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formulando para a força

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estratégias nacionaisde trabalho de saúde

formulandopara a força

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121

neste capítulo

122 Construindo confiança e gerenciando expectativas

123 Governança justa e cooperativa

127 Liderança forte

128 Fortalecendo a inteligência estratégica

131 Investindo nas instituições das forças de trabalho

133 Conclusão

O principal objetivo das estratégias da força

de trabalho em saúde é um sistema de

prestação de serviços que possa garantir

acesso universal aos cuidados em saúde

e proteção social a todos os cidadãos de

todos os países. Não existe projeto global

que descreva como chegar lá – cada nação

deve delinear seus próprios planos. Estratégias eficazes da força de trabalho devem

ser combinadas à situação única do país e basear-se num consenso social.

A força de trabalho apresenta um conjunto de problemas inter-relacionados que não podem ser resolvidos rapidamente ou por solução mágica. Os problemas da força de trabalho estão profundamente enraizados nos contextos em modificação, carregados de incerteza e exacerbados pela ausência de informações. O mais importante é que os problemas podem apresentar uma carga emocional em razão de questões de status e podem ser politicamente sensíveis por causa de interesses divergentes. É por isso que as soluções da força de trabalho requerem que todas as partes interessadas estejam engajadas, tanto no diagnóstico de problemas quanto na sua solução.

A chave para isso é mobilizar o compromisso político para lidar com os desafios da força de trabalho. Mas isso é difícil porque é preciso tempo para atingir um impacto em saúde a partir de um investimento

na força de trabalho e estende-se para além dos ciclos das eleições. Trabalhadores descontentes podem paralisar um sistema de saúde, enguiçar a reforma do setor Saúde e, ocasionalmente, até derrubar um governo. Mesmo assim, estratégias de sucesso têm demonstrado que podem energizar a força de trabalho e ganhar o apoio público. O desafio político é aplicar soluções conhecidas, criar novas abordagens, monitorar o progresso e fazer correções no meio do curso.

Os capítulos anteriores centraram-se na solução dos problemas da força de trabalho pela gestão da

capítulo seis

estratégias nacionaisde trabalho de saúde

Stephenie Hollyman/W

HO

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entrada, permanência e da saída. Esses aspectos determinam o desempenho de um sistema de saúde e sua capacidade de enfrentar desafios presentes e futuros.

No entanto, esses problemas não podem ser discutidos em termos gerenciais e técnicos. A perspectiva das pessoas que usam o sistema de cuidados em saúde deve ser também considerada. Suas expectativas não recaem sobre a prestação eficiente de intervenções custo-eficientes direcionadas às populações; elas tratam de obter ajuda e cuidados quando enfrentam um problema de saúde que não podem resolver sozinhas. Na relação entre trabalhadores de saúde individuais e clientes individuais, a confiança é de importância fundamental e requer uma governança justa e regulamentos eficazes para construir e manter – o que por sua vez envolve liderança, inteligência estratégica e a construção de capacidade em instituições, ferramentas e formação. Esses elementos essenciais das estratégias da força de trabalho nacional são o foco deste capítulo.

CONSTRUINDO CONFIANÇA E GERENCIANDO EXPECTATIVASPara o público em geral, o termo “trabalhadores de saúde” evoca a imagem de médicos e enfermeiras. Embora não faça justiça à multidão de pessoas que fazem um sistema de saúde funcionar, isso reflete as expectativas do público: encontrar médicos e enfermeiras bem formados, capacitados – e dignos de confiança –, que os ajudem a ficar bem e que façam o melhor possível para auxiliá-los.

A confiança não é algo automático: ela deve ser produzida e negociada ativamente. “Se ganha lentamente e se perde com rapidez quando as expectativas se frustram”(1). Em muitos países, a instituição médica perdeu sua aura de infalibilidade, imparcialidade e dedicação aos interesses do paciente. Incentivada pelos noticiários da imprensa sobre uma prestação disfuncional de cuidados em saúde, a confiança pública nos trabalhadores de saúde está-se erodindo no mundo industrializado (2) assim como em muitos países em desenvolvimento (3 a 5). As pessoas pobres, em particular, podem demonstrar ceticismo ou cinismo quando falam sobre seu médico, profissional de enfermagem ou parteira: “Preferimos o tratamento doméstico a ir ao hospital, onde um profissional de enfermagem com raiva pode nos injetar com o remédio errado (6)”. A confiança é posta em perigo cada vez que os pacientes não conseguem obter os cuidados de que necessitam ou pagam muito caro pelos cuidados que recebem. Quando os pacientes passam por situações de violência, abuso ou chantagem em instalações de saúde, sua frágil confiança é destruída.

