidade inerente

ao espaco-tempo que pode aparecer nas leis fısicas.

Baseado nesse princıpio, podemos considerar tensores como os objetos matematicos ad-

equados para descrever os fenomenos fısicos, pois sao objetos cuja existencia independe da

84 4 Relatividade Geral

presenca ou nao de sistemas de coordenadas. Assim, uma equacao construıda utilizando-se

apenas de tensores, se valida em um sistema de coordenadas, sera valida em qualquer outro.

Os observaveis de uma teoria (valores cujas grandezas podem ser mensuraveis) passam a ser

escalares construıdos a partir de tensores que descrevem o sistema e o aparato de medida.

Seguimos agora tratando do passo inicial para a formulacao da Relatividade Geral:

Proposicao 4.1.2 (Princıpio da Equivalencia) E impossıvel distinguir um campo de gravi-

dade de um sistema acelerado por meio de qualquer experiencia local.

Para ilustrar isso, consideremos um observador S sob a influencia de um campo de gravi-

dade g e um outro observador S ′, de mesma massa de S, dentro de um foguete no espaco

livre de gravidade, que se movimenta com aceleracao −g. A forca sentida por S e igual ao

seu peso F = mg. Por outro lado, em reacao a aceleracao do foguete, o observador S ′ sentira

uma aceleracao de g no sentido oposto ao movimenteo, e portanto uma forca F = mg. Ou

seja, os efeitos sentidos em ambos os casos sao iguais.

Na Relatividade Restrita, o movimento de corpos inerciais (movimento natural de um

corpo no espaco de Minkowski, na ausencia de forcas externas) define um conjunto preferencial

de curvas independente da natureza dos corpos. De fato, essas curvas possuem velocidade

constante, ou seja, sao geodesicas da metrica do espaco de Minkowski R4. Se consideramos um

campo de gravidade, todos os corpos por ele afetados, independente de suas naturezas, caem

precisamente da mesma forma no campo, ou seja, os corpos definem uma classe preferencial de

curvas no sistema, analogo ao caso anterior. Isso sugere a possibilidade de que as propriedades

do campo gravitacional possam ser atribuıdas a estrutura espaco-tempo.

Assim, na presenca de um campo de gravidade, referenciais em queda livre sao os mais

“inerciais”possıveis. Baseando-se na Relatividade Restrita, pode-se considerar a hipotese de

que o movimentos de corpos livres (corpos inerciais em Relatividade Restrita, ou em queda

livre na presenca de gravidade) sejam sempre geodesicas, e os efeitos gravitacionais sejam

entao variacoes na metrica ao longo do espaco-tempo curvo. Tal hipotese concorda com o

princıpio da covariancia geral, e transforma a forca gravitacional de um efeito de um campo

para um efeito de inercia decorrente dos desvios da metrica na estrutura da variedade.

Em suma, concluimos que a Relatividade Geral deve reger-se pelos seguintes princıpios:

1. Obedece ao princıpio da covariancia geral.

2. O movimento de corpos em queda livre sao geodesicas.

4.2 A Equacao da Geodesica no Limite Newtoniano 85

3. Concorda com a Relatividade Restrita no limite de campos gravitacionais nulos.

4. As equacoes newtonianas sao obtidas para algum limite de baixas energias.

Utilizaremos esses princıpios para a derivacao das equacoes de movimento e algumas de suas

consequencias. Ressaltamos, todavia, que essa derivacao nao e unica e que nao deve ser

tratada como uma deducao das equacoes de Einstein.

4.2 A Equacao da Geodesica no Limite Newtoniano

Vamos partir da hipotese considerada no paragrafo anterior. Consideraremos a equacao

da geodesica e analisaremos as alteracoes da metrica em seu limite newtoniano, isto e

(i) x0 = ct, xi = (x, y, z) localmente.

(ii) Campos fracos, longe das fontes. Chamaremos

gαβ = ηαβ + hαβ , |hαβ| << 1. (4.2.1)

Teremos assim uma leve distorcao do espaco chato da Relatividade Restrita.

(iii) Regime independente do tempo,

∂tgαβ = 0. (4.2.2)

(iv) Velocidades baixas,

vi =dxi

dt<< c. (4.2.3)

Nesse limite, esperamos que a equacao da geodesica reproduza a equacao de movimento

Newtoniana:d2xσ

ds2+ Γσ

αβ

dxα

ds

dxβ

ds= 0

lim=⇒ d2xi

dt2= −∂φ(~r)

∂xi. (4.2.4)

Na equacao inicial, passamos de ds para dt multiplicando-a por ds/dt:

ds

dt

d

ds

dxα

ds+ Γα

βγ

ds

dt

dxβ

ds

dxγ

ds=

d

dt

(dxα

dt

dt

ds

)

+ Γαβγ

dxβ

dt

dxγ

dt

dt

ds

=d2xα

dt2dt

ds+dxα

dt

d

dt

dt

ds+ Γα

βγ

dxβ

dt

dxγ

dt

dt

ds= 0 (4.2.5)

Para α = i o segundo termo e desprezıvel e, na soma do terceiro termo, β = γ = 0 contribui

de maneira dominante. Logo,d2xi

dt2+ Γi

00c2 = 0, (4.2.6)

86 4 Relatividade Geral

que reproduz o limite se

Γi00c

2 =∂φ

∂xi. (4.2.7)

Em primeira ordem em hαβ, junto com a condicao (iii), encontramos a expressao aproxi-

mada para os sımbolos de Christoffel

Γi00 =

1

2ηir(−∂rg00) = −1

2∂ih00, (4.2.8)

onde usamos ηir = δir. Substituindo na equacao anterior, resulta

c2

2∂ih00 = −∂iφ, (4.2.9)

que implica na identificacao (a menos de uma constante),

c2h002

= −φ. (4.2.10)

Temos enfim que

g00 = −(

1 +2φ

c2

)

. (4.2.11)

O potencial φ aparece entao como o desvio da componente η00 = −1 da metrica do espaco

chato da Relatividade Restrita.

Como exemplo, no caso do Sol, φ = −GM/r. Logo,

g00 = −(

1− 2GM

rc2

)

.

O resultado aqui obtido por primeira ordem de perturbacao coincide com o resultado ex-

ato obtido da solucao da equacao de Einstein para o caso de uma massa M (solucao de

Schwarzschild).

4.3 A Equacao de Einstein

Vejamos agora como podemos “enxergar”a equacao de Einstein a partir do limite New-

toniano se partimos da hipotese que os efeitos de curvatura sao produzidos pela presenca de

corpos massivos, da maneira mais simples possıvel. Esse “princıpio de simplicidade”se mostra

conveniente e suficiente para o que queremos, mas ressaltamos novamente que nao pode ser

considerado como uma deducao das equacoes de movimento, pois na linearizacao termos de

ordens mais altas no tensor de curvatura desaparecem.

Em componentes covariantes, a equacao do campo gravitacional devera conter o tensor

4.3 A Equacao de Einstein 87

Tαβ, representando a materia, e os tensores de segunda ordem que derivam do tensor metrico.

Tendo em vista que a equacao de Poisson para o potencial gravitacional Newtoniano,

∇2φ = 4πρG, (4.3.1)

tera que aparecer em algum limite, tais tensores devem conter no maximo derivadas segundas

e e serem lineares nessas derivadas. A equacao pode entao conter Rαβ e gαβR, ou seja, deve

ter a forma

Rαβ + agαβR =χ

2Tαβ , (4.3.2)

onde a e χ sao dois parametros (e o emprego de χ/2 no parametro de Tαβ e de forma que

simplifique a acao no principio variacional, que ficara claro a frente). O segundo devera ser

proporcional a constante gravitacional G, para que surja num limite a equacao de Poisson.

Como ∇γgαβ = 0, poderıamos ainda considerar um termo constante Λgαβ no lado es-

querdo da equacao. Todavia, esse termo quebraria nossa hipotese de simplicidade de que

so Tαβ produz curvatura (onde por “curvatura”, queremos na verdade dizer a curvatura de

Ricci, ja que pelas nossas hipoteses e ela que e observavel). Historicamente, a constante

cosmologica Λ chegou a ser incluıda na equacao por Einstein, para obtencao de universo

estacionario. Todavia, o proprio admitiu mais tarde o erro e abandonou o termo, apos as

observacoes de Hubble que mostravam o universo em expansao.

Em componentes contravariantes, temos

Rαβ + agαβR =χ

2T αβ. (4.3.3)

Em primeira ordem em G (ou seja, em χ), a equacao torna-se

(Rαβ + agαβR)(1) =χ

2

o

Tαβ , (4.3.4)

ondeo

T αβ e o tensor da materia livre, que surge na Relatividade Restrita, sem interacoes

gravitacionais. Na ausencia dessas interacoes, para a conservacao da energia sua divergencia

e nula,

∂βo

Tαβ = 0. (4.3.5)

Em primeira ordem gαβ = ηαβ + hαβ , entao

∂β(Rαβ(1) + aηαβR(1)

)= 0. (4.3.6)

88 4 Relatividade Geral

Mas um calculo direto nos mostra que

R(1)αβ =

1

2(hσβ,ασ + hσα,βσ − hαβ,

σσ − hσσ,αβ) e R = ηαβR

(1)αβ = hσα,ασ − h α σ

α , σ, (4.3.7)

onde os ındices apos vırgulas indicam ındices de derivadas. Entao, pela equacao acima,

1

2

(hσβ,ασ

β + hσα,βσβ − hαβ,

σσβ − h σ

σ ,αββ)+ a

(hσρ,ρσα − h ρ

ρσ, σα

)

=

(1

2+ a

)(hσρ,ρσα − h ρ

ρ , σα σ)= 0 ⇒ a = −1

2, (4.3.8)

uma vez que hαβ e arbitrario. Isso fixa entao o lado esquerdo da equacao de campo.

Vejamos agora o valor de χ. Temos

Rαβ −1

2gαβR =

χ

2Tαβ. (4.3.9)

Contraindo com gαβ: R− 124R = −R = χ

2T , ou seja,

Rαβ =χ

2

(

Tαβ −1

2gαβT

)

. (4.3.10)

Tomando a componente 00 em primeira ordem em G,

R(1)00 =

χ

2

(o

T 00 −1

2η00

o

T

)

. (4.3.11)

No caso estatico (como no caso newtoniano)o

T 00= ρc2,o

T 0i= 0 eo

T ij= 0. Logo,o

T= η00o

T 00=

−ρc2, e portanto,

R(1)00 =

1

4χρc2. (4.3.12)

Tomando a componente 00 na equacao para R(1)αβ , como a metrica e independente do tempo,

encontramos que R(1)00 = −1

2∇2h00. Unindo as relacoes,

−∇2h00 =χ

2ρc2. (4.3.13)

Se lembrarmos que da secao anterior h00 = −2φ/c2 e comparando com a equacao de Poisson,

1

4χρc4 = ∇2φ = 4πGρ, (4.3.14)

vem entao o valor da constante χ,

χ =16πG

c4. (4.3.15)

Justificamos entao a Equacao de Eintein 4.0.1, a qual podemos escrever tambem do modo

Rαβ =8πG

c4

(

Tαβ −1

2gαβT

)

. (4.3.16)

4.4 Princıpio Variacional 89

Dessa equacao, vemos facilmente que fora da materia, no vacuo, Rαβ = 0.

4.4 Princıpio Variacional

4.4.1 Acao de Eistein-Hilbert

Vemos que a dinamica nas equacoes de Einstein e regida pela metrica e e linear em suas

derivadas segundas, presentes na curvatura. Esperamos, agora, poder derivar essas equacoes

atraves de um princıpio variacional, partindo de uma acao que seja um escalar nas variaveis de

configuracao (no nosso caso, a metrica), e nas suas derivadas. No entanto, nao encontramos

entidades envolvendo a primeira derivada na metrica que sejam covariantes sob o grupo de

simetria da Relatividade Geral (que podemos tomar como o grupo de Lorentz ou de Poincare,

dependendo do caso). Assim, o procedimento padrao de se obter as equacoes de campo a

partir de uma acao com a variavel e suas derivadas primeiras nao nos e viavel. A saıda, entao, e

aumentar a derivada, e encontrar uma acao que seja covariante na metrica e em suas derivadas

segundas,

S =

M

L(g, ∂2g

)dv =

M

L(g, ∂2g

)√

|g|d4x, (4.4.1)

onde dv =√

|g|d4x e o elemento de volume invariante por difeomorfismos e L seja alguma

combinacao linear dos tensores metrico e de curvatura. Todavia, o unica combinacao possıvel

para L que seja linear nas derivadas segundas da metrica e o escalar de curvatura R = gµνRµν .

Dessa forma,

S = A

M

d4x√

|g|R, (4.4.2)

onde A e uma constante a ser determinada.

Efetuando a variacao da acao com relacao a gαβ ,

δ(√

|g|R)

= δ(√

|g|Rαβgαβ)

= δ(√

|g|)

R+√

|g|δ(gαβ)Rαβ +

|g|gαβδRαβ , (4.4.3)

sendo,

δ√

|g| =1

2√

|g|δ

(εα1...α4εβ1...β4gα1β1 . . . gα4β4

4!

)

=1

2√

|g|εαα1...α3εββ1...β3gα1β1 . . . gα3β3

3!δgαβ

=

|g|gαβ2

δgαβ, (4.4.4)

δ (gαγgγδ) gδβ = (δgαγ) gγδg

δβ + gαγgδβδgγδ = 0 ⇒ δgαβ = −gαγgδβδgγδ, (4.4.5)

90 4 Relatividade Geral

e

gαβδRαβ = gαβδRγαγβ = gαβδ

(∂γΓ

γαβ − ∂βΓ

γγα + Γγ

γεΓεαβ − Γγ

βεΓεγα

)

= gαβ[(∂γδΓ

γαβ + Γγ

γεδΓεαβ − Γγ

βεδΓεγα − Γε

γαδΓγβε

)−(∂βδΓ

γγα − Γε

αβδΓγγε

)]

= gαβ[∇γδΓ

γαβ −∇βδΓ

γγα

]= ∇γ

(

gαβδΓγαβ − gαγΓβ

βα

)

. (4.4.6)

Esse ultimo termo so contribui portanto para o termo de bordo, que podemos assumir como

se anulando no infinito. Assim,

δS

δgαβ= 0 ⇒

|g|(1

2gαβR−Rγδg

αγgβδ)

=√

|g|(1

2gαβR− Rαβ

)

= 0, (4.4.7)

que resulta na equacao de Einstein no vacuo na forma contravariante.

Para que possamos determinar a constante multiplicativa, acrescentaremos o termo∫d4x√

|g|Lm,

correspondente a campos de materia na variedade. Definimos, entao, o tensor energia-

momentum como

|g|T αβ ≡ 2δ[√

|g|Lm

]

δgαβ, (4.4.8)

e temos que

|g|A(1

2gαβR −Rαβ

)

+δ(√

|g|Lm

)

δgαβ= 0

⇒ Rαβ − 1

2gαβR =

1√

|g|Aδ(

Lm

|g|)

δgαβ=

1

2AT αβ ,

entao, para recuperar as equacoes de Einstein,

1

2A=

8πG

c4⇒ A =

1

χ=

c4

16πG. (4.4.9)

Assim, determinamos a acao de Einstein-Hilbert da gravitacao,

S =c4

16πG

M

d4x√

|g|R +

M

d4x√

|g|Lm, (4.4.10)

exibida independentemente por Hilbert em 1915 e por Einstein em 1916, inspirado por uma

serie de trabalhos de Lorentz do mesmo ano16.

4.4.2 Variacao de Einstein-Palatini

A variacao devida a Palatini em 1919 e empregada por Einstein em 1925 utiliza da mesma

acao de Hilbert, todavia considera uma conexao generalizada, nao necessariamente metrica, e

4.4 Princıpio Variacional 91

que portanto deve ser considerada de forma independente na variacao da acao,

S =1

χ

M

|g|gαβRαβ(Γ). (4.4.11)

Dessa forma, diferente da acao metrica de Hilbert que deve ser carregada ate a segunda

derivada da variavel dinamica, aqui a acao metrica-afim depende somente das variaveis e suas

derivadas primeiras.

A variacao com relacao a gαβ e a mesma que resulta em 4.4.7 (uma vez que vimos que a

variacao da curvatura na acao de Einstein-Hilbert gera somente um termo de bordo) e resulta

nas equacoes de Einstein. Variando a acao com respeito a Γ, relembrando 4.4.6, temos

δS =

M

d4x√

|g|gαβ(∇γδΓ

γαβ −∇βδΓ

γγα

)=

M

d4x√

|g|(

gαβ∇γδΓγαβ − gαγ∇γδΓ

ββα

)

=

M

d4x√

|g|

∇γ

(gαβδΓγ

αβ

)− δΓγ

αβ

(∇γg

αβ)−∇γ

(

gαγδΓββα

)

+ δΓββα (∇γg

αγ)

∗=

M

d4x√

|g|

δΓββα (∇γg

αγ)− δΓγαβ

(∇γg

αβ)

=

M

d4x√

|g|δγβ∇λg

αλ −∇γgαβδΓγ

αβ, (4.4.12)

onde em ∗ descartamos os termos de derivada total, que so contribuiriam para um termo de

bordo. Fazendo a variacao igual a zero, 4.4.12 se anula identicamente para β = γ e para

β 6= γ encontramos

∇γgαβ = 0, (4.4.13)

ou seja, a conexao e compatıvel com a metrica. Com esse resultado, elimina-se o aparente

excesso de variaveis na dependencia da acao, em comparacao com a variacao de Einstein-

Hilbert.

92 4 Relatividade Geral

93

CAPITULO 5

Formulacao ADM

Embora a dinamica da Relatividade Geral seja totalmente descrita pela equacao de campo

de Einstein 4.0.1 no nıvel classico, uma formulacao hamiltoniana da teoria nos permite com-

preender melhor certos aspectos da natureza dessa dinamica, como veremos a seguir, e se

torna o alicerce na busca da quantizacao canonica.

5.1 Decomposicao 3 + 1

O tratamento canonico se inicia com a identificacao das variaveis de configuracao e suas

respectivas velocidades que definirao os momentos conjugados. Para que as velocidades sejam

identificadas, todavia, e necessaria a existencia de um parametro temporal. Assim, iniciamos

o tratamento decompondo a variedade do espaco-tempo em espaco + tempo. Apesar da

aparente quebra na invariancia por difeomorfismo, esse procedimento e lıcito uma vez que nao

fixamos a separacao em espaco e tempo, mas a deixamos arbitraria.

Consideremos a acao de Einstein-Hilbert generalizada em uma (D+1)-variedade M ,

S =1

χ

M

dD+1X√

| det(g)|R(D+1)

. (5.1.1)

Optamos por fixar a assinatura em (−,+, . . . ,+), mas mantemos a dimensao da variedade

arbitraria no nosso tratamento, ate o momento em que a generalizacao nao for mais possıvel.

Xµ sao as coordenadas deM em trivializacoes locais, R(D+1) e o escalar de curvatura associado

a gµν e χ = 16πG, onde G e a constante de Newton (c = 1).

Assumimos que a topologia na variedade e M ' R × σ, onde σ e uma variedade de

dimensao D de topologia arbitraria. Isso e possıvel devido ao seguinte:

Teorema 5.1.1 (Geroch) Seja (M, gµν) um espaco-tempo globalmente hiperbolico. Entao

uma funcao global t pode ser escolhida tal que cada superfıcie de t constante e uma superfıcie

94 5 Formulacao ADM

de Cauchy. Portanto M pode ser folheada por superfıcies de Cauchy e a topologia e R× Σ,

onde Σ denota qualquer superfıcie de Cauchy.

Um esboco da prova pode ser visto em6. Portanto, M e folheada em hipersuperfıcies

Σt ≡ Xt(σ) e para cada t ∈ R fixo temos um mergulho Xt : σ → M dado por Xt(x) ≡X(t, x), onde xa, a = 1, . . . , D sao coordenadas locais de σ. Temos entao um difeomorfismo

X : R× σ → M

(t, x) 7→ X(t, x) ≡ Xt(x). (5.1.2)

M

RX

(x,t)

X (x)t

St

s

Figura 5.1–Difeomorfismo entre R× σ e M.

Qualquer difeomorfismo ϕ ∈ Diff(M) de M e construıdo da forma ϕ = X ′ X−1, para

duas folheacoes diferentes X,X ′. Portanto, relacionamos duas folheacoes por X ′ = ϕ X .

Assim, a liberdade na escolha da folheacao e equivalente a Diff(M) e essa arbitrariedade na

escolha da folheacao condiz com a invariancia por difeomorfismo da acao.

Parametrizamos a decomposicao da acao atraves do campo vetorial de deformacao

T µ(X) ≡(∂X

∂t

)

X=X(x,t)

≡ N(X)nµ(X) +Nµ(X). (5.1.3)

O vetor deslocamento Nµ e tangencial a Σt e nµ um vetor unitario normal, ou seja,

gµνnµnν = −1. O coeficiente de proporcionalidade N e denominado lapso. Requeremos

entao que o campo de deformacao T seja tipo-tempo em toda a variedade, pois queremos

trabalhar com mergulhos tipo-espaco. Temos, portanto, o vınculo

−N2 + gµνNµNν < 0. (5.1.4)

Isso implica que o lapso nao se anula em nenhum lugar, o que e condizente com a expectativa

de uma evolucao temporal da folheacao.

5.2 Formas Espaciais 95

St1

St2

St3

St4

Nn tdX td

N td

Figura 5.2–Folheacao do espaco-tempo em hipersuperfıcies tipo-espaco.

Pelo teorema da funcao inversa, e como vemos pela construcao da folheacao, Σt pode ser

definida por uma equacao do tipo f(X) = t = constante. Portanto

0 = limε→0

f(Xt(x+ εb))− f(Xt(x))

ε= baf,µX

µ,a |X=Xt(x)

para qualquer vetor tangente b de σ e x. Como Xµ,a e tambem tangente, concluımos que f,µ

e proporcional ao vetor normal, ou seja, o vetor normal e proporcional a uma 1-forma exata

n = nµdXµ = Ff,µ dX

µ = Fdf. (5.1.5)

5.2 Formas Espaciais

Consideremos as formas fundamentais em Σ:

Primeira forma fundamental qµν ≡ gµν + nµnν . (5.2.1)

Segunda forma fundamental Kµν ≡ qρµqσν∇ρnσ. (5.2.2)

Ambas as formas sao espaciais pois se anulam se qualquer ındice e contraıdo com nµ. Vemos

que Kµν e simetrico:

K[µν] = qρµqσν [∇ρnσ −∇σnρ] = qρµq

σν [∇ρF∇σf + F∇ρ∇σf −∇σF∇ρf − F∇σ∇ρf ]

= qρµqσν

[(∇[ρ lnF

)nσ] + F∇[ρ∇σ]f

]= 0,

pois ∇ e livre de torcao, e que esta relacionado a derivada de Lie da metrica qµν :

2Kµν = qρµqσν

(2∇(ρnσ)

)= qρµq

σν (Lng)ρσ

= qρµqσν (Lnq −Ln(n⊗ n))ρσ = qρµq

σν (Lnq)ρσ

= (Lnq)µν , (5.2.3)

onde na primeira passagem usamos a relacao entre a derivada covariante e a derivada de Lie

e na ultima passagem usamos que nµLnqµν = −qµν [n, n]µ = 0, e por isso podemos fazer a

96 5 Formulacao ADM

contracao dos ındices com a metrica q tal como se fosse a metrica g. Usando a relacao 5.1.3,

reescrevemos a expressao acima como

2Kµν =1

N

(L(T−N)q

)− 2nρqρ[µ ln(N),ν] =

1

N

(L(T−N)q

)

µν. (5.2.4)

5.2.1 Derivada covariante

Como q e uma metrica de assinatura euclideana em Σ, podemos procurar uma derivada

covariante D em tensores espaciais que seja compatıvel com a metrica (Dαqµν = 0) e livre de

torcao (D[µDν]f = 0, para um escalar f qualquer). Dessa forma, pelo teorema fundamental

da geometria riemanniana, essa derivada covariante sera unica.

