foto-realismo transcendental de Gerhard...

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1 Introdução Pensamento de rebeldes e românticos alemães pelo foto-realismo transcendental de Gerhard Richter Nossa geração teve que pagar para saber, pois a única imagem que irá deixar é a de uma geração vencida. Será esse o legado aos que virão. Walter Benjamin Buscando desvelar as forças que agem na experiência estética oferecida pelas obras de arte do pintor alemão Gerhard Richter, percebemos que a trama era tecida permeando a complexa relação entre a estética de suas obras e as tragédias que aparecem como resultado de um processo histórico, inter- relacionando a história de vida do artista e a da Alemanha no século XX. A crítica de obra de arte nesse trabalho é tratada como um problema filosófico e moral e contempla mais atentamente a teoria do conhecimento de Walter Benjamin. Entendemos que o pensamento benjaminiano é a escolha mais acertada na leitura das obras de arte de Gerhard Richter, pois a ―essência‖ de sua reflexão se constitui concebendo a História do ponto de vista do presente, cujos pressupostos gnosiológicos refletem as determinações estéticas de Immanuel Kant e Friedrich Hegel, indo estabelecer certo vínculo com o tempo presente de Martin Heidegger e o ―materialismo histórico‖ de Karl Marx, até chegar naquilo que particulariza sua concepção temporal de passado: ―Ação do presente‖ (Jetztzeit). A filosofia do tempo anti-histórico de Benjamin mostra como seu discurso pode ser mais adequado para refletir as questões da modernidade. Por isso, nos apóia na leitura da obras de arte de Richter, que por sua vez, trata em seus temas e em alguns aspectos de seu estilo, das implicações morais ocorridas no mesmo tempo e lócus histórico, que Benjamin viveu e produziu suas teses.

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Introdução

Pensamento de rebeldes e românticos alemães pelo foto-realismo

transcendental de Gerhard Richter

Nossa geração teve que pagar para saber, pois a única imagem que irá deixar é a de uma geração vencida. Será esse o legado aos que virão.

Walter Benjamin

Buscando desvelar as forças que agem na experiência estética oferecida

pelas obras de arte do pintor alemão Gerhard Richter, percebemos que a trama

era tecida permeando a complexa relação entre a estética de suas obras e as

tragédias que aparecem como resultado de um processo histórico, inter-

relacionando a história de vida do artista e a da Alemanha no século XX.

A crítica de obra de arte nesse trabalho é tratada como um problema

filosófico e moral e contempla mais atentamente a teoria do conhecimento de

Walter Benjamin. Entendemos que o pensamento benjaminiano é a escolha

mais acertada na leitura das obras de arte de Gerhard Richter, pois a

―essência‖ de sua reflexão se constitui concebendo a História do ponto de vista

do presente, cujos pressupostos gnosiológicos refletem as determinações

estéticas de Immanuel Kant e Friedrich Hegel, indo estabelecer certo vínculo

com o tempo presente de Martin Heidegger e o ―materialismo histórico‖ de Karl

Marx, até chegar naquilo que particulariza sua concepção temporal de

passado: ―Ação do presente‖ (Jetztzeit).

A filosofia do tempo anti-histórico de Benjamin mostra como seu

discurso pode ser mais adequado para refletir as questões da modernidade.

Por isso, nos apóia na leitura da obras de arte de Richter, que por sua vez,

trata em seus temas e em alguns aspectos de seu estilo, das implicações

morais ocorridas no mesmo tempo e lócus histórico, que Benjamin viveu e

produziu suas teses.

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Longe de fazer uma análise pormenorizada do pensamento de todos os

filósofos que de alguma forma influenciaram a reflexão de Benjamin,

ressaltaremos apenas a relação de alguns pontos de contato entre os acima

citados, visando aplicar seus conceitos na leitura das obras de Richter

produzidas a partir de 1960 que, não obstante, não desprezam, mas atualizam

a relação do ―sujeito com o objeto artístico‖ ponto de vista racional, sensível e

moral.

O teor trágico do pensamento benjaminiano surge materializado nas

obras de arte de Gerhard Richter 25 anos após sua morte. Entre suas inúmeras

obras foto-realista a seguinte inaugura nosso trabalho:

Fig. 1. RICHTER, Gerhard. Tote (Morto). Catalogue Raisonné: 667-2.

Óleo sobre tela, 62 cm x 62 cm, 1977.

O quadro “Tote‖ foi produzido por Richter em 1988 acromaticamente e

baseado na foto de um jornal alemão. A retratada é Ulrike Meinhof, uma das

fundadoras da Rote Armee Fraktion ou RAF ou Baader-Meinhof (1970 – 1998),

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em português, Organização Guerrilheira Alemã de Extrema Esquerda,

conhecida também como Facção do Exército Vermelho. O grupo agia

ideologicamente na defesa do Estado fascista, refutando o Imperialismo

vigente no pós Segunda Guerra Mundial. Essa pintura foi produzida por Richter

entre outras quinze que mostram a morte dos integrantes do grupo em um dos

trágicos episódios acontecidos na Alemanha Ocidental na década de 70. A

série foi intitulada pelo artista como October 18, 1977 (18 Outubro, 1977), onde

apresenta vários dos principais integrantes da organização após suicidarem-se

na chamada ―Noite da Morte da Prisão de Stammheim‖. Ulrike Meinhof enforca-

se enquanto aguardava seu julgamento na detenção em 1976. Todavia, a

morte por suicídio de todos os integrantes do grupo, como foi publicada pela

imprensa, é até hoje muito controversa.

Ao gozar de uma profunda atualidade estilística, as obras de Richter são

capazes de nos localizar na atualidade da experiência estética, fato que levou o

artista a ser considerado artista popular, no entanto, a atmosfera de um tempo

longínquo e os temas de guerra tratados em suas obras, exige que sejam

acolhidas como narrativa histórica, nos impelindo a voltar nosso olhar para o

sentido da vida.

A obra Sargtraeger de 1962 sugere a natureza de nossa reflexão:

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Fig. 2. RICHTER, Gerhard. Sargtraeger (Carregadores de caixão). Pinakothek

der Moderne, Munique, Alemanha. Óleo sobre tela, 135 x 180 cm, 1962.

Considerado um artista que paradoxalmente transita entre os mais

variados estilos, Richter navega entre as artes vanguardistas como, a foto-

realista, a minimalista, a conceitualista, a pop art e as tradicionalistas como, o

realismo clássico, contudo sua singularidade estética carrega uma atmosfera

romântico-existencialista tão distante da estética tanto de totalitaristas nazistas

e socialistas, quanto de capitalistas norte-americanos.

Ao ser intitulado artista foto-realista, Richter produziria uma arte, como

fizeram os típicos artistas da pop art, visando à massificação da cultura

popular, todavia, embora tenha se baseado em fotografias para produzir suas

obras, o pintor não as reproduz tecnicamente sobre a tela, mas

artesanalmente. No que tange o aspecto da representação figurativa realista,

seu estilo alude a uma imagem fotográfica, contudo, ao abstrair sua fixidez

através de borrados, o pintor propõe uma pintura, cuja linguagem estética

sugere uma foto desfocada. Aspecto esse que o pintor desenvolveu para

manter secreta as histórias de vida (identidades) de seus modelos com

implicações político-nazista.

Num primeiro momento a grande ambiguidade surge do fato de suas

obras terem sido produzidas no período pós-moderno concebendo

simultaneamente a tradição e a inovação. Paradoxalmente, seu conteúdo

―tragi-romântico-rebelde‖ considera a arte clássica e subjetiva e seu estilo foto-

realista-transcendental (grifo nosso) trata o modelo com a típica objetividade

das artes revolucionárias. ―Foto-realista-transcendental‖ faz referência ao estilo

de Richter como adotamos no decorrer de todo texto e refere-se àquilo que vai

além do típico foto-realismo, haja vista que, as obras de Richter, quando

consideradas pela crítcia especializada como foto-realista, tem relevância

puramente metafórica, pois a abstração sobre as imagens ―realistas‖ pintadas à

mão (apenas baseadas em fotografias), sintetizam seu estado singular de

exceção que assumimos chamar de ―transcendental‖.

A obra Sargtraeger (Carregadores de caixão) acima é um bom exemplo

disso. Sua presença no Museu de arte moderna de Munique (Pinakothek der

Moderne) é narrada no texto de Anja Brug da seguinte maneira:

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A pintura "Sargträger" é uma das primeiras obras de Gerhard Richter, que remonta à apresentação de uma fotografia de jornal. Era 1962, um ano depois de sua mudança para a Alemanha Ocidental, onde Richter se concentra sobre o impacto do estilo gestual de seu mestre, Karl Otto Götz, na Academia de Dusseldorf e onde primeiramente se ocupou com os estilos da Informal. Logo em seguida, embora Richter tenha considerado além das imagens materiais de Alberto Burri, a de Lucio Fontana conhecido como "Conatti spiziali", ele foi profundamente influenciado pela Informal, de onde começa a trabalhar com fotografias com pincel e tinta sobre a tela. A partir desse ponto, ele seleciona como modelos de suas pinturas, fotos da imprensa e publicidade, bem como snapshots e do álbum de família. O uso de fotografias sem um preparo inicial, abre a Gerhard Richter possibilidades de criar uma "pintura pura" também - livre de suas próprias idéias sobre a composição, cor, conteúdo e criação de estilo (stilkreierender design). Ao usar a imagem de uma foto escolhida arbitrariamente, Richter consegue que suas "fotografias pintadas" passem para o efeito de nível secundário, que permite a distância emocional do espectador. Em "Sargträger" o realismo do transporte do caixao é contrastado com grossas e expansivas sobrepinceladas. Em formação de cores quase monocromáticas, as áreas e os contornos, que definem o fundo, são cobertos e substituídos por um ato de pintar circular-violento. A realidade visual é garantida pela foto da realidade também ofuscada (verunklärt) por pingos de tinta escorrendo para baixo e riscas de tinta (farbschlieren) - um estilo, que foi desenvolvido simultaneamente nos Estados Unidos, especialmente por Robert Rauschenberg. Uma prova disso é o Quadro "Voult", pintado no mesmo ano. (BRUG, 2006, p.338).

Segundo Paul Moorhouse, crítico de arte, curador e estudioso das obras

de Richter, essa obra, sem muitas referências acerca do tema, inclusive do

próprio autor: ―Apesar de ter origem numa foto de jornal, essa pintura mantém,

a priori, a maneira leve e pitoresca que lembra a ocupação de Richter com a

arte Informel anteriormente.‖ (MOORHOUSE, 2009, p.23).

Segundo nossa pesquisa, o termo Informal foi muitas vezes associado a

outros estilos artísticos como o tachismo e o expressionismo e, como tal,

assimilou a arte européia na concepção da pintura pragmática, instintiva e

espontânea de ―ação‖ norte-americana (―Action painting”), preconizada por

Jackson Pollock (1912 - 1956). A pintura informal é auto-significante e

desvaloriza o processo de criação. Ela abandona qualquer forma previamente

conhecida, eliminando gradualmente os objetos da pintura, por outro lado,

recusa também a referência ao gestualismo que guarda a memória do artista

no momento da criação da obra.

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Os artistas informais acreditavam que era possível a comunicação

estética através de imagens e de linguagens totalmente novas e inventadas

sem referência às memórias ou às vivências comuns. Todas essas tendências

artísticas que se relacionam a arte Informal narram os anseios de sociedades

que sofreram sob regimes totalitaristas, cujos poderes políticos foram

legitimados e mantidos pelos meios de comunicação de massa, inclusive

através da própria arte.

É importante ressaltar, relacionando a arte e a política nesse contexto,

que a natureza tecnológica da estética dos totalitaristas, ao precipitar os

acontecimentos catastróficos do século XX, foi alvo da ―crítica negativa‖ da

Aufklaerung benjaminiana que, não obstante, na pode presenciar, na sua

época, a forma mais ―positiva‖ de algumas artes-fotográficas, como

evidenciamos no ―foto-realismo-transcendental‖ de Richter. Por analogia, o

artista narra em suas pinturas (denunciando), as memórias dessa mesma

guerra, 66 anos mais tarde, nos levando a inferir que o tempo não é capaz

mitigar a criatividade do homem, logo sua ação independe de seus

instrumentos, mas de sua ética. Assim, a hipótese nesse ponto do texto,

sistematiza o problema da laboração dos meios técnicos na esfera da arte

como sendo posterior ao problema moral daqueles que a utilizam. Em última

instância, a ética como condição social esbarra no limite da vida estabelecendo

o teor moral da estética.

Acerca do tema, Richter esclareceu nos trechos coletados por

Moorhouse, em entrevistas fornecidas pelo pintor respectivamente em 1964/65

e em 1970 o seguinte: ―A fotografia me interessou por que ela ilustra a

realidade muito bem‖. (RICHTER apud Moorhouse, 2009, p.39). Para Richter, a

foto é ―o quadro perfeito‖. (Ibidem, 2009, p.39). A respeito disso reitera

Moorhouse:

Essa afirmação contém em seu âmago secreto a idéia de ―autenticidade‖ e corresponde a possibilidade da idéia de um mundo direto e verdadeiro. Assim abala o posicionamento moralista daqueles que criticam a pintura que usa fotografia. (MOORHOUSE, 2009, p.39).

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Tais observações filosóficas nos levaram a arriscar um juízo crítico na

defesa da ―qualidade‖ da arte-fotográfica de Richter, contrariando as profecias

daqueles que a condenaram a favor da arte clássica. Existindo em plena

atualidade, ao gozar de total autonomia estilística, sua arte parece atender às

exigências formais dos juízos de valor estéticos hipostasiados pelos filósofos

Kant e Hegel, que pautaram a qualidade da ―arte elevada‖ em sua capacidade

universal de afetar o fruidor na experiência estética. Para os idealistas

alemães, a arte deve ir além do gosto subjetivo, em última instância, deve ser

avaliada na medida do conhecimento e deleite que proporciona a todos,

promovendo uma experiência de transformação existencial.

Gerhard Richter nascido em Dresden em 1932 (antiga Alemanha

Oriental) alcançou sua liberdade e maturidade artística apenas a partir de 1960,

depois de mudar para Düsseldorf (antiga Alemanha Ocidental). Seu atípico

estilo foto-realista, cuja ênfase ao abstrato alude ao transcendental, destaca o

movimento e o acromatismo de uma imagem fotográfica, em temas que

retratam e eternizam principalmente o espírito da Alemanha sob a vigência do

regime nazista.

Assim, sua estética traz à tona a discussão acerca da ―morte da obra de

arte‖ que antecipara Hegel já no século XIX: ―A arte é e permanecerá para nós,

do ponto de vista de sua destinação suprema, algo do passado‖ (HEGEL,

2001, p. 35). Tema sumário, que deu início a reflexão crítica benjaminiana no

decorrer do século XX, caracterizando, por assim dizer, a preocupação do

pensador com a mudança de valores estéticos sob os quais as obras de arte

eram julgadas na passagem da modernidade para a pós-modernidade.

O fim da ―obra de arte‖ surge como sinônimo do fim da ―história da

grande arte‖ abrindo espaço para as artes reproduzidas tecnicamente, assim

revolucionam os paradigmas estéticos construídos durante todo o curso da

história da arte Ocidental até o início da fotografia.

Nesse contexto, nasce os quadros-foto de Gerhard Richter reabrindo

antigas discussões crítica/filosóficas sobre o valor da obra de arte: ―valor de

culto‖ transformado em ―valor de exposição‖, que Benjamin exaustivamente

analisou:

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As diversas técnicas de reprodução reforçaram esse aspecto em tais proporções que, mediante um fenômeno análogo ao produzido nas origens, o deslocamento quantitativo entre as duas formas de valor, típicas da obra de arte, transformou-se numa modificação qualitativa, que afeta a sua própria natureza. Originariamente, a preponderância absoluta do valor de culto fez – antes de tudo – um instrumento mágico da obra de arte, a qual só viria a ser – até determinado ponto – reconhecida mais tarde como tal. Do mesmo modo, hoje a preponderância absoluta do seu valor de exibição confere-lhe funções inteiramente novas, entre as quais aquela de que temos consciência – a função artística – poderia aparecer como acessória. É certo que, a partir do presente, a fotografia e mais ainda, o cinema testemunham do modo bastante claro nesse sentido. (BENJAMIN, 1980, p. 12)

Richter, que buscou no decorrer de sua carreira captar a essência do

objeto-espaço-tempo e materializá-la em forma de arte, medita e considera

aspectos das artes do período moderno e não simplesmente as despreza

enquanto artista pós-moderno. Exemplo disso são seus quadro-fotográficos

preto e branco que, ao mostrar como a técnica encerra o mito da razão e a

esperança de encontrar a ―aura perdida‖, traduzem a crise que o humanismo

vem passando desde a modernidade. Assim, a arte como tema-problema

nesse texto é refletida em termos de mudança dos paradigmas que pautam os

valores estéticos na passagem da modernidade para a pós-modernidade.

A mudança de valores que humanidade enfrentou desde o início do

século XX traduz a crise da modernidade estética entre dois grupos que se

opõe: os contra e os pró-tecnologia. Entre os grupos de artistas modernistas

alemães, cujas opiniões oscilavam entre antes e depois da I Guerra Mundial,

estavam, de um lado, um resistente a tecnologia como sinônima da

massificação dos produtos culturais e bens artísticos, e de outro, um que se

inclinava a mistificação da técnica e que se subdividiu em dois outros grupos,

um, partidário dos regimes totalitários, como o realismo socialista e outro, que

se lhe opôs, como o expressionismo alemão.

Analisando essa conjuntura histórica identifica-se que alguns conceitos

diferenciam a modernidade da pós-modernidade. Ciro Marcondes Filho,

refletindo sobre o tema, descreve como o ideário do espírito Iluminista

sucumbe no âmbito da arte arrastando consigo todos os fundamentos que

sustentavam os paradigmas da ―modernidade‖:

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O projeto da arte moderna sucumbe, portanto, com os outros componentes do espírito das Luzes até chegar a um momento de absoluta perda de identidade. É exatamente nesse momento que se trava o debate que marcará a divisão de rumos de concepções que pautarão a discussão sobre a pós-modernidade. (MARCONDES F. 1991, p 13).

Na opinião de Marcondes F., bem como ressaltando a opinião de

Lyotard, Juergen Habermas, seguindo a tradição de Adorno e de Kant de fusão

de esferas cognitiva, político-moral e expressivo-estética, almeja restaurar uma

utopia perdida:

Habermas é holista e está na verdade em busca de um ―telos‖ (fim, realização), procurando recuperar, portanto a concepção de um devir, de uma história, de um futuro utópico de natureza finalista. Para Lyotard, da mesma maneira, Habermas, na sua proposta de revitalização do fenômeno estético, deixa transparecer seu objetivo unificador da história e a existência do sujeito totalizador. Para ele, Habermas busca a ordem, a unidade, esperança, a esfera pública quando critica todos os movimentos chamados vanguardistas e a por ele caracterizada perda do referencial histórico da arte. (MARCONDES F., 1991, p. 13).

Como observa Marcondes, F., a morte da história da arte é sinônima de

pós-modernidade. Isso significa dizer que a arte deixou de ser um objeto

estético particular e singular. Ela tomou corpo e passou a compor a vida em

suas mais variadas instâncias:

Para a maioria dos autores que analisam o momento atual pós-moderno do desenvolvimento social, a arte é uma manifestação que por seu atrelamento às concepções de mundo e ao espírito do Iluminismo e da razão não tem mais possibilidades nem esperanças de recuperação da aura perdida. A arte na sociedade tecnológica deixou de ser um fenômeno específico; a experiência geral das pessoas tornou-se estetizada, isto é, os ambientes gerais que compõem a cultura passaram eles próprios a se tornarem porta-vozes, maneiras públicas de expressão artística. Tanto nas pessoas como designers bodies (Kroker), como nos ambientes interiores e nos próprios edifícios da paisagem urbana instala-se uma total estetização dos ambientes de vida. Isso constitui o que se convencionou chamar de ―fenômeno artistico integral‖. (Ibidem, 1991, p. 13/14).

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Por intermédio dessas primeiras reflexões, percebemos como Richter,

ao revolucionar o estilo realista de representação, contemplando atípicamente

imagens fotográficas em suas obras, propõe uma nova experiência estética.

Como pudemos observar até agora, as afirmações de que a arte pós o

advento tecnológico deixou de existir ou de que ela passou a representar,

enquanto linguagem estética, apenas um complexo de combinações estilísticas

das artes de outrora, é consensual na reflexão de alguns filósofos e

comunicólogos, e como tal, pressupõe a fatalidade também de seu criador.

Conjectura perigosa e notoriamente frustrante, pois séculos e séculos de

reflexão filosófica e científica acerca da arte foram exaustivamente dedicadas a

libertar o homem das instâncias que o suprimiam para elevá-lo ao status de ser

autônomo.

Tudo isso nos levou a refletir: Se a arte e o artista existem ainda hoje,

como evidenciamos através das obras de arte de Gerhard Richter, não seria

por que o artista, através de sua criatividade e ―genialidade‖, conseguira

transcender o mundo das artes à serviço da Igreja e do Estado, bem como, as

forças ideológicas intangíveis da ação da estética publicitária tanto de nazistas

e comunistas, quanto de capitalistas?

A obra de arte, a partir das produções artísticas de Richter, não teria seu

conceito pautado em novos pressupostos, distantes daqueles que rezaram

suas concepções dentro do cenário aristocrático europeu e não fatalmente

extinto como se temia?

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1 - Metodologia da pesquisa

A única força verdadeira contra o princípio de Auschwitz seria a autonomia, se me for permitido usar a expressão Kantiana; a força para a reflexão, para a autodeterminação, para o não deixar-se levar.

Theodor W. Adorno

O critério para a seleção das obras a serem analisadas nesse texto tem

como princípio trazer à tona as referências do materialismo histórico e do

idealismo alemão na formação do pensamento benjaminiano com vistas a

interpretar as obras de ―foto-realistas-transcendetais‖ de Gerhard Richter, que

tem como referência, em sua grande maioria, pessoas de seu círculo familiar

relacionadas ao sistema nazista. Embora o pintor tenha contemplado em sua

iconografia também, mas não exclusivamente, elementos de sua família

relacionadas a Alemanha nazista, ressaltaremos essas obras específicamente,

com o intuito de buscar possíveis pontos de contato entre da vida de Gerhard

Richter e a de Walter Benjamin, enquanto respectivamente artista alemão e

pensador judeu-alemão afetados pela ―aura e a ruína‖ da Alemanha do século

XX.

Seu estilo, que atualiza e tensiona os paradoxos da ―aura e ruína‖ na

Alemanha do século XX no tratamento da arte em tempos de massificação da

cultura, ressalta que é no mesmo lócus catastrófico de Auschwitz que se

desdobram reflexões tanto de teóricos quanto de artistas. Sumariamente, é

sobre esse pano de fundo, que apoiados sobre a crítica-moral bejaminana,

analisaremos as obras de arte de Gehard Richter.

Para tanto, a divisão em três partes mais os subitens desse trabalho visa

o estabelecimento da relação entre o que é apresentado como dados da

pesquisa dos autores predominantes e suas fundamentações metodológicas.

Pretendendo com isso obter clareza principalmente do conceito de crítica de

obra de arte benjaminiano, de forma a ampliá-lo para a leitura das obras de

arte de Gerhard Richter.

No primeiro capítulo descrevemos elementos que consideramos

relevantes acerca da história de vida de Gerhard Richter, incluindo suas

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relações pessoais, estudos acadêmicos e percurso profissional, ressaltando

pontos que nos ajudam a compreender sua personalidade por intermédio de

sua visão de mundo, cujos elementos surgem efetivamente materializados em

suas obras.

No segundo capítulo, em primeira análise, com vistas a conhecer as

particularidades das doutrinas epstemológica-estéticas de Immanuel Kant

(1724 – 1804) e Friedrich Hegel (1770 – 1831), confrontamos as obras Crítica

da Razão Pura e Crítica da Faculdade do Juízo de Kant e a obra Curso de

Estética I de Hegel, ressaltando os pontos que sustentam a reflexão de Walter

Benjamin (1982 – 1940) na obra Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política; em

sua tese de doutorado Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão; no

artigo A Obra de Arte na Época de suas Técnicas de Reprodução e nos textos

apresentados na obra Magia e Técnica, Arte e Política. Quando Benjamin ruma

para o existencialismo de Martin Heidegger (1889 – 1976) e para o

―Materialismo histórico‖ de Karl Marx (1818-1883) a obra de apoio será a A

Filosofia de Walter Benjamin - Destruição e Experiência organizada por Andrew

Benjamin e Peter Osborne. Quando o tema que trata da identidade cultural em

Benjamin traz à tona, os pontos de contato dos pensadores alemães com

judeus-alemães nascidos na Alemanha do século XX, a obra de apoio é

Redenção e Utopia, o Judaísmo Libertário na Europa Central de Michael Löwy.

Nesse momento do trabalho, a discussão que norteia os temas que

relacionam a cultura, arte e a política busca ressaltar dessa trama, os limites e

possibilidades que envolvem a difusão entre a arte e a fotografia na Alemanha

na passagem do período moderno para a pós-moderno.

Lembramos que permeando todo o texto, no que tange o tema da

subjetividade, que nesse caso será tratada na esfera da arte sob o conceito de

gosto, a teoria do conhecimento Kantiana confronta a teoria do inconsciente de

Sigmund Freud (1856 – 1939) na obra Esboço da Psicanálise. Isso será feito

com vistas à esclarecer as distintas formas que o sujeito e o objeto estético

podem ser analisados.

No terceiro capítulo, com vistas a nos aproximar daquilo que singulariza

a arte de Gerhard Richter, desenvolve-se uma análise comparativa entre

algumas de suas obras e de outros artistas totalitaristas e vanguardistas. Para

tanto, além de recorrermos, sempre que necessário, aos pensadores que

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compõe a base de nosso córpus teórico (Kant, Hegel e Benjamin), nos

ancoramos nos conceitos estéticos do crítico de arte americano Clement

Greemberg (1909 - 1934) em sua obra Estética Doméstica e nos do filósofo

italiano Umberto Eco (1932) a partir de suas obras História da Beleza e História

da Feiúra.

No quarto capítulo analisaremos como as obras de Richter permitem um

diálogo entre os valores da modernidade e da pós-modernidade. Entre as

inúmeras questões que as obras de arte de Richter trazem à tona, estão os

valores da modernidade e da pós-modernidade, que discutidos através de um

processo dialógico são representados, de um lado, pelas teorias e, de outro,

pela arte, cujos fundamentos acompanham e representam os anseios da

humanidade durante todo o percurso da história da arte.

Dessa forma nesse momento da pesquisa traremos à tona as

considerações de Stuart Hall, que salienta a piscanálise Sigmund Freud e

Jacques Lacan na obra A identidade cultural na Pós-modernidade; de Ciro

Marcondes, que ora evoca o conceito de devir de Heráclito, ora o pensamento

de Bertolt Brecht na obra Sociedade Frankenstein e de Umberto Eco, que

confronta o pensamento de Jacques Lacan e Claude Lévi-Strauss na obra A

Estrutura Ausente.

Informações gerais acerca da arte, estilo e movimentos artíticos, que são

fornecidas no texto, foram coletadas da obra Arte Moderna de Giulio Carlo

Argan e da obra História da Pintura de Wendy Beckett, além de fontes vituais

que estão disponíveis no glossário.

Ressaltamos que todas as demais informações na esfera artística e as

reflexões fornecidas por Gerhard Richter à mídia alemã durante toda sua

tragetória artística, são extraídas das seguintes obras alemãs, ainda sem

tradução para o português: Abstrakte Bilder, Herausgegeben von Ulrich

Wilmes. Mit Beiträgen von Benjamin, H. D. Buchloh, Beate Soentgen e Gregor

Stemmrich; Atlas. Herausgegeben von Helmut Friedel; Text 1961 bis 2007.

Schriften, Interviews, Briefe. Herausgegeben Von Dietmar Elger und Hans

Ulrich Obrist e na Die portraets von Gerhard Richter, redigida e organizada

pelo curador de arte, responsável pelo século XX do National Portraets Gallery

em Londres, Paul Moorhouse.

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Essas obras foram por nós traduzidas, respeitando o máximo possível a

íntegra de seus significados dentro do pensamento alemão.

Além disso, o texto apresenta uma lista de Ilustrações contendo as obras

de arte que foram nossos objetos de análise.

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Capítulo 1 – Acerca da vida Gerhard Richter

Você pode me acreditar ou não, mas eu vejo o universo pleno de pontos. Eu amo todos os pontos. Com muitos pontos eu sou casado. Eu desejo que todos os pontos sejam felizes. Os pontos são meus irmãos. Eu sou também um ponto. Antigamente brincávamos sempre juntos, cada um percorre seu caminho. Nós nos encontramos ainda em festas de família e indagamos uns aos outros: Como vai? ―Sabe, Elly‖, falou ele tranquilamente: só pode-se amar, o que não tem estilo, por exemplo, Dicionários, Fotos, a Natureza, a mim e a meus quadros! Suspirou [...] por que o Estilo é a violência e nós não somos violentos e não queremos nenhuma Guerra‖, finaliza a frase; ―nunca mais uma Guerra".

Gerhard Richter

As seguintes informações acerca da trajetória de vida e das influências

artísticas de Gerhard Richter foram extraídas do texto alemão Studium der

Kunstgeschichte an der Universität de Viena de Michael Kai; da obra Die

Portraets von Gerhard Richter de Paul Moorhouse e das obras de Gerhard

Richter: Abstrakte Bilder; Atlas e Text 1961 bis 2007 - Schriften, Interviews,

Briefe de Gerhard Richter.

Gerhard Richter nasceu no dia 9 de fevereiro de 1932 em Dresden,

Alemanha. Ele é o primeiro filho de Hildegard e Horst Richter, cuja felicidade

matrimonial não perdurou por muito tempo. Segundo uma publicação da revista

New York Times, Horst Richter poderia não ser o pai biológico de Gerhard

Richter. À respeito desse tema, em 2005 Richter declara aos reporteres

Susanne Beyer e Ulrike Knofel da revista Spiegel o seguinte: "Assim é. Mas

estas coisas não são exatamente incomums". (ELGER/OBRIST, 2008, p.513).

Aos 3 anos de idade, Richter mudou-se com a família para Reichenau

na Saxonia (leste do país), onde seu pai trabalhou como professor. Gerhard

Richter, de 1933 a 1945, viveu 12 anos sob a vigência do terceiro império

alemão (Dritte Reich) e até 1959 a ocupação soviética na Alemanha oriental.

Em 1942, Gerhard Richter mudou-se para Waltersdorf no estado da Turíngia,

onde participou de uma organização de jovens conhecida como "Pimpfen" ou

Juventude Hitlerista. Richter declara seu descontentamento em uma entrevista

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cedida à Robert Storr: "a juventude Hitlerista era muito violenta. Eu não gostava

de jogos de poder, pois eu não era muito atlético‖. (RICHTER, 2002, p. 17).

Acerca disso declara ainda o artista:

Eles eram um bando de idiotas pomposos. Com 12 anos se é demasiamente pequeno para compreender o todo ideológico, mas mesmo isso agora parece engraçado, eu sempre soube que eu tinha algo melhor do que eles. Hitler e os soldados foram se aproximaram da multidão, do povo, da massa, enquanto minha mãe me trouxe para perto da "cultura", Nietzsche, Goethe e Wagner. (Ibidem, 2002, p. 17).

Como observamos nas próprias palavras de Richter, sua mãe foi uma

figura fundamental em sua vida, apoiando sua inclinação artística desde a

adolescência. Com 15 anos Richter começou a desenhar experimentando

diferentes técnicas, inclusive a aquarela. Apesar de muito jovem ele já

ambicionava uma carreira artística, fato que o levou a se empenhar em

aprender história da arte e mesmo com dificuldades a manter-se em seus

vários indesejáveis empregos. Em 1949 em Zittau no estado de Görlitz, Richter

conseguiu seu primeiro emprego como caligrafista. Insatisfeito com o trabalho

abandonou-o meio ano depois indo trabalhar como assistente de pintor no

teatro, cuja profissão era reconhecida como "Pintor de teatro e propaganda‖.

Profissão que Richter aprendeu no curso médio profissionalizante em 1948 na

Höhere Handelsschule (Escola Superior de Negócios).

Devido a sua personalidade auto-confiante e rebelde, Richter se

recusava a executar tarefas subalternas, assim, em 1950 ele tentou sem

sucesso ingressar na Hochschule der bildenden Kunst (Academia das Belas

Artes) em Dresden. Mesmo tendo sido muitas vezes reconhecido por seu

talento artístico, foi recusado pela academia de artes, que ao mesmo tempo, o

aconselhou a primeiramente trabalhar para uma Instituiçao Estadual, de onde

poderia renovar seu pedido. Seguindo a orientação, Richter foi aceito em 1951.

O programa curricular de 5 anos da Academia de Arte foi estritamente

tradicional, era constituído pelo aprendizado de pintura a óleo, retratos, estudo

de nus, natureza morta e composição, além de uma formação teórica bastante

profunda que incluía história da arte, o idioma russo, economia política e teoria

marxista-leninista.

17

1.1 - Formação Acadêmica

De 1952 à 1957, Gerhard Richter estudou na Hochschule der bildenden

Kunst (Academia de belas artes) em Dresden e de 1961 a 1964, estudou na

Staatliche Kunstakademie (Academia nacional de artes) de Düsseldorf. Seus

Professores na Academia das Belas Artes em Dresden foram Karl von Appen,

Ulrich Lohmar e Will Groham. Em 1955 Richter pintou, para a avaliação final de

seu curso, o quadro que intitulou Abendmahl mit Picasso (Jantar com Picasso).

Ainda para a avaliação final do curso em 1956 ele pintou um mural no Museu

da Higiene de Dresden, que intitulou como Lebensfreude (Alegria de viver).

Pouco antes de sua fuga para a Alemanha Ocidental, Richter deu ordens

para pintarem sobre todas as obras que ele havia produzido dentro da

Academia de Belas Artes preconizadas pelo estilo realista exigido pela

república socialista (regime vigente na Alemanha oriental na época) de forma a

destruí-las por completo. Entre suas pinturas de retratos, estão as conhecidas

obras Arbeitskampf (Luta do trabalho) e a cidade de Dresden.

1.2 - Influências Artísticas

Dois anos antes da construção do Muro de Berlim (1961), Richter foge

com sua esposa de Dresden na Alemanha Oriental, para Duesseldorf na

Alemanha Ocidental. Temendo retaliação política, Richter, além das obras que

foram destruídas segundo suas ordens, outras ele queimou antes da fuga

como a de Antonie Tapies e Francis Bacon.

Após esse período Gerhard Richter experimentou muitos estilos e

formas de expressão dentro da arte moderna. Essa fase durou pouco tempo,

contudo, deu início a sua arte neo-vanguardista de inspiração francesa-

americana.

A característica central de suas obras é a falta de objetividade,

abstração (Gegenstandslosigkeit), cujo nome criado pelo próprio Richter marca

sua expressão artística até 1962. Influenciado pela arte popular alemã de Roy

18

Lichtenstein, Richter deu um novo direcionamento estilístico para sua arte,

carregando além das influências da pop-art americana como a de Andy Warhol

a do neo-expressionismo alemão. Entre outras influências, Richter assimila o

neo-dada e sua crítica à institucionalização da arte conhecida pela fluxus do

alemão Joseph Heinrich Beuys e pela arte conceitual do ready-made do

francês Marcel Duchamp e ainda pela action painting do norte americano

Jackson Pollock.

1.3 - Amigos artistas

Entre seus principais amigos artistas e influentes estava o pintor alemão

Sigmar Polke. Ambos fugiram da Alemanha Oriental para a Ocidental, na

Staatliche Kunstakademie Düsseldorf (Academia de artes de Düsseldorf)

conheceram Blinky Palermo e estudaram juntos de 1961 à 1964 sob a

orientação do Professor Macketanz e Karl Otto Götz.

Gerhard Richter, Sigmund Polke e Konrad Fischer Lueg realizaram suas

primeiras exposições juntos em 1964. A partir dessa época, Richter passa a

expor sozinho em várias galerias e museus.

Com a cooperação de seu grande amigo Blinky Palermo, Richter produz

várias esculturas e pinturas, marcando sua arte dos anos 60 aos 70. Nos anos

80 e 90, Richter começou a realizar pinturas mais coloridas, abstratas e

expressivas, ou seja, mais impulsivas, gestuais e ousadas, raspadas e com

mais camadas de tinta. Quadros esses que mostram e escondem

simultaneamente sua criação. Richter foi também colega e influenciado pelo

famoso pintor Georg Baselitz.

Em 1963, Richter junto com Sigmund Polke e Konrad Lueg funda o estilo

chamado "Capitalismo Realista" (Kapitalistischen Realismus), título criado para

refutar, através da ironia, a arte do "realismo socialista" (Sozialistischer

Realismus), estética válida além de em todos os países do leste europeu

adeptos ao Sistema comunista, na epocal Alemanha Oriental, onde Richter e

muitos de seus amigos viveram, estudaram e trabalharam até a maturidade.

Segundo Richter, os realistas eram capitalistas satíricos muitas vezes de

19

assuntos correntes na mídia imprensa. Richter começou a ver a arte como algo

que deveria ser separado da história da arte. Ele acreditava que as pinturas

deveriam centrar-se mais na imagem do que em referências, ou seja, mais na

linguagem visual e menos na declaração, por isso ele almejou encontrar uma

nova forma de pintura que não fosse tão restrita.

Como podemos observar o realismo capitalista, tem forte cunho moral.

Como o próprio termo indica, ele troça a ideologia da doutrina oficial da arte

socialista na versão realista da estética totalitária.

Observa-se que elementos relacionados à Alemanha Oriental como a

casa em que Richter viveu nunca apareceram em suas obras.

1.4 - Atividades acadêmicas e produções artísticas

Em 1967, Gerhard Richter foi professor na Hochschule für Künste

Bildende (Academia de Artes de Hamburgo) e de 1971 a 1993 na Staatliche

Kunstakademie (Academia de Düsseldorf). Em 1971, Richter foi convidado a

participar da bienal de Veneza (Biennale de Venedig), onde representou a

Alemanha com o séquito de 48 Portraits (48 Retratos).

Para compor essa imensa obra, Richter usou retratos dos léxicos de

pessoas famosas, representantes de sua cultura como filósofos e cientistas,

entre os quais estavam Albert Einstein, Thomas Mann e Franz Kafka.

20

Fig. 3. RICHTER, Gerhard. Foto-colagem das 48 fotografias de cartão 70 x 90

cm, para a produção da obra 48 Portraits. Museu Ludwig, Köln, Alemanha.

Óleo sobre tela, 70 x 55 cm, 1971 – 72.

Nessa mesma época (1972) Richter compôs um lugar importante para

armazenar as imagens e as idéias que colecionava (rascunhos, fotos, revistas,

estudos de cores, retratos, tecidos e natureza morta), que posteriormente

foram compiladas e publicadas.

O estilo de Richter começou a mudar a partir de 1976. Em 1978 ele atua

como docente visitante da Academia de Artes em Halifax no Canadá e em

1988, como professor na Städelschule em Frankfurt na Alemanha.

Com o crescimento do reconhecimento internacional, Richter, nos anos

1993/94, é homenageado com uma retrospectiva de suas obras em Paris,

Bonn, Stockholm e Madrid. Em 2002 realiza-se mais uma retrospectiva no

Museu da Arte Moderna de Nova York. Hoje suas obras estão presentes nos

museus de arte contemporânea mais importantes do mundo. Obras no estilo

abstrato e foto-realista, Richter realiza até hoje!

21

1.5 – Identidade cultural alemã em Gerhard Richter

O trabalho de Richter, no que tange seu aspecto técnico, revela como a

pintura sempre explora seus recursos promovendo uma renovação na relação

do artista com o espectador, atualizando um ao outro.

Através das várias técnicas que abordam temas populares, Richter

mostra uma inclinação nada convencional à arte popular. Ao usar fotos

extraídas da publicação das mídias, ele recorta seus títulos icônicos e de

apologia ao consumo. Seu trabalho é constituído, além dos retratos e pinturas

abstratas, por paisagens, produções com espelhos e vidros e livros de arte.

Sua maior e mundialmente conhecida obra até esta data é a Ausstellung

1, contando com fotografias, imagens produzidas desde o início dos anos 60,

a partir da qual surge a tese, por parte de alguns críticos de arte, de que elas

exigem uma investigação mais aproximada das questões que envolvem a

histórica da civilização e cultura alemã, cujas tragédias marcaram a história da

família de Richter.

Entre os quadros, cujos temas são copiados de revistas, jornais e fotos

particulares, estão os que foram reproduzidos predominantemente de forma

acromática e desfigurada aludindo a uma foto desfocada. Suas obras foto-

realista, produzidas a partir dos anos 60, são particularmente discutidas por

trazerem à tona a paradoxal e dramática história da Alemanha do século XX.

Elementos que a constituem surgem simultaneamente refletidos e ocultos em

suas obras por intermédio de seu estilo ―foto-relista-transcendental‖, com intuito

de manter secreta a identidade de seus modelos, ora vítimas, ora mandantes

do sistema nazista no auge da Segunda Grande Guerra, muitas vezes

integrantes da família do artista.

Todavia, seu trabalho artístico refletindo a história e a cultura da

Alemanha não narra apenas uma história de horrores, mas também de

pensadores, artistas, cientistas e filósofos, cujas teorias mudaram o rumo da

história humanidade.

22

1.6 - Família

Gerhard Richter se casou em 1957 com Marianne Eufinger (Ema), filha

do ginecologista Heinrich Eufinger. Em 1968 nasceu Betty sua primeira filha e,

em 1982, já separado, se casa com a artista plástica Isa Genzkene de quem se

divorciou em 1983. Desde 1995 o artista é casado com a ex-aluna, também

pintora, Sabina Moritz com quem tem três filhos. Ele vive desde 1983

em Cologne.

A partir dos quatro quadros foto-realista a seguir testemunharemos a

memória das atrocidades do holocausto, que relacionam membros da família

de Richter ligados ao sistema nazista. O pano de fundo dessas obras, cujos

temas são representados como cenas banais, são reconhecíveis apenas

quando investigados. Como veremos nada desse idílio familiar permite

qualquer conjectura acerca da história de vida trágica de seus modelos. Tais

características são declaradas no romance jornalístico de Juergen Schreiber,

publicado em 2005, sob o título "Gerhard Richter, um pintor da Alemanha: "O

drama de uma família".

Contemplemos as obras Tante Mariane, Onkel Rudi, Familie am Meer e

Herr Heyde a seguir:

23

Fig. 4. RICHTER, Gerhard. Tante Marianne (Tia Marianne). Coleção

privada. Óleo sobre tela, 120 x 130 cm, 1965.

O quadro Tante Mariane (Tia Mariana) apresenta Richter quando bebê

nos braços da tia Mariane, que aos 18 anos adoeceu de esquizofrenia sendo

internada em uma clínica psiquiátrica em Grosschweidnitz, onde foi executada

numa das muitas câmeras de gás do ―Programa nacional socialista de

eutanásia‖ para deficientes mentais e crônicos.

Suspeita-se que a obra Tante Mariane poderia estar diretamente

relacionada com a representação de um criminoso do regime Nazista: Herr

Heide (Senhor Heide):

24

Fig. 5. RICHTER, Gerhard. Herr Heide (Senhor Heide). Coleção privada.

Acrílico sobre tela, 55 x 65 cm, 1965.

Werner Heide foi psiquiatra e neurologista membro da SS ou

Schutzstaffel, em português ―Tropa de Proteção‖ e do NSDAP ou

Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, em português Partido nacional

socialista dos trabalhadores alemães ou ainda Partido nazista. Na época do

nacional socialismo, Werner Heide, juntamente com outros dois médicos, foi

chefe responsável pelo departamento central da ―Ação T4‖ ou programa de

Eugenismo e Eutanásia, obrigatório durante a vigência do sistema nazista. A

participação Werner Heide foi fundamental para a implantação do Programa,

consequentemente foi o responsável pela execução de milhares de pessoas.

Werner Heide viveu e trabalhou depois da guerra sob o falso nome Dr.

Med Fritz Sanade, que atuou novamente como neurologista e perito do

Tribunal em Flensburg. Apenas em 1959, Werner Heide se entrega a polícia

apresentando sua verdadeira identidade. Em seguida, judicialmente acusado

de ter exterminado milhares de pessoas, ele foi sentenciado pelo tribunal da

25

seguinte maneira: ―como médico do campo de concentração ele matou pelo

menos 150.000 humanos cruel, insidiosamente e com intenção.‖ (KAI, 1998, p.

51). Herr Heide, cinco dias depois de proferida sua condenação, suicida-se na

prisão.

Embora não se saiba a relação direta entre a morte de tia Mariane e o

Werner Heide, conjecturar sua relação é procedente na opinião de alguns

pesquisadores que investigam mais profundamente as histórias dos modelos

representados nos quadros de Gerhard Richter.

O próximo quadro intitulado Familie am Meer é mais uma obra dessa

conjectura:

Fig. 6. RICHTER, Gerhard. Familie am Meer (Família na praia). Coleção

Ströher, Darmstadt, Alemanha. Óleo sobre tela, 150 x 200 cm, 1964.

