Foto: Gerry Huberty - casarealportuguesa.org files... · O príncipe Guillaume e Eduardo da Costa...

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CONTACTO \\ 24 DE OUTUBRO DE 2012 em foco 3 O príncipe Guillaume e Eduardo da Costa (à dta.) foram colegas no Liceu Robert Schuman. O português reencon- trou-se com o príncipe na recepção que o Governo luxemburguês ofereceu aos noivos No liceu, Guillaume era "uma pessoa acessível", garantem os seus antigos colegas Foto: Arquivos Wort/Jochen Herling Vera Vasconcelos e o marido, Michael Eichmüller, foram dois dos 270 populares que estiveram na catedral para assistir à cerimónia a convite dos noivos Fotos: P.T.A Três gerações de portuguesas assistem ao casamento na rue Chimay, com a bandeira portuguesa e a luxemburguesa Casamento de Guillaume do Luxemburgo e Stéphanie de Lannoy foi uma festa popular a lembrar os dias de Festa Nacional Um grande dia para um pequeno país Stéphanie e Guillaume durante o primeiro "banho de multidão", na sexta-feira O último príncipe herdeiro da Europa casou-se debaixo de um sol generoso e da atenção mediática de mais de 700 jornalistas. Pouco habituado a tantas atenções, o país – "um dos mais pe- quenos do mundo", frisa a revista Forbes – saiu-se bem. E sobreviveu mesmo às comparações com o casa- mento de Kate e William de Inglaterra, mais mediá- tico mas menos autêntico, garantem os analistas. " N ão é o casamento de Kate e William, mas o Luxemburgo atraiu milhares de pessoas para o casamento do príncipe Guillaume com a condessa Stéphanie de Lannoy”. A cábula que a jornalista inglesa segura na mão, escrita em letras garrafais num cartão que lhe há-de servir pouco depois para abrir a reportagem televisiva sobre o casa- mento de Guillaume e Stéphanie, quando o casal sair da catedral, é provavelmente a frase mais repetida por estes dias na imprensa estrangeira. Isso e alguns lugares-comuns sobre o Luxemburgo. "Um país minúsculo”, "pouco habituado a estar debaixo dos holofotes”, diz o tablóide inglês Daily Mail. Por uma vez, o Luxemburgo esteve mesmo debaixo dos holofotes, e o país teve consciência da atenção mediáti- ca. "O estrangeiro olha-nos", avisara o primeiro-ministro luxemburguês no discurso que fez um dia antes das cerimónias. "Não vamos ficar incha- dos de orgulho, mas também não devemos fazer-nos mais pequenos do que aquilo que somos", instou Juncker. A boda real no Grão-Ducado atraiu menos atenção mediática que o casa- mento de Kate e William, mas a comparação é injusta, denuncia o jornalista francês Stéphane Bern. Es- pecialista na realeza europeia, o apre- sentador do canal de televisão France 2, próximo da família grã-ducal e grande amigo do Luxemburgo (a mãe era luxemburguesa) não esconde a irritação com a comparação. "É estranho que comparem os dois casamentos, porque aqui, por causa de 350 mil euros, as pessoas puse- ram-se aos gritos”, diz ao CONTACTO o apresentador televisivo, referin- do-se à polémica com o dinheiro gasto pelo Governo luxemburguês na cerimónia. "Não se pode ter tudo. Se queremos um casamento como o de Kate e William, é preciso gastar muito mais do que 350 mil euros”. Mas as diferenças não se ficam por aqui. Apesar de ter custado cem vezes menos que a boda real inglesa, or- çada em 40 milhões de euros, o casamento de Guillaume e Stéphanie teve "muito mais charme”, defende Bern. "Foi mais autêntico, mais cúmplice com o povo, menos protocolar, e teve muito mais calor popular. Em Ingla- terra há muitas barreiras que separam o povo da família real. Aqui não é assim”, garante Bern, autor de um livro sobre o casamento de Guillaume e Stéphanie que vai ser lançado nas livrarias luxemburguesas já no pró- ximo sábado. "A família grã-ducal é muito sim- ples, muito sóbria, muito discreta e reservada. Isto também está no ADN do povo luxemburguês, que não gosta de 'bling-bling', e não suporta- ria uma família real arrogante, faus- tosa e protocolar”, diz. "ALTEZA