Seja u uma 1-forma em Σ tal que uµnµ = 0 e sejam f e u extensoes arbitrarias de f e u

em uma vizinhanca de Σ em M . Definimos entao a seguinte derivada covariante:

Dµf ≡ qνµ∇ν f , (5.2.5a)

Dµuν ≡ qρµqσν∇ρuσ, (5.2.5b)

e assim por diante com formas de ordens maiores. Embora a extensao para uma vizinhanca

de Σ em M seja formalmente necessaria na definicao para efetuar a operacao em ∇, no final

a derivada covariante e independente dela, pois vetores nao tangentes a Σ acabam sendo

projetados pela metrica q. Assim, derrubamos o til daqui para frente. Vejamos, pois, se essa

definicao confere com a nossa procura:

1. Dµqνρ = qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ ∇µ′(gν′ρ′ + nν′nρ′) = qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ [(∇µ′nν′)nρ′ + nν′(∇µ′nρ′)] = 0;

2. DµDνf −DνDµf = Dµ(qσν∇σf)−Dν(q

λµ∇λf) = qλµ∇λ(q

σν∇σf)− qσν∇σ(q

λµ∇λf)

= qλµqσν∇λ∇σf − qσν q

λµ∇σ∇λf = qλµq

σν (∇λ∇σf −∇σ∇λf) = 0.

Resumindo, a acao de D em tensores espaciais se da atuando ∇ da maneira usual, seguida

da projecao espacial de todos os ındices que aparecem, incluindo aquele em que a derivada e

tomada.

5.2 Formas Espaciais 97

5.2.2 Curvatura

Passemos agora para o calculo da curvatura:

DµDνuρ = qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ ∇µ′Dν′uρ′ = qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ ∇µ′

(

qν′′

ν′ qρ′′

ρ′ ∇ν′′uρ′′)

=

A︷ ︸︸ ︷

qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ

[

(∇µ′qν′′

ν′ )qρ′′

ρ′ ∇ν′′uρ′′]

+

B︷ ︸︸ ︷

qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ

[

qν′′

ν′ (∇µ′qρ′′

ρ′ )∇ν′′uρ′′]

+ qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ

[

qν′′

ν′ qρ′′

ρ′ ∇µ′∇ν′′uρ′′]

(5.2.6)

Temos que ∇cqba = ∇c(g

ba + nan

b) =[(∇cna)n

b + na∇cnb]. Assim,

A = qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ

[

(∇µ′nν′)nν′′qρ

′′

ρ′ ∇ν′′uρ′′ + nν′(∇µ′nν′′)qρ′′

ρ′ ∇ν′′uρ′′]

= qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ (∇µ′nν′)nν′′(gρ

′′

ρ′ + nρ′nρ′′)∇ν′′uρ′′

= qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ

[

(∇µ′nν′)nν′′gρ

′′

ρ′ ∇ν′′uρ′′ + (∇µ′nν′)nν′′nρ′n

ρ′′∇ν′′uρ′′]

= qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ (∇µ′nν′)(∇nuρ′),

com ∇nuρ′ = nν′′∇ν′′uρ′, e

B = qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ qν′′

ν′

[

(∇µ′nρ′)nρ′′∇ν′′uρ′′ + nρ′(∇µ′nρ′′)∇ν′′uρ′′

]

= qµ′

µ qν′′

ν qρ′

ρ (∇µ′nρ′)nρ′′∇ν′′uρ′′

= −qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ (∇µ′nρ′)(∇ν′nρ′′)uρ′′,

pois 0 = ∇ν′(nρ′′uρ′′) = (∇ν′n

ρ′′)uρ′′ + nρ′′∇ν′uρ′′. Assim,

DµDνuρ = qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ

[

(∇µ′nν′)(∇nu′ρ)− (∇µ′nρ′)(∇ν′n

ρ′′)uρ′′ +∇µ′∇ν′uρ′]

. (5.2.7)

Dessa forma, determinamos a equacao de Gauss,

R(D)σµνρ uσ = DµDνuρ −DνDµuρ = qµ

µ qν′

ν qρ′

ρ

[

(∇µ′nν′)(∇nuρ′)− (∇µ′nρ′)(∇ν′nρ′′)uρ′′

− (∇ν′nµ′)(∇nuρ′) + (∇ν′nρ′)(∇µ′nρ′′)uρ′′ +∇µ′∇ν′uρ′ −∇ν′∇µ′uρ′]

= −Kµρqν′

ν (∇ν′nρ′′)qσρ′′uσ +Kνρq

µ′

µ (∇µ′nρ′′)qσρ′′uσ +∇µ′∇ν′uρ′ −∇ν′∇µ′uρ′

=[

KνρKσµ −KµρK

σν + qµ

µ qν′

ν qρ′

ρ R(D+1)σµ′ν′ρ′

]

uσ, (5.2.8)

que pode ser expressa simplesmente como

R(D)

µνρσ = qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ qσ′

σ R(D+1)

µ′ν′ρ′σ′ − 2Kρ[µKν]σ. (5.2.9)

Procedemos agora para determinar o escalar de curvatura, que e o elemento que nos

98 5 Formulacao ADM

interessa, por aparecer na acao. Sejam K ≡ qµνKµν e Kµν ≡ qµρqνσKρσ. Temos,

R(D)

= R(D)

µνρσqµρqνσ = [KνρKµσ −KµρKνσ] q

µρqνσ + qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ qσ′

σ R(D+1)

µ′ν′ρ′σ′qµρqνσ

= KµσKµσ −K2 + qµρqνσR(D+1)

µνρσ . (5.2.10)

A contracao dos ındices em R(D+1)

, que e o termo que aparece na acao, se da com a metrica

g do espaco-tempo, e nao com a metrica q de Σ,

R(D+1)

= R(D+1)

µνρσ gµρgνσ = R

(D+1)

µνρσ (qµρ − nµnρ)(qνσ − nνnσ)

= R(D+1)

µνρσ [qµρqνσ − qµρnνnσ − nµnρqνσ + nµnρnνnσ] .

Mas R(D+1)

µνρσ nσ = 2∇[µ∇ν]nρ, entao

R(D+1)

= R(D+1)

µνρσ qµρqνσ − qµρR

(D+1)

µνρσ nνnσ − qνσR

(D+1)

µνρσ nµnρ +R

(D+1)

µνρσ nµnρnνnσ

= R(D+1)

µνρσ qµρqνσ − 2qµρnν∇[µ∇ν]nρ − 2qνσ∇[ν∇µ]nσ + 2(∇µ∇ν −∇ν∇µ)nρn

ρnµnν

= R(D+1)

µνρσ qµρqνσ − 2nν [∇µ,∇ν ]n

µ −∇µ∇νnµnν +∇ν∇µn

νnµ

= R(D+1)

µνρσ qµρqνσ − 2nν [∇µ,∇ν ]n

µ. (5.2.11)

Reescrevemos

nν [∇µ,∇ν ]nµ = ∇µ(n

ν∇νnµ − nµ∇νn

ν)− (∇µnν)(∇νn

µ) + (∇µnν)(∇νn

µ)

e observamos que

0 = ∇µ(nνnν) = (∇µn

ν)nν + nν(∇µnν) = ∇µ(nρgρν)nν + nν(∇µnν)

= (∇µnρ)nρ + nν(∇µnν) = 2nν∇µnν .

Baseado nisso, escrevemos

K = Kµνqµν = qρµq

σν∇ρnσq

µν = qρνqσν∇ρnσ = qρσ∇ρnσ

= gρσ∇ρnσ + nρnσ∇ρnσ = gρσ∇ρnσ = ∇ρnρ (5.2.12)

e

KµνKµν = (qρµq

σν∇ρnσ)(q

µεqνθqλθ qδε∇λnδ) = qρδqσλ∇ρnσ∇λnδ

= (gρδ + nρnδ)(gσλ + nσnλ)∇ρnσ∇λnδ

= gρδgσλ∇ρnσ∇λnδ + gρδnσ∇ρnσnλ∇λnδ + gσλnρ∇ρnσn

δ∇λnδ

+ nρnλnσ∇λnσnδ∇λnδ

= gρδgσλ∇ρnσ∇λnδ = (∇ρnλ)(∇λn

ρ), (5.2.13)

5.3 Pullback para σ 99

de forma que obtemos a equacao de Codazzi,

R(D+1)

= R(D) − 2∇µ (n

ν∇νnµ − nµ∇νn

ν)−K2 +KµνKµν . (5.2.14)

O termo da derivada covariante, todavia, e relevante somente para o termo de bordo na acao,

que assumiremos por ora que va a zero. Assim, expressaremos

R(D+1)

= R(D) −K2 +KµνK

µν . (5.2.15)

5.3 Pullback para σ

Reescrevemos ate aqui as grandezas relevantes em funcao das variaveis determinadas sobre

Σt. No entanto, ainda continuamos ligados a dependencia temporal em Σt; queremos, pois,

realizar o pullback para σ, onde estaremos de fato lidando apenas com coordenadas espaciais,

com o parametro t como um parametro de evolucao externo.

Para isso, consideremos os D campos vetoriais espaciais em Σt:

Xµa (X) ≡ Xµ,a (x, t)|X(x,t)=X . (5.3.1)

Como nµXµa = 0, pois Xµ

a sao espaciais, entao

qab(t, x) ≡ (qµνXµaX

νb ) (X(t, x)) = gµν (X(t, x))Xµ,a (t, x)X

ν ,b (t, x) (5.3.2)

e

Kab(t, x) ≡ (KµνXµaX

νb ) (X(t, x)) = (Xµ,aX

ν ,b ∇µnν) (t, x). (5.3.3)

Usando qab e sua inversa qab =εaa1...aD−1εbb1...bD−1qa1b1 ...qaD−1bD−1

det(qcd)(D−1)!, podemos restabelecer a

metrica em Σt atraves de

[qabXµ,aX

ν ,b](x, t)|X(x,t)=X = εaa1...aD−1εbb1...bD−1qa1b1 . . . qaD−1bD−1

Xµ,aXν ,b

= εaa1...aD−1εbb1...bD−1gν1ν1X

µ1 ,aXν1 ,b . . . gνD−1νD−1

XµD−1,aXνD−1,b

det(qcd)(D − 1)!Xµ,aX

ν ,bqµνq

µν

D

=det(qab)D!

det(qcd)D!qµν = qµν(X). (5.3.4)

Definimos os pullbacks do lapso e do vetor deslocamento como N(x, t) ≡ N(X(x, t)) e

100 5 Formulacao ADM

Na(x, t) ≡ qab(x, t)(Xµb gµνN

ν)(X(x, t)). Entao a relacao entre Kab e qab fica da forma

Kab = KµνXµaX

νb =

1

2N

(

L(~T− ~N)q)

µνXµ

aXνb =

1

2N[(Ltq)µνX

µaX

νb − (L ~Nq)µνX

µaX

νb ]

=1

2N[qab − (L ~Nq)ab] . (5.3.5)

Os pullbacks das expressoes em 5.2.15 ficam

K(x, t) = (qµνKµν)(X(x, t)) = (qabKab)(x, t), (5.3.6)

KµνKµν(x, t) = (KµνKρσq

µρqνσ)(X(x, t)) = (KabKcdqacqbd)(x, t), (5.3.7)

R(D)

(x, t) = (R(D)

µνρσqµρqνσ)(X(x, t)) = (KabKcdq

acqbd)(x, t). (5.3.8)

Escrevendo o intervalo invariante no novo sistema de coordenadas (x, t) usando as quan-

tidades qab, N, Na, temos

ds2 = gµνdXµ ⊗ dXν

= gµν(X(x, t)) [Xµ,t dt+Xµ,a dxa]⊗

[Xν ,t dt+Xν ,b dx

b]

= gµν(X(x, t)) [Nnµdt+Xµ,a (dxa +Nadt)]⊗

[Nnνdt+Xν ,b (dx

b +N bdt)]

=[qabN

aN b −N2]dt⊗ dt+ qabN

b[dt⊗ dxa + dxa ⊗ dt] + qabdxa ⊗ dxb. (5.3.9)

Daı extraımos as componentes da metrica X∗g em σ.

Por fim, resta-nos escrever o elemento de volume Ω(X) ≡√

| det(g)|dD+1X no novo

referencial. Como a forma de volume e covariante, entao (X∗Ω)(x, t) =√

| det(X∗g)|dtdDx,sendo que

det(X∗g) = (qabNaN b −N2) det(qab)−

qa1Na

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

q1bNb q12 q13

q2bNb q22 q23

q3bNb q32 q33

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

+ qa2Na

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

q12 q1bNb q13

q22 q2bNb q23

q33 q3bNb q33

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

− qa3Na

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

q11 q12 q1bNb

q21 q22 q2bNb

q31 q32 q3bNb

∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣

= (qabNaN b −N2) det(qab)− q1bN

bN1 det(qab) + q2bNbN2(− det(qab))−

q3bNbN3 det(qab) = −N2 det(qab). (5.3.10)

Reescrevemos, assim, o pullback para R×σ da acao de Einstein-Hilbert, que denominare-

mos de acao ADM (Arnowitt-Deser-Misner):

S =1

χ

R

dt

σ

dDx√

det(q)|N |[

R(D)

+KabKab −K2

]

. (5.3.11)

5.4 Hamiltoniano 101

5.4 Hamiltoniano

Na formulacao de Einstein-Hilbert, a metrica gab (simetrica) possui 10 variaveis de entrada,

que por consistencia devem ser mantidas em numero na formulacao ADM. Adotamos entao o

espaco de configuracoes cujas variaveis de entrada sejam dadas por qab, Na e N (totalizando

6+3+1=10). Uma vez determinada a acao em nosso novo espaco, trataremos agora de

passa-la para uma forma hamiltoniana.

Por simplificacao, omitiremos o ındice da dimensao das curvaturas, ficando subentendido

nesse caso que tratamos com dim(σ) = D.

Os momentos conjugados sao dados por

P ab(t, x) ≡ δS

δqab(t, x)=

1

χ

∂qab

[√

det (q)|N |(R +KabK

ab − qabKab

)]

,

=

det (q)|N |χ

[∂

∂qab(KabK

ab)− ∂

∂qab(qabKab)

2

]

=

det (q)|N |χ

[(∂

∂qabKab

)

Kab +Kabqacqbd

(∂

∂qabKcd

)

− 2Kqab∂

∂qabKab

]

=

det (q)

χ

|N |N

[Kab − qabK

], (5.4.1a)

Π(t, x) ≡ δS

δN(t, x)= 0, (5.4.1b)

Πa(t, x) ≡ δS

δNa(t, x)= 0, (5.4.1c)

onde para 5.4.1a utilizamos 5.3.5. Vemos que 5.4.1b e 5.4.1c constituem dois vınculos

primarios

Π(t, x) ≈ 0 e Πa(t, x) ≈ 0.

Para escrever o hamiltoniano, primeiramente usamos 5.3.5 e expressamos qab = 2NKab +

(L ~Nq)ab. Assim,

qabPab = (2NKab + (L ~Nq)ab) (K

ab − qabK)|N |N

det (q)

χ

=|N |√

det (q)

[2NKabK

ab − 2NK2]+ (L ~Nq)abP

ab

= (L ~Nq)abPab +

2|N |√

det (q)

χ

[KabK

ab −K2]. (5.4.2)

Queremos, no entanto, obter uma expressao final dependente somente das variaveis de con-

102 5 Formulacao ADM

figuracao e momento. Para isso, vemos que

PabPab = qacqbdP

cdP ab =det (q)

χ2(Kcd − qcdK)(Kab − qabK)qacqbd

=det (q)

χ2

(KabK

ab − 2qabKcdKqacqbd + qabqcdK2qacqbd)

=det (q)

χ2

[KabK

ab + (D − 2)K2]

(5.4.3)

e

P 2 = (qabPab)2 =

[ |N |Nχ

det (q)(K −DK)

]2

=(1−D)2

χ2(det (q))K2. (5.4.4)

Portanto,

P abPab +P 2

1−D=

det (q)

χ2

[KabK

ab + (D − 2 + 1−D)K2]=

det (q)

χ2(KabK

ab −K2).

(5.4.5)

O termo dentro da integral do hamiltoniano fica entao da forma

qab(P, q,N, ~N)P ab + NΠ + NaΠa −√

det (q)|N |χ

(R +KabKab −K2)(P, q,N, ~N)

=

NΠ+ NaΠa + (L ~Nq)abPab +

|N |√

det (q)

χ(2KabK

ab − 2K2 − R−KabKab +K2)

=

NΠ+ NaΠa + (L ~Nq)abPab +

|N |√

det (q)

χ

[χ2

det (q)

(

P abPab −1

D − 1P 2

)

− R

]

.

Lembrando que (L ~Nq)ab = DaNb +DbNa = qbcDaNc + qacDbN

c, e que

(qbcDaNc − qacDbN

c)P ab = −∫

(qbcNcDaP

ab + qacNcDbP

ab) = −∫

2N cqbcDaPab,

escrevemos o hamiltoniano

H =1

χ

σ

dDx

NΠ+ NaΠa +NaHa + |N |H

, (5.4.6)

sendo

Ha ≡ −2qacDbPbc, (5.4.7a)

H ≡ χ√

det (q)

(

qacqbd −1

D − 1qabqcd

)

P abP cd +√

det (q)R, (5.4.7b)

que por ora trataremos respectivamente como o termo vetorial e o termo escalar do hamilto-

niano.

5.5 Estrutura simpletica 103

5.5 Estrutura simpletica

Para um dado t fixo, os pontos no espaco de fase P sao constituıdos pelos campos

suaves(qab(t, x), N

a(t, x), N(t, x);P ab(t, x),Πa(t, x),Π(t, x)). Podemos escolher o espaco de

Banach em que a variedade e modelada como o produto direto do espaco T2(σ)×T1(σ)×T0(σ)de campos tensoriais covariates simetricos com o espaco T 2(σ)× T 1(σ)× T 0(σ) de campos

de densidade tensoriais contravariantes simetricos, de posto 2, 1 e 0 em σ, respectivamente,

equipados com alguma norma apropriada.

Dados campos tensoriais de posto m qualquer, definimos o seguinte par funcional, invari-

ante por difeomorfismos em σ,

Tm(σ)× Tm(σ) → R

(Fm, fm) 7→ Fm(f

m) ≡∫

σ

dDxF a1...amm (x)fm

a1...am(x) (5.5.1)

=

σ

dDx

σ

dDx′F a1...amm (x′)fm

b1...bm(x)δb1(a1 . . . δ

bmam)δ

(D)

(x′, x).

Definimos, entao, a seguinte estrutura de Poisson no espaco de fase:

F2(q), P (f2) = χF2(f

2), ~F1( ~N), ~Π(~f 1) = χ~F1(~f1), F (N),Π(f) = χF (f),

(5.5.2)

e zero para as demais combinacoes. Essa definicao em termos de funcionais nos permitira

enxergar mais facilmente a frente os difeomorfismos gerados pelas transformacoes de gauge,

mas e analoga a definicao usual para os colchetes de Poisson, se definimos,

P (δ2) =

σ

dDx′δ(D)

(x′, x)P ab(t, x′) = P ab(t, x),

δ2(q) =

σ

dDx′δ(D)

(x′, x)qab(t, x′) = qab(t, x),

entao, pela definicao 5.5.2,

qab(t, x), P cd(t, x′) = δ2(q), P (δ2)= χ

σ

dDx′′∫

σ

dDx′′′δ(D)

(x′′, x)δ(D)

(x′′′, x′)δc(aδdb)δ

(D)

(x′′, x′′′)

= χδc(aδdb)δ

(D)

(x, x′). (5.5.3)

Estendendo o colchete para funcionais arbitrarios G,G′ : P → C , temos

G,G′ = χ

σ

dDx

[δG

δqab(x)

δG′

δP ab(x)− δG

δP ab(x)

δG′

δqab(x)

]

. (5.5.4)

104 5 Formulacao ADM

Sob essa estrutura simpletica, a evolucao de um funcional arbitrario G no espaco de fase

se dara entao por

G ≡ G,H. (5.5.5)

5.5.1 Vınculos

Passemos ao tratamento dos vınculos. Na forma funcional, o hamiltoniano fica escrito

como

χH =

σ

dDx

NΠ+ NaΠa +NaHa + |N |H

≡ Π(

N)

+ ~Π(

~N)

+ ~H(

~N)

+H (|N |) .(5.5.6)

Aplicando a condicao de consistencia sobre os vınculos 5.4.1b e 5.4.1c, encontramos

~Π(

~f)

=

~Π(

~f)

,H

=

~Π(

~f)

, ~H(

~N)

= ~H(

~f)

≈ 0.

e

Π(f) = Π(f),H = Π(f), H(|N |) =

Π(f), H(N) = H(f), N > 0

Π(f), H(−N) = H(−f), N < 0

= H

(N

|N |f)

≈ 0.

Assim, encontramos que os termos vetorial e escalar do hamiltoniano sao na verdade vınculos,

Ha(t, x) ≈ 0 e H(t, x) ≈ 0. (5.5.7)

Dando continuidade ao procedimento, reaplicamos as condicoes de consistencia para os

novos vınculos 5.5.7. Essas nos levam a

~H(

~f)

,H

= ~H(

L ~N~f)

−H(

L~f |N |)

≈ 0, (5.5.8a)

H(f),H = H (L ~Nf) +~H(

~N(|N |, f, q))

≈ 0, (5.5.8b)

onde ~N(f, f ′, q)a = qab(ff ′,b −f ′f,b ). O calculo das condicoes 5.5.8 e nao-trivial, e equivale

5.6 Geometria das Transformacoes de Gauge 105

a deducao da algebra de Dirac D,

~H(

~f)

, ~H(

~f ′)

= χ ~H(

L~f~f ′)

,

~H(

~f)

, H(f)

= χH(

L~ff)

,

H(f), H(f ′) = χ ~H(

~N(f, f ′, q))

, (5.5.9)

tambem denominada algebra de deformacao da hipersuperfıcie e que pode ser derivada

a partir da discussao feita a seguir (para a deducao completa, ver13). Dadas suas atuacoes,

denominaremos os vınculos Ha e H tambem como vınculo de difeomorfismo e vınculo

hamiltoniano, respectivamente.

Uma ultima observacao sobre os vınculos que deve ser feita e que sao todos de primeira-

classe. Dessa forma, a superfıcie de vınculo e preservada sobre os movimentos gerados por

esses, ou seja, os vınculos sao geradores de transformacoes de gauge.