As conseqüências da perda de confiança vão além da relação individual entre usuário e provedor. Uma sociedade que não acredita nos seus trabalhadores de saúde os desencoraja a seguir essa carreira. A erosão da confiança nos trabalhadores de saúde também afeta aqueles que geram e dirigem o sistema de saúde (7). A administração responsável pelo sistema de saúde – governos, instituições de seguros de saúde e organizações profissionais – tem de fazer trocas difíceis, ou seja, decidir entre demandas que competem entre si: o direito de acesso de cada cidadão a produtos e serviços de cuidados em saúde; a necessidade de governar o custo de incorporar esses bens e serviços; e as necessidades dos profissionais e outros recursos humanos que entregam esses bens e serviços. As características do setor Saúde com seu grande número de atores, assimetria de informações e conflitos de interesses o tornam particularmente vulnerável ao abuso do poder constituído para ganho particular (8). O público não mais dá como certo que essas trocas são sempre feitas com justiça e eficácia, e nem os trabalhadores de saúde da linha de frente.

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Estratégia 6.1 Criar e implementar uma estratégia para a força de trabalho que fomente a confiançaO esboço de uma estratégia para a força de trabalho nacional de saúde pode incluir medidas para ativamente produzir e negociar a confiança nos prestadores e nos gestores do sistema de saúde (9, 10). Isso requer medidas explícitas que:

• abordem comportamento pessoal na interação entre prestadores de cuidados e pacientes, entre empregadores e empregados, e entre gestores e instituições (isso requer formação e liderança política, e as organizações da sociedade civil têm um papel primordial);

• estabeleçam práticas de gestão e organizacionais que abram espaço para a capacidade de resposta, o cuidado, a interação interpessoal e o diálogo, e apóie a construção da confiança;

• dê passos visíveis para eliminar a exclusão e proteger os pacientes contra a má gestão e a exploração financeira;

• estabeleça processos de tomada de decisão que sejam vistos como justos e includentes.

GOVERNANÇA JUSTA E COOPERATIVAPara construir e sustentar a confiança e proteger o público de danos, é necessária boa governança e visão eficaz, além da regulamentação justa das operações de instalações de saúde e do bom comportamento dos trabalhadores de saúde. O problema é que, em muitos países, o ambiente regulatório é opaco e disfuncional. É muito comum que fracas organizações profissionais e da sociedade civil com poucos recursos ou pouco poder político existam junto com uma burocracia estatal igualmente fraca que não possui as estruturas, as pessoas e a vontade política para a efetiva regulamentação do setor de cuidados em saúde.

Auto-regulaçãoEm muitos países, as organizações profissionais decidem quem pode prestar cuidados e como os prestadores devem comportar-se. A auto-regulação pode de fato ser eficaz e positiva: as associações profissionais devem tentar promover a ética profissional e os modelos positivos a serem seguidos, sancionar comportamento inadequado e manter a competência técnica de seus membros. A forma como os trabalhadores de saúde equilibram seus próprios interesses e os dos seus pacientes depende em grande medida do que é considerado “bom comportamento profissional” pelos seus professores e pares. As associações profissionais podem desempenhar um papel ativo ao dar forma a essa imagem (Quadro 6.1).

A auto-regulação pelas associações profissionais nem sempre é eficaz, por uma série de razões. Primeiro, diferentemente de médicos e enfermeiras, algumas categorias de trabalhadores de saúde não são organizadas dessa maneira. Segundo, cada categoria profissional tende a ter sua própria organização, o que resulta no desperdício de energia em batalhas sobre limites e em defesa de privilégios profissionais. Terceiro, em contraste com a Europa e as Américas, onde a maioria das organizações profissionais é bem estabelecida e datam de pelo menos 100 anos atrás, quatro entre dez associações em países de baixa renda têm menos de 25 anos de idade (11). Essas organizações mais jovens tendem a ser desprovidas de alguns recursos, não estarem tão bem conectadas politicamente e, o que é crucial, a ter menos autoridade sobre seus membros.

O modelo profissional de auto-regulação também está mostrando sinais de cansaço, porque os empregadores cada vez mais passam por cima dele. Sempre tem

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sido assim quando o Estado é o empregador tradicional dos trabalhadores de saúde, mas em países onde um grande número de trabalhadores de saúde é autônomo, a maioria agora trabalha numa relação empregador-empregado. Como resultado dessa “proletarização” dos trabalhadores de saúde (12), são os empregadores e não as organizações profissionais que exercem a maior influência sobre o comportamento profissional, seja o empregador o Estado, uma organização não-governamental sem fins lucrativos, uma corporação financeira ou uma organização internacional. Essa mudança para o poder do empregador é tão pronunciada que em alguns países os profissionais de saúde começaram a formar sindicatos em reação a desafios impostos pelo empregador à sua autonomia e renda (13). Como resultado disso, as associações profissionais sozinhas não podem mais dizer que oferecem governança coerente; seja no interesse do público, seja no da força de trabalho em saúde como um todo.

“Empurrando com a barriga” e comando-e-controleImpulsionados pela pressão política por acesso universal e proteção financeira, os governos têm desempenhado um papel cada vez mais proeminente no financiamento e na regulação do consumo coletivo dos cuidados em saúde (14). Isso passou por cima da governança autônoma das organizações profissionais, e a auto-regulação tem sido gradualmente substituída por um controle institucional mais elaborado exercido pela administração pública (15).