REAL? PARA NÓS ELE É O GUILLAUME" Casamento low cost ou não, o Luxem- burgo vestiu-se de gala para o evento. Na place de la Constitution, a bandeira do país foi substituída por um estan- darte com o monograma do casal. Na maioria das lojas, a fotografia dos noivos decora as montras. Numa loja de decoração na avenue de la Liberté, gerida por ingleses, brinca-se com o evento. Um cartaz parodia a propa- ganda inglesa da Segunda Guerra Mundial, os famosos cartazes com a frase "Keep calm and Carry on" ("Mantenha-se calmo e continue"). A versão luxemburguesa diz "Keep calm: We got our own royal wedding" ("Mantenha-se calmo: Temos o nosso próprio casamento real"). E a calma marcou as comemorações populares, que arrancaram logo na sexta-feira. O primeiro evento oficial em que o casal pôde ser visto foi uma recepção oferecida pelo Governo lu- xemburguês aos noivos e aos jovens do país, na manhã de sexta-feira. Entre os convidados, estavam repre- sentantes de associações juvenis, ca- sais que se casavam no mesmo dia que o príncipe e também antigos colegas do liceu de Guillaume. Incluindo um português que chegou a sentar-se na mesma carteira do futuro Grão-Du- que, durante as aulas no Liceu Robert Schuman, um estabelecimento de en- sino público da capital. Eduardo Gonçalves da Costa tem a idade de Guillaume, 30 anos, e ga- rante que o príncipe "é uma pessoa simples". "Antes de a recepção começar, vie- ram-nos dizer para lhe chamarmos 'Sua Alteza Real'. Mas nenhum de nós lhe chama isso. A gente conhece-o, e para nós ele é o Guillaume!". O príncipe cumprimentou calorosa- mente o antigo colega (ver foto na pág. ao lado), apresentou-lhe Stépha- nie (que é "muito simpática", elogia Eduardo), e perguntou-lhe pela mu- lher. Os dois já não se viam há dois anos, quando se cumprimentaram na Festa Nacional, mas Eduardo garante que Guillaume continua a mesma pes- soa "simples e acessível" que conhe- ceu na escola. O português foi estudar para o Liceu Robert Schuman quando ti- nha 12 anos, e ignorava que o colega de turma com quem passaria os três anos seguintes era príncipe do Luxemburgo. "Quando vim da escola primária para o liceu, eu não sabia que havia um príncipe no Luxemburgo – nem sequer que ha- via grão-duques", recorda. "E na- quela altura ele não tinha os fotó- grafos todos atrás dele", brinca. Foi só uns meses depois que Eduardo descobriu que o colega que chegava todos os dias à escola com motorista era afinal o herdeiro da casa real luxemburguesa, mas a relação entre os dois não se alterou. "Eu era o único português no clás- sico, e ele é mais francófono, e por isso devíamos ser os piores alunos da turma em Alemão", brinca este funci- onário do sindicato Aleba. "Íamos juntos almoçar à 'vila' [cidade], ele era muito acessível". Eduardo da Costa garante que Guillaume tem um grande apreço pela comunidade portuguesa e é mesmo um fã da selecção das Quinas. "Du- rante o Euro 96, fomos os dois a uma livraria portuguesa na place de Paris que vendia T-shirts de futebol portu- guesas. Ele comprou uma, eu comprei outra. Ele gostava muito da equipa de Portugal, e como a família dele tam- bém descende de portugueses, apoi- ava muito a selecção". A proximidade de Guillaume com a população luxemburguesa não é de agora, garante Eduardo, que esteve no aniversário dos 18 anos do príncipe no castelo de Vianden. "Ele convidou os colegas da escola todos. Estavam as princesas do Lichtenstein, as primas dele, e nós. Era uma mistura!". Os noivos demoram hora e meia a cumprimentar toda a gente, incluindo os jovens do Comité Spencer, a associ- ação de jovens cabo-verdianos no Luxemburgo, com quem o casal se demora alguns minutos. Guillaume e Stéphanie só deixam o Grand Théâtre ao meio-dia e meia, quando faltam apenas três horas para o casamento civil. Três horas para almoçar e mudar de roupa para a ocasião, histórica no país. Esta é a primeira vez que um casal real se casa na comuna do