Familie am Meer mostra a família da primeira esposa de Richter numa

hipotética situação de família feliz em uma praia. O homem no quadro é o

26

sogro de Richter, o ginecologista Prof. Dr. Heinrich Eufinger, junto com uma de

suas pacientes, que na época era amiga da família Eufinger. A senhora

Anneliese Graefin von der Osten, cujo filho Erimar (com chapéu) está junto com

a filha de Gerhard Richter chamada Ema, que aparece usando uma toca de

natação. A poética que envolve a cena do quadro feliz esconde bem a

verdadeira identidade de Dr. Heinrich Eufinger, que trabalhava na época da

Segunda guerra determinando a outros médicos a esterilização de um número

imenso de pessoas.

Sabe-se que Mariane Schoenfelder ou Tante Mariane não contava como

uma de suas vítimas.

Logo com o fim do Nazismo, o Dr. Eufinger, atuou como médico, mesmo

após ter sido mantido prisioneiro na Rússia Soviética. Ao ser libertado passou a

atuar na Alemanha Oriental até 1956 e depois disso na Alemanha Ocidental,

sempre sem ser perseguido.

Entre as pinturas produzidas em meados dos anos 1960 que mostram

representantes da família da Richter nas passagens sombrias acontecidas na

vigência do Sistema nazista estão os quadros Onkel Rudi (Tio Rudi) e o Horst

mit Hund (Horst com cachorro), abaixo:

27

Fig. 7. RICHTER, Gerhard. Onkel Rudi (Tio Rudi). Tschechisches

Museum der Schönen Kunst, República Checa, Praga). Óleo sobre tela, 87 x

50 cm, 1965. (MOORHOUSE, 2009, p. 56). (MOORHOUSE, 2009, p. 68).

Fig. 8. RICHTER, Gerhard. Horst mit Hund (Horst com cachorro).

Coleção Agnes Gund, Nova York, EUA. Óleo sobre tela, 80 x 60 cm, 1965.

28

Esses dois quadros baseados em fotografias de referência familiar

explicitam muito da relação de Gerhard Richter com esses dois importantes

elementos. Onkel Rudi ou Tio Rudi é o tio de sua mãe, chamado Rudolf

Schoenfelder, representado em uniforme Nazista e sorrindo, sugerindo a

estima idolátrica e heróica de Richter por sua figura na época.

Durante décadas Richter não declarou nada sobre as histórias secretas

que compõe o pano de fundo de seus quadros, mas na maturidade ele

esclareceu em entrevista a Dietmar Elger o seguinte: ―nessa época seria

desconfortável para eu publicar essas histórias. A arte seria interpretada como

uma forma de recuperação da história enquanto trabalho social. Assim eu tive

paz e tudo ficou no anonimato. Agora não me incomodo mais se isso se torna

público. (RICHTER apud Kai, 1998, p. 172).

Tal revelação não se aplica a obra Horst mit Hund (Horst com cachorro),

na qual Richter representa seu pai Horst Richter de forma humilhante. Um

homem um pouco gordo, descabelado e usando um chapéu feminino. A foto de

referência que Gerhard Richter lançou mão para a execução do quadro foi feita

durante o casamento de sua irmã em 1959 quando seu pai estava embriagado.

Gerhard Richter refutava a ideologia nazista que, segundo sua opinião,

seu pai era adepto, todavia, outras fontes indicam que Horst Richter trabalhou

para o Estado como professor para continuar sustentando a família e não por

ideologia. Em outro episódio, Horst Richter, mesmo não tendo ideológica e

diretamente participado das atividades do partido Nacional socialista foi forçado

a fazer parte do exército militar da época e logo após o término da Segunda

guerra, ficou confinado até 1946 numa prisão de domínio americano. Ao voltar

para casa foi recebido como um estranho sendo acusado pela esposa de

destruir a família. Rechaçado e estando impossibilitado de voltar a atuar como

professor, tanto na Alemanha Ocidental sob domínio americano, como na

Alemanha Oriental sob domínio Soviético, Horst Richter não conseguiu mais se

integrar socialmente.

Em 2002, Gerhard Richter, já maduro, falou arrependido a respeito de

sua relação com seu pai no passado. Ele explica que muito de seu

posicionamento na época, se deveu ao fato dele ser manipulado pelas ideias

de sua mãe.

29

Ao ver seu quadro Horst mit Hund pela primeira vez em exposição em

Nova York no ano de 2002, depois de 30 anos, Gerhard Richter sentiu remorso

de como representou seu pai em 1965. A respeito disso Richter declara: ―com

esse cachorro ridículo, junto com chapéu de mulher e os cabelos como um

palhaço, hoje eu sinto mais do que nunca que eu o pintei como uma figura

pobre. (RICHTER apud Kai, 1998, p. 177) Em outro momento reitera acerca do

tio Rudi: ―ele era o irmão de minha mãe, o querido da família. A respeito dele

era muito comentado. Ele sempre foi apresentado como herói para mim. Ele

era charmoso, músico, elegante, corajoso e bonito. E meu pai era considerado

um sem talento, um desclassificado. (Ibidem, 1998, p. 175).

Não se sabe exatamente o verdadeiro posicionamento ideológico e real

envolvimento com o sistema nazista adotados, nem pelo tio de sua mãe Rudi,

nem pelo seu pai Horst Richter, pois todas as informações que Gerhard Richter

recebeu vieram das histórias contadas por sua mãe, logo carregadas de sua

relação afetiva com tais figuras. Não existe nenhuma prova de que eles foram

realmente responsáveis pelo extermínio de pessoas, contudo sabe-se que a

nacionalidade de cada indivíduo nascido na Alemanha daquela época

determinava irrevogávelmente sua identidade cultural e seu posicionamento

político dentro do sistema.

Constante nas obras de Richter, isso pode ser ilustrado pela passagem

da obra Geschichtsbewusstsein und posttraditionale Identität de Habermas,

ressaltado no artigo Tarefa Infinita: percursos entre história, memória e

esquecimento, de Leila Danziger, publicado em Ipotesi nº 13, Revista de

Estudos Literários, Departamento de Letras, Universidade Federal de Juiz de

Fora:

Alguns são herdeiros das vítimas, outros dos que as ajudaram ou apresentaram resistência. Outros são herdeiros dos criminosos ou dos que permaneceram em silêncio.Essa herança compartilhada (diese geteilte Erbschaft) não resulta, para os que nasceram depois da guerra, em mérito ou culpa pessoal. Para além da culpa individual, existem diferentes contextos que resultam em cargas históricas distintas. Com as formas de vida nas quais nascemos e que formaram nossa identidade, assumimos tipos de responsabilidade histórica. (HABERMAS apud Danziger, 2004, pp. 61/77)

30

Acerca do tema que envolve as questões do nazismo, concordando com

a citação de Habermas, Gerhard Richter declara que o senhor Rudi morreu em

1944 combatendo como soldado na linha de frente da guarda nazista,

provavelmente vítima ideológica do sistema: ―ele era jovem e muito ingênuo e

morreu alguns dias depois de entrar na guerra‖ (RICHTER apud Kai, 1998, p.

20).

As histórias que envolvem a vida particular de Gerhard Richter dizem

respeito àquelas de praticamente todo povo alemão, que sofreram as

consequências das atrocidades do nazismo. Contudo, as obras de Richter

incluem outros aspectos da sua cultura. No que tange ao aspecto temático de

suas obras, sua iconografia inclui também a representação de modelos sem

nenhuma conotação declarativa ou denunciativa, ou seja, político-ideológica

significativa, como amigos, conhecidos e outros membros de seus familiares,

bem como animais, aviões e fotos das mídias, cujas representações

contemplam apenas o efeito testemunhal da fotografia. Apesar de não se

encontrar provas mais concretas da ligação entre as histórias de vida dos

modelos com o sistema nazista representados em suas obras, elas constituem

certamente um rico espaço para se refletir acerca dos elementos históricos e

culturais imbricados nessa complexa trama.

1.7 – Teoria do conhecimento: Gerhard Richter entre a aparência e a realidade

O clássico problema ontológico do confronto entre a realidade e a

aparência é frequentemente exposto nas palavras e nas manifestações

artística existencialistas-testemunhais de Gerhard Richter e como tal

ofereceram os motivos para o nascimento de suas obras enquanto o lançaram

na busca por tentar solucioná-los. Richter, ao utilizar as fotografias como fonte

de suas obras, distingue-se de seus amigos artistas também vanguardistas-

foto-realistas, inaugurando um novo estilo conceitual de arte. O pintor, que

supera a indecisão de muitos artistas em usar meios técnicos de reprodução na

esfera da arte, não liberta-se dos problemas que surgem da subjetividade.

Lembramos que Richter, desde 1962, nunca mais deixou de pintar o

tema do humano. Esse é um aspecto sensível em sua personalidade que por si

31

só reflete sua preocupação com todas as condições norteadoras e

determinantes da vida humana.

O pintor, que assume mostrar a superfície (aparência) da realidade

disposta sobre um plano secreto, deixa-nos sempre reflexivos e perplexos.

Como o próprio Richter declara: ―A ilusão – ou melhor, a ―aparência‖, é meu

tema de vida. Tudo o que existe, parece e é para nós visível, por que para nós

apenas o reflexo da aparência refletida é observável, nada mais do que isto é

visível‖. (RICHTER, 2009, p.8). Logo, o problema do confronto entre realidade

e a aparência (o visível e o invisível), que sempre norteou a reflexão filosófica-

epistemológica é tensionado ao seu grau máximo na arte Richter.

Essa reflexão sumária, que se desdobra filosóficamente desde a

antiguidade, alcança seu auge no século XVIII, com o nascimento da teoria do

conhecimento. Nesse momento o sujeito passa a refletir sobre a capacidade

intelectual de conhecer e demonstrar a ―verdade‖ do mundo exterior,

interrompendo a marcha da história, que pressupunha a inferioridade do

homem frente a supremacia da natureza, às custas de suas diferenças

substanciais.

A versão mais racionalista do idealismo alemão reflete sobre o homem e

a natureza, o ―sujeito e o objeto‖ a partir de si mesmos, como vemos acontecer

distintamente em Kant e Hegel. Para os idealistas, a priori, corpos alheios ou

de naturezas estranhas, podem ser conhecidos pelo sujeito desde que sejam

transformados em conceito ou em ideia clara, demonstrável.

Tema amplamente refletido por Gerhard Richter surge em sua arte como

forma de romper com o paradigma da arte que acreditava ser possível captar o

ser das coisas através da imitação mais perfeita do objeto, conceito conhecido

como mimesis.

O conceito de mimesis, gênese de toda criação artística, que está ligado

a imitação da Natureza e não a cópia. Nesse texto, o conceito de mimesis, será

tratado artítica-filosoficamente, dentro do gênero retrato de arte, considerando

seu significado antigo, quando acreditava-se ser possível captar a ―Alma‖ do

ser observado.

Refutando esse pressuposto, que via de regra deveria reproduzir os

modelo em sua presença, o pintor assume copiar fotografias como base de

suas obras. Acerca disso afirma Richter: "um retrato só pode ser uma

32

semelhança – uma aparência. Conseqüentemente o contato com a pessoa não

é um requisito para retratá-la. A aparência dela é tudo o que existe e por causa

disso uma foto é suficiente". (RICHTER apud Moorhouse, 2009, p. 9). Em outro

momento, esclarece: ―Um retrato não pode ser mais similar ao modelo do que

apenas muito semelhante.‖ (Ibidem, p.86). Assim, o artista resolve a relação do

pintor com o modelo com a cópia de uma fotografia declarando preocupar-se

mais com o aspecto técnico da produção de suas obras, do que com o conceito

mimético do período Antigo.

O racionalismo iminente no pensamento de Gerhard Richter, ao romper

com a antiga concepção mimética da arte realista, que buscava alcançar a

essência da realidade num mundo secreto por trás da aparência (mundo

metafísico), resolve o problema com a imitação de uma fotografia.

Para Richter, tudo já está dado na realidade física e aquilo que não está,

se é que existe, é intangível e inenarrável. No interior dessa contraposição

ficam disponíveis os dois imperativos categóricos que norteiam a relação do

sujeito com o objeto e que simultaneamente se excluem entre si: a essência e

a aparência do objeto.

Frente a essa evidência em suas obras, Richter mostra uma forte

preocuopação meta-tradicionalista. Em suas próprias palavras em entrevista

com Rolf Schoen em 1972 publicada no livro de Moorhouse encontramos: ―A

gente gostaria de compreender e tentar pintar o que a gente vê, o que

absolutamente existe (Da ist). Depois percebemos que é absolutamente

impossível representar uma realidade e isso que fazemos é sempre e apenas

representar a si mesmo. (RICHTER, 2009, p.59). Assim, o pintor hesita entre

refutar a arte tradicional de outrora, que busca imitar a natureza e uma

nostalgia desse mesmo passado que já não existe mais. Reafirmando sua

aversão ao estilo realista da arte na versão clássica, Richter cita: ―Quadros que

são explicáveis e contém sentido, são quadros ruins.‖ (RICHTER, 2009, p. 33).

Em outro momento reitera Richter seu pensamento no livro de

Moorhouse declarando que a arte atrelada à metafísica do passado não faz

mais sentido: ―A pergunta sobre o sentido da vida é ridícula e dá sentido

inumano‖ (RICHTER apud Moorhouse, 2009, p. 71). Disso conclui-se, como o

próprio pintor esclarece, que oferecer significação à arte ao representar a vida

é um absurdo.

33

Mesmo que o gênero de pintura foto-realista se mantenha em destaque

no séquito de suas obras, desde 1976 Richter passou a se dedicar ao

desenvolvimento de quadros abstratos e até hoje, entre alguns intervalos, esse

gênero de pintura compõe uma parte importante de seu trabalho.

As obras foto-realistas de Richter permanecem abertas às múltiplas

interpretações, sem determinar qualquer significação, como cita Moorhouse,

elas ―parecem transmitir uma experiência meditativa para além do tempo.‖

(MOORHOUSE, 2009, p. 7) Assim, sua estética pode aludir a múltiplas

significações ou a nenhuma. Muitas informações estilísticas em suas obras

parecem antagônicas, logo, ficam indisponíveis a uma única tradução e se

transformam inexplicavelmente em uma estética de distanciamento e

objetividade.

Richter, que evita fazer alusões através da arte, sabota a típica

concepção universal de mundo, que não busca encontrar significados na

aparência das coisas. Seus quadros são passivos como o próprio pintor deseja

que sejam.

Segundo a história da filosofia, o confronto entre a realidade e a

aparência, abordadas pelas teorias subjetivistas modernas dos idealistas

alemães, comemoram o declínio do objetivismo puro de inatistas e empiristas,

cujas teses reverenciavam a existência do objeto em si e por si mesmo,

indepedente e inacessível à razão subjetiva. Por analogia ao trabalho de

Richter, como vimos até agora, o tema da subjetividade é também amplamente

considerado. Em entrevista oferecida à Doris von Drathen em 1992, e também

citada na obra de Moorhouse, Richter esclarece:

O quadro pintado é primeiramente mais próximo da aparência (Schein), mas ele tem mais realidade do que uma foto, porque um quadro em si, perceptivelmente pintado à mão, tem mais caráter de objeto, pois é produzido materialmente tangível. A aparência da pintura é na comparação com a realidade sempre mais ou menos diferente (anders), e isto irrita. (RICHTER apud Moorhouse, 2009, p. 293).

O pintor deixa explícito seu posicionamento diante do problema,

declarando que a dicotomia entre a aparência e a realidade causa a ele um

34

grande desconforto: ―Nunca gostei da subjetividade‖ (RICHTER, 2009, p. 34).

Contudo, para Richter, a subjetividade goza de um duplo e antagônico status,

ao mesmo tempo em que impede o acesso do sujeito ao mundo externo, ela

resolve o problema da representação, enquanto fundamento da vontade: "Criar

uma imagem e ter entendimento disso, nos faz humanos". (RICHTER apud

Moorhouse, 2009, p. 34). Isso amplia ainda mais a distância entre a coisa em si

(termo Kantiano para essência) e a imagem da realidade, o fenômeno

(aspectos impressos na superfície dos objetos, referente ao mundo empírico).

Nesses termos Moorhouse cita: "Richter define sua arte a partir da aparência

da natureza desconfiando da verdade entre o que o olho vê, do que a natureza

representa e do temperamento do artista.‖ (MOORHOUSE, 2009, p. 34). Nesse

momento aparecem os motivos que levaram Richter a não produzir uma arte

que imita a natureza:

O sistema completo da arte que imita (lança mão de ver imagens através da percepção, interpretação e de criar uma composição, desenhar, colocar tinta, fazer sombra e luz) é fundamentalmente subjetivo. Isso significa que todo este trabalho é conectado com o mundo interno do artista e não direto com o mundo externo. O mundo como ele é realmente, está para além da aparência. Essa subjetividade do artista que capta fenômenos da aparência do objeto, idealizando-os e tornando-os estéticos, só serve para suscitar a nebulosidade (vernebeln) dessa aparência. (RICHTER, 2009, p. 35).

Richter, que explícita e analíticamente alude ao problema do conhecer

esbarra no tema central da epistemologia reafirmando que ele é

incontestávelmente provocado pela subjetividade. Logo, em concordância com

as teorias subjetivistas, encontramos Richter declarando em entrevista com

Rolf Schoen em 1972, o seguinte: ―Eu não desconfio da realidade, da qual eu

não sei quase nada, mas da imagem da realidade como nossos sentidos nos

transmitem e da imagem da realidade que não é completa, é limitada‖.

(RICHTER apud Moorhouse, 2009, p. 60)

O pintor, através de sua experiência como artista, interpreta a realidade

de forma a concluir que a subjetividade é a condição humana que nos

impossibilita conhecer o mundo exterior (dos objetos). Entretanto, ele deixa

claro que tal afirmação não pressupõe sua crença na existência da essência da

35

realidade. Richter continua esclarecendo que a subjetividade exige que a

realidade seja sentida indiretamente e por isso ele acredita que não podemos

emitir um juízo efetivo à seu respeito: ―Tudo o que existe, parece e é visível

para nós por intermédio da aparência que as coisas refletem, nada mais além

disso é perceptível‖. (RICHTER, 2009, p. 65).

Ainda acerca do tema, Richter, em outra entrevista cedida a Peter Sager

em 1972 e captada por Moorhouse, afirma: ―Nós não podemos confiar na

imagem que vemos da realidade, por que nós só vemos o objeto como nosso

olho está nos transmitindo, além de outras experiências, que por sua vez,

corrigem esta imagem.‖ (Ibidem, 2009, p. 65).

Richter, ao alcançar sua maturidade artística em 1960, declara

explicitamente, através de sua experiência como artista, sua preocupação com

um problema existencial jamais resolvido: saber se existe ou não uma

realidade ou se tudo o que somos e pensamos, só existe para nós apenas

mediante nossa condição subjetiva, logo, num mundo exclusivamente particular

e utópico. Até esse momento fica claro sua frustração frente à impossibilidade

de se apreender o ser das coisas (essência) assim o artista que almeja

produzir obras revolucionárias completa um volta de 180 graus e deixa

transparecer seu pesar frente à inexistência do espírito de um tempo de

significações no âmbito das artes.

36

Capítulo 2 – O ―foto-realismo-transcendental‖ de Gerhard Richter interpretado

segundo o conceito de história de Walter Benjamin

Abriremos esse segundo capítulo analisando o quadro intitulado Party,

(Festa) pintado por Gerhard Richter em 1963, baseado em uma fotografia

publicada na revista alemã Neue Illustrierte. Essa pintura paradoxal mostra que

embora o quadro seja quase que uma cópia perfeita dessa referência

fotográfica, ele trata de uma dimensão visceral da realidade deixando

transparecer a interpretação particular de mundo do pintor. Nessa experiência

estética o espectador fica ainda mais confuso quando seu acromatismo volta a

reverenciar sua origem midiática:

Fig. 9. RICHTER, Gerhard. Party (Festa). Museum Frieder Burda, Baden

Baden. Diversos materiais, 150 x 182 cm, 1963.

37

Embora o homem entre o grupo de mulheres glamorosas seja um

famoso apresentador de televisão chamado ―Vico Torriano‖, o título do quadro

não o menciona, tampouco a identidade das mulheres ali representadas. Muito

pelo contrário, o fato da perna de uma das modelos ter sido pintada na cor de

pele, a tinta vermelha lançadas aleatoriamente sobre a tela e as costuras sobre

seu plano superior, pressupõem seu posicionamento subjetivo frente ao plano

da existência.

Em tempos midiáticos, tais inscrições contrapõem-se a típica forma de

representação foto-realista. Mais interessante ainda, é observar que sob os

rasgos, no plano inferior da tela, estão costurados recortes de textos e fotos de

jornais. Aspectos esses, para os quais nos chama atenção o crítico de arte

Moorhouse, ao interpretá-lo: ―Com isso é sugerido que no fundo do quadro haja

uma camada, uma dimensão da existência.‖ (MOORHOUSE, 2007 p. 43) O

quadro Party trata do tema da dicotomia entre a essência e a superfície da

realidade marcando o aspecto central da arte de Richter, que, não obstante,

subsistirá em suas futuras obras.

Esse quadro é um, entre muitos outros, onde a subjetividade de Richter

dá indícios de sua tendência a compreender o mundo por um viés mais

ontológico, existencialista, tragi-romântico e rebelde. Os motivos para tal

interpretação são oferecidos além de, por intermédio das características

intrínsecas de seu estilo, nas palavras do próprio pintor, e por si sós, nos

estimulam a meditar sobre o sentido da vida e do conceito de obra de arte em

termos metanarrativos.

2.1 - O conceito de crítica de obra de arte de Walter Benjamin pendular entre a

Aufklaerung de Kant e o romantismo de Hegel

Segundo nossa pesquisa, as teorias estéticas de Kant e Hegel partem

do devir dialético, no entanto, surgem distinções no que concerne a

fundamentação do conceito de história na concepção de cada pensador. Suas

interpretações de mundo oscilavam entre um romantismo exacerbado e um

árido racionalismo.

38

O conceito de história, enquanto reflexão filosófica acerca de seu

significado existencial é fundamental na esfera artística e como tal abarca

discussões das mais diversas ordens, entre as quais oscilam meditando acerca

da tradição e da vanguarda.

Respeitando a particularidade de cada uma das doutrinas dos filósofos

do idealismo alemão Kant e Hegel, veremos como ambos os pensadores

concordam ao considerar a ―realidade essencial e suprema‖ racionalmente e

como isso veio a ser interpretado por Benjamin no século XX.

2.1.1 – Distinções entre o conceito de história em Kant e Hegel

É importante observar que a arte nesse contexto está sendo tratada

como elemento fundamental entre os problemas que surgem dos vínculos da

Aufklaerung e o romantismo alemão. Relações essas que parecem

conflituosas, desde que a reprodutibilidade técnica passa a agir na esfera

artística transformando a arte em propaganda política, exigindo, por assim

dizer, um novo método de apreensão da realidade e configurando o teor

reflexivo e o gosto do ―receptor‖.

Com o racionalismo e o empirismo, temos como válida a afirmação

moderna, à respeito do processo de produção de conhecimento, principalmente

na relação do sujeito com o objeto. Sendo esse o eixo condutor das

possibilidades de apreensão do objeto pelo sujeito, podemos afirmar que seja

possível a assimilação da realidade de forma diferenciada, ou seja, de acordo

com cada subjetividade, uma vez que cada sujeito percebe o mundo de uma

forma particular. Contudo, considerando Kant, quando afirma que o sujeito

realiza tal processo, condicionado pelas ―formas a priori de entendimento:

espaço e tempo‖ (KANT, p. 24, 1987), podemos dizer que pelo menos quanto à

captação dos fenômenos nosso acesso é uniforme.

Para o autor da Crítica da Faculdade do Juízo (1790) a apreensão da

realidade se dá de maneira ―regular‖. O que o levou a compreender a estética

pelo viés subjetivo. Direcionando nossa compreenção epistemológica para o

campo da arte, entendemos que é importante esclarecer que o termo Estética

39

estará ancorado no pensamento de kant, que é figura marcante na percepção

do belo e do Sublime, na prática da vida cotidiana.

A estética para Kant é um estado de vida de direito do sujeito

cognoscente e que no âmbito da fruição, está intimamente relacionada às

outras de suas capacidades, que vão para além das cognitivas constitutivas da

faculdade do conhecimento conceitual.

Segundo a teoria do conhecimento de Kant, no confronto com o objeto, o

sujeito capta suas características em toda a sua plenitude, e não isoladamente,

como poderíamos imaginar. A arte, segundo o autor, estéticamente

considerando, tem um caráter contemplativo e não intelectivo, transcendendo o

mero estatuto teório com a finalidade de conceituar ou classificar o objeto,

sumariamente, ela se preocupa apenas com a contemplação em si.

Nas próprias palavras de Kant:

O que há com o objeto em si e separado de toda essa receptividade da nossa sensibilidade, permanece-nos inteiramente desconhecido. Não conhecemos senão o nosso modo de percebê-los, o qual nos é peculiar e não tem que concernir necessariamente a todo o ente, mas sim a todo homem. Temos a ver unicamente com esse modo de percepção. Espaço e tempo são as suas formas puras, sensação em geral a sua matéria. Podem conhecer aquelas unicamente a priori, isto é, antes de toda a percepção real, e chamam-se por isso intuição pura; a última, porém, é o que em nosso conhecimento a faz chamar-se conhecimento a posteriori, isto intuição empírica. Aquelas inerem à nossa sensibilidade de modo absolutamente necessário, seja de que espécies forem nossas sensações; estas podem ser bem diversas. Mesmo que pudéssemos elevar essa nossa intuição ao grau supremo de clareza, com isso não nos aproximaríamos mais da natureza dos objetos em si mesmos. (KANT, 1993, p.49)

Tal percepção ou captação dos fenômenos do objeto praticadas pelo

sujeito, não quer instituir a idéia de uma supremacia da subjetividade, mas

inspira-nos a pensar que essa ação se realiza de uma maneira muito particular,

e que pode, portanto, ser confirmada pela intersubjetividade, que kantinamente

interpretando podemos chamar de "subjetividade universal". Contudo, para

Kant a manisfestação estética só pode ser objeto de observação, por aqueles

que possuírem, a priori, os aparatos necessários para sua captação:

inteligência e sensibilidade, além de ser necessário também que tais sujeitos

40

estejam diponíveis a apreenderem a presença sensível de um objeto

específico:

A faculdade dos conceitos quer sejam eles confusos ou claros, é o entendimento; e conquanto ao juízo de gosto, como juízo estético também pertença o entendimento (como a todos os juízos), ele, contudo pertence ao mesmo, não como faculdade do conhecimento de um objeto, mas como faculdade da determinação do juízo e de sua representação (sem conceito) segundo a relação da mesma ao sujeito e seu sentimento interno, e na verdade, na medida em que este juízo é possível segundo uma regra universal. (KANT, 2005, p. 74-75)

Segundo Kant, lembramos que, é através da experiência do sublime e

do belo que o humano tem a aportunidade experimentar e realizar sua

capacidade mais elevada: a contemplação. Assim, Kant traz para o mesmo

âmbito, no que tange o conceito da percepção estética, todos os objetos

independente do seu caráter de ser artístico, originário da natureza ou da vida

cotidiana, pública ou privada. Enfim, para o autor, todos os objetos são

possuidores de aspectos no mínimo comuns, ou seja, manifestam-se a partir

da observação do sujeito, no limite, kantianamente entende-se que conceitos e

objetos estéticos são indissociáveis.

A partir dessa relação da percepção com a contemplação estética

realizada pelo sujeito, ao contrário do que se possa imaginar, ele se liberta das

amarras impostas pelas determinações do conhecimento conceitual, realizando

assim sua experiência enquanto ser determinado no mundo. Na introdução da

Crítica da faculdade do juízo, Kant esclarece que a capacidade do

conhecimento é proveniente da ―alma‖, logo, tal conhecimento disponibiliza-se

a todos os sujeitos, como descreve o pensador:

Em qualquer um esse prazer tem que necessariamente assentar sobre idênticas condições, porque elas são condições subjetivas da possibilidade de um conhecimento em geral, e a proporção destas faculdades de conhecimento, que é requerida para o gosto, também é exigida para o são comum entendimento que se pode pressupor em qualquer um (KANT, 2005, § 156, p. 139).

41

A subjetividade, que etmologicamente corresponde a uma qualidade do

mundo interno do sujeito em sua condição particular, é em Kant ―universal‖. Ao

aplicarmos a crítica Kantiana do juízo na dimensão estética, percebemos que

isso se dá na esfera do sentimento. Para compreendermos tal particularidade

no pensamento do autor, desdobraremos o tema do devir, que nesse momento

histórico representa a dialética intelectual, distintamente concebido em Kant e

Hegel.

2.1.2 - Kant: Razão transcendental e intuição sensível X Hegel: Razão Absoluta

e intuição racional

O conceito de arte de Hegel compreende o devir dialético desdobrado no

tempo Histórico apenas enquanto ideia e não empiricamente como para Kant.

Ser e ser compõe o todo universal que Hegel chamou de Ideia absoluta. As

citações hegelianas nos levam a compreender que a arte autonôma toma corpo

no Espírito absoluto, diferentemente da autonomia da arte de Kant, que

concebe a arte na relação do sujeito com o objeto, empiricamente. Isso é

esclarecido por Hegel em sua obra A Filosofia do Espírito III, da seguinte

forma:

O espírito não é algo em repouso; antes, é o absolutamente irrequieto, a pura atividade, o negar ou a idealidade de todas as fixas determinações-do-entendimento. Não é abstratamente simples, mas em sua simplicidade, ao mesmo tempo, é um diferenciar-se de si-mesmo. Não é uma essência (já) pronta, antes de seu manifestar-se, ocultando-se por trás dos fenômenos; mas na verdade, só é efetivo por meio das formas determinadas de sua necessária manifestação de si. (HEGEL, 1995, § 378, p.10) 1o-) O espírito é na forma da relação a si mesmo: no interior dele lhe advém a totalidade ideal da idéia. Isto é: o que o seu conceito é, vem-a-ser para ele; para ele, o seu ser é isto: ser junto de si, quer dizer, ser livre. (É o) espírito subjetivo. 2o-) (O espírito é) na forma da realidade como [na forma] de um mundo a produzir e produzido por ele, no qual a liberdade é como necessidade presente. (É o) espírito objetivo. 3o-) (O espírito é) na unidade – essente em si e para si e produzindo se eternamente – da objetividade do espírito e de sua idealidade, ou de seu conceito: o espírito em sua verdade absoluta. (É) o espírito absoluto. (Ibiden, § 385, p.29)

42

O idealismo absoluto de Hegel nos esclarece como o movimento

dialético da Razão absoluta é o próprio devir dialético em atuação, que depois

de desdobrado no tempo histórico, volta a compor a ―Verdade absoluta‖, ou em

outros termos, o devir dialético é o desdobramento da tese, enquanto princípio

não desdobrado. A antítese, que coloca a tese em movimento, em algum

momento, se distancia dela extraindo o seu contrário e a síntese, no limite

dessa tensão, extrai de ambas, suas diferenças ou a unidade mais íntima

dessa interrelação.

Contudo, como traduzimos da citação acima, para Hegel esse

movimento não acontece num único intervalo de tempo, mas em múltiplos

momentos. Isso em virtude da verdade parcial que constitui a unilateralidade da

tese e da antítese, permitindo que a síntese, em última instância, seja a

compensação e a complementação de ambas, tranformando suas não-

verdades em uma verdade plena. Lembramos que, disponibilizada no

movimento do devir, a Verdade absoluta ou plena torna-se denovo uma nova

tese, ou seja, uma nova verdade parcial, perpetuando seu desdobramento

infinitas vezes.

Sumariamente Hegel concorda com Kant, quando o pensador entende

que a realidade é subjetivamente racional, no entanto, para Hegel é apenas em

termos exclusivamente idealizados, pois, para sua epistemologia o

conhecimento é desprovido de quaisquer possíveis relações com a experiência

empírica. Segundo o filosófo, o presente, o passado e o futuro são tempos que

existem isoladamente em cada sociedade e momento histórico, onde os

conhecimentos, valores e significações nascem e morrem no próximo período.

Em Kant, por sua vez, o tempo não é considerado históricamente, ele é,

assim como o espaço, uma categoria a priori. Como vimos anteriormente, as

categorias a priori de tempo e espaço kantianas constituem uma faculdade

puramente abstrata responsável por captar objetos empíricos. Uma captação

que se dá sem intermediários, intuitivamante e independente do tempo.

O sujeito para Kant, na marcha dialética do devir, é um ser

transcendental ou lógico racional, que organiza a experiência empírica, através

da sensibilidade. Ao realocar o sujeito no centro do conhecimento, Kant traça

43

seus limites e potenciais. Logo, o conhecimento racional ou a razão kantiana,

na constituição de sua estrutura e conteúdo particulares, realiza a síntese entre

uma forma universal inata e a experiência empírica realizada através da

intuição que é, para o autor, exclusivamente sensível, e não intelectual ou

racional como para Hegel. Todavia, como pudemos perceber até agora, ambas

as teorias se alinham ao considerarem o Absoluto racionalmente.

2.1.3 - Estética: O conceito de belo alinha Kant e Hegel

O belo da natureza concerne à forma do objeto, que consiste na imitação; o sublime, contrariamente, pode também ser encontrado num objeto sem forma, na medida em que seja representada nele uma imitação ou por ocasião deste e pensada além disso na sua totalidade; de modo que o belo parece ser considerado como apresentação de um conceito indeterminado do entendimento, enquanto o sublime como apresentação de um conceito semelhante a razão.

Immanuel Kant

Ao analisarmos a obra Curso de estética I de Hegel pela perpectiva

histórica percebemos que Kant e Hegel, reservando as singularidades de suas

doutrinas, consideram que o verdadeiro conhecimento acontece na fruição

contemplativa da experiência estética, em última instância, em uma dimensão

que transcende a racional. O conhecimento efetivo vai além dos estados

distintos daquilo que concerne a estado essêncial do sujeito e do objeto, cujo

elo de ligação se faz por intermédio do belo.

Hegel, por sua vez, concordar com o belo artístico kantiano, quando

esse o compreende como objeto estético único e unificador:

O belo artístico foi reconhecido como um dos meios que resolve e reconduz a uma unidade aquela contraposição e contradição entre o espírito que repousa em si mesmo abstratamente e a natureza - tanto a que aparece externamente quanto a que é interior e pertence ao sentimento (Gefühl) e ao ânonimo subjetivos. (HEGEL, 2001, p.74).

44

Hegel, mesmo divergindo quanto a forma sistemática seu tratado,

reconhece o mérito do postulado kantiano, ainda quando esse transforma em

fundamento, a racionalidade que pauta em si mesma sua própria finalidade.

Como observa Hegel, Kant intencionava profetizar a ―Unidade‖ sobre a

esfera da subjetividade. Segundo Hegel, para Kant:

Não restou outra saída a não ser proferir a unidade apenas na Forma de idéias subjetivas da razão, para as quais não podia ser demonstrada uma efetividade adequada, como também em postulados que devem ser deduzidos da razão prática, mas, segundo Kant, seu ser em-si (Ansicht) não pode ser conhecido pelo pensamento e cuja realização prática permaneceu um mero dever (Sollen) sempre empurrado ao infinito. E assim Kant realmente representou a contradição reconciliada, mas não conseguiu desenvolver cientificamente sua essência verdadeira nem demonstrá-la como a única e verdadeira efetividade. (HEGEL, 2001, p.75)

Como pudemos compreender até agora, o sistema cognoscente

kantiano pretendia resolver o problema da contraposição entre o sujeito e o

objeto, o particular e o universal ou ainda a aparência e a essência da

realidade, esbarrando no antigo problema do conhecimento, "do pensamento

subjetivo e das coisas objetivas (objektiven gegenstaenden), da universalidade

abstrata e da singularidade sensível, da vontade" (Ibidem, 2001, p. 75). Mas,

na opinião de Hegel, nesse ponto, Kant não alcança seus intentos.

Sumariamente, Kant hipostasia que pelo pensamento meramente

racional é impossível apreender a verdade (essência) das coisas, isso mesmo

na relação direta com o objeto cognoscente, pois seu núcleo permanece

inacessível, ainda que seu encontro aconteça na esfera da moral. Esse é o

ponto em que Hegel discorda: "Na verdade, defini o juízo em geral como a

"faculdade de pensar o particular como contido no universal" e denomina de

reflexionante o juízo, quando apenas lhe é dado o particular, para o qual deve

encontrar o universal". (HEGEL, 2001, p. 74). Logo, o pensamento hegeliano

tem em vistas superar científicamente o problema da essência da unidade, do

universal, que em Kant se mantém em aberto na Unidade. Kant considera a

essência ou o núcleo do objeto apenas como forma de idéias subjetivas da

razão.

45

Os pontos de discrepância que particularizaram cada um dos tratados

são superados através do conceito de belo. Hegel concorda com Kant na

medida em que autor concebe o belo reunindo em seu interior o universal e o

particular, conceito (idéia) e objeto (aparência), mesmo discordando dele no

que concerne seu entendimento acerca do conceito de tempo e em outros

aspectos. Sumariamente, a discussão ontológica girava em torno do duplo

status que gozava a conceito de belo na obra de arte: meios e finalidade.

2.1.4 - A dialética particular de Kant e Hegel

O objeto estético segundo Kant, como vimos anteriormente, possui seu

valor e finalidade pautados em si mesmo. Essa é a condição de sua

"universalidade ideal", que em outras palavras, é constituída pelos seus

próprios fins e meios, no limite, sua finalidade não se relaciona diretamente

com o interesse e o desejo particular de um determinado sujeito, mas

subjetivamente é entendida enquanto se destina a complascência universal.

Assim, o belo, enquanto possuidor de sua própria finalidade

disponibiliza-se universalmente a fruição desinteressada e ao prazer de todos,

agindo através da intuição e não das categorias do entendimento. No entanto,

o autor alerta que para ser afetado pelo belo é necessário que o sujeito seja

reconhecido como legítimo universalmente e para tanto lhe é exigido um

conhecimento prévio. Nas próprias palavras de Kant, citadas por Hegel na

obra Curso de Estética I, encontramos: "para apreciar o belo há a necessidade

de um espírito formado" (KANT apud Hegel, 2001, p. 77). Reiterando, Hegel

cita: "Na observação (Betrachtung) do belo não tomamos consciência do

conceito e da sua subsunção que se opera sob esse conceito e não deixamos

que aconteça a separação do objeto singular do universal, que no juízo sempre

está presente". (Ibidem, p. 77). A Idéia kantiana de belo com a qual concorda

Hegel é esclarecida na seguinte passagem:

O belo é em si mesmo infinito e livre. Pois se o belo também pode ser de conteúdo particular e, desse modo, novamente limitado, esse conteúdo deve, porém, aparecer em sua existência como totalidade em si mesma infinita e como liberdade, na medida em que o belo é sempre conceito que não

46

faz frente à sua objetividade e por meio disso se volta contra ela na opinião da finitude e da abstração unilaterais, mas se une com sua objetividade e por meio desta unidade e perfeição imanentes é em si mesmo infinito. (HEGEL, 2001, p. 126)

Para Hegel, a ideia de belo é absoluta, é espírito, e não está

condicionada e confinada nas limitações finitas da empiria, como vimos,

estabelecida nas estruturas categóricas do a priori kantianas. Segundo Hegel,

o conceito de belo não é, outrossim, que o Espírito absoluto e, enquanto tal é

universal e infinito. Como esclarece também Ubaldo Nicola na obra Antologia

Ilustrada de Filosofia: ―o sujeito para Hegel é o Espírito ou Razão, lembrando

que a razão Hegeliana não é algo estranho e contraposto à natureza, mas

coincidente com ela". (HEGEL apud Nicola, 2005, p. 358). O trecho enfatiza

como para Hegel, o Eu é sinônimo da razão discursiva.

A natureza enquanto representante do finito, do limitado, é distinta do

Espírito absoluto, contudo, prescinde deste. Logo, é constituída por sua

essência carregando intrínsecamente sua ideia. Todavia, não é o próprio

Espírito absoluto em sua plenitude, é outro dele, é sua "criatura" (das Setzend),

sendo admitida substancialmente em seu interior. Em linhas gerais, é no

antagonismo da idealidade (infinitude e verdade) e da negação (finitude e

limitação), que a natureza em sua forma aparente (Erscheinung) diverge e

converge no seio da Ideia absoluta, ora a supera se particularizando em si

mesma, ora a nega se universalizando como sua "criadora". Esclarecimento

esse que encontramos nas próprias palavras de Hegel:

Esta idealidade e negatividade infinita constituem o profundo conceito da subjetividade do espírito. Mas como subjetividade, o espírito é primeiramente apenas em si a verdade da natureza, na medida em que ainda não tornou seu verdadeiro conceito para si mesmo. A natureza não lhe está contraposta como ser-outro (Anderssein) insuperado e limitado, ao qual, como se o outro fosse um objeto encontrado a frente, o espírito permanece relacionado enquanto o subjetivo em sua existência de saber e de vontade e apenas pode figurar em natureza o outro lado. (HEGEL, 2001, p. 108)

Segundo Hegel, portanto, a subjetividade do espírito é um conceito que,

muito embora seja uno, se compreende desdobrando-o. Enquanto o espírito

47

não supera a natureza, se conservando em sua complacência, o subjetivo toma

forma de saber e vontade se lhe desprendendo.

Assim, através do princípio racional desdobrado dialéticamente e

mantido exclusivamente na dimensão do Absoluto ou do Ideal, que Hegel

pretende superar o inacessível ser-em-si kantiano. No limite, para Hegel é no

desdobramento do Espírito absoluto (da Idéia, do Universal, do Infinito) que

nasce a natureza (do posto, do particular, do finito), que como sua "criatura"

possui sua composição, mesmo não o sendo em sua plenitude.

Kant, por sua vez, postula o caráter dual da natureza (aparência) como

sendo de origem essencialmente Universal. Hegel, que parte dessa concepção

se distingue de Kant, ao determinar que parte desse desdobramento se nega e

volta a se reunir com o Universal ou o Absoluto. Na opinião de Hegel a

inacessibilidade da Natureza (do Particular) no Universal na doutrina kantiana

permanece sem solução. Porém, Kant, ao hipostasiar que o universal é um

conceito que contém o particular e sua aparência a partir de seu interior,

sustenta a concepção hegeliana de Absoluto, logo, ambos concordam quanto

ao fato do universal determinar o particular.

Na sequência, veremos como Walter Benjamin, mesmo vivendo no auge

do período moderno, herda traços das doutrinas dos idealistas alemães,

trazendo à tona os problemas que surgem do imbricamento do processo

estético da arte com a política e a sociedade, considerando trágico que a arte

perca sua essência incondicional. Nesse ponto, Benjamin assim como Hegel,

também considera o conceito romântico de arte. Ambos partem do pressuposto

kantiano de que existe identidade entre o artístico e o belo da natureza: "a

natureza é bela quando tem a aparência da arte"; e que "a arte só pode ser

chamada de bela quando nós, conquanto conscientes de que é arte, a

consideramos como natureza" (KANT, 1993, § 45).

De forma a especificar a natureza de nossa análise buscaremos

entender como isso vem a acontecer na reflexão-crítica de Walter Benjamin.

48

2.1.5 - Walter Benjamin a partir do conceito de obra de arte dos Idealistas

alemães

No que tange os conceitos como conhecimento, belo, gosto e gênio,

Benjamin cita, já no início de sua tese de doutorado O Conceito de Crítica de

Obra de Arte no Romantismo Alemão, as passagens kantianas que lhe foram

caras:

No § 1 da Crítica do juízo podemos ler: ―Para distinguir se uma coisa é bela ou não, nós não relacionamos por meio do entendimento a representação ao objeto visando o conhecimento, mas , antes, nós a relacionamos pela imaginação (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao sentimento de prazer ou de pena deste. O juízo de gosto não é, portanto, um juízo de conhecimento; consequentemente, ele não é lógico, mas estético; o que significa: aquilo cujo princípio determinante não pode ser senão subjetivo. No § 35 na analítica do sublime Kant assinala que o ―o juízo do gosto se distingue do juízo lógico, devido ao fato de que este último subsume uma representação sob conceitos do objeto, enquanto o primeiro não subsume nada sob o conceito, pois senão sob o assentimento universal necessário poderia ser imposto por provas. No entanto, ele é parecido ao juízo lógico na medida em que pretende uma universalidade e uma necessidade, mas não á partir de conceitos do objeto, e, consequentemente, puramente subjetivas‖. Como Kant deixa claro mais adiante, ―o gênio é o talento (dom natural) que fornece regras à arte‖. (& 46). (KANT apud Benjamin, 2002, p. 139).

Compreender o conceito obra de arte na concepção de Benjamin exige-

se uma aproximação maior de seu conceito de história, cuja constituição parte,

além de outros conceitos não considerados por esse texto, do conceito de belo

de Kant e de história de Hegel.

Como vimos até agora, no que tange ao aspecto exterior da obra de

arte, o tratado kantiano parece dar sustentação para o postulado hegeliano.

Todavia, Hegel passa a considerar a inter-relação da arte com o público,

abrindo caminhos para investigações acerca do tema da "recepção" no sentido

mais sociológico, mais precisamente amplia o tema da arte para o âmbito da

sociologia da comunicação, na abordagem que envolve as relações entre a

49

obra de arte, o público, o autor e a sociedade. Relações essas que são

profundamente refletidas e desdobradas por Walter Benjamin.

Para Benjamin, parecia haver uma urgência em se estabelecer uma

crítica imanente sobre todas as obras de arte, "se a obra é criticável, logo ela é

uma obra (de arte), de outro modo ela não o é. (BENJAMIN apud Silva, 2007,

p.33). Esse já é primeiro ponto de divergência entre Benjamin e Kant.