A forma como esse controle é operado variou de um lugar para outro. Na maioria da Europa e nas Américas, onde uma grande parte da força de trabalho era autônoma ou empregada por instituições particulares, muitos dos esforços regulatórios dos Estados se concentraram em mecanismos de pagamento e em mecanismos de formação e credenciamento para definir o território das várias profissões de saúde. Em face da resistência das associações profissionais à invasão de sua autonomia pelo Estado, o processo de governar os trabalhadores de saúde foi mesmo um processo de “empurrar com a barriga” um conflito de baixa intensidade (16, 17). No entanto, existe uma tradição de regulação negociada que efetivamente formou as capacidades regulatórias do Estado e das organizações de segurança social.

Em muitos países socialistas e em desenvolvimento, onde uma grande proporção de trabalhadores de saúde está a serviço do governo, um tipo mais elaborado de controle institucional substituiu efetivamente a auto-regulação. Nesses países, a

Em 2001, um grupo de associações nacionais de enfermagem, pessoal de enfermagem do governo e reguladores do leste, do centro e do sul da África desenvolveram e publicaram o protótipo de uma estrutura regulatória e um guia para o credenciamento de programas educacionais de enfermagem e obstetrícia. Como resultado, os países da região que já possuíam cadastros começaram a afastar-se do registro vitalício para o licenciamento periódico.

Em Uganda, o escrivão do Conselho de Profissionais de Enfermagem e Obstetrícia recentemente fechou várias escolas de formação em saúde que não atendiam aos padrões necessários. Essas medidas foram tomadas a despeito do fato de que algumas das escolas que foram fechadas e alguns

Quadro 6.1 Oportunidades para a auto-regulação

dos estudantes afetados, tinham conexões poderosas no meio político e no círculo dos altos funcionários públicos.

Em Angola, as associações nacionais de enfermeiras e a Ordem dos Enfermeiros de Portugal estão equipando os distritos com livros-texto de enfermagem.

Na Tailândia, a Associação de Médicos Rurais desempenhou um papel importante ao assegurar o compromisso – e a presença – de médicos em zonas rurais e áreas mal servidas.

O movimento “medicina baseada em evidências” constitui uma outra maneira de auto-regular o comportamento dos prestadores de cuidados em saúde de forma que sirvam aos interesses do público.

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administração pública tende a confiar numa abordagem do tipo comando-e-controle: o uso da hierarquia e das regras administrativas para governar a força de trabalho em saúde. É verdade que uma estrutura de comando-e-controle que funciona bem é uma vantagem no controle de epidemias e na resposta a catástrofes ambientais. Como estratégia para regular e orientar o mercado de cuidados em saúde, no entanto, a abordagem tem suas limitações.

Na pior das hipóteses, quando um sistema de saúde está estruturalmente subfinanciado ou perto do colapso ou quando a legitimidade do Estado é questionada, a abordagem do tipo comando-e-controle simplesmente não funciona. Na melhor das hipóteses, ela está mal adaptada ao que se espera dos sistemas de saúde hoje. Primeiro de tudo, as regras administrativas são um instrumento bastante brusco para dirigir a interação entre o paciente e os prestadores de cuidados – particularmente quando as expectativas do primeiro são crescentes. Em segundo lugar, essa abordagem à formulação de políticas e regulamentação geralmente se centra nos empregados do governo, deixando que os trabalhadores de saúde e as instituições fora do setor público cuidem de si mesmos. Os regulamentos que existem de fato (ex.: proibição de “bicos” na medicina particular) não são ou não podem ser aplicados. O fracasso da abordagem tradicional do tipo comando-e-controle para podar a comercialização não regulada do setor saúde (18) contribuiu grandemente para a erosão da confiança nos prestadores de serviços de saúde e nos sistemas de saúde.

Cães-de-guarda e defensoresAs organizações da sociedade civil que agem em nome dos cidadãos (grupos de defesa do consumidor, ativistas em HIV/Aids etc.) ganharam grande influência no setor Saúde. Essas organizações muitas vezes tiveram um papel importante por um longo período na mobilização de recursos e na melhoria da prestação de cuidados em saúde. Nos últimos anos, elas também encontraram muitos meios de colocar pressão sobre os prestadores de serviços, associações profissionais, burocracias de saúde e instituições (3). Algumas dão aos cidadãos informações que os colocam em uma boa posição quando tiverem de lidar com um prestador de cuidados em saúde. Na França, por exemplo, a imprensa leiga publica uma lista de hospitais classificados pelo desempenho de procedimentos diferentes.

Outros grupos da sociedade civil funcionam como organizações cães-de-guarda para soar o alarme quando os direitos de saúde são negados aos cidadãos ou quando estes são vítimas de discriminação. Em Sierra Leoa, por exemplo, grupos de mulheres fizeram demonstrações nas ruas de Freetown demandando que o governo militar garantisse cuidados de emergência para todas as mulheres grávidas, baseadas em reportagens dos jornais sobre mulheres que haviam morrido após ter sido negado a elas tratamento pelo qual não podiam pagar. Em muitos países, grupos da sociedade civil contribuem com o estabelecimento de prioridades pela sua participação nos processos de planejamento, como em Bangladesh (19), ou fazendo verificações e balanços do orçamento do governo, como no México (20).