P

P*

E[u]

Figura 5.3 – Espaco de fase P , superfıcie de vınculos E, orbita de gauge [u] e espaco de fase reduzidoP ∗. Movimentos gerados sobre a superfıcie de vınculo geram transformacoes de gauge.

5.6 Geometria das Transformacoes de Gauge

Em vias de entender a geometria da atuacao das transformacoes de gauge, estudaremos

as equacoes de movimento das variaveis canonicas no espaco de fase. Π e Πa sao vınculos

primarios e seus movimentos ja foram analisados pela condicao de consistencia resultando em

5.5.7. Devido a esses, ainda, N e Na atuam como multiplicadores de Lagrange, e portanto

as trajetorias do lapso e do deslocamento sao completamente arbitrarias. Resta-nos, entao, o

estudo das trajetorias de qab e Pab.

106 5 Formulacao ADM

Consideremos a acao reduzida, denominada acao ADM canonica,

S =1

χ

R

dt

σ

dDxqabP

ab − [NaHa + |N |H ]. (5.6.1)

O hamiltoniano reduzido

H =1

χ

σ

dDx [NaHa + |N |H ] (5.6.2)

e uma combinacao linear de vınculos, e portanto podemos obter as equacoes de movimento

atraves do fluxo hamiltoniano das funcoes ~H(

~f)

e H(f) separadamente, para quaisquer ~f, f .

Seja uma funcao J qualquer no espaco de fase P . Definimos

δ~fJ ≡

J, ~H(

~f)

e δfJ ≡ J,H(f). (5.6.3)

5.6.1 Trajetorias de qab

Comecaremos o tratamento reescrevendo o vınculo vetorial de uma forma mais propıcia

para a analise geometrica. Integrando por partes, temos

~H(

~f)

= −∫

σ

dDxfa2qacDbPbc =

σ

dDx2Db (faqac)P

bc =

σ

dDx2(Dbfa)qacP

bc.

(5.6.4)

No entanto, devido a simetria de qab e Pab,

P ab(

L~fq)

ab= P abf c(Dcqab) + P ab(Daf

c)qcb + P ab(Dbfc)qac = 2(Dbf

c)qcaPab, (5.6.5)

e assim,

~H(

~f)

=

σ

dDxP ab(

L~fq)

ab. (5.6.6)

Dessa forma,

δ~fF2(q) =

F2(q), ~H(

~f)

=

F2(q), P(

L~fq)

= χF2

(

L~fq)

(5.6.7)

e

δfF2(q) = F2(q), H(f) = F2(q), P2(f) = (P F2, P+ F2, P P ) (q, f)

= 2P F2, P(q, f) = 2(P F2)(f) =

σ

dDx2χ2F 2abP

cdfqacqbd − qabqcd/(D − 1)

det (q)

= 2χ2

σ

dDxF ab2 f

Pab − Pqab/(D − 1)√

det (q). (5.6.8)

5.6 Geometria das Transformacoes de Gauge 107

Como Pab =|N |N

det (q)[Kab − qabK] e Kab =12N

(qab − (L ~Nq)ab), podemos escrever

δ|N |qab = 2χ2|N |Pab − Pqab/(D − 1)√

det (q)

= 2χ2|N | 1√

det (q)

N

|N |√

det (q)

[

Kab − qabK +K(1−D)qab

D − 1

]

= 2NχKab = χ(qab − (L ~Nq)ab

). (5.6.9)

Para que possamos interpretar essa quantidade no referencial (t, x), devemos observar como

se comportam as variaveis que a definem. Olhando para a metrica, temos

gtt = −N2 + qabNaN b, gta = qabN

b, gab = qab (5.6.10)

e sua inversa, utilizando gµν =εµµ1µ2...µD ενν1ν2...νDgµ1ν1gµ2ν2 ...gµDνD

D! det(gµν), e da forma

gtt = − 1

N2, gta =

Na

N2, gab = qab − NaN b

N2. (5.6.11)

Assim,

nt = nµXµt = −N, na = nµX

µa = 0 e nt =

1

N, na = −N

a

N. (5.6.12)

Como qat = qtt = 0, obtemos entao

δ|N |F2(q) = χF2 (LNnq) . (5.6.13)

Resumindo, quando consideramos qab,

• Ha gera difeomorfismos de M que preservam Σt;

• H gera difeomorfismos de M ortogonais a Σt, entretanto somente quando as equacoes

de movimento qab = qab,H sao satisfeitas (as quais usamos para reexpressar P em

termos de q).

5.6.2 Trajetorias de P ab

A variacao de P (f 2) com respeito a ~H(

~f)

= −∫

σdDxqab

(

L~fP)ab

fica da forma

δ~fP (f2) =

P (f 2), ~H(

~f)

=

P (f 2),(

−L~fP)

(q)

= χ(

L~fP)

(f 2). (5.6.14)

O resultado com respeito a H(f) e no entanto bem mais complexo devido a existencia do

termo de curvatura. Tambem, como mostraremos, so e valido on shell, isso e, quando as

108 5 Formulacao ADM

equacoes de Einstein no vacuo sao satisfeitas. Calcularemos aqui P ab, H(|N |) = − δH(|N |)δqab

.

Variando H com respeito a qab,

δH(|N |)δqab

=

σ

dDx|N |

χ√

det (q)

[δqacδqab

qbd + qacδqbdδqab

− 1

D − 1(δqabδqab

qcd + qabδqcdδqab

)

]

P abP cd

+ χ

[

qacqbd −1

D − 1qabqcd

]

P abP cd δ

δqab

(

1√

det (q)

)

δqab

(√

det (q)R

χ

)

. (5.6.15)

Analisando por partes,

(i)δ

δqab

(

1√

det (q)

)

= −1

2

1

(det (q))3/2δ

δqab

(εa1...aDεb1...bDqa1b1 . . . qaDbD

D!

)

− 1

2 det(det (q))Dεa1...aDεb1...bDqa1b1 . . . qaD−1bD−1

D!= − qab

2√

det (q), (5.6.16a)

(ii) δ(√

det (q)R) =(

δ√

det (q))

R +√q(δqab

)Rab +

√qqabδRab, (5.6.16b)

sendo que

(iia)δ√

det (q)

δqab=

1

2√

det (q)

δ det (q)

δqab=

det (q)

2qab,

(iib) δ [qmnqnj ] qjk = 0 = (δqmn) qnjq

jk + qmnqjkδqnj ⇒ δqmk = −qmnqjkδqnj ,

(iic) δRab = δ [Rcacb] = δ

[∂cΓ

cab − ∂aΓ

cca + Γc

cdΓdab − Γc

bdΓdca

]

= ∂cδΓcab − ∂bδΓ

cca + Γc

cdδΓdab + Γd

abδΓccd − Γc

bdδΓdca − Γd

caδΓcbd.

Mas, da definicao da derivada covariante,

DcδΓcab = ∂cδΓ

cab + Γc

cdδΓdab − Γd

cbδΓcad − Γd

caδΓcdb,

DbδΓcca = ∂bδΓ

cca + Γc

bdδΓdca − Γd

baδΓccd − Γd

bcδΓcda = ∂bδΓ

cca − Γd

baδΓccd,

observando que, embora o sımbolo de Christoffel nao seja um tensor, sua variacao o e. Assim,

δRab = DcδΓcab −DbδΓ

cca. (5.6.17)

5.6 Geometria das Transformacoes de Gauge 109

Expressando entao δΓcab em funcao de δqab,

δΓcab =

δqcd

2

(∂aqbd + ∂bq

ad − ∂dqab)+qcd

2(∂aδqbd + ∂bδqad − ∂dδqab)

= −qceqdf

2(∂aqbd + ∂bqad − ∂dqab) δqef +

qcd

2(∂aδqbd + ∂bδqad − ∂dδqab)

= −qceqdf

22Γn

abqndδqef +qcd

2(∂aδqbd + ∂bδqad − ∂dδqab)

=qcd

2

(

∂aδqbd + ∂bδqad − ∂dδqab − 2Γfabδqdf

)

,

onde usamos que Γnab =

qnd

2(∂aqbd + ∂bqad − ∂dqab). Temos ainda,

Daδqbd = ∂aδqbd − Γfabδqfd − Γf

adδqbf

Dbδqbd = ∂bδqbd − Γfbaδqfd − Γf

bdδqaf

−Ddδqab = ∂dδqab + Γfdaδqbf + Γf

dbδqaf

Portanto,

Daδqbd +Dbδqad −Ddδqab = ∂aδqbd + ∂bδqad − ∂dδqab − 2Γfabδqdf

e assim,

δΓcab =

qcd

2(Daδqbd +Dbδqad −Ddδqab) . (5.6.18)

Substituindo entao a equacao 5.6.18 em 5.6.17, e tomando a parte correspondente em 5.6.16,

temos ∫

σ

dDx|N |√

det (q)qcdδRcd =

σ

dDx√

det (q)qcd [DeδΓecd −DcδΓ

eed] .

Integrando duas vezes por partes, e descartando os termos de bordo,

=

dDx√

det (q)qcd [(Dc|N |)δΓeed − (De|N |)δΓe

cd]

=

dDx√

det (q)qcd[

(Dc|N |)qef

2(Ddδqef +Deδqdf −Dfδqde)− (De|N |)q

ef

2(Ddδqcf

+Dcδqdf −Dfδqcd)

]

=

dDx√

det (q)qcdqef [(Dc|N |)Ddδqef − (De|N |)Dcδqdf ]

=

dDx√

det (q)qcdqef [−(DdDc|N |)δqef + (DcDe|N |)δqdf ]

=

dDx√

det (q)[−(DcD

c|N |)qab + (DaDb|N |)]δqab. (5.6.19)

110 5 Formulacao ADM

Podemos, por fim, reescrever 5.6.15 como

P ab, H(|N |) = − 2|N |√

det (q)

[

P acP bc −

P abP

D − 1

]

+qab|N |H

2+ |N |

det (q)(qabR−Rab

)

+√

det (q)[−(DcD

c|N |)qab +DaDb|N |]. (5.6.20)

Esse resultado, entretando, ainda nao nos permite enxergar que o fluxo de P ab com

respeito a H(|N |) possa ser tratado como um difeomorfismo ortogonal a Σt. Para mostrar

isso, trataremos do processo inverso, e escreveremos LNnPab e mostraremos sua relacao com

5.6.20.

Partimos de LnKµν ≡ nρ∇ρKµν + (∇µnρ)Kρν + (∇νn

ρ)Kµρ. Temos que

∇ρ(nρKµν) = (∇ρn

ρ)Kµν + nρ∇ρKµν = KKµν + nρ∇ρKµν

⇒ nρ∇ρKµν = ∇ρ(nρKµν)−KKµν

e

(∇µnρ)Kρν = (∇µnλg

λρ)Kρν = (∇µnλgλρ)Kρν = (∇µnλ)g

λρKρν

= (∇µnλ)(qλρ − nλnρ)Kρν = Kρ

µKρν −Kµλnλnρ∇ρnν = Kρ

µKρν −Kµλnλ∇nnν

= KρµKρν +Kµλnν∇nn

λ,

pois 0 = ∇n(nλnν) = (∇nn

λ)nν + nλ(∇nnν). Assim,

LnKµν = −KKµν + 2KρµKρν +

[∇ρ(n

ρKµν)− 2Kρ(µnν)∇nnρ]

(5.6.21)

Usando a equacao de Gauss 5.2.9,

Rνσ = Rµνσρqµρ = −2Kρ[µKν]σq

µρ +R(D+1)

µ′ν′ρ′σ′qµ′

µ qν′

ν qρ′

ρ qσ′

σ qµρ

= −KρµKνσqµρ +KρνKµσq

µρ + qν′

ν qσ′

σ R(D+1)

µν′ρσ′(gµρ − nµnρ)

= −KKνσ +KνρKρσ + qν

ν qσ′

σ R(D+1)

ν′σ′ − qν′

ν qσ′

σ R(D+1)

µν′ρσ′nµnρ

= −KKνσ +KνρKρσ + qν

ν qσ′

σ R(D+1)

ν′σ′ + qν′

ν qσ′

σ nµR

(D+1)

µν′σ′ρnρ

= −KKνσ +KνρKρσ + qν

ν qσ′

σ R(D+1)

ν′σ′ − qν′

ν qσ′

σ nµ [∇µ,∇ν′]nσ′ ,

entao

R(D+1)

ρσ qρµqσν − Rµν = KµνK −KµρK

ρν − qρµq

σνn

λ[∇ρ,∇λ]nσ. (5.6.22)

Manipulando o comutador,

qρµqσνn

λ[∇ρ,∇λ]nσ = qρµqσνn

λ∇ρ∇λnσ − qρµqσνn

λ∇λ∇ρnσ,

5.6 Geometria das Transformacoes de Gauge 111

mas,

∇λ(nλKµν) = ∇λ(q

σνn

λqρµ∇ρnσ) = (∇λqσν )n

λ(∇µnσ) + (∇λnλ)(∇µnν)

+ nλ(∇λqρµ)(∇ρnν) + qρµq

σνn

λ∇λ∇ρnσ = (∇λnν)nσnλ(∇µnσ) + (∇λn

σ)nνnλ(∇µnσ)

+ (∇λnλ)(∇µnν) + nλ(∇λnµ)n

ρ(∇ρnν) + nλ(∇λnρ)nµ(∇ρnν) + qρµq

σνn

λ∇λ∇ρnσ

= (∇nnν)nσ(∇µnσ) + (∇nn

σ)nν(∇µnσ) + (∇λnλ)(∇µnν) + (∇nnµ)n

ρ(∇ρnν)

+ (∇nnρ)nµ(∇ρnν) + qρµq

σνn

λ∇λ∇ρ = (∇nnν)nρKµρ + (∇nn

ρ)nνKµρ

+ KKµν +∇n(nµnρ)(∇ρnν) + qρµq

σνn

λ∇λ∇ρnσ.

Entao, qρµqσνn

λ[∇ρ,∇λ]nσ e igual a

qρµqσνn

λ∇ρ∇λnσ +KKµν −∇ρ(nρKµν) + (∇nn

ρ)nνKµρ + (∇n(nµnρ)) (∇ρnν). (5.6.23)

Somando o termo entre colchetes de 5.6.21 com menos o termo da direita de 5.6.22 e usando

5.6.23, encontramos,

∇ρ(nρKµν)−Kρµnν∇nn

ρ −Kρνnµ∇nnρ −KµνK +KµρK

ρν + qρµq

σνn

λ∇ρ∇λnσ +KKµν

− ∇ρ(nρKµν) + (∇nn

ρ)nνKµρ + (∇n(nµnρ))(∇ρnν)

= KµρKρν + qρµq

σνn

λ∇ρ∇λnσ −Kρνnµ∇nnρ +∇n(nµn

ρ)∇ρnν

= KµρKρν + qρµq

σνn

λ∇ρ∇λnσ − (∇ρnν)nµ(∇nnρ) + (∇nnµ)(∇nnν) + (∇nn

ρ)nµ(∇ρnν)

= KµρKρν + qρµq

σνn

λ∇ρ∇λnσ − qρµqσν (∇ρn

λ)(∇λnσ) + (∇nnµ)(∇nnν)

= qρµqσνn

λ∇ρ∇λnσ + (∇nnµ)(∇nnν). (5.6.24)

Queremos agora mostrar que 5.6.24 equivale a (DµDνN)/N . Como Σt e definida por

t(X) = t = constante,

∂tt(X) = ∇µt

∂Xµ

∂t= (∇µt)T

µ = 1 ⇒ (∇µt) (Nnµ +Nµ) = 1.

Como Nµ e nµ sao ortogonais,

1 = (∇µt) (−nνnν) (Nnµ +Nµ) = − (nν∇µt)N (−δµν ) = N∇nt. (5.6.25)

Portanto,

DµN = Dµ

(1

∇nt

)

= −N2Dµ∇nt = −N2qνµ∇ν∇nt∗= −N2qνµn

ρ∇ρ∇νt

= −Nqνµnρ∇ρ(N∇νt) +Nqνµ(∇nN)(∇νt)∗∗= N∇nnµ, (5.6.26)

onde em ∗ usamos a condicao de torcao nula e em ∗∗ usamos que qνµ∇νt =1Nqνµnν = 0 e

112 5 Formulacao ADM

N∇µt = nµ. A segunda derivada e entao

DµDνN = Dµ(N∇nnν) = (DµN)(∇nnν) +NDµ∇nnν

= N(∇nnµ)(∇nnν) +Nqρµqσν∇ρ∇nnσ, (5.6.27)

que e N vezes 5.6.24. Observamos que em 5.6.27 nao podemos substituir N por |N | se Nnao for positivo em todo lugar, o que torna nossa explicacao valida somente se |N | = N

sempre. Dessa forma, impomos N positivo daqui por diante. Obtemos, entao, que

N[

LnKµν +KKµν − 2KρµKρν −R

(D+1)

ρσ qρµqσν +Rµν

]

= DµDνN

e portanto

LNnKµν = N[

−KKµν + 2KρµKρν +R

(D+1)

ρσ qρµqσν − Rµν

]

+DµDνN. (5.6.28)

Calculado LNnKµν , passamos aos calculos de LNn

(√

det (q))

e LNnqµν . Temos que

det (q) generalizado para um referencial arbitrario e

det ((qµν)(X)) ≡ 1

D![(∇µ0t)(X)εµ0...µD ] [(∇ν0t)(X)εν0...νD ] qµ1ν1(X) . . . qµDνD(X).

(5.6.29)

Assim,

LNn

(√

det (q))

=1

2√

det (q)LNn(det (q))

=1

2√

det (q)

[2εµ0...µD(∇ν0t)ε

ν0...νDqµ1ν1 . . . qµdνDLNn(∇µ0t)

D!

+D(∇µ0t)ε

µ0...µD(∇ν0t)εν0...νDqµ1ν1 . . . qµD−1

qνD−1LNnqµν

D!

]

=1

2√

det (q)det (q)qµνLNnqµν =

1

2

det (q)qµνLNnqµν

= N√

det (q)K, (5.6.30)

sendo que o primeiro termo da segunda igualdade se anula porque L~T∇µt = L ~N∇µt = 0. Por

fim,

LNnqµν = −qµρqνσLNnqρσ = −2NKµν . (5.6.31)

Finalmente, somos capazes de calcular a derivada de Lie de P µν =√

det (q)[qµρqνσ −

5.6 Geometria das Transformacoes de Gauge 113

qµνqρσ]Kρσ,

LNnPµν =

(

LNn

det (q))

[qµρqνσ − qµνqρσ]Kρσ +√

det (q) [(LNnqµρ) qνσ

+ qµρ (LNnqνσ)− (LNnq

µν) qρσ − qµν (LNnqρσ)]Kρσ +

det (q)[qµρqνσ

− qµνqρσ]LNnKρσ

= N√

det (q)[KKµν −K2qµν

]− 2N

det (q)[KµρKν

ρ +KνσKµσ

− KµνK − qµνKρσKρσ] +N√

det (q) [qµρqνσ − qµνqρσ]

[

−KKρσ

+ 2KλρKλσ + R

(D+1)

λδ qλρqδσ − Rρσ +

1

NDρDσN

]

= N√

det (q)

[

KKµν −K2qµν − 2KµρKνρ − 2KνσKµ

σ + 2KµνK

+ 2qµνKρσKρσ − KKµν + 2KµλK

νλ +K2qµν − 2qµνKλρKλρ

+ R(D+1)

λδ qµλqνδ − R(D+1)

λδ qµνqλδ −Rµν +Rqµν +1

NDµDνN − 1

NqµνDσDσN

]

= N√

det (q)[

2KµνK − 2KµρKνρ +Rµν(D+1) − R

(D+1)

qµν − Rµν +Rqµν]

+√

det (q) [DµDνN − qµνDσDσN ] (5.6.32)

Lembrando que 5.6.20 e

P µν, H(N) = − 2|N |√

det (q)

[

P µρP νρ − P µνP

D − 1

]

+qµνNH

2+ |N |

det (q) (qµνR− Rµν)

+√

det (q) [−(DσDσN)qµν +DµDνN ] ,

se escrevemos

P µρP νρ − P µνP

D − 1= det (q)

[

(Kµρ −Kqµρ)(Kνρ −Kqνρ)−

(Kµν −Kqµν)(K −DK)

D − 1

]

= det (q)[KµρKν

ρ −KKµν −KKµν +K2qµν +KKµν −K2qµν]

= det (q)[KµνKν

ρ −KµνK],

entao

H(N), P µν =qµνNH

2−N

det (q) [qµρqνσ − qµνqρσ]R(D+1)

ρσ + LNnPµν . (5.6.33)

Desse modo, somente sobre a superfıcie de vınculo e somente se as equacoes de movimento

no vacuo valem (R(D+1)

ρσ = 0) e que o fluxo de P µν com respeito a H(N) pode ser interpretado

como a acao de um difeomorfismo na direcao perpendicular a Σt.

114 5 Formulacao ADM

5.6.3 Relacao Entre Diff(M) e as Transformacoes dos Vınculos

Uma importante caracterıstica da natureza geometrica da Relatividade Geral e o fato

da acao de Einstein-Hilbert ser invariante sob o grupo de difeomorfismos quadri-dimensionais

Diff(M) (mudancas suaves de coordenadas nao afetam a acao), e que isso independe da val-

idade ou nao das equacoes de movimento. Entretanto, vemos que as transformacoes de gauge

geradas pelos vınculos resultam em difeomorfismos infinitesimais somente se as equacoes de

movimento sao validas, ou seja, fora dessa condicao os grupos sao diferentes. Outra maneira

de enxergar tal diferenca e o fato da algebra de Dirac D, ao contrario dos difeomorfismos in-

finitesimais, nao constituir uma algebra de Lie. Em H(N1), H(N2) = ~H(

~N3

)

, o campo ~N3

depende do espaco de fase, deixando assim de ser uma constante de estrutura (independente

do espaco de fase) e se tornando uma funcao de estrutura.

Daremos aqui uma das razoes para que a algebra de Dirac envolva funcoes de estrutura,

e que tambem e uma razao para que o vınculo hamiltoniano so possa gerar difeomorfismos ao

longo do campo vetorial tipo-tempo Nn. Nosso procedimento baseia-se em mergulhos tipo-

espaco X , com respeito a uma dada metrica g. Entretanto, o grupoDiff(M) apenas depende

de M e nao de g, e portanto para qualquer mergulho tipo-espaco X podemos encontrar um

elemento φ ∈ Diff(M) tal que φ X nao seja mais tipo-espaco com respeito a g. Dessa

forma, Diff(M) e incompatıvel com a dependencia dinamica de X com g. Para que isso

seja corrigido, entao, precisamos restringir Diff(M) aqueles difeomorfismos que preservam

a natureza tipo-espaco do mergulho, assim dependendo da metrica. Isso explica tambem o

motivo do vınculo hamiltoniano como gerador canonico desses difeomorfismos apenas fechar

com essas funcoes de estrutura dependendo da metrica espacial e porque sua algebra se espelha

a Diff(M) somente quando valem as equacoes de movimento.

s

M

X

f

x

f X

Figura 5.4 – A acao de φ ∈ Diff(M) sobre um mergulho tipo-espaco X e uma dada metrica g naoe necessariamente tipo-espaco com relacao a g. Temos, assim que restringir Diff(M)de modo que a natureza da folheacao seja preservada.

