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A educação dos golpistas: cultura militar, influência francesa e golpe de 1964 João Roberto Martins Filho Universidade Federal de São Carlos As aulas começaram no dia 31 de agosto de 1962, na sala do cinema do prédio do Estado-Maior do Exército (EME), no Rio de Janeiro. A partir daí, ocorreriam sempre às segundas, quartas e sextas-feiras, com início às 13 hs (no total, vinte e duas sessões de cinqüenta minutos). Dispensava-se a túnica, mas a freqüência era obrigatória. Havia um diretor, o general Aurélio Alves Ferreira, um instrutor chefe, o coronel Mário de Barros Cavalcanti e três instrutores, um tenente-coronel e dois majores (dos quais um parece ter sido promovido no decorrer do curso). O público-alvo eram sessenta oficiais das cinco seções do EME, vinte outros das quatro diretorias do Exército, além de cinco oficiais da Marinha e cinco da Força Aérea. Com algumas mudanças, as apresentações se basearam no currículo do Primeiro Curso de Guerra Contra-Revolucionária, que três oficiais brasileiros assistiram na Argentina no ano anterior. 1 Pouco mais de seis meses antes, o chefe do EME, general Humberto de Alencar Castello Branco, em palestra destinada a lançar simbolicamente a nova programação, explicou que esta foi resultado de decisão tomada pelo Estado-Maior do Exército, alguns meses atrás, no sentido de que todos os estabelecimentos de ensino daquela força promovessem um novo currículo que tratasse de “questões ideológicas, Guerra Revolucionária e outros problemas correlatos”. Na verdade, o estágio deveria ter sido realizado em 1961, mas, como lembrou o próprio general Castello Branco, o Exército sofria “ainda de conseqüências da última crise política”. Referia-se ao episódio da renúncia de Jânio Quadros, em fins de agosto de 1961, que desnorteou a corrente militar anticomunista e atrasou um pouco os planos do EME. De 1 Não há detalhes nas publicações brasileiras sobre a data do curso. No entanto, o pesquisador argentino Ernesto López, em sua excelente história das doutrinas militares daquele país, esclarece em nota de rodapé que o referido curso “com a participação de 14 países latino-americanos realizou-se em Buenos Aires em outubro de 1961”. Ver Seguridad nacional y sedición militar, Buenos Aires, Legaz, 1988, p.154. 1

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"A educao dos golpistas: as idias que faziam cabea dos mili

A educao dos golpistas: cultura militar, influncia francesa e golpe de 1964

Joo Roberto Martins Filho

Universidade Federal de So Carlos

As aulas comearam no dia 31 de agosto de 1962, na sala do cinema do prdio do Estado-Maior do Exrcito (EME), no Rio de Janeiro. A partir da, ocorreriam sempre s segundas, quartas e sextas-feiras, com incio s 13 hs (no total, vinte e duas sesses de cinqenta minutos). Dispensava-se a tnica, mas a freqncia era obrigatria. Havia um diretor, o general Aurlio Alves Ferreira, um instrutor chefe, o coronel Mrio de Barros Cavalcanti e trs instrutores, um tenente-coronel e dois majores (dos quais um parece ter sido promovido no decorrer do curso). O pblico-alvo eram sessenta oficiais das cinco sees do EME, vinte outros das quatro diretorias do Exrcito, alm de cinco oficiais da Marinha e cinco da Fora Area. Com algumas mudanas, as apresentaes se basearam no currculo do Primeiro Curso de Guerra Contra-Revolucionria, que trs oficiais brasileiros assistiram na Argentina no ano anterior. Pouco mais de seis meses antes, o chefe do EME, general Humberto de Alencar Castello Branco, em palestra destinada a lanar simbolicamente a nova programao, explicou que esta foi resultado de deciso tomada pelo Estado-Maior do Exrcito, alguns meses atrs, no sentido de que todos os estabelecimentos de ensino daquela fora promovessem um novo currculo que tratasse de questes ideolgicas, Guerra Revolucionria e outros problemas correlatos. Na verdade, o estgio deveria ter sido realizado em 1961, mas, como lembrou o prprio general Castello Branco, o Exrcito sofria ainda de conseqncias da ltima crise poltica. Referia-se ao episdio da renncia de Jnio Quadros, em fins de agosto de 1961, que desnorteou a corrente militar anticomunista e atrasou um pouco os planos do EME. De todo modo, no segundo semestre de 1962, o curso podia comear, com o objetivo de esclarecer, orientar e recomendar aspectos da conduta militar na atual conjuntura brasileira. Para tanto, era fundamental e indispensvel entender a Guerra Revolucionria em curso no Brasil e no mundo.

Encerrado a 5 de novembro do mesmo ano, o ciclo marcou o incio de um novo programa e, ao mesmo tempo, a consolidao de algo que comeara alguns anos antes. Trata-se da recepo, no interior das Foras Armadas brasileiras, de uma doutrina militar que ajudou de forma decisiva a preparar o golpe de 1964 e, depois do golpe, teve efeitos importantes nas prticas da ditadura militar. Neste artigo nos restringiremos aos anos 1959-1964. Procuraremos mostrar como, ento, o meio castrense principalmente a corrente anticomunista - foi capaz de desenvolver suas prprias doutrinas com surpreendente desenvoltura, criando uma cultura militar que vigoraria por mais de duas dcadas. Para aprofundar o estudo dessas idias, porm, preciso enfrentar j de incio a concepo amplamente aceita de que o iderio militar do pr-golpe alimentou-se fundamentalmente da doutrina da segurana nacional originria dos Estados Unidos.

Comblin e o poder militar na Amrica Latina

O exemplo mais acabado dessa tese o livro do padre e professor de Teologia em Harvard, Joseph Comblin - A ideologia da segurana nacional. Publicado originalmente em francs, em 1977, e logo depois traduzido para o portugus, este tinha como alvo o papel dos EUA na implantao das polticas repressivas em vigor no Cone Sul. No entanto, no legtimo af de mostrar as trgicas conseqncias das polticas de projeo de poder norte-americanas, Comblin construiu uma narrativa que acaba por simplificar em demasia a questo dos influxos doutrinrios que alimentaram os golpes do Cone Sul (Brasil, 1964; Argentina, 1966 e 1976 e Uruguai, 1973).

Nesse sentido, aqui e ali, Comblin toca na existncia de doutrinas francesas nas escolas militares de comando do Cone Sul. No entanto, logo no incio, aps mencionar a publicao na Argentina, no incio dos anos 70, dos principais escritos dos oficiais que teorizaram sobre a guerra da Arglia, ele deixa de lado essa questo e passa sua tese central: incontestvel - afirma - que a doutrina que inspirou os golpes militares vem diretamente dos Estados Unidos. nos Estados Unidos que os oficiais dos exrcitos aliados aos EUA aprendem-na. No decorrer do livro, fica claro que para Comblin o processo histrico de construo da mentalidade ditatorial basicamente simples. Para ele, os chefes militares latino-americanos no tinham e nem precisavam ter - idia do tipo de sociedade e de governo que iriam fundar, e sequer sabiam que iriam criar um novo regime. O que importava eram os processos objetivos, vale dizer, a coeso e a fora dos fatores histricos que estavam em ao, a coeso e a fora do modelo de segurana nacional, que se realiza, de certo modo, por si mesmo, graas a seu dinamismo interno: utiliza os generais e seus conselheiros civis e os leva a fazer coisas com as quais jamais haviam sonhado. Nessa mecnica, toda a fora do sistema forjado nos Estados Unidos entra em ao. Desnecessrio dizer que tal explicao dispensa o estudo dos processos internos de construo da mentalidade militar. Na verdade, na viso de Comblin, a direita latino-americana aparece como uma simples marionete ideolgica, sem histria poltica ou capacidade de gerar seus prprios mitos, doutrinas ou ideologias. Nas palavras desse autor: H certamente uma doutrina muito rgida que vem dos Estados Unidos e transmitida quase sem modificaes nas escolas de segurana nacional da Amrica Latina.

Vrios analistas perceberam os problemas colocados por essa perspectiva. Assim, para Carina Perelli, nela as Foras Armadas nativas aparecem como um rob armado, seguindo cegamente as ordens originrias de um centro de poder em Washington, DC. J para Ernesto Lpez, A DSN convertida, por essa via, num produto parecido s roupas que se vendem nas lojas: um modelo do qual o Brasil usaria, por exemplo, o tamanho 44, a Argentina o 42, o Chile o 40, etc. Por outro lado, a tese de Comblin parecia a mais lgica e natural. Como salientou um sofisticado historiador das idias militares, o centro do pensamento militar tende normalmente a seguir o centro do poder militar

Nada mais natural, assim, que os EUA fossem o plo de difuso da nova doutrina militar. Contudo, h alguns problemas bsicos nesse tipo de explicao. Em primeiro lugar, ele parte de uma definio excessivamente genrica do iderio da segurana nacional, tanto na forma como foi construdo nos Estados Unidos, no incio da guerra fria, como na que tomou nas escolas de guerra de pases como Brasil e Argentina. Alm disso, essa anlise tende a perder especificidades nacionais dos processos de construo do golpismo militar, que teriam conseqncias importantes na prpria configurao das ditaduras que se seguiram. Assim, tudo se passa como se a importao da ideologia da segurana nacional explicasse por si s o aparecimento de Estados de segurana nacional e a coeso interna desses regimes fosse dada pela doutrina que lhes deu origem. Para alguns autores, a raiz dessa confuso estaria na prpria indistino, presente no livro de Comblin, entre ideologia e doutrina. No sentido em que a usamos aqui, doutrina significa aquilo que se aprende nas escolas militares. Como lembra Samuel Ficht, o termo

implica num conjunto de ensinamentos, com freqncia um conjunto de princpios ou um credo. No jargo militar, usa-se tipicamente doutrina num sentido mais limitado, para referir-se a princpios estratgicos ou tticos particulares, como a doutrina de retaliao macia. Por outro lado, define-se comumente ideologia como um conjunto generalizado de idias polticas, uma viso de mundo, como o liberalismo e o comunismo. Tratar doutrina, especialmente doutrina militar, e ideologia, como termos mais ou menos intercambiveis obscurece a questo da relao entre os dois.