Mesmo tendo Benjamin partido da via kantiana ao conceber o belo da

obra de arte em sua autônomia, sua reflexão acerca dos conceitos de forma e

conteúdo na constituição da obra de arte, hesita entre o Idealismo histórico

hegeliano e o materialismo histórico marxista.

Como observa o crítico de arte Clement Greemberg ao interpretar Kant,

entende-se que emitir um juízo de valor acerca de um objeto artístico acontece

a partir da experiência estética, através da forma, que está disponível além de,

―formalmente‖ num objeto artístico produzido pelo homem, ―não-formalmente‖,

num objeto natural (da natureza). Greemberg observa que essa autonomia

estética frente às supressões das instâncias políticas é um aspecto romântico

em Kant e isso é compreendido quando o autor concebe a arte privilegiando a

forma em detrimento do conteúdo. Esse é o ponto, a partir do qual se

compreende que a afetação estética para Kant é imediata e como tal produz

um efeito exclusivamente autônomo na sensibilidade do fruidor. Logo, a arte

está disponível à intuição em qualquer experiência estética, o que por si só,

legitima a subjetividade livre e espontânea do gosto:

Juízos estéticos é a experiência estética, coincidem com ela, chamam atenção para ela e, ao mesmo tempo, lhe são consubstanciais. Tudo isso vale ainda, mais uma vez, para a experiência estética bruta, ―não-formalizada‖: para o pôr-do-sol e para a aurora (que me agrada mais), para o canto dos pássaros e o farfalhar das folhas, para sons ou ruídos agradáveis ou desagradáveis, odores, sensações táteis e sensações de frio ou calor, estados de espírito, idéias e lembranças (todas elas podem ser vividas esteticamente, como qualquer outra coisa que não a própria experiência estética). É ainda o juízo de valor que confere ―forma‖, seja na arte formalizada ou não-formalizada. Aqui coopera o distanciamento estético. (GREEMBERG, 2002, p. 112).

Por analogia ao pensamento de Greemberg, lembramos que para

Benjamin, não se trata de proferir o seu inverso, ou seja, condenar a forma em

50

detrimento do conteúdo, mas de lembrar que ambos os elementos estão

intrínsecamentes relacionados. Benjamin alerta ainda que, o formal em arte

não é uma estrutura vazia, mas está em consonância com seu conteúdo e

como tal carrega, além da qualidade do estilo, o caráter ideológico de seus

temas.

É com grande pesar que Benjamin assiste a natureza contemplativa da

arte, inscrita na forma da natureza, sucumbir à estética publicitária. A essência

dessa reflexão parece ter origem nas vicissitudes catastróficas de seu tempo.

Hegel, um século antes de Benjamin, descreve os primeiros indícios dessa

supressão moral que alcançará sua máxima no século XX. Em seu Curso de

Estética I encontramos:

A arte tem à sua disposição não somente todo o reino das configurações naturais em suas aparências múltiplas e coloridas, mas também a imaginação criadora que pode ainda, além disso, manifestar-se em produções próprias inesgotáveis. Perante esta plenitude incomensurável da fantasia e de seus produtos livres, o pensamento parece que tem de perder a coragem para trazê-los em sua completude diante de si, para julgá-los e enquadrá-los em suas fórmulas gerais. Em contraposição concede-se que a ciência, segundo a sua Forma, ocupa-se com o pensamento que abstrai da massa de particularidades. Assim sendo, por um lado, fica dela excluída a imaginação e seus aspectos casuais e arbitrários, isto é, o órgão da atividade e fruição artísticas. [19] Por outro lado, se é justamente a arte que distraindo vivifica a árida secura sem luz do conceito, se concilia as abstrações e cisões do conceito com a efetividade, se complementa o conceito com a efetividade, não pode ficar desapercebido que uma consideração apenas pensante supera de novo este meio de complementação, o destrói e conduz o conceito de novo para a sua simplicidade destituída de efetividade e para a abstração cheia de sombras. Quanto ao conteúdo, a ciência, além disso, se ocupa com o que é em si mesmo necessário. E se a estética deixa de lado o belo natural, aparentemente não apenas nada ganhamos com isso, como também nos afastamos ainda mais do que é necessário. Pois a expressão da natureza já nos oferece a representação da necessidade e conformidade as leis, a representação de uma relação que fornece enfim esperança de uma maior proximidade com a consideração científica e uma possibilidade de nos entregarmos a ela. Mas no espírito em geral e sobretudo na imaginação parece que, em comparação com a natureza, reside claramente o arbítrio e o desregramento, o que por si só impede qualquer fundamentação científica. (HEGEL, 2001, p. 31)

51

Para Hegel, a arte e a natureza, a criação e a intuição, são premissas da

Verdade absoluta. Esse, que é o epílogo climáxico de todos os românticos,

leva também Benjamin a considerar, em algum momento, o sentido primordial

da existência pautado na razão ideal.

Traços do pensamento racionalista e romântico de kant e Hegel,

aparecem considerados por Benjamin ao fundar seu conceito de Aura. Ao

pautar a finalidade em si mesma, a arte dos românticos é sinônima da arte pela

arte, refugiando os rebeldes e os oprimidos. Do artista romântico ecoava a voz

de uma nova ordem burguesa, que inconformada contra o absolutismo do

Antigo regime, ainda não vislumbrava a possibilidade da existência de qualquer

outra ordem, capaz de submetê-los. Mal conjecturavam que a obra de arte se

sujeitaria à condição de mercadoria com o estabelecimento do capitalismo. Isso leva Benjamin a concordar com Brecht no seguinte trecho:

Desde que a obra de arte se torna mercadoria, essa noção (de obra de arte) já não lhe pode mais ser aplicada; assim sendo, devemos, com prudência e precaução - mas sem receio - renunciar á noção de obra de arte, caso desejemos preservar sua função dentro da própria coisa como tal designada. Trata-se de uma fase necessária de ser atravessada sem dissimulações; essa virada não é gratuita, ela conduz a uma transformação fundamental do objeto e que apaga seu passado a tal ponto, que, caso a nova noção deva reencontrar seu uso - e por que não? - não evocará mais qualquer das lembranças vinculadas á sua antiga significação." (BRECHT apud Benjamin, 1960, p. 12)

Benjamin reflete sobre o status da obra de arte em termos de juízo de

valor percebendo a necessidade da passagem de um tempo que fundou a

noção de obra de arte (aurática, canônica ou sacra) sobre o conceito de

história linear e progressivo dos vencedores, para um novo momento histórico,

onde a arte renasceria autônoma. Sumariamente, a inquietação de Benjamin

decorria da decadência das elaboradas características intrínsecas do objeto

estético na reflexão e no gosto do fruidor a partir da mudança do valor de aura

para o de exposição.

Benjamin deixa claro que a ―democratização da arte‖ a partir de sua

reprodução técnica e indefinida, em detrimento da perda de sua aura, leva

52

consigo também a tradição disponível no devir do tempo histórico. Acerca

disso cita:

O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às classes dominantes, com seu instrumento. Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela. (BENJAMIN, 1994, p.224).

Para Benjamin o passado é único e dele nada se recupera:

A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido. [...] Pois irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela. (BENJAMIN, 1994, p. 224)

A dupla função da arte tensionada entre o passado e o futuro, levou

Benjamin a refletir a arte em termos tanto teológicos quanto materialistas: ―A

tarefa do historiador materialista é arrancar do esquecimento a história dos

vencidos e, então, empenhar-se numa dupla libertação: a dos vencidos de

ontem e de hoje.‖ (BENJAMIN, 1994, p.224). No olhar benjaminiano surge a

preocupação com os acontecimentos provocados pela ―estética de guerra‖,

essa que marcaria para sempre a memória e a cultura da Alemanha, dentro da

qual nasce o pensador na condição de judeu. Isso levou Benjamin a aspirar

uma libertação, tanto da moral religiosa quanto política, ou seja, daqueles que,

em última instância, determinavam o rumo da história em detrimento da

felicidade do homem, não apenas de judeus, mas de uma grande massa de

oprimidos.

Ambas, ―tradição‖ e ―vanguarda‖, na esfera da arte, segundo Benjamin,

subsistiam igualmente nas determinações da propaganda política nos domínios

da estética de guerra:

Todos os esforços para estetizar a política culminam num só ponto: a guerra. A guerra e só ela, permite fornecer um motivo para os maiores movimentos de massa, sem, assim, tocar-se no estatuto da propriedade. Quanto a linguagem técnica, poderiam ser assim formuladas: só a guerra permite mobilizar

53

todos os recursos técnicos da época presente, sem em nada mudar o regime de propriedade. Evidente que o fascismo em sua glorificação da guerra, não usa tais argumentos. (BENJAMIN, 1936, p. 27)

Seu pensamento na perspectiva histórico-materialista aparece

claramente na citação acima legitimando seu pessimismo frente à estética

publicitária a serviço do nazismo. Benjamin, na esperança de que os meios

técnicos servissem a expressão e a democratização da arte e da cultura,

assistiu a arte suprimida pela técnica servindo a estetização da política,

exigindo uma nova forma de acolhida do objeto estético. A arte publicitária nas

próprias palavras do autor: "não exige nenhum esforço de atenção".

(BENJAMIN, 1936, p. 27).

A teoria crítica de Benjamin reflete acerca dos meios técnicos de

reprodução de imagens (fotografia, televisão e cinema) introjetados na esfera

artística refutando que, além deles atenderem a demanda da cultura de massa,

provocaram um tamanho desgaste, vulgarização do objeto estético, que foi

capaz de destruir sua singularidade enquanto uma inesgotável fonte de

contemplação, fruição e reflexão. A respeito disso, salienta Peter Osborne e

Andrew Benjamin do pensamento Walter Benjamin o seguinte:

A humanidade que no tempo de Homero era um objeto de contemplação para os deuses olímpicos, agora é para si mesma. Sua auto-alienação chegou a tal ponto que ela é capaz de experimentar sua própria destruição como um prazer estético primeira ordem. Essa é a situação da política, que o fascismo está tornando estética. O comunismo reage politizando a arte. (BENJAMIN apud Osborne e Benjamin A., 1994, p. 44)

Na reflexão de Benjamin, a destruição da aura que singularizava a

unicidade e a historicidade da obra de arte, levou consigo a presença imanente

e transcendental de sua autenticidade, configurando a marca de uma grande

tragédia. Segundo nossa pesquisa, até esse ponto a perda da aura para

Benjamin é pesarosa, contudo ele não lamenta o fato da arte aurática ter

perdido sua ligação com o passado que fundou a noção de obra de arte na

pauta do sagrado e do continuum da história dos vencedores, mas lastima o

54

fato dela ao ser indefinidamente reproduzida perder sua singularidade

tornando-se esquiva a sensibilidade.

Kátia Muricy interpreta o pensamento do autor da seguinte forma: ―O

historiador materialista, ao invés de ficar na simples constatação dos fatos da

historiografia científica, quer transformar o que está inacabado (a felicidade) em

algo acabado e o que está acabado (o sofrimento) em algo inacabado.‖

(MURICY, 1998, p. 231). Segundo Muricy, para Benjamin, o passado é

importante na medida em que deixa latente a esperança de uma felicidade que

não se efetivou, e tampouco se efetivava naquele momento (no auge da

Segunda Guerra Mundial).

Para Benjamin, essa fé em uma ―redenção‖ é a força que impulsionava a

classe operária a revolucionar contra a classe opressora: ―essa é a verdadeira

força da classe operária: o ódio e o espírito de sacrifício, porque um e outro se

alimentam da imagem dos ancestrais escravizados, e não dos descendentes

libertados.‖ (BENJAMIN, 1994, p. 229). Assim, Benjamin pendula entre sua

herança do materialismo histórico e a do messianismo judaico, concebendo

que o ser social só poderia ser liberto dessa condição material pela via

messiânica. Mas isso, não na forma ortodoxa do messianismo judaico, que

entende o passado como um tempo que labora na construção de um presente

e sim como um tempo que históricamente se singulariza em cada nova

experiência: ―o materialista histórico faz desse passado uma experiência única‖

(BENJAMIN, 1994, p. 231). Ainda acerca do conceito de história benjaminiano,

encontramos em sua obra Passagens, como o pensador concebe o próprio

devir incapturável do tempo:

Não se trata da projeção do passado no presente, nem da projeção do presente no passado. A imagem é aquela em que o que já foi [Gewesene] se funde com o agora [Jetzt], numa conjunção veloz como o relâmpago. Em outras palavras: a imagem é a dialética em estado de repouso [Dialetik im Stillstand]. Pois enquanto a relação do presente com o passado é puramente temporal e contínua, a ‗do que foi‘ [o outrora] com o agora é dialética: não fluxo, mas imagem brusca. (BENJAMIN, 1987, p. 83).

Ao julgar o sujeito e a arte moderna nesses termos, Benjamin considera

a dialética do materialismo histórico e o messianismo judaico antagonicamente

55

tensionados entre o tangível e o fugidio. Esse ponto é esclarecido por Hanna

Arendt, ao interpretar o pensamento de Benjamin. Na sua concepção, o que

Benjamin conservava de ambas dialéticas era sua face rebelde: a antítese, ou

seja, a face ―negativa‖:

Isso mostra claramente quão pouco lhe interessava o aspecto ―positivo‖ (síntese) dessas ideologias e o que lhe interessava verdadeiramente em ambos os casos era o fator ―negativo‖ de crítica às condições existentes, um caminho para fora da hipocrisia e das ilusões burguesas, mas uma posição fora da instituição literária e também, acadêmica. (ARENDT apud Neves, 1987, p. 162).

Ainda buscando compreender o conceito de história na concepção de

Benjamin, voltamos a analisar a obra Curso de Estética I de Hegel (1835)

confrontando-a com o artigo do próprio Benjamin A obra de arte na época da

reprodutibilidade técnica (1936). Percebe-se que mesmo que o pensamento de

Hegel anteceda historicamente ao de Benjamin em 100 anos, ambos refletem

sobre os problemas que norteiam a arte moderna. Hegel refletiu os efeitos da

razão instrumental, desdobrados nos acontecimentos históricos na passagem

do século XVI para o XVIII e Benjamin na passagem do final do século XIX

para o XX.

Nesse contexto Benjamin reflete sobre a arte estetizando a política: "Eis

a situação da estetização da política, provocada pelo fascismo. O comunismo

responde a ele com a politização da arte." (BENJAMIN, 1977, p.44) e Hegel,

que deu sustentação à concepção materialista da história é citado por

Benjamin na seguinte passagem: ―Lutai primeiro pela alimentação e pelo

vestuário, e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo.‖ (HEGEL apud

Benjamin, 1996, p.223). Benjamin tensionando o idealismo histórico de Hegel a

seu máximo grau, esclarece-se rumando pelo ―materialismo histórico‖ de Marx:

A luta classes, que um historiador educado por Marx jamais perde de vista, é uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais não existem as refinadas e espirituais. Mas na luta de classes essas coisas espirituais não podem ser representadas como despojos atribuídos ao vencedor. Elas se manisfestam nessa luta sob a forma de confiança, da coragem, do humor, da astúcia, da firmeza, e agem de longe, do fundo dos tempos. Elas questinarão sempre cada vitória dos dominadores. Assim como as flores dirigem sua corola para o sol, o passado, graças

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a um mestirioso heliotropismo, tenta dirigi-se para o sol que se levanta no céu da história. O materialismo histórico deve ficar atento a essa transformação, a mais imperceptível de todas. (BENJAMIN, 1996, p. 223/224)

Segundo observa Benjamin, a ideologia age mascarando a realidade, ou

seja, ela age como uma ideia, discurso ou como uma ação que mascara o

objeto, esse que passa a ser percebido apenas superficialmente enquanto

esconde seus verdadeiros interesses:

Devemos lembrar a existência de um primeiro pressuposto de toda a existência humana e, de toda a história, a saber, que os homens devem estar em condições de poder viver a fim de ‗fazer história‘. O primeiro fato histórico é, pois a produção dos meios que permitem satisfazer essas necessidades, a produção da própria vida material; trata-se de um fato histórico, de uma condição fundamental de toda a história, que é necessário, tanto hoje como a milhares de anos, executar dia a dia, hora a hora. (MARX apud Benjamin, 1976, p.33).

Nesse ponto, Friedrich Engels endossa o pensamento de Marx

salientando: “Segundo a concepção materialista da história, o momento em

última instância determinante (In letzter Instanz bestimmende), na história, é a

produção e a reprodução da vida real.‖ (ENGELS, 1985, p.547).

Benjamin, ao assumir o caráter materialista do conceito de história de

Marx, mostra como o autor reflete a relação do sujeito com o objeto no mundo

real. Segundo Marx, o homem produz a história em estando-no-mundo (grifo

nosso), condição essa que Hegel não sustentava. Nessa perpectiva, seguindo

o próprio Marx, o idealismo histórico de Hegel o impedia de analisar a arte

nesse sentido por que a tecnologia na sua época não era o tema essencial.

Trazendo a discussão para o campo da arte, lembramos que, a arte

publicitária nas versões da estética totalitária e capitalista, ao ser refletida por

Benjamin no auge da Segunda grande guerra, indica que:

Aquele que procura se aproximar de seu próprio passado enterrado deve se conduzir como um homem que escava. Isso determina o tom, a postura das reminiscências [Erinnern] genuínas. Elas não devem ter medo de retornar vezes sem conta à mesma situação, de espalhá-la como se espalha a terra, de revolvê-la como se revolve o solo. A situação em si mesma é apenas um depósito, um extrato que só ao mais meticuloso exame entrega o que constitui o verdadeiro tesouro

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escondido na terra [Erdinnern]: as imagens pautadas de todas as associações anteriores [aus aller frueheren Zusammenhaengen ausgebrochen] que permanecem – como ruínas de torsos na galeria de um colecionador – nas sóbrias alcovas de nossa percepção posterior. (BENJAMIN apud Comay, 1977, p. 264).

Segundo essa observação, percebe-se que Benjamin considera que,

devido a sua condição histórica, as imagens do passado representam objetos

de ―ruína‖ no presente. Para o pensador, objetos estéticos são, acima de tudo,

objetos históricos e o corte com a história implica o desvelar de sua própria

origem, logo, a fraca orientação estética inscrita nas imagens efêmeras e

vazias dos objetos artísticos no presente, são a própria marca de sua

decadência. Sumariamente, o ponto fulcral do problema para Benjamin, é a

decadência do objeto estético arruinando a sensibilidade humana enquanto

subsídios intelectuais para a compreensão de objetos mais exigentes e

elaborados.

Do ponto de vista epstemológico, norteando a questão da afetação do

―receptor‖ pela da obra de arte, percebemos que a filosofia benjaminiana

conserva parte do teor romântico da reflexão de Kant e Hegel, quando esses

defendem que o objeto de arte, ao estar disponível na experiência estética,

deve atuar como instrumento de contemplação desinteressada e de

transformação existencial e reflexiva.

Compreendemos que Benjamin, que não desprezava a existência de

uma condição metafísica da existência, vai mais além e analisa a realidade

pelo viés físico numa perspectiva mais sociológica. Isso ao refletir acerca do

objeto estético em termos materiais e existenciais disponível no tempo

presente, e não independente dele como Kant o considerava

transcendentalmente e nem apenas idealmente como Hegel presumia.

Rodolphe Gasché, interpretando Benjamin pela perspectiva kantiana,

reafirma que o pensador refuta o belo das obras auráticas e não em si mesmo.

Acerca disso, encontramos a seguinte análise comparativa feita pelo autor:

Se na Terceira Crítica, Kant pode se desfazer do objeto e se concentrar apenas na intencionalidade com respeito à forma, é porque o juízo de gosto só é um puro juízo de gosto se não

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estiver nem interessado, nem fascinado (como no juízo teleológico) pela existência do objeto. A beleza livre é prazerosa porque sua percepção certifica o sujeito de sua capacidade cognitiva em geral e só é alcançada ali onde o juízo de gosto conservou o encanto sensual e as conotações morais, que dependem ambos da presença do objeto, em xeque. A distinção que Benjamin estabelece entre os efeitos da obra de arte na era de reprodutibilidade mecânica sobre seu espectador e o caráter fenomênico da obra de arte coincide com sua vigorosa crítica da aura. Se acompanharmos Benjamin através das várias facetas do processo em que a aura é repudiada, tanto as similaridades quanto as diferenças com relação a Kant se tornam tangíveis. (GASCHÉ, 1997, p. 194).

A partir daqui percebemos que o juízo estético (o belo) kantiano,

enquanto concebe as características intrínsecas do objeto estético, apóia parte

da tese que Walter Benjamin veio a sustentar. Observamos que nesse ponto,

reside uma possível aproximação que converge àquelas profecias da ―morte da

arte‖ no modernismo hipostasiado por Hegel nas citações anteriores.

No sentido mais acadêmico, norteando a idéia do fim da obra de arte a

partir das técnicas de reprodução, na reflexão moral de Benjamin, temos como

válida a aceitação do autor da concepção kantiana de arte, que pauta a

finalidade da arte em si mesma.

Como podemos observar na seguinte passagem hegeliana a arte, ao

desenvolver-se no tempo histórico, transforma-se no reduto do sentido

supremo da Verdade absoluta, onde o belo é a própria arte efetivamente

presente na unidade ideal:

Mediante esta liberdade e infinitude, que o conceito do belo assim como a bela objetividade e sua consideração subjetiva trazem em si mesmos, o âmbito do belo é arrancado da relatividade das relações finitas e elevado ao reino absoluto da Idéia e de sua verdade.‖ [...] ―O belo é a Idéia enquanto unidade imediata do conceito e de sua realidade, isto é, ele é a Idéia na medida em que esta sua unidade está presente de modo imediato no aparecer (Scheinen) sensível e real. A existência inicial da Idéia é, pois, a natureza e a primeira beleza é a beleza natural‖. (HEGEL, 2001, p.130).

O conceito de obra de arte transcendental de Kant é refutado por Hegel

no ponto em que o autor compreende que deve haver concordância

59

consumada entre o conceito e o fenômeno. Hegel, todavia, aceita que o objeto

estético seja possuidor de finalidade sem fim, como profetizava Kant:

A consideração do belo é de natureza liberal um deixar atuar (Gewährenlassen) os objetos enquanto si mesmos livres e infinitos, e não um querer possuir e utilizá-lo como úteis [156] para necessidade e intenções finitas, de modo que o objeto não aparecerá como e forçado por nós, nem combatido e superado pelas demais coisas externas. (KANT apud Hegel, 2001, p. 129).

O mesmo conceito de belo romântico foi particularmente aceito por

Benjamin, ao fundar seu conceito de aura, quando esse o aplica à beleza

natural. Nas próprias palavras do autor encontramos:

É aos objetos históricos que aplicaríamos mais amplamente essa noção de aura, porém para melhor elucidação, seria necessário considerar a aura de um objeto natural. Poder-se-ia definí-la como a única aparição de uma realidade longínqua, por mais próxima que esteja. Num fim de tarde de verão, caso se siga com os olhos uma linha de montanhas ao longo do horizonte ou de um galho, cuja sombra pousa sobre o nosso estado contemplativo, sente-se a aura dessas montanhas e desse galho. Tal evocação permite entender, sem dificuldades, os fatores sociais que provocam a decadência atual da aura. (BENJAMIN, 1980, p. 9).

A citação acima deixa claro como Benjamin concebe a beleza da

natureza ao compreender o quão era ―necessário considerar a aura de um

objeto natural‖.

Todavia, Benjamin, que reflete acerca da arte transformada em objeto de

consumo, parece ter se impressionado ainda mais do que os românticos,

quando eles, na passagem do século XVIII para o XIX, se angustiavam com o

fato da arte ser transformada em objeto de deleite particular.

Reservando a particularidade de cada uma das teorias, tanto Benjamin

quanto os idealistas, parecem refletir acerca do que destituiria o caráter

essencial da obra de arte, que alheia a outros fins não se manteria

exclusivamente disponível à contemplação universal.

Observamos que embora Benjamin conceba o belo do conceito de obra

de arte kantiano, sua reflexão possui um caráter mais realista e não tão

ontológico. A perda da experiência (Erfahrung) estética que a tradição

60

carregava através do objeto aurático é para Benjamin sinônimo da degradação

do gosto e, consequentemente, da reflexão. Acerca dessa visão trágica,

Benjamin ressalta seu pensamento na seguinte passagem: ―Não existe

documento de cultura que não seja compreendido como barbárie‖. (Benjamin,

1981, p. 52).

Assim Benjamin, no outro extremo, parece discordar da concepção de

obra de arte de Kant, quando esse pressupõe compreendê-la como um objeto

capaz de carregar todo o passado no presente. Como se o passado tivesse

sido um fato consumado num tempo histórico linear e progressivo permitindo a

obra de arte, enquanto auto-objeto, ser auto-capturada em sua origem, bem

como os eventos nele circunscritos.

Para Benjamin ―a história é objeto de uma construção‖ (BENJAMIN,

1994, p.229). Reiterando acerca disso, o autor cita em outro momento:

Articular historicamente a história não significa conhecê-la como ela de fato foi‖. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialista histórico fixar uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciencia disso. O perigo ameaça tanto a existencia da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo : entregar-se às classes dominantes, como seu instrumento. (BENJAMIN, 1994, p.224).

A história, do ponto de vista benjaminiano, é puro devir, cuja origem é

incapturável, ela é um permanente ―estado de exceção‖ (Ibidem, p.226). É

ainda, uma desconstrução contínua, que carrega as marcas trágicas do

passado escrita e festejada pelos dominadores: ―A história habitual é a

comemoração das façanhas dos vencedores.‖ (BENJAMIN, 1981, p. 52).

Especificamente Benjamin refuta a razão instrumental na versão

histórica dos dominantes. Para o pensador o tempo presente (Jetztzeit) destrói

a identidade historicista pautada no conceito Iluminista de história.

Benjamin, em 30 de março de 1918, escreve a seu amigo Gershom

Scholem, esboçando o que viria a ser o tema de sua tese O Conceito de Crítica

de Obra de Arte no Romantismo Alemão. O pensador explicita sua

concordância com o conceito kantiano de obra de arte romântica, mesmo

discordando de sua concepção Iluminista de história:

61

Apenas a partir do romantismo passou a dominar a visão de que uma obra de arte poderia ser compreendida em e para si na contemplação, sem sua ligação com a teoria ou a moral, e poderia atingir suficiência através desta contemplação. A relativa autonomia da obra de arte com relação à arte, ou antes, sua dependência pura e simplesmente transcendental com relação à arte tornou-se a condição da crítica da arte romântica. A tarefa consistiria em indicar neste sentido a estética de Kant como pressuposto essencial da crítica da arte romântica. (BENJAMIN, 2002, p. 138).

Benjamin, mesmo tendo se concentrado no estudo das obras românticas

dos poetas Schlegel, Novalis e na literatura de Franz Kafka, ele compreende

que a obra de arte está determinantemente alocada no mundo real, de onde se

deve analisá-la ou criticá-la. O conceito benjaminiano de obra de arte possuía

um teor muito mais imanente do que transcendental, em última instância, ele

está pautado em seu atípico conceito de história, cuja constituição ruma para

além da via materialista histórica e idealista romântica (gênese do romantismo

alemão).

Mesmo assim, em 1918 Benjamin reafirma como as obras dos poetas

românticos e a concepção de obra de arte transcendental, incriticável e

autônoma de Kant lhe foi cara:

Desde o romantismo, impôs-se a idéia segundo a qual uma obra de arte pode ser compreendida em e para si, sem a sua relação com a teoria ou a moral e que ela poderia ser satisfeita com esta contemplação. A relativa autonomia da obra com relação à arte, ou, ainda, sua dependência puramente transcendental diante da arte, foi a condição da crítica romântica. O trabalho (de doutorado) consistiria em demonstrar que a estética de Kant é um pressuposto essencial da crítica de arte romântica. Ou seja, aos poucos Benjamin foi deixando de lado o estudo da relação entre o conceito romântico de crítica e a estética de Kant para se fixar no estudo apenas da obra dos românticos. Já numa carta, de maio do mesmo ano, Benjamin afirma que a sua tese visaria ―os pricípios filosóficos da crítica de arte romântica‖. Numa carta de novembro de 1918, ele afirma ainda não ter iniciado a redação propriamente dita do trabalho, mas já estar bem adiantado em suas reflexões: ―o que eu aprendo através dela (a tese), a saber, um olhar na relação de uma verdade com a história, será, no entanto, pouco discutido no trabalho, mas, eu espero, será percebido pelos leitores perspicazes. O trabalho trata do conceito romântico de crítica (de crítica de arte)‖. (BENJAMIN, 2002, p. 11).

62

Percebemos que o conceito romântico de crítica de obra de arte, a partir

do qual Benjamin tece suas considerações, tinha dependência puramente

transcendental diante da arte, pois na concepção kantiana a arte não era

criticável. Para Kant, a arte posta que era transcendental era autônoma em si e

para si mesma, logo a contemplação não tinha qualquer relação com a teoria e

a moral social. Benjamin, por sua vez, mesmo concebendo a importância dessa

consideração, carrega em seu conceito de crítica de obra de arte um caráter

muito mais trágico e inegavelmente mundano e existencial. Para o autor, a vida

tanto em sua dimensão física quanto transcendental, é concebida distintamente

entre os dominantes e os dominados da história.

Como vimos até agora, os idealistas alemães relacionavam os diversos

aspectos físicos com os espirituais e Benjamin, mesmo reconhecendo a

importância de suas premissas, ruma pela via crítica e é contundente ao

contrapõe-se à concepção de história, cuja noção de desenvolvimento e

linearidade progressiva favorecia os vencedores (continuum iluminista da

história).

Assim acredita-se que Benjamin considera a realidade histórica como

uma luta entre a imanência e a transcendência. Lembramos que, o termo

imanência nesse contexto refere-se àquilo que está nessa dimensão da

realidade, exatamente contraposto àquilo que transcende esse estado das

coisas.

Nessa perspectiva, acredita-se que Benjamin, que não desprezava as

meta-narrativas, entendia o tempo histórico em sua imanência e tragicidade,

cujo devir histórico tornava o objeto incapturável. Segundo Michael Löwy,

Benjamin ―Como vê caminhos por toda a parte, ele se encontra sempre na

encruzilhada‖ (LÖWY, 1989, p. 85).

Sumariamente segundo Adorno, como ressalta Löwy, Benjamin está:

―Distante de todas as correntes‖ é o título do artigo de Adorno sobre Walter Benjamin (publicado no Le Monde em 31 de maio de 1969). De fato, a singularidade da obra de Benjamin situa-o como um ser à parte, à margem das principais tendências intelectuais ou políticas da Europa no início do século: neo-kantismo ou fenomenologia, marxismo ou positivismo, liberalismo ou conservadorismo. Estritament einclassificável, irredutível aos modelos estabelecidos, ele está ao mesmo tempo no cruzamento de todas as estradas, no centro da rede

63

complexa de relações que se tecem no meio do judaico-alemão. Os caminhos que levam de Berlim a Jerusalém [...] ou de Berlim a Moscou [...] cruzam-se nele, e seu pensamento sutil exotérico parece ser o foco onde se concentram todas as contradições políticas e culturais da intelectualidade judaica da Mitteleuropa: entre teologia e revolução niilista, messianismo místico e utopia profana. (Ibidem, 1989, p. 85).

Como veremos a seguir, isso vem a ser compreendido por intermédio

dos temas que relacionam a Identidade cultural e a situação do indivíduo num

determinado contexto histórico. Aspectos esses, que podem ser ainda melhor

compreendidos confrontando pontos da teoria crítica de Walter Benjamin e a

existencialista de Martin Heidegger.

2.2 - Walter Benjamin & Martin Heidegger

O messianismo judaico contém duas tendências ao mesmo tempo intimamente ligadas e contraditórias: uma corrente restauradora, voltada para o restabeleciemento de um estado ideal de passado, uma idade de ouro perdida e, uma harmonia de ouro edênica quebrada, uma corrente utópica, aspirando a um futuro radicalmente novo, a um estado de coisas que jamais existiu.

Michael Löwy

Segundo os estudos de Michael Löwy acerca da identidade cultural a

cultura judaica-alemã de Benjamin, ao mesmo tempo que se mantém ligada, se

distancia, tanto dos judeus religiosos anarquizantes (sionistas ou não), quanto

dos judeus puramente assimilados (Alemanha):

Distante de todas as correntes a fórmula é de um artigo de Adorno sobre sua obra) e na encruzilhada de todos os caminhos, ligado ao mesmo tempo aus dois grupos, encontra-se aquele que personifica, melhor que ninguém, essa cultura judaico-alemã messiânico-libertária: Walter Benjamin. A diferenciação entre os dois cunjuntos revela que a afinidade eletiva entre messianismo judaico e utopia libertária comporta também uma tensão, quando não uma contradição, entre o particularismo (nacional-cultural) judaico do messianismo e o caráter universal (humanista internacionalista) da utopia

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emancipadora. No primeiro conjunto, a predominância da particularidade judaica tende a relativizar o sapecto revolucionário universal da utopia, sem contudo fazê-lo desaparecer; no segundo, ao contrário, a universalidade da utopia é a dimensão preponderante e o messioanismo tende a ser despojado de sua especificidalidade judaica – que, apesar de tudo, não é inteiramente apagada. (LÖWY, 1989, p.29)

O judaísmo-alemão benjaminiano aspira a utopia libertária constituindo

uma trama que traz à tona a questão da identidade cultural pautado em seu

conceito de história. Acerca do tema encontramos:

Sobre o ―conceito de História‖, devia a seus estudos dos primeiros românticos. [...] O materialista histórico se acerca de um objeto histórico única e exclusivamente quando este se lhe depara como mônada. Nesta estrutura ele reconhece o signo de uma imobilização messiânica do acontecer, ou, dito de outra maneira, de uma chance revolucionária na luta a favor do passado oprimido. Ele a percebe para fazer saltar uma época determinada do decurso homogêneo da história: do mesmo modo ele faz saltar uma vida determinada de uma época ou uma obra determinada da obra de uma vida. O alcance de seu procedimento consiste em que, na obra, está conservada e superada a obra de uma vida, na obra de uma vida, a época, e na época, todo o curso da história. (BENJAMIN, 2002, p. 144)

Esse esclarecimento ressalta como o messianismo-judaico de Benjamin

carregava um forte teor materialista. Isso nos levou a compreender que o autor

refutava, não apenas a linearidade do tempo histórico a favor dos vencedores,

mas a versão mais ortodoxa do messianismo-judaico que, segundo Eliade,

concebia a concepção linear da história. Nelson Levy, fala acerca desse

aspecto em Benjamin na seguinte passagem: ―A concepção linear da história,

segundo Eliade, teria nascido na Israel dos profetas messiânicos,

imediatamente acoplada a uma interpretação ideológico-religiosa de cada

evento como manifestação de uma intervenção divina.‖ (LEVY, 1990, p. 14).

Logo, do ponto de vista do tradicional messiânianismo judaico, conceber o

tempo histórico (o passado) no presente, com vistas a entrever o futuro, como

o fez Benjamin, significava transgredir a própria tradição judaica.

Isso nos esclarece como a nacionalidade, enquanto herança cultural, por

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si só, não determina completamente o pensamento do sujeito, mas deixa

irrefutavelmente suas marcas, que a experiência do ser no mundo não

consegue mitigar. No caso da experiência dos sujeitos nascidos na Alemanha

do século XX, a marca da nacionalidade fica distintamente latente entre

aqueles de origem ―exclusivamente‖ alemã e os de origem judaica, como é o

caso, respectivamente, de Heidegger e Benjamin.

Benjamin herda o teor existencial da reflexão de Heidegger, para fundar

seu conceito de história, todavia, mesmo que ambos tenham fundamentado

seus projetos na proteção do tempo presente (Jetztzeit), eles divergem no

aspecto interior de seus tratados, marcando o ponto em que surge a questão

da nacionalidade enquanto determinante da identidade cultural.

As contingências da época impeliram Benjamin a tratar o objeto estético

na perspectiva de uma imanência trágica, ao passo que Heidegger, ao tentar

preservar a arte da supressão desse mesmo tempo, trata-a na perspectiva da

transcendência, sublimando-a para além dos limites dessa mesma experiência.

Paradoxalmente, a marca que destingue é a mesma que aproxima os

dois pensadores. Isso é esclarecido por intermédio do conceito de origem

(Ursprung) de Benjamin na passagem ressaltada por Howard Caygill, na obra a

A filosofia de Walter Benjamin:

Origem (Ursprung), embora sendo uma categoria inteiramente histórica, nada tem a ver com gênese (Entstehung). O termo origem pretende descrever não o processo pelo qual o existente veio a ser, mas antes aquilo que emerge do processo de vir a ser e desaparecer (1928:45) [...] O local da tradição não é um lugar onde passado, presente e futuro são reunidos para uma ação resoluta, mas um lugar onde o presente é obsedado não só por seu passado como também por seu futuro de vir a ser passado. É um lugar de luto. Aqui a origem e seus objetos jamais podem atingir a autenticidade, estando sempre em divida com algo que não se revela. (BENJAMIN apud Caygill, 1994, p. 34).

Benjamin reafirma que o próprio devir configura a natureza incapturável

do tempo. Para o pensador, do passado histórico nada se resgata em sua

plenitude, logo, a tradição, que jamais conclui um ciclo, está sempre na

iminência de vir-a-ser passado.

Ao considerarmos a natureza do pensamento de Heidegger e de

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Benjamin pelo viés da identidade cultural, fica translúcido o posicionamento

distinto de ambos. Heidegger, de nacionalidade alemã, foi privilegiado pelo

Sistema e Benjamin, de nacionalidade judaica-alemã, foi pelo mesmo

perseguido.

Embora ambos os pensamentos sejam dissonantes nas mais variadas

instâncias, Heidegger e Benjamin voltam a concordar ao refutarem o teor

Iluminista das filosofias neo-kantianas. Modernamente, conceitos de origem e

tradição consideram a obra de arte no imbricamento com a tecnologia:

Para poder ser transmitido ao presente, o passado tem de ser destruído, transformado num tipo de objeto diferente, um objeto passado. A origem é, portanto destrutiva, não dando lugar algum para a autenticidade ou a plenitude - nas palavras de Benjamin, ela é "um sorvedouro no fluxo do vir a ser cujo rítmo consome os materiais do vir a ser" - a tradição é catastrófica, tomando quando pareceria dar; um perpétuo estado de emergência. (BENJAMIN apud Osborne; Benjamin A., 1994, p. 35).

Diferentemente de Heidegger, para Benjamin, a tradição possui em sua

origem o caráter de ser destrutiva, impedindo a autenticidade dos objetos ali

originados, no limite, a própria tradição é inautêntica:

Em vez de autenticidade dentro da tradição, numa consumação trágica dentro do tempo, a própria tradição é inautêntica. Benjamin considerava que o momento excessivo da tradição, o momento de origem que destruiu a integridade do originado, podia ser empregado contra a tradição. A tradição como cenário da transmissão podia ser ela própria um objeto de contemplação, como na descrição da "imersão melancólica" no final da origem do drama barroco alemão quando seus objetivos finais, em que ela acredita poder assegurar mais plenamente para si aquilo que é vil, transformam-se em alegorias, e que essas alegorias se diletam e negam o vazio em que estão representadas, assim como, afinal de contas, a intençâo não repousa lealmente na conemplação de ossos, mas se precipita deslealmente na idéia de ressurreição. (OSBORNE; BENJAMIN A., 1994, p. 36)

Benjamin, que em 1916 tece sua crítica à filosofia da história de

Heidegger, esclarece definitivamente suas distinções através do conceito de

tradição e origem. Nessa perspectiva, Benjamin posiciona-se contra o otimismo

67

de Heidegger, alertando para o caráter destrutivo que constitui sua relação com

tempo histórico:

O ato de transmitir destrói o que transmite. O local onde a tradição se congrega não pode ser situado num presente com seu passado e futuro; é adiado para um futuro que não é estático, não é o futuro desse presente; nas palavras de Kafka, "há uma esperança infinita, mas não para nós". Para Heidegger, tal destruição é potencialmente, mas não necessariamente, a consequência da tradição, uma vez que para ele o excessivo momento de origem não só destrói mas pode também congregar, pode permitir que as coisas e os eventos sejam revelados. (OSBORNE E BENJAMIN A., 1994, p. 36/37.)

Fica claro que Benjamin discorda da importância que Heidegger dá ao

tempo histórico ao preocupar-se com a autenticidade da obra de arte, todavia,

concorda quanto ao fato de Heidegger abarcar interiormente a presença de

dois elementos que se contrapõe. Esse ponto, por si só, garante que a história

seja simultaneamente a herança e a destruição de algo hesitante entre a

"verdade" de um tempo que existiu e desse mesmo tempo que não existe mais.

Em suma, Benjamin parece compreender que o tempo histórico é um tempo

inacessível, que não é nem presente, nem passado, é apenas uma idéia, assim

como entendia Heidegger menos categoricamente:

Para Heidegger, o momento de origem é potencialmente um momento de claridade e decisão resoluta, um momento que permite a um sujeito, seja ele um "herói" ou um "Povo", decidir, nas palavras da primeira versão de "A origem da obra de arte", "quem eles são e quem eles não são". Esse momento de origem é um momento de decisão histórica, que permite ao Dasein escolher como um sujeito seu próprio destino. Para Benjamin, tal escolha de destino é característica da tragédia, que "se encerra com uma decisão", ao passo que o drama barroco se encerra com indecisão e catástrofe não catártica. [...]. Ela (a origem) destrói o que transmite. Sem essa destruição, no entanto, nada seria transmitido. A obra de arte é uma ruína, um local de luto onde a destruição da tradição pode ser reconhecida. Para Heidegger a tradição pode reunir o que iria entregar, trazê-lo á luz, e para ele a obra de arte é um templo que expõe essa reunião. Heidegger celebra a tragédia como um local de testemunho dessa entrega, enquanto Benjamin menospreza a tragédia em favor do drama barroco como um lamento coletivo pela destruição. (Ibidem, 1994, p. 37).

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Para Heidegger, na origem do tempo histórico onde nasce a tradição da

obra de arte, o sujeito escolhe seu destino, ao passo que para Benjamin, isso é

impossível, pois, o lócus histórico da origem garante a destruição de tudo

àquilo que nele se origina, seja a tradição, seja o ser no mundo (Dasein),

todavia, ambos os pensadores concordam quanto ao fato de que sem o tempo

histórico nada pode ser transmitido.

Esse ponto esclarece como as obras de arte auráticas, canônicas ou

sacras já nasciam condenadas. Em suma, para Benjamin, uma obra de arte

encerra em si mesma sua presença inefável, pois ela nasce e morre no devir

incapturável de uma temporalidade histórica. Esse local de luto é sinônimo do

conceito aqui e agora (Hic et Nunc ou Hier und Jetzt) benjaminiano, onde a

legitimação efetiva dos objetos estéticos jamais acontece.

Logo, independente do momento histórico de origem (do nascimento), as

obras de arte auráticas, tem sua destruição garantida na concepção de

Benjamin. Heidegger, por sua vez, compreende que o tempo histórico

irrecuperável é o próprio drama existencial.

Sinteticamente, entendemos que a marca que distingue os dois autores

nasce dessa aproximação. Embora ambos concordem quanto ao fato de que o

local da constituição da obra de arte seja o próprio lócus da morte de sua aura,

para Benjamin, isso acontece logo em seu nascimento, na sua origem e

independente de seu destino e para Heidegger isso pode acontecer, mas não

acontece necessariamente. ―O momento de origem de Heidegger pode ser um

momento de decisão, resolução até a morte, enquanto a origem de Benjamin

provoca tristeza e luto pela morte que ocasiona.‖ (OSBORNE; BENJAMIN A.,

1994, p. 37)

Assim, Heidegger e Benjamin concordam quanto ao fato de que ―a ação

de transmitir‖ é ação no sentido imanente e excessivo, todavia, Benjamin é

mais fatalista do que Heidegger. Para Benjamin, não se trata de recuperar e

eternizar o passado no presente canonizando no objeto estético o próprio devir

histórico e sim de extrair a particularidade de cada objeto que se faz nova em

cada origem. Logo, o conceito de aura de Benjamin é esclarecido do ponto de

vista do presente empírico e não do passado. A verdadeira história, segundo

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Benjamin, não resulta de um processo, mas dessa prontidão dialética, de fazer

do passado uma ―experiência única‖. (Ibidem, p. 230). Para o pensador, o

passado, enquanto tempo em ação ou devir dialético, deve libertar seus objetos

enquanto se auto-liberta.

2.2.1 – Judaísmo-alemão de Walter Benjamin

Observa-se que a nacionalidade, enquanto construtora da identidade

cultural do indivíduo, determina sua reflexão, não apenas em termos

ideológicos, mas vai para além dos limites da experiência constituir a

subjetividade do sujeito. E isso, não simplesmente no sentido teórico-moral

independente da empiria, mas abrange a existência desse ser no mundo, num

determinado tempo histórico e cultural.

Por mais que a marca da nacionalidade apareça como divisora de águas

distinguindo e particularizando o pensamento de alemães e de judeus-alemães

nascidos na Europa central (Mitteleuropa) do século XX, lócus da reflexão-

crítica que se desenvolveu a partir de 1910 com judeus refutando, em partes, a

razão pura e absoluta dos idealistas alemães, acredita-se que o caráter

impetuoso e romântico é marca comum na reflexão de todos.