5.6 Geometria das Transformacoes de Gauge 115

Estruturas com vınculos cujos multiplicadores de Lagrange dependem do espaco de fase

estao relacionados com o chamado grupo de Bergman-Komar, BK(M). Classicamente,

nao vemos diferenca nas solucoes, pois sendo validas as equacoes de Einstein, entaoDiff(M) =

BK(M).

Observamos, por fim, que a invariancia acerca de Diff(M) consiste de uma simetria

cinematica de qualquer acao invariante por difeomorfismo, isso e, o grupo de invariancia e

insensıvel a forma do lagrangeano. Por outro lado, as equacoes de movimento sao dadas pelo

colchete de Poisson das variaveis com os vınculos, e portanto os vınculos estao relacionados

com a dinamica. Mesmo que essa dinamica seja considerada como uma transformacao de

gauge infinitesimal, os vınculos devem ter informacao sobre a forma especıfica do lagrangeano.

Por isso, BK(M) e denominado como um grupo de simetria dinamica.

116 5 Formulacao ADM

117

CAPITULO 6

Variaveis de Ashtekar

Passaremos agora a construcao das novas variaveis, que deslocarao o carater dinamico da

Relatividade Geral da metrica para conexoes. Para isso, estenderemos o espaco de fase ADM,

que passaremos a considerar como uma reducao simpletica de uma variedade simpletica maior

com superfıcie de vınculo co-isotropica. Por fim, efetuaremos uma transformacao canonica

sobre o espaco de fase estendido, determinando a conexao.

6.1 D-beins e curvatura extrınseca

Definimos as chamadas co-D-bein eia (para D = 3, 4: co-dreibein, co-vierbein ou co-

triada, co-tetrada) como bases ortonormais “nao-holonomicas”(ou seja, nao-coordenadas) de

campos vetoriais suaves em σ, onde a, b . . . sao ındices tensoriais e i, j, . . . ındices de SO(D).

As bases obedecem as relacoes

eiaeaj = δij e eiae

bi = δba, (6.1.1)

ou seja, eai = (eia)−1. A metrica e restituıda como

qab ≡ δijeiae

jb. (6.1.2)

Com a insercao das D-beins, estendemos o espaco de fase com as dimensoes do grupo.

Todavia, a variante fısica relevante que e a metrica fica invariante sob rotacoes em SO(D) :

eia 7→ Oije

ja. Assim, contruımos um fibrado principal em SO(D), onde o espaco base e o espaco

de fase ADM. Em especial para D = 3, podemos ver eia como uma 1-forma de valores em

su(2), uma vez que a representacao adjunta de SU(2) sobre sua algebra de Lie e isomorfa a

representacao definida de SO(3) em R3 sob o isomorfismo R3 → su(2) levando vi 7→ viτi,

onde τi e uma base de su(2) (matrizes de Pauli).

Em Relatividade Geral Classica, assume-se a metrica qab como nao-degenerada e de assi-

118 6 Variaveis de Ashtekar

natura euclideana. Portanto, det (q) = | det(e)|2 > 0. Assume-se tambem que os campos

eja, qab sejam suaves em σ, implicando que det(e) tem um sinal constante. Estamos, assim,

implicitamente impondo uma orientacao a σ.

Espaço ADM

Espaço estendedidoSO(D)

Figura 6.1 – Consideramos o espaco de fase ADM como uma reducao simpletica de um fibrado prin-cipal em SO(D), a partir das D-beins.

Por meio da curvatura extrınseca, definimos a 1-forma Kia como

Kia ≡ Kabe

bi, (6.1.3)

onde ebi = δijebj (usamos o delta de Kronecker para levantamento e abaixamento dos ındices

de SO(D)). Devido a simetria de Kab,

Kiaebi = Kab = Kba = Ki

beai,

e estabelecemos o vınculo

Gab ≡ Ki[aeb]i = 0. (6.1.4)

Definimos ainda uma quantidade densitizada dasD-bein, com a qual preferiremos trabalhar

(por razoes que se mostrarao a frente),

Eaj ≡

det (q)eaj . (6.1.5)

Usando 6.1.4 e 6.1.5,

KaiEaj = Kabe

bi

det (q)eaj = Kbaeaj

det (q)ebi = Kajebi ,

e assim reescrevemos o vınculo 6.1.4 como

Gij ≡ Ka[iEaj] = 0 (6.1.6)

6.2 Funcoes no espaco estendido 119

6.2 Funcoes no espaco estendido

Consideremos as variaveis canonicas do espaco de fase ADM reescritas em funcao das

variaveis do espaco estendido,

qab = δijejae

ib = δijE

jaE

ib(det (q)) = Ej

aEbj | det(Ecl )|2/(D−1) (6.2.1)

e

P ab =√

det (q)[Kab − qabK

]=√

det (q)[Kcdq

acqbd −Kcdqabqcd

]

=√

det (q)Ki(ced)i

[eaje

cjebkedk − eal e

blecmedm]

=

det (q)

2

[eaje

bkK

ice

cjδki + eajebkK

jde

dkδji − eal ecme

blδmi Kic − eal e

bledmKidδim

]

=

det (q)

2

[eaje

bkK

kc e

cl δ

lj + eajebkK

jde

dk − eajebjecmK

mc − eaje

bjediKid

]

=1

| det (q)|[Ea

jEbkK

kcE

cl δ

lj − EajE

bl δljK

kcE

ck

]

= 2| det(Ecl )|2/(D−1)EalEd

l Kk[dδ

bc]E

ck, (6.2.2)

onde usamos que

det(Eaj ) = εa1...aDε

j1...jDea1j1 . . . eaDjD

(√

det (q))D

= det(eaj )(√

det (q))D

=(√

det (q))D−1

.

Reescrevemos entao os vınculos,

Ha = −2qacDbPbc = −2Db(qacP

bc) = −2Db

[Ej

aEcj2EblEd

l Kk[dδ

ce]E

ek

]

= −2Db

[Ej

aEcjEblEd

l KkdE

ck −Ej

aEcjEblEc

lKkdE

dk

]

= −2Db

[Ej

aδjkδbdKk

d −EjaδjlE

blKcdE

dk

]

= −2Db

[Ej

aKdjδbd − δbaK

kdE

dmk] ∗= −2Db

[Ej

dKajδbd − δbaK

kdE

dk

]

= −2Db

[Eb

jKja − δbaE

dkK

,dk], (6.2.3)

onde em ∗ usamos 6.1.4, e

H =1

det (q)

[

qacqbd −1

D − 1qabqcd

]

P abP cd −√

det (q)R

=1

det (q)

[

EjaEcjE

kbEdk −

1

D − 1El

aEblEmc Edm

]

4EanEenK

o[eδ

bf ]E

foE

cpEgpK

q[gδ

dh]E

hq

−√

det (q)R

120 6 Variaveis de Ashtekar

=1

det (q)

[

δjnδpj(Ee

nKoeδ

ko − Ee

oKoeδ

kn

) (Eg

pKqgδkq − Eg

qKqgδkp

)

− 1

D − 1δlnδmp (Ee

nKoe δlo − Ee

oKoeδln)

(Eg

pKqgδmq − Eg

qKqgδmp

)]

−√

det (q)R

=1

det (q)

[δnp(Ee

nEgpK

keKgk − δkpE

enE

gqK

keK

qg − δknE

eoE

gpK

oeKgk

+ δknδkpEeoE

gpK

oeK

qg

)+ (1−D)Ee

oKoeE

gqK

qg

]−√

det (q)R

=1

det (q)

[EepEg

pKkeKgk −Ee

kKkeE

gqK

qg −Ee

oKoeE

gkKgk +DEeoK

oeE

gqK

qg

−DEeoK

oeE

gqK

qg

]−√

det (q)R

=1

det (q)

[EepEg

pKkeKgk −Ee

oKoeE

gkKgk

]−√

det (q)R

∗=

1√

det (q)

[Ee

kKpeE

gpK

kg − Ee

pKpeE

gkK

kg

]−√

det (q)R

=1

det (q)

[Ee

kEgp −Ee

pEgk

]Kp

eKkg −

det (q)R, (6.2.4)

onde em ∗ usamos 6.1.6, R(q) e considerado uma funcao de Eaj e√

det (q) = | det(Eaj )|

1D−1 .

6.2.1 Estrutura Simpletica

Muniremos nosso espaco estendido com uma estrutura simpletica da forma

Eaj (x), E

bk(y) = Kj

a(x), Kkb (y) = 0 e Ea

i (x), Kjb (y) =

χ

2δab δ

ijδ(x, y), (6.2.5)

e com isso verificaremos que recuperamos os colchetes de Poisson para P ab e qcd:

1. Como qab e funcao somente de Eaj , e trivial que qab, qcd = 0;

2.P ab, qcd

=| det(E)|−2/(D−1)

[EanEe

nKoeE

bo −EanEb

nKoeE

eo

], Ej

cEdj | det(E)|2/(D−1)

= | det(E)|−2/(D−1)(EanEe

nEbo − EanEb

nEeo

) Ko

e , EjcEdj | det(E)|2/(D−1)

.

Sendo que

Ko

e , | det(E)|2/(D−1)

=2

D − 1| det(E)|2/(D−1)−1Ko

e , | det(E)|

=2

(D − 1)| det(E)|2/(D−1)−1χ

2

(

−∂| det(E)|∂Ee

o

)

= − χ

D − 1| det(E)|2/(D−1)Eo

e , (6.2.6)

6.2 Funcoes no espaco estendido 121

temos

P ab, qab

= | det(E)|−2/(D−1)

(EanEe

nEbo −EanEb

nEeo

) [

Edj | det(E)|2/(D−1)χ

2δecδ

jo

+ Ejc | det(E)|2/(D−1)χ

2δedδ

oj −

χ

D − 1| det(E)|2/(D−1)Eo

eEjcEdj

]

= χ

[1

2EanEcnE

bjEdj +1

2EanEdnE

bjE

jc − EanEb

nEjcEdj

+1

D − 1

(−EanEe

nδbeE

jcEdj +DEanEb

nEjcEdj

)]

= χ

[1

2δac δ

bd +

1

2δadδ

bc − EanEb

nEjcEdj + EanEb

nEjcEdj

]

= χδa(cδbd); (6.2.7)

3. Para definir os colchetes de Poisson dos momentos, usaremos

P ab, P cd

2

(

∂P ab

∂Kkf

∂P cd

∂Efk

− ∂P ab

∂Efk

∂Pcd

∂Kkf

)

,

onde

∂P ab

∂Kkf

=∂

∂Kkf

(2| det(E)|−2/(D−1)EanEe

nKo[eδ

bg]E

go

)= 2| det(E)|−2/(D−1)EanEe

nδokδ

f[eδ

bg]E

go

(6.2.8)

e

∂P ab

∂Efk

=∂

∂Efk

(| det(E)|−2/(D−1)EanEe

nKo[eδ

bg]E

go

)

= Ko[eδ

bg]

[(

∂| det(E)|−2/(D−1)

∂Efk

)

EanEenE

go + | det(E)|−2/(D−1)

(

∂Ean

∂Efk

)

EenE

go

+ | det(E)|−2/(D−1)Ean

(

∂Een

∂Efk

)

Ego + | det(E)|−2/(D−1)EanEe

n

(

∂Ego

∂Efk

)]

= | det(E)|−2/(D−1)Ko[eδ

bg]

[2

D − 1Ek

fEanEe

nEgo + δafδ

nkEenE

go + Eanδefδ

knE

go

+ EanEenδ

gfδ

ko

]

= | det(E)|−2/(D−1)Ko[eδ

bg]

[EekEg

oδaf + EakEg

oδef + EanEe

nδgfδ

ko 2

− 2

D − 1Ek

fEanEe

nEgo

]

. (6.2.9)

122 6 Variaveis de Ashtekar

Portanto,

P ab, P cd

= EanEe

nδokδ

f[eδ

bg]E

goK

o′

[e δdg′]

(

Ee′kEg′

o′ δcf + EckEg′

o′ δe′

f + Ecn′

Ee′

n′δg′

f δko′

− 2

D − 1Ek

fEcn′

Een′E

g′

o′

)

−EcnEenδ

okδ

f[eδ

dg]E

goK

o′

[e δbg′]

(

Ee′kEg′

o′ δaf

+ EakEg′

o′ δe′

f + Ean′

Ee′

n′δg′

f δko′ −

2

D − 1Ek

fEan′

Een′E

g′

o′

)

.

Como os termos sao os mesmos a menos das trocas de a↔ c e b ↔ d, abriremos somente o

primeiro termo aqui,

EanEenδ

ok

(δfe δ

bg − δfg δ

be

)Eg

o

(Ko′

e′ δdg′ −Ko′

g′ δde′

) (

Ee′kEg′

o′ δcf + EckEg′

o′ δe′

f + Ecn′

Ee′

n′δg′

f δko′

− 2D−1

EkfE

cn′

Een′E

g′

o′

)

= EanEckE

bkE

e′kEdo′Ko′

e′ −EanEcnE

bkE

dkEg′

o′Ko′

g′+EanEf

nEbkE

do′E

ckKo′

f

− EanEdnE

bkE

ckEg′

o′Ko′

g′ + EanEdnE

bkE

cn′

Ee′

n′Kke′ −EanEf

nEbkE

cn′

Edn′Kk

f

− 2D−1

EanEbnE

cn′

Eg′

n′Edo′K

o′

g′ +2

D−1EanEb

nEcn′

Edn′E

g′

o′Ko′

g′ −EanEbnE

ckE

e′kEdo′K

o′

e′

+EanEbnE

ckE

fkE

do′K

o′

f +EanEbnE

dkE

ckEg′

o′Ko′

g′ −EanEbnE

cn′

Ee′

n′EdkK

ke′ +EanEb

nEcn′

Edn′E

fkK

kf

+ 2DD−1

EanEbnE

cn′

Ee′

n′Edo′K

o′

e′ − 2DD−1

EanEbnE

cnEdn′E

g′

o′Ko′

g′ .

Fazendo o mesmo trocando a ↔ c e b ↔ d, cancelando os termos que sao simetricos sob a

troca, e renomeando os ındices quando conveniente, chegamos a

P ab, P cd = EanEcnE

bkE

ekEdoK

oe − EcnEo

nEdoE

eoEbkK

ke

= EanEcnE

doE

bkG

ko = 0, (6.2.10)

ou seja, o colchete de Poisson equivale ao do espaco ADM sob o vınculo de Gjk = 0.

6.2.2 Vınculo de Rotacao

Olhemos agora para o significado do vınculo Gjk = 0: queremos mostrar que ele esta

relacionado a observaveis que sao invariantes por rotacao em SO(D). Para isso, consideremos

o funcional

G(Λ) ≡∫

σ

dDxΛjkKajEak , (6.2.11)

para ΛT = −Λ uma matriz antissimetrica qualquer. Queremos mostrar queG(Λ) gera rotacoes

SO(D). Primeiramente, vemos que podemos reescrever o funcional como

G(Λ) =

σ

dDxΛjkKajEak =

σ

dDxΛjkδijKiaE

ak =

σ

dDxΛkiK

iaE

ak . (6.2.12)

Entao,

G(Λ), G(Λ′) =χ

2

σ

dDx

[∂G(Λ)

∂Kjc

∂G(Λ′)

∂Ecj

− ∂G(Λ′)

∂Kjc

∂G(Λ)

∂Ecj

]

6.3 Nova Conexao 123

2

σ

dDx[

Λki δ

ijδ

caE

akΛ

′k′

i′ Ki′

a′δjk′δ

a′

c − Λ′k′

i′ δi′

j δca′E

a′

k′ΛkiK

iaδ

jkδ

ac

]

2

σ

dDx[

ΛkjE

ckΛ

′ji′K

i′

c − Λ′k′

j Eck′ΛjiK

ic

]

2

σ

dDxKicE

ck

[Λk

jΛ′ji − Λ′k

j λji

]

2G ([Λ,Λ′]) , (6.2.13)

ou seja, G(Λ) atua como um operador de rotacao SO(D) (lembrando que a composicao de

duas rotacoes resulta em uma rotacao).

Como 6.2.1 e 6.2.2 sao SO(D)-invariantes, o colchete de Poisson desses com G(Λ) se

anula para qualquer Λ, e assim tambem os vınculos H e ~H . Portanto, 6.2.3, 6.2.4 e 6.2.11

formam um conjunto de vınculos de primeira-classe. Reescrevemos entao a acao no espaco

estendido, cuja reducao simpletica com respeito a Gjk resulta no sistema descrito pela acao

ADM 5.6.1,

S ≡ 1

χ

R

σ

dDx(

2KjaE

aj −

[NaHa +NH − ΛjkGjk

])

. (6.2.14)

6.3 Nova Conexao

6.3.1 Resumo Historico

A reformulacao da Relatividade Geral em termos das denominadas “novas variaveis”deveu-

se a Ashtekar em 1986-87, inspirado nos trabalhos de Sen de 1981-82 que generalizavam

a derivada covariante ∇µ para espinores SL(2,C). Dessa forma, com uma generalizacao

da projecao espacial Dµ atraves das conexoes de spin, e uma variavel tipo campo eletrico

conjugada, os vınculos que surgem na teoria puderam ser escritos de uma forma simplificada

que se tornava polinomial mediante o reescalonamento do vınculo escalar H 7→√

det (q)H .

Ademais, a teoria sob esse tratamento assume uma forma semelhante as das de Yang-Mills,

cujas versoes quanticas sao bem estabelecidas, sugerindo assim que o mesmo procedimento

possa ser aplicavel para a gravitacao.

A formulacao de Ashtekar se deu num contexto hamiltoniano, utilizando uma acao auto-

dual da Relatividade Geral complexa (onde o grupo de gauge seria entao SL(2,C). Logo em

seguida, uma formulacao lagrangeana foi proposta independentemente por Samuel, Jacobson

e Smolin, considerando uma acao auto-dual da gravidade de Palatini. Em 1988 foi entao dada

uma abordagem em termos de triadas por Goldberg e tetradas por Henneaux et al.

A utilizacao da gravitacao complexa, no entanto, exige a implementacao de condicoes

124 6 Variaveis de Ashtekar

que retomem o carater real da teoria (condicoes de realidade), e tais condicoes exibiram-se de

grande dificuldade para a implementacao de uma teoria quantica. Por outro lado, desenvolvia-

se sem essa dificuldade uma teoria para gravitacao euclideana utilizando-se de conexoes reais.

Isso levou Barbero (1994-1996) a considerar conexoes reais tambem para a teoria de assinatura

lorentziana, o que eliminava a necessidade da implementacao das condicoes de realidade, mas

a forma dos vınculos deixava de ser de forma polinomial, como apresentado por Ashtekar na

forma complexa. Todavia, Thiemman mostrou logo em seguida que de fato o rescalonamento

para deixar os vınculos complexos na forma polinomial impedia que a quantizacao do operador

pudesse ser feita de forma independente do background sem que surgissem novos problemas,

e portanto, apesar de esteticamente elegante, era na pratica indesejavel.

Barbero e Immirzzi descobriram que e possıvel dar uma formulacao hamiltoniana para

qualquer valor complexo de um parametro β (denominado parametro de Immirzzi), atraves

do qual recobramos os casos que vinham sendo discutidos ate entao: β = ±1 retoma a

conexao real apresentada inicialmente por Barbero, enquanto que β = ±i resulta em conexoes

complexas que sao isomorfas aos espinores de Ashtekar. Uma formulacao lagrangeana para

um β arbitrario e qualquer assinatura (euclideana ou lorentziana) foi entao dada por Holst,

Barros e Sa e Capovilla et al. atraves de uma modificacao da acao de Einstein-Palatini em

tetradas.

Muita discussao e varias tentativas de quantizacao tem sido feitas desde entao tanto para

o caso real quanto para o complexo, cada um com suas vantagens e desvantagens em relacao

ao outro. No entanto, ate o momento apenas o caso real tem obtido sucesso na construcao

de uma teoria quantica satisfatoria, o que, por sua vez, nao impede a possibilidade de que

algo possa tambem, ser realizado para o caso complexo. As discussoes dos procedimentos de

quantizacao, no entanto, estao alem de nossos objetivos, e no nivel classico todos os valores do

parametro de Immirzzi levam a formulacoes da Relatividade Geral equivalentes a formulacao

ADM.

6.3.2 Transformacao Canonica

Introduziremos um parametro de reescalonamento β ∈ C, nao nulo, denominado parametro

de Immirzzi, atuante na seguinte transformacao canonica

(Kj

a, Eaj

)7→(

(β)Kja ≡ βKj

a,(β)Ea

j ≡ Eaj

β

)

. (6.3.1)

6.3 Nova Conexao 125

Podemos notar facilmente que os colchetes de Poisson nao se alteram, tal como o vınculo de

rotacao e invariante, que escreveremos aqui como

Gj = εjklKkaE

al = εjkl((β)Kk

a

) ((β)Eal

). (6.3.2)

Definimos a conexao de spin como uma extensao da derivada covariante Da de tensores

para tensores generalizados com ındices em so(D),

Daλib = ∂aλ

ib − Γc

abλic + Γi

akλka, (6.3.3)

estendendo-se por linearidade e regra de Leibniz. Se estendemos a compatibilidade da metrica,

Daqbc = 0 para os campos eia, podemos expressar Γiak em termos desses e dos sımbolos de

Christoffel Γcab,

Daeib = ∂ae

ib + Γi

akekb − Γc

abeic = 0 ⇒ Γi

ak = −ebk[∂ae

ib − Γc

abeic

]. (6.3.4)

Podemos ainda ver que Γa gera uma matriz antissimetrica com valores em so(D), pois

0 = Daδjk = Da

(ebjebk

)=(Dae

bj

)ebk + ebj (Daebk)

=(∂ae

bj + Γb

acecj − Γl

ajebl

)ebk + ebj

(∂aebk − Γc

abeck − Γlakebl

)

= ∂a(ebjebk

)+ Γb

acecjebk − Γl

ajδlk − Γcabecke

bj − Γl

akδlj

= Γakj + Γajk. (6.3.5)

Restrinjamos aqui nossa atuacao para D = 3. E conveniente ao nosso procedimento

utilizar do isomorfismo entre a representacao definida de SO(3) e a representacao adjunta de

SU(2) para reescrever a conexao de spin,

ΓkajE

ak = εjklΓ

kaE

al. (6.3.6)

Podemos, de 6.3.6 e de 6.3.4, resolver Γka em termos de Ea

j ,

Γka =

1

2εjklΓajl =

1

2εjklebl [∂aebj − Γc

abecj] , (6.3.7)

sendo que

Γcab =

1

2(qbd,a + qad,b − qab,d)

=1

2eciedi

(emb,aedm + emb edm,a + ema,bedm + ema edm,b − ema,debm − ema ebm,d

)

=1

2eci(ebi,a + emb e

di edm,a + eai,b + ema e

di edm,b − edi e

ma,debm − ema e

di ebm,d

). (6.3.8)

126 6 Variaveis de Ashtekar

Voltando na expressao geral,

Γka =

1

2εjklebl

[

ebj,a −1

2eci(ebi,a + emb e

di edm,a + eai,b + ema e

di edm,b − edi e

ma,debm

− ema edi ebm,d

)ecj]

=1

2εjkl[

ebl ebj,a −1

2

(ebl ebj,a + edjedl,a + ebleaj,b + eble

ma e

djedm,b − edjeal,d − ebl e

ma e

djebm,d

)]

∗=

1

2εjkl[

ebl ebj,a −1

2

(ebl ebj,a − eblebj,a + ebleaj,b + ebl e

ma e

djedm,b + ebleaj,b + ebl e

ma e

djedm,b

)]

=1

2εjklebl

[ebj,a − eaj,b − ema e

djedm,b

]

=1

2εkjlebl

[eaj,b − ebj,a + ema e

djedm,b

]

=1

2εkjlEb

l

[Eaj,b −Ebj,a + Ed

jEma Edm,b

]+

1

2εkjl

Ebl

det(E)

[

Eaj(det(E)),b

2√

det(E)

− Ebj(det(E)),a

2√

det(E)+ Em

a Edj

Edm(det(E)),b

2√

det(E)

]

=1

2εkjlEb

l

[Eaj,b −Ebj,a + Ed

jEma Edm,b

]+

1

4εkjlEb

l

[

2Eaj(det(E)),b

det(E)− Ebj(det(E)),a

det(E)

]

,

(6.3.9)

onde em ∗ usamos que a troca de ındices j ↔ l leva a inversao de sinal do termo e, para

D = 3, det(q) = det(E). Vemos que Γka e uma funcao racional homogenea de grau zero de

Eaj e suas derivadas, e que portanto

((β)Γj

a

)≡ Γj

a

((β)E

)= Γj

a

((1)E

)= Γj

a, (6.3.10)

ou seja, Γja e invariante sob o reescalonamento e consequentemente a derivada covariante Da

independe do parametro de Immirzzi β.