Uma das expresses mais caractersticas da doutrina assim entendida seria a doutrina da guerra. Para Comblin, a doutrina de segurana nacional funda-se na concepo de guerra total e tem trs componentes: a guerra generalizada, a guerra fria e a guerra revolucionria. Na sua viso, todos os conceitos so americanos, pelo menos quanto a sua origem imediata. Quanto s origens longnquas, seria necessrio remontar Alemanha e Frana. Conforme aquele autor, foi tambm nos Estados Unidos que se formou a idia de guerra revolucionria, que para ele o resultado das meditaes dos elementos de segurana nacional sobre os escritos de Mao Tse-tung, Ho Chi-minh, Giap e Che Guevara. Aos tericos franceses coube apenas a funo secundria de orientar a leitura e as concluses. Finalmente, h na anlise at aqui examinada uma proposta de periodizao. Para Comblin, 1961/1962 so os anos em que o conceito (de guerra revolucionria, JRMF) inicia sua carreira triunfal nas Amricas. Mais adiante, ele afirma que essa estratgia contra-revolucionria (...) serviu sobretudo para formar uma escolstica militar rgida, um manual de guerra revolucionria, que se tornou, desde 1961, a base do ensinamento dado aos exrcitos latino-americanos.

The French Connection

Na verdade, pelo menos no caso das Foras Armadas de dois dos mais importantes pases latino-americanos, Brasil e Argentina, no foi assim que as coisas se passaram. Se marcamos a data de nascimento da era kennediana da contra-insurreio em 18 de janeiro de 1962, quando o presidente promulgou o Memorando de Ao de Segurana Nacional 124 (NSAM-124), podemos afirmar com certeza que, nessa data, alertar os militares argentinos e brasileiros para a urgncia de desenvolver uma doutrina de combate guerra subversiva seria o mesmo que ensinar o padre-nosso ao vigrio. Antes mesmo do triunfo da Revoluo Cubana, os oficiais de ambos pases tinham buscado, por conta prpria, uma doutrina de guerra mais adaptada s suas necessidades e que os EUA no pareciam em condies de oferecer. Como disse um especialista, at o incio do governo JFK, o Pentgono, tinha, em poucas palavras, uma doutrina de contraguerrilha rudimentar (isto , uma doutrina de combate armado a organizaes guerrilheiras), mas no uma doutrina de contra-insurreio abrangente (isto , uma estratgia poltico-militar destinada a vencer uma luta revolucionria ideologicamente dirigida). No por acaso, um oficial brasileiro dizia em texto de 1959: A bibliografia francesa sobre a GR , pode-se dizer, a nica existente. A bibliografia de origem norte-americana no deu at agora ao assunto a importncia merecida.

No processo de importao das idias francesas, a Argentina saiu na frente. Como mostrou o trabalho pioneiro de Ernesto Lpez, o ento coronel Carlos J. Rosas, que acabava de regressar da Frana, assumiu em 1956 a subdireo da Escuela Superior de Guerra, em Buenos Aires, dando incio a um processo de redefinio doutrinria calcado nos ensinamentos de veteranos franceses da Indochina e da Arglia. Em 1957, o referido oficial trouxe para a ESG argentina, na qualidade de professores e assessores da direo, quatro militares com experincia nas guerras coloniais: os tenentes-coronis Badie, de Naurois, Bentresque e Nougues, que a permaneceram at 1962. Segundo Carina Perelli, que entrevistou alguns deles, estes eram pagos pelo governo argentino e gozavam de licena de suas funes no Exrcito francs. Entre 1958 e 1959, a Revista de la Escuela Superior de Guerra publicaria uma srie de artigos de autoria desses assessores e de um grupo de oficiais argentinos que havia estagiado na Europa, cujo tema central era a doutrina da guerre rvolutionnaire. Em 1959, realizou-se na E.S.G. a Operao Ferro, um curso de ps-graduao constitudo de uma srie de conferncias sobre a guerra anti-subversiva, destinado atualizao de oficiais de Estado-Maior j formados. No ano seguinte, o j general Rosas reuniu na Chefia do Estado-Maior do Exrcito uma equipe de mais ou menos 15 destacados oficiais recm sados da E.S.G. e constituiu uma equipe com a qual realizou a Operao Ferro Forjado, uma adaptao da organizao e procedimentos do Exrcito doutrina anti-subversiva.

No caso do Brasil, o coronel Augusto Fragoso pronunciou em maio de 1959, no curso de Estado-Maior e Comando da Escola Superior de Guerra a histrica palestra Introduo ao estudo da guerra revolucionria, fruto aparentemente de seus prprios estudos diretos da produo francesa, que evidentemente comearam algum tempo antes. Em 1958, o Estado-Maior da Armada brasileira publicara Alguns estudos sobre a guerra revolucionria, coletnea de quatro artigos traduzidos da Revue Militaire dInformation e um da Revue de Defense Nationale (A tcnica da insurreio do general L-M. Chassin). Por sua vez, o Relatrio do Seminrio de Guerra Moderna, tambm de 1958, publicara as recomendaes dos Grupos de Estudos reunidos na ECEME, constitudos por oficiais instrutores da escola, no sentido de que se inclusse no currculo escolar assuntos relativos guerra insurrecional. O contexto mais geral em que se deu a entrada dessas idias no Brasil lembrado por um oficial do Exrcito:

Nesse momento, estvamos profissionalmente perplexos, sem saber que direo tomar. (...) Ento comeamos a tomar conhecimento de novas experincias (...). Nessa ocasio, a literatura militar francesa (...) comea a formular um novo tipo de guerra. Era a guerra infinitamente pequena, a guerra insurrecional, a guerra revolucionria. (...) Isso entrou pelo canal da nossa ESG, e foi ela que lanou as idias sobre as guerras insurrecional e revolucionria e passou a nelas identificar o quadro da nossa prpria possvel guerra. Para ns ainda no havia guerra nuclear, a guerra convencional j estava ultrapassada. Mas havia uma guerra que nos parecia estar aqui dentro. (...) Isso tudo contribuiu para a formulao da nossa prpria doutrina da guerra revolucionria, que resultou no movimento militar de 64.

Outra fonte aponta no mesmo sentido. Em A FEB por um soldado, Joaquim Xavier da Silveira dizia:

os centros de estudos militares brasileiros passaram a atentar para esse novo fenmeno social-militar, o que talvez venha a explicar o movimento antiinsurrecional de maro de 1964. A to decantada influncia americana, nesse movimento poltico-militar, foi praticamente nula. O historiador do futuro, no exame sereno desse episdio, ir certamente encontrar uma certa influncia francesa, pelo menos no campo doutrinrio.

O apelo da guerre rvolutionnaire

No parece haver dvidas de que a influncia dos doutrinrios franceses na Argentina e no Brasil, deveu-se, antes de tudo, ao seu pioneirismo. Como j dissemos, no final dos anos 50, antes mesmo da ecloso da Revoluo Cubana, os franceses eram os nicos a tratar do tema da guerra revolucionria. Desde meados dos anos 50, aps a fragorosa derrota em Dien-Bien-Phu e a ecloso da rebelio na Arglia, fortaleceu-se no Exrcito francs a idia de que a principal razo da derrota na Indochina fora o fato de que a doutrina militar no estava preparada para enfrentar um novo tipo de guerra. A principal caracterstica desta forma de conflito era a indistino entre os meios militares e os no militares e a particular combinao entre poltica, ideologia e operaes militares que ela punha em funcionamento. Nesse quadro, a nova doutrina oferecia um diagnstico e um remdio para aquilo que um influente grupo de militares de carreira franceses viam como a doena principal do mundo moderno a falncia do Ocidente em enfrentar o desafio da subverso comunista atia.

Em 1955 o Exrcito francs inaugura o primeiro centro de ao psicolgica, mesma poca em que surgiam na Arglia os bureaux psycologiques, com a funo de instruir os militares nos aspectos polticos da guerra colonial. Em abril de 1956, o Ministrio da Defesa Nacional estabelece o Service de Action Psycologique et DInformation, que passa a ser a principal usina de produo do iderio da guerre rvolutionnaire, sob o comando do coronel Lacheroy. Mais do que isso, os adeptos da nova doutrina colocaram como uma das suas tarefas polticas principais espalhar suas idias onde quer que encontrassem uma audincia atenta. No espanta, assim, que em maio de 1959, o coronel Augusto Fragoso explicasse sua audincia da Escola Superior de Guerra brasileira:

a bibliografia francesa sobre a GR , pode-se dizer, a nica existente. A bibliografia de origem norte-americana no deu at agora ao assunto a importncia merecida: nos catorze ltimos nmeros consultados da Military Review (de janeiro de 1958 a fevereiro de 1959) no h nenhum estudo, artigo ou tpico que fale, no ttulo, de Guerra Revolucionria, Guerra Insurrecional ou Guerra Subversiva.

Por outro lado, mesmo depois do surgimento da doutrina americana da contra-insurreio, parece difcil negar que o Exrcito (ou os marines) dos EUA no podiam ocupar na mesma medida a condio de role model gozada pelos oficiais franceses junto a seus colegas argentinos e brasileiros. Isso, em primeiro lugar, porque a doutrina americana do comeo dos anos 60 nunca deixou de ser um artigo de exportao e de restrito consumo interno no interior das Foras Armadas americanas, apesar da obsesso de Kennedy pelo tema. J o aparelho de Estado civil no podia contar com agncias como os servios coloniais britnicos e franceses, indispensveis para integrar os aspectos polticos e militares da guerra revolucionria. Por sua vez, o Exrcito do EUA desconfiava de um grupo treinado para operaes irregulares, o que se expressou anos depois, no Vietn, nos desencontros entre essas tropas que operavam em estrito contacto com a Central Intelligence Agency - e o comando do Exrcito. O Exrcito francs, ao contrrio, instalou a guerre rvolutionnaire no centro de seu pensamento militar e de sua doutrina operacional. Como reconhecem dois especialistas americanos, um deles ex-oficial no Vietn, no seio do corpo de oficiais franceses, surgiu uma preocupao obsessiva no sentido de aprender as lies da guerra da Indochina, de modo que as futuras guerras revolucionrias, j iminentes em outras partes do Imprio Francs, pudessem ser vencidas.