No limite, todos os pensadores judeus nascidos na Alemanha expõem

na reserva de suas concepções morais, o desejo de alcançar um mundo ideal

para além do real. Mesmo pautados em diferentes causas e por vias

específicas, todos pareciam querer recuperar, um estado seguro de existir no

mundo, que só poderia ser concedido através de um refúgio ou de uma

redenção, logo de qualquer sorte, numa outra dimensão da realidade.

Segundo nossa pesquisa, os idealistas alemães, enquanto românticos,

combatiam a repressão moral do antigo regime e os críticos judeus-alemães,

refutavam a ideologia das ―pseudo-morais libertadoras‖ dos regimes, tanto

absolutistas quanto capitalistas, que transformaram a ação libertadora da arte

romântica em propaganda política.

Como analisa Michael Löwy é nessa aspiração utópica de recuperar um

mundo ideal composto pelo pensamento de idealistas alemães e judeus

anarquistas que surge a reflexão de Walter Benjamin, conhecido como um dos

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pensadores judeus-ateus-religiosos ou anarquistas-messiânicos.

Segundo Löwy, o pensamento de Benjamin ressalta dos nexos

presentes nessa trama: o romantismo, a Aufklãrung, o materialismo histórico

alemã e o messiansimo judaico:

Na atmosfera impregnada de religiosidade do neo-romantismo, muitos intelectuais judeus vão se revoltar contra a assimilação de seus pais, procurando salvar do esquecimento a cultura religiosa judaica do passado. Opera-se assim uma dessecularização, uma desassimilação (parcial), uma anamnese cultural e religiosa, uma `anaculturação´ de que alguns circulos ou cenáculos serão os promotores ativos ―pois, uma vez atraídos pelos movimentos revolucionários de esquerda e pelas idéias socialistas [...] Nesse contexto particular é que se tece a rede complexa de vínculos entre romantismo e anticapitalista, renascimento religioso judaico, messianismo, revolta cultural antiburguesa e anti-Estado, utopia revolucionária, anarquismo, socialismo. (LÖWY, 1989, p. 37/40).

O autor nos alerta para o fato de que alguns filhos de judeus ortodoxos

privilegiaram a intelectualidade em detrimento do capital e, por isso, refutaram

a carreira de negociantes de seus pais, típica da tradição judaica burguesa na

Alemanha no início do século XX. E como forma de encontrarem um lugar para

expressar suas utopias e ideologias libertária-anarquista-anticapitalistas, se

inseriram no mundo acadêmico. Aqui, como sublinha Löwy, é onde surge a

figura de Benjamin, sua racionalidade é concebida pautada em uma

temporalidade romântica-messiânica ou utópica-racionalista, que se constitui

da assimilação de aspectos ideais do romantismo alemão, do messianismo

judaico e da materialismo histórico. Norteando o tema da redenção no tempo

histórico, confrontando o pensamento de Benjamin e de Heidegger, Peter

Osborne e Andrew Benjamin salientam:

Heidegger mantém aberta a possibilidade da redenção no tempo histórico, com a implicação de que a culpa presente pode ser redimida no tempo, ―promovendo‖ o passado ou ―combatendo-o‖. Para Benjamin, não pode haver nenhuma redução no tempo histórico, tudo que pode haver é a redenção do tempo histórico. Não pode haver nenhuma ―promoção‖ ou ―combate‖, nenhum recebimento de uma herança no presente. Como que antecipando o desenvolvimento por Heidegger, em Ser e tempo, do tempo extático como o horizonte para a reunião do passado, presente e futuro, Benjamin insiste na completa exterioridade do tempo messiânico, um tempo cujo

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advento traz consigo a ―cessação do acontecer‖. Na ausência da plenitude messiânica do tempo, não pode haver nenhuma plenitude no tempo: todos os eventos no tempo não só são inautênticos como jamais podem atingir a autenticidade. (OSBORNE; BENJAMIN A, 1994, p. 27)

A passagem reafirma como o tempo histórico para Benjamin, é um

irredutível um local de luto, ao passo que, para Heidegger ele fica aberto à

redenção.

Com a reflexão de Benjamin, vemos a arte desistir de ambicionar possuir

um valor universal, sinônimo de "arte elevada", ―superior‖ e aurática, como era

estabelecida pela teorias estéticas do século XVIII, resultado da reflexão que

se desdobrou ao longo de mais de dois mil anos de história.

2.3 - A arte de Gerhard Richter interpretada com base nas reflexões de Walter

Benjamin:

Juízos de valor estético fundados por Benjamin como aura, rememorar e

recepção da obra de arte (acolhida), mesmo tendo sido constituídos antes do

nascimento da arte de Richter, serão nossas fontes de interpretação, haja vista

que conceitos como esses, como veremos, são de grande atualidade para a

crítica de obra de arte, se considerados do ponto de vista filosófico.

As fotografias, base das obras de Richter, foram capturadas no mesmo

lócus histórico em que Benjamin tece suas análises à respeito das artes que

usam meios técnicos para sua produção e reprodução enquanto movimentos

de massa à serviço política, ou nos termos benjaminianos, das artes que

estetizam a política:

A proletarização crescente do homem contemporâneo e a importância cada vez maior das massas cosntituem dois aspectos do mesmo processo histórico. O facismo queria organizar as massas, sem mexer no regime de propriedade, o qual, todavia, elas tendem a rejeitar. Ele pensava solucionar o problema, permitindo às massas, não certamente fazer valer seus direitos, mas exprimi-los. As massas tem o direito de exigir uma transformação do regime de propriedade; o fascismo quer permitir-lhes que se exprimam, porém, conservando o regime. O resultado é que ele tende naturalemente a uma estetização da vida política. A essa violência que se faz às massas, quando se impõe o culto de um chefe, cerresponde a

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violência sofrida por uma aparelhagem, quando a colocam a serviço dessa religião. (BENJAMIN, 1980, p. 27)

Ressaltamos aqui a atualidade do pensamento benjaminiano na

produção artística de Richter:

Em todas as ocasiões onde intervém a câmara, hoje em dia, a massa pode ver a si mesma, cara a cara. [...] O aparelho capta os movimentos de massa melhor do que o olho humano. [...] os movimentos de massa, e nisto também a guerra, representam uma forma de comportamento humano que corresponde, de forma totalmente especial, à técnica dos aparelhos. (Ibidem, 1980, p.27).

Percebe-se que os pontos de contatos entre as obras de Richter e o

pensamento de Benjamin são inúmeros e podem ser analisados do ponto de

vista da estética e da política envolvendo sem dúvidas a história das grandes

guerras. Assim as obras de Richter trazem à tona questões que envolveram a

vida e a construção do pensamento de alemães e judeus-alemães, cujas

implicações e conseqüências constituem a história da civilização alemã durante

séculos e alcançaram seu auge no século XX.

2.3.1 – Do Re-memorar

Ao analisarmos os temas evocativos das memórias da Alemanha nazista

nas obras de Richter, entende-se, que esse ―re-memorar o passado‖ segundo

Benjamin seja algo irrecuperável. Para Benjamin, o passado não deve ser

retirado de seu estado natural. Aqui surge sua discordância com a concepção

romântica de Hegel. O conceito de rememorar (Erinnerung) de Benjamin,

como vemos desdobrados nas citações de Rebbeca Comay, é compreendido

no confronto com a concepção hegeliana:

O Erinnerung Hegeliano é exatamente esse re-memorar (re-membering). O recordar seria precisamente a ressurreição do corpo idealizado, transfigurado, um corpo restaurado em sua unidade orgânica e integridade espiritual como um todo. Em contraposição, Benjamin re-memora (re-members). Isto é, para Benjamin, como para Proust – sobretudo para Benjamin como um leitor de Proust - a memória é antes de mais nada uma

73

mémoire dês membres (duplo genitivo) [1.2, 613n: CB 115n]; o redespertar incoerente, multiplamente situado, das partes despedaçadas do corpo a se re-encontrar a si mesmas no tempo e no espaço. Para Proust, tal encontro tinha o poder de sustar o fluxo homogêneo do tempo: faire reculer le soleil [...]. Os cacos da memória frustram as conciliações do fechamento orgânico, anunciando a eternidade de um luto que persiste em exumar ou desenterrar o que foi sepultado. A memória recobra a interioridade oculta da terra (Erdinnern), como a objetividade ou exterioridade rompida que se desprende (ausbrechen) de toda interioridade. (COMAY, 1977, p. 263/264).

O rememorar o passado nas obras de Gerhard Richter é o primeiro

indício de seu espírito romântico. Nesse ponto, Richter parece confrontar

Benjamin, para quem o rememorar é incapaz de constituir uma forma orgânica

(meio através do qual a sensibilidade humana se realiza e onde se opera a

percepção, da qual dependem a natureza e a história). Para Benjamin, no seu

estado de lembrança, a essência do acontecimento se perde, pois em qualquer

ato de elucidação ―permanece um resíduo‖, (Es bleibt ein rest). (Ibidem, 1977,

p. 264). Nesses pedaços despertos incoerentemente não se permite constituir

a própria ―verdade‖.

Assim, os temas evocativos do passado nas obras de Richter, segundo

o conceito de origem benjaminiano, seriam considerados como leito de morte:

local de luto.

Todavia, relembrando o esclarecimento de Richter anteriormente, para

ele representar pessoas relacionadas à Alemanha nazista foi um ato realizado

sem intenção. Discurso esse que o próprio pintor mudou 20 anos mais tarde.

2.3.2 – Da Aura

Traduzindo as primeiras páginas do artigo benjaminiano, que desdobra o

seu conceito aura, percebemos que ele trata da unicidade da obra de arte, a

partir do qual nascem as duas feições de uma obra de arte: unicidade e

duração, cujo interior mantém a presença da obra. Por unicidade o pensador

compreende, que esse seja o caráter único da coisa: a aura da obra. Sua

origem pressupõe uma função ritualística legitimando, por assim dizer, sua

74

autenticidade carregada pela tradição. O tempo e espaço de origem

(ursprung) e a duração (darstellung) são o próprio testemunho histórico do

objeto.

O aqui e agora (hier und jetzt ou hic et nunc) do tempo histórico, como

vimos anteriormente, mantém a tradição e a autenticidade dos objetos estéticos

na competência do inefável. Melhorando nosso entendimento acerca da

presença da obra de arte no tempo e no espaço histórico, subsidiamo-nos na

interpretação que Rodolphe Gasché, que observa a discrepância entre a

concepção Benjaminiana e a Kantiana:

A unicidade da obra de arte, sua qualidade de ser uma, é, portanto, claramente uma função da sensibilidade, em termos kantianos, de sua condição de objeto da natureza, sendo que, para Benjamin, a natureza tinha conotações de degradação, confusão e ruína. [...]. A presença (das Hier und Jetzt) do original é o pré-requisito do conceito de [sua] autenticidade. Mas o objeto original, singular, que é a obra, é também dotado de autoridade, e possui essa autoridade na qualidade de objeto, isto é, como uma aparição, no espaço e no tempo, de um substrato distante. Benjamin afirma que ―a unicidade dos fenômenos que preponderam na imagem de culto [die Einmaligkeit der im Kultbilde waltenden Erscheinunge] é cada vez mais deslocada pela unicidade empírica do criador ou de sua realização criativa‖. (BENJAMIN apud Gasché, 1977, p. 198).

Ao aplicarmos a noção de obra de arte aurática benjaminia para analisar

as pinturas de Richter, diríamos que, o aspecto artesanal de sua produção

artística protege sua autenticidade. A originalidade, que é legitimada pelo aqui

e agora do nascimento de sua obra, constitui a própria unicidade de suas

obras. A presença única de uma obra sua no local histórico garantem que elas

―não tendem depreciar o caráter daquilo que é dado apenas uma vez‖

(Benjamin, 1980, p.9).

Isso nos leva a questionar: Como a arte de Richter, que a primeira vista,

tanto alude a uma imagem fotográfica, inverte o prognóstico do fim da obra de

arte na era da reprodutibilidade técnica, fazendo nascer uma ―obra de arte

fotográfica‖? Como disse Benjamin: ―gastaram-se vãs sutilezas a fim de se

decidir se a fotografia era ou não arte.‖ (BENJAMIN, 1980, p. 14).

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2.3.3 – Da Acolhida

Outro dado importante a ser analisado acerca das obras de arte de

Richter é sua situação física. Elas se encontram disponíveis em museus e

galerias de arte. A respeito disso esclarece Benjamin: ―Os quadros nunca

pretendem ser contemplados por mais de um espectador, ou então por um

pequeno número deles.‖ (BENJAMIN, 1980, p. 21). Logo, as obras de arte de

Richter, ao ficarem disponíveis em museus como as de outrora, mantém um

caráter contemplativo ralativo a esse distanciamento.

Por um lado, ela é inacessível ao grande público, o que faz conservar

sua unicidade, pois, quanto mais indisponível às massas estiver, mais conserva

seu caráter essencial de ser obra de arte, mas por outro lado, fotografias de

seus quadros estão disponíveis através dos meios de comunicação de massa,

o que provoca a perda de sua profundidade, quando assim acolhidas. Segundo

Benjamin, essa disponibilização pública que a fotografia proporcionou, marcou

a crise que a obra de arte atravessou, do ponto de vista da recepção, a partir

do século XVIII:

Ora, é exatamente contrário à própria essência da pintura que ela se possa oferecer a uma receptividade coletiva, como sempre foi o caso da arquitetura e, durante algum tempo, da poesia épica, e como é o caso atual do cinema. Ainda que não se possa quase extrair qualquer conclusão no tocante ao papel social da pintura, é certo que no momento paira um sério inconveniente pelo qual a pintura, em virtude de circunstâncias especiais, e de modo que contradiz sua natureza até certo ponto, fica diretamente confrontada com as massas, nas igrejas e claustros de Idade Média ou nas cortes dos príncipes até por volta dos fins do século XVIII, a acolhida feito às pinturas não tinha nada de semelhante, elas só se transmitiam através de um grande número de intermediários hierarquizados. A mudança que interveio com relação a isso traduz o conflito peculiar, dentro do qual a pintura se encontra engajada, devido às técnicas de reprodução aplicadas à imagem. Poder-se-ia tentar apresentá-la às massas nos museus e nas exposições, porém as massas não poderiam, elas mesmas, nem organizar nem controlar a sua própria acolhida. (BENJAMIN, 1980, p. 21)

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É a partir da mudança na forma de acolhida, provocada pela

reprodutibilidade técnica na esfera da arte, como esclarecido por Benjamin, que

acreditamos que Richter mantenha a autenticidade de suas obras. Enquanto

alocadas em museus e galerias de arte, elas conservam seu caráter único,

original e autêntico de ser ―obra de arte‖. Assim, mantêm-se irredutíveis à

associar-se as artes reproduzidas técnica e ilimitadamente, como as

publicitárias, as quais permitem apenas a diversão enquanto levam consigo

todo o poder da presença real do objeto estético.

Para Benjamin, como já entrevia Hegel um século antes, o grande

problema que norteava discussão acerca da obra de arte, se resumia na forma

de acolhida. A pergunta que não cessava de ecoar era: Como o valor culto ao

ser transformado em valor de exibição afetaria o ―receptor‖ na experiência

estética? Acerca disso, Benjamin reflete junto a Hegel:

Essa oposição escapa necessariamente a uma estética idealista; a idéia de beleza, dessa última, somente admite a dualidade indeterminada – e, em conseqüência, recusa-se a qualquer decisão. Hegel, no entanto entreviu o problema, tanto quanto lhe permitia seu idealismo. Disse em Vorlesung über die Philosophie der Geschichte: ―As imagens existem já há muito. A piedade sempre exigia como objetos de devoção, mas não tinha necessidade alguma de imagens belas. A imagem bela contém, assim, um elemento exterior, porém, é na medida em que é bela que o seu espírito fala aos homens; ora, com relação a devoção, trata-se de uma necessidade essencial a existência de uma relação a uma coisa, pois, por si própria, ela não é mais do que o entorpecimento da alma... A Bela Arte nasceu dentro da Igreja.... embora já haja da arte‖. Uma passagem de Vorlesungen über die Aesthetik indica igualmente que Hegel pressentia a existencia do problema: ―Não estamos mais no tempo em que se rendia um culto divino às obras de arte, onde se podia dedicar-lhes preces; a impressão que elas transmitem é mais discreta e a sua de emocionar ainda requer uma pedra d toque de ordem superior.‖ A passagem do primeiro modo para o segundo condiciona em geral todo processo histórico da receptividade ás obras de arte. Quando se está desprevenido, fica-se por princípio, e a cada obra particular, condenado a oscilar entre esses dois meios opostos. (BENJAMIN, 1960, p.11)

A questão que se faz recorrente nesse momento é: Como as ―obras de

arte fotográficas de Richter‖ podem atender as exigências da arte do passado e

do presente simultaneamente, ou seja, como elas podem ser inovadoras e

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tradicionalistas, atendendo ao mesmo tempo às exigências de duas

concepções que se excluem?

Richter, que não usa a fotografia para reproduzir imagens sobre a tela,

tampouco para reproduzir indefinidamente sua arte, parece ser defendido por

Benjamin na seguinte citação:

A reprodução do objeto, tal como a fornecem o jornal ilustrado e a revista semanal, é incontestavelmente uma coisa bem diversa de uma imagem. A imagem associa de modo bem estreito as duas feições da obra de arte: a sua unidade e a duração; ao passo que a foto da atualidade, as duas feições opostas: aqueles de uma realidade fugidia e que se pode reproduzir indefinidamente. Despojar o objeto de seu véu, destruir a sua aura, eis o que assinala de imediato a presença de uma percepção, tão atenta àquilo que ―se repete identicamente pelo mundo‖, que, graças á reprodução, consegue até estandardizar aquilo que existe uma só vez. Afirma-se assim, no terreno intuitivo, um fenômeno análogo àquele que, no plano da teoria, é representado pela importância crescente da estatística. O alinhamento da realidade pelas massas, o alinhamento conexo das massas pela realidade, constituem um processo de alcance indefinido, tanto para o pensamento, como para a intuição. (BENJAMIN, 1980, p. 10).

Estaria Richter, através de seu estilo ―foto-realista-transcendental‖,

fundando uma nova forma aurática de obra de arte, atendendo, em plena pós-

modernidade, às exigências da teoria crítica frankfurtiana? À luz da declaração

adorniana observamos, em sua Dialética do Esclarecimento, o seguinte:

O elemento graças ao qual a obra de arte transcende a realidade, de fato, é inseparável do estilo. Contudo, ele não consiste na realização interior e do exterior, do indivíduo e da sociedade, mas nos traços em que aparece a discrepância, no necessário fracasso do esforço apaixonado em busca da identidade. Ao invés de se expor a esse fracasso, no qual o estilo da grande obra de arte sempre se negou, a obra medíocre sempre se ateve à semelhança com outras, isto é, a imitação como algo absoluto. (ADORNO; HORKHEIMER, 1991, p. 123).

A idéia de que atualmente não se cria mais obra de arte original, naquilo

que seria ―vítima‖ da Indústria cultural, pode ser desconstruída pelas atípicas

pinturas-fotográficas de Richter.

Paul Moorhouse, reunindo parte de algumas entrevistas cedidas pelo

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pintor em diferentes momentos de sua trajetória, defende a autenticidade de

suas obras: ―A fotografia me interessou por que ela ilustra a realidade muito

bem.‖ (RICHTER apud Moorhouse, 2009, p. 39). Acerca disso reitera

Moorhouse:

Ele também se refere à foto como sendo ―o quadro perfeito‖: Essas afirmações contêm em seu âmago secreto a idéia de autenticidade, correspondendo a possibilidade da idéia de um mundo direto e verdadeiro. Assim abala um posicionamento moralista acerca da pintura que usa fotografia. O uso das imagens fotográficas surge da tentativa de se eliminar a arte e paradoxalmente esse uso de fotos fez com que sua existência como pintor continuasse. (MOORHOUSE, 2009, p 39).

Assim, defende-se que o estilo e a técnica clássica de produção

artesanal das obras de Richter, nos fornecem pistas de que a criatividade está

a favor de uma originalidade e como tal parece revelar algo novo, mesmo

desafiando a típica arte fotográfica do presente.

Tal discussão parece tanger a esfera da moral, num sentido mais amplo.

O que determinava o medo da morte da arte a partir do século XIX era o

mesmo que determinava a produção do saber. Na opinião dos frankfurtianos

Adorno e Horkeheimer, o otimismo benjaminiano, na expectativa da técnica

democratizar a arte através da reprodutibilidade técnica, mesmo à custa de

sua desauratização, era ingênuo.

Benjamin, que acreditava num processo de qualificação das massas,

não presenciou, na sua época, a efetivação do contrário acontecer. Na opinião

dos frankfutianos, a arte ao estetizar a política, perde a referência que

justificava sua qualidade e sucumbe à total banalização. Realidade que marca

a maioria dos estilos de arte realista desde a modernidade. Frente a isso,

Richter reluta, criando obras de arte através de seu atípico estilo foto-realista,

exigindo que os termos que convencionaram as normas das obras no passado,

recuperem validade ainda nos dias de hoje. Mas, mais do que isso,

acreditamos que Richter inverta esse processo, produzindo uma arte que

podemos chamar de força universal.

Do ponto de vista da forma, suas obras recepcionam o fruidor, que na

sua presença pode ser afetado tanto na perspectiva contemplativa da

79

transcendência quanto na perspectiva catártica da imanência. Além disso, os

temas trágicos, que norteiam as histórias de vida de seus modelos, quando

desvelados, nos afetam existencialmente a ponto de nos levar a buscar

compreender seus significados. Logo, inferimos que sua arte, como proferia

Adorno: ―fornece a substância trágica que a pura diversão não pode por si só

trazer.‖ (ADORNO, 1991, p. 142).

Apoiada no postulado lógico quantitativo do Capital, a obra de arte na

era da reprodutibilidade técnica, sofreu um processo sinistro de diluição que

esbarrou nos domínios da sua essência. Essa que legitimava sua ―qualidade"

ou ―superiorioridade‖ parece ter desaparecido com o início da aplicação das

técnicas de reprodução.

Segundo Adorno, esse processo dá origem a arte ―inferior", pois a

―verdade‖ que deve constituir a essência de uma obra de arte se dilui

transformando a experiência estética em prazer imediato e fugaz. Uma arte,

que em última análise, se torna incapaz de afetar e transformar seus fruidores.

Tais parâmetros estéticos apoiados sob as ordens da massificação da obra de

arte são esclarecidos por Adorno como citado no artigo em PDF: Indústria

Cultural & Cultura da Mídia: da Modernidade à Lógica Cultural Pós-Moderna de

Maraisa Bezerra Lessa:

O consumidor não é rei, como a indústria gostaria de fazer crer, ele não é o sujeito dessa indústria, mas seu objeto‖. [...] Segundo Adorno, os produtos culturais atingem todos os níveis de consciência psicanalítica do indivíduo. Seus conteúdos veiculam não só uma mensagem explicita, como também uma mensagem oculta a ser absorvida pelo inconsciente dos indivíduos. Dessa forma, a indústria cultural difunde não só regras sociais e comportamentos como também formas de conceber e analisar o mundo, pois ―ela impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e decidir conscientemente [...] Contribuindo para a manutenção do status quo e para a expansão do consumo. Nesse sentido, Adorno expressa uma frase célebre: ―dependência e servidão dos homens, objetivo único da indústria cultural‖ (ADORNO 1971: 288 apud Lessa, p. 6).

A crítica moral adorniana, ao nos alertar para os perigos da ideologia

hedonista do consumo proporcionada pela Indústria cultural por intermédio da

arte publicitária, deixa claro como a função cognoscente da arte sucumbe a sua

total destruição.

80

Ao lembrarmos que, no Ocidente, devido ao nascimento da arte

publicitária, mais de dois mil anos de esforços reflexivos e críticos acerca de

manifestações artísticas, enquanto caro objeto de expressão cultural, perdeu a

razão de existir, diríamos que as obras de arte não tecnicamente reproduzida

de Richter, ao manter-se disponível à reflexão nos domínios da moral e da

estética, auto-legitima seu valor enquanto fonte de conhecimento,

reconhecendo antigos esforços.

Além disso, o conceito de aura benjaminiano, nos ofereceu subsídios

para entender o sentido de ―longínquo‖ típico das artes canônicas do período

antigo, medieval e renascentista. Segundo nossa pesquisa, o estilo realista de

arte, que perdurou desde a antiguidade, atravessando o período medieval,

fascinava pela glória e cânones da arte clássica, atendendo aos interesses da

Igreja. A Igreja, que mantinha seu poder ao controlar os desejos do povo por

intermédio da sacralização das obras de arte, vai perdendo esse status no

período renascentista, quando a arte passa a retratar o que poderíamos

chamar de ―ícones da nobreza aristocrática européia‖. Esse momento que

marca a transição do sistema feudal para o capitalista, levou Benjamin a

preocupa-se no auge do modernismo.

Percebemos que o que mais angustiava o pensador não era o fato de

que o objeto estético, ao perder sua aura, deixar de representar um plano da

existência mais seguro para além da dura realidade física, mas de tornar-se

irredutível à fruição e à reflexão, provocando a decadência do gosto. Acerca

desse tema encontramos Benjamin esclarecendo:

Com relação a isso, a pintura da Renascença fornece-nos analogia bem instrutiva. Nela também encontramos uma arte, cujo desenvolvimento e importância incomparáveis baseiam-se, em grande parte, sobre o fato de que ela integra um grande número de ciências novas, ou, no mínimo, novos dados extraídos dessas ciências. Reivindica a anatomia e a perspectiva, as matemáticas, a meteorologia e a teoria das cores. Como Valéry fez observar, nada está mais distante de nós do que essa surpreendente pretensão de um Leonardo, que via na pintura a meta suprema e a mais elevada demonstração de saber, pois estava convencido de que ela requeria a ciência universal e ele próprio não recuava diante de uma análise teórica, cuja precisão e profundidade desconcertam-nos hoje em dia. (BENJAMIN, 1980, p.22).

81

A obra de arte ao ser transformada em arte publicitária passa a atender

aos interesses da política perdendo tudo que caracterizava seu grande valor.

Isso é verificado na versão estética tanto de totalitaristas, quanto de capitalistas

que disseminaram suas ideologias políticas à manipulação e controle das

massas, provocando conseqüências apocalípticas durante todo o século XX.

Para Benjamin, a preocupação principal era assistir a arte estetizando a política

e a ameaça que condenava seu futuro, já no limiar de sua completa morte.

Segundo a história da arte, a autonomia da arte alheia a finalidades

políticas e ao compromisso moral religioso e até mesmo ao prazer universal, só

é alcançada quando ela assume um caráter revolucionário ou como no termo

cunhado por Alexander Gottlieb Baumgarten, se torna Estética.

Já na Alemanha moderna, veremos como a arte se torna ―cultura de

massa‖, de um lado, sob o controle de governos absolutistas: comunista e nazi-

-facista conhecida como estética totalitária preconizada pelo estilo realismo

socialista (1930 – 1960) e, de outro, sob a manipulação do capitalismo na

versão conhecida como pop art.

2.4 – Subjetividade segundo o gosto na estética de Gerhard Richter

O tema da subjetividade é amplamente refletido por Gehard Richter no

âmbito da arte e torna-se visível em sua obra ―Party‖. Reobservemos a pintura

a seguir:

82

Fig. 10. RICHTER, Gerhard. Party (Festa). Museum Frieder Burda, Baden

Baden. Diversos materiais, 150 x 182 cm, 1963.

A dicotomia entre aparência e a essência da realidade é a eminente e

existencial suspeita de Gerhard Richter. Sondagens sobre uma possível

existência de um ser em si constituindo a ―realidade‖, mantêm-se secretas sob

superfície da tela, onde tinta vermelha é lançada, sugerindo sangue e rasgos

são produzidos e recosturados. Essas são algumas das pistas que parecem

revelar a natureza trágica dessa reflexão. Moorhouse, interpretando Richter,

defende que o pintor entende o mundo filosoficamente ao representá-lo dessa

forma:

A realidade não se deixa representar satisfatória e adequadamente. Esse discernimento (juízo) vem com o conhecimento de que a aparência como significante não fica apenas independente da atualidade a qual se refere, mas o próprio status ontológico da aparência, pressuposto pela sua própria superfície. (MOORHOUSE, 2009, p. 89).

83

Analisando a obra Party, através das próprias pressuposições filosóficas

de Richter, entendemos que ela resume os motivos de seu inconformismo

frente à impossibilidade de acessarmos uma dimensão mais profunda da

realidade às custa da subjetividade. Essa, que em Kant é ―universal‖ e em

Freud, além de ser particular, tem forte substrato inconsciente, é refletida por

Gerhard Richter ainda na obra de Paul Moorhouse:

A gente gostaria de compreender e tentar pintar o que a gente vê e o que absolutamente existe (da ist). Depois a gente percebe que é impossível pintar, representar uma realidade. O que a gente faz é sempre e apenas representar a si mesmo, logo, isso é a própria realidade. (RICHTER apud Moorhouse, 2009, p. 59).

O que parece angustiar o pintor esbarra no clássico problema existencial

de se saber se existe algo substancial secreto na aparência da realidade ou

não. Ao assumir pintar quadros baseado em fotografias, reduzindo ao mínimo

a ação da subjetividade, Richter acreditou ter encontrado uma maneira de se

aproximar mais efetivamente da realidade:

Tudo o que é, parece e é visível para nós porque percebemos apenas a aparência que as coisas refletem; nada mais é visível. [...]. ‖Nós não podemos confiar na imagem que vemos da realidade, por que nós só vemos a coisa (o objeto) como nossos olhos nos transmitem, além de outras experiências, que por sua vez, corrigem esta imagem.‖ (RICHTER, 2009, p. 34).

O paradoxo entre a realidade visível e invisível tratado no âmbito da arte,

se torna ainda mais complicado pela subjetividade na opinião de Richter. Em

entrevista com Rolf Schoen em 1972, Richter declara: ―Eu não desconfio da

realidade, da qual eu não sei quase nada, mas da sua imagem, como nossos

sentidos nos transmitem: incompleta e limitada.‖ (RICHTER, 2009, p. 60). O

pintor se posiciona frente a essa percepção dizendo ainda: ―Nunca gostei de

subjetividade.‖ (Ibidem, 2009, p. 34). Vendo nisso uma dificuldade a ser

enfrentada, Richter tenta superar seu antagonismo fotografando a aparência da

realidade, visando captar os elementos do objeto, que são impossíveis de ser

captados a olho nu.

Com base na investigação epistemológica e na estrutura mental

84

apresentada pela psicanálise, nos aproximamos do que parece ocorrer no

mundo subjetivo do artista, materializado em forma de arte. Assim,

―subjetividade particular‖ de Freud confronta a ―subjetividade universal‖ de

Kant, mais precisamente na hipótese de um pressuposto conhecimento

―uniforme‖ de mundo.

2.4.1 – O gosto segundo a subjetividade

A partir da arte e da reflexão de Gerhard Richter, vimos até agora, que

dois imperativos categóricos acerca da relação do sujeito com o mundo objetal

são tensionados: a objetividade e a subjetividade. Abrindo uma discussão à luz

das teorias da comunicação, percebemos que o tema da subjetividade remonta

a Antiguidade. Mais de dois mil anos distantes de nós, na arte da Grécia Antiga

através do conhecido conceito de mimesis, tentou-se capturar a essência da

realidade imitando a natureza. Problema esse que, mesmo em tempos

tecnológicos avançados, permanece insolúvel.

A subjetividade na esfera artística sempre representou um problema na

relação do sujeito com o objeto. Para Richter, não é possível chegar mais perto

da realidade do que apenas muito próximo. Observação sumária, que redunda

no mesmo e mais fundamental problema da existência humana: Como

podemos conhecer o mundo que nos cerca? Estaríamos confinados, dentro de

um mundo particular, subjetivo, completamente impossibilitados de saber o que

realmente existe?

No que tange os problemas subjetivos, apesar da tendência ao

consenso de ―subjetidade universal‖ em torno do pesamento kantiano, o ser

humano moderno se depara com aqueles que esbarram em sua subjetividade

de forma particular. Se a essência de uma obra de arte para Kant, do ponto de

vista da objetividade, é inacessível, a experiência estética que ela proporciona,

do ponto de vista da subjetividade, que compreende a sensibilidade, é

considerada. Mas isso, apenas para kant, para quem a obra de arte mantém

seus fins e meios fiéis a sua própria incondicionalidade e infinitude. No entanto,

no caso do fruidor desejar ir para além do deleite e da contemplação do objeto

estético, conhecimentos gerais e específicos são requeridos nesse

85

relacionamento e isso, mesmo que os efeitos de uma obra não configurem elos

de ligação entre as partes (subjetividade e objetividade).

A psicanálise Freudiana, por sua vez, ao explicar que, a priori, somos

constituídos de forma a não termos acesso ao mundo que nos cerca,

principalmente no que respeita os domínios de nosso inconsciente, marca o

ponto de distinção com Kant. A teoria Kantiana nos permite uma chance maior

de acesso ao mundo da aparência. Mas mais do que isso, Kant nos chama a

atenção para a importância de se ampliar o grau de cultivo.

Na obra Estética Doméstica, o crítico de arte Clement Greemberg

assíduo leitor de Kant, pautado em suas teorias, esclarece que "gosto

subjetivo― é opinião e "gosto objetivo― é instrução, ou seja, o gosto é

desenvolvido a partir do entendimento de algo, no limite, cita: ―o gosto mal

desenvolvido é o mau gosto.― (GREEMBERG, 2002, p. 171). ―Por sua natureza

involuntária, os juízos de gosto são reveladores do grau de ―cultivo― do gosto

individual.― (Ibidem, 2002, p. 16). Reitera ainda o crítico interpretando Kant:

O que ele quis dizer é que somos razoavelmente semelhantes em linhas gerais. E são as linhas gerais que entram em ação quando desenvolvemos o nosso gosto. Quanto mais você desenvolve o gosto, mais impessoal você se torna. E não mais individual. (Ibidem, 2002, p. 175).

Ainda reforçando o esclarecimento que tensiona as teorias de Freud e

Kant epistemologicamente, entendemos que mesmo que o objeto estético

esteja fenomenologicamente disponível à intuição, ou seja, mesmo que ele se

mantenha desfrutável a qualquer subjetividade, ele ainda continua hermético

quanto a sua natureza essencial. Nesse ponto concordam Freud e Kant.

Mesmo com a concessão cedida por Kant à captação dos fenômenos do

objeto pela sensibilidade, entendemos que o objeto estético em sua natureza

inefável continua intangível e inenarrável, contudo, como nos esclarece o

Greemberg ainda apoiado em Kant, o problema pode ser minimizado quanto

mais gosto se desenvolve.

Segundo Gremberg, através do entendimento das convenções e da

história da cultura e da própria arte, ampliamos e efetivamos nosso prazer, haja

vista que, quanto mais subsídios cultiváveis desenvolvermos tanto mais nexos

86

intelectuais, sensíveis e sígnicos elaboraremos, efetivando, por assim dizer,

nosso prazer na experiência estética.

Isso nos leva a entender que ampliar a reflexão e o gosto, através do

conhecimento (reflexão e cultura), é necessário para objetivação do gosto, a

partir do qual é possível uma maior aproximação do universo alheio. Isso na

medida em que consideramos nossa humanidade de forma equivalente.

Entendemos que as obras de obra de Gerhard Richter, estejam

disponíveis, enquanto forma (estilo) à contemplação e ao deleite e, enquanto

conteúdo tanto a ―subjetividade universal‖ de Kant quanto à ―subjetividade

particular‖ de Freud, mas seu núcleo permanece igualmente substancialmente

inacessível.

Ao considerarmos suas obras através dos conteúdos de seus temas,

encontramos a oportunidade de conjecturar acerca de como os eventos da

Alemanha do século XX podem ter afetado o inconsciente de Richter, de forma

a impulsioná-lo a escolher, dentre tantos temas, representar artísticamente as

das tragédias provocadas pela Segunda Guerra. Na observação do

comportamento de pessoas afetadas pelo drama da Guerra, seja direta ou

indiretamente, procura-se entender como é a relação da subjetividade desse

indivíduo com o mundo externo. Para isso, buscamos lançar nosso olhar para

como o sujeito, pelo seu universo abstrato, relaciona-se com seu mundo

interior.

O foto-realismo de Richter, segundo o próprio artista, é desenvolvido

assumindo a fotografia de forma a minimizar a ação de sua subjetividade na

produção de suas obras, com vistas a universalizá-las ao máximo.

Contudo, esse distanciamento nos leva a refletir acerca de sua própria

ideologia, esbarrando nos domínios de sua reflexão artística-política e seus

imbricamentos com a sociedade alemã. O estilo de Richter, embora tenha base

realista, ao representar o ser fotografado no mundo real, não adere àqueles

estilos que transformaram a arte em publicidade política como é típico na

estética de totalitaristas e de capitalista.

Como salienta Walter Benjamin vivendo no auge da Segunda Guerra:

―Todos os esforços para estetizar a política culminam num só ponto: a guerra‖.

(BENJAMIN, 1980, p.27). Nesse ponto, os quadros-foto de Richter, mesmo

através de seu estilo foto-realista desfigurado, ao representar, entre outros

87

eventos trágicos, as vítimas e mandantes do Holocausto e os dramas

existenciais dali decorrentes, não ―estetiza a política‖ como Benjamin

condenava. Podemos interpretar isso como um ato inconsciente de desabafo

de Richter frente às atrocidades da Guerra.

Entre os elementos que compõe seu estilo foto-realista estão a acromia

e o abstração, produzidos pelo pintor com vistas a manter anônima a

identidade de seus modelos. Quando as fotos têm origem midiática, Richter

recorta seus títulos e discursos sensacionalistas, muitas vezes depreciativos,

como são normalmente veiculados pelas mídias, direcionando, por assim dizer,

nossa olhar para o conteúdo, cujas profundezas, sem uma pesquisa, se

mantêm igualmente impenetráveis. A aparência ilusória e difusa de seu estilo e

os temas existenciais sem esclarecimento confundem o expectador!

2.4.2 – O gosto segundo o longínquo

Retomando o conceito de aura de Benjamin, podemos dizer que quanto

à atmosfera histórica e testemunhal, as obras de Richter traduzem-se na

íntegra benjaminiana como: ―a única aparição de uma realidade longínqua, por

mais próxima que ela esteja‖. (BENJAMIN, 2002, p.10). No entanto, a

atmosfera de um ―tempo longínquo‖ que constituem suas obras, é sugerida

através de um teor de distanciamento físico-temporal (histórico) e não na

intangibilidade de um estado metafísico como compreendem as obras de arte

auráticas do passado, para às quais refere-se o termo. Muito pelo contrário, a

narrativa histórica e a estética trágica de suas obras defendem a

transcendência na imanência de um tempo que existiu irrevogavelmente.

A seguinte obra subsidia nossa interpretação:

88

Fig. 11. RICHTER, Gerhard. Familie nach altem Meistern (Família como nos

velhos mestres). Pinakothek der Moderne, Munique. Óleo sobre tela, 147 x 155

cm, 1965. (MOORHOUSE, 2009, p. 62).

A obra Família como nos velhos mestres acima, embora não cumpra

absolutamente qualquer função ritualística, evoca a memória de um tempo

distante de nossa atualidade, ao mesmo tempo em que carrega elementos

disponíveis a infinitas interpretações. Elementos esses, que por si sós,

legitimam a autenticidade de seu estilo.

De forma a defender objetivamente nossa análise, através da leitura das

características intrínsecas a essa obra, nos subsidiamos nas observações de

Clement Greemberg acerca do conceito de gosto:

Com efeito, a objetividade do gosto está incontestavelmente provada pela presença de um consenso e por intermédio dele

89

no decorrer do tempo. Esse consenso evidencia a si mesmo nos juízos de valor estético que perduram sob o eternamente renovado teste da experiência. Determinadas obras se destacam em seu tempo ou na posteridade por sua excelência, e mantêm sua primazia, isto é, continuam a impor-se aos que entre nós observam, ouvem ou lêem com a profundidade exigida em tempos posteriores. E para essa durabilidade – a durabilidade que cria um consenso – não há explicação a não ser o fato de que o gosto é, em última análise, objetivo. Ou, então, o melhor gosto; aquele que se faz reconhecer pela durabilidade de seus veredictos; e nessa durabilidade reside a prova de sua objetividade. (GREENBERG, 2002, p. 69)

Greemberg pauta o valor de uma obra de arte em sua capacidade de

durar no tempo histórico, pautado em seu estado de objetivação do gosto, logo

nos apóia ao justificarmos que as obras de Richter, no que tange sua

atmosfera histórica, carregam intrínsecamente as qualidades necessárias para

se auto-qualificarem. Ao mesmo tempo em que atendem as convenções da

arte tradicional através de temas que estimulam a reflexão e permitem o

deleite. Suas obras se atualizam nas profusões abstratas de seu estilo.

A alusão a uma fotografia antiga e desfocada no estilo foto-realista de

Richter é pouco convencional. Sua inovação estilística e durabilidade no tempo,

mantém suas obras disponíveis a múltiplas interpretações, não encerrando em

si mesmas uma significação de forma tediosa e banal.

Traduzindo nossa observação, recorremos à afirmação de Richter

encontrada por Moorhouse: ―Depois dos quadros terem sido pintados e já

prontos, eles não contam mais nada de sua situação definida, o retrato é

absurdo. Enquanto quadro ele possui outro sentido, outras informações.

(RICHTER apud Moorhouse, 2009, p. 44).

Pintar retratos em tempos pós-modernos poderia desqualificar uma arte,

na opinião de alguns estetas e artistas vanguardistas. Para tais obras caberia o

termo Kitsch (em alemão) ou brega (em português) como sinônimo de arte

―inferior‖ ou ―ruim‖.

Analisando por esse viés, consideramos o esclarecimento de Greemberg

sobre o que seja esse tipo de arte: A ―arte inferior‖ foi aquela que tornou

irrelevantes o juízo de gosto, esperou tornar irrelevante sua própria

inferioridade qualitativa – também partiu do princípio de que o que mais

importava, de qualquer forma, seria ampliar as fronteiras da arte, assim como

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fizera a vanguarda clássica. (GREEMBERG, 2002, p. 230). Logo, os retratos

pós-modernistas de Richter, que não desprezam a importância da qualidade

artística, nem quanto a forma tampouco quanto ao conteúdo, parecem

enfrentar esse veredicto.

2.4.3 - Do gosto: ―arte superiror‖ x ―arte inferior‖

Ainda norteando o tema da arte sem qualidade ou ―ruim‖, nos apoiamos

no esclarecimento fornecido por Umberto Eco na obra História da Feiúra. ―Arte

inferior‖ no processo histórico dá origem da palavra kitsch. O termo kitsch,

segundo Eco, nasce quando turistas americanos na segunda metade do século

XIX, tentam negociar em Munique (Alemanha) o preço das obras de arte.

Segundo Eco, o termo ―desconto‖ que em inglês é sketch, é originário do

dialeto mecklenburguês, que anteriormente já existia no verbo kitschen (em

alemão), sinônimo de ―varrer a lama dos lixos das ruas‖. Ele significava ainda a

busca por uma experiência estética fácil, de súbita e excepcional afetação, por

parte do comprador. Umberto Eco subsidiado por Clement Greemberg cita

ainda:

Quem aprecia o Kitsch considera que está usufruindo de uma experiência qualitativamente alta. Basta dizer que existe uma arte para os incultos, assim como existe uma arte para os cultos e que é preciso respeitar a diferença entre os dois ―gostos‖ como são respeitadas as diferenças de crenças religiosas ou as preferências sexuais. Mas enquanto os cultores de uma arte ―culta‖ consideram o kitsch, os cultores do Kitsch (salvo diante de obras cuja aspiração é justamente ―chocar a burguesia‖) não consideram desprezível a grande arte dos museus (os quais, aliás, expõem com frequência obras que a sensibilidade culta considera kitsch). Muito ao contrário, consideram as obras Kitsch ―semelhantes‖ àquelas da grande arte. Se uma das definições do Kitsch o vê como algo que visa provocar um efeito passional em vez de permitir uma contemplação desinteressada, uma outra considera Kitsch a prática artística que, para mobilizar o comprador, imita e cita a arte dos museus. Clement Greenberg afirmou que, enquanto a vanguarda (entendendo-a, em geral, como arte em sua função de descoberta e invenção) imita o ato do imitar, o Kitsch imita o efeito da imitação: ao fazer arte, a vanguarda evidencia os procedimentos que levam à obra e as elege como objetos de seu próprio discurso, enquanto o Kitsch evidencia as reações que a obra deve provocar e elege como objetivo da própria operação as reações emocionais do fruidor. (ECO, 2007, p. 397).

91

Assim, a dimensão artística aparece como elemento fundamental

marcando a distinção entre os mundos dos considerados ―cultos‖ e ―incultos‖.

Segundo Eco, isso acontece na medida em que, o que legitima o gosto dos

burgueses seria o grau de cultivo e sua própria cultura. As obras de arte nesse

caso carregariam em seu estilo a originalidade de um discurso próprio e único,

sem finalidades alheias a experiência estética. E o que legitima o ―gosto dos

pobres‖ seria sua própria falta de cultivo e discernimento. As obras de

referência nesse caso seriam aquelas que carregam o discurso de outros

estilos. Elas copiariam seus efeitos com o objetivo de emocionar o grande

público.