Os movimentos de defesa do consumidor estão ganhando força porque podem forçar o funcionamento de mecanismos para proteger as pessoas da exclusão, de cuidados de má qualidade, da medicalização excessiva e de gastos catastróficos. Eles também podem assegurar que sejam adotados procedimentos que dêem às pessoas a possibilidade de reparar danos. É claro que um grande número de pessoas atualmente não tem essa proteção. Por exemplo, ao contrário dos países industrializados, a regulamentação de taxas cobradas pelas instituições particulares ou por prestadores de serviços de saúde autônomos é quase não existente na maioria dos países em

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desenvolvimento. Mesmo onde esses regulamentos existem, os governos podem ter grandes problemas para aplicá-los (21). Existem três resultados: primeiro, a cada ano, aproximadamente 44 milhões de famílias no mundo todo enfrentam despesas de saúde catastróficas (22); em segundo lugar, um número muito maior de pessoas é excluído do acesso à saúde; e terceiro, essa situação favorece o excesso de medicalização induzido pela oferta (23). Um exemplo disso é a alta incidência de cirurgias cesarianas no mundo todo (24). Num único país, as mães que possuem os meios financeiros podem ser sujeitas a uma intervenção cirúrgica desnecessária e potencialmente perigosa enquanto o mesmo procedimento é negado a outra que precisa dele para salvar sua vida ou a do seu bebê, mas que não pode mobilizar os fundos necessários para isso.

Um modelo para uma governança eficazNenhum dos modelos descritos anteriormente – auto-regulação de associações profissionais, abordagem do tipo comando-e-controle dos reguladores institucionais, e defesa da sociedade civil – é suficiente por si só para regular o comportamento dos trabalhadores de saúde e das instituições. Em vez de confiar em um único monopólio regulatório, as estratégias da força de trabalho nacional de saúde insistem na governança cooperativa. As regulamentações resultantes da participação dos três grupos, assim como das instituições que prestam cuidados em saúde e da força de trabalho, provavelmente gerarão maior confiança e cooperação.

Estratégia 6.2 Assegurar a governança cooperativa das políticas nacionais para a força de trabalhoPara garantir a segurança pública e a boa governança dos prestadores de cuidados em saúde, a construção da capacidade requer investimentos na arquitetura regulatória geral delineada na Figura 6.1. Esforços simultâneos são necessários para reforçar as contribuições potenciais do Estado e das instituições de seguro social, assim como das organizações profissionais e da sociedade civil. Isso significa que, junto com a criação de órgãos técnicos específicos para o licenciamento, o credenciamento e assim por diante, devem ser estabelecidos fóruns que permitam a interação entre esses vários grupos, o que por sua vez implica o reconhecimento e o apoio, incluindo financeiro, das suas contribuições (19). Os ministérios da saúde podem estar relutantes em fortalecer as próprias instituições que agem como verificadores e equilibradores do seu próprio trabalho, mas no final das contas é do seu próprio interesse ter um sistema forte de diálogo e cooperação.

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LIDERANÇA FORTEComo a força de trabalho em saúde é um domínio em que há muitos interesses em conflito, a formulação de políticas não pode ser exclusivamente consensual e às vezes tem de haver a possibilidade de arbitragem. Sem uma liderança forte, as políticas nacionais tendem a patinar numa combinação de soluções circunstanciais, muitas das quais se centram na defesa de interesses de certas categorias profissionais e criam seus próprios problemas. A liderança nacional é necessária para iniciar o processo, pressionar por avanços, engajar as principais partes interessadas (trabalhadores, governo e sociedade civil), promover os papéis sinérgicos de cada um e encorajá-los a adotar uma abordagem de parceria.

A responsabilidade dessa liderança pertence às autoridades públicas: formuladores de políticas e gestores dos setores público e parapúblico. Nos últimos anos, entretanto, pouco ou nenhum investimento foi feito em liderança no setor público. Em um ambiente de ceticismo generalizado quanto ao setor público e ao envolvimento do Estado, as funções administrativas têm sofrido com o estrangulamento dos impedimentos macroeconômicos sobre o desenvolvimento do setor público, junto com outras funções de saúde pública, se não mais que elas.