Em segundo lugar, e talvez mais importante, um dos pressupostos fundamentais da doutrina francesa era a idia de que, se o controle das informaes o elemento decisivo da guerra revolucionria, impossvel combater esse tipo de inimigo sem um comando poltico-militar unificado. Assim, essa doutrina entra, com um tempero francs, no caldo apimentado das relaes da guerra com a poltica. Ao faz-lo, no hesita em afirmar que se a sociedade democrtica incapaz de fornecer ao Exrcito o apoio necessrio, ento necessrio mudar a sociedade, no o Exrcito. Na expresso um de seus principais tericos, o comandante Hogard, tempo de perceber que a ideologia democrtica tornou-se impotente na Frana atual.

Desse modo, desde o incio, a doutrina da guerra revolucionria continha um programa de alterao das relaes civis-militares da sociedade francesa, a fim de alcanar a unidade do pas no apoio luta de seu Exrcito para conservar a Arglia, entendida como parte integrante do territrio nacional. Tal objetivo s seria possvel se fossem superados os obstculos a essa unidade existentes na Quarta e depois na Quinta Repblica francesas. Nesse contexto, entre 1957 e a insurreio dos colonos de janeiro de 1960, os 5es Bureaux do Exrcito francs - encarregados da guerra psicolgica na Arglia agiram quase completamente livres do controle de Paris. Mesmo depois da ascenso de de Gaulle ao poder, eles

puderam desenvolver seus prprios mtodos de ao psicolgica e guerra psicolgica e foram capazes tambm de assumir uma parcela crescente na formulao da ideologia e do programa poltico que esses mtodos haveriam de avanar. De uma agncia subordinada do governo e das Foras Armadas, action psychologique tornou-se um corpo de execuo de polticas cujos membros mostravam crescente aptido para interpretar e mesmo adaptar polticas, a fim de beneficiar sua viso sobre as exigncias operacionais na Arglia. Dada sua viso de que o choque entre revoluo e contra-revoluo exigia total unidade da base contra-revolucionria e de suas foras Armadas, estenderam suas atividades para a Frana metropolitana: as foras tinham que ser treinadas no apenas para lutar contra uma guerra revolucionria, como a prpria sociedade francesa tinha que ser purificada e orientada.

Em outras palavras, a doutrina da guerre rvolutionnaire trazia subjacente um projeto de interveno militar na sociedade que resultaria nas crises militares de 1958, 1960, 1961 e 1962. O mesmo no ocorria na sociedade norte-americana. Profundamente enraizada na histria militar e poltica francesa, desde as reflexes de general Lyautey sobre o papel do Exrcito na administrao das colnias, no final do sculo XIX, at a militncia antibolchevique de crculos importantes do Exrcito que desembocaria no regime de Vichy, o iderio francs sobre a funo dos militares na poltica que, apesar de sua variedade de fontes, encontrava um ponto comum na insatisfao com a democracia e o governo parlamentar e na adeso a um acentuado elitismo - parecia familiar aos militares latino-americanos, ao mesmo tempo em que os adulava, ao demonstrar que suas pulses intervencionistas no eram uma anomalia tpica de pases atrasados.

No por acaso, um autor como Peter Paret, escrevendo na primeira metade dos anos 60, encontrava nos escritos do general Lyautey , datados de 1891, o anseio por uma elite regeneradora, que testa e prova a si prpria no servio militar antes de liderar sua nao rumo a uma nova grandeza. Uma mensagem que devia soar como msica aos ouvidos das correntes militares conservadoras, no Brasil e na Argentina do final dos anos 50. Trocando em midos, enquanto os militares e civis americanos pareciam dizer faam o que digo e no o que eu fao (ou, no mximo, no posso fazer) a doutrina francesa rezava simplesmente faam o que digo e o que eu fao.

H ainda um detalhe que pode ser importante. Em exrcitos modernos como os da Argentina e Brasil nos anos 50, envolvidos, cada um sua maneira, na criao de uma ideologia militar abrangente e ambiciosa, caa como luva o exemplo francs dos intelectuais militares que pensavam por conta prpria, em p de igualdade com seus colegas e aliados civis, que de resto nunca faltaram. No menos importante, o romantismo e a mstica quase religiosa que acompanhava a doutrina francesa tambm funcionaram como atrativo adicional para oficiais em busca de uma misso para seus exrcitos, no apogeu da guerra fria.

Enfim, a doutrina militar francesa oferecia aos militares dos pases acima uma definio flexvel e funcional do inimigo a enfrentar, ao mesmo tempo em que, no plano geopoltico, valorizava o Terceiro Mundo como cenrio do confronto mundial da guerra fria, aspecto antevisto na declarao do general Octavio Costa. Afinal, ocupava o centro dessa doutrina a idia de que, enquanto os Estados Unidos e seus aliados estavam hipnotizados pela perspectiva da guerra nuclear, o comunismo flanqueava as defesas do Ocidente a partir do Sul, e se no fosse contido destruiria, ao fim, a civilizao ocidental. Nesse quadro, o inimigo era definido de forma ampla o suficiente para servir s mais variadas situaes nacionais. A idia geral era que a civilizao crist estava envolvida numa guerra permanente e mundial, onde no apenas as distines tradicionais entre guerra e paz passavam a ser insignificantes, como na expresso de um analista - as diferenas entre anticolonialismo, nacionalismo anti Ocidente e comunismo passavam a ser insignificantes. Vale dizer, o esquema francs era genrico o suficiente para permitir que o Exrcito argentino definisse como seu principal inimigo o peronismo, que nada tinha a ver com o comunismo, enquanto dava ao Exrcito brasileiro uma justificao a mais para combater os nacionalistas ou os catlicos radicais, alm dos comunistas de vrias feies.

Resumo da pera

Neste artigo, partimos da idia de que a ampla produo sobre a Guerre revolutionnaire pode ser tomada como uma doutrina nica. A partir da, faz-se necessrio entender em que consistia, em suas linhas gerais, a doutrina a que vimos nos referindo. Nesse sentido, para usar a definio de um socilogo francs simpatizante da guerre rvolutionnaire, essa seria uma doutrina internacional capaz de efetivamente se opor s teorias marxistas-leninistas [...] um sistema de valores suficientemente forte para unir e estimular as energias nacionais. O coronel Georges Bonnet resume a questo numa frmula simples: guerra partisan + guerra psicolgica = guerra revolucionria. Trata-se, assim, de uma doutrina que extrai seu nome do fenmeno que visa combater - a guerra revolucionria. Esta, por sua vez, definida como uma doutrina de guerra exposta pelos tericos marxistas-leninistas e explorada por movimentos revolucionrios de vrias tendncias. Esse efeito de espelho uma das caractersticas mais particulares da doutrina francesa.

Para esta, a guerra revolucionria diferente da guerra convencional porque coloca o recurso s armas no final e no no comeo do conflito. Ela se constitui de um processo diversificado e prolongado, cuja evoluo pode ser dividida em cinco etapas. A primeira seria a da preparao cautelosa do terreno que se pretende conquistar, ou seja, a populao. Nessa etapa, os militantes agem sem declarar seus objetivos. A segunda fase se expressa na constituio de uma rede de organizaes subversivas, controladas pelos militantes. Nesse estgio, formam-se bases que subvertem a capacidade de ao governamental. Surgem as manifestaes, tumultos e atos de sabotagem. A terceira etapa marca-se pela constituio de grupos armados, que iniciam aes de menor escala, destinadas a corroer os poderes constitudos. a fase do terrorismo como principal mtodo de ao. A penltima etapa a do estabelecimento de zonas liberadas ou bases dappui, onde o Exrcito regular no consegue mais entrar. O passo seguinte a formao de um governo provisrio, que procura reconhecimento externo. Forma-se um exrcito regular revolucionrio. A quinta etapa a da conquista do poder numa ofensiva final. fundamental notar que essas fases se sucedem muitas vezes sem fronteiras ntidas, pois a fluidez a principal caracterstica da guerra revolucionria. De todo modo, a guerre rvolutionnaire fornecia uma rgua com a qual se podia medir o agravamento da ameaa revolucionria. O nico modo de evitar a progresso desse processo seria derrotar os revolucionrios com suas prprias armas. Assim, no centro da doutrina da guerre rvolutionnaire aparece a idia de guerra psicolgica. Com esse breve resumo, indispensvel para fundamentar a parte subseqente, podemos passar ao exame do caso brasileiro.

Quando o Sena desemboca no Rio

Talvez porque se constituram num raro momento de paz nos quartis, os anos de 1959 e 1960 configuram uma lacuna nos estudos sobre o pensamento militar brasileiro. Contudo, no aspecto que vem nos interessando aqui, os dois anos finais do governo Juscelino Kubitscheck foram de intensa atividade na Escola Superior de Guerra. Como registrou um historiador dessa instituio, o estudo da Guerra Revolucionria, na ESG, teve incio em 1959, atravs de uma conferncia do ento coronel Augusto Fragoso, que a reproduziu, em termos semelhantes, porm ampliados, no ano seguinte, j como general e assistente do comando.

De nossa perspectiva, essa aula pode ser considerada um marco divisrio, na medida em que coloca um ponto final no perodo de acentuada indefinio no debate sobre as formas de guerra na ESG. Sua idia-fora foi a tese de que os militares brasileiros deviam concentrar-se, da em diante, num novo tipo de guerra: hoje, o estudo da guerra revolucionria deve merecer, mormente em pases em desenvolvimento como o nosso importncia paralela, quando no maior, ao da guerra nuclear. sob a forma de GR afirma o Cel Lacheroy que o destino do mundo se decide na hora atual, e vai se decidir nos prximos 20 anos!. E, mais adiante: Ao estudo da GR, muito mais que ao da chamada guerra nuclear total, mormente nos pases subdesenvolvidos, deve se dar a mxima importncia.