De 6.3.4 vemos que DaEbj = 0. Em particular,

Da

((β)Ea

j

)= DaE

aj = (DaE

a)j + εjklΓkaE

al = ∂aE

aj + εjklΓ

kaE

al = 0, (6.3.11)

onde (DaEa)j indica que D atua somente nos ındices tensoriais de Ea

j , que e equivalente a

acao de ∂, uma vez que a trıada densitizada e tangente a variedade espacial.

Utilizando de 6.3.11, podemos escrever o vınculo de rotacao 6.3.2 como um vınculo de

Gauss de uma teoria de Yang-Mills de SU(2),

Gj = εjkl((β)Kk

a

) ((β)Eal

)= ∂a

((β)Ea

j

)+ εjkl

[Γka +

((β)Kk

a

)] ((β)Eal

)≡ (β)Da

(β)Eaj .

(6.3.12)

6.3 Nova Conexao 127

Isso nos leva a introducao de uma nova conexao

((β)Aj

a

)≡ Γj

a +((β)Kj

a

), (6.3.13)

que denominaremos como conexao de Sen-Ashtekar-Immirzzi-Barbero, sendo que, es-

pecificamente, a conexao de Sen surge para β = ±i e Gj = 0, de Ashtekar para β = ±isomente, Immirzzi para β complexo e Barbero para β real. Por simplicidade, chamaremos

apenas de nova conexao ou conexao de Ashtekar. A nova derivada covariante relacionada

a conexao A tem portanto atuacao da forma

(β)Daλj ≡ ∂aλj + εjkl(β)Ak

aλl e (β)Daub ≡ Daub (6.3.14)

Olhemos por fim para a estrutura simpletica do espaco sob essa nova conexao,

(β)Ea

j (x),(β)Ak

b (y)

=(β)Ea

j (x),Γkb (y)

+(β)Ea

j (x),(β)Kk

b (y)

=(β)Ea

j (x),(β)Kk

b (y)

2δab δ

kj δ(x, y) (6.3.15)

e

(β)Aj

a(x),(β)Ak

a(y)

= β[

(β)Γja(x), K

kb (y)

−Γkb (y), K

ja(x)

]

= βχ

2

[δΓj

a(x)

δEbk(y)

− δΓkb (y)

δEaj (x)

]

= 0. (6.3.16)

O colchete entre os Eaj permanece sendo nulo.

6.3.3 Condicoes de Realidade

A transformacao sob o parametro de Immirzzi β, embora indiferente para a estrutura

simpletica do espaco de fase, possui implicacoes fısicas importantes a serem consideradas.

Para o caso de β real, temos que as variaveis dinamicas (β)A e (β)E sao tambem reais, e

portanto constituem um par canonico do espaco de fase de uma teoria de Yang-Mills SU(2),

sem maiores problemas.

Entretanto, a escolha de β complexo implica que as variaveis sao tambem complexas,

gerando entao uma teoria da Relatividade Geral complexa, da qual esperamos obter a teoria

real como um subproduto. Devemos portanto impor condicoes que garantam que o numero

de graus de liberdade nao seja dobrado e que recuperem a teoria real. Impomos, assim, as

128 6 Variaveis de Ashtekar

seguintes condicoes de realidade sobre as variaveis,

(β)E/β = (β)E/β e((β)A− Γ

)/β = ((β)A− Γ) /β. (6.3.17)

Essas condicoes garantem que apenas transformacoes de gauge SU(2) sejam permitidas, e

nao transformacoes gerais de SL(2,C). Todavia, Γ = Γ((β)E

)nao e polinomial nas variaveis

canonicas e nem mesmo analıtica. Isso constitui um problema serio para se implementar uma

teoria quantica, quando essas condicoes devem ser utilizadas para se determinar um produto

interno apropriado.

6.3.4 Interpretacao Quadri-dimensional

Analisemos agora uma interpretacao quadri-dimensional para (β)A. Consideremos os vier-

bein eµI , onde usamos µ para denotar o ındice espaco-temporal e I = 0, 1, 2, 3 para a repre-

sentacao definida do grupo de Lorentz. Temos, por definicao,

gµνeµI e

νJ = ηIJ , (6.3.18)

e portanto eµ0 , eµi sao ortogonais. Escolhemos entao eµ0 = nµ e (eµi )µ=a = eai no referencial

ADM, para µ = t, a. A partir de 5.6.12, escrevemos entao as componentes

et0 =1

N, ea0 = −N

a

N, eti = 0, eai , (6.3.19)

e as inversas (com o uso de 5.6.11),

e0t = N, e0a = 0, eit = Naeia, eia. (6.3.20)

Com isso, a metrica espacial qµν = δµν + nµnν = δµν + eµ0e0ν tem a forma

qtt = 0, qta = 0, qat = Na, qab = δab . (6.3.21)

Dados esses valores, modulo Gj = 0, encontramos

Kja = ebjKab = ebjqµa q

νb∇µnν = ebj

(δµa − eµ0e

0a

) (δνb − eν0e

0b

)∇µnν = ebjδµaδ

νb∇µnν

= ebj∇anb = −ebj(∇aeb)0 = ebj(ωa)

0Ie

Ib = ebj(ωa)

0ke

kb = (ωa)

0j, (6.3.22)

onde usamos a definicao da conexao de spin quadri-dimensional

∇µeIν = (∇µeν)

I + (ωµ)IJe

Jν = 0. (6.3.23)

6.3 Nova Conexao 129

Por outro lado,

Γjake

kb = −(Daeb)

j = −qµa qνb (∇µeν)j = −(∇aeb)

j = (ωa)jke

kb , (6.3.24)

ou seja, ωajk = Γajk. Segue, pois,

(β)Aia = Γi

a +(β)Ki

a = εijkΓajk + βKia = εijkωajk + βω 0i

a , (6.3.25)

ou entao,(β)Aajk = εijk

(β)Aia = ωajk + βεijkω

0ia . (6.3.26)

Definimos o dual de Hodge de um tensor antissımetrico Tαβ como

∗ Tαβ =1

2εαβγδη

γγ′

ηδδ′

Tγ′δ′ . (6.3.27)

Um tensor anti-simetrico e dito (anti)auto-dual se ∗Tαβ = ±√sT , sendo s a assinatura da

metrica, e a parte (anti)auto-dual de qualquer Tαβ e definida por

T± =1

2

(

T ± ∗ T√s

)

, (6.3.28)

uma vez que ∗ ∗ = id. Um tensor (anti)auto-dual num espaco quadri-dimensional tem

portanto apenas tres componentes linearmente independentes.

Como ε0ijk = εijk, podemos escrever 6.3.26 como

(β)Aajk = ωajk + βε0ijkη0γηiδωaγδ = ωajk + βεjk0iη

0γηiδωaγδ

= ωajk + β ∗ ωajk. (6.3.29)

Ademais, para β = ±i, a conexao 6.3.29 e duas vezes a parte (anti)auto-dual do pullback

para σ da conexao de spin quadri-dimensional.

Se dado qualquer outro valor de β que nao os citados acima, a informacao de 6.3.29

nao e suficiente para que se construa uma conexao quadri-dimensional. Entretanto, nao ha

obstaculos para o desenvolvimento nesses casos, embora a interpretacao quadri-dimensional

nao tenha um significado geometrico tal como para β complexo. As novas variaveis ainda

capturam a mesma informacao que as variaveis ADM sobre superfıcie de vınculo de Gauss. O

uso de β complexo oferece entao uma vantagem estetica, como veremos tambem no modo

de escrever os vınculos, no entanto ainda nao se obteve sucesso quanto a quantizar a teoria

baseada em conexoes complexas.

130 6 Variaveis de Ashtekar

6.4 Vınculos

Consideremos as duas curvaturas, derivadas da conexao de spin e da nova conexao, re-

spectivamente,

Rjab ≡ 2∂[aΓ

jb] + εjklΓ

kaΓ

lb, (6.4.1a)

(β)F jab ≡ 2∂[a

(β)Ajb] + εjkl

(β)Aka(β)Al

b, (6.4.1b)

que se relacionam com as derivadas covariantes por

[Da, Db] vj = Rabjlvl = εjklR

kabv

l, (6.4.2a)

[Da,Db] vj = (β)Fabjlvl = εjkl

(β)F kabv

l. (6.4.2b)

Queremos agora escrever os vınculos com a nova conexao. Expandindo (β)F jab em termos

de Γja e Kj

a,

(β)F jab = 2

[

∂[aΓjb] + β∂[aK

jb]

]

+ εjkl(Γka + βKk

a

) (Γlb + βK l

b

)

= 2∂[aΓjb] + εjklΓ

kaΓ

lb + 2β

(

∂[aKjb] + εjklΓ

k[aK

lb]

)

+ β2εjklKkaK

lb

= Rjab + 2βD[aK

jb] + β2εjklK

kaK

lb, (6.4.3)

e contraindo com (β)Ebj ,

(β)F jab

(β)Ebj =

RjabE

bj

β+ 2D[a

(

Kjb]E

bj

)

+ βKjaGj . (6.4.4)

Mostraremos que o primeiro termo a direita e igual a zero. De 6.3.4, derivamos a identidade

de Bianchi na linguagem de formas

dxa ∧ dxbDaejb = dej + Γj

k ∧ ek = 0

0 = −d2ej = dΓjk ∧ ek − Γj

j ∧ del =[dΓj

k + Γjl ∧ Γl

k

]ek = Ωj

k ∧ ek. (6.4.5)

Agora, Ωjk = Ωi(Ti)

jk, e vemos que

Ω = dΓ + Γ ∧ Γ = dΓiTi +1

2[Tj , Tk] Γ

j ∧ Γk =1

2dxa ∧ dxbRi

abTi.

Assim, εijkεefcRj

efekc = 0, o que implica que

0 =1

2εijke

kce

iaε

efcRjef =

1

2Eb

jεbcaεefcRj

ef

=1

2Eb

j

(

δeaδfb − δfaδ

cb

)

Rjef =

1

2Eb

j

(Rj

ab − Rjba

)= Rj

abEbj . (6.4.6)

6.4 Vınculos 131

Comparando agora 6.4.4 com 6.2.3, temos que

Ha =(β)F j

ab(β)Eb

j − (β)KjaGj. (6.4.7)

Para determinar o vınculo hamiltoniano, usamos

(β)Fabjεjkl(β)Eak(β)Ebl =

(

Rjab + 2βD[aK

jb] + β2εjmnK

ma K

nb

)

εjklEakEbl

β2

= − det(q)Rabkle

akebl

β2+

1

β

[(DaεjklK

jbE

bl)Eak −

(DbεjklK

jaE

ak)Ebl]

+εjmnεjklKma K

nb E

akEbl = −det (q)R

β2− 2(β)EajDaGj + (δmkδnl − δmlδnk)K

ma K

nb E

akEbl

= −det (q)R

β2− 2(β)EajDaGj +

(Kj

aEaj

)2 −(K l

bEaj

) (Kk

aEbk

). (6.4.8)

Comparando com 6.2.4,

det (q)H =[(Kj

aEal

) (Kj

bEbl

)−(Kj

aEaj

)2]

− det (q)R

= −(β)F jabεjklεE

ak(β)Ebl − det (q)R

β2− 2(β)EajDaGj − det (q)R

= −(β)F jabεjkl

(β)Eak(β)Ebl − 2(β)EajDa −(

1 +1

β2

)

det (q)R, (6.4.9)

ou, eliminando a curvatura da expressao,√

det (q)H −KjaKbjE

al E

bl −(Kj

aEaj

)2= det (q)R,

e substituindo em 6.4.8,

H =β

| det ((β)Eβ) |[(β)F j

abεjkl(β)Eak(β)Ebl + 2(β)EajDaGj

]

+(β2 + 1

)((β)Kj

b(β)Ea

j

) ((β)Kj

a(β)Eb

j

)−((β)Kk

c(β)Ec

k

)2

| det ((β)Eβ) |, (6.4.10)

lembrando que (β)Kja = (β)Aj

a − Γja.

Como a transformacao de reescalonamento e introducao da nova conexao de Ashtekar e

uma transformacao canonica, os colchetes de Poisson entre o conjunto de vınculos de primeira-

classe Gj , Ha e H permanecem os mesmos. Dessa forma, se reescrevemos 6.4.7 e 6.4.10

descartando os termos proporcionais ao vınculo de Gauss, o novo conjunto Gj , Ha e H gerara

a mesma superfıcie de vınculo e permanecera como um sistema de primeira-classe. E de se

esperar que essa modificacao gere alguma mudanca na algebra; todavia, essa devera coincidir

com a algebra de Dirac sobre a subvariedade Gj = 0 do espaco de fase.

132 6 Variaveis de Ashtekar

Resumindo, os vınculos nas novas variaveis assumem as formas

Gj = (β)Da(β)Ea

j = ∂a(β)Ea

j + ε ljk

(β)Aja(β)Ea

l , (6.4.11a)

Ha = (β)F jab

(β)Ebj , (6.4.11b)

H =[β2(β)F j

ab −(β2 + 1

)εjmn

((β)Am

a − Γma

) ((β)An

b − Γnb

)] εjkl(β)Eak(β)Eb

l√

| det ((β)Eβ) |.

(6.4.11c)

A acao de Einstein-Hilbert, portanto, fica reescrita como

S =1

χ

R

dt

σ

d3x

2(β)Aia(β)Ea

i −[ΛjGj +NaHa +NH

]

. (6.4.12)

Uma vez que temos a reformulacao em seu modo mais geral, daremos a seguir um esboco

(sem entrar nos detalhes das contas) dos trabalhos realizados por Ashtekar, utilizando uma

conexao complexa em sua forma espinorial, e por Barbero, com o uso de variantes reais.

6.5 β = ±i: Formulacao de Ashtekar

Embora pudessemos discutir as variaveis de Ashtekar diretamente dos resultados obtidos

para a formulacao geral, e instrutivo delinearmos o procedimento realizado pelo proprio, pois

nos permite introduzir no campo da Relatividade Geral complexa e dos espinores.

Os trabalhos iniciais de Ashtekar1,2 introduzem as novas variaveis complexas ja em formato

de espinores SU(2). Entretanto, o proprio ressalta14 que iniciar o tratamento com as vierbein

tem a vantagem de enfatizar que o grupo de gauge interno no espaco de fase resultante

da teoria livre de fontes e SO(3) ao inves de SU(2) - qualquer transformacao SU(2) e sua

negativa tem o mesmo efeito sobre as variaveis canonicas - e explorar de uma maneira crucial

o isomorfismo entre a sub-algebra de Lie auto-dual de SL(2,C) e a complexificacao da algebra

de Lie de SO(3).

6.5.1 Acao Auto-dual

Diferente do que fizemos na formulacao geral, partimos aqui da acao de Einstein-Palatini

no formato de tetradas,

SPT (e, ω) ≡1

χ

d4x det(e)eαI eβJR

IJαβ (ω), (6.5.1)

6.5 β = ±i: Formulacao de Ashtekar 133

onde as tetradas obedecem 6.3.18, R IJαβ = ηKJR I

αβ K para

R Iαβ K ≡ 2∂[αω

Iβ] K + ω I

α LωL

β K − ω Iβ Jω

Jα K , (6.5.2)

e as conexoes ω Iα J tomam valores na algebra de Lie de Lorentz complexificada. Entretanto,

queremos usar conexoes de Lorentz complexas A Iα J que sao auto-duais nos ındices I, J , ou

seja,1

2ε MNIJ A IJ

α = iA MNα . (6.5.3)

Essas conexoes, diferentemente das conexoes de Palatini, tomarao valores entao na sub-algebra

auto-dual da algebra de Lie de Lorentz complexificada. Convem ainda observar que como as

metricas de interesse sao complexas, as tetradas eαI tambem sao.

Tomemos assim a acao auto-dual

S(e,A) ≡ 2

χ

d4x det(e)eαI eβJF IJ

αβ , (6.5.4)

sendo F IJαβ a curvatura de A IJ

α , que pode ser vista como a parte auto-dual de R IJαβ ,

F IJαβ =

1

2R IJ

αβ − i

4ε IJKL R KL

αβ . (6.5.5)

Fazendo a variacao δS/δA IJα = 0, encontra-se que A IJ

α e a parte auto-dual da conexao de

Lorentz ω IJα , determinada pela tetrada. Consequentemente, F IJ

αβ se iguala a parte auto-dual

da curvatura R IJαβ da conexao ∇ compatıvel com a tetrada.

Aplicada a transformacao de Legendre e manipulando as variaveis para uma estrutura

3+1, escreve-se a estrutura hamiltoniana de forma que a variavel de configuracao e a 1-forma

conectora AMNa na 3-variedade σ que toma valores na algebra de Lie de Lorentz auto-dual (o

pullback para σ de A IJα ). O momento conjugado e dado por

ΠaMN ≡ parte auto dual de − iEa

I εIMN = Ea

[MnN ] −i

2Ea

I εIMN , (6.5.6)

onde EaI =

det (q)eaI , e o hamiltoniano e a soma dos vınculos

tr(ΠaΠbFab

)= 0, tr (ΠaFab) = 0, DaΠ

a = 0. (6.5.7)

O colchete de Poisson nao nulo e da forma

AIJ

b (x),ΠaMN(y)

4δab

[

δI[MδJN ] −

i

2ε IJMN

]

δ(x, y). (6.5.8)

Relembramos porem que estamos lidando com uma teoria da Relatividade Geral complexa.

134 6 Variaveis de Ashtekar

Queremos, agora, obter o espaco de fase para uma teoria real restringindo-nos a uma secao real

apropriada do espaco de fase complexo. Para isso, impomos condicoes de realidade sobre

esse espaco. A primeira condicao e que a metrica qab = gab + nanb construıda da tetrada eIa

seja real. Em termos do momento canonico, temos det(q)qab ≡ EaIE

Ib ≡ tr(ΠaΠb

). Assim,

no espaco de fase, essa condicao de realidade pode ser expressa simplesmente como

tr(ΠaΠb

)e real. (6.5.9)

Para garantir que a condicao de realidade e preservada sob evolucao temporal, temos que

impor a condicao de que a devivada temporal dessa metrica tambem e real. Isso nos da outra

condicao,

tr(Π(aDc

[Π|c|Πb)

])e real. (6.5.10)

Por fim, utilizando do isomorfismo entre a algebra de Lie de Lorentz auto-dual e a algebra

de Lie de SO(3) complexificada, passamos as variaveis de (AMNa ,Πa

MN) para (Aia, E

ai ). Fix-

amos um vetor interno nI com nInI = −1. Expressamos Π por 6.5.6 e consideramos 6.3.20,

e expressamos A por

AIJa = i

(

A[Ia n

J ] − i

2AM

a εIJ

M

)

= i

(

q[Ii n

J ] − i

2ε IJi

)

Aia, (6.5.11)

onde o ındice minusculo i enfatiza que sao ındices SO(3), ortogonais a nI . O colchete de

Poisson nao-nulo e da forma

Ea

i (x), Ajb(y)

= −iχ

2δab δ

ji δ(x, y). (6.5.12)

6.5.2 De trıadas para espinores SU(2)

Relacionaremos espinores SU(2) com 3-vetores atraves das matrizes de Pauli τ i BA , onde

i = 1, 2, 3 nomeia a matriz, enquanto os ındices A,B se referem aos elementos da matriz.

τ i BA sao matrizes hermitianas 2× 2 de traco nulo, satisfazendo

τ i BA τ j D

B ≡(τ iτ j

) D

A= −εij kτk D

A + δijδDA . (6.5.13)

Definimos as formas de solda

σa BA ≡ − i

2Ea

i τi BA , (6.5.14)

que recebem esse nome porque provem um isomorfismo entre o espaco tangente a cada ponto

da variedade σ (3-dimensional real) e o espaco vetorial 3-dimensional real H das matrizes

6.5 β = ±i: Formulacao de Ashtekar 135

hermitianas 2× 2 livres de traco, “soldando”, assim, o espaco vetorial H ao espaco tangente

a cada ponto de σ.

Devido a 6.5.13, temos

tr(σaσb

)≡ σa B

A σb AB = −qab, e (6.5.15a)

[σa, σb

] B

A=

√2εabcσ

c BA . (6.5.15b)

O fator numerico −i/√2 foi ajustado precisamente para produzir as equacoes 6.5.15 (com

seus fatores numericos), que sao as relacoes padroes na literatura de relatividade. 6.5.15a

nos diz que a forma de solda pode ser pensada como a raiz quadrada da metrica espacial,

enquanto 6.5.15b implica que a escolha de uma forma de solda permite uma orientacao em σ,

atraves de uma escolha preferencial do sinal do tensor alternante εabc em (σ, qab) (que e unica

a menos de um sinal).

Olhemos agora para a forma conectora Aia. Facamos A B

aA ≡ κAiaτ

BiA para alguma con-

stante κ. Para que as curvaturas

F iab = 2∂[aA

ib] + εijkAajAbk e F B

abA = 2∂[aAB

b]A + [Aa, Ab]BA (6.5.16)

sejam relacionadas da mesma forma por F BabA = κF i

abτB

iA , devemos escolher κ = −i/2.Assim,

A BaA ≡ − i

2Ai

aτB

iA . (6.5.17)

Dessa forma, para que possamos incorporar as convencoes espinoriais da geometria riemma-

niana tal como as convencoes padroes da teoria de Yang-Mills para as curvaturas em termos

das conexoes, somos levados a usar fatores numericos diferentes em 6.5.14 e 6.5.17.