Luxemburgo, e Xavier Bettel garante que está tudo a postos. "As flores já chegaram, só falta aspirar os tapetes, mas vai estar tudo pronto a horas", garante aos jornalis- tas o burgomestre da capital, durante a recepção no Grand Théâtre. UM CASAL MODERNO Philo Ney tem 79 anos, idade para já ter assistido a três casamentos reais no Luxemburgo: o do Grão-Duque Henri e da Grã-Duquesa Maria Teresa, em 1981, o do pai do actual Grão-Duque com a grã-duquesa Josephine-Char- lotte, nos anos 1950, e agora o de Guillaume e Stéphanie. Mas esta é a primeira vez que vai poder ver o casamento real ao vivo. "É a primeira vez que fazem isto, virem casar ao civil, como as outras pessoas. Antes casavam-se no palácio e ninguém os via", diz a octogenária luxemburguesa. "Eles são bastante mais modernos", elogia, enquanto mostra postais do casal à jornalista do CONTACTO. "Já enviei muitos aos meus amigos, quer um? Estou muito contente. É o último príncipe herdeiro da Europa que se casa. Felizmente encontrou uma jovem simpática que fica muito bem com ele". Tal como Philo Ney, milhares de pessoas vieram ver o casamento civil à place Guillaume. É hora de trabalho, mas quem pode pára para ver o casal que um dia sucederá aos actuais grão- duques. Num prédio coberto de an- daimes, ao lado do edifício da autar- quia, os trabalhadores interrompem as obras para virem espreitar a chegada a pé do casal. À cerimónia, íntima, assistem ape- nas a família e alguns convidados do casal. Mas Guillaume e Stéphanie te- rão ali o seu primeiro banho de multi- dão. Aplaudidos efusivamente à saída da comuna, o jovem casal passará os 45 minutos seguintes a cumprimentar as milhares de pessoas que os esperam por detrás das barreiras que ladeiam o percurso entre a Comuna e o Palácio. Para Stéphane Bern, o banho de multidão confirma a poderosa ligação da família grã-ducal com a população luxemburguesa. "Estão em conivência com o povo, de quem são muito próximos. Em que outro casamento real é que foram convidadas 300 pessoas do povo para assistir à cerimó- nia religiosa?". A FESTA DO POVO Vera Vasconcelos e Michael Ei- chmüller foram dois dos 270 popula- res que estiveram na catedral de No- tre-Dame no sábado. Vera viu o anún- cio nos jornais, a avisar que os interes- sados se podiam inscrever para partici- par na cerimónia religiosa, e passou duas horas ao telefone para conseguir lugares para ela e o marido. A manhã foi longa para o casal, mas estão os dois radiantes, vestidos a rigor para a cerimónia. A tradutora portuguesa no Parlamento Europeu e o inglês de origem alemã tiveram de chegar às 8h da manhã à catedral, depois de serem submetidos a um controlo de segurança rigoroso. "Até às 10h, podíamos ir à casa-de-banho, depois já não. E íamos sempre escolta- dos”, conta a funcionária europeia. Quando Stéphanie de Lannoy entra finalmente na catedral, às 11h, o casal está há três horas à espera nos bancos de madeira da igreja, mas nem assim esmoreceu o entusiasmo. "Foi maravi- lhoso”, garante a tradutora portugue- sa, para quem o casamento foi "uma ocasião histórica". "Tínhamos óptimos lugares lá dentro e estávamos a ver tudo! Os duques de Bragança passa- ram mesmo ao nosso lado...”. No sábado, o Luxemburgo en- cheu-se de gente para assistir ao casa- mento real. Uns preferiram o ecrã gigante na place Guillaume, que se encheu para ver o casamento. Desde as 10 da manhã que se vêem popula- res de copo de espumante na mão. Três mulheres vestidas a rigor, inclu- indo chapéu de cerimónia, assistem a tudo na praça que tem o nome do príncipe herdeiro. "Viemos de Saar- burg, na Alemanha, e chegámos às 8h30 para ver o casamento", conta Elfriede Arends, que veio com a mãe e a irmã. Perto, um grupo de jovens espa- nholas faz a festa com as bandeiras do Luxemburgo e de Espanha. "Estou apaixonada pelo príncipe, é tão gua- po!", diz Carlota, há oito meses no Luxemburgo. Comentam-se os trajes das famosas. "A mais bonita é