Em seu aspecto mais geral, a aula do coronel Augusto Fragoso constituiu-se numa apresentao da literatura francesa sobre a guerra revolucionria, sem meno aos estudos que se faziam mesma poca na Argentina. Suas fontes principais so o documento Contribution a une tude sur la guerre rvolutionnaire, publicado pela Escola Superior de Guerra de Paris (1955-1956); o livro do coronel Gabriel Bonnet, Les Guerres Insurrectionelles et Rvolutionnaires (1958); de Pierre Debray, La Troisime Guerre Mondiale (1958); de Claude Delmas, La guerre rvolutionnaire (1959) e artigos de J. Hogard, Lacheroy, Ximenes, Berteil, Cailloux, Renaud e outros, que vieram luz nas revistas militares francesas, alm de uma edio em francs da obra de Mao Ts-Tung, Os problemas estratgicos da guerra revolucionria na China (1957, escritos de 1936).

Nesse quadro, a exposio na ESG inicia com uma tentativa de distino entre guerra insurrecional e guerra revolucionria, na qual, com base em J.Hogard, define-se que a GR : 1) a guerra da Revoluo para a conquista do mundo, enquanto as GIs podem se restringir a um pas e 2) a GR tem uma doutrina: a marxista leninista, ao passo que as GIs tem processos empricos. O marco histrico da GR a Revoluo Chinesa de 1949 e seu terico principal, Mao Ts-tung. Ainda com base em Hogard, Fragoso enfatiza a ruptura da GR com a guerra clssica, na medida em que a primeira no puramente militar e, ao invs de ser uma continuao da poltica, funciona como um apoio da poltica. Alm disso, a GR tem um carter basicamente insidioso e subliminar, tendo como elemento chave a atuao sobre as idias, vale dizer, a ao psicolgica. Citando Bonnet, o coronel brasileiro retorna j citada frmula que define a GR como a combinao entre guerra partisan e guerra psicolgica. A GR uma guerra particular, na medida em que nela o meio principal, o objetivo e a arma mais importante da GR so a prpria populao do pas-alvo. Nesse sentido, no h GR sem a atuao de uma minoria militante e organizada e, em geral, apoio externo. A GR tem duas fases: a destrutiva, centrada na dissoluo fsica e moral do corpo social e a construtiva, na qual surge a sociedade totalitria. Enfim, Fragoso retoma de Hogard o esquema j citado da cinco fases da GR.

O aspecto que mais nos interessa na palestra de 1959 a tentativa de inserir o Brasil no quadro geral da guerra revolucionria mundial. Com base em C. Montirian, a idia mais ampla a de que a GR atua em crculos cada vez maiores, que se afastam das fronteiras dos pases socialistas. Nesse movimento, teria soado a hora da Amrica Latina. Voltando ao esquema da Hogard, Fragoso lembra que a GR pode ser dividida em duas fases maiores: a pr-revolucionria, ou clandestina e a revolucionria, ou ostensiva. A primeira fase a mais perigosa, porque nela as instituies vem-se despreparadas para enfrentar a ameaa subversiva. Na viso do coronel Fragoso, o Brasil do final dos anos 50 j viveria o estgio pr-revolucionrio. A partir de uma leitura particular de documentos do partido, o texto da ESG prefere ver na estratgia pacifista e legalista do Partido Comunista a ante-sala da revoluo violenta, distinguindo-se apenas por seu carter subliminar, em que se procura arregimentar o movimento nacionalista para a Revoluo.

Nesse quadro, impossvel escapar concluso de que algo precisava ser feito a fim de preparar o Estado e as Foras Armadas para enfrentar a ameaa do inimigo interno. O problema que as autoridades responsveis, em face do direito, no dispem seno de campo de iniciativa muito limitada quanto escolha das tcnicas e dos meios legais a aplicar, enquanto os revolucionrios consideram vlidos todos os meios imaginveis de luta. Em tal contexto, haveria urgncia, para combater a subverso, para enfrentar a guerra revolucionria, desde o seu perodo clandestino, de uma legislao adequada, na medida em que no se pode manter em relao aos militantes da guerra revolucionria, o respeito das liberdades individuais asseguradas aos demais cidados e as medidas de proteo que beneficiam, na ao judiciria, os delinqentes do direito comum.

Diante disso, a concluso simples: O regime democrtico caracterstico do mundo livre, e to prezado por todos ns, no favorece, pelo abuso de liberdades que, via de regra, propicia ao adversrio, nem a parada preventiva, nem a resposta enrgica. Por sua vez, as Foras Armadas, organizadas, essencialmente, em funo das servides da guerra clssica contra um inimigo exterior enfrentam srios obstculos para adaptar, uma vez que eclode a violncia, sua organizao para a luta contra o terrorismo urbano e os bandos guerrilheiros nos campos. Dada dessa situao, um dos problemas mais difceis no combate GR seria o papel a ser desempenhado diretamente pelas Foras Armadas. Algumas concluses, no entanto, servem de ponto de partida: de um lado, preciso criar servios de informao capazes de antecipar os movimentos do inimigo interno; por outro, cabe s Foras Armadas construir uma organizao de defesa interna do territrio, ao mesmo tempo em que cria unidades especialmente adestradas na luta anti-revolucionria. Porm, mais do que tudo, preciso reconhecer que a preparao para a guerra anti-subversiva supera as atribuies tradicionais das Foras Armadas. A ao contra-revolucionria exigiria uma ao conjunta decidida de todos os poderes do Estado.

Como se v, paralelamente defesa da importncia dessa nova forma de guerra, aparecem em embrio nas reflexes abrigadas na ESG brasileira, j em 1959, alguns temas caros literatura francesa. A cautela exigida ao do grupo militar conservador nos quadros do regime vigente no Brasil em 1959, ao lado da evidente particularidade do contexto colonial da luta do Exrcito francs na Arglia, pareciam impedir uma apropriao mais direta das lies francesas, bastantes explcitas quanto ao papel protagonista das Foras Armadas na guerra psicolgica e na guerra de informaes. No entanto, como se percebe pela sntese acima, a doutrina francesa veio consolidar a antiga desconfiana que as correntes militares anticomunistas nutriam face democracia

A ao psicolgica: o pblico interno

Neste ponto, antes de prosseguir, vale registrar que os estudos sobre o processo poltico-militar dessa fase parecem perder aspectos fundamentais da evoluo do quadro poltico das Foras Armadas. Mesmo trabalhos que se destacam pela importncia que conferem questo militar, centram-se basicamente em seus altos escales, principalmente nos ministrios (da Guerra, da Aeronutica e da Marinha) e nas chefias dos quatro exrcitos. Ficam de fora, assim, os processos atuantes no campo onde, por excelncia, se define a cultura militar dominante, vale dizer, as escolas de comando e estado-maior, onde efetivamente se transmitem as idias que perpassam toda a instituio e onde possvel medir a temperatura ideolgica da organizao militar.

Nossa tese aqui clara. No final da dcada de cinqenta, apesar do quadro de diviso militar, evidenciado pela luta de personalidades e pelas disputas no Clube Militar, os coraes e as mentes de parte relevante do Exrcito, da Marinha e da Aeronutica comeavam a pender decididamente para uma doutrina cujo desenlace natural era, ou um governo civil que incorporasse as vises das Foras Armadas, ou um golpe militar. Para entender esse processo, convm voltar histria especificamente militar do perodo.

verdade que uma palestra na ESG no significava necessariamente o incio de uma mudana doutrinria importante. Contudo, a conferncia do coronel Augusto Fragoso teve conseqncias institucionais difceis de superestimar. J a 2 de setembro de 1959, um ato do Chefe do Estado-Maior do Exrcito nomeava uma comisso para estudar a programao e a coordenao da instruo sobre guerra moderna, considerada a sob dois aspectos: guerra atmica e guerra insurrecional. H indcios de que esse processo comeara antes na Marinha. De todo modo, a evoluo iniciada no final do governo JK teve continuidade at que, a 27 de julho de 1961, sob o breve governo de Jnio Quadros, o Estado-Maior das Foras Armadas consolidou em doutrina as definies esboadas dois anos antes. Nessa data, ato do general Oswaldo Cordeiro de Farias, ento Chefe do EMFA, aprova e recomenda a conceituao de guerra insurrecional, de guerra revolucionria, de subverso (guerra subversiva), de ao psicolgica, de guerra psicolgica e de guerra fria, constante no documento FA-E-01/61.

J em sua primeira frase, o documento estabelecia que a doutrina militar francesa enquadra trs formas bsicas de guerra - convencional, nuclear e subversiva -, esclarecendo a seguir que era vasta a literatura militar francesa sobre a ltima das trs guerras acima. E continuava:

Sob o peso dos acontecimentos na sia e na frica do Norte, os pensadores militares franceses tiveram necessidade de se embrenharem no conhecimento desta forma de guerra que, embora possuindo razes profundas na Histria, passara a ostentar uma nova fronde, alimentada pela seiva que lhe foi ministrada, principalmente, por Karl Marx, Lenine e Mao Tse-Tung.

Segundo ainda o texto do EMFA, apesar de constituir uma excelente fonte de estudo e de consulta, essa literatura ainda se ressentia de uma terminologia bsica uniforme, o que vinha dando margem a divergncias, algumas vezes srias. O trabalho se referia em seguida doutrina militar norte-americana com sua definio de trs formas de guerra convencional, nuclear e no convencional apenas para concluir que a literatura militar norte-americana proporciona parcos ensinamentos sobre a ltima. Na continuao, a partir dos estudos da literatura militar mundial, particularmente da francesa, efetuados pela comisso mencionada acima, o documento expunha as idias de vrios autores classificadas em dois grupos. As doutrinrias cotejavam, basicamente, as definies sobre guerra subversiva e guerra revolucionria, encontradas em autores como Boulnoie, Bonnet, Hogard, tienne e Souyris, ao lado da documentao da Escola Superior de Guerra de Paris e de alguns autores norte-americanos. J as lexicolgicas compreendiam apenas as definies sobre insurreio, subverso e revoluo encontradas nos principais dicionrios da poca. Em ambos os tpicos apareciam tambm definies de guerra fria, ao psicolgica e guerra psicolgica. A partir da, o EMFA recomendava definir a guerra revolucionria nos seguintes termos:

a guerra interna, de concepo marxista-leninista e de possvel adoo por movimentos revolucionrios diversos que apoiados em uma ideologia, estimulados e, at mesmo, auxiliados do exterior visam conquista do poder atravs do controle progressivo, fsico e espiritual, da populao sobre que desencadeada, desenvolvendo-se segundo um processo determinado, com a ajuda de tcnicas particulares e da parcela da populao assim subvertida.