Na linguagem espinorial, as variaveis canonicas basicas serao entao a forma de solda

densitizada σa BA =

det (q)σa BA e a conexao A B

aA . E interessante observar, em comparacao

com a formulacao ADM em termos de qab e Pab, que o vınculo vetorial e linear no momento e

o vınculo escalar e quadratico. Essa caracterıstica se mantem se tomamos A BaA como variavel

de configuracao e σa BA como seu momento conjugado. E curiosa essa semelhanca, apesar do

momento ter “flipado”: o novo momento σa BA e geometricamente analogo a antiga variavel

de configuracao qab.

Usando as equacoes 6.5.14 e 6.5.17 e os colchetes de Poisson 6.5.12, calcula-se

σaCD(x), A

ABb (y)

= −i χ

2√2δab δ

(AC δ

B)D δ(x, y), (6.5.18)

e os outros colchetes sao nulos. Essa translacao da estrutura basica do espaco de fase fornece

136 6 Variaveis de Ashtekar

entao o ponto de partida para a formulacao canonica espinorial da Relatividade Geral.

6.5.3 Vınculos

Operando nas novas variaveis espinoriais, encontramos os vınculos

Daσa BA = ∂aσ

a BA + [Aa, σ

a] BA = 0, (6.5.19a)

Ha = −2√2itr

(σbFab

)= 0, (6.5.19b)

H = − 2√

det (q)tr(σaσbFab

)= 0. (6.5.19c)

Simplificando os fatores numericos e reescalando H 7→√

det (q)H , obtemos finalmente

Daσa BA = 0, (6.5.20a)

Ha = tr(σbFab

)= 0, (6.5.20b)

H = tr(σaσbFab

)= 0. (6.5.20c)

Por fim, as condicoes de realidade ficam da forma

(σa)† = σa e(A B

aA − Γ BaA

)†= −

(A B

aA − Γ BaA

), (6.5.21)

sendo que, na segunda condicao, a conexao de spin Γ BaA tem uma dependencia nao-polinomial

nas variaveis canonicas basicas.

6.5.4 Discussao

Classicamente, a formulacao de Ashtekar se mostra mais do que apenas uma forma ele-

gante de reescrever a Relatividade Geral; de fato, apresenta vantagens se comparada a for-

mulacao ADM. Na forma final, os vınculos envolvem apenas as variaveis basicas σa BA e A B

aA

e suas ∂ derivadas. Nao precisamos levantar ou abaixar os ındices desses campos, e a inversa

de σa BA nunca entra nos calculos. Os vınculos ainda sao no pior quadraticos em cada das

variaveis basicas, o que e uma melhora significativa com relacao a complicada dependencia

nao-polinomial em qab, Pab da formulacao ADM.

Notamos no novo vınculo escalar uma simplificacao devido a ausencia do termo corre-

spondente ao escalar de curvatura no vınculo ADM. O preco a se pagar por essa simplificacao,

no entanto, e na localidade: no vınculo antigo o coeficiente multiplicando a combinacao

quadratica dos momentos depende apenas da variavel de configuracao qab, enquanto no novo

6.6 β real: Formulacao de Barbero 137

vınculo e dado pela curvatura F BabA , dependendo assim de A B

aA e de suas derivadas.

Outra caracterıstica importante que vemos das equacoes 6.5.20 e que a acao de D ocorre

apenas nos ındices internos. Como σa BA e uma densidade vetorial de peso 1, seu divergente

nao envolve os sımbolos de Christoffel de qab. Similarmente, a definicao de F NabM envolve a

acao de D apenas em ındices internos. Portanto, embora inicialmente D atue sobre ambos os

ındices tensoriais e internos, na analise final e apenas a acao nos ındices internos que importa.

No entanto, embora a formulacao de Ashtekar resulte em simplificacoes nos vınculos, que

assumem formas polinomiais, ela gera uma complicacao adicional na necessidade de impor

as condicoes de realidade para reobtencao da teoria real, pois a conexao de spin Γ BaA e

nao-polinomial na variavel basica σ BaA . Na transicao para a teoria quantica, os vınculos de

primeira-classe sao impostos como operadores de vınculo sobre as funcoes de onda, enquanto

as condicoes de realidade sao usadas em um segundo passo, para determinar um produto

interno apropriado. A dificuldade da implementacao desse segundo passo e que e crucial para

que a formulacao complexa seja inviavel quando se trata de quantizacao.

Ainda um outro problema da formulacao de Ashtekar com respeito a quantizacao e a

simplificacao do vınculo hamiltoniano pelo reescalonamento H 7→√

det (q)H . Tal reescalon-

amento e feito com o intuito de deixar o vınculo na forma polinomial, o que e valido e desejavel

no nıvel classico, mas quanticamente nao e suportado pelo espaco de Hilbert, considerando

que o intuito e manter a independencia do background. Dessa forma, a motivacao pela poli-

nomialidade dos vınculos e perdida quando queremos tratar de uma teoria quantica. O que

ainda nos motiva a ter uma formulacao da Relatividade Geral em termos de conexoes e entao

a semelhanca que ela assume com as teorias de Yang-Mills, permitindo que usemos todo o

bem-sucedido ferramental dessas ultimas para tratar teorias quanticas, principalmente no que

diz respeito ao uso das tecnicas envolvendo loops.

6.6 β real: Formulacao de Barbero

Uma vez que a formulacao polinomial de Ashtekar em termos de espinores e derrubada pela

dificuldade da implementacao quantica das condicoes de realidade e pelo espaco de Hilbert

nao suportar o reescalonamento pela potencia de det (q), e conveniente que tratemos entao

de uma formulacao real baseada em conexoes reais. Isso nos elimina o problema das condicoes

de realidade, sob o preco que o vınculo escalar assume uma forma mais complexa. Barbero

enfatizou3,4 que o principal a se considerar no formalismo e a natureza geometrica das variaveis

de Ashtekar, e assim a introducao de variaveis complexas e necessaria apenas se deseja-se

138 6 Variaveis de Ashtekar

uma forma mais simples do vınculo hamiltoniano. Se aceitamos um vınculo hamiltoniano mais

complicado no espaco de fase, podemos utilizar variaveis reais. O que e realmente importante

e achar uma forma simples de se escrever os vınculos na transicao quantica, e e concebıvel

que um conjunto mais complicado de variaveis elementares possam dar a sacada para uma

teoria quantica simples. Assim, mesmo que a formulacao nao possua vınculos simples, a

natureza geometrica das variaveis basicas pode sugerir um conjunto de variaveis elementares

que simplifiquem a teoria quantica. Essa foi, portanto, a motivacao de Barbero para descrever

a Relatividade Geral utilizando a formulacao baseada em conexoes reais.

O processo utilizado por Barbero4 e Immirzzi5 para tratar da formulacao real parte do

formalismo ADM e entao expande o espaco de fase instituindo as trıadas e o parametro β.

Nao ha, portanto, nada de novo a ser discutido em termos das equacoes; os resultados sao os

mesmos de 6.4.11.

Alem da nao-polinomialidade do vınculo hamiltoniano, outro ponto desfavoravel a for-

mulacao real e quanto ao significado geometrico da conexao: como vimos, para β = ±i aconexao Ai

a pode ser vista como o pullback para σ da conexao auto-dual quadri-dimensional

AIJa . No entanto, para β real, Samuel15 demonstra que a conexao de Barbero nao pode ser

interpretada como o pullback de uma conexao do espaco-tempo, pois depende da fatia espa-

cial considerada. Tambem e necessaria a escolha de um “gauge temporal”, ou seja, a escolha

eµ0 = nµ. Considerando ainda que o grupo de gauge da Relatividade Geral nao e compacto

(podendo ser tomado como o grupo de Lorentz ou de Poincare, dependendo da abordagem),

e que o grupo SO(3) da formulacao real e compacto, Samuel afirma que a formulacao de

Barbero nao pode ser considerada como uma formulacao de gauge da Relatividade Geral.

No entanto, essa “interpretacao de gauge”da teoria e sobretudo de carater estetico. Uma

interpretacao das variaveis no espaco-tempo e desejavel, mas de maneira alguma necessaria

(como ressalta Thiemman13), contanto que se tenha consciencia de que a conexao nao possui

o comportamento da transformacao ingenua sob a evolucao hamiltoniana na superfıcie de

vınculo.

Em suma, a importancia da formulacao de Barbero em termos de conexoes reais resume-se

no fato de permitir que se tenha ido mais longe numa formulacao quanica, sendo a base para

a teoria de Loop Quantum Gravity.

139

CONCLUSAO

Dentre as teorias bem sucedidas que tratam das interacoes fundamentais, a Relatividade

Geral se mostra, desde sua concepcao, como sendo diferente. Enquanto outras interacoes

tratam partıculas ou campos sobre algum pano de fundo pre-definido, a teoria da Relatividade

Geral trata a questao do espaco e tempo e suas consequencias na presenca de corpos massivos,

ou seja, e a teoria que trata justamente da estrutura do “pano de fundo”. Assim, e natural

que ela se apresente de forma diferente das outras teorias, e nos resulte em sutilezas tambem

diferentes.

No entanto, pudemos ver ao longo do trabalho que podemos reescrever a teoria num

formato hamiltoniano baseado em conexoes, que a aproxima das teorias de gauge de Yang-

Mills. Mais que isso, a generalidade de tal formulacao apresenta vantagens com relacao a

formulacao geometrodinamica (ou formalismo ADM). Classicamente, podemos tratar a teo-

ria como a reducao de uma teoria complexa, que permite que os vınculos que surgem no

tratamento hamiltoniano assumam formas polinomiais, e portanto muito mais simples de lidar

do que os vınculos ADM. O preco a se pagar e a necessidade da imposicao de condicoes

de realidade, nao polinomiais, todavia trataveis contanto que nao estejamos interessados em

uma transicao para a quantizacao. Em nıvel quantico a melhor formulacao e baseada em

conexoes reais. Os vınculos assumem formas mais complexas, mas ainda sao mais trataveis

que os vınculos ADM. Dispensa-se tambem a necessidade das condicoes de realidade, que

demonstraram ser um problema grave na busca de uma teoria quantica.

Um grande progresso vem sendo feito na formulacao quantica baseada nas conexoes reais,

que consiste na chamada teoria de Loop Quantum Gravity. Isso se deve, principalmente, a

possibilidade de escrever as variaveis canonicas como variaveis de loops. Tal formalismo, no

entanto, seria o “passo seguinte”no estudo das formulacoes de Ashtekar para a quantizacao,

e vai alem do nosso objetivo aqui.

Acima de tudo, devemos ressaltar a elegancia do formalismo que abordamos. A possi-

bilidade de vislumbrar um fenomenio fısico como a reducao de uma estrutura maior, embora

140 CONCLUSAO

aparente ser uma complicacao a mais, na verdade nos permite introduzir estruturas geometricas

simples, que podem assumir significados consideraveis dentro das leis fısicas. Isso demonstra

o poder exercido pela matematica na construcao de teorias fısicas, e consequentemente sobre

nossa descricao da natureza.

141

REFERENCIAS

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4 BARBERO, J.F. Real Ashtekar variables for lorentzian signature space-times. Physical Re-view D, v. 51, n. 10, p. 5507-5510, 1995.

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9 ALEXANDRINO, M. M.; BETTIOL, R. G. Introduction to Lie Groups, adjoit actionand its generalizations. In: ENCONTRO PAULISTA DE GEOMETRIA, 2., 2009,Sao Carlos.Anais. . . Sao Carlos: UFSCar, 2009.

10 ISHAM, C.J. Modern differential geometry for physicists. Singapore: World ScientificPublishing Co, 1989. 200 p.

11 HENNEAUX, M; TEITELBOIM,C. Quantization of gauge systems. New Jersey: PrincetonUniversity Press, 1992. 520 p.

12 RAGUSA, S. Relatividade geral I. Sao Carlos: IFSC,2009. Notas de aula.

142 REFERENCIAS

13 THIEMMAN, T. Modern canonical quantum general relativity. New York: CambridgeUniversity Press, 2007. 819 p.

14 ASHTEKAR, A. Lectures on non-perturbative canonical gravity. Singapore: World Scien-tific Publishing, 1991. 334 p.

15 SAMUEL, J. Is Barbero’s Hamiltonian formulation a gauge theory of Lorentzian gravity?.Classical Quantum Gravity, v. 17, n. 20, L141-L148, 2000.

16 FERRARIS, M; FRANCAVIGLIA, M; REINA, C. Variational formulation of general rela-tivity from 1915 to 1925 “Palatini method”discovered by Einstein in 1925. General Relativityand Gravitation, v. 14, n. 3, p. 243 - 254, 1982.

17 SPIVAK, M. A Comprehensive introduction to differential geometry. Houston: Publish orPerish Inc, 1970. v. 1. 489 p.

18 STEWART, J. Advanced general relativity. New York: Cambridge University Press, 1991.240 p. (Cambridge Monographs on Mathematical Physics).

19 LEE, J. M. Riemannian manifolds: an introduction to curvature. New York: Springer-Verlag Inc, 1997. 224 p.

20 LEE, J. M. Introduction to smooth manifolds. New York: Springer-Verlag Inc, 2003. 648p.

21 CARMO, M.P. Geometria riemanniana, 3a ed. ,Rio de Janeiro: IMPA, 2005. 298 p.

22 MUNKRES, J. R., Topology, a first course. New Jersey: Prentice-Hall Inc, 1975. 413 p.

23 ASHTEKAR, A. 100 Years of relativity space-time structure: Einstein and beyond. Singa-pore: World Scientific Publishing, 2005. 510 p.

24 ASHTEKAR, A; LEWANDOWSKI, J. Background Independent Quantum Gravity: A Sta-tus Report. Classical Quantum Gravity, v. 21, n. 15, R53-R152, 2004.

25 KIEFER, C. Quantum gravity. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press, 2007. 361 p.

26 DIRAC, P. M. Lectures on quantum mechanics. New York: Dover Publications, 2001. 87p.

27 LUCHINI, G. Sobre a Quantizacao de lacos de teorias topologicas em 2 + 1 dimensoes:gravitacao e Chern-Simons. 2009. 238 f. Dissertacao (Mestrado em Fısica) - UniversidadeFederal do Espırito Santo, Vitoria, 2009.

REFERENCIAS 143

28 ISHAM, C. J; KUCHAR, K. V. Representations of spacetime diffeomorphisms. I. canonicalparametrized field theories, Annals of Physics, v. 164, n. 2,p. 288-315, 1985.

144 REFERENCIAS

145

APENDICE A

Elementos de Geometria Riemanniana

Trataremos brevemente das definicoes essenciais de tensores e variedades, para que pos-

samos focar na estrutura da geometria riemanniana ou, mais explicitamente, nos elementos

que sao analogos para um caso semi-riemanniano, que e o caso em Relatividade Geral. Em-

bora o tratamento todo seja curto considerando a grandeza do assunto, dedicaremos um

detalhe maior aos pontos que sao estruturais para a Relatividade Geral e para a construcao

das formulacoes alternativas.

A.1 Revisao de Tensores e Variedades

A.1.1 Variedades

Uma variedade topologica M e um espaco topologico de Hausdorff, segundo enu-

meravel, dotada da seguinte propriedade: se x ∈M , entao ha uma vizinhanca U de x e algum

inteiro positivo n (denominado a dimensao de M) tal que U e homeomorfo a algum aberto

de Rn (ou seja, existe uma correspondencia bijetora ψ entre U e um aberto de Rn tal que

ψ e sua inversa sao contınuas). Um espaco ser Hausdorff significa que dois pontos distintos

sempre admitem vizinhancas disjuntas, e ser segundo enumeravel significa que a topologia do

espaco admite uma base enumeravel.

Dada uma variedade topologica, podemos dota-la de uma estrutura diferenciavel: se U e

V sao abertos de M , dois homeomorfismos φ : U → φ(U) ⊂ Rn e ψ : V → ψ(V ) ⊂ Rn sao

C∞-relacionados se a aplicacao

φ ψ−1 : ψ(U ∩ V ) → φ(U ∩ V ) (A.1.1)

e sua inversa sao C∞ (suaves). Em outras palavras, φ e ψ sao C∞-relacionados se φ ψ−1

for um difeomorfismo de ψ(U ∩ V ) ⊂ Rn em φ(U ∩ V ) ⊂ Rn.

146 Apendice A -- Elementos de Geometria Riemanniana

V U

Rn Rn

fy

f yo-1

Figura A.1–Homeomorfismos C∞-relacionados.

Uma famılia de homeomorfismos mutuamente C∞-relacionados cujos domınios cobremM

e denominada um atlas para M . Um membro particular (φ, U) de um atlas A e denomindado

uma carta (para o atlas A), ou um sistema de coordenadas sobre U . A colecao de todas

as cartas C∞-relacionadas e denominada um atlas maximal para M .

Uma variedade suave (ou C∞-variedade ou variedade diferenciavel) consiste entao

do par (M,A), onde A e um atlas maximal para M .

Espaco Tangente

Seja C∞(p) o conjunto das funcoes suaves de imagem real cujo domınio de definicao inclui

alguma vizinhanca aberta de p. O espaco tangente aM em p e entao o espaco vetorial TpM

de derivacoes lineares em p, ou seja, o conjunto de aplicacoes v : C∞(p) → R satisfazendo

para todos f, g ∈ C∞(p),

(i) v(f + g) = v(f) + v(g) (linearidade);

(ii) v(fg) = v(f)g(p) + f(p)v(g) (Regra de Leibniz).

Definimos o espaco tangente a M como a reuniao

TM =⋃

p∈M

TpM. (A.1.2)

(Deixamos essa definicao como momentanea; no capıtulo seguinte trataremos TM com mais

detalhe como um fibrado, denominando-o entao como o fibrado tangente).

Dados (ϕ = (x1, . . . , xn), U) uma carta sobre p e f = f ϕ−1 a representacao de

A.1 Revisao de Tensores e Variedades 147

f ∈ C∞(p) em coordendas dadas por ϕ, os vetores coordenados dados por

(∂

∂xi|p)

f =∂f

∂xi|ϕ(p) (A.1.3)

formam uma base (ou um referencial) ∂∂xi |p de TpM . Em particular, segue que dimTpM =

dimM . Nesse contexto, vetores tangentes podem ser vistos como derivadas direcionais. De

fato, considere v =∑n

i=1 vi ∂∂xi ∈ TpM . Entao

v(f) =

n∑

i=1

vi∂f

∂xi|ϕ(p) (A.1.4)

e denominado a derivada direcional de f na direcao de v.

M

T Mp

pv

a(t)

Figura A.2–Espaco tangente a um ponto p e vetor tangente a curva α(t) em p.

O vetor tangente a uma curva α : (−ε, ε) → M em α(0) e definido como α′(0)(f) =ddt(f α)|t=0. De fato, α

′(0) e um vetor, e se ϕ e uma coordenada local e (u1(t), . . . , un(t)) =

ϕ α, entaoα′(0) =

n∑

i=1

ui′(0)∂

∂xi|p ∈ TpM, (A.1.5)

onde ui′(t) ≡ ddtui(t). Por simplificacao, nos casos em que o sistema de coordenadas for

evidente do contexto, podemos escrever ∂∂xi simplesmente como ∂i.

A.1.2 Tensores

Seja V um espaco vetorial de dimensao finita (todos os espacos vetoriais e variedades aqui

serao supostos reais). Chamaremos de V ∗ seu espaco dual (ou espaco dos covetores, ou

dos funcionais lineares de valor real em V ) e denotaremos a aplicacao V ∗ × V → R por uma

das notacoes:

(ω,X) 7→ 〈ω,X〉 ou (ω,X) 7→ ω(X), (A.1.6)

148 Apendice A -- Elementos de Geometria Riemanniana

para ω ∈ V ∗, X ∈ V .

Como exemplo importante, consideremos o espaco tangente TpM a um ponto p ∈ M ,

que e um espaco vetorial. O seu dual sera entao o espaco cotangente T ∗pM . Um elemento

ω : TpM → R de T ∗pM e chamado um vetor dual ou covetor, e o exemplo mais simples de

um covetor e a diferencial df de uma funcao f ∈ C∞(p), cuja acao em v ∈ TpM e dada por

〈df, v〉 ≡ v(f) = vi∂f

∂xi∈ R. (A.1.7)

Um tensor l-covariante em V e uma aplicacao multilinear

F :

l vezes︷ ︸︸ ︷

V × · · · × V→ R. (A.1.8)

Similarmente, um tensor k-contravariante e uma aplicacao multilinear

F :

k vezes︷ ︸︸ ︷

V ∗ × · · · × V ∗→ R. (A.1.9)

Um tensor do tipo(k

l

), tambem chamado tensor k-contravariante e l-covariante e uma

aplicacao multilinear

F :

k vezes︷ ︸︸ ︷

V ∗ × · · · × V ∗ ×l vezes

︷ ︸︸ ︷

V × · · · × V→ R. (A.1.10)

O espaco de todos os tensores k-contravariantes em V e denotado por T k(V ), o espaco dos

tensores l-covariantes por Tl(V ) e o espaco dos(kl

)- tensores mistos por T k

l (V ). O posto de

um tensor e o numero de argumentos (vetores e/ou covetores) que ele leva.

Ha um produto natural, chamado o produto tensorial, ligando os varios espacos tensoriais

sobre V . Se F ∈ T kl (V ) e G ∈ T p

q (V ), o tensor F ⊗G ∈ T k+pl+q (V ) e definido por

(F ⊗G)(ω1, . . . , ωk+p, X1, . . . , Xl+q)

= F (ω1, . . . , ωk, X1, . . . , Xl)G(ωk+1, . . . , ωk+p, Xl+1, . . . , Xl+q), (A.1.11)

com ωi ∈ V ∗ e Xi ∈ V .

Se (e1, . . . , en) e uma base para V , seja (ϕ1, . . . , ϕn) a base dual correspondente a V ∗,

definida por ϕ(ej) = δij . Uma base para T kl (V ) e dada pelo conjunto de todos os tensores da

forma

ej1 ⊗ · · · ⊗ ejk ⊗ ϕi1 ⊗ · · · ⊗ ϕil, (A.1.12)

de forma que os ındices ip, jq alcancam de 1 a n. Esses tensores agem nos elementos basicos

A.1 Revisao de Tensores e Variedades 149

por

ej1 ⊗ · · · ⊗ ejk ⊗ ϕi1 ⊗ · · · ⊗ ϕil(ϕs1, . . . , ϕsk , er1 , . . . , erl) = δs1j1 . . . δskjkδi1r1 . . . δ

ilrl, (A.1.13)

e qualquer tensor F ∈ T kl (V ) pode ser escrito em termos dessa base como

F = F j1...jki1...il

ej1 ⊗ · · · ⊗ ejk ⊗ ϕi1 ⊗ · · · ⊗ ϕil, (A.1.14)

onde

F j1...jki1...il

= F (ϕj1, . . . , ϕjk , ei1 , . . . , eil). (A.1.15)

Uma observacao importante que convem ser feita e que usamos a convencao de soma

de Einstein: se o mesmo ındice aparece duas vezes, uma como ındice acima e outra abaixo,

assume-se que esse termo sera somado sobre todos os valores possıveis desse ındice (e omitimos

o somatorio para diminuir a extensao dos termos). Sempre escolhemos as posicoes dos ındices

de forma que vetores da base tem ındices abaixo e covetores da base tem ındices acima,

enquanto as componentes dos vetores tem ındices acima e a dos covetores ındices abaixo.