a Letizia. Ela e a Carolina do Mónaco". E elogia-se o vestido da noiva, "magní- fico!". Os populares concentram-se nos locais estratégicos para ver os noivos passar. Ermelinda Carvalho chegou por volta das 10h para conseguir lugar perto da catedral, o local ideal para ver as personalidades convidadas para o casamento real. "O Durão Barroso e os duques de Bragança passaram mesmo à minha beira, eu bati-lhes palmas", diz Erme- linda. "Mas como fui a única, até me calei. Havia muito poucos portugue- ses", lamenta. "Perto de mim só se ouvia falar espanhol. Portugueses, nada. Acho que os portugueses foram todos para a 'bricola'", brinca esta imigrante portuguesa, há 25 anos no Luxemburgo. Ainda assim, há portugueses em todos os pontos do percurso. Na rue Chimay, três gerações de portuguesas assistem a tudo pelo ecrã de televisão de uma loja de telecomunicações. Avó, nora e neta não perdem pitada da cerimónia, com a bandeira portuguesa e a luxemburguesa a postos para quando o casal passar por ali, no final da cerimónia. "Fiz questão de vir pela minha filha, e consegui arranjar a coisa para ter folga hoje", conta Olinda Novais, em- pregada num restaurante português. "Ela há uma semana que anda a falar nisto e a contar histórias de princesas e reis". A menina, de cinco anos, mostra à jornalista do CONTACTO os desenhos que fez na escola com o "príncipe azul" (príncipe encantado, em francês) e a princesa. "Eu adoro ver isto", diz a avó, Lucinda. "Eu já cá estava quando o pai dele casou, mas na altura vi na televi- são, porque vivia em Ettelbruck", conta a imigrante de 66 anos. Fora da catedral, ouvem-se aplau- sos no momento em que o casal diz "sim". Ou melhor, "Jo". A tensão cresce. Atrás das barreiras, concen- tram-se populares à espera de ver passar Stéphanie e Guillaume. Depois, mal o carro do casal passa, correm para o Palácio, para assistir à tradicio- nal saudação da varanda. É o mo- mento mais aguardado, e Stéphanie e Guillaume não desiludem: beijam-se três vezes, para alegria da população, que explode em aplausos. "Houve um verdadeiro movimento de amor da população do Luxem- burgo em relação a este casamento, que foi muito criticado na imprensa", analisa Stéphane Bern. "Mas os lu- xemburgueses deram uma bela res- posta aos críticos", defende o apresen- tador francês. "E o casal, que é adorá- vel, conquistou completamente a opi- nião pública luxemburguesa. Eles de- ram a volta à opinião pública com a sua simpatia". Para trás ficam as polémicas que rodearam o casamento, incluindo a naturalização da condessa belga dias antes do casamento, defende. Para o jornalista francês, a boda foi "um evento federador" a nível nacional e um evento marcante para a imagem do Luxemburgo no estrangeiro. "O primeiro-ministro Juncker resumiu muito bem a situação, quando disse que é um acontecimento que permite aos luxemburgueses sentirem-se or- gulhosos do seu país. O Luxemburgo nunca tinha sido falado de uma forma tão positiva. Até aqui, sempre que se falava do país, era para dizer que é um paraíso fiscal, um país de bancos, de branqueamento de dinheiro. É a pri- meira vez que ouço coisas inteligentes sobre este país, um país de cultura e tradição". A festa terminou com fogo de arti- fício e concertos. Depois, Guillaume e Stéphanie partiram em lua de mel. Destino: desconhecido. Nem Stépha- nie de Lannoy sabia para onde iam. Stéphane Bern, o jornalista francês amigo da família grã-ducal, garante que também não sabe onde está o casal. "Foram os amigos de Stéphanie que lhe fizeram a mala, para ela não descobrir pela roupa para onde ia. Ninguém sabe onde estão. No Luxem- burgo, as pessoas sabem guardar um segredo". Paula Telo Alves Foto: Gerry Huberty Casamento real Casamento real 24 DE OUTUBRO DE 2012\\CONTACTO CONTACTO\\24 DE OUTUBRO DE 2012 4 5 "Olé!". Um grupo de amigas espanholas festeja efusivamente o casamento real, entre a place Guilaume e o palácio Foto: Claude Piscitelli