Ao analisarmos, que grande parte das obras de Richter, ao carregarem

em seus temas os escombros do Holocausto junto as expressões sublimes e

supostamente felizes de seus modelos, percebemos que uma experiência

estética autônoma surge, cuja inovação não permite que suas obras sejam

avaliadas pelos critérios de gosto pautados nas concepções da estética

subjetivista. Isso, segundo Greemberg, nos levaria necessariamente a nos

aproximar da concepção de sujeito sociológico:

Creio que a consciência de determinadas coisas que aconteceram no passado recente, no último século, tornou-se extraordinariamente difundida em nossa época. Ao menos para mim, que sou bem mais velho. Penso que, no final dos anos 50 e no começo dos 60, todo mundo percebeu que a forma que a arte encontrou para ter êxito nos últimos cem anos foi ser inovadora. E me parece que levou muito tempo para que se descobrisse isso, para que esse fato se tornasse popularmente conhecido. Surpreende que isso não tenha sido visto dessa maneira abrangente muito antes. Ou seja, nunca tivemos uma classe média instruída com as proporções que temos hoje neste país ou mesmo na Europa Ocidental. Creio também que se saiba – o que talvez Marx tenha sido o primeiro a perceber – que a maioria das pessoas em todas as civilizações urbanas dos últimos cinco mil anos foi exclusiva de quem tinha dinheiro suficiente para desfrutar de um lazer digno e confortável. A injustiça desse fato foi percebida por muitas pessoas, atualmente, e por pessoas, que, infelizmente, são pouco sensíveis e não leram Marx suficientemente bem para saber que não se pode modificar sua situação pelo medo ou pelo desejo de modificá-la. Não se pode modificá-la, como os marxistas e stalinistas vulgares o sentiram, trazendo a cultura

92

para as massas. Tanto Hitler quanto Stálin concordavam nesse ponto. Pode-se trazer a cultura para as massas, mas então já não é mais alta cultura. Não há dúvidas quanto a isso. E não é porque o pobre nasceu com gosto pior do que o rico. Gosto é algo que se cultiva, que não é inato. (GREEMBERG, 2002, p. 219).

Segundo Greemberg, Marx foi muito feliz ao analisar que a consciência

é determinada pela materialidade da vida. Assim o ―gosto‖, é a medida do grau

de cultivo, que, a priori, é relativa a condição social inata do sujeito, todavia,

juízos de valor, enquanto critérios de gosto, são continuamente passíveis de

evolução.

Partindo dessas convenções, que pautam a arte ―ruim‖, ou ―inferior‖ e/ou

kitsch, na falta de cultura e aplicando-as na leitura das obras de Richter,

percebe-se que o artista não se pautou em temas fotográficos com conteúdos

vazios e efêmeros, tampouco desenvolveu seu estilo descompromissado com a

qualidade da forma e do estilo.

Sua arte ultrapassou a fronteira do tempo da arte tradicional, todavia,

nunca se expôs ao veredicto de negligente que compreende a arte de ―mau

gosto‖, ou ―ruim‖ convencionada pela crítica especializada, para a qual a

decadência do gosto é inferida a partir do teor político e mercadológico da arte

de cultura publicitária ou de massa.

Por outro lado, ao considerar as obras de Richter pelo olhar da

atualidade, no que tange seus temas memoriais, evocadores do passado,

poder-se-ia dizer que esse seja o ponto que as desqualificam completamente.

No entanto, o crítico de arte Moorhouse defende-o esclarecendo:

Principalmente com seus retratos dos anos 90, como Lesende ou Kleine Badende, Richter alocou sua pintura em uma tradição histórica da arte. Familie nach altem Meister, para Richter é primeiramente, o que ele já mostra através do título: uma imagem de família, mas em forma de pintura. A realização de uma imagem histórica de arte mostra que, bem como as reproduções das revistas e jornais baratos, modelos assim também são possíveis. (MOORHOUSE, 2007, p. 62)

93

A imagem histórica nos quadros de Richter é, segundo Moorhouse, um

fator positivo, haja vista que sua narrativa histórica visa trazer o passado para o

presente, em última instância, busca eternizá-lo e não manter o passado

exclusivamente confinado num mundo que não nos diz mais respeito. Muito

pelo contrário, a obra acima como o próprio título do quadro indica ―Família ao

estilo dos velhos mestres‖ (Familie nach altem Meistern) e como alertou o

crítico, sugere que é possível produzir pinturas no estilo clássico com imagens

atuais de quaisquer mídias.

Assim, a atmosfera histórica dos quadros de Richter fica protegida pela

própria inversão que o pintor faz no tempo. Ao invés de aceitar a morte da obra

de arte a partir do nascimento das técnicas de reprodução, Richter utiliza a

fotografia para recuperar o sentido histórico da obra de arte, inaugurando uma

arte que poderíamos chamar de aurática não ritualísta. Dessa forma, Richter

parece não se submeter, tampouco refutar, à crítica daqueles que

hipostasiaram a qualidade da arte ―acadêmica‖ ou ―elevada‖ nos arautos do

gosto da cultura clássica.

A própria resistência que as obras de Richter oferecem, no sentido de

apresentar uma realidade desatualizada, parece formalizá-la como

comunicável no tempo presente, pois se trata de um passado dramático que

nos afeta diretamente.

Os temas testemunhais da Segunda Guerra Mundial parecem ser a

própria marca trágica de sua cultura, materializadas em forma de arte que, não

obstante, traz à memória a morte de nada menos que 60 milhões de pessoas,

entre as quais contavam 6 milhões de judeus, além de outras, que foram

indiretamente afetadas, cujas proporções são incomensuráveis até os dias de

hoje.

Ao ser produzida após 1960, sua arte baseada em fotografias, pode ser

considerada avançada ou neo-vanguardista e como tal, deve ser entendida em

sua autonomia estilística frente às convenções artísticas do passado. No

entanto, observamos que Richter se propõe ir além dos limites da experiência

imediata, típica da proposta de algumas artes produzidas nessa mesma época.

A arte de Richter atende a exigência de muitos, tanto do ponto de vista

da qualidade estilística quanto conteudista, mas não agrada apenas e

exclusivamente ao gosto daqueles que julgam seu valor a partir de sua riqueza

94

de elaboração, definição e estilo, mas muitas vezes, daqueles que são apenas

afetados subjetivamente na experiência estética. Provavelmente, a

originalidade de sua arte, do ponto de vista da inovação, seja o próprio evocar

a memória o longínquo atroz de sua civilização para o presente. De ser

inovadora enquanto é tradicional.

95

Capítulo 3 - Comunicação e Cultura - A arte de Gerhard Richter traz a tona

uma discussão política acerca dos conceitos: subjetividade, arte e o gosto na

passagem da modernidade para a pós-modernidade

Gerhard Richter, ao lançar mão de copiar fotografias sobre a tela, reduz

ao mínimo a expressividade de seu gesto e de sua subjetividade de forma a

imitar significativamente o movimento da máquina e não o da natureza, como

entendia a arte mimética de outrora. Nesse sentido sua expressão é midiática,

e como tal não apenas congela um momento do ser no tempo de maneira

informal e objetiva, como também, ao escolher dentre tantas fotos, as que

possuem um forte teor emocional, o faz de forma subjetiva. Sua insubmissão a

alinhar-se a movimentos artísticos pré-existentes é reconhecida mediante seus

temas trágicos irredutíveis à outros estilos.

3.1 – Gosto: a priori ou a posteriori?

Richter concorda que a fotografia possui uma dupla e antagônica função:

ao mesmo tempo em que nos mantém distante da realidade mais efetiva é

capaz de captar mais elementos da própria realidade, do que nossos próprios

olhos. Isso esclarece como Richter, que tanto busca o distanciamento estético

através da objetividade e da alusão a uma imagem fotográfica, permanece

desconfortável com a intrínseca onipresença da subjetividade do homem

enquanto manipulador desses processos.

Essa percepção de mundo, reconhecida através de sua experiência

como artista que busca a neutralidade, acaba por redundar sempre em torno

do mesmo eixo: nenhuma objetividade é possível quando a atividade realizada

tem a mão do homem. Nesse ponto Clement Greemberg nos apóia:

O caráter de indefinição – de indescritibilidade – pertence a todas as coisas que abarcam sua própria meta, (todas as coisas que possuem seus fins em si mesmas) e não coisas que são necessariamente um meio de, ou indicadores para alguma outra coisa. E isso se aplica aos seres humanos, ao amor e ao comportamento moral. Fins em si mesmos como a felicidade, aplica-se até á diversão. Assim como eles, a arte é um valor último. Ou melhor, a experiência com a arte é um valor último.

96

Algo que buscamos apenas em nome da experiência e de que nada mais esperamos senão a assim chamada experiência ―não-referencial‖. Não se trata de uma experiência que possa ser concebida ou decifrada. A arte existe para si mesma. Mas a ―arte pela arte‖ é um conceito que tem sido mal visto nos últimos tempos, e mesmo assim ele persiste. Ele existe e permanece forte. Tudo o que temos a fazer é recordar que a arte, por possuir valor intrínseco, é um valor último em si mesmo, e não um valor superior. É um valor subordinado quando contraposto a boa e a má fortuna dos seres humanos, quando contrposto a felicidade e ao sofrimento de qualquer ser humano particular. Mas, ainda assim, isso não quer dizer que, quando nos ocupamos da arte, ela não seja valiosa e não permanece valiosa em si ou por si mesma, e não por alguma outra coisa. (GREMBERG, 2002, p. 137)

O fato de a subjetividade ser ubíqua, mesmo na ação objetiva do

homem, nos leva a inferir que na experiência estética o elemento fundamental

seja a intuição, no entanto, isso não significa dizer que, o juízo de valor acerca

da qualidade da arte, seja exclusivamente particular e subjetivo, pois, como

vimos até agora, é praticamente unânima a idéia de que a captação de

elementos valorativos num objeto estético seja tanto mais minuciosa e refinada

quanto maior for o conhecimento teórico a seu respeito. Logo, considerar o

contemplador como um receptor, seria conceber sem nenhuma garantia seu

estado passivo de estar na experiência estética.

Nesse ponto, Greemberg concordando com Kant, quando o filósofo

enfatiza que o gosto não deve se manter única e exclusivamente relativo

subjetividade. A exemplo do tema temos duas possibilidades igualmente

legítimas: podemos não gostar de um objeto estético e apesar disso entender

que ele esteja carregado de inúmeras qualidades objetivas ou podemos nos

afetar na presença de um objeto estético, mesmo percebendo que ele esteja

desprovido de qualidades objetivas.

Em suma, a única certeza que se tem acerca da qualificação de um

objeto estético é a de que não se sabe absolutamente o que acontece na

experiência estética. Todavia, como vimos até agora na opinião dos

pensadores, o gosto é o elemento permanente e isso significa dizer que, num

primeiro momento, ele é subjetivo, intuitivo e relativo ao objeto contemplável,

mas num segundo momento, ele objetiva-se, ou seja, carrega em si mesmo as

propriedades alheias ao objeto relativas a qualquer gosto.

97

O simples discurso acerca de uma obra de arte, em termos de sua

qualidade, por si só, sugere a emissão de juízos valor, tendo o gosto como

referência. Essa antiga divergência, pendular entre as teorias de estetas e

filósofos, é passível de inúmeras discussões. Retomando a objetividade do

gosto em Kant, lembramos que para o autor ela acontece na experiência

estética em termos de sensus communis. A primeira vista, parece estranho que

o termo ―gosto‖ se refira a algo comum a todos e não seja subjetivo como

estamos acostumados a pensar, em termos freudianos. Todavia, Kant

esclarece axiologicamente sua epistemologia de forma a delimitar a

relatividade dos juízos de gosto subjetivos. O filósofo universaliza a

subjetividade, da seguinte maneira:

O gosto torna, por assim dizer, possível a passagem do atrativo dos sentidos ao interesse moral habitual sem um salto demasiado violento, na medida em que representa a faculdade da imaginação também na sua liberdade enquanto determinável como conforme a fins, para o entendimento e ensina a encontrar um comprazimento livre, mesmo em objetos dos sentidos e sem atrativo destes. (KANT, 1998, p. 264)

Observamos que, essa antiga discussão que divide o mundo em

metafísico pautado na universalidade do absoluto e físico pautado na

subjetividade singular do indivíduo, continua se desdobrando dialéticamente

em movimentos circulares sem jamais concluir um ciclo.

No que respeita a ―subjetividade universal‖ Kantiana, a estética nesses

termos, não possui uma finalidade útil e moral. Ela não é particularmente

subjetiva, pois se assim o fosse transformaríamos o conceito de gosto em

opinião, exatamente o que Kant refutava. Logo, através do juízo estético, onde

encontraríamos algo belo, não aconteceria a satisfação de um desejo

particular, mas a apreciação desinteressada, de finalidade infinitas e comuns.

Kant esclarece que na experiência estética, a captação dos fenômenos

do objeto por parte do sujeito, esbarra na questão moral, todavia, a moralidade

à qual Kant se refere, é a universal (metafísica) e não a entendida

contemporaneamente na trama da vida social. Sua dialética diz que se a

moralidade é relativa ao dever, ela deve ser universal, logo, a experiência

estética, que é relativa ao direito do homem, também deve ser alinhada ao bem

98

enquanto respeita a moral de todos. Acerca disso, Kant em sua Crítica à

Faculdade do Juízo afirma que se somos universalmente semelhantes, então

nosso gosto também se alinha:

O gosto é no fundo uma faculdade de ajuizamento da sensificação de idéias morais [mediante uma certa analogia da reflexão sobre ambas as coisas], da qual também e de uma maior receptividade – que se funda sobre ela – para o sentimento a partir daquelas idéias [que se chama sentimento moral] deriva aquele prazer que o gosto declara válido para a humanidade em geral e não simplesmente para o sentimento privado de cada um; assim parece evidente que a verdadeira propedêutica para a fundação do gosto seja o desenvolvimento de idéias morais e a cultura do sentimento moral, já que somente se a sensibilidade concordar com ele, pode o verdadeiro gosto tomar uma forma determinada e imutável. (KANT, 2005, p. 200).

Para Kant, a força estaria em nossa razão por que somos orientados

pela metafísica da natureza. Freud ao interpretar a ontologia psicanalíticamente

nos leva a conjecturar acerca de nossa subjetividade na perspectiva do

inconsciente, que é constituidor de grande parte do nosso ser. Segundo Freud

não apreendemos o mundo da mesma forma nem desenvolvemos o mesmo

gosto, como defendia Kant.

Nesse ponto vemos a teoria do inconsciente freudiana apoiar a reflexão-

crítica dos filósofos da Escola de Frankfurt. Os frankfurtianos, ao refletirem

acerca da vida em termos sociais, admitem que a ideologia pode exercer

grande força de manipulação pela via do inconsciente. Como Adorno

costumava argumentar: ―gostamos daquilo que nos ensinam a gostar‖. Esse

ponto esclarece que, se somos seres sociais (não autônomos), somos

incapazes de desenvolver um gosto puramente particular. Logo,

adornianamente, os seres humanos são considerados universalmente

semelhantes enquanto viventes sob a éxige de uma mesma ideologia política.

99

3.2 – Paradigmas estéticos: fenômenos culturais e históricos

Os paradigmas que pautaram os valores que fundamentam a concepção

de estética e de composição de materiais na modernidade sofre sua maior

ruptura com a ação da tecnologia (fotografia) no campo da arte, configurando,

por assim dizer, o que veio a ser conhecido como na pós-modernidade. Assim

Richter, que refuta a opinião de alguns críticos de arte e estetas da atualidade,

de que valores como arte e gosto, em tempos pós-modernos, não são mais

pertinentes, salienta a importância de tais conceitos através de suas obras.

Segundo Ciro Marcondes Filho a mudança de valores na passagem da

modernidade para a pós-modernidade, traz à tona as concepções de Paul

Virilio e Lucien Sfez salientando como, no campo da estética, a crise da razão

acontece em três momentos diferentes:

Em Virilio, a pintura era a expressão da realidade sob uma perspectiva formalista e através dela chegava-se a um conhecimento pleno, direto, ―transparente‖ real que estava sendo representado. O cinema e a fotografia, como intervenções técnicas na forma de se reproduzir a realidade, atuavam sob a perspectiva dialética da representatividade. O primado aqui já não é mais da realidade, mas da atualidade. Fotografia e cinema, isto é, o fotograma significa uma captação atual momentânea, instantânea que dava à representatividade uma apreensão não/programada, não maquinada. Nesse caso, com o privilégio da instantaneidade perde-se o componente da plenitude do conhecimento que tinha a ver com uma captação duradoura e exaustiva do objeto. Por fim no momento atual das tecnologias sofisticadas marcadas pela videografia e pela holografia, já nãose trabalha mais com a atualidade mas com um fenômeno que transcende a possibilidade de correspondência do objeto com a imagem real. Está no campo da virtualidade e aqui o conhecimento torna-se absolutamente impreciso. (MARCONDES, 1991, p.16).

A plenitude do conhecimento pressupõe uma captação exaustiva e

duradoura do objeto. Com a instantâneidade da reprodutibilidade técnica da

imagem perde-se o componente correspondente a plenitude do conhecimento:

Em Sfez, na visão de mundo da representação, o homem domina a máquina e está com ela para seus fins. Há o predomínio e as máquinas representam o homem segundo o princípio da dualidade cartesiana (corpo/espírito, sujeito/objeto). Os meis de comunicação traduzem o mundo, a imagem representa o emissor, vive-se num universo em termos de comunicação, da representação. A figura é a bola, que envez de eviada, atinge seu objetivo e é novamente reenviada

100

com a conservação da plena integridade do movimento. A segunda visão do mundo é a da expressão, em que os objetos são o ambiente natural; nosso mundo é introduzido por ele e o homem está no mundo, nele jogado, não o dominando, mas a ele se adaptando. As partes se relacionam com o todo. Os meios de comunicação igualmente estão no mundo e o mundo está neles, mas não há mais envio de mensagem. A figura desta segunda fórmula é a criatura, e os signos são produzidos como organismos, exprimem a natureza. A terceira visão de mundo é a da confusão; não há sujeito e é o objeto técnico que marca seus limites e determina suas qualidades. A tecnologia diz tudo sobre o homem e seu devir. O homem existe pela tecnologia. Nos meios de comunicação ocorre uma ausência de comunicação exatamente pelo próprio excesso de informação. A comunicação torna-se uma entidade metafísica, auto referente; é uma repetição imperturbável do mesmo o silêncio de um sujeito morto. A figura desta terceira categoria é Frankenstein. (MARCONDES, 1991, p. 16).

Segundo Marcondes, tendo como veículo a estética, a visão foi o sentido

humano mais explorado politicamente e mais seduzido economicamente.

Segundo seus novos contornos a técnica promove a mudança de orientação da

visão de mundo, ―realiza a desintegração da unidade e o fim da perpectiva‖:

A técnica acaba com o ―ponto central do mundo‖, que levará mais tarde os homens a questinar o próprio sentido da metafísica e de sua existência enquanto seres com estruturas estáveis, enraizadas ou culturalmente consolidadas. (Ibidem, 1991, p. 16).

Como adiantara Walter Benjamin, a obra de arte, cuja clássica forma

tinha a metafísica como referência de mundo, oferecia ao receptor uma pintura

que: ―convida à contemplação; em sua presença, as pessoas se entregam à

associação de idéias.‖ (BENJAMIN, 1980, p. 25).

Até esse momento da pesquisa compreendemos que ―ler‖ uma obra de

arte não é tarefa das mais fáceis, sobretudo quando sua interpretação

acontece em uma passagem de mudança de paradigmas que compreende o

imbricamente do estético com a política.

Segundo Benjamin: ―a polêmica que se desenvolveu no decurso do

século XIX, entre os pintores e os fotógrafos, quanto ao valor respectivos de

suas obras (...) traduzia de fato uma perturbação de significado histórico na

estrutura do universo e nenhum dos dois grupos adversários teve consciência

101

dela. Despregada de suas bases ritualísticas pelas técnicas de reprodução, a

arte, em decorrência, não mais podia manter seus aspectos de independência.

(Ibidem, 1980, p.13).

Sumariamente, no que tange a discussão entre a pintura e a fotografia,

confirma-se que a arte é relativa história. No auge da modernidade a

perspectiva existencialista da arte é perdida por causa de sua relação com o

mundo material. Como resume Michel Onfray, a arte contemporânea,

precursora dessa revolução de paradigmas mostra que:

Não existe verdade intrínseca da obra de arte e do Belo, mas uma verdade relativa e conjuntural. A arte não procede de um momento inteligível, mas de uma configuração sensível, de um dispositivo sociológico. Kant se retrai e cede lugar a Bordieu... O objeto pré-feito, manufaturado, saído da loja, exposto num lugar preceituador de conteúdo estético se torna de fato um objeto de arte. A intenção do artista produz a obra, elas as vezes pode até bastar para constituí-la... Acrescentemos a isso duas proposições maiores: de um lado, o observador faz o quadro; de outro, tudo pode servir de suporte estético. De um lado, artista produz, claro, mas o espectador também tem de percorrer a metade do caminho para que se consuma todo o trajeto estético: nascimento do observador artista. (ONFRAY, 2010, 81).

Como pudemos perceber até agora, tentar develar uma obra de arte é

muito diferente de apenas usufruí-la subjetivamente. Do ―receptor‖ na

experiência estética se exige, além de, uma ampla e profunda pesquisa

histórico-teórica acerca da vida do criador da obra e conhecimento dos

paradigmas de julgamento estético relativos a cada época, um distanciamento

de seu olhar como forma de objetivar seu gosto particular. Como nos esclarece

o crítico de arte Clement Greemberg:

O ―subjetivo‖ refere-se a tudo o que particulariza um indivíduo como um Eu afetado por questões práticas, psicológicas, individualizantes, que envolvem interesses. Na experiência estética, há um distanciamento, ora maior ora menor, em relação a esse Eu. O indivíduo passa a ser tão objetivo quanto seu raciocínio, o que igualmente requer um distanciamento em relação a esse. Em ambos os casos, o grau de objetividade depende da amplitude do distanciamento. E quanto maior – ou mais ―puro‖ – o distanciamento mais estrito (ou seja, mais apurado) passa a ser o gosto ou o raciocínio. (GREEMBERG, 2002, p. 56).

102

Greemberg nos alerta, como havia feito Kant em outros termos, para a

importância da experiência estética não ficar exclusivamente sujeita a vontade

particular. Ela deve transcender a esfera pessoal. A subjetividade do artista é

requerida em termos de sua autobiografia, privacidade, temperamento e

talento. Segundo Greenberg, é necessário mais do que isso para se produzir

uma ―boa arte‖, é de suma importância além de disciplina, da pressão do meio,

superar a ação da subjetividade: ―Ao enfrentá-las, o artista superior objetiva,

transcende-a, sem esquecê-la‖ (...) ―o artista bem-sucedido aparta-se de seu

Eu privado, supera-o, transcende-o tanto quanto o faz o amante ―bem

sucedido‖ da arte.‖ (GREEMBERG, 2002, p. 58). Segundo o autor, do ―bom‖

artista, é exigido a objetivação de si mesmo em seu gosto e em sua arte.

Embora o crítico acredite que a experiência estética seja impenetrável

intelectualmente e que, portanto, não se consegue nem se deve desprezar a

intuição, onde o gosto subjetivo é legitimado, ele deixa claro que, pessoas mais

cultivadas e intelectualmente esforçadas desenvolvem mais gosto.

Isso nos leva a compreender que, emitir algum tipo de juízo de valor ao

interpretar uma obra de arte, só é possível por intermédio da análise de sua

forma e conteúdo. Posto que é imanente à existência de uma obra de arte é

exigência básica entender seus nexos históricos e culturais, pois, tais relações

revelam o estilo de um artista, que é constituído em termos de instrução e

ideologia, aspectos que, na grande maioria vezes, são intrínsecos a própria

obra.

Logo, desvelar aquilo que particulariza uma obra de arte requer

analogias. Como pudemos ver até agora, a personalidade tragi-romântica-

rebelde de Richter o impediu de se associar a estilos pré-existentes de arte, na

iminência de reduzir sua expressão artística e subjetividade. Para o pintor,

definir um estilo é sinônimo de uma falsa promessa metafísica, conceito que

defende Adorno quando afirma:

Em toda obra de arte, o estilo é uma promessa. Ao ser acolhido nas formas dominantes da universalidade: essa promessa da obra de arte de instituir a verdade imprimindo a figura nas formas transmitidas pela sociedade é tão necessária quanto hipócrita. Ela coloca as formas reais do existente como algo de

103

absoluto, protextando antecipar a satisfação nos derivados estéticos delas. Nessa medida, a pretensão da arte é sempre ao mesmo tempo ideologia. No entanto, é tão-somente neste confronto com a tradição, que se sedimenta no estilo, que a arte encontra expressão para o sofrimento. O elemento graças ao qual a obra de arte transcende a realidade, de fato, é inseparável do estilo. Contudo, ele não consiste na realização da harmonia – a unidade problemática da forma e do conteúdo, do interior e do exterior, do indivíduo e da sociedade - mas nos traços em que aparece a discrepância, no necessário fracasso do esforço apaixonado em busca da identidade. Ao invés de se expor a esse fracasso, no qual o estilo da grande obra de arte sempre se negou, a obra mediocre sempre se ateve à semelhança com outras, isto é, ao sucedâneo da identidade. (ADORNO, 1991, p. 123).

Entendemos que é ―na discrepância, no necessário fracasso do esforço

apaixonado em busca da identidade‖ que Richter permanece fiel a cada nova

experiência estética. Sua personalidade insubmissa, o manteve na insegurança

do devir, permitindo-o experimentar as várias formas e materiais de produção

artística. Escolha insólita que o levou a ―transcender a realidade‖.

Richter, ao assumir a responsabilidade de se manter a deriva, sem a

proteção da tradição, compreende que, anterior a essa tomada de decisão,

está a vida, que é temporal e culturalmente anterior a qualquer conjectura

humana. Elemento determinante da identidade cultural do indivíduo.

Segundo Heidegger, nossa condição existencial no mundo (Dasein) é a

própria causa de nossa autonomia, consequentemente de nossa angústia;

prova efetiva da existência do ser: ―o angustiar-se é, enquanto disposição, um

modo de ser no mundo existindo facticamente. Os traços ontológicos

fundamentais desse ente são a existencialidade, a facticidade e a decadência.

(HEIDEGGER apud Dubois, 2004, p. 42). A partir desse ponto,

compreendemos que os elementos onipresentes na arte de Richter são

percebidos através de sua complexa constituição, cuja trama de significações

encontra-se disponível na episteme. Esse caráter físico-transcendental pode

ser avaliado em suas obras, na imediatez fugidia do momento presente, no

qual Richter se manteve fiel, sem nenhum juramento ou esperança para o

momento seguinte.

O fato de a arte esbarrar nos domínios dos fenômenos históricos e

culturais, por si só, já denota sua precedência ao estético até mesmo ao gosto,

104

porém, o que Richter parece defender é que a arte não é capaz de antecipar-se

a existência do ser subjetivo. Para o pintor, a arte está para o ser enquanto ele

está para a vida, no limite, ela só existe na medida em que o ser compreende

subjetivamente os eventos da vida e sua própria constituição nela. Logo, a

tradução que o sujeito faz do mundo é antecipada nos elementos que

compõem uma ampla e complexa trama de nexos que servem para sua

reflexão, que está, a priori, impressas em seu inconsciente.

Norteando a existência do Ser e do ser no mundo, o tratamento da obra

de arte nos impele a compreendê-la desde nossa cultura e instrução. Às vezes,

ela possui sua própria doutrina, livre e independente de quaisquer relações que

a determinem, cujos prognósticos de estilo e qualidade podem nascer,

desenvolver e morrer, exclusivamente em cada momento histórico e cultural.

Contudo, independente da validade e da duração das regras que determinam

seu valor, os nexos históricos e culturais que a norteiam conservam-se como

juízos existenciais.

Segundo nossa pesquisa, um juízo de valor acerca da arte pode ser

emitido, entre outras formas, pela perspectiva estética, totalmente

independente de outros. Isso nos leva a compreender que a arte, em última

instância, não serve a outros fins, além daqueles que proporcionam prazer

subjetivo através de sua beleza, seja ela harmônica ou grotesca.

Como vimos até esse momento, a estética subjetiva é produto da

experiência do ser no mundo em termos intuitivos e sentimentais e a estética

de caráter mais objetivo reduz o estético ao extra-estético.

Enquanto estudo filosófico, a estética é a esfera do conhecimento que

estuda o belo racionalmente, ou em outros termos, é o estudo dos fenômenos

que norteiam a contemplação do belo como algo que desperta uma emoção.

Sob uma perspectiva fenomenológica contemporânea, como

comprovamos teoricamente, o belo é relativo à idéia de valor estético único, à

partir do qual se julgavam todas as obras de arte, contudo, na passagem para

a pós-modernidade essa concepção deixa de existir. Cada objeto artístico hoje

determina e representa seu próprio tipo de beleza ou, em outras palavras, ele

próprio estabelece o tipo de valor a partir do qual será julgado.

Contemporaneamente, através dos elementos significativos relativos à

experiência estética, é possível reconhecer um objeto estético como belo ou

105

não. Segundo sua forma autêntica, singular e sensível, é legítimo considerar

que uma arte seja tanto bela quanto grotesca ou aterrorizante.

Nessa perspectiva, Gerhard Richter na era da reprodutibilidade técnica

avançada, enfrenta o fatal prognóstico da morte da arte hegeliano proferido no

século XIX. O destino trágico da arte compreendia a morte da bela arte,

singularmente produzida sem fins alheios ao estético e não de qualquer outro

tipo de arte. No Curso de Estética I de Hegel, já na introdução surge o famoso

prognóstico da morte da arte:

Em todas as relações, a arte é e permanecerá para nós, do ponto de vista de sua destinação suprema, algo do passado. Com isso, ela também perdeu para nós a autêntica verdade e vitalidade e está relegada à nossa representação, o que torna impossível que ela afirme sua antiga necessidade na realidade efetiva e que ocupe seu lugar superior. Hoje, além da fruição imediata, as obras de arte também suscitam em nós o juízo na medida em que submetemos à nossa consideração pensante o conteúdo e o meio da exposição da obra de arte, bem como a adequação e inadequação de ambos. A ciência da arte [26] é, pois, em nossa época muito mais necessária do que em épocas na qual a arte por si só, enquanto arte proporcionava plena satisfação. A arte nos convida a contemplá-la por meio do pensamento e, na verdade, não para que possa retomar seu antigo lugar, mas para que seja conhecido cientificamente o que é arte. (HEGEL, 2000, p.35)

A famosa citação, não apenas esclarece como sintetiza o espírito de um

tempo, em que arte começa a ser diretamente absorvida pela tecnologia.

3.3 – Ideologia na arte - Estética capitalista: ―Capitalismo realista‖

(Capistalistisches Realismus) X Estética totalitarista: ―Socialismo realista‖

(Sozialistischer Realismus)

Os tempos primitivos são líricos, os tempos antigos são épicos e os tempos modernos são dramáticos. E onde canta a eternidade, a epopéia soleniza a história, o drama pinta a vida.

Victor Hugo

106

Segundo nossa pesquisa, desde os primórdios a arte, enquanto

manifestação de ordem estética pressupunha a manifestação das emoções do

ser humano frente ao seu entendimento emocional e perceptivo de mundo e,

como vimos contundentemente no esclarecimento kantiano, ela estava muito

distante de ser uma atividade com fins de manipulação político-ideológica.

Historicamente, a deformação na essência da obra de arte, remonta o período

medieval, quando passa a servir estilística e tematicamente aos interesses

Igreja. No Renascimento ela ficou conhecida como arte canônica ou sacra.

Assim, a arte, que não nasce com vistas a atender aos interesses

ideológicos da política tampouco da Igreja, torna-se sua principal arma ao ser

transformada em publicidade com apelo político.

No Comunismo e no Nazi-fascimo o estilo Realista de arte ficou

conhecido através do estilo ―realismo socialista‖ e no capitalismo como pop

art ou, em outras palavras respectivamente: estética totalitarista e estética

capitalista.

O realismo socialista foi criado pelo soviético Andrej Zdanov, braço

direito de Stalin (1879 - 1953), que atuava na área cultural e oficializou o estilo

como arte da União Soviética Comunista (1930 - 1960). O estilo foi adotado por

Adolf Hitler de 1933 a 1945 e por todos os outros países de regimes ditatoriais.

Paradoxalmente, mesmo ambos sendo sistemas totalitários, Hitler enquanto

líder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães ou Nazista, fica

também conhecido por sua oposição aos Sociais-democratas da epocal União

Soviética. A mesma linguagem estética apologética ou mass art, serviu

simultaneamente à sistemas totalitários que politicamente se contrapunham.

Porém, a estética totalitarista cumpriu igualmente seu papel de

disseminadora ideológica, através do estilo realista e temas que sugeriam a

onipresença e onisciência de um único líder heróico, quase messiânico,

repudiando o mundo ideal das concepções românticas do neoclassicismo.

O estilo realista de representação, que nasce na França no fim do século

XIX, com vistas a libertar a arte das supressões morais do Estado/Igreja

feudais, vem ironicamente atender aos interesses de sitemas políticos

modernos de inspiração stalinista, hitleriano e capitalista, atuando com grande

força de repressão e manipulação.

107

Sua linguagem técnica e temática devia ser facilmente compreendida e

assimilada pelas massas, logo, era perfeita para criação e manutenção de

regimes absolutistas, bem como ao apelo ao consumo.

Tais considerações podem ser evidenciadas na representação realista

da naziart, ―arte do povo‖ (Kunst dem Volk), na obra ―Transição no Alto Reno‖

(Übergang am Oberrhein), a seguir:

Fig. 12. SAUTER, Wilhelm. Transição no Alto Reno (Übergang am

Oberrhein). DHM - Museu Histórico, Berlim (DHM - Historisches Museum,

Berlin). Óleo sobre tela, 31 x 23,6 cm, 1942.

108

No Museu Histórico Alemão, em Berlim (DHM - Historisches Museum), a

obra é narrada, na reportagem ―Arte e Cultura na Guerra‖ (Kunst und Kultur im

Krieg, 1939 – 1945), da seguinte maneira:

Durante a guerra, incontáveis pinturas e desenhos de ideologia nazista apelavam solidariedade a "comunidade nacional" (Volksgemeinschaft). Representações como propaganda nazista mistificavam retratos marciais, imagem de soldados em linha de frente na guerra, apelando a disposição do povo alemão para fornecer os maiores sacrifícios pessoais a vitória alemã; "destino de guerra do povo alemão" (Schicksalskampf des deutschen Volkes). Alguns deles eram descendentes de oficiais de guerra artistas e cartunistas da imprensa, que se estabeleceram nas 1938 unidades de propaganda do Alto Comando das Forças Armadas Wehrmacht (OKW) e entraram em campo de batalha, tomando-se parte real no combate. Embora muitas pinturas tenham sido criadas nos estúdios dos artistas, as imagens sugerem que o espectador seja imediatamente atraído para a ação, tendo as representações como fonte autêntica do campo de batalha. A distribuição dessas imagens são encontradas em livros, jornais, revistas e revistas de arte, tais como as publicadas por Heinrich Hoffmann, que, muito bem sucedido, possuía um elevado número de assinantes da revista mensal chamada "Arte para o povo." Até recentemente foram realizadas, revistas e exposições como a "Grande Exposição de Arte alemã" (Große Deutsche Kunstausstellung) esteriotipando firmemente a luta heróica e abnegada do soldado. (Museu Histórico Alemão).

Em suma, no aspecto da forma, o realismo na pintura tinha forte caráter

documental, mas no aspecto do conteúdo, sua representação era ideológica,

dependendo da política que a adotava. Muitas vezes, formas e conteúdos

abarcam toda a linguagem ideológica de uma obra.

Constata-se que, a força dos nexos entre a arte, a ideologia e a política

são evidentes na figura de Hitler, que ao se apropriar do estilo realista de arte

para disseminar a ideologia nazista, ridiculariza os artistas adeptos das escolas

vanguardistas mais influentes da época. Hitler fecha a importante escola de

arte ―Bauhaus‖, representante mais conhecida do design revolucionário

alemão. Logo, o ponto fulcral da repressão de Hitler, lançava mão da arte para

destruir tudo o que representava a cultura crítica alemã da época. Com o fim do

Holocausto, artistas modernos e contemporâneos internacionais, com vistas a

recuperar sua expressão junto à República Federal da Alemanha (RFA),

realizaram a primeira exposição em Kassel (Alemanha), conhecida como

109

Documenta. Ela é realizada desde 1955 até os dias de hoje, dentre as quais

Richter participou em 1977.

Segundo nossa pesuisa, duas forças de ação confrontam-se

continuamente na pintura: o romantismo e o racionalismo. O racionalismo

originou o tecnicismo e o neoclassicismo, esse último visava recuperar a

versão racionalista fundada na concepção do mundo antigo. Ambas constituem

com igual força o discurso ideológico. Embora, o estilo realista de arte, no que

tange o aspecto de sua forma, tenha servido tanto à expressão de românticos-

rebeldes quanto de clássicos e classicistas, os conteúdos de seus temas são a

própria marca de suas distinções ideológicas.

A discussão acerca de estilos e meios artísticos alcançam o ápice dessa

investigação quando a arte passa a assumir feições políticas: Com quais fins,

estilos e movimentos artísticos, são inaugurados e adotados?

Como podemos constatar na arte celebrativa popular do ―realismo

socialista‖, a proposta do governo era a de manter e controlar o povo

representando artísticamente um líder, como uma figura de grande pai e

protetor:

Fig. 13. VLADIMIRSKI, Boris. Rosas para Stalin, Rússia, 1949.

110

Richter que nasceu e viveu durante 30 anos em Dresden teve sua

formação artística toda orientada pela estética do realismo socialista vigentes

na epocal Alemanha oriental sob o regime Comunista, mas na maturidade e já

vivendo na Alemanha ocidental fundou sua arte refutando-a veementemente.

O mural abaixo foi pintado por Richter em 1956, para conclusão do curso

da Hochschule der bildenden Kunst (Academia de belas artes) de Dresden,

respeitando o estilo do realismo socialista:

Fig. 14. RICHTER, Gerhard. The Joy of Life (A alegria da vida). Fundação

Alemã do Museu da Higiene, Dresden. Mural, 10 m, 1956.

No site theartnewspaper.com/articles/Cold-War-cover-up-to-

continue/23762 encontramos na reportagem intitulada Cold War cover-up to

continue narrada por Martin Bailey como história do mural foi tratada pelo

governo alemão:

A Alegria da Vida retrata a vida, sob o regime Socialista vigente na Alemanha Oriental, de forma suave e envolvente. A obra foi pintada em cinco seções sobrepostas. O mural de dez metros de largura fica entre a entrada do museu e as galerias de temporárias de exposição. Na primeira seção, um jovem casal

111

sussurra segredos um para o outro. As cenas seguintes culminam com o par de piqueniques na grama com seu filho recém-nascido. O trator e a chaminé de fábrica ao fundo é utilizado para simbolizar o trabalho neste ―paraíso socialista.‖ Cinco meses antes da construção do Muro de Berlim, Richter fugiu para o Ocidental. Em 1979, The Joy of Life foi encoberto (sobrepintado). Embora o mural tenha ficado em exibição em um prédio público por 23 anos, nenhuma fotografia a cores da obra sobreviveu. Nenhuma das pinturas de Richter realizada antes da idade de 28 anos, estão expostas publicamente, (a maioria foram perdidas ou destruídas, e as poucas que sobrevivem permanecem em mãos privadas). Quando o edifício foi renovado, em 1994, a idéia de descobrir o mural foi brevemente considerada. Duas "janelas" foram abertas para que fragmentos do mural podessem ser vistos, contudo, foi posteriormente sobrepintado. Em 2002, na renovação mais recente do Museu, a parede foi novamente pintada de branco. O mural poderia ser descoberto, mas seria caro devido a sua grande dimensão, alega o governo. O Museu da Higiene dá duas razões para manter a pintura encoberta: A primeira é que a renovação mais recente devolveu o edifício no seu estado original como era em 1930. Um porta-voz explicou que o museu está cumprindo com a decisão da autoridade em preservar o patrimônio na sua originalidade: paredes brancas. O Museu da Higiene também quer evitar antagonizar Richter, que disse que o mural "não vale a pena preservar", com a cidade mais importante do artista do pós-guerra. Richter não foi explícito, mas ele pôde se sentir estranho a respeito dos compromissos que ele (junto com milhões de outros) teve de fazer durante o regime comunista. O jornal Art se aproximou de Richter...seu secretário repetiu o que o artista havia dito antes: "Pelo amor de Deus, é um desperdício de dinheiro. Eu prefiro o dinheiro seja usado para alguma coisa de valor artístico. É apenas um trabalho do aluno. (BAILEY, 2011).

Segundo o tema da ideologia, Richter expõe seu posicionamento no livro

Text da seguinte forma: ―Desde que reflito reconheço qualquer regra de

comportamento e qualquer opinião motivados ideologicamente como errados,

incômodos, contra a vida e criminosos.‖ (RICHTER, 2008, p. 207).

Em outro momento, reitera o pintor: ―Minha condenação à ideologia:

Faltam-me os meios para examiná-la. Não tenho dúvidas de que ideologias

prejudicam, de que somos obrigados a absorvê-las como se fossem muito

importantes: Como forma de comportamento e não como conteúdo. A julgar

por seus conteúdos são todas igualmente erradas. (RICHTER, 2008, p. 221).

Esses esclarecimentos legitimam também o nascimento de seu estilo,

que o pintor intitulou como ―realismo capitalista‖, em alemão (Kapitalistischer

Realismus). Relambramos que o termo foi criado pelos artistas alemães

Gerhard Richter e Konrad Lueg, Sigmar Polke e Manfred Kuttner para refutar e

112

ironizar o estilo realismo socialista. O realismo capitalista foi utilizado para

intitular uma exposição que aconteceu em Düsseldorf no dia 11 de outubro de

1963. O tema vinha impresso no convite ironizando a época em que Richter e

Kutner viveram na Alemanha Oriental (1945 – 1959), sob o domínio comunista.

Outro evento que marca o termo foi uma exposição particular de Gerhard

Richter na galeria Renè Block de Berlim, que aconteceu de 18 de novembro de

1964 até 5 de janeiro de 1965, intitulada "Gerhard Richter - Bilder des

Capistalistisches Realismus" (Gerhard Richter - Pinturas do Capitalismo

Realista). Um dos quadros dessa exposição é o seguinte:

Fig. 15. RICHTER, Gerhard. Mädchenkopf (Cabeça de Menina). Coleção

privada. Óleo sobre tela 75 x 100 cm, 1965.

O estilo dessa obra refuta a apropriação indevida que os comunistas

fizeram da teoria marxista, para legitimar suas atrocidades: ―Não foi a teoria de

Marx que criou mudanças, mas os novos fatos formados a partir de suas

interpretações, que fizeram surgir as ideologias. Atuação através de ideologias

cria coisas sem vida e se torna facilmente crime.‖ (RICHTER, 2008, p. 160).

113

Documentando a história nazista, Richter mantém em seu livro Atlas um

compilado de fotos que o artista reconheceu como sumariamente importantes.

Entre elas constam as denunciativas do holocausto:

Fig. 16. RICHTER, Gerhard. Fotos aus Buechern (Fotos de livros), 1967.

3.4 - Arte Popular: foto-realismo & neo-expressionismo

Na opinião de muitos pensadores e críticos, a arte, que desde o

surgimento das técnicas de reprodução supostamente perdera seu status de

transcendental e imanente, proporcionando uma experência estética sem

finalidades ideológicas, não seria mais a mesma, após ter sido amplamente

deformada em sua essência.

Gerhard Richter que enfrenta esse prognóstico, funda uma arte que

abarca a inovação enquanto se baseia em fotografias, sem perder o aspecto

mais peculiar da arte ―elevada‖, cuja qualidade hipostasiada pelos acadêmicos,

exigia a mão do artista em sua exímia execução.

114

Como Arte popular ou de massa (mass midia), fica estabelecido o

padrão de arte conhecido como conceitual e nesse sentido tanto a pop art

americana como o realismo socialista e a nazart constituem os três grandes

pilares dessa forma de representação artística. Adorno, nos alerta para os

perigos desse tipo de representação:

A indústia cultural acaba por colocar a imitação como algo de absoluto. Reduzida ao estilo, ela trai seu segredo, a obediência à hierarquia social. A barbárie estética consuma hoje a ameaça que sempre pairou sobre as criações do espírito desde que foram reunidas e neutralizadas a título de cultura. Falar em cultura foi sempre contrário à cultura. (ADORNO, 1991, p. 123).

Adorno critica os mass midia, que se defendiam dizendo que produziam

uma arte não eletista como forma de refutar a burguesia européia representada

pelo funcionalismo das vanguardas modernistas. Todavia, essa é uma falsa

tese, como alerta o filósofo, pois, os artistas do realismo socialista e da nazart

transformaram o ideário da arte pela arte em estética publicitária, cuja função

essencial era manter vigentes seus sistemas de governo, exclusivamente,

através do controle das massas pela via midiática, logo, muito distante do

argumento que utilizavam.

Por outro lado, os mass midia na versão da pop art americana é uma

estética publicitária, que nasceu do hedonismo ao consumo, com vistas a

atender o mercado das artes do monopólio capitalista norte-americano.

Definitivamente estabelecida no pós segunda grande guerra, a pop art nasceu

nos EUA e na Inglaterra nos anos 50 e alcançou seu ápice nos anos 60 e 70,

influenciando artistas populares europeus e japoneses, que reassumiram o

controverso conceito dadaísta dos readymade de Marcel Duchamp, cujo forte

cunho interventivo e político refutava a arte histórica (clássica).