Podemos definir uma operacao natural chamada o traco ou contracao, que abaixa o posto

do tensor em 2. Definimos trij : Tk+1l+1 (V ) → T k

l (V ) fazendo(trijF

) (ω1, . . . , ωk, V1, . . . , Vl

)

o traco do endomorfismo

F(ω1, . . . , ·i, . . . , ωk, V1, . . . , ·j, . . . , Vl

)∈ T 1

1 (V ). (A.1.16)

Em termos de uma base, as componente de trijF sao

(trijF

)p1...pk

q1...ql= F p1..m...pk

q1...m..ql, (A.1.17)

onde o ındice m e o i-esimo ındice acima e o j-esimo ındice abaixo

r-Formas

Uma classe de tensores que tem uma participacao especial em geometria diferencial e a

de tensores alternantes: aqueles que mudam de sinal toda vez que dois argumentos sao

permutados. Seja Λr(V ) o espaco dos tensores r-covariantes alternantes em V , tambem

chamados r-covetores ou r-formas (exteriores). Existe um produto bilinear associativo

natural nas formas chamado o produto cruzado, definido em 1-formas ω1, . . . , ωr por

(ω1 ∧ . . . ∧ ωr

)(X1, . . . , Xr) = det(

⟨ωi, Xj

⟩), (A.1.18)

e estendendo por linearidade.

150 Apendice A -- Elementos de Geometria Riemanniana

Denotemos por Λr(M) o espaco das r-formas suaves em M . A derivada exterior dr e

uma aplicacao de Λr(M) → Λr+1(M) cuja acao sobre uma r-forma

ω =1

r!ωµ1...µrdx

µ1 ∧ . . . ∧ dxµr (A.1.19)

e definida por

drω =1

r!

(∂

∂xνωµ1...µr

)

dxν ∧ dxµ1 ∧ . . . ∧ dxµr . (A.1.20)

A.1.3 Aplicacoes Induzidas

Uma aplicacao suave f : M → N naturalmente induz uma aplicacao f∗, denominada

aplicacao diferencial (ou pushforward)

f∗ : TpM → Tf(p)N. (A.1.21)

A forma explıcita de f∗ e obtida da definicao de um vetor tangente como uma derivada

direcional ao longo de uma curva. Se g ∈ C∞(f(p)), entao g f ∈ C∞(p). Dado um vetor

v ∈ TpM , definimos entao f∗v ∈ Tf(p)N como

(f∗v) (g) ≡ v(g f). (A.1.22)

M Nf(p)

f

f f v

f v

*

*

*v

v

p

T MpT Nf(p)

Figura A.3–A aplicacao f :M → N induz a aplicacao diferencial f∗ : TpM → Tf(p)N .

Notamos que f∗ vai na “mesma direcao”de f . Por outro lado, podemos tambem induzir

uma aplicacao no sentido contrario (agora no espaco cotangente),

f ∗ : T ∗f(p)N → T ∗

pM, (A.1.23)

que denominamos pullback. Se tomamos v ∈ TpM e ω ∈ T ∗f(p)N , o pullback de ω por f ∗ e

A.2 Metricas Riemannianas e Pseudo-Riemannianas 151

definido por

〈f ∗ω, v〉 = 〈ω, f∗v〉 . (A.1.24)

A aplicacao diferencial se estende naturalmente para tensores do tipo contravariantes,

enquanto o pullback se estende para tensores covariantes. Nao ha uma extensao natural para

tensores mistos, e essa so e possıvel se f : M → N e um difeomorfismo, ou seja, quando

possui inversa f−1 e essa tambem e suave.

Finalizamos aqui enunciando um importante teorema do calculo em variedades, que nos

sera util a frente. Sua demonstracao e realizada em ??:

Teorema A.1.1 (Teorema da Funcao Inversa) Suponha queM eN sao variedades suaves

e f :M → N e uma aplicacao suave. Se f∗ e invertıvel em um ponto p ∈ M , entao existem

vizinhancas conexas U0 de p e V0 de f(p) tal que f : U0 → V0 e um difeomorefismo.

A.2 Metricas Riemannianas e Pseudo-Riemannianas

A.2.1 Metricas Riemannianas

Definido o essencial de variedades e tensores, podemos agora inserir numa variedade suave

M uma metrica, e a partir disso efetuar operacoes que envolvam distancias.

Seja T (M) o espaco dos campos vetoriais suaves emM . Uma metrica riemanniana em

uma variedade suave M e um campo tensorial 2-covariante g ∈ T2(M) simetrico (g(X, Y ) =

g(Y,X)) e positivo definido. Uma metrica riemanniana portanto determina um produto interno

em cada espaco tangente TpM , que e tipicamente escrito como 〈X, Y 〉 ≡ g(X, Y ) para

X, Y ∈ TpM . Uma variedade junto a uma metrica riemanniana e denominada uma variedade

riemanniana.

Se (e1, . . . , en) e qualquer referencial local para TM , e (ϕ1, . . . , ϕn) seu correferencial

dual, uma metrica riemanniana pode ser escrita localmente como

g = gijϕi ⊗ ϕj. (A.2.1)

A matriz de coeficientes, definida por gij = 〈ei, ej〉, e simetrica em i e j e tem dependencia

suave em p ∈M . Em particular, em um referencial coordenado, g tem a forma

g = gijdxi ⊗ dxj . (A.2.2)

152 Apendice A -- Elementos de Geometria Riemanniana

Podemos ainda abreviar essa notacao introduzindo o produto simetrico de dois covetores

ω e η, denotado pela justaposicao sem nenhum sımbolo de produto:

ωη ≡ 1

2(ω ⊗ η + η ⊗ ω). (A.2.3)

Devido a simetria de gij , entao

g = gijdxidxj . (A.2.4)

Utilizando a matriz de coeficientes, podemos levar um vetor a um covetor e vice-versa

atraves da operacao de levantamento ou abaixamento de ındices:

Xj = gijXi, (A.2.5a)

ωi = gijωj, (A.2.5b)

onde a matriz (gij) = (gij)−1.

Um exemplo trivial de uma variedade riemanniana e Rn com sua metrica euclideana

g, que e apenas o produto interno usual em cada espaco tangente TxRn sob a identificacao

natural TxRn = Rn. Em coordenadas padrao, podemos escrever como

g =∑

i

dxidxi =∑

i

(dxi)2 = δijdxidxj.

A matriz de g nessas coordenadas e portanto g = (δij).

Se (M1, g1) e (M2, g2) sao variedades riemannianas, o produtoM1×M2 tem uma metrica

riemanniana natural g = g1 ⊕ g2, chamada a metrica produto, definida por

g(X1 +X2, Y1 + Y2) = g1(X1, Y1) + g2(X2, Y2), (A.2.6)

onde Xi, Yi ∈ TpiMi sob a identificacao natural T(p1,p2)M1 ×M2 = Tp1M1 ⊕ Tp2M2.

Quaisquer coordendas locais (x1, . . . , xn) para M1 e (xn+1, . . . , xn+m) para M2 geram

coordenadas (x1, . . . , xn+m) paraM1×M2. Em termos dessas coordenadas, a metrica produto

tem a expressao local g = gijdxidxj, onde (gij) e a matriz de bloco diagonal

(gij) =

(g1)ij 0

0 (g2)ij

. (A.2.7)

A.2 Metricas Riemannianas e Pseudo-Riemannianas 153

A.2.2 Metricas Pseudo-Riemannianas

Discutiremos adiante que a metrica assumida pela variedade do espaco-tempo e uma

metrica pseudo-riemanniana, que se diferencia da metrica riemanniana por nao precisar ser

positiva-definida. No geral, os calculos e propriedades derivados de uma metrica riemanniana

serao os mesmo para uma pseudo Riemannana, a menos que envolvam a necessidade de ser

positiva.

Formalmente, uma metrica pseudo riemanniana (ou semi-riemanniana) em uma var-

iedade suave M e um campo tensorial 2-covariante g que e nao-degenerado em cada ponto

p ∈M . Isso significa que o unico vetor ortogonal a tudo e o vetor nulo, ou seja, g(X, Y ) = 0

para todo Y ∈ TpM se e somente se X = 0. Se g = gijϕiϕj em termos de um correferencial

local, a nao-degenerescencia significa que a matriz gij e invertıvel.

Dada uma metrica pseudo-Riemaniana g e um ponto p ∈M , pode-se construir uma base

(E1, . . . , En) para TpM na qual g tem a expressao

g = −(ϕ1)2 − · · · − (ϕr)2 + (ϕr+1)2 + · · ·+ (ϕn)2 (A.2.8)

para algum inteiro 0 ≤ r ≤ n. Esse inteiro r, chamado o ındice de g, e igual a maxima di-

mensao de qualquer subespaco de TpM em que g e negativo-definido. O ındice e independente

da escolha de base, um fato conhecido classicamente como lei de inercia de Sylvester.

Metricas de Lorentz

As metricas pseudo-riemannianas mais importantes sao as metricas de Lorentz, que sao

metricas pseudo-Remannianas de ındice 1. Com destaque especial, a metrica de Minkowski

e a metrica de Lorentz η em Rn+1 que e escrita em termos de coordenadas (τ, ξ1, . . . , ξn)

como

η = (dξ1)2 + · · ·+ (dξn)2 − (dτ)2. (A.2.9)

No caso especial de R4, a metrica de Minkowski e o invariante fundamental da teoria da

Relatividade Restrita. As diferentes caracterizacoes de espaco (direcao ξ) e tempo (direcao

τ) surgem do fato que sao subespacos nos quais g e positiva-definida e negativa-definida,

respectivamente. Em Relatividade Geral, a inclusao de efeitos gravitacionais permite que a

metrica de Lorentz varie ponto a ponto.

154 Apendice A -- Elementos de Geometria Riemanniana

A.3 Conexoes Lineares e Derivada Covariante

Conexoes fazem o papel de relacionar um ponto a outro na variedade. Uma conexao

linear (ou conexao afim) em M e uma aplicacao

∇ : T (M)× T (M) → T (M)

(X, Y ) 7→ ∇XY (A.3.1)

que satisfaz as seguintes propriedades:

(i) ∇XY e linear em X sobre C∞(M):

∇fX+gY Z = f∇XZ + g∇YZ, para f, g ∈ C∞(M).

(ii) ∇XY e linear em Y sobre R:

∇X(aY1 + bY2) = a∇XY1 + b∇XY2, para a, b ∈ R.

(iii) ∇ satisfaz a seguinte regra do produto:

∇X(fY ) = f∇XY +X(f)Y , para f ∈ C∞(M).

∇XY e chamado a derivada covariante de Y na direcao X .

∇XY |p pode ser pensado como uma derivada direcional de Y em p na direcao do vetor

X|p. De fato, ∇XY |p depende somente dos valores de Y em uma vizinhanca de p e do

valor de X em p. Para enxergar isso, consideremos primeiro Y , e seja Y = Y em uma

vizinhanca de p. Substituindo Y 7→ Y − Y , e suficiente mostrar que ∇XY |p = 0 se Y se

anula na vizinhanca U de p. Escolha uma funcao ϕ ∈ C∞(M) com suporte contido em U

tal que ϕ(p) = 1. A hipotese que Y se anula em U implica que ϕY ≡ 0 em toda M , entao

∇X(ϕY ) = ∇X(0.ϕY ) = 0.∇X(ϕY ) = 0. Portanto, para qualquer X ∈ T (M), a regra do

produto fornece

0 = ∇X(ϕY ) = X(ϕ)Y + ϕ(∇XY ). (A.3.2)

Mas Y ≡ 0 no suporte de ϕ, entao o primeiro termo da direita e identicamente nulo. O calculo

da expressao em p mostra que ∇XY |p = 0. Para a dependencia de X , por linearidade, basta

mostrar que ∇XY |p = 0 toda vez que Xp = 0. Escolhemos uma vizinhanca coordenada U

de p, e escrevemos X = X i∂i em coordenadas de U , com X i(p) = 0. Entao, para qualquer

Y ∈ T (M),

∇XY |p = ∇Xi∂iY |p = X i(p)∇∂iY |p = 0, (A.3.3)

e verificamos a afirmacao.

A.3 Conexoes Lineares e Derivada Covariante 155

Seja ei um referencial local para TM em um aberto U ⊂ M e denotemos ∇ei sim-

plesmente por ∇i. Para quaisquer escolhas de ındices i, j, podemos expandir ∇iej em termos

desse mesmo referencial:

∇iej = Γkijek. (A.3.4)

Isso define n3 funcoes Γkij em U , chamados os sımbolos de Christoffel de ∇ com respeito

ao referencial ei. Se X, Y ∈ T (U) sao expressos nesse referencial por X = X iei e Y = Y jej ,

entao

∇XY = (X(Y k) +X iY jΓkij)ek. (A.3.5)

Explicitamente em um sistema de coordenadas ∂i,

∇XY = (X i∂iYk +X iY jΓk

ij)∂k. (A.3.6)

Consideremos agora o exemplo de uma mudanca de base ea = Bbaeb. Queremos saber

como se comportam os sımbolos de Christoffel. Temos que ∇ceb = Γabcea = Γa

bcBfaef , mas

∇ceb = ∇(Bhc eh)

(Bgb eg) = Bh

cBgb∇heg +Bh

c eh(Bgb )eg = Bg

bBhc Γ

fhgef +Bh

c eh(Bfb )ef . (A.3.7)

Assim,

Γabc = (B−1)afB

gbB

hc Γ

fhg + (B−1)afB

hc eh(B

fb ). (A.3.8)

Dada uma variedade M com uma metrica g, uma conexao linear ∇ e dita compatıvel

com a metrica se satisfaz a seguinte regra do produto para todos os campos vetoriais X, Y, Z:

∇X 〈Y, Z〉 = 〈∇XY, Z〉+ 〈Y,∇XZ〉 , (A.3.9)

e e dita simetrica se

∇XY −∇YX = [X, Y ]. (A.3.10)

Enunciaremos agora um importante teorema que nos permite relacionar uma conexao a

uma metrica.

Teorema A.3.1 (Lema Fundamental da Geometria Riemanniana) Seja (M, g)

uma variedade riemanniana (ou pseudo riemanniana). Existe uma unica conexao linear ∇ em

M que e compatıvel com g e simetrica. Essa conexao e chamada conexao riemanniana ou

conexao de Levi-Civita de g.

Demonstracao. Devido a extensao da demonstracao, esbocaremos aqui apenas a parte que nos

sera de utilidade futura, derivando uma formula para ∇, supondo a existencia de tal conexao.

156 Apendice A -- Elementos de Geometria Riemanniana

Sejam X, Y, Z ∈ T (M). Escrevendo a equacao da compatibilidade tres vezes, teremos, uma

vez que ∇X 〈Y, Z〉 = X 〈Y, Z〉,

X 〈Y, Z〉 = 〈∇XY, Z〉+ 〈Y,∇XZ〉 = 〈∇XY, Z〉+ 〈Y,∇ZX〉+ 〈Y, [X,Z]〉Y 〈Z,X〉 = 〈∇YZ,X〉+ 〈Z,∇YX〉 = 〈∇YZ,X〉+ 〈Z,∇XY 〉+ 〈Z, [Y,X ]〉Z 〈X, Y 〉 = 〈∇ZX, Y 〉+ 〈X,∇ZY 〉 = 〈∇ZX, Y 〉+ 〈X,∇Y Z〉+ 〈X, [Z, Y ]〉 ,

usando a condicao de simetria no ultimo termo em cada linha. Somando as duas primeiras

equacoes e subtraindo a terceira, chegamos que

〈∇XY, Z〉 =1

2(X 〈Y, Z〉+ Y 〈Z,X〉 − Z 〈X, Y 〉 − 〈Y, [Y,X ]〉 − 〈Z, [Y,X ]〉+ 〈X, [Z, Y ]〉) .

(A.3.11)

Seja agora (U, (xi)) qualquer carta coordenada local. Aplicando a equacao acima aos

campos vetoriais coordenados, cujos colchetes sao zero, obtemos

〈∇i∂j , ∂l〉 =1

2(∂i 〈∂j , ∂l〉+ ∂j 〈∂l, ∂i〉 − ∂l 〈∂i, ∂j〉). (A.3.12)

Lembrando pelas definicoes que gij = 〈∂i, ∂j〉 e que ∇i∂j = Γmij∂m, temos

Γmij gml =

1

2(∂igjl + ∂jgil − ∂lgij). (A.3.13)

Finalmente, multiplicando ambos os lados pela inversa glk e notando que gmlglk = δkm, obtemos

Γkij =

1

2gkl(∂igjl + ∂jgil − ∂lgij). (A.3.14)

Da equacao, e evidente que Γkij = Γk

ji.

A.3.1 Geodesicas

Dada uma variedade M com uma conexao ∇, existe uma correspondencia que associa a

um campo vetorial V ao longo da curva diferenciavel γ : I → M um outro campo vetorial

Dt(V ) ao longo de γ, denominado a derivada covariante de V ao longo de γ, tal que se V e

induzido por um campo de vetores Y ∈ T (M) (ou seja, V (t) = Y |γ(t)), entao DtV = ∇γ(t)Y .

A aceleracao de γ e o campo vetorial Dtγ ao longo de γ.

Uma curva γ e uma geodesica com respeito a ∇ se sua aceleracao e zero: Dtγ = 0. Um

campo vetorial V ao longo de uma curva γ e dito paralelo ao longo de γ com respeito a ∇se DtV ≡ 0. V e denominado paralelo se e paralelo ao longo de qualquer curva.

Dado uma carta coordenada (U, (xi)) em um ponto p ∈ M , uma geodesica γ(t) =

A.3 Conexoes Lineares e Derivada Covariante 157

(x1, . . . , xn)(t) satisfaz a equacao geodesica

xi + Γijkx

j xk = 0. (A.3.15)

Alguns exemplos basicos: para M = Rn com a metrica euclideana usual, teremos que

as geodesicas sao retas parametrizadas proporcionalmente ao comprimento de arco, e para

M = Sn, as geodesicas corresponderao aos cırculos maximos de Sn, parametrizados pelo

comprimento de arco.

A seguir, enunciamos o teorema que garante a existencia e unicidade das geodesicas.

Omitiremos, no entanto, sua demonstracao.

Teorema A.3.2 (Existencia e Unicidade das Geodesicas) Seja M uma variedade com

uma conexao linear. Para qualquer p ∈ M , qualquer v ∈ TpM e qualquer t0 ∈ R, existe um

intervalo aberto I ⊂ R contendo t0 e uma geodesica γ : I →M satisfazendo

γ(t0) = p; γ(t0) = v. (A.3.16)

Quaisquer duas geodesicas coincidem em seu domınio comum.

Segue da unicidade do teorema que, para qualquer p ∈M e v ∈ TpM , ha uma unica geodesica

maximal γv : I →M com γ(0) = p e γ(0) = v, definida em algum aberto I.

Seja agora o conjunto

E ≡ v ∈ TpM ; γv e definida em um intervalo contendo [0, 1]. (A.3.17)

Definimos a aplicacao exponencial Exp : E →M por

Exp(v) = γv(1). (A.3.18)

Na literatura, e comum encontrarmos a aplicacao exponencial representada somente por letras

minusculas: exp. No entanto, usamos aqui a primeira letra maiuscula para diferenciar da

aplicacao exponencial definida a frente para grupos de Lie. Podemos expressar a geodesica γv

em termos da aplicacao exponencial da forma

γv(t) = Exp(tv). (A.3.19)

Mostraremos, por fim, que a aplicacao exponencial sempre nos permite determinar local-

mente um sistema de coordenadas em uma vizinhanca U de p ∈M . Para isso, utilizaremos o

seguinte

158 Apendice A -- Elementos de Geometria Riemanniana

Lema A.3.3 (Lema da Vizinhanca Normal) Para todo p ∈ M , ha uma vizinhanca V da

origem em TpM e uma vizinhanca U de p, denominada vizinhanca normal, tal que Expp :

V → U e um difeomorfismo.

Demonstracao. Isso segue diretamente do teorema da funcao inversa A.1.1, uma vez que

mostramos que (Exp)∗ e invertıvel em 0. Como TpM e um espaco vetorial, ha uma identificacao

natural T0(TpM) = TpM . Sob essa identificacao, mostraremos que (Exp)∗ : T0(TpM) =

TpM → TpM tem uma expressao particularmente simples: a aplicacao identidade!

Para calcular (Exp)∗v para um vetor arbitrario v ∈ TpM , apenas precisamos escolher uma

curva τ em TpM comecando em 0 e cujo vetor tangente inicial e v, e calcular o vetor tangente

inicial da curva composta Exp τ(t). Uma escolha obvia e τ(t) = tv. Portanto,

(Exp)∗V =d

dt|t=0(Exp τ)(t) =

d

dt|t=0Exp(tv) =

d

dt|t=0γv(t) = V. (A.3.20)

Uma base ortonormal ei para TpM fornece um isomorfismo e : Rn → TpM por

e(x1, . . . , xn) = xiei. Se U e uma vizinhanca normal de p, podemos combinar esse iso-

morfismo com a aplicacao exponencial para obter uma carta coordenada

φ : e−1 Exp−1p : U → R

n. (A.3.21)

Quaisquer dessas coordenadas sao chamadas coordenadas normais em p. Algumas pro-

priedades das coordenadas normais sao:

1. Para qualquer vetor v = vi∂i ∈ TpM , a geodesica γv e representada em coordenadas

normais em p por

γv(t) = (tv1, . . . , tvn), (A.3.22)

enquanto γv esta em U ;

2. As coordenadas de p sao (0, . . . , 0);

3. as componentes da metrica em p sao gij = δij.

A.4 Curvatura

O ultimo topico de elementos de geometria que discutiremos sera a curvatura. Apos isso,

somos capazes de trabalhar com as equacoes em Relatividade Geral.

A.4 Curvatura 159

SeM e uma variedade riemanniana qualquer, o endomorfismo de curvatura (de Riem-

man) e a aplicacao R : T (M)× T (M)× T (M) → T (M) definida por

R(X, Y )Z = ∇Y∇XZ −∇X∇YZ +∇[X,Y ]Z. (A.4.1)

O endomorfismo de curvatura e um campo (13)-tensorial, e dessa forma suas componentes

podem ser expressas com um ındice em cima e tres abaixo. Adotamos como convencao que o

ultimo ındice seja o contravariante. Portanto, em termos de coordenadas (xi), teremos

R = R lijk dx

i ⊗ dxj ⊗ dxk ⊗ ∂l, (A.4.2)

onde os coeficientes sao definidos por

R(∂i, ∂j)∂k = R lijk ∂l. (A.4.3)

Pelo abaixamento do ultimo ındice, definimos entao o campo 4-tensorial covariante, que

chamamos o tensor de curvatura (de Riemman). Sua acao em campos vetoriais e dada

por

Rm(X, Y, Z,W ) = 〈R(X, Y )Z,W 〉 , (A.4.4)

e em coordenadas e escrito como

Rm = Rijkldxi ⊗ dxj ⊗ dxk ⊗ dxl, (A.4.5)

onde Rijkl = glmRm

ijk .