Em contraste, a guerra insurrecional era caracterizada como a guerra interna que obedecia a processos geralmente empricos, vale dizer, no estava apoiada numa ideologia. A subverso (tambm chamada de guerra subversiva) corresponderia ao estgio pr-revolucionrio ou de preparao da guerra revolucionria. Enfim, definia-se a ao psicolgica como o conjunto de aes de carter defensivo centradas na formao moral e cvica da populao, a fim de fornecer-lhe meios de fazer face ofensiva da subverso ou da guerra psicolgica. Esta era definida como o conjunto de aes de carter ofensivo, com o alvo de minar a moral das tropas e da populao inimiga.

Assim, seis meses antes do ato do governo Kennedy que inaugurou a era da contra-insurreio o NSAM 124 -, o EMFA j dispunha de uma conceituao bsica que orientaria a evoluo posterior de sua doutrina da defesa interna. No plano domstico, menos de um ms depois da publicao do documento do estado-maior brasileiro, a crise militar em torno da renncia de Jnio Quadros, a resistncia da Campanha da Legalidade e a posse de Joo Goulart contribuiriam para consolidar as vises que aqui vimos examinando. Na verdade, como j mencionamos, a renncia apenas atrasou os planos em curso, no sentido de disseminao da doutrina da guerra revolucionria nas escolas de comando e estado-maior. O terreno para a semeadura j estava preparado pela publicao regular de artigos sobre o tema em peridicos de distribuio restrita aos estados-maiores de cada fora. Entre estes se destacavam Mensrio de Cultura Militar, Boletim de Cultura Militar, Cultura Militar e Boletim de Informaes, de responsabilidade do Estado-Maior do Exrcito.

Em setembro de 1961, o primeiro desses peridicos lanou uma segunda edio especial a primeira fora publicada em novembro/dezembro de 1960 - dedicada temtica da guerra revolucionria. Composta aparentemente de palestras proferidas no mbito do EME, a coletnea de cem pginas anunciava trabalhos selecionados para servirem de base s aes educacional e de instruo necessrias para enfrentar a Guerra Revolucionria caracterizada por uma base ideolgica, materialista e pela utilizao de uma tcnica marxista-leninista. Num passo a mais na definio doutrinria, destacava-se o artigo do contra-almirante Murilo Vasco do Valle e Silva, que apresentava o j mencionado esquema de J. Hogard sobre as cinco fases da guerra revolucionria, que ser adotado nos trabalhos referentes ao assunto. O importante nesta altura notar que a publicao dos textos sobre a guerra revolucionria no apenas tinha a funo de divulgar a doutrina, mas j configurava o exerccio da ao psicolgica, destinada, seguindo o exemplo dos 5es Bureaux do Exrcito francs, a preparar ideologicamente as prprias foras, alm de assegurar a coeso do conjunto da nao e a desenvolver em cada um a vontade de lutar.

essa a motivao mais geral do estgio sobre guerra revolucionria de agosto de 1962, do qual participariam noventa oficiais, principalmente do Exrcito, que usamos como abertura deste artigo. Na introduo ao novo nmero especial do Mensrio de Cultura Militar que publicou seu contedo, ressaltava-se: A importncia da Ao Educacional e de Instruo contra a Guerra Revolucionria tem sido ressaltada pelo Estado-Maior do Exrcito, atravs de Diretrizes, Programas e Conferncias, com o objetivo de preparar o Exrcito, psicolgica e materialmente para opor-se a qualquer tipo de ao subversiva. Ao mesmo tempo, salientava-se que as Foras Armadas estavam alertas e vigilantes, irmanadas pelo mesmo ideal democrtico, mas era imprescindvel que estejam esclarecidas sobre as bases da ideologia comunista e sobre os processos e tcnicas utilizados para a consecuo de seus objetivos. Nesse quadro, o objetivo desse tipo de estgios seria o de elevar o padro de instruo, com a criao de reflexos e atitudes adequadas.

Vale reproduzir na ntegra o programa:

Abertura do Curso (General Aurlio Alves de Souza Ferreira)

Aspectos bsicos da teoria marxista

Aspectos essenciais da teoria econmica do comunismo e do socialismo

Tcnicas construtivas e destrutivas

Propaganda

Lavagem cerebral

A arma psicolgica

Guerrilha

Atividades logsticas na guerrilha

Terrorismo e contraterrorismo

Conquista da populao e destruio da OPA

Subverso

Greves, sabotagem e contra-sabotagem

Contraguerrilha

O Estado-Maior misto

Estratgia revolucionria e contra-revolucionria

Operaes na guerra revolucionria

Liderana na guerra revolucionria

Um exemplo nacional

A guerra revolucionria no Brasil

Cooperao da Marinha

Cooperao da Aeronutica

J vimos que o contedo foi baseado nos ensinamentos do Primeiro Curso de Guerra Contra-Revolucionria que oficiais brasileiros assistiram na Argentina, em outubro de 1961, juntamente com colegas de outros treze pases latino-americanos. No entanto, as aulas comeam com a observao coordenao e adaptao de ou coordenao e compilao de documentao existente no EME, o que supe acrscimos nacionais. A palestra sobre guerra psicolgica uma exceo, pois, proferida por um almirante, baseia-se em textos norte-americanos. Por sua vez, a aula sobre Guerra Revolucionria no Brasil destina-se a lembrar a verso do Exrcito sobre a Revoluo de 1935 no Nordeste, tomada evidentemente como evidncia das profundas razes do comunismo no pas.

Aparentemente, o estgio conseguiu os objetivos almejados, pois foi repetido em 1963, com audincia ampliada e a participao de professores de Filosofia civis, para aprofundar temas que fugiam doutrina militar propriamente dita. Alm dos estgios, a documentao publicada nos peridicos acima era enviada regularmente para os Estados-Maiores Regionais, servindo de base para a instruo de oficiais, ao longo do ano. Assim, os ensinamentos franceses desceram das alturas da Escola Superior de Guerra at chegar a tenentes e sargentos a estes, evidentemente, com os devidos cuidados, dada a situao de efervescncia poltica vigente nesses escales em 1962-64. Aparentemente, a confiana no esquema militar de Goulart impediu a esquerda brasileira de avaliar a fundo a gravidade do panorama ideolgico militar nessa fase. De toda maneira, a importncia da disseminao institucional da doutrina que aqui analisamos para a unificao das foras golpista parece difcil de superestimar. Vale reproduzir o testemunho de um oficial que ocupou cargos importantes no regime do ps-64:

No incio de 1964, j sentamos que o confronto era inevitvel. Do Rio de Janeiro, em suas novas funes, o general Taurino mantinha conversaes com seus pares. Em carta que me enviou, de prprio punho, o general Taurino dava notcia de um memorial a ser dirigido ao Presidente da Repblica, por intermdio do ministro da Guerra, e que seria assinado por todos os generais da ativa dispostos a expressar sua preocupao com os rumos que a nao estava tomando.

E continua:

No Estado-Maior do Exrcito, seu chefe, o general Castello Branco, encerrara um novo simpsio sobre Guerra Revolucionria. Comunicando-me o evento, o coronel Curvo dizia-me que o encerramento fora a portas fechadas e com aviso prvio de que o assunto seria secreto, com recomendaes de no se comentar o assunto. O coronel Curvo me adiantava, porm, que o general Castello botara o dedo na moleira, falando claramente sobre o que estava acontecendo no pas.

A ao psicolgica: o pblico externo

O progressivo fechamento interno foi acompanhado pela abertura da ao psicolgica ao pblico civil, como parte da ao psicolgica golpista. Assim, a partir de 1961, comeam a ser publicados livros e panfletos destinados a um pblico mais amplo, cujo primeiro exemplo foi, talvez, Democracia e comunismo, coletnea de artigos extrados de A Defesa Nacional, editada como publicao autorizada pelo Estado-Maior do Exrcito, sem indicao de editora ou local de publicao. O livro de 174 pginas tinha como ilustrao de capa um mapa do Brasil sobre o qual avanava no horizonte uma garra vermelha de unhas afiadas, contida por um soldado que, de baioneta em riste, a feria na carne. Os dez artigos da coletnea procuravam divulgar a cartilha das tcnicas da guerra psicolgica comunista. Na introduo, Como vencer o comunismo, o coronel Ayrton Salgueiro de Freitas afirmava o comunismo s pode existir na obscuridade e o meio mais eficaz que temos para combat-lo exp-lo, onde ele exista. Tragam a conspirao para a luz, revelem os defeitos de sua filosofia, mantenham presso sobre ela, obrigando-a a retirar-se. J em 1964, o folheto de 54 pginas, Livro Branco sobre a guerra revolucionria no Brasil, reproduz quase literalmente as discusses militares sobre a doutrina francesa tcnicas destrutivas, tcnicas construtivas, fases de desenvolvimento, guerra psicolgica, parada e resposta, etc para em seguida demonstrar, numa longa lista de trinta e oito episdios relativos s greves e crises do perodo, que a guerra revolucionria j existia no pas. O texto se encerra com um apelo: Faz este livro circular.

O fundamental a notar aqui o trnsito das idias de dentro para fora das Foras Armadas, o que contraria teses at hoje muito influentes, que enfatizam a dependncia intelectual e poltica dos oficiais conservadores em relao a seus aliados civis. No por acaso, j em outubro de 1961, ao substituir na chefia do Estado-Maior das Foras Armadas o general Oswaldo Cordeiro de Farias, o general Osvaldo de Arajo Mota assim colocou a questo de forma um tanto cifrada:

A poltica social do mundo influi na doutrina militar a eleger e determinar uma atitude a manter. Assim, se no nos faltam a ns, militares, inteligncia, observao e conhecimentos, para formular, oportunamente, aquele conceito, dentro de nossas reais possibilidades e dos compromissos internacionais, no nos deve faltar e nos conforta saber que no nos faltar a constante vigilncia de uma ideologia e a contaminao de uma doutrina, que, cerceando a liberdade e ameaando a paz, repugna o esprito cristo de nossa gente.