Assim, os neo-dadaístas, tensionando a seu máximo grau a relação da

obra de arte com público, expõem a crise na efera da arte na passagem do

período moderno para o pós-moderno. Suas propostas políticas procuravam

superar a arte moderna de caráter subjetivo, que se contrapunha a ideologia do

capital. O neo-expressionismo, exatamente na contramão da ideologia dos

neo-dadaístas, busca resgatar a identidade cultural alemã. Ele nasce na

115

Alemanha no final da década de 80, com vistas a resgatar a pintura como meio

de expressão influenciado pelo expressionismo (fim do século XIX), simbolismo

e surrealismo, com suas representações críticas, emocionais e subjetivas, que

se mantinha já a algumas décadas em silêncio. A idéia expressionista de

valorizar o mundo interior do sujeito refutava a objetividade ou a idealização da

realidade objetiva, logo, contrapunha-se às estéticas realistas, típica das

versões realistas de arte de cunho publicitário como: realismo socialista, Nazart

e a pop art americana.

A pop art americana se transformou em sua própria linguagem realista

de arte, cuja versão publicitária disseminava a concepção capitalista de mundo,

que o expressionismo negou enquanto arte vanguardista alemã. Pode-se dizer

que o expressionismo é a versão romântica da ―arte popular alemã‖.

Da interpretação:

Interpretando a arte de Gerhard Richter, por intermédios de seus estilos

cunhados como foto-realista e neo-expressionista, certifica-se que o pintor

enquanto neo-expressionista assume sua personalidade revolucinária e, ao

contrário do que se poderia imaginar, enquanto foto-realista também, haja vista

que na sua versão realista de arte, o ideário do realismo é controvertido por

intermédio de abstrações. Richter, enquanto artista que teve orientação

artística iniciada pela estética realista do socialismo assume toda a identidade

trágica e romântica da cultura alemã.

Segundo nossa pesquisa, a discussão que norteia o tema das artes

mídiáticas pendular entre a inovação e a convenção, é tensionada ao máximo

grau, quando a fotografia passa a agir na esfera artítica enquanto

representante do ―real‖.

Irônica e paradoxalmente a fotografia, que tanto ameaçou o reinado

absoluto da pintura, foi o motivo fundamental do nascimento da arte de Richter,

que além de abarcar o forte caráter testemunhal e documental característico da

fotografia, que imprimi objetivamente imagens da realidade, torna-se inefável

com sua técnica de desfigurar.

116

Seu ―foto-realismo-transcendental‖ mostra como a presença e a

ausência da imagem podem agir simultaneamente no mesmo lócus fundando

um novo estilo de arte realista, cuja singularidade torna a realidade

documentada pela fotografia em simulacro surreal, como repetia o próprio

artista: ―Eu sou um surrealista‖. Isso sem perder o caráter testemunhal e fáctico

característico da fotografia que congela e eterniza um único instante do ser no

tempo.

A exemplo de suas obras foto-realistas contemplemos a seguinte:

Fig. 16. RICHTER, Gerhard. Portraet Ema (Retrato de Ema). Coleção privada.

Óleo sobre tela 105 x 90 cm, 1965.

O pensamento revolucionário de Richter surge na seguinte passagem:

117

Não sigo uma intenção, nem um sistema, nenhum sentido, não tenho programa, nem estilo, nem interesse. Eu não acredito em problemas técnicos, dos temas de trabalho, variações até o ultimo detalhe. Evito me fixar, não sei o que quero – sou inconseqüente, apático, passivo. ―Eu gosto do indefinido, do ilimitado e da interminável incerteza.‖ (RICHTER, 2009, p.83).

Sua estética trágica em algum momento contorna seu estilo abstrato

carregado de cores vibrantes e movimentos impactantes como podemos

evidenciar na seguinte obra preconizada pelo estilo neo-expressionista:

Fig. 18. RICHTER, Gerhard. Meditation. Museu de Belas Artes, Montreal.

Duas partes de 320 x 400 cm, 1986.

Gerhard Richter, entre outros artistas alemães, como Polke, Jorg

Immendorff, Georg Baselitz e Josef Beuys, fica conhecido como o pintor neo-

expressionista alemão mais importante de sua época. Título que lhe foi

118

concedido ao assumir o estilo abstracionista de arte foto-realista, típico dos

artistas alemães rebeldes atuantes na Alemanha ocidental no pós-guerra.

Lembramos que a acronia não contempla apenas seus obras figurativas,

mas contempla também suas obras abstratas:

Fig. 19. RICHTER, Gerhard. Waldstück. Catálogo Raisonnée: 66.

Coleção Böckmann, Novo Museu: Museu Estadual de Arte e Design,

Nuremberg, Alemanha. Óleo sobre tela, 150 x 155 cm, 1965.

Apesar dos múltiplos gêneros pictóricos, absorvidos e desenvolvidos na

arte alemã dos anos 1960, responsáveis pela forte crise na esfera da arte, o

Neo-expressionismo manteve-se em destaque, tendo Gerhard Richter como

seu expoente no fim dos anos 70, quando ele surge junto com outros artistas

alemães, constituindo o grupo conhecido como ―novos selvagens‖ (Neue

Wilden), cujo destaque se dá nos anos 1980.

119

3.5 – Pintura & Fotografia em Gerhard Richter

Além de ter pintado inúmeros quadros no estilo abstrato, o Foto-realismo

nunca deixou de ser a grande força da expressão artística de Richter. Como

pudemos observar seu desfigurativismo acromático, ao assumir a fotografia

como um objeto teórico, pluraliza a clássica linguagem Realista de

representação, subvertendo sua estrutura, de forma a legitimar sua autonomia.

O pintor transgride a típica representação foto-realista de arte através de

desfigurações sem exclui as feições de seus modelos completamente. Suas

obras depois de pintadas e ainda úmidas, recebem pincelados secas em

movimentos horizontais, deformando seu realismo inicial. Tal efeito dá a

impressão de uma foto desfocada, conferindo uma ilusão de se tratar de seres

espectrais, circunscritos no devir de uma realidade incapturável.

A obra a seguir subsidia nossa observação:

120

Fig. 20. RICHTER, Gerhard. Helga Matura. Art Gallery of Ontario,

Toronto, Canadá. Óleo sobre tela, 180 x 110 cm, 1966.

A pintura de Helga Matura foi produzida por Richter em 1966, tendo

como origem de seu tema uma foto de revista, cujo pano de fundo conta a

história trágica da vida da modelo. Assim, Richter, transforma a fotografia de

Helga em pintura, sem deixar qualquer pista de que se tratar de uma foto

midiática. Richter recorta, além do título, a reportagem da imagem, não fazendo

qualquer apologia icônica.

Na reportagem da revista Quick em 1966, de onde Richter retirou essa

imagem, contava a história de Helga de forma depreciativa. Narrava-se que ela

121

era conhecida, desde os nove anos de idade, nas noites de Frankfurt como

Karin e que era conhecida como a segunda Nitribitt (uma famosa prostituta da

época), mas que possuía mais classe, mais beleza, portanto era mais

desejável e pecaminosa. Contudo, o que a reportagem não dizia era que Helga

Matura estava insatisfeita e sonhava mudar de vida, desejava casar-se.

Na seguinte obra, Richter a representa junto ao noivo:

Fig. 21. RICHTER, Gerhard. Helga Matura mit Verlobtem. Museu Kunst

palast, Düsseldorf, Alemanha. Óleo sobre tela, 199,5 x 99 cm, 1966.

Nesse segundo quadro da modelo, Richter, a partir de seu título, não

permite, mais uma vez, qualquer depreciação de sua imagem, tampouco

explora o que veio a ser seu fim. Em 26 de janeiro de 1966, Helga Matura foi

assassinada por um sujeito desconhecido. No aspecto ideológico, Richter em

Notizen de 1984, declara sua busca pela neutralidade como encontramos na

seguinte passagem do livro Text:

122

Eu aceitei pensar e atuar sem ajuda de uma ideologia; eu não tenho nada para me ajudar, nem uma idéia a quem eu sirvo e a partir da qual eu siga e com isso, não recebo ordens do que devo fazer; nem uma regra que define como e nem uma fé que me mostra o sentido, tampouco uma imagem do futuro; uma construção que tenha sentido superior. Eu aceito apenas o que existe, eu aceito com conformidade a falta de sentido de qualquer descrição e realização daquilo que não sabemos. Ideologias seduzem e abusam sempre da ignorância, legitimam a guerra. (RICHTER, 2008, p. 133).

Richter, enquanto artista foto-realista, hesitava entre a aparência banal

da forma e a tragicidade existencial do conteúdo. Ele interessava-se pelo

antagonismo entre a forma da representação da realidade e o fascínio que

poderiam sugerir de suas significações.

É na incerteza da presença da imagem da representada em suas obras,

que vemos o pintor levar ao limite a discussão acerca da arte com a fotografia.

Tema esse, que surge como objeto indicial de superação por parte da crítica da

arte especializada na esfera artística. Para Richter, não significa que seus

quadros devam significar a cópia de uma foto, pois para isso existe a câmera

fotográfica. A respeito disso, esclarece o pintor em entrevista com Doris von

Drathen, em 1992, num trecho captado por Moorhouse:

O quadro pintado é primeiramente mais próximo da aparência (Schein), contudo ele tem mais realidade do que uma foto, porque um quadro em si tem mais caráter de objeto, pois ele é perceptivelmente pintado a mão, é produzida materialmente. A aparência de pintura é, na comparação com a realidade, sempre mais ou menos diferente, e isto irrita. (RICHTER, 2009, p.119).

Essa observação sumária esbarra nas considerações que Benjamin tece

em sua obra História da Fotografia:

Na fotografia, ser criativo significa acabar repassando a moda. ―o mundo é belo‖ – eis aí exatamente a sua divisa. Nela se desmascara a atitude de uma fotografia capaz de montar qualquer lata de conservas no universo, mas não é capaz de captar uma só das situações humanas em que ela aparece [...] já que, no entanto, a verdadeira face dessa criatividade

123

fotográfica é a publicidade e a livre-associação, a sua legítima contrapartida é o desmascaramento e a montagem. (BENJAMIN, 1986, p. 239).

No caso de Richter, a fotografia produzida como pintura artesanal, além

de possibilitar a fundação de uma arte que evita conceder significados a partir

da subjetividade, ela denuncia e eterniza as memórias do passado.

Assim, Richter apóia a crítica que Benjamin tecia a respeito da fotografia

que substitui a pintura. Ambos parecem esclarecer que a imagem que é

produzida pela mão do artista, não pode ser substituída por um aparato técnico

sem mudar de linguagem, e isso se deve ao fato de que objetos estéticos

carregam as marcas dos meios com os quais são produzidos. Nesse âmbito o

meio deixa seus rastros.

Richter concorda com a observação benjaminiana, de que a fotografia

jamais substitui a pintura, pois ela limita a criatividade do artista ao repassar a

moda. Tensionando esse prognóstico a seu máximo grau, o pintor antecipa

essa problemática lembrando que a ―realidade‖, à qual Benjamin se referia,

também era produzida pelo homem. Logo, o fato do homem copiar o homem

através de aparatos técnicos, não era a grande problemática a ser enfrentada

em termos artísticos, mas sim com quais fins ideológicos as copiava.

O pintor, que não hesita em copiar fotografias como fonte de suas obras,

explica o desejo e a dificuldade de manter a objetividade da foto original: ―Eu

quero deixar tudo como é na foto, mas ao mesmo tempo eu sei que também

invento, manipulo mudo e faço.‖ [...] ―O quadro sempre contém uma coisa nova,

querendo ou não.‖ (RICHTER, 2009, p. 69).

Nessa reflexão artística, Richter concorda com Benjamin, quando esse

entende que tudo já está dado na realidade física, todavia, o fato de não ser

necessário buscá-la numa dimensão metafísica, é que parece distanciá-los. O

que Benjamin explicita como pesar, Richter considera como libertação. Isso é

esclarecido nas palavras de Richter nas seguintes passagens: ―não se trata de

inventar mais nada, pode-se esquecer tudo o que significava pintura. Cor,

composição, espaço e tudo o que a gente sabia e pensava não é mais

condição para arte.‖ (RICHTER, 2009, 34). Mais adiante reitera ainda o pintor:

―Você sabe o que foi bom? Perceber que uma coisa simples como copiar um

124

cartão postal pode resultar num quadro. É a liberdade de pintar o que dá

prazer.‖ (Ibidem, p.43).

O foto-realismo de Richter busca criar quadros que pareçam com uma

imagem fotográfica e não imitar a imagem do modelo na fotografia com uma

exímia técnica realista, como era exigência aos retratistas da nobreza

renascentista, tampouco, busca satisfazer o grande público através de uma

reprodução indefinida de imagens publicitárias.

Acerca disso, esclarece Richter em entrevista com Gerhard Schoen em

1972: ―Não se trata de imitar uma foto, eu quero fazer uma foto.‖ (RICHTER,

2009, p. 69). Moorhouse segue interpretando as pinturas de Richter: ―Suas

pinturas almejam ter a aparência de uma foto, impessoal e objetiva, elas

informam sem interpretar ou mostrar significações.‖ (Ibidem, 2009, p. 69).

Criar quadros com atmosfera fotográfica serviu para o pintor como uma

forma de manter a impessoalidade e a objetividade da aparência dos objetos

sem interpretar ou oferecer interpretações únicas da realidade que, não

obstante, considera impossível. Além disso, a arte de significação para Richter

é considerada ―ruim‖ por que fere o primeiro estatuto da ―arte de qualidade‖:

manter a obra aberta a múltiplas interpretações: ―Quadros que são explicáveis

e contém sentido são ruins.‖ (RICHTER, 2009, p.33).

No limite da representação sua técnica de deformar mantém a presença

do ser no mundo. Ao mesmo tempo em que algo se esvai através de

desfigurações que pressupõe a incerteza a certeza da presença do ser se

mantém na marcha do devir.

3.6 - Gerhard Richter (Alemanha), Marcel Duchamp (França/EUA) e Andy

Warhol (EUA) e Konrad Fischer Lueg (Alemanha)

Fazer analogias na esfera da arte ajuda compreender os aspectos que

particularizam o estilo de cada artista, que mesmo ao viverem as influências de

uma mesma época, interpretam a realidade e suas tendências de forma

singular.

Segundo Richter, analogia é a única forma de nos aproximarmos da

realidade. O pintor esclarece, em entrevista com Rolf Gunther Dienst em 1970,

125

como essa ação constitui a base de sua produção artística: ―Eu quero tentar

entender o que existe ―o que é‖. Nós sabemos muito pouco, e eu tento

entender isso criando analogias. Analogia é, portanto, quase toda obra de arte‖

(RICHTER, 2009. p. 55). Logo, para não cairmos na armadilha de traduzir as

obras de Richter pelo critério do nosso gosto observaremos as diferenças entre

pinturas consideradas dentro do mesmo estilo de representação, cujas

inscrições aparecem nos aspectos de suas formas e conteúdos.

. Marcel Duchamp e Gerhard Richter

Marcel Duchamp, francês naturalizado norte-americano, enquanto artista

Vanguardista protestava contra a loucura das guerras no século XX. Richter,

mesmo estilisticamente distinto de Duchamp, recebe suas influências. O

exemplo disso encontramos Richter estudando sua obra ―Nu descendo a

escada‖. Pioneiramente, a pintura foi produzida em 1912 por Duchamp e em

1965 e em 1966 e foi reinterpretada por Richter.

O ―Nu descendo a escada‖ de Duchamp é representado de forma a nos

remeter a idéia de devir, cujo movimento contínuo é amplamente refletido

também pelo foto-realismo desfigurado de Richter. As características

estilísticas que particularizam os estilos de cada artista podem ser

reconhecidas no tratamento que cada pintor dá a representação do mesmo

tema:

126

Fig. 22. DUCHAMP, Marcel. Akt, eine Treppe hinabsteigend Nr. 2 (Nu

descendo a escada) Philadelphia Museum of Art. Óleo sobre tela, 147 x

89,2 cm, 1912.

127

Fig. 23. RICHTER, Gerhard. Frau die Treppe hinabsteigend (Mulher

descendo a escada). The Art Institute of Chicago. Óleo sobre tela, 198 x 128

cm, 1965.

Richter esclarece que ao pintar sua ―Mulher descendo a escada‖ no

estilo foto-realista, cujo tema havia sido representado pelo estilo dinâmico

futurista de Duchamp, ele teve como finalidade mostrar como a arte pode ser

(re) apresentada sem a influência da subjetividade do artista. Richter esclarece

que almejava: ―mostrar como elas (imagens da realidade) realmente são.‖

(RICHTER, 2009, p. 83). Foi a partir desse entendimento, que Richter difundiu

seu estilo capaz de contemplar uma imagem fotográfica desfocada.

A partir desse ponto, Richter volta a explicar como se certificou de que a

subjetividade estaria eternamente presente em qualquer esforço de

representação, o que o levou a se esforçar para minimizar sua ação: ―A forma

como nossa visão permite ver as coisas, limita ao mesmo tempo nossa

128

compreensão da realidade tornando-a parcialmente impossível.‖ (RICHTER,

2009, p. 83).

Fig. 24. RICHTER, Gerhard. Ema, Akt auf einer Treppe (Ema, nu

descendo a escada). Museum Ludwig, Köln, Alemanha. Óleo sobre tela, 200 x

130 cm, 1966.

Segundo a análise de Moorhouse acerca dessa obra: ―Ema irradia

extremamente um ―ser diferente‖: uma aparência que é simultâneamente real e

129

sublime. (MOORHOUSE, 2009, p.120). Em entrevista com Dieter Huelsmanns

em 1966, Richter confirma este paradoxo dizendo:

Eu sou fascinado pelo humano, pelo enfático, pelo real e pelo lógico no acontecimento, que é, ao mesmo tempo, tão irreal, incompreensível e eterno. Eu gostaria de representar ―isso‖ no quadro, de maneira a conservar esse antagonismo. (RICHTER, 2009, p. 46).

Richter, ao seguir irredutível a conceber que um estilo defina uma idéia,

produz a obra Vier Glasscheiben de 1967:

Meu quadro ―Mulher descendo a escada‖ (Akt auf einer Treppe) baseado no quadro de Marcel Duchamps ―Akt, eine Treppe hinabsteigen‖ de 1912, assim como meus ―Glaeser‖, possue exatamente algo contra o posicionamento de Duchamp. E isso pode ser percebido pelo fato de meus trabalhos serem tão simples e conscientemente descomplicados. (RICHTER, 2009, p. 111).

Fig. 25. RICHTER, Gerhard. 4 Glasscheiben (Quatro placas de vidro).

Atualmente a instalação está no Tate Modern, Londres, Inglaterra. Vidro e aço

esmaltado, 190 x 100 cm, 1967.

130

No guia do Museu de Steiermark, a instalação foi descrita da seguinte

maneira:

Neste trabalho, Gerhard Richter tematiza aquilo que até hoje em muitos lugares é uma metáfora comum: uma imagem pintada como uma janela para o mundo. Com o compromisso claro e inequívoco com a tradição da pintura, os quatro vidros retangulares, emoldurados e sem adornos, capturam toda a realidade de seu ambiente real. Em contraste com a superfície opaca de uma pintura, elas são jóias incolores, transparentes e limpas. As placas são emolduradas com armação de metal e lado a lado são penduradas no teto em verticalidade rotativa, inclinando-se para frente e para trás em posições diferentes. Como o próprio artista esclarece: ―deixemo-nos ver tudo, mas não compreender.‖ As vidraças estão vazias e ainda assim, paradoxalmente, elas mostram tudo o que está em seu contexto. A visão é dirigida através das molduras das placas de vidro e certamente, por trás acontece o conteúdo instantâneo da obra. (GUIA DO MUSEU STEIERMARK)

A obra 4 Glasscheiben por analogia ao ―Nu descendo a escada‖ de

Duchamp é escalrecida por Richter da seguinte maneira:

Conheci Duchamp e com certeza ele me influenciou. Talvez fosse uma certa anti-atitude minha ter me irritado um pouco com seu quadro ―Akt, eine Treppe herabsteigend‖. Gostei muito, mas eu não pude aceitar que com isso essa sua maneira de pintar estivesse resolvida enquanto arte. Eu fiz então o contrário e pintei um ―Nu convencional‖ (konventionellen Akt). Mas isso aconteceu, como falei, inconscientemente, não estratégicamente. Como aconteceu também com ―Vier Glasscheiben‖ (quatro placas de vidro). Eu acredito que alguma coisa me incomodou em Duchamp [...] Essa forma secreta, e por causa disso eu produzi esses vidros simples, mostrando o problema do ―Glasscheiben‖ de maneira muito diferente. (RICHTER, 2008, p. 276/277).

Em ambos os casos, o sujeito parece ter sido afetado em sua essência,

fato esse que aproxima novamente os dois artistas. No entanto, o aspecto

realista-fotográfico de Richter mostra, mesmo de forma abstrata, como ele

enfrentou os paradigmas da fotografia agindo na esfera da arte.

No preâmbulo de seu artigo A obra de arte na era da reprodutibilidade

técnica, Walter Benjamin lembra que a arte sempre foi passível de cópia, e

131

nesse ponto, a base fotográfica dos quadros de Richter, no que tange sua

qualidade, fica protegida pelo olhar do filósofo:

A obra de arte, por princípio, foi sempre suscetível de reprodução. O que alguns homens fizeram podia ser refeito por outros. Assistiu-se, em todos os tempos, a discípulos copiarem obras de arte, a titulo de exercício, os mestres reproduzirem-nas a fim de garantir a sua difusão e os falsários imitá-las com o fim de extrair proveito material. As técnicas de reprodução são, todavia, um fenômeno novo, de fato, que nasceu e se desenvolveu no curso da história, mediante saltos sucessivos, separados por longos intervalos, mas num ritmo cada vez mais rápido. Os gregos só conheciam dois processos técnicos de reprodução: a fundição e a cunhagem. Os bronzes, as terracotas e as moedas foram as únicas obras de arte que eles puderam reproduzir em série. As demais apenas comportavam um único exemplar e não serviam a nenhuma técnica de reprodução. Com a gravura na madeira, conseguiu-se, pela primeira vez, a reprodução do desenho, muito tempo antes de a imprensa permitir a multiplicação da escrita. Sabe-se das imensas transformações introduzidas na literatura devido a tipografia, pela reprodução técnica da escrita. Qualquer que seja a sua importância excepcional, essa descoberta é somente um aspecto isolado do fenômeno geral que aqui encaramos ao nível da história mundial. A própria Idade Média viria aduzir a madeira, o cobre e a água-forte e, o início do século XIX, a litografia. (BENJAMIN, 1980. p. 5).

Assim, Benjamin nos subsidia na defesa de que a base fotográfica para

produção dos quadros de Richter não destitui sua pintura do status de obra de

arte.

Segundo Clemente Greemberg, a ―arte ruim‖, poderia ser aquela, que

não provoca nenhum juízo estético no ―receptor‖, ou melhor, seria a arte

monótona, incapaz de provocar qualquer afeto no fruidor, ou pior do que isso,

aquela cujo tédio é capaz de fazer a emoção esbarrar na esfera do desagrado,

muito distante de cumprir suas mais importantes ―funções‖: comover e

transformar.

Richter, que almeja aproximar-se da realidade de forma mais objetiva,

assume produzir quadros-fotos de temas trágicos, marcando o aspecto

universal de sua arte. Nesse ponto, o pintor sublinha, mais uma vez, o motivo

que o levou a usar fotografias como fonte de suas obras: reduzir ao máximo o

problema que a subjetividade, mantendo intacta a realidade capturada no

momento da fotografia: ―nossa visão nos permite ver as coisas e, ao mesmo

132

tempo, limita nossa compreensão da realidade e tornando-a parcialmente

impossível‖. (RICHTER, 2009, p. 57).

No limite, compreende-se que a proposta conceitual tanto de Richter,

quanto a de Duchamp, era a de propôr a libertação dos ditâmes morais-

racionalistas enquanto automatismo psíquico. A arte vanguardista de

Duchamp, cujo estilo remete a idéia de caos e absurdo, negava a cultura de

guerra, cuja força de expressão continuou afetando a reflexão de artistas da

atualidade, como é o caso de Richter.

A arte do período moderno, cujo espírito iluminista pautava-se na

concepção do tempo universal, contínuo e progressista, começa a ver sua aura

diluir-se já no vanguardismo de Duchamp, mas é tensionada ao seu máximo

grau com o expressionismo abstrato e sucumbe completamente na pós-

modernidade, quando a arte assume definitivamente a técnica.

. Andy Warhol e Gerhard Richter:

Reservando a particularidade de suas artes, no que tange seu aspecto

ideológico, tanto Richter quanto Andy Warhol, enquanto pintores vanguardistas

ou pop-artistas rompem com toda a ordem do antigo regime (Ancien Regime).

A arte de Warhol é a própria propaganda ideológica do hedonismo

capitalista, esboçando o espírito de um tempo que transforma a arte em cultura

de massa através da "reciclagem estética do lixo", ao passo que a arte de

Richter, surge impregnada de formas e conteúdos existencialistas, de cunho

nada publicitário. Na obra História da Feiúra de Umberto Eco, encontramos

Warhol em 1975 se declarando como esteta do refugo:

Sempre gostei de trabalhar com refugos. Coisas que são descartadas, que não são boas e todos sabem disso: sempre pensei que possuem um grande potencial de diversão. É um trabalho de reciclagem. Sempre pensei que há mais humor nos refugos. (WARHOL, 2007, p. 388)

133

Os aspectos que distinguem as artes de Richter e Warhol são evidentes

na própria própria base material de suas obras. Nas palavras de Richter:

Andy Warhol é menos um artista do que um sintoma para uma situação cultural. A partir dele se criou, usando essa imagem como substituto para um artista. Seu merecimento está no fato de que ele não fez arte, então todos os métodos e assuntos, os quais outros artistas se obrigaram tradicionalmente a fazer, não o tocava. Com isso, Warhol evitou que víssemos absurdos artísticos, os quais observamos em quadros de outros artistas. (RICHTER, 2008, p. 222).

Usar referências fotográficas de jornais e revistas permitiu a Richter

libertar-se da pressão que a arte exerce sobre o artista, exigindo dele um

posicionamento ideológico através da escolha de seus temas.

Todavia, Richter, enquanto artista vanguardista, mantém-se distante dos

temas sensacionalistas e glamorosos de Warhol, cuja extravagância é proposta

com vistas ao consumo de massa.

O próprio distanciamento de Richter, tanto de vanguardistas quanto de

tradicionalistas, mostra sua posição ideológica. Refutar materializar um

posicionamento ideológico através da arte é a própria marca de sua ideologia.

Richter, que tenta estilísticamente de todas as maneiras fundar uma

arte-fotográfica de vanguarda, com vistas a manter um distanciamento da

convenicionalidade da arte subjetiva, se vê mergulhado numa atmosfera

existencial tão profunda quando trata de seus temas, que expõe aspectos

românticos de sua personalidade. Isso pode ser evidenciado confrontando a

representação da Brigitte Bardot na versão de Warhol e de Richter a seguir:

134

Fig. 26. ANDY, Warhol. Brigitte Bardot. Christie´s London FEB. 8,

2007. Sobreposição pintura polímero sintético e tintas de serigrafia sobre tela,

47,1 / 4 x 47.1/4in, 120 x 120 cm, 1974.

Fig. 27. RICHTER, Gerhard. Mutter und Tochter (B) (Mãe e Filha). Ludwig

Gallerie Schloss Oberhausen, região de Düsseldorf, Alemanha. Óleo sobre tela,

180 x 110 cm, 1965.

135

Traços da tradição e da inovação que rendeu o título de artista ―formal‖ à

Richter são antagonicamente tensionados e percebidos por intermédio de seu

estilo. Moorhouse ao analisar tal obra esclarece a respeito disso:

―Mutter und Tochter‖, faz parte de um grupo de quadros que a incrementação, numa tal esfera, não é clara. É um quadro tirado da realidade, cuja tradução através da tinta (cor) vem da luz brilhante da obscuridade. A moça pintada é Bridget Bardot achegando em sua tão forte mãe, cuja semelhança é bem clara. O quadro representa uma aparência, amplia pistas de significação e fica não translúcido. Ele presenta a incorporação de algo percebido, compreendido e ao mesmo tempo rejeitado. (MOORHOUSE, 2009, p. 88)

Mesmo utilizando uma mistura de meios para a produção de seus

quadros, como o fizeram inovando Duchamp e Warhol, Richter parece preferir

conservar-se fiel ao que particulariza seu estilo como ―foto-realista-

transcendental‖, desalinhando-se, por assim dizer, das artes populares que

pretenderam disponibilizar na experiência estética, qualquer objeto do

cotidiano. Esse que foi o grito dadaísta da estética do tudo de Duchamp é

citado por Greenberg na seguinte passagem:

Duchamp e o Dadá queriam expor objetos ou entidades desprovidas de qualquer interesse artístico. Duchamp não quis dizer que ele queria que se visse o porta-garrafas como uma peça de escultura. Sua intenção, e o estardalhaço de tudo aquilo, era um vazio cultural. Mas, a medida que essas entidades ou objetos persistiam, o gosto penetrava ali de alguma maneira. Duchamp não se safou esteticamente. Aquilo foi um acontecimento histórico, uma demonstração única. Ele não disse: posso chamar qualquer coisa de arte formalizada. Não foi essa a sua formulação. O que ele disse foi: qualquer coisa que eu queria apresentar como arte é arte. E ele estava certo. Se alguém tivesse feito isso cinqüenta anos antes, estaria certo. Mas ninguém o fez antes de Duchamp. De modo que, agora, eu posso escolher qualquer parte dessa sala e contemplá-la artísticamente, como aquela viga lá em cima, e posso fazê-lo inadvertidamente. (GREENBERG, 2002, p 242).

Clement Greemberg nos alerta para um aspecto muito importante sobre

as artes dadaísta e informal convencionadas como ―avançadas‖. Em sua

opinião sua maior contribuição foi desconstruir a idéia de convencionar as artes

em ―superior‖ e ―inferior‖. Conforme Greemberg, a arte de vanguarda pode ser

136

entendida como aquela que progride e que nos atenta para uma experiência

estética consciente, e como tal, é comprovadamente refutável, logo precisa ser

avaliada de forma muito distinta, independente da generalização do termo.

Richter, que assume ter sido profundamente influenciado pelo

vanguardismo da pop art americana desde 1961, esclarece os motivos de suas

diferenças:

Por um curto período de tempo, eu me sentia como um artista da Pop-art. Mas mais importante era que a Pop-art e a Fluxus me tocaram decisivamente, como também antes o Tachismo. Entretanto, o Neo-realismo e a Zero não eram nada importantes pra mim. (RICHTER, 2008, p. 280).

Em outra entrevista cedida a Robert Storr em 2002, Richter melhora

esse esclarecimento dizendo que juntamente com seus amigos artistas

alemães Polke e Lueg ele almejava representar uma experiência mais ampla e

complexa da realidade do que simplesmente o caráter apelativo da fotografia

como realizava a pop art americana. Richter assume que independente da

ideologia disseminadora da cultura comercial, a pop art americana possuía

uma aura tão otimista que a arte alemã, mesmo a expressionista, nunca

conseguiu superar. Richter segue esclarecendo que, embora ambas as artes

sejam vanguardistas, no sentido de usarem fotografias, sua arte enquanto

alemã, não tinha a menor chance de concorrer com a força publicitária típica da

pop art americana, mesmo considerando-a limitada. Acerca disso encontramos

em suas próprias palavras:

Talvez nós nem tivéssemos a chance de concorrer. A afirmação da Pop-art americana era tão potente, tão otimista, mas também limitada, que nós pudemos pensar, que só se pode superar isso ao colocar outro objetivo. Nós não pudemos produzir o mesmo otimismo e a mesma maneira de humor e ironia da Pop-art. Roy Lichtenstein tem uma maneira especial de humor. Em Polke e em mim tudo era mais quebrado (trágico, difícil). Isso é para mim muito difícil de explicar. (RICHTER, 2008, p.422)

137

Distinguindo a pop art americana e a arte popular alemã, Richter,

responde os questionamentos do crítico de arte Robert Storr dizendo que sua

expressão artística e a de Polk, enquanto artistas populares alemães pareciam

ser mais ―quebradas‖ (gebrochener) do que a arte popular na versão americana

como a de Warhol. Isso acontecia até mesmo numa versão mais alemã da arte

popular, como é a de Roy Lichtenstein.

Para Richter, a experiência histórica que o artista chamou de ―quebra‖

estava conectada a uma experiência pessoal de vida: ―As duas experiências (a

pessoal e a histórica) são conectados, ou não? Eu não sei porque! Mas se não

fosse assim, teríamos sido também importantes. Alguns participaram de

verdade, eles imitaram os americanos: tão otimistas, imensos, coloridos,

fortes.‖ (RICHTER, 2008, p. 422).

Embora Richter se distancie da pop art de Warhol, ela foi para ele motivo

de grande apreço. Segundo Richter, suas diferenças abismais são marcadas

pela distinção ideológico-política que constitui suas culturas, o que não impediu

a admiração de Richter por Warhol. Como Richter mesmo proferiu:

Eu sempre gostei muito dele. Mas tem uma diferença enorme: isto é, ele tinha liberdade – aqui nós somos todos cheios de complexos. E isso ele não era. Mas também, o fascínio [die Allueres] de sua história da vida no que tange o tema da homossexualidade, tinha menos importância aqui. Polke se permitia algumas liberdades, mas isto também era totalmente diferente do que as de Warhol. Precisa-se de um palco especial, onde se pode encenar assim. Isso não existia para nós. (RICHTER, 2008, p.422).

As obras de Warhol e de Richter abaixo evidenciam como, em alguns

momentos, a vontade particular consegue reduzir ao mínimo, a marca da

identidade cultural:

138

Fig. 28. WARHOL, Andy. Men in Her Life (Homens em sua vida).

Coleção privada de um consultor de arte francesa. Serigrafia e lápis sobre tela

preparada, 214,6 x 211,5 cm, 1962.

Fig. 29. RICHTER, Gerhard. Portrait Schmela (Retrato Schmela).

Coleção privada. Óleo sobre tela, 100 x 130 cm, 1964.

139

Como se percebe, embora ambos assumam a ―desauratização da obra

de arte‖ ao representarem imagens serialmente, Richter e Warhol se

distinguem na forma de produzí-las. Warhol o faz de forma mecânica e Richter

as pinta à maneira clássica, uma a uma artesanalmente.

Richter em entrevista com Storr emite um juízo de valor acerca da

morbidade dos quadros de Warhol, que, em algum momento, os levam a

convergir. Isso acontece mesmo quando Richter tece sua crítica ao artista

americano, como constatamos na seguinte passagem: ―Eu prefiro a arte

trágica, e isto também vale para os quadros-desastres de Warhol, os quais

prefiro. Exceto eles, eu acho a maioria de seus quadros, por exemplo, a

produção enorme em retratos encomendados, bastante ruins.‖ (Richter, 2008,

p.422).

Apesar de suas profundas diferenças, Richter é agradecido pelo fato da

arte de Warhol tê-lo ensinado a eliminar informações da imagem da realidade

captadas pela fotografia.

Richter confessa que aprendeu com Warhol que só é possível fazer arte

quando se eliminam elementos da fotografia original, caso contrário isso

configuraria produzir uma arte que se dispõe a dar significações, como fôra a

proposta dos hiper-realistas que, não obstante, Richter refuta:

Eu penso que concentrar-se nisso essencialmente (wesentlich) é no fundo o trabalho de todos os pintores em todos os tempos. Isso, os Hiper-realistas não fizeram, eles copiaram realmente tudo, cada detalhe. Por causa disso eles não surpreendiam. Para mim, era evidente (selbstverstaendlich) deixar detalhes de fora. Neste aspecto tenho que agradecer muito a Warhol, ele legitimou a técnica mecânica. Ele demonstrou isso através da impressão tipo trama e foto e foi então que eu desenvolvi os borrados (difuso) nas minhas pinturas. Eles pressupõe desfocados produzidos mecanicamente. Esse foi um método muito libertador. (RICHTER, 2008, p.422).

Richter, ainda esclarecendo como a arte enquanto forma e conteúdo,

aparece inexoravelmente através da cultura do pintor, reforça mais uma vez

seu pensamento em entrevista cedida à Jan Thorn Prikker em 2004. Para ele,

independente da ideologia, a pop art americana teve uma força muito mais

revolucionária do que a alemã, que na sua versão mais controversa foi

representada pela arte expressionismo. Isso Richter compreendeu, ao ter

140

absorvido além de traços do estilo da própria pop art, elementos da informal e

da Fluxus. Richter em 1961 em Duesseldorf cita:

Pop-art através da inspiração ao mundo exterior e a Fluxus através da sua atitude sem respeito (ideologicamente dizendo). Os Pop-artistas deram as respostas imponentes aos artistas abstratos: ―Nós fazemos uma coisa nova, uma coisa que é totalmente proibida, onde seus critérios não chegam.‖ (Ibidem, 2008, p. 488).

Nesse ponto fica claro que a tendência tragi-romântica do estilo de

Richter se deve a sua identidade cultural, o que por si só, o leva a carregar um

teor mais existencialista e dramático em sua arte.

* Konrad Fischer Lueg e Gerhard Richter

Robert Storr nos alerta para as diferenças que distinguem mesmo os

artistas alemães considerados dentro do mesmo estilo popular de arte como

Richter e Lueg. A arte popular alemã de Lueg se aproxima mais da pop art

americana, do que a de Richter.

Isso é evidente na representação do modelo Helmut Klinger, no estilo de

Konrad Fischer Lueg e de Gerhard Richter, respectivamente, a seguir:

141

Fig. 30. LUEG, Konrad Fischer. Bildnis Helmut Klinker. Museu de Arte:

Fortuna da coleção de Helmut Klinger, 1965.

Fig. 31. RICHTER, Gerhard. Bildnis Helmut Klinker. Museum Bochum. Óleo

sobre tela, 100 x 80 cm, 1965.

142

Constatamos que, o que permanece comunicado singularizando o estilo

de cada uma das obras é sempre o aspecto ideológico. O estilo anti-ideológico

de Richter continua a representar a vida existencialmente mantendo-o

irredutível às artes apologéticas.

* Da análise:

O teor existencialista-romântico que aparece nas obras de Richter se

considerado através da recepção da obra de arte nos dias de hoje, poderia

configurar a marca mais negativa de suas obras. Isso, segundo alguns

comunicólogos, seria possível conjecturar pelo fato do ser na ―pós-

modernidade‖, estar sofrendo a compressão do tempo-espaço do mundo

tecnológico avançado. Entendemos a relevância disso, ao considerar o sujeito

em seu modus vivendi e operandi no limiar da exaustão dos bens de consumo,

com o virtual substituindo e impedindo a vivência do ―real‖. A pergunta que

surge é: Estaria o homem nos dias de hoje em condições de apreciar uma arte

tão trágica como a de Richter?

Assim, o fetiche que o belo em forma de glamour propõe através da

publicidade nas sociedades capitalistas avançadas, substituiu a dor e o prazer

inerentes a existência humana, logo, as obras de Richter que apelam a

alteridade e a compaixão frente ao estado doloroso do outro, estariam fadadas

ao fracasso.

Quem não acessaria sua humanidade enquanto contemplador de

algumas de suas obras, mesmo sem conhecer a história de vida de seus

modelos?

Como evidenciamos, as características intrínsicas das obras de Richter

fazem fulgurar no presente, o mundo antigo transfigurado pelas tragédias e

utopias, contemplando o humano com um clamor e profundidade tão

existenciais, que nenhuma possibilidade de libertação e apatia nos é permitida

na experiência estética.

143

3.6.1 - O Sublime segundo Gehard Richter

Os aspectos abstratos inerentes ao estilo foto-realista e neo-

expressionista das obras de Richter, transformam sua arte em auto-realidade

através de uma impetuosidade gestual que previlegia o sentimento em

detrimento da razão e da moral.

A julgar pela acromia, a desfiguração e os temas trágicos de suas obras

foto-realistas e pelas grandes dimensões de suas telas neo-expressionistas,

infere-se que sua arte, por analogia ao espírito romântico alemão, carrega

traços do movimento do Sublime, cujo ideário refutava os postulados do

racionalismo Iluminista relativo às autoridades absolutistas do antigo regime

alemão e da monarquia do mundo burguês, vigentes desde o século XVI até o

XVIII.

Richter, por sua vez, rebela-se contra o ideário racionalista das estéticas

de totalitaristas, que já na época do romantismo (fim do século XVIII), dava os

primeiros indícios do que viria a ser a estética de guerra na modernidade. O

drama que a ―racionalidade negativa‖ precipitou na Alemanha do século XX são

trazidos à tona pela arte de Richter como feridas pouco cicatrizadas. Isso

parece reafirmar que os lastros de grandes eventos mantem sua duração no

tempo histórico, na medida de sua força de impacto, em última análise,

determinam o curso da história.

É na inter-relação da forma com o conteúdo, de maneira análoga ao

terror, que Richter, assim como o conceito de Sublime, transcende o belo. A

desolação de sua estética contrasta com a potência desvastadora e grandiosa

da natureza, refletindo a vida enquanto considera ―grotesco‖ e a ―crueldade‖

constituindo igualmente o plano da existência, ao lado da ―beleza‖ e da

―bondade‖.

A estética de Richter parece ultrapassar o exótico e esbarrar no

grotesco, já no limiar da degeneração. Assim, aspectos do grotesco do

movimento do Sublime ecoam em suas obras, na medida em que a

representação do sofrimento humano volta a ser concebido representando

escatologicamente a vida em sua dimensão ―real‖. Assim, sua arte, ao

144

rememorar o espírito de um tempo em que a violência e o assombro

compunham o cenário da realidade, impõe-se frente à crítica que associa o

grotesco ao ―mau gosto‖ e o belo ao ―bom gosto‖ e enfrenta os veredictos de

juízos de valor estéticos, que sempre se pautaram em concepções morais.

Observando as marcas da tragédia nas obras de Richter, segundo

Umberto Eco pautado nas palavras do romântico Friedrich von Schiller (1759-

1805) infere-se que, o Sublime em suas obras: ―É um fenômeno generalizado

em nossa natureza que aquilo que é triste, terrível e até mesmo horrendo atrai

com irresistível fascínio; que cenas de dor e terror nos repugnem com igual

força, nos atraiam. (SCHILLER apud Eco, 2004 p.289)

Em outro momento, Umberto Eco apoiado na observação de Burke

salienta:

Burke afirma não ser capaz de explicar as causas do efeito do Sublime e do Belo, mas a pergunta que se coloca é: como pode o terror ser deleitável? E sua resposta é: quando não ameaça muito de perto. Mas entendemos para esta afirmação. Ela implica um distanciamento da coisa que faz medo, donde uma espécie de desinteresse em relação a ela. Dor e terror são causas do Sublime se não são realmente nocivos. Este interesse é o mesmo que, no decorrer dos séculos, apareceu ligado à idéia do Belo. O Belo é aquilo que produz um prazer que não induz necessariamente à posse ou ao consumoda coisa que a apraz. Assim também, o horror ligado ao Sublime é horror que não se pode possuir e não nos pode fazer mal. (BURKE apud ECO, 2004, p. 291)

Assim, subsidiando-nos nas observações de Eco, interpretamos o

aspecto dramático e perigoso nas obras de Richter, como uma força que

exerce um efeito catártico, sublimador até mesmo libertador, mas que,

sobretudo, permanece sempre disponível ao sentimento.

As seguintes obras de Richter repectivamente no estilo neo-

expressionista e foto-realista buscam subsidiar a natureza de nossa análise:

145

Fig. 32. RICHTER, Gerhard. Claudius [603]. Coleção Landsbank,

Baden-Württenberg, Alemanha. Óleo sobre tela, 311 x 406 cm, 1986.

(RICHTER, 2008, p. 47).

Sua arte, que em nada se retém entende que o impulso lúdico seja

sinônimo de liberdade, assim privilegia a emoção em detrimento da razão

provocando um processo de retorno do sujeito para dentro de si. Para Richter,

posto que a arte é irreal deve conceder prazer incondicional.

146

Fig. 33. RICHTER, Gerhard. Frau mit Schirm (Mulher com guarda-

chuva). Daros Collection, Zürich, Suíça-alemã. Óleo sobre tela, 160 x 95, 1964.

A representada no quadro é Jackie Kennedy chorando instantes após a

morte de seu marido John F. Kenedy, cuja história e identidade mantém-se

igualmente ocultas através do título. Acerca disso Richter esclarece:

Escolhi com intenção um título anônimo e neutro porque as pessoas não deveriam olhar e reconhecer imediatamente Jacky Kennedy. Eu quis evitar isso, impreterívelmente. Um título como Frau mit Schirm [Mulher com guarda chuva] não revela nada e não conta qualquer história. (RICHTER, 2008, p. 269).

147

A forte natureza reflexiva dessa obra enfrenta antigas profecias, partindo

na defesa de que a obra de arte existe ainda nos dias de hoje. Assim, sua arte,

enquanto se disponibiliza a fruição exige uma grande amplitude de olhar e

disposição reflexiva. Acerca disso nos apóia Hegel:

Além da fruição imediata, as obras de arte suscitam em nós o juízo, na medida em que submetemos à nossa consideração o pensante, o conteúdo e o meio de exposição da obra de arte, bem como a adequação e inadequação de ambos. A ciência da arte é, pois, em nossa época muito mais necessária do que em épocas na qual a arte por isso, enquanto arte proporcionava plena satisfação. A arte nos convida a contemplá-la por meio do pensamento e, na verdade, não para que possa retomar seu antigo lugar, mas para que seja conhecido científicamente o que é arte. (HEGEL, 2000, p. 35).