A necessidade de capacidades de administração e intendência é talvez mais óbvia em situações extremas, como a reconstrução pós-conflito no Afeganistão

Organizações pro�ssionais:

auto-regulação da entradae regras de mercado por meio de códigos de ética, sanções, treinamento, modelos a seguir

Reguladores Institucionais:

Medidas administrativas,mecanismos de �nanciamentocontratação e contratos geridos pelo Estado segurode saúde social ou instituições

Organizações da sociedade civil:

Comportamento das instituições prestadoras de cuidados em saúde e dos trabalhadores de saúde

proteção dos interesses dos cidadãos por meio do empowerment dos usuários, funcionamento como

cães-de-guarda e estabelecimento de agenda de políticas

Figura 6.1 Organizações que exercem influência sobre o comportamento dos trabalhadores de saúde e das instituições de saúde

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ou na República Democrática do Congo. Isso também fica evidente em muitos países estáveis, em que as abordagens setoriais ou as estratégias de redução da pobreza fracassam por não serem desempenhadas de acordo com o esperado em razão da ausência de capacidade de liderança, ou em que a comercialização não regulamentada do setor saúde está minando o desempenho da força de trabalho e do sistema de saúde.

A liderança também é crucial para lidar com interesses juridicamente garantidos que competem entre si, e para obter endosso político de alto nível das estratégias da força de trabalho em saúde. O trabalho da “equipe de mudança” que levou as reformas de saúde à Colômbia no início dos anos 1990 exemplifica algumas das capacidades táticas que são cruciais ao sucesso da reforma (25). Num estágio inicial, a equipe fez um controle rigoroso do acesso ao processo de tomada de decisões e desviou a atenção das reformas de saúde por meio da inclusão de propostas em uma reforma mais ampla da seguridade social, cujo principal foco recaía sobre as pensões. Contudo, a equipe entendeu a necessidade de permitir que certas vozes, como as dos senadores, fossem ouvidas. No seu trabalho com grupos que patrocinaram mudanças, sua atenção concentrou-se no desenvolvimento de novas instituições, como, por exemplo, novas agências de seguro, que fariam parte do novo sistema. A reforma das velhas instituições, que seria claramente difícil, foi tratada numa fase posterior.

O desenvolvimento de habilidades de liderança depende das estruturas de liderança e de capacidades táticas. A ausência de ambas é reconhecida. O problema é que a maioria das pessoas está inclinada a acreditar que o know-how político é uma qualidade nata e, portanto, não se presta à construção de capacidade. Aqueles que tentaram desenvolver cursos de formação para liderança muitas vezes chegaram à conclusão desencantadora de que não fizeram muitos avanços. Existem poucas evidências empíricas sobre o que pode ser feito, se é que algo pode ser feito. Entrevistas com formuladores de políticas públicas, entretanto, mostram que as capacidades táticas individuais são construídas por meio de tutoria e orientação, particularmente em projetos estruturados, enquanto a influência mais forte sobre a criação de estruturas de liderança vem do compartilhamento organizado de conhecimentos e experiências com outros países. Tutoria, orientação e intercâmbio entre países são ferramentas de construção de capacidade menos simples do que a formação, mas podem ser organizadas. Se isso pudesse ser feito de forma eficaz e em grande escala, ajudaria a remover um dos principais impedimentos ao desenvolvimento do trabalhador de saúde – a ausência de pessoas e de estruturas para oferecer liderança em políticas, mesmo em países frágeis ou pobres de recursos.

FORTALECENDO A INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICANum número muito grande de casos, as informações sobre a força de trabalho em saúde disponíveis para os tomadores de decisões nacionais são extremamente fracas. Muitos ministérios da saúde, por exemplo, se não a maioria, não sabem quantos profissionais de saúde existem no país, muito menos como estão distribuídos. O fato de as principais partes interessadas terem tão pouco conhecimento da sua própria situação enfatiza a falta de conexão entre a agudeza dos problemas dos recursos humanos e uma resposta coerente em termos de políticas públicas.

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Estratégia 6.3 Obter melhor inteligência sobre a força de trabalho em saúde em situações de âmbito nacionalPara um melhor entendimento dos problemas da força de trabalho em saúde, é necessário um trabalho sistemático em quatro áreas: o tamanho e a natureza do problema no contexto nacional específico; o que está sendo feito e o que pode ser feito; as políticas nacionais em torno da questão; e as reações potenciais dos trabalhadores de saúde e das instituições que os empregam.

Tamanho e natureza do problema nacional da força de trabalhoNa maioria dos países, essa informação é, na melhor das hipóteses, incompleta. Entre outros países, Malawi recentemente demonstrou que um entendimento adequado da natureza dos problemas dos trabalhadores de saúde locais pode ajudar a executar um salto quantitativo na formulação de políticas e estratégias mais coerentes (26). Informações exatas sobre a demografia médica, déficits numéricos e excesso de oferta são essenciais, mas também existe a necessidade de cobrir o leque de problemas relacionados à entrada, à permanência e à saída da força de trabalho, bem como ao desempenho e à confiança; existe a necessidade de cobrir o leque completo de trabalhadores de saúde, não meramente médicos e enfermeiros, e não meramente o setor público; e existe a necessidade de olhar para o que há no campo e para as expectativas do pessoal e do público, à luz da presente crise e dos desafios futuros.