A frase tem sintaxe confusa, mas sentido claro. Inteligncia, observao e conhecimentos tinham levado os militares a buscar em suas prprias doutrinas a justificativa para a interveno na poltica. A crise da renncia e a posse de Goulart sob um regime parlamentarista, a volta do presidencialismo e o debate sobre as reformas de base, tudo isso serviu para confirmar as vises doutrinrias sobre o avano da guerra revolucionria no Brasil.

Faltava apenas traduzir a rida linguagem dos documentos militares para o mundo civil, se possvel com o brilho da retrica parlamentar. No comeo de 1964, isso se fez pela voz nada menos que do presidente da Unio Democrtica Nacional (UDN), o partido mais importante da oposio a Goulart e o mais prximo dos militares. Assim, embora a crnica poltica da poca insistisse em que o Sr. Bilac Pinto, Presidente da UDN, assegura que restringe seus contatos exclusiva rea poltica civil, jamais mantendo conversas com generais ou outras patentes das Foras Armadas, em discurso proferido na Cmara dos Deputados a 23 de janeiro de 1964, aquele poltico conjurou os heris intelectuais dos militares para aguar seus argumentos contra o que considerava o avano do golpismo do presidente da Repblica e de seu cunhado, o deputado federal Leonel Brizola. Sem maiores escrpulos, citou profusamente nomes e fontes militares j nossos conhecidos. Em seu discurso de janeiro de 1964 e nos que fez em seguida, a guerre rvolutionnaire saiu dos currculos das escolas militares e entrou diretamente, como arma da guerra psicolgica, no processo de agitao civil-militar que desembocou no golpe.

Tudo indica que o oficial de ligao entre a cpula do Exrcito e a ala mais radical da UDN foi o general Antonio Carlos Murici. De todo modo, O jornalista Carlos Castello Branco, do Jornal do Brasil, dizia em nota publicada no mesmo dia em que o parlamentar faria seu primeiro discurso sobre o tema na Cmara: O sr. Bilac Pinto, cuja atualizao em matria de terminologia poltica louvada pelo sr. Pedro Aleixo, est com a pasta abarrotada de literatura sobre a guerra revolucionria. So Livros de Mao Ts-Tung sobre guerrilhas, estudos do Estado-Maior do Exrcito brasileiro, revistas militares norte-americanas e uma tese do general Murici [...].

A leitura da srie de discursos de Bilac Pinto sobre a guerra revolucionria em curso no Brasil permite supor que a pasta do deputado continha justamente os documentos que analisamos neste artigo. Na abertura de sua primeira interveno na Cmara, o lder da UDN, conspirador histrico e aliado antigo da corrente militar conservadora, alegou que estudos de oficiais superiores das nossas Foras Armadas, a respeito da marcha da guerra revolucionria no Brasil tinham despertado sua apreenso relativamente normalidade da vida constitucional do pas. A partir da, o parlamentar usou livremente os tericos franceses como fonte para sua pregao j francamente golpista.

Nesse sentido, o argumento central do discurso de 23 de janeiro era que a guerra revolucionria entrara em sua fase aguda no Brasil, a terceira etapa da escala criada pelo coronel J. Hogard, do Exrcito francs. Com olhos na divulgao de seu pronunciamento na imprensa, assegurada pelo apoio de vrios grandes jornais mobilizao golpista, Bilac Pinto descreveu em detalhe as cinco fases de Hogard, na verso que recebeu de um artigo militar recm-publicado. Em seguida, apresentou documentos referentes aos grupos dos onze de Leonel Brizola como prova de que as duas etapas da GR consolidao da infra-estrutura e organizao da rede de resistncia - j tinham sido vencidas. Diante disso, citando outro texto militar, pregou a necessidade de organizar os civis da frente anticomunista. Ao mesmo tempo, com base em denncia que ele prprio formulara em entrevista amplamente divulgada nos maiores jornais do pas, o deputado afirmou que o governo estava fornecendo armamentos aos sindicatos - para uso no momento do golpe comunista que se preparava. Isso fundamentou seu diagnstico de que o Brasil j ingressara na terceira etapa da guerra revolucionria, que ele complementou com os seguintes traos: 1) ampla infiltrao comunista em toso os escales do governo; 2) infiltrao comunista nas Foras Armadas; 3) ampla e ostensiva infiltrao comunista nos partidos. A tudo isso ele acrescia a promoo de greves, com motivao poltica ostensiva e o controle das organizaes estudantis e trabalhistas. Seu argumento final vinha em seguida: no Brasil, a guerra psicolgica estava em estado avanado e sua mensagem central eram as reformas de base.

Para os fins deste artigo, parece que essas evidncias j so suficientes. guisa de eplogo, poderamos lembrar a nova interveno do presidente da UDN na Cmara dos Deputados, em 26 de fevereiro de 1964, quando voltou ao tema e reproduziu literalmente, para o plenrio e para a opinio pblica nacional, a definio de guerra revolucionria do j citado documento FA-E-01/61. Por sua folha de servios, Bilac Pinto ganhou do regime militar, depois do golpe de 31 de maro, a presidncia da Cmara dos Deputados, por interveno direta do presidente Castello Branco. O fato ocorreu em fevereiro de 1965. Sete meses depois, o prprio general Castello decretou, com a Ato Institucional nmero dois, o fim do sistema partidrio e da prpria UDN. A partir da, Bilac Pinto e seus colegas da UDN perderam definitivamente qualquer veleidade de influenciar os rumos polticos do pas. Uma leitura mais atenta do comandante Hogard ( tempo de perceber que a ideologia democrtica tornou-se impotente na Frana atual) talvez tivesse alertado o arauto civil do golpe para a viso que os militares tinham dos polticos em geral e da democracia liberal em particular. De um modo ou de outro, em outubro de 1965, o feitio enfim matou o feiticeiro.

Consideraes finais

Neste artigo, procuramos enfocar o processo que levou ao golpe de 1964 por um ngulo diferente, a partir da evoluo da cultura militar e sua influncia na unificao do campo golpista nas Foras Armadas. Essa perspectiva, a nosso ver, permite alguns ganhos historiogrficos. Por um lado, possibilita corrigir a viso dominante sobre a influncia americana no campo das idias militares. Sem negar o apoio americano ao golpe, procuramos mostrar como as idias francesas entraram antes no Brasil e na Argentina e revelaram-se mais teis s necessidades dos grupos militares anticomunistas. Depois do golpe, essa influncia permaneceu forte at pelo menos o final dos anos 70 e a anlise do papel das idias da guerre rvolutionnaire na criao do aparato repressivo, na justificao interna da tortura e, finalmente, no combate guerrilha do Araguaia um tema que no procuramos enfrentar aqui mas ao qual pretendemos voltar no futuro. Por outro lado, o estudo dos processos militares no pr-golpe consolida a viso de que os militares anteciparam-se aos civis na definio de uma viso de mundo e de um iderio que conduzia fortemente necessidade de um golpe de Estado, ou eventualidade de um Executivo civil que implementasse a poltica militar da guerra revolucionria. Em agosto de 1961, a renncia de Jnio afastou esta ltima possibilidade. Por ltimo, o estudo da evoluo da doutrina francesa no interior da organizao militar entre 1959 e 1964 evidencia que no foram os acontecimentos de maro de 1964 a propalada quebra da hierarquia militar - que levaram os militares ao golpe, em defesa da democracia. Bem ao contrrio, j no final dos anos 50 suas idias apontavam para necessidade de ultrapassar os limites da democracia liberal no combate ameaa comunista. Faltavam apenas os pretextos. Estes, a esquerda brasileira forneceu candidamente, confiante como estava na proteo do dispositivo militar do Presidente da Repblica.

No h detalhes nas publicaes brasileiras sobre a data do curso. No entanto, o pesquisador argentino Ernesto Lpez, em sua excelente histria das doutrinas militares daquele pas, esclarece em nota de rodap que o referido curso com a participao de 14 pases latino-americanos realizou-se em Buenos Aires em outubro de 1961. Ver Seguridad nacional y sedicin militar, Buenos Aires, Legaz, 1988, p.154.

Ver a diretriz do Estado-Maior do Exrcito em EME, Mensrio de Cultura Militar, nmero especial, ano XV, Out 1962 e, para as palavras de Castello Branco, Estado-Maior da Aeronutica-2a Seo, Noes bsicas sobre guerra revolucionria coletnea, 2a edio, outubro de 1963. As duas publicaes tm basicamente o mesmo contedo, com exceo dos prefcios e da diretriz.

A ideologia da segurana nacional. O poder militar na Amrica Latina, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1980. 3a ed., p.14.

Idem, ibidem, p.71.

Idem, ibidem, p.22.

From counterrevolutionay warfare to political awakening: the Uruguayan and Argentine Armed Forces in the 1970s, Armed Forces & Society, Fall1993: 25-49, p.27.

Ernesto Lpez, op. cit., p.14.

Azar Gat, A history of military thought. From the enlightenment to the cold war, New York, Oxford University Press, 2001, p.107.

J. Samuel Fitch, The Armed Forces and Democracy in Latin America, Baltimore/London, The Johns Hopkins University Press, 1998, p.107 e 110.

Joseph Comblin, op. cit., p.33.

Idem, ibidem, p.44.

Idem, ibidem, p. 47. Uma outra vertente da literatura tambm ignora a influncia das idias que analisaremos aqui e, embora mencionando a questo da doutrina da guerra revolucionria, prefere atribui-la influncia americana. Ver Alfred Stepan, The Military in Politics. Changing Patterns in Brazil, Princeton, Princeton University Press, 1971, p.174-183; Gerald Haines, The Americanization of Brazil. A study of U.S. Cold War diplomacy in the Third World, 1945-1954, Wilmington, SR Books, 1989, p.39-60 e Sonny B. Davis, A Brotherhood of Arms. Brazil-United States Military Relations, 1945-1977, Niwot, University Press of Colorado, 1996, p.93-115.