A citação hegeliana defende Richter naquilo que conserva o caráter

reflexivo de sua arte.

3.7 - Memórias da Segunda Guerra Mundial pelo ―foto-realismo-transcendental‖

de Gerhard Richter - Retrato: A ética como pano de fundo da estética

O branco tem a harmonia do silêncio [...]. Não é um silêncio da morte, mas das possibilidades da vida. O branco chama a atenção para o nada anterior à vida, do mundo da era do gelo. O negro é algo queimado, como as cinzas da pira de um funeral, algo sem movimento, como um cadáver. O silêncio do negro é o silêncio da morte. Aparentemente o negro é a cor com a menor harmonia de todas, um tipo de fundo neutro contra o qual a mais significante sombra de outra cor, fica claramente evidenciada. Difere do branco, com o qual quase todas as cores estão em harmonia, ou se anulam juntas.

Wassily Kandinsky

A acromia e os desfigurados no estilo de Richter suscitam inúmeras

reflexões que nos lançam para além do que é visível na aparência do modelo

impressa na superfície do ―real‖, todavia, permanece o fato de se tratar de uma

imagem de uma impressionante e surpreendente intimidade. As fotos das

memórias de guerra de Richter, enquanto temas de seus quadros, depois de

148

desvelados, não nos deixam iludir pelo seu desejo de impessoalidade e

distanciamento provocados pelas desfigurações e monocronia que marcam seu

estilo foto-realista abstrato.

No entanto, a busca do pintor em manter-se hermeticamente fechado

em si mesmo, num mundo secreto e intangível nos deixa ainda mais curiosos.

A respeito disso, encontramos Richter declarando:

Eu desfiguro (Verwische) para fazer tudo parecer igualmente importante e igualmente sem importância. Eu desfiguro para não parecer uma produção artísticamente artesanal, mas técnica, lisa e perfeita. Eu borro, para que todas as partes engrenem-se. Eu apago talvez o que tem a mais, de informações não importantes. (RICHTER, 2009 p. 33).

Essa declaração é referente ao ano 1965, no entanto, em entrevista com

Sabine Schuetz em 1990, o pintor confessa os verdadeiros motivos para essa

antiga tentativa de distanciamento:

Eu refutei as sentenças vazias da opinião pública sobre minha falta de estilo e a opinião particular de alguns, cujas palavras vazias eram parcialmente polêmicas, contra todas as tendências do tempo (da moda), mesmo quando eram afirmações de defesa. Pois, em algum momento e de uma certa maneira, eu gostei dos motivos da originalidade dos modelos, cujas famílias eu frequentemente conheci. E se eu não as tivesse conhecido, elas teriam, pelo menos, semelhanças com as famílias e os destinos que eu conheci. (RICHTER apud Schuetz, 1990, p. 258).

Os temas de guerra na iconografia acromática de Richter mostram como

sua pintura trata da reprodução de uma fotografia testemunhal. Além de seus

quadros-foto preto e branco nos remeterem ao passado, pintar retratos assim

substitui a aura dos retratos de outrora. Acerca disso esclarece Walter

Benjamin:

Com a fotografia, o valor de exibição começa a empurrar o valor de culto - em todos os sentidos - para segundo plano. Este último, todavia, não cede sem resistência - sua trincheira final é o rosto humano. Não se trata, de forma alguma, de um acaso se o retrato desempenhou papel central nos primeiros tempos da fotografia. Dentro do culto da recordação dedicada

149

aos seres queridos, afastados ou desaparecidos, o valor de culto da imagem encontra o seu último refúgio. Na expressão fugitiva de um rosto de homem, as fotos antigas, por última vez, substituem a aura. É o que lhes confere essa beleza melancólica, incomparável com qualquer outra. Mas, desde que o homem está ausente da fotografia, o valor de exibição sobrepõe-se decididamente ao valor de culto. (BENJAMIN, 1936, p. 13).

A citação benjaminiana interpreta o foto-realismo do gênero retrato de

Richter, como a marca de seu romantismo-trágico. É nítido que Richter

privilegia em sua arte o aspecto mais violento de nossa humanidade em

detrimento a simples contemplação do belo transacionando entre a

―apresentação do real‖ e a ―representação do ideal‖.

As palavras benjaminianas a seguir fazem outras possíveis

interpretações às obras de Richter: ―Na expressão fugitiva de um rosto de

homem, as fotos antigas, por última vez, substituem a aura‖. É o que lhes

confere essa beleza melancólica, incomparável com qualquer outra.‖

(BENJAMIN, 1988, p.13).

Fig. 34. RICHTER, Gerhard. Jungendbildnis (Retrato da juventude). The

Museum of Modern Art, New York. Óleo sobre tela 72,4 x 62 cm, 1988.

150

Apesar da variedade impressionante de temas considerados por Richter,

suas obras apontam quase sempre para uma única direção estilística e

temática. De 1962 até 1966, no séquito de suas obras constavam aquelas que

o pintor produziu acromaticamente com base em imagens fotográficas.

Richter, que evitava possuir apenas um estilo, sempre buscou manter a

impessoalidade e a inconseqüência na marcha do devir, contudo, se revela

surpreendentemente possuidor de uma particular uniformidade estilística.

Desde 1966, ele utilizou suas próprias fotos de família, como fonte de seus

quadros. Este passo teve como conseqüência uma segunda inovação, a

mudança do branco e preto para colorido. O que parece não ter alterado a

essência de seu estilo, cuja beleza e drama continuaram a exigir compaixão e

esforço intelectual do contemplador.

Um exemplo disso é o retrato de sua filha Ella Maria abaixo:

Fig. 35. RICHTER, Gerhard. Ella. Coleção privada. Óleo sobre

tela, 40 x 31 cm, 2007.

151

Seus temas mantêm-se fiel ao gênero retrato, porém, esse que nasceu

com vistas a eternizar a imagem de representantes aristocráticos tem sua

essência controvertida por Richter através de seu efeito de desfigurar.

Sumariamente, no que tange a singularidade de seus retratos, a rebeldia

estilístico-ideológica de Richter, parece inaugurar uma nova forma de

representação de arte retratista, que norteando o tema da abstração,

contempla o caráter autônomo da arte emancipando sua liberdade de criação.

Para muitos estetas tradicionalistas, copiar modelos de fotografias

descaracteriza o gênero da arte de retrato. Os retratos que Richter criou desde

1960 refletem um refinado sentimento dessa situação ficando no limiar entre o

conhecido (Vertrautheit), o oculto (Versteckt) e a alteridade (Andersheit).

Paradoxalmente seus quadros-retratos têm o caráter de explorar um mundo de

aparências enquanto convidam a inúmeras interpretações.

Em entrevista cedida à Dieter Huelsmanns encontramos Richter

refletindo sobre esse aspecto:

Eu acho que um pintor não precisa ver ou conhecer o modelo, e nada do ―ser‖, do caráter ou da ―alma‖ do modelo precisam ser expressos. Um pintor não deve ver um modelo de uma maneira pessoal, por que um retrato não pode ser mais parecido com o modelo do que apenas muito semelhante. Por causa disso, é muito melhor pintar um retrato a partir de uma fotografia, haja vista não ser efetivamente possível pintar um ser humano em seu em si mesmo – ao contrário é sempre só um quadro, que não tem nada em comum com o modelo. A mera e suposta semelhança dos meus quadros com os modelos não é intencional, essa semelhança é a priori inútil. (RICHTER, 2009, p. 45).

Quando Richter concentrou-se nos retratos de pessoas conhecidas,

família, amigos e colegas do mundo da arte, ele rompeu um pouco mais com a

impessoalidade, característica comum em suas antigas obras. Entre os

modelos anônimos, encontram-se alguns identificáveis, contudo, apenas

aqueles sem implicações políticas e ideológicas.

152

Capítulo 4 – Gerhard Richter à luz das teorias da Comunicação: Um diálogo

entre os valores da modernidade e da pós- modernidade

Observando as obras de Richter por intermédio do diálogo entre os dois

momentos, percebemos que o fato de seus temas narrarem a História de um

sujeito simbolizando uma cultura em um tempo e lócus histórico específico, faz-

se relevância aos valores relativos, à racionalidade, à memória e à alteridade,

características consideradas, por muitos pensadores, relativas ao período

Moderno.

Contudo, por outro lado, o aspecto difuso diluindo a nítida identidade do

sujeito tratado em seu estilo, promove uma ruptura com o tempo/espaço

histórico e epistemológico, caracterizando a falta de referência necessária para

construção da identidade do sujeito, características consideradas, também por

parte de alguns pensadores como Nilson Thomé, típicas do período pós-

moderno. O autor, em seu artigo, disponibilido em PDF Considerações sobre a

Modernidade, Pós-Modernidade nos Fundamentos Históricos da Educação

cita: ―Sejam bem-vindos ao pós-modernismo: ao mundo do espetáculo da

mídia, do sumiço da realidade, do fim da história, da morte do marxismo e de

um grande número de outras alegações deste milênio.‖

Assim, entendemos que a forma paradoxal como é tratada a identidade

do sujeito nas obras de Richter ressalta pontos de contato entre os valores da

modernidade e da pós-modernidade permitindo que elas sejam interpretadas

pelos teóricos da comunicação da atualidade que, não obstante, se apóiam nas

teorias filosóficas modernas.

A exemplo disso temos a reflexão de Ciro Marcondes, ora evocando

Henri Bergson, ora o pensamento de Bertolt Brecht e ora de Martin Heidegger;

de Stuart Hall apoiado em Sigmund Freud e Jacques Lacan e de Umberto Eco

também apoiado em Lacan, confronta-o a Claude Lévi-Strauss. Reservando a

particularidade de seus pensamentos, a falta de identidade símbolo do sujeito

pós-moderno, é interpretada a partir das obras de Richter, unanimamente,

como incompleta:

153

Fig. 35. RICHTER, Gerhard. Matrosen (Marinheiros). Neues Museum

Weserburg, Bremen, Alemanha. Óleo sobre tela, 150 x 200 cm, 1966.

Redefinindo o compreendido pelos retratos do realismo clássico, os

retratos de Richter concebem a realidade fixa no instante de sua captura pela

fotografia, mas, ao mesmo tempo, o aspecto difuso passa a idéia de

movimento constante, cuja fluidez impossibilita a formação da identidade do

sujeito. Acerca disso, Richter esclarece na obra de Moorhouse o seguinte: ―Eu

desfiguro para fazer tudo parecer igualmente importante e não importante.‖

(RICHTER, 1964, p. 37). Moorhouse, por sua vez, interpreta o efeito difuso da

seguinte maneira: ―Em retratos de grupos como este, apesar das convenções

desse tipo de representação, é retirado dos modelos representados: a

individualidade e a significação que a relação entre as pessoas poderia

sugerir.‖ (RICHTER, 2002, p. 52).

O pintor, através das linhas que fogem como que escorrendo

horizontalmente, materializa o movimento incapturável do tempo, o efêmero, de

onde escapa toda nossa realidade. Percepção essa que compartilha Ciro

154

Marcondes Filho ao contemplar a ―razão durante‖ de Henry Bergson citada na

obra de Gustavo Said:

O pensamento e o movente, um movimento único que havia de início dois movimentos de ida e volta. Ora diz Bergson – na mesma direção de nossa proposição da razão durante – para avançar com a realidade movente, é nela que devemos nos posicionar: ―instale-se na mudança que você irá compreender de uma vez a própria mudança e os estados sucessivos nos quais ela poderia em qualquer momento imobilizar-se. (EC, p. 307). Ao contrário com os estados sucessivos, apreendidos de fora como ―imobilidades reais‖ e não mais virtuais, complementa Bergson, você jamais irá reconstituir o movimento. O que é válido para a linha percorrida não é válido para o movimento. (BERGSON; MARCONDES F.; SAID; 2008, p. 62/63).

Seguindo a reflexão, norteando a face do desfigurada do sujeito pós-

moderno tratada nas obras de Richter, o conceito de esvaziamento e de

diluição, também é encontrado nos estudos de Stuart Hall, cujo enfoque

principal pauta-se no desenvolvimento da cultura, sobretudo no impacto dos

meios de comunicação de massa sobre a formação das identidades culturais.

Hall, analisando as pesquisas desenvolvidas pelo psicanalista Sigmund Freud

e Jacques-Marie Émile Lacan, sobre a estrutura mental do sujeito, comenta

que ―a identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro

de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é ―preenchida‖ à

partir de nosso exterior.‖ (Hall, 2006, p. 39).

Assim, diríamos que as obras de Richter nos afetam por intermédio de

seu efeito de difusão, de desfiguração, contemplando a ideia de esvaziamento

lacania concebida por Hall, cujo fenômeno de esvaziamento configura a falta

inteireza de nossa própria identidade.

Essa pode ser a forma que o artista usa para simbolizar a fragilidade do

sujeito pós-moderno como representante do outro na formação dessa

identidade, no limite, pode figurar a falta de estrutura que vemos na imagem do

outro como constructo de nossa própria identidade.

Transcendendo a ideia estática e óbvia de uma simples fotografia, o

estilo de Richter retira do trivial, do momento da captura da imagem pela

máquina fotográfica, elementos para a construção de uma arte que transforma

155

uma fotografia em uma pintura, que alude a uma imagem fotográfica

desfocada, e não o seu inverso, abrindo possibilidades de interpretações que

vão para muito além da pose ou do ângulo escolhido pelo fotógrafo.

Paradigma esse que Richter confirma na obra de Moorhouse, quando

afirma que tudo é apenas uma impressão: ―a verdade de fato, é sempre a

verdade daquilo que a gente vê e experimente/sente/revela.‖ (RICHTER, 2002,

p. 263).

Ao retomarmos os estudos de Umberto Eco, quando esse utiliza as

idéias de Lacan em detrimento às suposições de Claude Lévi-Strauss,

compreendemos que, a ordem do simbólico, na qual a estrutura do

inconsciente é constituída é, a priori, relativa a própria essência do espírito do

homem, logo, antecede os mitos e a linguagem :

Lévi-Strauss afirmara que ―os mitos significam o espírito‖. Mas eis que Jacques Lacan, saltando por cima de toda pesquisa sobre a linguagem, sobre os mitos e sobre os vários acontecimentos mediante os quais o homem comunica, põe-se a estudar a natureza do próprio espírito, e como psicanalista seu discurso versa, portanto, sobre o inconsciente e sua estrutura. [...] Em Lévi-Strauss ainda se podia pensar na existência de um espírito humano cujas leis se reproduzissem nos comportamentos lingüísticos como nos sociais. Em Lacan, ao contrário, a ordem do simbólico não é constituída pelo homem [ou pelo espírito que constitui o homem], mas constitui o homem. (ECO, 1976, p. 324).

Seguindo a premissa de Lacan de que somos constituídos frente a

imagem do outro, podemos considerar também a relevância de sermos aquilo

que já é instituído na sociedade, dessa forma, tanto nossa concepção

subjetiva, como nossa representação é construída por intermédio de nossa

interação com nossos pais, familiares, amigos, sociedade e tudo aquilo que de

alguma forma, nos remeta ao outro.

Assim, o sujeito histórico-social é também esclarecido por intermédio da

análise de uma sociedade de classes pelo olhar de Ciro Marcondes. Pautado

em Brecht, Marcondes tece suas sua considerações acerca situação do sujeito

na pós-modernidade:

A metáfora agora é a do monstro, que criado pelo homem, o ameaça, e a visão de mundo, a do curto-circuito da representação-expressão, da confusão. Desapercecido o

156

sujeito, é o objeto que marca agora os limites da individualidade e determina suas qualidades; o homem passa a existir pela técnica. Em relação a comunicação, ele entra numa espiral delirante e tautológica, onde o excesso produz exatamente a perda da informação. (MARCONDES F., 1991, p.45).

Marcondes leva a limite a ideia da falta de plenitude da indentidade do

indivíduo de Hall e nos apóia ao interpretarmos as identidades desfiguradas

dos modelos nas obras de Richter como sinônima de uma era em que o

homem, muito antes de se tornar indivíduo, é substituído pelo objeto de sua

própria criação. Acerca das implicações que norteiam a formação da identidade

do ser no mundo hiper-capitalista, sinônimo de pós-modernidade, Marcondes

F. reitera:

O enfraquecimento do ser coloca-se na razão direta da elevação do status do objeto. O momento desacredita os heróis, os líderes; as identidades agora flutuam. As pessoas tornam-se ―perdidas‖; é o domínio das máscaras, da esquizofrenia, da solidão e do desejo de suicídio. Narcisismo, necessidade de provar a própria existência, minimalismo são os novos comportamentos. O outro, deixando de ser nosso espelho, decreta a supressão da relação de troca social, do acesso ao imaginário. (MARCONDES F., 1991, p. 19).

Assim, inferimos que os retratos de Richter contemplam essa descrença

de Marcondes F. em ―heróis‖ e ―líderes‖, todavia, o ―mundo das almas

perdidas‖ de Marcondes F., é uma idéia concebida nas obras de Richter, não

simbolizando a personalidade narcisista do sujeito pós-moderno, que tem a

―necessidade de provar a própria existência‖, mas simbolizando a situação do

ser, que tem a necessidade de proteger a própria vida frente a repressão de

um poder maior.

Ainda subsidiado pelo olhar de Marcondes F., que nesse momento, se

pauta em Martin Heidegger, refletimos acerca das imagens desfiguradas nas

obras de Richter:

É o ápice técnica, da imposição universal e provocação do mundo técnico, a Ge-stell (quadro) que assinala o acaso desse humanismo e o aparecimento do que ele chamava de Ereignis (evento), o enfraquecimento do ser, a circularidade vertiginosa

157

em que o homem e o ser perdem seu caráter metafísico. (HEIDEGGER apud MARCONDES F., 1991, p. 21).

Assim, no aspecto da forma simbólica, estão simbolizados os seres

espectrais nos aspectos fugidios do ―foto-realismo-transcendental‖ de Richter,

no entanto, no que tange sua existência material (a fotografia), o pintor mostra

como o sujeito usa a técnica a seu favor, nela se fortalecendo e não se lhe

submetendo.

Ainda apoiados na reflexão de Marcondes F., entendemos que o sujeito

na pós-modernidade está em uma: ―pulsação incessante pelo devir sem

nenhum investimento substantivo no estar.‖ (Ibidem, p. 22). Concepção essa

que Richter, mesmo a título de proteção, contemplou em sua arte.

Como vimos até agora, o estilo ―foto-realista-transcendental‖ de Richter

não faz qualquer apologia capitalista, seus temas tampouco desprezam a

situação do ser em um mundo, que Ciro Marcondes interpreta da seguinte

maneira:

Valoriza-se a instantaneidade e a descartabilidade, inclusive a de valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, da fixação em coisas, edifícios, lugares, povos, formas autênticas de fazer e de ser, muito embora possa representar o estado do sujeito do presente, tampouco busca fundar uma nova metafísica. (MARCONDES F., 1991, p. 22).

Dessa forma, partindo de uma abordagem pós-moderna, podemos

pressupor que a arte de Gerhard Richter, no que tange sua concepção de

sujeito, está intimamente ligada a sua história de vida e a daqueles que

constituíram seu enredo, enfatizando a importância que o artista dá a

existência do sujeito enquanto ser que se constitui identitáriamente dentro das

relações sociais, mas, que jamais se resigna a condição de objeto.

É sobre esse pano de fundo que interpretamos o ―estado excessivo do

ser‖ nas representações artísticas de Gehard Richter. Sua arte age como

instrumento de transmutação estético-político, moral, sensível e cognitivo, mas

sobretudo, enquanto a Alemanha era o epicentro da incongruência entre

tecnologia/ciência e humanização, ela abre possibilidades de uma antinomia

com estruturas societárias que compromentem o sentido de humanidade.

158

Considerações

No início do projeto pretendíamos discutir as relações da comunicação e

da cultura com a arte, pela perspectiva das teorias estéticas, no tratamento da

crítica de obra de arte, tendo como objeto de análise as obras de Gerhard

Richter. Na trama desse tecido evidenciamos que a estética do pintor, ao

contemplar imagens fotográficas das memórias de guerra em suas obras,

exigia uma reflexão que considerasse os pontos de contato entre os valores

que norteavam o imbricamento da arte com a política e com a sociedade, como

símbolo da comunicação e da cultura alemã, na passagem da modernidade

para a pós-modernidade.

Tanto a reflexão de alemães e de judeus-almães que nos apoiavam,

quanto a própria Alemanha política no século XX, enquanto cenário das obras

de arte Richter, traziam à tona suas questões históricas e culturais.

Assim, durante a trajetória da pesquisa confimamos que, o fato dos

nexos causais e da finalidade que envolve a comunicação, não poder ser

exauridos e nem confirmados pelas teorias, por si só sugeria a natureza

extraordinária do fenômeno da comunicação. Frente a complexidade que o

tema envolve, percebemos que não haveria tempo para nos aprofundar como

pretendíamos no início do trabalho, o que nos ampliou o desejo de continuar a

pesquisa em projetos futuros.

Entre as grandes dificuldades que envolveram o projeto, podemos

ressaltar as implicações em compreender como Walter Benjamin fundou seus

conceitos de arte e estética sobre sua concepção (anti-histórica) da história,

cujos fundamentos envolviam o imbricamento da essência do pensamento do

idealismo alemão, do materialismo histórico e do messianismo-judaico,

considerando o controverso lócus e tempo histórico: Alemanha seu século XX.

Já no início da pequisa percebemos que, ao analisar as obras de

Richter, considerando as teorias a partir de seu conceito de história, isso

implicaria em não receber como subsídios teóricos qualquer conforto metafísico

e nem referência moral. A situação implicava em nos manter a deriva,

desdobrando as teorias, num eterno jogo dialético, perpetuando o antigo

159

enquanto concebíamos o novo.

Além disso, mais difícil do que não fazer parte do momento histórico e

cultural concernente a vida e a produção das obras de Gerhard Richter e dos

pensadores contemplados, ao tentar compreendê-los, era não compreender

nosso próprio momento histórico. Por isso procuramos sempre analisar as

obras de arte de Richter enquanto objeto estético específico, que além de ser

em si mesmo histórico, trata de uma narrativa histórica.

Assim consideramos a análise crítica de suas obras a partir do conceito

de história de Benjamin. Segundo ele não se tratava de resgatar ou recuperar o

passado no presente, mas de aceitar que a existência não oferece nenhuma

segurança, nenhum ressurgir. Caso contrário isso significaria nos apegar ao

vazio, evocando um tempo que não existe mais e que, portanto, não poderia de

qualquer sorte, nos servir de referência. Tampouco se tratava de desejar o

sempre novo, efêmero e fugaz dos típicos clichês da moda, banalizando e

desperdiçando a experiência do presente.

Isso nos levou a compreender o quão atual é o pensamento de Benjamin

no tratamento da obra de arte. Confirmando mais uma vez aquilo que começou

como uma suspeita: Acolher as obras de arte de Richter enquanto objeto único,

só era possível considerando suas tramas históricas, éticas e estéticas, muito

embora soubessemos que, ―sua grande ―verdade‖ se manteria para sempre

secreta nos labirintos de sua subjetividade.

Mesmo diante de tantas dificuldades, tivemos a facilidade de lermos as

entrevistas cedidas por Richter aos críticos de arte alemães, bem como a

análise de suas obras realizada pelos próprios críticos de arte, que constam

apenas na língua alemã. Além disso, nossa vivência na Alemanha nos oferece

a oportunidade de nos aproximar da complexidade que envolve a cultura de

uma civilização com uma história tão complexa e única. Uma sociedade, que

em última instância, destaca os valores da modernidade através da cultura

―erudita‖, do tempo-espaço histórico, das metanarrativas que contemplam a

história da razão, do ―eu‖ idealista investindo moralmente nas grandes causas

humanitárias, da epistemologia, da psicanálise, dos ―Estado-nacionalistas‖

(visões totalitárias de mundo), da memória e da estética de grandes obras de

arte.

Tais perpectivas, que serviram de referência para a construção da

160

identidade do sujeito no período moderno, evidenciaram como os valores da

pós-modernidade, possuem uma natureza mais plural, ou seja, menos idealista

e exclusivista. Isso ressaltou como a metáfora da pós-modernidade é relativa à

uma sociedade de cultura mercadológica de massa, onde se valoriza a

instantaneidade do tempo real (virtual) substituindo o tempo-espaço histórico;

às micronarrativas que comemoram a morte da história da razão; ao ―eu‖

hedonista que sem referências morais investe nas causas do ego, à

mundialização do capitalismo que substitui os ―Estados-nacionalistas‖, em

última análise, à comemoração do efêmero suprindo a memória e a estética da

arte mercadológica, ou seja, à um momento estético em que o ―valor de culto‖

da obra de arte sucumbe ao ―valor de exposição‖.

Acreditamos que nosso projeto contribui para a área da comunicação

exatamente quando as obras de arte de Richter salientam a existência de uma

relação indissociável entre a arte, a cultura com a comunicação. Assim, na

ânsia por interpretar suas obras, vimos o quão estavam latentes em suas

entrelinhas, os valores da modernidade na passagem para a pós-modernidade.

Paradoxalmente, suas obras, produzidas na pós-modernidade, salientaram

como é possível considerar e ao mesmo tempo laborar na diluição dos juízos

de valor estéticos considerados no período moderno. Fenomenologicamente,

suas obras meditam o passado festejando seu fim. Elas enaltecem os últimos

apelos à redenção metafísica, ao conceito iluminista de história e ao fim da

identidade cultural nacionalista.

Acreditamos que Richter, ao comprometer-se a assumir criadoramente o

destino de sua arte, torna-se seu próprio árbitro contribuindo efetivamente para

desconstruir os juízos estéticos que julgam as artes a partir de uma única

referência conceitual e teórica. Ele nos mostrou como a fotografia laborando na

esfera artística, não foi capaz de destituir o status de obra de arte da pintura

pós-moderna, muito pelo contrário, a imagem fotográfica serviu para que ele

inaugurasse uma forma não aurática de gozar dessa condição, fundando uma

nova experiência contemplativa e reflexiva da estética.

Logo, ao transformar a fotografia em obra de arte, o pintor inverte o

prognóstico de sua morte a partir de mecanismos tecnológicos, revelando que

é possível criar, transformando a situação do ser no mundo, sem esbarrar

necessariamente nos domínios dos juízos morais, que reduzem a qualidade da

161

arte a seus meios de produção. Em suma, Richter nos levou a descobrir como

é possível fundar o que podemos chamar de ―obra de arte fotográfica‖ abrindo

novos caminhos para a concepção de obra de arte.

No que tange a contribuição social de nosso projeto, acreditamos que,

por intermédio da arte de Richter tivemos a oportunidade de trazer para o

contexto brasileiro, a cultura, a filosofia, a história e o pensamento alemão.

Enquanto criador, Richter, pendular entre a metanarrativa histórica e o devir do

tempo virtual, materializa em suas obras além de sua subjetividade, o espírito

de seu tempo e de sua cultura, desmistificando os clichês de uma Alemanha

única e escatológicamente nazista.

Assim, esbarrando na esfera do ideal, Richter, entre o passado e o

presente, alcançou a transcendendência e nos humanizou.

Para nós, os códigos relativos às suas obras, se traduzem em suas

desnorteantes e arrebatadoras profusões de cores e formas, que concebendo e

controvertendo o tradicional e o inovador, tensionam o limite entre a vida e a

morte, fundando uma nova dimensão de experiência estética, de maneira a

nada mais ter tanta importância, além daquilo que ali representado nos cala.

162

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170

ANEXOS

A - GLOSSÁRIO GERAL

Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental

Alemanha Ocidental foi o nome com o qual ficou conhecida a República

Federal da Alemanha entre 1949 e 1990. O Estado foi constituído a partir de

três das Zonas de ocupação aliada da Alemanha, na sequência da Segunda

Guerra Mundial. A outra zona de ocupação, soviética, constituiu um estado à

parte conhecido como Alemanha Oriental. A Alemanha Ocidental também era

freqüentemente referida pela sigla RFA em oposição a RDA, a Alemanha

Oriental. A Alemanha Oriental, oficialmente República Democrática Alemã

(RDA), em alemão (Deutsche Demokratische Republik - DDR) foi um Estado

criado em 1949 no território da Zona de ocupação soviética, uma das Zonas

ocupadas pelos Aliados na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, quando

o território alemão foi repartido entre os Estados Unidos, o Reino Unido, a

França e a União Soviética. Enquanto a zona soviética deu origem à RDA, a

junção das outras três deu origem à República Federal da Alemanha (RFA), ou

Alemanha Ocidental. (BBC Report).

Arte

(gr. xé%vr|; lat. Ars; in. Art; fr. Art; al. Kunst; it. Arte). Em seu significado mais

geral, todo conjunto de regras capazes de dirigir uma atividade humana

qualquer. Era nesse sentido que Platão falava da A. e, por isso, não

estabeleceu distinção entre A. e ciência. A., para Platão, é a arte do raciocínio

(Fed., 90 b), como a própria filosofia no seu grau mais alto, isto é, a dialética

(Fed., 266 d); A. é a poesia, embora lhe seja indispensável a inspiração

delirante (ibid., 245 a); A. é a política e a guerra (Prol, 322 a); A. é a medicina e

A. é respeito e justiça, sem os quais os homens não podem viver juntos nas

cidades (Ibid., 322 c, d). [...] Kant resumiu as características tradicionais desse

conceito ao fazer a distinção entre A. e natureza, de um lado, e entre A. e

171

ciência, do outro; e distinguiu, na própria A., a A. mecânica e a A. estética.

Sobre esse último ponto, diz: "Quando, conformando-se ao conhecimento de

um objeto possível, a A. cumpre somente as operações necessárias para

realizá-lo, diz-se que ela é A. mecânica; se, porém, tem por fim imediato o

sentimento do prazer, é A. estética. Esta é A. aprazível ou bela A. É aprazível

quando sua finalidade é fazer que o prazer acompanhe as representações

enquanto simples sensações; é bela quando o seu fim é conjugar o prazer às

representações como formas de conhecimento" (Crít. do Juízo, § 44).

(ABBAGNANO, 2000, p. 81).

Arte Abstrata ou Abstracionismo

Em sentido amplo, abstracionismo refere-se às formas de arte não regidas pela

figuração e pela imitação do mundo. Em acepção específica, o termo liga-se

às vanguardas européias das décadas de 1910 e 1920, que recusam a

representação ilusionista da natureza. A decomposição da figura, a

simplificação da forma, os novos usos da cor, o descarte da perspectiva e das

técnicas de modelagem e a rejeição dos jogos convencionais de sombra e luz,

aparecem como traços recorrentes das diferentes orientações abrigadas sob

esse rótulo. Inúmeros movimentos e artistas aderem à abstração, que se torna,

a partir da década de 1930, um dos eixos centrais da produção artística no

século XX. [...] Inclui duas vertentes: 1. Expressionismo e o Fauvismo. 2.

abstração geométrica. Entre outros estão suprematismo, O Tachismo europeu,

Construtivismo, o Neoplasticismo, Expressionismo Abstrato e o Minimalismo.

(ENCICLOPEDIA ITAU CULTURAL).

Arte Clássica ou Classicismo

O termo, correlato a clássico, é empregado na história e na crítica da arte com

sentidos diversos. Em acepção mais estrita, referida ao contexto da arte grega,

"clássico" designa a produção específica da fase entre os anos 510 a.C. e 460

a.C., considerada o auge da produção artística grega (Mirón, Policleto, Fídias e

Praxíteles estão entre os maiores escultores do período). Mais freqüentemente,

"classicismo" é pensado por oposição a romantismo. Se o termo "clássico"

remete à ordem, ao equilíbrio e à objetividade, a designação "romântico" apela

às paixões, às desmedidas e ao subjetivismo. O belo clássico define-se na arte

172

grega, com base em um ideal de perfeição, harmonia, equilíbrio e graça que os

artistas procuram representar pela simetria e proporção (Praxíteles, Hermes

com o Jovem Dionisio, 350 a.C.). As formas humanas apresentam-se como se

fossem reais e, ao mesmo tempo, exemplares aperfeiçoados (Vênus de Milo,

século I a.C.) [...] Tanto o clássico quanto o romântico são teorizados entre a

metade do século XVIII e meados do século XIX. [...] Os termos clássico e

classicismo podem ser empregados com base em uma mescla de juízos de

valor - como se a arte greco-romana estabelecesse um padrão para toda a arte

produzida posteriormente - e periodização histórica. [...] é possível utilizar a

noção de "clássico" e também "romântico", como fazem alguns críticos, como

orientações mais gerais, descoladas de localizações cronológicas marcadas, o

que levaria a distinguir tendências "clássicas" ou "românticas" em diferentes

épocas. A oposição clássico/romântico permitiria explicar, no limite, o

desenvolvimento das artes e da cultura na Europa e Estados Unidos nos

séculos XIX e XX. Em sentido mais corrente, próximo ao senso comum, é

possível ainda utilizar o termo como referência à clareza de expressão ou como

índice de conservadorismo. (ENCICLOPEDIA ITAU CULTURAL).

Arte como Inconsciente

A arte moderna foi profundamente influenciada pelos fundamentos teóricos da

psicanálise freudiana e pela psicologia analítica de Carl Jung. Tanto assim que

André Breton, ao lançar o Primeiro Manifesto Surrealista, em 1924, afirmava

que aquele movimento artístico era regido pelo ‗puro automatismo físico que

expressa verbalmente, por escrito ou por outras vias, o verdadeiro processo do

pensamento, sem o controle exigido pela razão. (FILHO, João Dummar).

Arte Conceitual

Para a arte conceitual, vanguarda surgida na Europa e nos Estados Unidos no

fim da década de 1960 e meados dos anos 1970, o conceito ou a atitude

mental tem prioridade em relação à aparência da obra. O termo arte conceitual

é usado pela primeira vez num texto de Henry Flynt, em 1961, entre as

atividades do Grupo Fluxus. Nesse texto, o artista defende que os conceitos

173

são a matéria da arte e por isso ela estaria vinculada à linguagem. O mais

importante para a arte conceitual são as idéias, a execução da obra fica em

segundo plano e tem pouca relevância. Além disso, caso o projeto venha a ser

realizado, não há exigência de que a obra seja construída pelas mãos do

artista. Ele pode muitas vezes delegar o trabalho físico a uma pessoa que

tenha habilidade técnica específica. O que importa é a invenção da obra, o

conceito, que é elaborado antes de sua materialização. Embora os artistas

conceituais critiquem a reivindicação moderna de autonomia da obra de arte, e

alguns pretendam até romper com princípios do modernismo, há algumas

premissas históricas que podem ser encontradas em experiências realizadas

no início do século XX. Os ready-mades de Marcel Duchamp, cuja qualidade

artística é conferida pelo contexto em que são expostos, seriam um

antecedente importante para a reelaboração da crítica dos conceituais.

(ENCICLOPEDIA ITAU CULTURAL).

Arte Informal

A palavra francesa ‗informel‘ significa ‗sem forma‘ mais do que ‗informal‘. Nos

anos 1950, os artistas da ‗Art Informel‘ buscavam uma nova maneira de criar

imagens, sem adotar as formas reconhecíveis utilizadas por seus antecessores

(Cubismo e Expressionismo). Seu objetivo era abandonar as formas

geométricas e figurativas e descobrir uma nova linguagem artística. As obras

dos artistas da ‗Art Informel‘ são muito variadas, mas eles utilizam com

frequência pinceladas soltas e camadas espessas de tinta. Tal como o

Expressionismo Abstrato, que se desenvolveu na mesma época nos Estados

Unidos, ‗Art Informel‘ é um rótulo muito amplo, que inclui pintores figurativos

(Jean Fautrier) e não-figurativos (Hans Hartung). Embora centrada

principalmente em Paris, sua influência alcançou outras partes da Europa,

principalmente Espanha, Itália e Alemanha." (Chilvers). Artistas: Burri, Dubuffet,

Fautrier, Hartung, Riopelle, Soulages, De Stael, Tàpies. (DICIONÁRIO OBOÉ

DE ARTES).

174

Arte Moderna e Contemporânea

Embora surgida no Ocidente no final do século XIX, a chamada arte moderna

tem seu início marcado em 1905, com a apresentação dos fauvistas no Salão

de Outono, em Paris, ou na década de 1910, quando apareceram

simultaneamente movimentos rompendo os cânones da arte acadêmica

(Costa, Cacilda Teixeira. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 set. 2004, Sinapse,

n. 27, p. 4). Esses movimentos, conhecidos como vanguardas (termo de

origem militar), significavam o avanço de pequenos grupos de atores culturais

sobre a grande massa da população e engendraram revoluções permanentes

até aproximadamente a Segunda Guerra Mundial. Foram os chamados

"ismos": fauvismo, cubismo, futurismo, expressionismo, construtivismo,

suprematismo, neoplasticismo, sadaísmo, surrealismo, etc. A partir dos anos

1960 e 1970, com o movimento pós-moderno, temos a arte contemporânea ou

atual. Utilizando todo o repertório iconográfico da história da arte, o movimento

pós-moderno iniciou-se na arquitetura e rapidamente se espalhou para os

outros campos artísticos. O processo de desmanche da figura iniciou-se com

Pablo Picasso e Georges Braque com a criação do "cubismo" por volta de

1907. Em 1910, o russo Wassily Kandinsky pintou as primeiras aquarelas com

signos e elementos gráficos de forma a apenas sugerir modelos figurativos.

Movimento dominante na década de 1950, a "abstração", uma representação

não-figurativa (não apresenta figuras reconhecíveis de imediato), tornou-se

uma das questões essenciais da arte no século XX. A "arte concreta",

expressão cunhada pelo holandês Theo van Doesburg em 1918, representa a

pintura feita com linha e ângulos retos, usando as três cores primárias

(vermelho, amarelo e azul), além de três não-cores (preto, branco e cinza). [...]

A "arte conceitual", nascida no final dos anos 1960, rejeita todos os códigos

anteriores e trabalha os estratos mais profundos do conhecimento, até então

apenas acessíveis ao pensamento. Um dos artistas brasileiros mais ligados ao

conceitual é Cildo Meireles. Os "ready-mades" são obras com a utilização de

objetos prontos e se tornaram clássicos na arte contemporânea. A presença do

objeto na arte começa em "assemblages" cubistas de Picasso, nas invenções

de Marcel Duchamp e nos "objets trouvés" (objetos encontrados) dos

surrealistas. Em 1913, Duchamp instalou uma roda de bicicleta sobre uma

banqueta de cozinha ("Roda de bicicleta‘) e abriu o caminho para o

175

desenvolvimento dos "ready-mades". No Brasil, as experiências começaram a

ser realizadas nos anos 1960 com os neoconcretos e neofigurativos. As

"instalações" caracterizam-se por tensões entre as suas diversas peças e,

também, pela relação entre essas peças e as características do lugar no qual

estão. Uma única instalação pode incluir "performance", objeto e vídeo,

estabelecendo uma interação entre eles. O "happening", surgido em Nova

Iorque na década de 1960, quando os artistas tentavam romper as fronteiras

entre a arte e a vida, tem sua criação atribuída a Allan Kaprow. Ele realizou a

maioria de suas ações procurando (a partir de uma combinação entre

"assemblages", ambientes e a introdução de outros elementos inesperados)

criar impacto e levar as pessoas a tomar consciência de seu espaço, de seu

corpo e de sua realidade. Os primeiros "happening" brasileiros foram realizados

por artistas ligados ao "pop art", como Wesley Duke Lee, autor de "O grande

espetáculo das artes", em 1963. A "performance" nasceu na década de 1970

da integração entre o "happening" e a "arte conceitual". Pode-se realizar uma

"performance" com gestos intimistas ou numa grande apresentação de cunho

teatral. Sua duração pode variar de alguns minutos a várias horas, acontecer

apenas uma vez ou repetir-se em inúmeras ocasiões, realizando-se com ou

sem um roteiro, improvisada na hora ou ensaiada durante meses. [...] O artista

multimídia experimenta vários meios e trabalha com a hibridização desses

meios ou novas mídias (computador, sensores e outras "interfaces" ou

tecnologias). A palavra híbrido é uma palavra adequada à contemporaneidade,

na qual artistas plásticos ou artistas visuais trabalham com o corpo, com o som,

com movimentos, com fluxos, com performances ... Os meios transformam

nossa relação com o mundo. O artista tenta mostrar esse processo por um

novo ângulo e usa sua sensibilidade para apresentar um outro olhar sobre a

relação entre o homem e os meios, comenta Gilberto Prado, artista multimídia,

professor do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicação e

Arte da USP- ECA-USP (Diário do Nordeste, Fortaleza, 04.out.2004, Caderno

3, p. 6). [...] O problema da significação da obra de arte se colocou desde o

cubismo, momento no qual a pintura deixou de representar objetos

reconhecíveis (Gullar, Ferreira. "Morte cultural da arte" in "Cultura posta em

questão & Vanguarda e subdesenvolvimento". Rio de Janeiro: José Olympio,

2002, p. 66). [...] Do cubismo aos nossos dias, a evolução da arte

176

contemporânea tem sido uma sucessão de "movimentos". Após estontearem

os críticos e serem por eles admitidos, são, em seguida, substituídos por outros

movimentos e igualmente estonteiam, escandalizam e se consagram, observa

Gullar (idem). Em nome de uma representação mais imediata da natureza, o

impressionismo destruiu a perspectiva e a unidade interna dos objetos,

pulverizando-os num especto efêmero de luminosidade decomposta. Em nome

da reconstrução do objeto como estrutura, o cubismo terminou por decompor a

percepção em "etapas" (os vários lados do objeto) e os planos passaram a ser

arbitrariamente recompostos na superfície do quadro. O neoplasticismo

compreendeu nada mais restar da velha pintura e buscou fundar uma "nova

plástica", na qual a figura do objeto se reduziu a simples ritmos ortogonais

(vertical e horizontal) expressos através das cores primárias (vermelho,

amarelo, azul e preto). O neoplasticismo não aconteceu e do cubismo partiu-se

para outras experiências opostas ao neoplasticismo, buscando não a

impessoalidade e a ordem abstrata, mas as alucinações e os símbolos do

mundo inconsciente (dadaísmo, surrealismo e tachismo). Indissociável da arte

produzida no Brasil até hoje, o construtivismo, aqui adotado com entusiasmo

muito grande, tem numerosos e importantes artistas nacionais e chega-se até

esquecer dos estrangeiros. Lygia Clark, Lígia e Pape, Antônio Maluf, Hélio

Oiticica, Abraham Palatnik, Luiz Sacilotto, Ivan Serpa e Geraldo de Barros são

artistas nacionais dedicados ao desenvolvimento do construtivismo (e suas

manifestações, o concretismo e o neoconcretismo), destaca Celso Fioravante,

crítico de arte, curador da mostra "Construtivos e cinéticos", realizada em São

Paulo, aberta em 06.out.2004. Na arte construtiva, o artista faz uso consciente

das formas geométricas. Na arte cinética, o movimento é parte da estrutura da

obra de arte, em vez de ser apenas representado por ela (Folha de S. Paulo,

São Paulo, 06 out. 2004, p. E2). [...] O surrealismo é provavelmente o mais

incompreendido dos movimentos do século XX, praticamente sem seguidores

no Brasil. Trabalhos do surrealismo mudaram completamente a maneira de

encarar-se o fazer artístico e abriram caminhos para transformações. Até hoje

artistas se inspiram nessas transformações, numa influência direta do

surrealismo sobre a arte contemporânea. Um dos principais idealizadores do

surrealismo foi André Breton. Mas fazem parte do movimento, dentre outros:

Francis Picabia, Jean Arp, Max Ernst, Joan Miró, Wifredo Lam, Yvez Tangui.

177

Os seguidores do surrealismo pregam as idéias de liberação do inconsciente,

além de imensa liberdade. Marcel Duchamp também é destaque numa

exposição surrealista. Ele revolucionou a forma de fazer arte com a introdução

de objetos ("ready-mades"), ou seja, peças deslocadas de seus funções

originais para compor obras de arte. Antes do surrealismo, alguns artistas já

haviam percebido a importância do sonho, do bizarro e do inconsciente na arte,

dentre eles: Lewis Carrol, Francisco Goya, William Blake, Alberto Dürer e Paulo

Gauguin. Uma coleção ou uma mostra multifacetada é composta por colagens,

fotos, desenhos, gravuras, esculturas, além de várias publicações (Bittencourt,

Elaine. "Os surrealistas e seus enigmas". Gazeta Mercantil, São Paulo, 08 out.