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Page 1: Foto: Gerry Huberty - casarealportuguesa.org files... · O príncipe Guillaume e Eduardo da Costa (à dta.) foram colegas no Liceu Robert Schuman. O português reencon-trou-se com

CONTACTO \\24 DE OUTUBRO DE 2012 em foco 3

O príncipe Guillaume e Eduardo daCosta (à dta.) foram colegas no LiceuRobert Schuman. O português reencon-trou-se com o príncipe na recepção queo Governo luxemburguês ofereceu aosnoivos

No liceu, Guillaume era "uma pessoaacessível", garantem os seus antigoscolegas Foto: Arquivos Wort/Jochen Herling

Vera Vasconcelos e o marido, Michael Eichmüller, foram dois dos 270 popularesque estiveram na catedral para assistir à cerimónia a convite dos noivos Fotos: P.T.A

Três gerações de portuguesas assistem ao casamento na rue Chimay, com abandeira portuguesa e a luxemburguesa

Casamento de Guil laume do Luxemburgo e Stéphanie de Lannoy foi uma festa popular a lembrar os dias de Festa Nacional

Um grande dia para um pequeno país

Stéphanie e Guillaume durante o primeiro "banho de multidão", na sexta-feira

O último príncipe herdeiroda Europa casou-se debaixode um sol generoso e daatenção mediática de maisde 700 jornalistas. Poucohabituado a tantas atenções,o país – "um dos mais pe-quenos do mundo", frisa arevista Forbes – saiu-sebem. E sobreviveu mesmoàs comparações com o casa-mento de Kate e Williamde Inglaterra, mais mediá-tico mas menos autêntico,garantem os analistas.

"N ão é o casamento de Kate eWilliam, mas o Luxemburgoatraiu milhares de pessoas

para o casamento do príncipeGuillaume com a condessa Stéphaniede Lannoy”. A cábula que a jornalistainglesa segura na mão, escrita emletras garrafais num cartão que lhehá-de servir pouco depois para abrir areportagem televisiva sobre o casa-mento de Guillaume e Stéphanie,quando o casal sair da catedral, éprovavelmente a frase mais repetidapor estes dias na imprensa estrangeira.Isso e alguns lugares-comuns sobre oLuxemburgo. "Um país minúsculo”,"pouco habituado a estar debaixo dosholofotes”, diz o tablóide inglês DailyMail.

Por uma vez, o Luxemburgo estevemesmo debaixo dos holofotes, e o paísteve consciência da atenção mediáti-ca. "O estrangeiro olha-nos", avisara oprimeiro-ministro luxemburguês nodiscurso que fez um dia antes dascerimónias. "Não vamos ficar incha-dos de orgulho, mas também nãodevemos fazer-nos mais pequenos doque aquilo que somos", instouJuncker.

A boda real no Grão-Ducado atraiumenos atenção mediática que o casa-mento de Kate e William, mas acomparação é injusta, denuncia ojornalista francês Stéphane Bern. Es-pecialista na realeza europeia, o apre-sentador do canal de televisão France2, próximo da família grã-ducal egrande amigo do Luxemburgo (a mãeera luxemburguesa) não esconde airritação com a comparação.

"É estranho que comparem os doiscasamentos, porque aqui, por causade 350 mil euros, as pessoas puse-ram-se aos gritos”, diz ao CONTACTOo apresentador televisivo, referin-do-se à polémica com o dinheirogasto pelo Governo luxemburguês nacerimónia. "Não se pode ter tudo. Sequeremos um casamento como o deKate e William, é preciso gastar muitomais do que 350 mil euros”.

Mas as diferenças não se ficam poraqui. Apesar de ter custado cem vezesmenos que a boda real inglesa, or-çada em 40 milhões de euros, ocasamento de Guillaume e Stéphanieteve "muito mais charme”, defendeBern.

"Foi mais autêntico, mais cúmplicecom o povo, menos protocolar, e tevemuito mais calor popular. Em Ingla-terra há muitas barreiras que separamo povo da família real. Aqui não éassim”, garante Bern, autor de umlivro sobre o casamento de Guillaumee Stéphanie que vai ser lançado naslivrarias luxemburguesas já no pró-ximo sábado.

"A família grã-ducal é muito sim-ples, muito sóbria, muito discreta ereservada. Isto também está no ADNdo povo luxemburguês, que nãogosta de 'bling-bling', e não suporta-

ria uma família real arrogante, faus-tosa e protocolar”, diz.