O documento recomendava s vrias agncias de governo o reconhecimento da insurreio subversiva (guerras de libertao nacional), como uma forma fundamental de conflito poltico-militar to importante como a guerra convencional, ao mesmo tempo em que procurava garantir que essa nova importncia se refletisse na organizao, treinamento, equipamento e doutrina das Foras Armadas e outras agncias externas dos EUA. Foi seguido pelo NSAM-182, que oficializou o documento U.S. Overseas Internal Defense Policy, datado de agosto de 1962, considerado o guia bsico da poltica governamental de contra-insurgncia da em diante. Ver o artigo de Charles Maechling, Jr. Counterinsurgency: the first ordeal by fire, in Michael T. Klare & Peter Kornbluh (eds.), Low Intensity Warfare. Counterinsurgency, Proinsugency, and Antiterrorism in the Eighties, New York, Pantheon Books, 1988, p.21-48, p.27-28. O autor ocupou o posto de diretor de defesa interna, subordinado diretamente ao Secretrio de Estado, no governo Kennedy.

Idem, ibidem, p.26.

Ver Presidncia da Repblica, Estado-Maior das Foras Armadas, Escola Superior de Guerra, Introduo ao Estudo da Guerra Revolucionria, Augusto Fragoso, Coronel, 1959, p. 5.

Ver Ernesto Lpez, op. cit., p. 137-38.

Ver op. cit., nota 44, p.45.

Idem, ibidem, p.144. A influncia doutrinria francesa comeou e se completou, assim, bastante antes do que admite Samuel Ficht, que prefere usar como referncia o Boletin de Educacin del Ejrcito, para propor que, at 1966, permaneceu o foco preponderante na doutrina de guerra convencional (op. cit., p.110). Recorrendo a documentao muito mais minuciosa, Lpez mostra que, j em 1962, estava virtualmente completa a elaborao doutrinria bsica de carter anti-subversivo. Ver Lpez, op. cit., p. 157.

Idem, ibidem, p.158. Segundo alguns autores, a evoluo do processo poltico argentino deixou os ensinamentos franceses em compasso de espera at 1975, quando ocorreu o chamado Operativo Independencia e seus desdobramentos, conhecidos como a passagem ofensiva. Aps o golpe militar de maro de 1976, a doutrina entrou em plena operao. Ver Carina Perelli, op. cit., p.46, nota 48.

A palestra foi repetida nos cursos Superior de Guerra, Informaes e Mobilizao Nacional em 31 de agosto do mesmo ano. Ver Introduo ao Estudo da Guerra Revolucionria, cit..

O dois textos so mencionados nas notas bibliogrficas de Idem, ibidem, p.58.

Ver o depoimento do general Octavio Costa em DArajo et alii, Os anos de chumbo. A memria militar sobre a represso, Rio de Janeiro, Relume Dumar, 1994, pp.77-78.

Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989, p.264. Agradeo minha aluna Amanda Mancuso a meno a essa fonte.

John Shy e Thomas W. Collier, Revolutionary War, in Peter Paret (ed.), Makers of Modern Strategy, Princeton, Princeton University Press, 1986, p.852.

Em 1957 os bureaux psycologiques foram oficializados com a denominao de 5es Bureaux, passando a fazer parte integrante dos estados-maiores das unidades de combate e dos comandos territoriais. Ver Paret, p.55.

Ver Introduo ao estudo da guerra revolucionria, cit., p.5.

Ver John Shy e Thomas W. Collier, op. cit., p.855. Esses autores lembram a priso por elementos do Exrcito do oficial que comandava as foras especiais no Vietn. Collier serviu no Vietn. No mesmo sentido, Charles Maechling, Jr afirma que havia resistncia nos altos escales do Pentgono sobrevalorizao da guerra de guerrilha: esse enfoque, temia-se, geraria imagens de unidades de elite, que poderiam perturbar o moral e despertar expectativas no autorizadas de promoo rpida. Abriria tambm a porta a misses no-combatentes, que poderiam desviar recursos de misses militares regulares. Ver op. cit., p.26.

John Shy e Thomas W. Collier, op. cit., p.852.

Citado Peter Paret, op. cit., p.28.

Idem, ibidem, p.76-77.

Nesse ponto, a referncia Samuel Huntington, The Soldier and the State. The Theory and Politics of Civil-Military Relations, Cambridge/London, Harvard University Press, 1998, 13th printing. Ver principalmente a Parte III. Para a Frana, ver Paret, French Revolutionary Warfare, cit., p.26-29. Referindo-se s relaes entre colonialismo e poltica no sculo XIX, este autor lembra que o sonho de regenerar a metrpole a partir do esforo de ultramar no esteve sempre ausente entre os imperialistas anglos-saxes, mas um grupo influente de oficiais franceses levou esse pensamento mais longe e o ambiente poltico consideravelmente menos estvel em que viviam conduziu a srios desdobramentos de suas idias. Ver p.106-107.

Para as relaes entre o pensamento militar colonialista e a doutrina da guerre rvolutionnaire, ver Peter Paret, op. cit., p.103 e segs.

Ver op. cit., p.108.

J em 1957, um panfleto annimo de cerca de 145 pginas com o ttulo Contre-rvolution, stratgie et tactique constitua-se num verdadeiro manual para a preparao de um golpe militar. Seu alvo principal era o comunismo internacional, mas seus alvos operacionais eram as autoridades constitudas e as foras de esquerda na metrpole. Da teoria, os oficiais franceses passaram prtica. O general Chassin, j citado como autor de um dos artigos divulgados na Marinha brasileira em 1958, foi personagem central na tentativa de golpe ocorrida nesse mesmo ano. Os generais Zeller e Challe foram condenados a quinze anos de priso pela participao na revolta de abril de 1961. O j citado coronel Lacheroy foi condenado a morte in absentia por seu papel na mesma revolta, assim como os coronis Broizat, Gardes e Godard. Broizat e Godard tornaram-se, depois de 1961, chefes da terrorista Organization de lArme Secret (OAS) - que, como se sabe, tentou assassinar o prprio general de Gaulle. Diante desses exemplos, o coronel Bonnet e o terico civil Claude Delmas, amplamente lidos no Brasil do final dos ano 50 e nos anos 60, podiam ser vistos como moderados. Ver Peter Paret, op. cit., p.112 e segs.

Sabe-se que a doutrina da contra-insurreio foi criada principalmente por tericos civis, como Walt Rostow e Robert McNamara. Ver David Halberstam, The Best and the Brightest, New York, Ballatine Books, 1992, 20th-anniversary edition.

Assim, Paret fala na tradio colonial que gerou no pensamento francs essa mistura peculiar de romantismo e obstinado auto-interesse (op. cit., p.106), enquanto John Shy e Thomas W. Collier falam da influncia de um catolicismo mstico associado a uma lgica quase cartesiana (op. cit., p. 852).

John Shy e Thomas W. Collier, op. cit., p.852. Nesse sentido, a doutrina militar oficial no governo Eisenhower (1953-1960) era a da retaliao macia, que ameaava a URSS com um ataque nuclear em caso de incurses no-nucleares da Unio Sovitica na Europa e outras regies. O governo Kennedy contraps a essa doutrina a da resposta flexvel, proposta inicialmente pelo general Maxwell Taylor, em 1960, cuja nfase recaa na capacidade de reagir ao longo de todo o espectro de possveis ameaas, da guerra geral guerra limitada. Michael T. Klare e Peter Kornbluh, The New Interventionism: Low-Intensity Warfare in the 1980s and Beyond, in Klare & Kornbluh, op. cit., p. 10-11. De resto, a confuso existente nos prprios Estados Unidos quanto ao que fazer com o poder atmico era patente. Ver Lawrence Freedman, The First Three Generations of Nuclear Strategists, in Makers of Modern Strategy, cit., pp.735-78. Para a resposta flexvel, ver Michael Carver, Conventional Warfare in the Nuclear Age, idem, ibidem, pp. 779-814.

Ver Ernesto Lpez, op. cit., p.155. Este autor procurou mostrar como, depois do golpe que derrubou Pern, os chefes militares passaram a buscar uma nova doutrina e voltaram-se para idia da guerra interna. Para ele, a guerre rvolutionnaire francesa foi ideal para o esforo castrense de apagar a memria da doutrina peronista de defesa nacional - e como instrumento de combate s foras sociais que se agrupavam em torno do peronismo. O problema que efetivamente pretendia enfrentar a redefinio doutrinria era o da sobrevivncia do peronismo no interior do Exrcito, defende Lpez. E complementa: mas, alm disso, o peronismo era um problema fora do Exrcito: tambm dissemos que se procurava a desperonizao da sociedade e a preveno de qualquer reao peronista no plano poltico. Uma interpretao diferente aparece no texto de Carina Perelli, para quem o antiperonismo nunca foi suficiente para unificar as Foras Armadas argentinas, mesmo depois do golpe militar de 1976. Em suas palavras, embora a situao na Argentina em maro de 1976 fosse percebida como suficientemente ameaadora para levar as Foras Armadas a agir como um s corpo, era muito difcil para uma organizao com tal histria de divisionismo gerar e adotar um relato justificatrio comum. Nesse contexto, na sua perspectiva, a doutrina foi adotada como um cdigo de interpretao do mundo apenas por certas faces e grupos operacionais na organizao militar. Sempre foi forada a competir com outras doutrinas e influncias.

Como afirmou um importante historiador da doutrina francesa, analisar um corpo de teoria que no obra de um nico homem, mas de muitos, pode apresentar dificuldades; nesse caso, porm, esse problema dificilmente existe. Os numerosos escritos dos adeptos da teoria mostram naturalmente discordncias em pontos menores, mas h uma unanimidade em tudo que essencial, e a unidade de concepo se estendia sua aplicao prtica. Peter Paret, op. cit., p. 8. Antes desse livro, datado de 1964, Paret publicara o artigo pioneiro The French Army and La Guerre Rvolutionnaire, em Journal of the Royal United Service Institution, February 1959. O texto foi publicado em seguida em Survival, vol. I, 1959, 25-32. Uma questo adicional a do grau de apoio de que gozou no Exrcito francs a doutrina em questo.

O socilogo Raoul Girardet. Citado em Peter Paret, French Revolutionary Warfare, cit., p.27.

Raoul Girardet, citado em idem, ibidem, p.143.

Como afirmou Peter Paret: O que surpreendente no caso da guerre rvolutionnaire que seu conceito detalhado da contra-revoluo deriva diretamente de sua viso vaga da revoluo; o reflexo no espelho ntido, enquanto a coisa refletida permanece embaada. Ver French Revolutionary Warfare, cit., p.20.