Ações executadas e demais opçõesEssa é uma área em que menos ainda está sendo feito do que na documentação da magnitude e dos determinantes dos problemas da força de trabalho em saúde. Muito se pode aprender com a inovação e a solução de problemas que acontecem no nível mais básico e escapa à atenção dos formuladores de políticas. Para avaliar ações e opções são necessárias habilidades específicas e uma abordagem sistemática e institucional que envolva a manutenção de inventários, o monitoramento, a avaliação, a documentação e o intercâmbio. Muito se pode aprender também com as experiências de outros países, e a avaliação tem que ser realizada de forma sistemática com avaliação metódica, compartilhamento e intercâmbio.

Políticas nacionais em torno da força de trabalho em saúdePara construir uma estratégia executável por meio da mudança de uma situação disfuncional, muitas vezes é útil entender as forças que criaram essa situação em primeiro lugar. De outro modo, existe um risco real de tornar uma situação ruim ainda pior. Muito da rigidez que caracteriza a força de trabalho do setor público, por exemplo, vem de tentativas de proteger a força de trabalho da interferência política: políticas mal pensadas para criar flexibilidade podem introduzir oportunidades para discriminação e favoritismo, além de mau-funcionamento. Para usar outro exemplo, se o motivo para uma gestão de recursos humanos excessivamente centralizada é uma experiência insuficiente em gestão ou uma ausência de mecanismos de responsabilização em níveis mais descentralizados, então a rápida descentralização administrativa pode não ser uma escolha sábia.

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Observatórios nacionais de recursos humanos para a saúde foram estabelecidos em 22 países a partir de 1998 como parte de uma iniciativa da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), o Escritório Regional da OMS nas Américas, para contrabalançar a negligência com as questões da força de trabalho em saúde na América Latina durante os anos 80 e início dos anos 1990. A OPAS estabeleceu um Observatório de Recursos humanos em Saúde para ligar esses observatórios nacionais. Estes ajudaram a elevar o perfil da agenda da força de trabalho em saúde, melhorar a base de informações e fortalecer a administração do setor saúde (32). Os observatórios oferecem continuidade em cenários nos quais pode haver uma rotatividade significativa de tomadores de decisões e políticas. A característica comum entre eles é a participação de múltiplas partes interessadas, envolvendo universidades, ministérios de saúde, associações profissionais, prestadores corporativos, sindicatos e representantes de usuários.

Os arranjos institucionais, no entanto, são específicos para cada país. O Observatório Brasileiro (33) oferece várias lições importantes sobre a construção de capacidade interativa estatal–não-estatal, que consiste de uma rede de institutos universitários, centros de pesquisa e um escritório federal que lida com recursos humanos para a saúde. Existem 13 “nós” ou “estações de trabalho” na rede, coordenados por uma secretaria cujos funcionários são oriundos do Ministério da Saúde e do escritório da OPAS em Brasília (http://www.observarh.org.br/observarh/Rede%20ObservaRH_page2.htm). Desde 1999, o trabalho do conjunto de observatórios tem sido contribuir e informar sobre o desenvolvimento, a regulamentação e a gestão dos recursos humanos no setor saúde e áreas correlatas de políticas.

Quadro 6.2 Observatórios de recursos humanos para a saúde na América Latina

Foram produzidas muitas informações e trabalhos analíticos valiosos, e suas capacidades se desenvolveram consideravelmente. Ele acrescentou às redes informais existentes – em que os gestores e os acadêmicos eram motivados por interesse profissional na investigação da relevância do planejamento – gestão e formação em recursos humanos para o setor saúde. Muito do sucesso e da resiliência da rede podem ser atribuídos ao foco inicial no conteúdo, bem como ao seu estilo de trabalho. O foco no conteúdo permitiu que os membros da rede construíssem suas capacidades técnicas e profissionais num espírito de independência intelectual e autonomia que continua a caracterizar as interações até hoje. O estilo de trabalho é caracterizado pela flexibilidade, pela criatividade, pelo pragmatismo, pela inventividade e pelo espírito de empreendimento. A combinação da busca de excelência técnica com a colaboração informal resultou no aprendizado do grupo e em idéias compartilhadas consolidadas.

Com esse princípio, as redes foram formalizadas e institucionalizadas no final dos anos 1990. Esse movimento aumentou ainda mais a produtividade, em grande parte intensificando intercâmbios nacionais e internacionais com a ajuda de várias personalidades no Brasil e em outros países.

O Observatório Brasileiro mostra que o estabelecimento informal de redes de comunicação pode desenvolver-se para estruturas mais formais que geram produtos e resultados concretos. Existem na rede demandas para a intensificação de intercâmbios de conteúdo e relevância das políticas e para a introdução de mecanismos de monitoramento e avaliação que assegurem a qualidade e a relevância dos seus produtos.