"ALTEZA REAL? PARA NÓSELE É O GUILLAUME"

Casamento low cost ou não, o Luxem-burgo vestiu-se de gala para o evento.Na place de la Constitution, a bandeirado país foi substituída por um estan-darte com o monograma do casal. Namaioria das lojas, a fotografia dosnoivos decora as montras. Numa lojade decoração na avenue de la Liberté,gerida por ingleses, brinca-se com oevento. Um cartaz parodia a propa-ganda inglesa da Segunda GuerraMundial, os famosos cartazes com afrase "Keep calm and Carry on"("Mantenha-se calmo e continue"). Aversão luxemburguesa diz "Keep calm:We got our own royal wedding"("Mantenha-se calmo: Temos o nossopróprio casamento real").

E a calma marcou as comemoraçõespopulares, que arrancaram logo nasexta-feira. O primeiro evento oficialem que o casal pôde ser visto foi umarecepção oferecida pelo Governo lu-xemburguês aos noivos e aos jovensdo país, na manhã de sexta-feira.Entre os convidados, estavam repre-sentantes de associações juvenis, ca-sais que se casavam no mesmo dia queo príncipe e também antigos colegasdo liceu de Guillaume. Incluindo umportuguês que chegou a sentar-se namesma carteira do futuro Grão-Du-que, durante as aulas no Liceu RobertSchuman, um estabelecimento de en-sino público da capital.

Eduardo Gonçalves da Costa tem aidade de Guillaume, 30 anos, e ga-rante que o príncipe "é uma pessoasimples".

"Antes de a recepção começar, vie-ram-nos dizer para lhe chamarmos'Sua Alteza Real'. Mas nenhum de nóslhe chama isso. A gente conhece-o, epara nós ele é o Guillaume!".

O príncipe cumprimentou calorosa-mente o antigo colega (ver foto napág. ao lado), apresentou-lhe Stépha-nie (que é "muito simpática", elogiaEduardo), e perguntou-lhe pela mu-lher. Os dois já não se viam há doisanos, quando se cumprimentaram naFesta Nacional, mas Eduardo garanteque Guillaume continua a mesma pes-soa "simples e acessível" que conhe-ceu na escola.

O português foi estudar para oLiceu Robert Schuman quando ti-nha 12 anos, e ignorava que ocolega de turma com quem passariaos três anos seguintes era príncipedo Luxemburgo. "Quando vim daescola primária para o liceu, eu nãosabia que havia um príncipe noLuxemburgo – nem sequer que ha-via grão-duques", recorda. "E na-quela altura ele não tinha os fotó-grafos todos atrás dele", brinca.

Foi só uns meses depois queEduardo descobriu que o colega quechegava todos os dias à escola commotorista era afinal o herdeiro da

casa real luxemburguesa, mas arelação entre os dois não se alterou.

"Eu era o único português no clás-sico, e ele é mais francófono, e por issodevíamos ser os piores alunos daturma em Alemão", brinca este funci-onário do sindicato Aleba. "Íamosjuntos almoçar à 'vila' [cidade], ele eramuito acessível".

Eduardo da Costa garante queGuillaume tem um grande apreço pelacomunidade portuguesa e é mesmoum fã da selecção das Quinas. "Du-rante o Euro 96, fomos os dois a umalivraria portuguesa na place de Parisque vendia T-shirts de futebol portu-guesas. Ele comprou uma, eu compreioutra. Ele gostava muito da equipa dePortugal, e como a família dele tam-bém descende de portugueses, apoi-ava muito a selecção".

A proximidade de Guillaume com apopulação luxemburguesa não é deagora, garante Eduardo, que esteve noaniversário dos 18 anos do príncipe nocastelo de Vianden. "Ele convidou oscolegas da escola todos. Estavam asprincesas do Lichtenstein, as primasdele, e nós. Era uma mistura!".

Os noivos demoram hora e meia acumprimentar toda a gente, incluindoos jovens do Comité Spencer, a associ-ação de jovens cabo-verdianos noLuxemburgo, com quem o casal sedemora alguns minutos. Guillaume eStéphanie só deixam o Grand Théâtreao meio-dia e meia, quando faltamapenas três horas para o casamentocivil. Três horas para almoçar e mudarde roupa para a ocasião, histórica nopaís. Esta é a primeira vez que umcasal real se casa na comuna doLuxemburgo, e Xavier Bettel garanteque está tudo a postos.