Idem, ibidem, p.12-15. Paret se baseia nos escritos do comandante Hogard.

Idem, ibidem, p.21-25.

Nesse sentido, ao examinar as relaes entre as atividades da Escola Superior de Guerra e a Revoluo de 1964, Alfred Stepan afirmava: O sentido de crise sistmica e especialmente de radicalizao da poltica entre 1961 e 1964 fez com que as doutrinas de contra-insurgncia da ESG aparecessem a muitos militares como muito mais relevantes e urgentes do que o tinham sido no perodo de alto crescimento e relativa paz poltica de 1956 a 1958. A frase contm imprecises. Antes de mais nada, porque a ESG no dispunha de nenhuma doutrina de contra-insurgncia de 1956 a 1958 e o prprio termo um anglicismo evidente - s passou a circular a partir do governo Kennedy. Em seguida, porque a afirmao deixa o leitor intrigado quanto ao que ocorreu no campo das doutrinas militares entre 1959 e 1960. Ver The Military in Politics. Changing Patterns in Brazil, Princeton/London, Princeton University Press, 1971, p.185.

Ganha sentido aqui a declarao de Golbery do Couto e Silva a Alfred Stepan: Como a ESG organizada para analisar os problemas do pas e elaborar solues, bastante natural que se um governo for fraco a ESG ser contra ele. Porque os governos de Vargas, Kubitschek o melhor deles - e Goulart foram fracos, a ESG era naturalmente contra eles, do ponto de vista intelectual. Nunca assumimos uma posio contra Quadros. Alfred Stepan op., cit., p. 184.

Antnio de Arruda, ESG. Histria de sua doutrina, So Paulo, GRD/INL-MEC, 1980, p.245.

Em 1953, falava-se apenas em guerra total (que integra todos os meios do pas) e guerra global (em que o mundo, apesar de dividido, seu cenrio), admitindo como formas de conflito: guerra fria, guerra psicolgica (no sentido clssico de atuao sobre as foras de um inimigo externo), guerra biolgica e guerra atmica. No ano seguinte, a escola discutiu sete tipos: guerra poltica. guerra psicolgica, guerra econmica, guerra militar, guerra qumica, guerra biolgica e guerra atmica. Em 1955, props-se a classificao em trs formas guerra total, guerra global e guerras atenuadas, que incluam, por sua vez, a guerra colonial, guerra civil e guerra por procurao. S em 1959, discutiu lado a lado as doutrinas de guerra americana e francesa, atribuindo a esta ltima os seguintes tipos: nuclear, revolucionria e convencional. Ver Idem, ibidem, p.257.

Introduo ao Estudo da Guerra Revolucionria, cit., p. 12.

Idem, ibidem, p.48.

Publicado no Brasil, em 1963, pela Biblioteca do Exrcito em parceria com a editora de esquerda Civilizao Brasileira, em tiragem de 9 mil exemplares, particularmente alta para a poca.

O coronel agradece a colaborao de dois diplomatas brasileiros, o ministro Ouro Preto e o secretrio Roberto Assuno, na escolha e aquisio dessa esplndida bibliografia para a Diviso de Assuntos Militares da ESG. Ver. p.1.

Idem, ibidem, p.48.

Idem, ibidem, p.22.

Idem, ibidem, p.40.

Idem, ibidem, p.40.

Veja-se, por exemplo, a competente narrativa de Edgard Carone, A Repblica Liberal. II evoluo poltica (1945-1964), So Paulo, Difel, 1985.

Um exemplo a nfase atual das Foras Armadas brasileiras na defesa da Amaznia, com a correlata doutrina da resistncia.

Introduo ao Estudo da Guerra Revolucionria, cit., p.5, nota 1.

Presidncia da Repblica, Estado-Maior das Foras Armadas, 1961. Daqui em diante mencionado com a sigla acima.

FA-E-01/61, p.1.

Principalmente George A. Kelly.

FA-E-01/61, p.21.

Para uma lista desse artigos ver o panfleto de Pedro Brasil (certamente um pseudnimo), Livro Branco sobre a guerra revolucionria no Brasil, Porto Alegre, Livraria do Globo, 1964, pp.52-54. Note-se a participao de uma das principais editoras brasileiras na poca.

Como se ver, isso abria caminho para a classificao mais precisa do estgio em que se encontrava a guerra revolucionria no Brasil aps a posse de Goulart. Ver Mensrio de Cultura Militar, Ano XIV, setembro de 1961.

Peter Paret, op. cit., p.57.

Ano XIV, Out 1962.

Idem, ibidem, pgina de abertura, sem numerao.

Os trs oficiais-instrutores que mencionamos no incio do artigo so o major e depois tenente-coronel Valter Mesquita de Siqueira, o tenente-coronel Danilo da Cunha e Mello e o major Paulo Campos Paiva. As aulas sobre Propaganda sovitica, A estratgia revolucionria no quadro mundial, As operaes na guerra revolucionria foram atribudas, respectivamente, aos tenentes-coronis Walter Mesquita de Siqueira, Jos de S Martins e Carlos de Meira Mattos. Outras palestras tiveram colaborao do general Moacir Arajo Lopes (Liderana na guerra revolucionria), do almirante Murilo Vasco do Vale e Silva (Guerra psicolgica) e do major Gustavo Morais Rego Reis (Um episdio da guerra revolucionria no Brasil).

Aparentemente, a urgncia que assumiu, aos olhos das Foras Armadas brasileiras, a luta contra o comunismo, explica a importao de um curso ministrado na Argentina, tradicional rival militar brasileiro. Afinal, no ano anterior, o j mencionado documento do Estado-Maior destinado conceituao das formas de guerra dizia que a Gr-Bretanha e a Argentina seguem em grandes linhas, a orientao sobre o assunto consubstanciado no pensamento francs. Ver FA-E-01/61, p.2. Vrios autores discordariam da equiparao entre as doutrinas inglesa e francesa. Ver, por exemplo, John Shy e Thomas W. Collier, op. cit. e Larry E. Cable, Conflict of Myths. The development of American Counterinsurgency Doctrine and the Vietnam War, New York/London, New York University Press, 1986.

Note-se a caracterizao do episdio do levante comunista como revoluo, para adapt-lo melhor doutrina francesa, e no intentona comunista, termo oficial do discurso militar.

Como registrou em suas memrias o ento coronel Jarbas Passarinho em face do xito obtido, o Estado-Maior do Exrcito empreendeu, em 1963, um novo curso, j agora com a participao maior de oficiais das trs Foras Armadas, e com a colaborao de mestres civis, como Emerson Nunes Coelho, Temstocles Brando Cavalcanti e Alfredo Lamy, que desenvolveram temas como: A doutrina social da Igreja, Fundamentos do Marxismo e Aes Jurdicas para a Preservao da Democracia. Ver Um hbrido frtil, Rio de Janeiro, Expresso e Cultura, 1996, p.163. A colaborao civil mencionada como fundamental tambm no curso ministrado na Argentina, que contou, segundo o major Paiva, com a colaborao de professores da Universidade de Buenos Aires homens versados e habituados matria. Ver Mensrio de Cultura Militar, Ano XIV, Out 1962, aula Aspectos bsicos do marxismo. Na Frana, como mostra o j mencionado Raoul Girardet, o mesmo ocorreu.

Jarbas Passarinho, op. cit., p.164. O autor, que era oficial de estado-maior no Par, lembra: Cabia-me, como oficial de operaes, propor o programa de instruo dos oficiais e sargentos separadamente. Aproveitando o material que vinha do Estado-Maior do Exrcito, programei algo semelhante, ou seja, um estudo objetivo das diversas fases e formas da Guerra Revolucionria, mas dei nfase ao estudo das doutrinas sociais contemporneas em conflito. Ver op. cit., p.165.

Para Edgard Carone, em fins de 1963, o preparo do golpe vai se tornando to acintoso que os seus reponsveis civis, contando, evidentemente, com a simpatia militar, tomam atitudes cada vez mais agressivas e de despudonor total. Ver op. cit., p.203.

Idem, ibidem, p.176.

Democracia e comunismo, p.7.

Citado a partir de matria de O Estado de S. Paulo, de 17-10-1961 em Edgard Carone, op. cit., p.177-78.

Carlos Castello Branco, Introduo Revoluo de 1964, A queda de Joo Goulart, Tomo 2, Rio de Janeiro, Artenova, 1975, p. 146, nota de 13 de dezembro de 1963.

A estratgia dos golpistas civis de associar Brizola e Goulart atribuindo ao governo federal uma dupla personalidade - foi inaugurada pelo prprio Bilac Pinto em discurso proferido na Cmara em 25 de junho de 1963. Ver o pronunciamento em Bilac Pinto, A guerra revolucionria, So Paulo, Forense, 1964, livro publicado depois do golpe de maro, com patrocnio oficial. Note-se que outra importante editora brasileira associava-se aqui s foras que derrubaram Goulart.

Para a repercusso dos discursos, ver Edgard Carone, op. cit., p. 203.

Ver Carlos Castello Branco, op. cit., p.168.

Cf. Thomas Skidmore, Brasil: de Getlio a Castelo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982, 7a edio, p.283.

Bilac Pinto, op. cit., p.63.

Uma evidncia interessante de como essas idias ainda eram desconhecidas dos civis o erro do geralmente muito bem informado Carlos Castello Branco, que referiu-se denncia de Bilac Pinto sobre a terceira etapa na seriao formulada por Togard (grifo do prprio jornalista). Op. cit., p.168.

Tenho em mos o estudo do Tenente-Coronel Antnio Fonseca Sobrinho, publicado pelo Estado-Maior do Exrcito, explicou o deputado. Op. cit., p.67.

A guerra revolucionria e a participao dos civis, de Antonio Carlos Murici. Op. cit., p.68.

A denncia mostrou-se depois totalmente infundada e, na ocasio, foi o principal alvo das crticas do lder do governo, o deputado Doutel de Andrade, que exigiu repetidas vezes em plenrio para que Bilac dissesse onde estavam as armas. Ver, por exemplo, op. cit., p. 71

Idem, ibidem, p.73-76.

Idem, ibidem, p.112.

Ver Thomas Skidmore, Brasil: de Castelo a Tancredo, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989, 3a edio, p. 93.