Mostremos agora algumas propriedades de simetria do tensor de curvatura:

1. Rijkl +Rjkil +Rkijl = 0 (primeira identidade de Bianchi):

Exprimindo em funcao dos vetores, temos

0 = 〈R(X, Y )Z, T 〉+ 〈R(Y, Z)X, T 〉+ 〈R(Z,X)Y, T 〉= 〈R(X, Y )Z +R(Y, Z)X +R(Z,X)Y, T 〉 . (A.4.6)

Basta, pois, mostrar que o primeiro termo e nulo. Pela simetria da conexao riemanniana,

R(X, Y )Z +R(Y, Z)X +R(Z,X)Y = ∇Y∇XZ −∇X∇Y Z +∇[X,Y ]Z

+∇Z∇YX −∇Y∇ZX +∇[Y,Z]X +∇X∇ZY −∇Z∇XY +∇[Z,X]Y

= ∇Y [X,Z] +∇Z [Y,X ] +∇X [Z, Y ]−∇[X,Z]Y −∇[Y,X]Z −∇[Z,Y ]X

= [Y, [X,Z]] + [Z, [Y,X ]] + [X, [Z, Y ]] = 0; (A.4.7)

160 Apendice A -- Elementos de Geometria Riemanniana

2. Rijkl = −Rjikl:

Segue direto da definicao A.4.1;

3. Rijkl = −Rijlk

Basta mostrar que Rm(X, Y, Z, Z) = 0. Assim,

Rm(X, Y, Z, Z) =⟨∇Y∇XZ −∇X∇YZ +∇[X,Y ]Z,Z

⟩, (A.4.8)

mas 〈∇Y∇XZ,Z〉 = Y 〈∇XZ,Z〉 − 〈∇XZ,∇YZ〉 e⟨∇[X,Y ]Z,Z

⟩= 1

2[X, Y ] 〈Z,Z〉.

Logo,

Rm(X, Y, Z, Z) = Y 〈∇XZ,Z〉 −X 〈∇Y Z,Z〉+1

2[X, Y ] 〈Z,Z〉

=1

2Y (X 〈Z,Z〉)− 1

2X(Y 〈Z,Z〉) + 1

2[X, Y ] 〈Z,Z〉

= −1

2[X, Y ] 〈Z,Z〉+ 1

2[X, Y ] 〈Z,Z〉

= 0; (A.4.9)

4. Rijkl = Rklij:

Utilizamos o item 1. e escrevemos:

Rm(X, Y, Z, T ) +Rm(Y, Z,X, T ) +Rm(Z,X, Y, T ) = 0,

Rm(Y, Z, T,X) +Rm(Z, T, Y,X) +Rm(T, Y, Z,X) = 0,

Rm(Z, T,X, Y ) +Rm(T,X, Z, Y ) +Rm(X,Z, T, Y ) = 0,

Rm(T,X, Y, Z) +Rm(X, Y, T, Z) +Rm(Y, T,X, Z) = 0.

Somando as equacoes acima, obtemos

2Rm(Z,X, Y, T ) + 2Rm(T, Y, Z,X) = 0, (A.4.10)

e portanto, Rm(Z,X, Y, T ) = Rm(Y, T, Z,X);

5. ∇mRijkl +∇kRijlm +∇lRijmk = 0 (Identidade diferencial de Bianchi):

Basta demonstrar a igualdade em um ponto p ∈ M . Sejam (xi) coordenadas normais

em p, e sejam X, Y, Z, V,W , vetores basicos coordenados ∂i arbitrarios. Temos que as

derivadas covariantes dos vetores se anulam em p, uma vez que Γkij(p) = 0, e [∂i, ∂j ] = 0.

Usando esses fatos e a compatibilidade da conexao com a metrica, temos

∇WRm(Z, V,X, Y ) = ∇W 〈R(Z, V )X, Y 〉 = 〈∇X∇Z∇VX −∇W∇V∇ZX, Y 〉 .(A.4.11)

A.4 Curvatura 161

Escrevendo essa equacao tres vezes, com os campos W,Z, V ciclicamente permutados,

e somando-as,

∇WRm(Z, V,X, Y ) +∇ZRm(V,W,X, Y ) +∇VRm(W,Z,X, Y ) = 〈∇W∇Z∇VX

−∇W∇V∇ZX +∇Z∇V∇WX −∇Z∇W∇VX +∇V∇W∇ZX −∇V∇Z∇WX, Y 〉= 〈R(W,Z)∇VX +R(Z, V )∇WX +R(V,W )∇ZX, Y 〉 = 0, (A.4.12)

onde a ultima igualdade segue porque ∇VX = ∇WX = ∇ZX = 0 em p.

A curvatura de Ricci (ou tensor de Ricci), denotado por Rc, e o tensor 2-covariante

definido como o traco do endomorfismo de curvatura em seu segundo e ultimo ındice. As

componentes de Rc sao usualmente denotdas por Rij, de modo que

Rij ≡ R kikj = gkmRikjm. (A.4.13)

A curvatura escalar e definida como o traco do tensor de Ricci:

R ≡ R ii = gijRij . (A.4.14)

Convem observar que ha muita variacao na literatura com respeito as convencoes de sinais

adotadas nas definicoes do endomorfismo de curvatura de Riemman e do tensor de curvatura.

Procura-se, entretanto, deixar com que os tensores de Ricci e escalar tenham a mesma forma

independente da escolha de sinais para o tensor de curvatura. Assim, se o endomorfismo de

curvatura e tomado com o sinal oposto ao aqui definido, obtemos o tensor de Ricci contraindo

entao o primeiro com o ultimo termo.

Calculemos agora o tensor de curvatura em funcao dos sımbolos de Christoffel. Escolhemos

um sistema de coordenadas (xi). Dessa forma [∂i, ∂j ] = 0 e portanto o endomorfismo de

curvatura sera da forma

R(∂i, ∂k)∂j = ∇k(∇i∂j)−∇i(∇k∂j) = ∇k(Γmij∂m)−∇i(Γ

mjk∂m)

= ∂k(Γmij

)∂m + Γl

ijΓmlk∂m − ∂i

(Γmjk

)∂m − Γl

jkΓmli ∂m. (A.4.15)

Fazendo R(∂i, ∂k)∂j = R mikj ∂m, obtemos

R mikj = ∂k

(Γmij

)+ Γl

ijΓmlk − ∂i

(Γmjk

)− Γl

jkΓmli . (A.4.16)

162 Apendice A -- Elementos de Geometria Riemanniana

Contraindo a equacao acima, encontramos o tensor de Ricci:

Rij = R kikj = ∂k

(Γkij

)− ∂i

(Γkjk

)+ Γl

ijΓklk − Γl

jkΓkli. (A.4.17)

Encerramos entao a discussao dos elementos de geometria. Com esses conceitos estamos

aptos a tratar da teoria da Relatividade Geral.

163

APENDICE B

Grupos de Lie

Um dos componentes essenciais em um fibrado e seu grupo de estrutura. As acoes desse

grupo sobre a fibra que permitem, por um lado, dar consistencia a definicao do fibrado local-

mente, e por outro transladar por elementos distintos da fibra e relaciona-los, o que fisicamente

se traduz como uma escolha de gauge.

Partimos da definicao geral de um grupo para entao definirmos um grupo de Lie. Um

grupo e um conjunto nao-vazio G dotado de uma operacao binaria

G×G→ G

(g, h) 7→ gh (B.0.1)

denominada produto, e de uma operacao unaria G → G (bijetora) denominada inversa,

denotada pelo expoente −1, tais que as seguintes propriedades sao satisfeitas:

1. Associatividade: para todos a, b, c ∈ G vale (ab)c = a(bc);

2. Elemento neutro: existe um elemento e ∈ G, denominado elemento neutro, tal que

ge = eg = g para todo g ∈ G;

3. Inversa: para cada g ∈ G existe um elemento h ∈ G tal que gh = hg = e. Esse

elemento e denominado a inversa de g e denotado por g−1.

Podemos ver facilmente que que o elemento neutro e unico. Se supomos e, e′ ∈ G

dois elementos neutros, encontramos pela definicao que e = ee′ = e′, ou seja, e = e′. A

unicidade da inversa verificamos para o caso de h, h′ ∈ G serem inversas de g ∈ G, entao

h = he = h(gh′) = (hg)h′ = h′.

164 APENDICE B -- Grupos de Lie

Uma variedade suave G e um grupo de Lie se G e um grupo e as aplicacoes

G×G→ G e G→ G

(g, h) 7→ gh g 7→ g−1 (B.0.2)

sao diferenciaveis.

Como exemplos quase triviais de grupos de Lie podemos considerar (Rn,+), ou (S1, ·)com a operacao do grupo eiθ · eiη = ei(θ+η). Outros exemplos, de interesse fısico, sao os

chamados grupos de Lie classicos, que formam quatro famılias de grupos de Lie de matrizes

proximamente relacionados a simetrias de espacos euclideanos. Comecamos com GL(n,R),

o grupo linear geral de matrizes quadradas de ordem n, nao singulares (i.e., com determi-

nante nao-nulo), com elementos em R (ou, similarmente, podemos definir com elementos nos

complexos C ou nos quaternions H, respectivamente GL(n,C) e GL(n,H)). Em geral, se V

e um espaco vetorial de dimensao finita, Aut(V ) denota o grupo de automorfismos lineares

de V . No mais, completamos nossa lista com os seguintes:

(i) SL(n,R) ≡ M ∈ GL(n,R); detM = 1, SL(n,C), SL(n,H) os grupos lineares

especiais;

(ii) O(n) ≡ M ∈ GL(n,R); M tM = I, o grupo ortogonal (M t e a matriz transposta

de M) e SO(n) ≡ O(n) ∩ SL(n,R), o grupo ortogonal especial;

(iii) U(n) ≡ M ∈ GL(n,C); M †M = I, grupo unitario (M † e a matriz transposta-

conjugada de M) e SU(n) ≡ U(n) ∩ SL(n,C) o grupo unitario especial;

(iv) Sp(n) ≡ M ∈ GL(n,H); M †M = I, o grupo simpletico.

Dado um grupo de Lie, podemos associar a ele uma algebra. Uma algebra de Lie g e um

espaco vetorial real munido com uma aplicacao bilinear [ , ] : g × g → g, chamada colchetes

de Lie, satisfazendo as seguintes propriedades:

(i) [X, Y ] = −[X, Y ] (antissimetria),

(ii) [[X, Y ], Z] + [[Y, Z], X ] + [[Z,X ], Y ] = 0 (indentidade de Jacobi)

Dadas duas algebras de Lie g1 e g2, uma aplicacao linear ψ : g1 → g2 e chamada um

homomorfismo de algebras de Lie se [ψ(X), ψ(Y )] = ψ([X, Y ]), para todo X, Y ∈ g1.

Um exemplo basico de uma algebra de Lie sao os espacos vetoriais de matrizes quadradas

n× n sobre R ou C, denotada gl(n,R) e gl(n,C) respectivamente, com [A,B] = AB−BA.

APENDICE B -- Grupos de Lie 165

Como visto, a definicao de uma algebra de Lie e independente e nao faz qualquer mencao

a um grupo de Lie. Para estabelecer a relacao entre os dois, precisamos do conceito de campos

invariantes a esquerda ou a direita.

Para cada g ∈ G, denote Lg e Rg os difeomorfismos de G dados por translacao a esquerda

e a direita, respectivamente. Mais precisamente,

Lg(x) = gx e Rg(x) = xg. (B.0.3)

Seja Lg∗ : TxG → TLg(x)G a aplicacao diferencial induzida pela translacao a esquerda

no espaco tangente a x ∈ G. Um campo vetorial X em G (nao assumido suave a priori) e

dito invariante a esquerda se, para todo g ∈ G, X e Lg-relacionado a a si mesmo, ou seja,

(Lg∗ X) (f) = X(f) Lg. Isso significa que

(Lg∗X)h = Xgh. (B.0.4)

Similarmente, um campo vetorial e dito invariante a direita se, para todo g ∈ G, ele e

Rg-relacionado a si mesmo, Rg∗X = X (usamos aqui uma notacao simplificada). Um campo

vetorial simultaneamente invariante a esquerda e a direita e chamado bi-invariante. Segue

abaixo porque nao precisamos assumir o campo suave:

Lema B.0.1 Campos vetoriais invariantes a esqueda sao suaves.

Demonstracao. Seja X um campo vetorial invariante a esquerda em G. Suponha g ∈ G um

elemento de uma vizinhanca aberta da identidade e ∈ G, e considere a operacao de grupo

ϕ : G×G→ G

(g, h) 7→ gh.

ϕ e suave, e portanto sua diferencial dϕ ≡ ϕ∗ : T (G × G) ' TG × TG → TG, e uma

aplicacao suave. Defina

s : G→ TG× TG

g 7→ (0g, X(e))

onde g 7→ 0g e um vetor nulo de TG. Como X = dϕ s, segue que X e suave.

Relacionamos, pois, um grupo de Lie a uma algebra:

Teorema B.0.2 Seja g o conjunto dos campos vetoriais invariantes a esquerda no grupo de

166 APENDICE B -- Grupos de Lie

Lie G. Entao o seguinte vale:

(i) g e uma algebra de Lie, munida com os colchetes de Lie do campo vetorial.

(ii) Considere o espaco tangente TeG com o colchete definido como segue: se X1, X2 ∈TeG, faca [X1, X2] = [X1, X2]e, onde X

ig = L∗

gXi, e [X1, X2]e e o comutador dos

campos vetoriais X1, X2 tomados em e. Defina a aplicacao ψ : g → TeG como

ψ(X) = Xe. Entao ψ e um isomorfismo de algebras de Lie, onde g e munido com o

colchete de Lie de campos vetoriais e TeG com o colchete definido acima.

Demonstracao. Primeiramente, note que g tem uma estrutura de espaco vetorial real, o

que segue diretamente da linearidade de L∗g. Nao e difıcil ver que o comutador dos campos

vetoriais e mesmo um colchete de Lie, ou seja, antissimetrico e satisfaz a identidade de Jacobi.

O colchete de Lie de campos vetoriais invariantes a esquerda tambem e invariante a esquerda,

(L∗g[X, Y ]

)(f) =

(L∗g(XY − Y X)

)(f) = XY (f Lg)− Y X(f Lg)

= XY (f) Lg − Y X(f) Lg = [X, Y ](f) Lg, (B.0.5)

provando (i).

Para provar (ii), requeremos primeiro que ψ seja injetora. De fato, se ψ(X) = ψ(Y ), para

cada g ∈ G, Xg = L∗g(Xe) = L∗

g(Ye) = Yg. Alem do mais, e tambem sobrejetora, uma vez que

para cada v ∈ TeG, Xg = L∗g(v) e tal que ψ(X) = v e X e claramente invariante a esquerda.

Portanto, ψ e uma bijecao linear entre dois espacos vetoriais reais e assim um isomorfismo. Da

definicao do colchete de Lie em TeG temos [ψ(X), ψ(Y )] = [X, Y ]e = ψ([X, Y ]). Portanto,

ψ e um isomorfismo de algebra de Lie.

Assim, definimos a algebra de Lie de um grupo de Lie G como a algebra de Lie g de

campos vetoriais invariantes a esquerda em G. De acordo com o teorema anterior, g poderia

ser equivalentemente definido como o espaco tangente TeG com o colchete como definido em

(ii).

Agora seja G um grupo de Lie e g a sua algebra. Um homomorfismo de Lie ϕ : R → G e

chamado um subgrupo de 1-parametro de G. A aplicacao exponencial (de Lie) em G e

dada por

exp : g → G

X 7→ λX(1), (B.0.6)

onde λX e o unico subgrupo de 1-parametro de G tal que λ′X(0) = X .

APENDICE B -- Grupos de Lie 167

Listamos a seguir algumas propriedades da aplicacao exponencial:

1. exp(tX) = λX(t);

2. exp(−tX) = exp(tX)−1;

3. exp(t1X + t2X) = exp(t1X) exp(t2X);

4. exp : TeG→ G e suave e d exp0 = id, assim exp e um difeomorfismo de uma vizinhanca

aberta de 0 ∈ TeG sobre uma vizinhanca aberta de e ∈ G.

Para terminar o que nos sera necessario de grupos de Lie, definimos acoes de um grupo:

dado G um grupo de Lie e M uma variedade suave, uma aplicacao suave µ : G×M → M e

chamada uma acao a esquerda de G em M se

(i) µ(e, x) = x, para todo x ∈M ;

(ii) µ(g1, µ(g2, x)) = µ(g1g2, x), para todos g1, g2 ∈ G, x ∈ M .

Definimos acoes a direita de maneira similar.

Dada µ uma acao a esquerda e x ∈ M , o subgrupo Gx ≡ g ∈ G;µ(g, x) = x e

denominado grupo de isotropia ou estabilizador de x e G(x) ≡ µ(g, x); g ∈ G e chamado

a orbita de x ∈M . Em adicao, se ∩x∈MGx = e, a acao e dita efetiva e se Gx = e para

todo x ∈ M ela e dita livre. Por fim, se dados x, y ∈ M existe g ∈ G com µ(g, x) = y, µ e

dita transitiva.

Uma acao e dita propria se a aplicacao

G×M → M ×M

(g, x) 7→ (µ(g, x), x) (B.0.7)

e propria, isso e, a pre-imagem de qualquer conjunto compacto e compacta.

168 APENDICE B -- Grupos de Lie

169

APENDICE C

Formalismo de Palatini em Tetradas

Tratemos aqui do formalismo de Palatini utilizando tetradas, relacionando a liguagem

de fibrados. A variacao se da com respeito a variavel de um campo referencial relevante e

(atraves do qual a metrica e definida) e uma conexao generalizada ω. No entanto, a abordagem

nao lida diretamente com uma conexao derivada do fibrado referencial LM , mas com uma

conexao SO(3, 1) associada ao fibrado SO(3, 1)(M), obtido da reducao do fibrado principal

pela instituicao da metrica

gαβ ≡ eIαeJβηIJ , (C.0.1)

com ηIJ ≡ diag−1, 1, 1, 1, identicamente a que usamos em 6.3.18. Assim como TM pode

ser considerado um fibrado vetorial associado ao fibrado referencial LM(M,GL(4,R)), com a

ajuda do casmpo referencial e, TM tambem pode ser visto como um fibrado vetorial associado

ao fibrado reduzido SO(3, 1)(M), e assim pode-se consistentemente falar de uma derivada

covariante ∇ induzida em TM devido a conexao ω de SO(3, 1)(M), em adicao a derivada

covariante usual ∇, associada a conexao Γ em LM .

Consideremos, pois, a acao

SPT =

d4x det(e)eαI eβJR

IJαβ (ω), (C.0.2)

onde R IJαβ = ηKJR I

αβ K e

R Iαβ K ≡ 2∂[αω

Iβ] K + ω I

α LωL

β K − ω Iβ Jω

Jα K . (C.0.3)

Como ω Iα K toma valores na algebra de Lie do grupo SO(3, 1), necessariamente temos a

relacao

ω Iα K = −ω I

αK , (C.0.4)

ou seja, ω e anti-simetrico em seus ındices da algebra de Lie.

O fibrado vetorial natural associado a SO(3, 1)(M) e SO(3, 1)(M) ×ρ R4, onde ρ e a

170 APENDICE C -- Formalismo de Palatini em Tetradas

representacao quadri-dimensional do grupo de Lorentz. Vetores basicos sao entao denotados

por ξI , onde I e o ındice da algebra de Lie. Cada elemento de cada fibra do fibrado vetorial

SO(3, 1)(M)×ρ R4 pode ser identificado com um ponto correspondente na fibra relacionada

de TM e assim temos um isomorfismo entre os dois espacos, provido pelo campo referencial

e.

M

SO(3,1) x RTM

Ui g

[ ,b]x

44

s(x) s(x)

[ ,c]x

DD

aa

b

c

e

e (x)os

(e )(x)os

Figura C.1–Isomorfismo entre SO(3, 1) e TM .

Se ω induz a relacao da derivada covariante ∇b = c para b = bIξI e c = cJξJ em alguma

fibra de SO(3, 1)(M)×ρ R4, achamos que, dado o isomorfismo

e(ξI) = eεI∂ε, (C.0.5)

requerimentos de consistencia fazem com que a conexao Γ em TM deva ser escrita em termos

de ω como

Γ γα λ = eJλe

γIω

Iα J + ∂α

(eJλ)eγJ , (C.0.6)

ou

ω Kα J = ∂k (e

γJ) e

Kγ + eKγ e

εJ Γ

γα ε. (C.0.7)

Unindo C.0.3 e C.0.6, estabelecemos uma relacao entre os tensores de curvatura R Iαβ K e

R λαβ ε. Partimos de

R λαβ ε = 2∂[αΓ

γβ] ε + Γ λ

β εΓγα λ − Γ λ

α εΓγβ λ, (C.0.8)

APENDICE C -- Formalismo de Palatini em Tetradas 171

com Γcab dado por C.0.6. Entao,

R λαβ ε = ∂α

[eJε e

γIω

Iβ J + ∂β

(eJb)eγJ]− ∂β

[eJε e

γIω

Iα J + ∂α

(eJε)eγJ]

+[

eJε eλIω

Iβ J + ∂β

(eJε)eλJ

] [

eJ′

λ eγI′ω

I′

α J ′ + ∂α

(

eJ′

λ

)

eγJ ′

]

−[

eJε eλIω

Iα J + ∂α

(eJε)eλJ

] [

eJ′

λ eγI′ω

I′

β J ′ + ∂β

(

eJ′

λ

)

eγJ ′

]

= eJε eγI

[∂[αω

Iβ] J + ω L

β JωI

α L − ω Lα Jω

Iβ L

]

= eJε eγIR

Iαβ J . (C.0.9)

Aplicando agora a conexao ∇ em gαβ, encontramos que

∇ρgαβ = ∂ρgαβ − Γ γρ αgβγ − Γ ε

ρ βgαε. (C.0.10)

Invocando C.0.6 e C.0.4, descobrimos entao que

∇ρgαβ = 0 (C.0.11)

para qualquer escolha de ρ, ou seja, ∇ e uma conexao metrica.

Olhemos agora para a acao C.0.2. Efetuando as variacoes com respeito a ω e e, chegamos

a

δeSPT = 0 ⇒[

eαKeγIe

βJ − 1

2eαI e

γKe

βJ

]

R KJγβ = 0, (C.0.12a)

δωSPT = 0 ⇒ ∇α

[

det(e)e[αI e

β]J

]

= 0. (C.0.12b)

A segunda equacao, todavia, pode ser reduzida para

∇[αeKβ] = 0, (C.0.13)

que e justamente a condicao de torcao nula para a conexao Γ. Dessa forma, pela unicidade

dada pelo teorema fundamental da geometria riemmanniana, concluımos que a nossa conexao

Γ e equivalente ao sımbolo de Christoffel Γ. Temos, por fim, que a equacao C.0.12a nos leva

a equacao de Einstein no vacuo,

δeSPT = eγIRαγ − 1

2eαIR = 0 ⇒ Rα

γ − 1

2eIγe

αIR = Gα

γ = 0. (C.0.14)