"As flores já chegaram, só faltaaspirar os tapetes, mas vai estar tudopronto a horas", garante aos jornalis-tas o burgomestre da capital, durantea recepção no Grand Théâtre.

UM CASAL MODERNOPhilo Ney tem 79 anos, idade para játer assistido a três casamentos reais noLuxemburgo: o do Grão-Duque Henrie da Grã-Duquesa Maria Teresa, em1981, o do pai do actual Grão-Duquecom a grã-duquesa Josephine-Char-lotte, nos anos 1950, e agora o deGuillaume e Stéphanie. Mas esta é aprimeira vez que vai poder ver ocasamento real ao vivo.

"É a primeira vez que fazem isto,virem casar ao civil, como as outraspessoas. Antes casavam-se no palácioe ninguém os via", diz a octogenárialuxemburguesa. "Eles são bastantemais modernos", elogia, enquantomostra postais do casal à jornalista doCONTACTO. "Já enviei muitos aosmeus amigos, quer um? Estou muitocontente. É o último príncipe herdeiroda Europa que se casa. Felizmenteencontrou uma jovem simpática quefica muito bem com ele".

Tal como Philo Ney, milhares depessoas vieram ver o casamento civil àplace Guillaume. É hora de trabalho,mas quem pode pára para ver o casalque um dia sucederá aos actuais grão-duques. Num prédio coberto de an-daimes, ao lado do edifício da autar-quia, os trabalhadores interrompem asobras para virem espreitar a chegada apé do casal.

À cerimónia, íntima, assistem ape-nas a família e alguns convidados docasal. Mas Guillaume e Stéphanie te-rão ali o seu primeiro banho de multi-dão. Aplaudidos efusivamente à saídada comuna, o jovem casal passará os45 minutos seguintes a cumprimentaras milhares de pessoas que os esperampor detrás das barreiras que ladeiam opercurso entre a Comuna e o Palácio.

Para Stéphane Bern, o banho demultidão confirma a poderosa ligaçãoda família grã-ducal com a população

luxemburguesa. "Estão em conivênciacom o povo, de quem são muitopróximos. Em que outro casamentoreal é que foram convidadas 300pessoas do povo para assistir à cerimó-nia religiosa?".

A FESTA DO POVOVera Vasconcelos e Michael Ei-chmüller foram dois dos 270 popula-res que estiveram na catedral de No-tre-Dame no sábado. Vera viu o anún-cio nos jornais, a avisar que os interes-sados se podiam inscrever para partici-par na cerimónia religiosa, e passouduas horas ao telefone para conseguirlugares para ela e o marido.

A manhã foi longa para o casal, masestão os dois radiantes, vestidos arigor para a cerimónia. A tradutoraportuguesa no Parlamento Europeu eo inglês de origem alemã tiveram dechegar às 8h da manhã à catedral,depois de serem submetidos a umcontrolo de segurança rigoroso. "Atéàs 10h, podíamos ir à casa-de-banho,depois já não. E íamos sempre escolta-dos”, conta a funcionária europeia.

Quando Stéphanie de Lannoy entrafinalmente na catedral, às 11h, o casal

está há três horas à espera nos bancosde madeira da igreja, mas nem assimesmoreceu o entusiasmo. "Foi maravi-lhoso”, garante a tradutora portugue-sa, para quem o casamento foi "umaocasião histórica". "Tínhamos óptimoslugares lá dentro e estávamos a vertudo! Os duques de Bragança passa-ram mesmo ao nosso lado...”.

No sábado, o Luxemburgo en-cheu-se de gente para assistir ao casa-

mento real. Uns preferiram o ecrãgigante na place Guillaume, que seencheu para ver o casamento. Desdeas 10 da manhã que se vêem popula-res de copo de espumante na mão.Três mulheres vestidas a rigor, inclu-indo chapéu de cerimónia, assistem atudo na praça que tem o nome dopríncipe herdeiro. "Viemos de Saar-burg, na Alemanha, e chegámos às8h30 para ver o casamento", contaElfriede Arends, que veio com a mãe ea irmã.

Perto, um grupo de jovens espa-nholas faz a festa com as bandeiras doLuxemburgo e de Espanha. "Estouapaixonada pelo príncipe, é tão gua-po!", diz Carlota, há oito meses noLuxemburgo. Comentam-se os trajesdas famosas. "A mais bonita é aLetizia. Ela e a Carolina do Mónaco". Eelogia-se o vestido da noiva, "magní-fico!".