Reações dos trabalhadores de saúde e dos seus empregadoresAs boas intenções dos formuladores de políticas quando criam estruturas, processos e programas de reforma de sistemas de saúde são muitas vezes minadas pelo fracasso em considerar qual será a possível reação dos trabalhadores de saúde. É de particular importância entender as razões para mudarem sua resistência. Por exemplo, seria de se esperar que os funcionários de um sistema centralizado recebessem bem o aumento de autonomia que advém da descentralização. Em Uganda e no Zimbábue, entretanto, a descentralização foi percebida como uma ameaça à segurança no emprego e trouxe preocupações de que as políticas étnicas governariam tanto o recrutamento quanto os funcionários (27, 28). Onde os serviços públicos são diminuídos ou transferidos para o setor privado, os trabalhadores de saúde podem experimentar o estresse triplo do medo da perda do emprego, medo do fracasso de conseguir um emprego alternativo, e medo do crescimento da carga de trabalho (29). Em outras situações, os trabalhadores de saúde podem resistir à mudança porque se sentem desconfortáveis com o aumento de responsabilidade associado às reformas propostas. É possível evitar muitos desses problemas por meio de um entendimento melhor das reações das diferentes partes interessadas. O diálogo informal faz um grande trabalho ao tentar alcançar esse entendimento, mas também é possível organizar exercícios mais sistemáticos para apreciar as reações potenciais (30).

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INVESTINDO NAS INSTITUIÇÕES DAS FORÇAS DE TRABALHOQuando os governos têm pouca capacidade para a criação de políticas, grupos de interesse apropriam-se facilmente das medidas regulatórias. A formulação de políticas torna-se então ineficaz na melhor das hipóteses e contraproducente na pior delas. Alguns países conseguiram bons resultados: o plano de recursos humanos do Malawi é um exemplo ( Quadro 2.2). Nos últimos anos, no entanto, a maioria dos países não fez investimentos adequados no desenvolvimento da formulação de políticas públicas e de capacidades regulatórias. Com efeito, durante os anos 1990 um número considerável de departamentos de saúdes em ministérios de saúde ao redor do mundo caiu vítima do processo de diminuição e de racionalização do setor público.

A construção ou reconstrução das capacidades de um país para a formulação de políticas públicas para a prestação de cuidados em saúde requer muito mais do que meramente ferramentas e formação: existe uma hierarquia de ferramentas, pessoas e estruturas (31). Sem os formuladores de políticas públicas e os gestores que podem interpretar e contextualizar o resultado das ferramentas de custeio e orçamentária, tornar essas ferramentas disponíveis e formar pessoal para implementá-las terá pouca utilidade. Ao mesmo tempo, sem as instituições, as estruturas e os comitês que têm a autoridade para tomar decisões, gestores e formuladores de políticas não têm meios de transformar exercícios intelectuais em fatos políticos.

Instituições nacionais da força de trabalho em saúde são necessárias para construir a confiança do público, facilitar a governança justa e cooperativa, produzir líderes fortes e reunir inteligência estratégica. Essas razões deveriam ser suficientes para justificar o seu financiamento, mas, na realidade, não é fácil para os formuladores de políticas venderem a idéia de que essas instituições precisam ser construídas e fortalecidas somente por causa da perspectiva a longo prazo e a ausência de visibilidade em questões como retorno do investimento.

Uma vez que investimentos em formação ou ferramentas são aceitos com maior facilidade e já que quantias significativas de financiamento estão sendo direcionadas para a formação, o caminho é provavelmente ligá-los diretamente à construção de instituições. A chave é identificar áreas específicas onde as insuficiências são maiores e onde esforços institucionais distintos podem render resultados concretos.

Alguns desses esforços já foram discutidos nas seções anteriores deste capítulo: construir capacidade para a regulação; estruturas de liderança e capacidades táticas; e informações estratégicas sobre indicadores centrais. Duas outras áreas que merecem destaque são aprender com inovações no micronível e com construção e planejamento de cenários. Ambos são explorados a seguir e podem ser mais bem organizados com a criação dos observatórios nacionais da força de trabalho em saúde (Quadro 6.2) ou ligando departamentos do ministério da saúde, instituições acadêmicas e organizações não-governamentais em redes de aprendizado e comunidades de prática.

Aprendendo com as microinovaçõesTalvez nenhuma área tenha demonstrado tanta criatividade na solução de problemas e inovação no micronível do que a da força de trabalho em saúde. Muitos exemplos foram mencionados em todo este relatório. A idéia é aprender com essas inovações, encorajando o que funciona e desencorajando o que não funciona. Para fazer essas avaliações, são necessárias habilidades

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específicas e uma abordagem sistemática e institucional que envolva inventários, monitoramento, avaliação, documentação e intercâmbio.

Uma avaliação precisa é necessária para que se decidam quais ações merecem inclusão numa estratégia nacional para trabalhadores de saúde: elas devem ser custo-eficientes, gerar resultados rápidos, corrigir atuais distorções e evitar uma maior deterioração dos serviços de saúde (34). Uma dessas inovações foi uma solução que preencheu a lacuna da falta de médicos em uma área de Moçambique, onde técnicos de cirurgia, uma espécie de funcionário médico-auxiliar, receberam formação em técnicas cirúrgicas. Os excelentes resultados levaram os formuladores de políticas a generalizar a experiência, e hoje, os técnicos de cirurgia são uma característica de hospitais distritais de todo o país (35).