Os populares concentram-se noslocais estratégicos para ver os noivospassar. Ermelinda Carvalho chegoupor volta das 10h para conseguir lugarperto da catedral, o local ideal para veras personalidades convidadas para ocasamento real.

"O Durão Barroso e os duques deBragança passaram mesmo à minhabeira, eu bati-lhes palmas", diz Erme-linda. "Mas como fui a única, até mecalei. Havia muito poucos portugue-ses", lamenta. "Perto de mim só seouvia falar espanhol. Portugueses,nada. Acho que os portugueses foramtodos para a 'bricola'", brinca estaimigrante portuguesa, há 25 anos noLuxemburgo.

Ainda assim, há portugueses emtodos os pontos do percurso. Na rueChimay, três gerações de portuguesasassistem a tudo pelo ecrã de televisãode uma loja de telecomunicações. Avó,nora e neta não perdem pitada dacerimónia, com a bandeira portuguesae a luxemburguesa a postos paraquando o casal passar por ali, no finalda cerimónia.

"Fiz questão de vir pela minha filha,e consegui arranjar a coisa para terfolga hoje", conta Olinda Novais, em-pregada num restaurante português."Ela há uma semana que anda a falarnisto e a contar histórias de princesase reis". A menina, de cinco anos,mostra à jornalista do CONTACTO osdesenhos que fez na escola com o"príncipe azul" (príncipe encantado,em francês) e a princesa.

"Eu adoro ver isto", diz a avó,Lucinda. "Eu já cá estava quando o paidele casou, mas na altura vi na televi-são, porque vivia em Ettelbruck",conta a imigrante de 66 anos.

Fora da catedral, ouvem-se aplau-sos no momento em que o casal diz"sim". Ou melhor, "Jo". A tensãocresce. Atrás das barreiras, concen-tram-se populares à espera de verpassar Stéphanie e Guillaume. Depois,mal o carro do casal passa, corrempara o Palácio, para assistir à tradicio-nal saudação da varanda. É o mo-mento mais aguardado, e Stéphanie eGuillaume não desiludem: beijam-setrês vezes, para alegria da população,que explode em aplausos.

"Houve um verdadeiro movimentode amor da população do Luxem-burgo em relação a este casamento,que foi muito criticado na imprensa",analisa Stéphane Bern. "Mas os lu-xemburgueses deram uma bela res-posta aos críticos", defende o apresen-tador francês. "E o casal, que é adorá-vel, conquistou completamente a opi-nião pública luxemburguesa. Eles de-ram a volta à opinião pública com asua simpatia".

Para trás ficam as polémicas querodearam o casamento, incluindo anaturalização da condessa belga diasantes do casamento, defende. Para ojornalista francês, a boda foi "umevento federador" a nível nacional eum evento marcante para a imagemdo Luxemburgo no estrangeiro. "Oprimeiro-ministro Juncker resumiumuito bem a situação, quando disseque é um acontecimento que permiteaos luxemburgueses sentirem-se or-gulhosos do seu país. O Luxemburgonunca tinha sido falado de uma formatão positiva. Até aqui, sempre que sefalava do país, era para dizer que é umparaíso fiscal, um país de bancos, debranqueamento de dinheiro. É a pri-meira vez que ouço coisas inteligentessobre este país, um país de cultura etradição".

A festa terminou com fogo de arti-fício e concertos. Depois, Guillaume eStéphanie partiram em lua de mel.Destino: desconhecido. Nem Stépha-nie de Lannoy sabia para onde iam.

Stéphane Bern, o jornalista francêsamigo da família grã-ducal, garanteque também não sabe onde está ocasal. "Foram os amigos de Stéphanieque lhe fizeram a mala, para ela nãodescobrir pela roupa para onde ia.Ninguém sabe onde estão. No Luxem-burgo, as pessoas sabem guardar umsegredo". ■ Paula Telo AlvesFoto: Gerry Huberty

Casamento real Casamento real24 DE OUTUBRO DE 2012\\CONTACTO CONTACTO\\24 DE OUTUBRO DE 20124 5

"Olé!". Um grupo de amigas espanholas festeja efusivamente o casamento real,entre a place Guilaume e o palácio Foto: Claude Piscitelli