Construção e planejamento de cenáriosA construção e o planejamento de cenários, essenciais para determinar orientações de longo prazo, também requerem capacidades que se prestem a uma abordagem institucional. Estratégias nacionais têm de fazer escolhas fundamentais que definem como a futura força de trabalho se parecerá e como ela se relacionará com os sistemas de valores da sociedade na qual ela opera. As demandas impostas aos trabalhadores de saúde estão mudando rapidamente, e só se pode especular quais serão essas demandas no futuro, mas a era dos profissionais oniscientes que trabalham sozinhos está definitivamente no passado. A prestação de cuidados em saúde no futuro ampara-se no trabalho em equipe, com técnicas que se sobrepõem e se complementam e constantemente se adaptam a rápidas mudanças da sociedade e da tecnologia. Ao mesmo tempo, a equipe de cuidados em saúde será instada a estar mais próxima dos seus clientes, com um ponto de contato ao estilo do médico de família, que funciona como um ponto de distribuição para a equipe e como a interface entre os clientes e o sistema de saúde. O modelo de profissões de saúde separadas e independentes estará logo ultrapassado.

Mais do que um problema de planejamento, a preparação para essas mudanças é uma questão de organizar uma ampla discussão sobre direitos e cenários para o futuro. Essas discussões podem surgir do movimento da sociedade civil, como na Tailândia (36); de autoridades locais, como no Oregon, nos Estados Unidos (37); ou do estabelecimento de saúde pública, como na Nova Zelândia ou nos Países Baixos (38, 39). Debates sobre cenários para o futuro têm de levar em conta o espectro de impulsos que dão forma à força de trabalho, incluindo necessidades de saúde em mutação, tendências demográficas, como o envelhecimento, expectativas dos consumidores, crescimento dos serviços particulares de saúde e o mercado de trabalho global para os trabalhadores de saúde (ver Figura 2 na Visão Geral deste relatório). Em termos de conteúdo, os futuros cenários provavelmente irão focar as tensões entre a comercialização de um lado, e o acesso universal e a proteção social do outro, e entre uma orientação tecnocrática com relação à doença e demandas sociais para uma abordagem mais centrada no paciente.

É o processo que é de vital importância. Da mesma forma que a governança justa requer cooperação, o planejamento para o futuro também. A experiência ganha em debates para o estabelecimento de prioridades mostra que a legitimidade das escolhas que são feitas é menos uma função do que é de fato decidido do que uma percepção da justiça do procedimento (40). Se a forma como as decisões são tomadas for inclusiva e transparente, o apoio da sociedade será natural. Existe uma clara associação entre a intensidade do diálogo com múltiplas partes interessadas e a força e a sustentabilidade das escolhas de políticas (30, 41). O fracasso em ser inclusivo significa que as oportunidades são perdidas e a resistência e o ressentimento crescem.

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CONCLUSÃOAs estratégias nacionais da força de trabalho em saúde devem se deslocar para além do salário e da formação no setor público e englobar estratégias para o ciclo de trabalho completo da entrada–permanência–saída tanto no setor público como no privado. O desenvolvimento da força de trabalho é um exercício tanto técnico quanto político, que requer a construção de confiança entre as partes interessadas e a ligação das expectativas das pessoas ao desempenho do trabalhador de saúde.

Seja em Estados frágeis, que se focam nas perspectivas a curto e a médio prazo, ou em países mais estáveis, que se focam nas estratégias a longo prazo que comandam mais recursos, a qualidade e o sucesso da formulação de políticas e da regulamentação depende primeiramente da inclusão das principais partes interessadas. Também cruciais são a disponibilidade de pessoas e recursos para executar o trabalho de formulação da política e a capacidade de basear a política em um entendimento adequado da natureza dos problemas.

Todas as estratégias de todos os países devem priorizar as ações a seguir:• Construir estratégias nacionais a partir de pontos de ação concretos que

cubram a gestão da entrada, a permanência e a saída, bem como construir ou reconstruir confiança; gestão do ambiente regulatório por múltiplas partes interessadas; e capacidades de liderança.

• Prestar atenção ao processo. As escolhas a serem feitas podem ser difíceis e controversas: é essencial assegurar justiça processual sendo includente e transparente, mas com a coragem de arbitrar quando interesses juridicamente garantidos estiverem tomando o controle.

• Fortalecer a inteligência estratégica, focando: (i) o entendimento do tamanho e da natureza dos problemas da força de trabalho em saúde; (ii) a avaliação do que está sendo feito e determinar o que pode ser feito; (iii) a identificação dos impulsos políticos que levaram à situação atual; e (iv) o entendimento dos pontos de vista dos trabalhadores e antecipar suas possíveis reações a mudanças.

• Construir a capacidade institucional da força de trabalho em saúde do país, com foco sobre regulamentação, liderança e informações estratégicas, incluindo: (i) a análise e a avaliação das microinovações; e (ii) a construção e o planejamento de cenários para o futuro.

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formulando estratégias nacionais para a força de trabalho em saúde