2004, Fim de Semana, p. 8). [...] A arte contemporânea, apresentada em

salões e vários museus pelo mundo, não requer conhecimentos de equilíbrio,

ritmo e da composição. Em outras palavras, com ela ficou fácil ser mau artista,

avalia Carlos Perktold, membro da Associação Brasileira de Críticos de Arte –

ABCA (Revista da Academia Mineira de Letras – volume XXXIII, Belo

Horizonte: Academia Brasileira de Letras, 2004, p. 141). [...] O mundo mudou

muito nos últimos 40 anos e, com ele, mudou a arte, observa Rafael Cardoso

(Bravo, São Paulo: Abril, set.2004, p. 38). Boa parte da produção artística atual

privilegia o processo, a experimentação, o conceito, muitas vezes a despeito da

preocupação tradicional com forma e aparência. A arte nem sempre precisa ser

entendida de maneira racional, porém precisa impactar os sentidos, de modo a

atingir a emoção. A arte pode divertir, instigar, chocar, perturbar. Só não pode

entediar, pois assim abre mão da possibilidade de transformar o espectador,

sua meta maior. [...] Certas pessoas admitem estar fazendo "não-arte", sem

enfoque artístico e estético, produto fora da "arte", mas querem ocupar o

espaço do museu e da galeria e querem ser verbetes nos livros de "história da

arte". A crítica de arte praticamente desapareceu. Nos anos 50 e 60, os jornais

contavam com uma equipe de críticos. Hoje prevalece a reportagem e não a

crítica. Reforça-se a cultura da superficialidade, do espetáculo, da falta de

construção do raciocínio. Isso se dá também com a literatura e outros gêneros.

(DICIONÁRIO OBOÉ DE ARTES).

Arte "Pop"

178

Corrente surgida nos Estados Unidos na década de 1960 e caracterizada pela

busca de uma expressão crítica da moderna civilização urbana e industrial.

Utiliza objetos do cotidiano, desde o jornal até a sucata de ferro, para obter

obras representativas da chamada "sociedade de consumo". "A arte ‗pop‘

elevou a ícones os mais crassos objetos de consumo, como hambúrgueres,

louça sanitária, cortadores de grama, estojos de batom, pilhas de espaguete e

celebridades como Elvis Presley. Em 1962, os artistas ‗pop‘ despontavam no

superestrelato como cometas nos quadrinhos de super-heróis. Era fácil gostar

do ‗pop‘. As cores brilhantes, os desenhos dinâmicos, às vezes ampliados em

tamanho heróico, e a qualidade mecânica lhe davam uma lustrosa

familiaridade. Da noite para o dia, o ‗pop‘ se tornou um fenômeno de

‗marketing‘ tanto quanto um novo movimento artístico." (Strickland). No final de

2001, a gravura "Little Eletric Chair", de Andy Warhol, falecido em 1987, atingiu

em leilão o preço recorde para o artista de US$ 2,3 milhões. Uma obra da

mesma série podia ser comprada por US$ 1.500,00 nos anos 1960. Georg Frei,

crítico de arte, analisa: "Warhol é o primeiro artista americano que faz

referências totais à cultura americana. Ele também deve estar entre os

primeiros a reconhecer a onipotência da mídia e, acima de tudo, a explorar o

potencial pictórico da televisão em sua arte. O início de seus trabalhos em série

é provavelmente o fenômeno mais impressionante de sua obra. Isso pode ser

visto em suas primeiras obras, as sopas Cambell de 62, ou nas últimas, de 87,

releituras sem fim do famoso afresco que Da Vinci fez da ‗Última Ceia‘. Hoje a

estética de Warhol reverbera nas contínuas repetições que marcam os vídeos

musicais e na infindável abundância de imagens na internet.‖ Warhol é o autor

da máxima segundo a qual no futuro todos teriam 15 minutos de fama. Artistas:

Blake, Dine, Hamilton, Hockney, Johns, Jones, Kitaj, Lichtenstein, Oldenburg,

Rauschenberg, Rosenquist, Segall, Thiebaud, Warhol, Wesselmann.

(DICIONÁRIO OBOÉ DE ARTES).

Arte Popular

A divisão entre arte erudita e arte popular data do Renascimento, quando foi

criada a denominação belas-artes em contraponto à artesania. Para Mário

Pedrosa, crítico, tratava-se de uma diferença ideológica da época moderna,

179

que conferia valor positivo para a arte culta, patrocinada pela burguesia, e valor

negativo para a arte de origem camponesa ou proletária. (DICIONÁRIO OBOÉ

DE ARTES).

Axiologia

(in. Axiology, fr. Axiologie, al. Axiologie, it. Axiologid). A "teoria dos valores" já

fora, há alguns decênios, reconhecida como parte importante da filosofia ou

mesmo como a totalidade da filosofia pela chamada "filosofia dos valores" e por

tendências congêneres (v. VALOR) quando, no início de nosso século, a

expressão "axiologia" começou a ser empregada em seu lugar. Os primeiros

textos em que esse termo aparece são: P. LAPIE, Logique de Ia volonté, 1902,

p. 385; E. VON HARTMANN, Grundriss der Axiologie, 1908; W. M. URBAN,

Valuation, 1909. Esse termo teve grande aceitação, ao contrário da etimologia,

proposto para a mesma ciência (KREIBIG, Psychologische Grundlegungeines

Systems der Werttheorie, 1902, p. 194). (ABBAGNANO, 2000, p. 101).

Catarse Do grego Κάθαρζις, "kátharsis". Libertação do que é estranho à essência ou à

natureza de uma coisa e que, por isso, a perturba ou corrompe. Esse termo, de

origem médica, significa "purgação". Platão define a C. como "a discriminação

que conserva o melhor e rejeita o pior" (Sof, 226 d). E lembra a existência de

livros de Museu e Orfeu, segundo os quais "os adeptos celebram sacrifícios

persuadindo cidadãos e cidades inteiras de que existem absolvições e

purificações dos atos injustos, por meio de sacrifícios e jogos aprazíveis, tanto

para os vivos como para os mortos". [...] Das muitas interpretações sobre a C.

estética, prevalece a de Goethe (Nachlese zu Aristot. Poetik, 1826), para quem

ela consistiria no equilíbrio das emoções que a arte trágica induz no

espectador, depois de ter suscitado nele essas mesmas emoções, e portanto,

na sensação de serenidade e pacificação que ela proporciona. Se bem que

haja algo de semelhante em Aristóteles, é preciso observar que, para ele, o

significado da C. estética não é diferente do da C. médica ou moral: uma

espécie de tratamento das afecções (físicas ou espirituais) que não as anula

180

mas as reduz a dimensões em que são compatíveis com a razão. Na cultura

moderna, o termo C. foi usado quase exclusivamente como referência à função

libertadora da arte. Freud às vezes chamou de C. o processo de sublimação da

libido, pelo qual a libido se separa do seu conteúdo primitivo, ou seja, da

sensação voluptuosa e dos objetos a ela ligados, para concentrar-se em outros

objetos que serão amados por si mesmos. Segundo Freud, a esse processo de

C. ("sublimação") são devidos todos os progressos da vida social, a arte, a

ciência e a civilização em geral, pelo menos na medida em que dependem de

fatores psíquicos. (ABBAGNANO, 2000, p. 120).

Clássico

(lat. Classicus; in. Classiq; fr. Classique; al. Klassische, it. Clássico). No latim

tardio, esse adjetivo designava o que é excelente em sua classe ou o que

pertence a uma classe excelente (especialmente à classe militar). Aulo Gélio

(Noct. At., XIX, 8,15) contrapunha o escritor C. ao escritor "proletário" (pro-

letarius). [...] Mas a difusão dessa palavra para designar um modo ou estilo

excelente e próprio dos antigos, na arte e na vida, é devida ao Romantismo,

que gostava de definir-se e entender-se sempre em relação ao "classicismo".

Segundo Hegel, o caráter clássico é definido como a união total do conteúdo

ideal com a forma sensível. O ideal da arte encontra na arte C. a sua realização

perfeita: a forma sensível foi transfigurada, subtraída à finitude, e inteiramente

conformada à infinitude do Conceito, isto é, do Espírito Autoconsciente. E isso

acontece porque, na arte C, a Idéia infinita encontrou a forma ideal em que

exprimir-se, isto é, a figura humana. Todavia, o defeito da arte C. é o de ser

arte, arte na sua completitude, mas nada mais. Em face dela, a arte romântico-

cristã está em nível superior, pois nela a unidade da natureza divina com a

natureza humana (isto é, do infinito e do finito) torna-se autoconsciente e, por

isso, não se exprime mais de forma externa, mas sua expressão é interiorizada

e espiritualizada. Na arte romântica, a beleza já não é física e exterior, mas

puramente espiritual, porque é a beleza da interioridade como tal, da

subjetividade inifinita em si mesma (Vorlesungen über die Àsthetik, ed.

Glockner, II, pp. 109 ss.). Dessas idéias de Hegel, repetidas de forma pouco

diferente por numerosos escritores do período romântico, nasceu o ideal

181

convencional do classicismo como medida, equilíbrio, serenidade e harmonia,

contra o qual a distinção de Nietzsche entre espírito apolíneo e espírito

dionisíaco (v. APOLÍNEO) representou a primeira reação. Cf. os artigos de

Tatarkiewicz e outros na Revue Internationale de Philosophie, 1958, 1 (n. 43).

(ABBAGNANO, 2000, p.147).

Comunicação

(in. Communication; fr. Communication; al. Kommunikation; it. Co-

municazioné). Filósofos e sociólogos utilizam hoje esse termo para designar o

caráter específico das relações humanas que são ou podem ser relações de

participação recíproca ou de compreensão. Portanto, esse termo vem a ser

sinônimo de "coexistência" ou de "vida com os outros" e indica o conjunto dos

modos específicos que a coexistência humana pode assumir, contanto que se

trate de modos "humanos", isto é, nos quais reste certa possibilidade de

participação e de compreensão. Nesse sentido, a C. nada tem em comum com

a coordenação e com a unidade. (ABBAGNANO, 2000, p. 161).

Cultura

(in. Culture; fr. Culture; al. Kul-tur; it. Cultura). Esse termo tem dois significados

básicos. No primeiro é mais antigo, significa a formação do homem, sua

melhoria e seu refinamento. F. Bacon considerava a C. Nesse sentido como "a

geórgica do espírito" (De augm. scient., VII, 1), esclarecendo assim a origem

metafórica desse termo. No segundo significado, indica o produto dessa

formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados,

civilizados, polidos, que tam-; bém costumam ser indicados pelo nome de

civilização (v.). A passagem do primeiro para o segundo significado ocorreu no

séc. XVIII por obra da filosofia iluminista, o que se nota bem neste trecho de

Kant: "Num ser racional, cultura é a capacidade de escolher seus fins em geral

(e portanto de ser livre). Por isso, só a C. pode ser o fim último que a natureza

tem condições de apresentar ao gênero humano" (Crít. do Juízo, § 83). Como

"fim", a C. é produto (mais que produzir-se) da "geórgica da alma". No mesmo

sentido, Hegel dizia: "Um povo faz progressos em si, tem seu desenvolvimento

e seu crepúsculo. O que se encontra aqui, sobretudo, é a categoria da C, de

sua exageraçâo e de sua degeneração: para um povo, esta última é produto ou

182

fonte de ruína" (Phil. der Ges-chicbte, ed. Lasson, p. 43). (ABBAGNANO, 2000,

p. 225).

Devir ou Vir-a-ser

(gr. TíyveoGat; lat. Fieri; in. Becoming; fr. Devenir; al. Werdent; it. Diveniré).

1. O mesmo que mudança.

2. Uma forma particular de mudança, a mudança absoluta ou substancial que

vai do nada ao ser ou do ser ao nada. Esse é o conceito de Aristóteles e Hegel.

Aristóteles afirmava: "Diz-se D. em muitos sentidos: ao lado daquilo que vem a

ser absolutamente (ÔOTÀWÇ), há aquilo que vem a ser isto ou aquilo. O D.

absoluto é só das substâncias: as outras coisas que vêm a ser precisam

necessariamente de um sujeito, já que a quantidade, a qualidade, a relação, o

tempo e o lugar vêm a ser só em referência a certo sujeito; e enquanto a

substância não pode ser atribuída como predicado a nenhuma outra coisa,

todas as outras coisas podem ser atribuídas como predicado a uma

substância" (Fts., I, 7, 190 a 30). Heráclito fez do próprio devir o princípio da

realidade. Note-se, contudo, que o devir, em Heráclito, embora seja puro fluir,

está submetido a uma lei: a lei da medida, que regula o incessante iluminar-se

e extinguir-se dos mundos. Parmênides e os Eleatas adotaram, a esse

respeito, uma posição oposta à de Heráclito. Dado que a razão não apreende o

devir, declaram que a realidade que devém é pura aparência; o ser verdadeiro

é imóvel: perante o ―tudo flui‖ de Heráclito, proclamaram o ―tudo permanece‖.

(MORA, 2004, p.70).

1. A mudança considerada em si mesma, como processo e passagem de um

estado a outro. Nesse sentido está em oposição aos estados estáticos e per-

feitos que servem como ponto de referência. 2. Uma série de mudanças de

modos de Ser. Nesse sentido está em oposição ao Ser enquanto imutável.

(LALANDE 1999, p. 253). 3. Uma forma especial de mudança, que vai do Nada

ao Ser ou do Ser ao Nada. Nesse sentido se opõe ao Ser enquanto imutável,

mas não o nega, aliás, o confirma. (ABBAGNANO 1998, p. 268).

Significando tanto processo do Ser (sentido 2 e 3) quanto o Ser enquanto

processo (sentido 1), o Devir se contrapõe à noção do Ser imóvel e estabelece

o conceito de mudança como constituinte do real. É o acontecer, o ir sendo,

mover-se, transformar-se, o passar. É preciso, no entanto, abordar a questão

183

da mudança e do sentido desta mudança. Considerar o Devir de forma

teleológica é considerá-lo um processo finalístico (sentido 3), enquanto que é

possível, tanto quanto necessário, considerá-lo também estado de contínua e

simples transformação: indistinção, caos... (sentido 2). Toda a filosofia se viu

embrenhada no problema do Devir. Inapreensível pela racionalidade pelo

simples fato de não ter uma razão suficiente ou necessária detectável, o Devir

foi e é um problema recorrente até os dias atuais. Poderíamos dizer que a

Filosofia nasce perante a problematização do Devir como realidade sensível,

assim como se desenvolve na problematização do homem diante dessa

percepção. A questão do Devir está para além da questão do fundamento; do

que é primário e persiste contra o que é transitório e derivado. A questão do

Devir está no que se constitui a percepção da mudança: se ela é constituinte

do fundamento ou se é derivada dele e, portanto, transitória.

Análise crítica: A busca do quid, o fundamento pelo qual todas as coisas

derivam, empreendido pelos filósofos chamados naturalistas (ou pré-socráticos,

da physis) foi uma forma de definir o estatuto do Devir dentro da realidade,

levado às vias de fato por Parmênides e Heráclito em posições (ao menos

nesse quesito) contrárias. Mas nem sempre o Devir foi um problema. Até ao

advento da Filosofia na Grécia Antiga, a própria Grécia, as civilizações antigas

antes dela e contemporâneas a ela (assírios, babilônios, chineses, indianos

egípcios, persas e hebreus) obtinham seu conhecimento a partir da Técnica.

Ou seja, empreenderam uma dialética entre suas necessidades e a

possibilidade via tentativa e erro, incorporando culturalmente o que gerava

resultado. Para preservar o resultado criavam narrativas míticas que os fixavam

culturalmente. Na Grécia do sec. VI a.C. nasce a problematização e com isso a

Teoria: um pensar e uma nova mentalidade que se antecipa e conjectura a

aplicabilidade das diversas técnicas em outras áreas do conhecimento, bem

como a formulação de princípios gerais que norteiem as técnicas a partir da

teoria. Inaugura-se na Grécia, nesse período, um novo tipo de conhecimento,

chamado comumente de filosófico-científico. (MARCONDES 2006, p. 19)

Há de se destacar, porém, que não há uma ruptura demarcada e estrita entre o

que chamamos de pensamento mítico e pensamento filosófico. Há nos seus

extremos. A passagem de um para o outro é tênue, sem rompimentos, embora

possamos pincelar em cada fase os fatores que os fazem se distanciar.

184

Nesse aspecto é possível delimitar o pensamento mítico a partir de uma

explicação racional humana buscada dentro da sua relação de necessidade

com o meio. Em todas as culturas o homem identifica um estado inicial

indistinto (o Caos para uns ou a Unidade para outros) e, a partir desse estado,

tem-se a percepção da multiplicidade que caminha para a Ordem; ou mesmo a

―cosmização‖ (que é uma ordem com sentido) desse estado inicial indistinto

para uma inteligibilidade. As narrativas míticas homéricas e, principalmente, as

hesiódicas organizam com sentido (portanto racionalmente) as diversas

narrativas esparsas que, historicamente, compuseram a identidade do povo

grego. O seu aspecto pedagógico incorpora o campo semântico identitário,

mas é possível abstrair dele toda uma racionalidade na forma de composição.

(MIRANDA, Gilberto Jr.).

Estilo

(in. Style; fr. Style; al. Stil; it. Stilé). Conjunto de características que distinguem

determinada forma de expressão. Em sua origem, no séc. XVIII, a noção de

estilo foi expressa pelo lema francês le style c'est homme même e considerada

a manifestação na forma expressiva das características do sujeito em sua

relação com o material empregado. Hegel considerou demasiado restrita essa

concepção e incluiu no E. também as determinações que as condições da arte

em questão produzem na forma expressiva; nesse sentido, pode-se distinguir,

p. ex., na música o E. gregoriano do E. operístico; na pintura, o E. histórico do

E. genérico, etc. (Vorlesungen über die Àsthe-tik, ed. Glockner, I, pp. 394-95).

Neste sentido, o E. não seria o homem, mas a própria coisa. Em todo caso,

porém, o E. seria uma certa uniformidade de caracteres, encontrável em

determinado domínio do mundo expressivo. (ABBAGNANO, 2000, p. 375).

Estética Totalitária

É um tipo de manifestação estética típica dos regimes totalitários e seus

fenômenos do século XX, como o Nazismo, o Fascismo, o Stalinismo, o

Maoísmo e até o Salazarismo. A arte totalitária é um tipo incontestável de

cultura de massa que utiliza de forma peculiar a indústria cultural sob o controle

rígido do Estado (e políticas estatais para a produção cultural). Essa estética,

assim, é geralmente considerada típica da Arte e design de Propaganda, bem

185

como resultante dela, eventualmente aliada ao uso da Violência do Estado.

Desta forma, pensadores mais atuais, como Noam Chomsky apontam para a

existência de uma outra forma de estética totalitária, sustentada basicamente

pela propaganda e reinante no âmbito das democracias ocidentais.

(WIKCIONARIO).

Expressionismo

Entende a arte como expressão do mundo interior do artista e admite, para

tanto, a deformação ou a alteração das cores e formas dos objetos

representados. Em sentido amplo, o termo aplica-se à obra de arte na qual

predominem aspectos subjetivos. "Na Alemanha, um grupo conhecido como

‗expressionistas‘ achava que a arte devia expressar os sentimentos do artista e

não as imagens do mundo real. De 1905 a 1930, as formas distorcidas,

exageradas, as cores destinadas a causar impacto emocional dominaram a

arte alemã. A tendência subjetiva em que se fundamenta muito da arte do

século XX começou com van Gogh, Gauguin e Munch no fim do século XIX e

continuou com o pintor belga James Ensor (1860-1949) e com os austríacos

Gustave Klimt (1862-1918), Egon Schiele (1890-1918) e Oskar Kokoschka

(1886-1980). Mas foi na Alemanha, com dois grupos chamados ‗Die Brucke‘ e

‗Der Blaue‘, que o Expressionismo atingiu a maturidade." (Strickland). [...] "O

Expressionismo é uma oposição ao realismo que caracterizava o

Impressionismo. O Expressionismo se preocupa menos com a reprodução do

mundo exterior, de suas formas e harmonias, e mais com a transferência para

a obra de arte do impacto emocional, dos sentimentos e das vivências

interiores do artista." (Marcondes). O termo fundiu-se à linguagem comum e,

atualmente, qualquer artista pode ser considerado "expressionista", caso

distorça exageradamente a forma e aplique a tinta de forma subjetiva, intuitiva

e espontânea, diz Shulamith Behr, professora de Arte Alemã do Século XX no

"Courtauld Institute of Art", em Londres ("Expressionismo". 2a. ed. São Paulo:

Cosac e Naify, 2001). Artistas: Beckman, Van Gogh, Heckel, Jawlensky,

Kirchner, Kokoschka, Marc, Munch, Nolde, Pechstein, Rouault, Schiele,

Schmidt-Rottluff, Soutine. Erich Heckel, Fritz Bleyl, Ernst Ludwig Kirchner e Karl

Schmidt-Rottluff fundaram em Dresden, em 07 jun. 1905, o grupo "Die Brucke"

186

(A Ponte), início do expressionismo alemão. Esses artistas queriam libertar a

expressão e os hábitos sociais dos cânones acadêmicos e do bom gosto

burguês. Aspiravam criar formas de expressão e transformar valores morais e

de comportamento. Max Pechstein, Otto Mueller e Emil Nolde juntaram-se ao

grupo. A estética inovadora do grupo incluía o uso de cores carregadas, o estilo

de composição rápida, a aparência rústica e a representação de figuras nuas.

Os artistas se inspiravam em imagens das culturas africana, oceânica e

asiática, conhecidas por meio de publicações, museus e exposições

antropológicas (Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 fev. 2005, p. E3).

(DICIONÁRIO OBOÉ DE ARTES).

Existencialismo

(in. Existentialism; fr. Existentialisme; al. Existentialismus; it. Esistenzialismó).

Costuma-se indicar por esse termo, desde 1930 aproximadamente, um

conjunto de filosofias ou de correntes filosóficas cuja marca comum não são os

pressupostos e as conclusões (que são diferentes), mas o instrumento de que

se valeria análise da existência. Essas correntes entendem a palavra existência

(v.) no significado 39, vale dizer, como o modo de ser próprio do homem

enquanto e um modo de ser no mundo, em determinada situação, analisáveis

em termos de possibilidade. A análise existencial é, portanto, a análise das

situações mais comuns ou fundamentais em que o homem vem a encontrar-se.

Nessas situações, obviamente, o homem nunca é e nunca encerra em si a

totalidade infinita, o mundo, o ser ou a natureza. Portanto, para o E.,o termo

existência tem significado completamente diferente do de outros termos como

consciência, espírito, pensamento, etc, que servem para interiorizar ou, como

se diz, tornar "imanente" no homem a realidade ou o mundo em sua totalidade.

Existir significa relacionar-se com o mundo, ou seja, com as coisas e com os

outros homens, e como se trata de relações não-necessárias em suas várias

modalidades, as situações em que elas se configuram só podem ser

analisadas em termos de possibilidades (v.). Esse tipo de análise foi

possibilitada pela fenomenologia. (ABBAGNANO, 2000, p. 405).

Fotografia

187

Fotografar não é só bater retrato. Desde a primeira fotografia de um ser

humano, tirada em 1839 por Louis J.M. Daguerre (1789 – 1851), os fotógrafos

avançaram e ampliaram muito a capacidade operativa da fotografia. Julia

Margaret Cameron (1815 – 79) foi a primeira a ter lentes especiais e a primeira

a bater fotografias fora de foco com o fim de transmitir um clima. Camerom

fotografou retratos de amigos, dentre eles Tennyson, Carlyle, Browning, Darwin

e Longfellow. Sempre procurei registrar fielmente a grandeza interna, bem

como os traços do homem exterior, disse Camerom. A fotografia assim tirada

era quase a corporificação de uma oração, concluiu ela. Nadar (1820 – 1910)

também fotografou retratos. Ele concebia a pose, fazia a pessoa posar e

iluminava a figura de modo a enfatizar seus traços de caráter. Na virada do

século XIX para o XX, influenciados pelo modernismo, os fotógrafos, já livres

do complexo de inferioridade em relação à pintura, passaram a expressar sua

visão pessoal do mundo e se concentraram em composições tensas e na forma

pura. No pós-modernismo, veio o estilo introspectivo e o fotógrafo, com a

utilização mais subjetiva da câmera, expressa mais sentimentos. Um boa

fotografia expressa plenamente o sentimento, e o fotógrafo é "um instrumento

de amor e revelação", avaliou Ansel Adams (1902 – 84). Na fotografia

contemporânea, o traço primordial é a diversidade. (DICIONÁRIO OBOÉ DE

ARTES).

Foto-realismo ou Hiper-realismo

O termo remete a uma tendência artística que tem lugar no final da década de

1960, sobretudo em Nova York e na Califórnia, Estados Unidos. Trata-se da

retomada do realismo na arte contemporânea, contrariando as direções abertas

pelo minimalismo e pelas pesquisas formais da arte abstrata. Menos que um

recuo à tradição realista do século XIX, o "novo realismo" finca raízes na cena

contemporânea, dizem os seus adeptos, e se beneficia da vida moderna em

todas as suas dimensões: é ela que fornece a matéria (temas) e os meios

(materiais e técnicas) de que se valem os artistas. [...]. Hiper-realismo ou foto-

realismo, como preferem alguns, os termos permitem flagrar a ambição de

atingir a imagem em sua clareza objetiva, com base em diálogo cerrado com a

fotografia. Os hiper-realistas "fazem quadros que parecem fotografias", afirma o

188

crítico Gilles Aillaud por ocasião de uma exposição no Centro Nacional de Arte

Contemporânea de Paris, em 1974. A frase traduz uma reação corriqueira

diante das obras, o que não quer dizer que os artistas deixem de assinalar as

diferenças existentes entre pintura e fotografia. Richard Estes (1932), um dos

grandes expoentes do novo estilo, é enfático: "Não acredito que a fotografia dê

a última palavra sobre a realidade". Mesmo assim, afirma, "o foto-realismo não

poderia existir sem a fotografia". Se pintura e fotografia não se confundem, a

imagem fotográfica é um recurso permanente dos "novos realistas", sendo

utilizada de diversas maneiras. A foto é usada, antes de tudo, como meio para

obter as informações do mundo, pinta-se a partir delas. O pintor trabalha tendo

como primeiro registro os movimentos congelados pela câmera, num instante

preciso. Se o modelo vivo - pessoa ou cena - sofre permanentemente as

interferências do ambiente e está, portanto, sempre em movimento, a imagem

registrada pela máquina encontra-se cristalizada, imune a qualquer efeito

externo imediato, o que dá a ela um tom de irrealidade. (...) A retomada da

figuração após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) já havia sido

empreendida pela arte pop, a partir dos anos 1950, com o auxílio de símbolos

retirados da cultura de massas e da vida cotidiana. A recusa ao "hermetismo"

da arte contemporânea, a atração pelos temas e recursos técnicos oferecidos

pelo mundo moderno, assim como a vontade de figurar a realidade de modo

detalhado e impessoal aproxima o hiper-realismo da arte pop. O

reconhecimento dessas afinidades não impede a localização de afastamentos

fortes entre os dois movimentos. A arte pop volta-se preferencialmente para os

objetos estandardizados da sociedade de massas e para os ícones do mundo

da mídia, como as imagens da Marilyn Monroe trabalhadas por Andy Warhol

(1928-1987). O hiper-realismo faz uso de clichês, de imagens pré-fabricadas e

de elementos do cotidiano, mas em sentido inverso: buscando conferir a eles o

valor de obras particulares. Retira, assim, a imagem massificada do seu circuito

habitual, recuperando-a como objeto de arte único. A figura humana, por

exemplo, menos que um ícone ou sujeito anônimo, tem nome, idade e

características específicas, minuciosamente registradas pelo pintor. Trata-se,

segundo, McLean, de "re-autenticar o evento fotografado como um puro evento

pictórico". O mundo cotidiano retratado pelos hiper-realistas, em geral, refere-

189

se aos aspectos banais, às cenas e atitudes familiares, aos detalhes captados

pela observação precisa. (ENCICLOPEDIA ITAU CULTURAL).

Gênio, Talento e Originalidade

(in. Genius; fr. Génie; aL. Genie; it. Genió). A partir da segunda metade do séc.

XVII passou-se a indicar com esse termo (que, segundo Varrão, na origem

indicava "a divindade que é preposta a cada uma das coisas geradas e que

tem a capacidade de gerá-las", S. AGOSTINHO, De civ. Dei, VII, 13) o talento

inventivo ou criativo nas suas manifestações superiores. Pascal já usa essa

palavra com esse sentido: "Os grandes gênios têm seu império, seu esplendor,

sua grandeza, suas vitórias e não precisam das grandezas carnais, que não

têm relação com o que eles procuram" (Pensées, 793). E La Bruyère dizia: "E

menos difícil para os grandes gênios topar com coisas grandes e sublimes do

que evitar qualquer espécie de erro" (Caracteres, 1687, cap. 1). A estética do

séc. XVIII reduziu a noção de G. ao domínio da arte. Kant (provavelmente

inspirado numa obra inglesa de GERARD, Essay on Genius, 1774) defende

este ponto de vista: "O talento de descobrir chama-se gênio. Mas esse nome

só se dá ao artista, àquele que sabe fazer alguma coisa, não àquele que

conhece e sabe muito; e não se dá ao artista que imita apenas, mas àquele

que é capaz de produzir sua obra com originalidade; enfim, só se dá quando

seu produto é magistral, quando, por mérito, merece ser imitado" (Antr., § 57).

Esse é o sentido da definição de G. que Kant dá na Crítica do Juízo como de

"talento (dom natural) que dita regras à arte". Como talento, o G. foge a

qualquer regra; mas como criador de exemplares distingue-se de qualquer

extravagância. É natureza porque não age racionalmente; e é natureza que dita

regras à arte. Kant observa que, justamente devido a estas últimas

características, "a palavra G. derivou de genius, que significa o próprio espírito

do homem, o que lhe foi dado ao nascer, que o protege e o dirige, de cujas

sugestões provêm as idéias originais" (Crítica do Juízo, § 46). (ABBAGNANO,

2000, p. 481). O gênio é um talento; e o talento consiste em produzir aquilo de

que não se pode dar nenhuma regra determinada, razão pela qual a

originalidade é a primeira propriedade do gênio" (Kant). Atribui-se ao

Chevalier de La Palice (Jacques de Chabannes), marechal da França (1470-

190

1525), a distinção entre talento e gênio: "O talento consiste em fazer com

facilidade tudo quanto é considerado difícil; o gênio em tornar fácil tudo quanto

o talento considerou impossível." (...) "O artista deve fazer o que tem de ser

feito, e não o que esperam dele". (Waltércio Caldas, artista plástico

contemporâneo). "Será o artista uma encarnação de Deus, o qual quer

transmitir novas percepções à humanidade ?" "A verdadeira tradição nas

grandes coisas é não repetir o que outros já fizeram, mas sim redescobrir o

espírito que criou estas grandes coisas – e criar outras totalmente diferentes

em tempos diferentes." (Paul Valéry).

Grotesco

(in. Grotesque; fr. Grotesque; al. Groteske; it. Grottescó). Uma espécie do

cômico, distinguida pelos tratadistas modernos. É caracterizado por Santayana

como "um efeito interessante, produzido pela transformação de um tipo ideal,

que exagere um dos seus elementos ou o combine com os de outros tipos".

Nesse caso considera-se "a sua divergência em relação ao tipo natural e não

em relação sua possibilidade interna" (Sense of Beauty, 1896, § 64).

(ABBAGNANO, 2000, p. 492).

História

Para Hegel o caráter necessário e providencial da H. deriva da crença de que a

H. é obra de uma Razão Absoluta cuja perfeição e cuja potência não conhecem

limites. Uma forma levemente atenuada dessa concepção é a que considera a

H. como revelação de Deus. Esse conceito não é estranho ao próprio Hegel,

para quem revelação de Deus no mundo e realização de Deus coincidem. Mas

ele assinala a atenuação da relação entre os dois conceitos de revelação e

realização. (...) Kant na Crítica da Razão Pura (1781), por sua vez, superando

as limitações do cartesianismo, propõe uma filosofia do Iluminismo que concilia

o ―positivo/empírico‖ com o ―racional/lógico‖. Resumidamente, pode-se afirmar

então que a filosofia do Iluminismo estabelece a reciprocidade entre ―sujeito‖ e

―objeto‖, ―verdade interna‖ e ―realidade externa‖, que faltava no pensamento

sistemático de Descartes. É nesses termos que surge a demanda,

kantianamente positiva, da adaequatio res et intellectus, que é a

condição/dilema de todo conhecimento que se pretenda científico. Deste modo,

191

o caminho do conhecimento desenrola-se indefinidamente, pois depende tanto

da natureza do objeto (res) quanto da força específica do pensamento

(intellectus). Por outro lado, pela perpectiva sociológica, o marxismo considera

a H. como um processo unilinear e progressivo que, por meio da luta de

classes, necessariamente desembocará na sociedade sem classes, que é a

sociedade perfeita. Marx diz, a propósito, que a passagem para a nova

sociedade ocorrerá "com a mesma fatalidade que preside aos fenômenos da

natureza" (DasKapital, I, 24, § 7). A noção de mundo histórico, como todas as

noções totalitárias e a própria noção de mundo está além das capacidades

efetivas de investigação e compreensão de que o homem dispõe. A H. como

objeto da historiografia nunca é um mundo nesse sentido, isto é, a totalidade

absoluta dos acontecimentos humanos. (ABBAGNANO, 2000, p.507).

Historicismo e Anti-historicismo

Historicismo (in. Historicism; fr. Histo-ricisme; al. Historismus; it. Storicismo)

foi o termo empregado pela primeira vez por Novalis (Werke, III, p. 173), a

partir do qual pode ser entendidas três linhas de pensamento diferentes, a

saber: Ia Doutrina segundo a qual a realidade é história (desenvolvimento,

racionalidade e necessidade) e que todo conhecimento é conhecimento

histórico; foi expressa por Hegel (cf. especialmente Geschichte der Philosophie,

I, intr.) e por Croce (La storia come pensiero e come azione, 1938, p. 51). Essa

é a tese fundamental do idealismo romântico (v.), que supõe a coincidência

entre finito e infinito, entre mundo e Deus, e considera a história como

realização de Deus. Pode chamar-se H. absoluto. 2a. A revelação de Deus no

H. ocorre substancialmente por meio da fé, ou em outros termos, na história há

a revelação de Deus no sentido de considerar que cada momento da história

está em relação direta com Deus e é permeado dos valores transcendentes

que Ele incluiu na história, conceito defendido por E. Troeltsch e F. Meinecke

(cf. o verbete HISTÓRIA, 3, e). 3a A doutrina para a qual as unidades cuja

sucessão a história constitui (Épocas ou Civilizações) são organismos globais

cujos elementos, necessariamente vinculados, só podem viver no conjunto;

afirma, portanto, a relatividade entre os valores (que são alguns desses

elementos) e a unidade histórica a que pertencem; sendo inevitável a morte

desses elementos com a morte dessa unidade. Esse é o ponto de vista de

192

Spengler e de outros, e pode chamar-se H. relativista. 4a A corrente da filosofia

alemã que, nos últimos decênios do séc. XIX e nos primeiros do séc. XX,

debateu o problema crítico da história. O fato de, no séc. XIX, as disciplinas

históricas terem sido alçadas ao nível de ciência criava um problema análogo

ao que Kant se propusera a respeito das ciências naturais: o problema da

possibilidade da ciência histórica, ou seja, da sua validade (ABBAGNANO,

2000, p. 508) e Anti-historicismo (in. Antibistoricisni; fr. Antihistoricisme, ai.

Antihistorismus; it. An-tistoricism) é o termo empregado principalmente por

Croce para designar o Iluminismo, que, como "racionalismo abstrato", teria

considerado "a realidade dividida em supra história e história, num mundo de

idéias ou de valores e num mundo inferior que as reflete ou as refletiu até

agora de modo fugidio e imperfeito e ao qual convirá uma vez por todas impô-

los, fazendo suceder à história imperfeita, ou à história pura e simples, uma

realidade racional perfeita" (Lastoria, p. 51). Desse ponto de vista, são "anti-

históricas" todas as doutrinas que distinguem o que é do que deve ser, isto é,

que não admitem a identificação hegeliana entre realidade e racionalidade. Na

verdade, o Iluminismo não é "anti-historicismo", mas "anti-tradicionalismo", pois

constituiu a primeira e mais radical condenação da tradição como portadora e

garantia de verdade. (ABBAGNANO, 2000, p. 63) =.

Idealismo e Idealismo Alemão

Kant formula o seu próprio idealismo, o único que pensa aceitável: o idealismo

transcendental. Este sublinha a função do posto no conhecimento. O idealismo

transcendental kantiano distingue-se do que Kant chama ―idealismo material‖

no fato de não ser incompatível com o ―realismo empírico‖, antes chega a

justificar este. Não se afirma, portanto, que os objetos externos não existem ou

que a sua existência é problemática; afirma-se unicamente que a existência

dos objetos externos não é cognoscível mediante percepção imediata. O

idealismo transcendental kantiano não fundamenta o conhecimento no dado,

mas em todo faz do dado uma função do posto. O idealismo alemão pós-

kantiano oferece variadíssimos aspectos nos seus grandes representantes: é

característico de todos eles o ter prescindido da ―coisa em si‖. Por isso se

pensa às vezes que o autêntico idealismo coincide com o idealismo alemão

pós-kantiano. Em tal idealismo o mundo é equiparado com ―a representação do

193

mundo‖, o que não significa a representação subjetiva e empírica. De fato, logo

que de uma representação, trata-se de um representar, quer dizer, de uma

atividade representativa que exerce o seu sujeito e que desse modo condiciona

o mundo. O idealismo contemporâneo compreendendo pelo menos as

correntes idealistas a partir das duas últimas décadas do século dezenove

adoptou diversas formas, mas na maior parte dos casos baseou-se num dos

tipos de idealismo manifestados durante a época moderna. (MORA, 2004, p.

129).

Judaísmo Messiânico

É o nome de uma ramificação religiosa que aceita as tradições religiosas

judaicas, porém também acredita na figura de Jesus de Nazaré como o

Messias esperado pela tradição profética judaica. Destacamos este tópico,

justamente para diferenciar o judaísmo do judaísmo messiânico já que este

último não é considerado judaísmo pela maioria dos judeus. [...] O judaísmo

geral em todas as suas ramificações rejeita o judaísmo messiânico como

judaísmo. Para estes, o judaísmo messiânico é apenas um artifício religioso de

disfarçar as doutrinas cristãs em uma aparência judaica para tornar-se mais

facilmente assimilável pelos judeus. Quanto ao Cristianismo, apesar de sua

oposição aos movimentos messiânico-judaicos históricos como a seita dos

nazarenos e dos ebionitas, aceita (as denominações evangélicas) o Moderno

Judaísmo Messiânico que é uma ramificação destas denominações. Segundo

Michael Löwy na Obra Redenção e Utopia, O messianismo judaico contém

duas tendências ao mesmo tempo intimamente ligadas e contraditórias: uma

restauradora, voltada para o restabelecimento de um estado ideal do passado,

uma idade de ouro perdida, uma harmonia edênica quebrada e uma corrente

utópica, aspirando a um futuro radicalmente novo, a um estado de coisas que

jamais existiu. A proporção entre as duas tendências pode variar, mas a idéia

messiânica não se cristaliza senão a partir de sua combinação. Elas são

inseparáveis, uma relação dialética que Scholem evidencia de uma maneira

admirável: ―Mesmo a corrente restauradora veicula elementos utópicos e, na

utopia, fatores de restauração estão presentes.‖ [...] Este mundo inteiramente

novo comporta ainda aspectos que dependem claramente do mundo antigo,

mas o próprio mundo antigo não é mais idêntico ao passado do mundo; é antes

194

um passado transformado e transfigurado pelo sonho explosivo da utopia.‖

(LÖWY, 1989, p. 20/21).

Iluminismo

(in. Enlightenment; fr. Phi-losophiedes lumières, al. Aufklàrung; it. Illuminismó).

Linha filosófica caracterizada pelo empenho em estender a razão como crítica

e guia a todos os campos da experiência humana. Nesse sentido, Kant

escreveu: "O I. é a saída dos homens do estado de minoridade devido a eles

mesmos. Minoridade é a incapacidade de Utilizar o próprio intelecto sem a

orientação de outro. Essa minoridade será devida a eles mesmos se não for

causada por deficiência intelectual, mas por falta de decisão e coragem para

utilizar o intelecto como guia. 'Sapere aude! Tem coragem de usar teu

intelecto!' é o lema do I." (Was ist Aufklàrung?, em Op., ed. Cas-sirer, IV, p.

169). [...] Por I. moderno entende-se comumente o período que vai dos últimos

decênios do séc. XVII aos últimos decênios do séc. XVIII: esse período muitas

vezes é designado simplesmente I. ou século das luzes. [...] A atitude crítica

própria do I. está bem expressa em sua resoluta hostilidade à tradição. Na

tradição, o I. vê uma força hostil que mantém vivas crenças e preconceitos que

é sua obrigação destruir. Aquilo que impropriamente tem-se denominado anti-

historicismo iluminista na realidade é antitradicionalismo: a recusa em aceitar a

autoridade de tradição e de reconhecer nela qualquer valor independente da

razão. (ABBAGNANO, 2000, p. 535/536).

Indústria Cultural

(em alemão: Kulturindustrie) é um termo cunhado pelos filósofos e sociólogos

alemães Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973),

membros da Escola de Frankfurt. O termo aparece no capítulo Kulturindustrie -

Aufklärung als Massenbetrug na obra Dialektik der Aufklärung (em português:

Dialética do Esclarecimento), de 1947. Enquanto que os termos "cultura de

massa" ou "cultura popular" remetem à ideia de que exista uma cultura de elite,

quando deveria remeter à cultura produzida pelo povo, ou ainda, para o povo, o

195

conceito de Indústria cultural esclarece que os conteúdos artísticos ou culturais

pertencentes a uma lógica de mercado, passa a ser, automaticamente,

mercadoria. Portanto, o termo "indústria cultural" foi empregado como

substituição ao termo "cultura de massa", com o fim de se excluir de antemão a

interpretação de que se trata de uma cultura que surge espontaneamente das

massas, tal como a cultura popular. (COELHO, T.). Em Kulturindustrie -

Aufklärung als Massenbetrug na obra Dialektik der Aufklãrung em português,

Dialética do Esclarecimento de 1947, Adorno e Horkheimer discorrem sobre o

termo da seguinte forma: ―Ultrapassando de longe o teatro de ilusões, o filme

não deixa mais à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma

dimensão na qual estes possam, sem perder o fio, passear e divagar no quadro

da obra fílmica permanecendo, no entanto, livres do controle de seus dados

exatos, e é assim precisamente que o filme adestra o espectador entregue a

ele para se identificar imediatamente com a realidade. Atualmente, a atrofia da

imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser

reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam

essas capacidade em virtude de sua própria constituição objetiva.‖ (ADORNO

& HORKHEIMER, 1997:119). O escutado não tem conseqüências para ele que

pode apenas acenar com a cabeça para que o soltem, porém tarde demais: os

companheiros, que não podem escutar, sabem apenas do perigo do canto, não

da sua beleza, e deixam-no atado ao mastro para salvar a ele e a si próprios.

Eles reproduzem a vida do opressor ao mesmo tempo que a sua própria vida e

ele não pode mais fugir a seu papel social. Os vínculos pelos quais ele é

irrevogavelmente acorrentado à práxis ao mesmo tempo guardam as sereias à

distância da práxis: sua tentação é neutralizada em puro objeto de

contemplação, em arte. O acorrentado assiste a um concerto escutando

imóvel, como fará o público de um concerto, e seu grito apaixonado pela

liberação perde-se num aplauso. Assim o prazer artístico e o trabalho manual

se separam na despedida do antemundo. A epopéia já contém a teoria correta.

Os bens culturais estão em exata correlação com o trabalho comandado e os

dois se fundamentam na inelutável coação à dominação social sobre a

natureza (ADORNO & HORKHEIMER, 1997:45).

196

Juventude Hitlerista ou Pimpf

A Juventude Hitlerista ou Juventude Hitleriana (em alemão, Hitlerjugend) ou

ainda Pimpf foi uma instituição obrigatória para jovens da Alemanha nazista,

que visava treinar crianças e adolescentes alemães de 6 a 18 anos de ambos

os sexos para os interesses nazistas. Os jovens se organizavam em grupos e

milícias para-militares. Esses grupos de indivíduos, doutrinados pelo estado,

existiu entre 1922 e 1945. Antes de a Juventude Hitlerista era um movimento

relativamente pequeno, a partir de 1936 com o alistamento obrigatório, 3,6

milhões de membros haviam sido recrutados, em 1938, o número chegava a

7,7 milhões. Em 1939, já no pré-guerra, foi decretada uma ordem de

recrutamento geral. Em 1936, Hitler unificou as organizações de jovens e

anunciou que todos os jovens alemães deveriam se alistar nos Jungvolk (Povo

Jovem) aos 10 anos, quando poderiam ser treinados em atividades

extracurriculares, que incluíam a prática de esportes e acampamentos, além de

uma doutrinação ao nazismo. Aos 14 anos, os jovens deveriam entrar na

Juventude Hitlerista, sujeitando-se a uma disciplina semi militar, bem como a

atividades externas e à propaganda nazista. Paralelamente à Juventude

Hitlerista, existia a Liga das Jovens Alemãs, onde as moças aprendiam os

deveres da maternidade e os afazeres domésticos, e, assim como os garotos,

aprendiam os verdadeiros objetivos do nazismo, e o que fazer para alcançá-lo.

Aos 18 anos, deveriam alistar-se nas forças armadas ou nas forças de

trabalho. (BARTOLETTI, Susan Campbell).

Materialismo Histórico

(in. Historical materialism; fr. Matérialisme historique; al. Historischer

Materialismus; it. Materialismo storicd). Com este nome Engels designou o

cânon de interpretação histórica proposta por Marx, mais precisamente o que

consiste em atribuir aos fatores econômicos (técnicas de trabalho e de

produção, relações de trabalho e de produção) peso preponderante na

determinação dos acontecimentos históricos. O pressuposto desse cânon é o

ponto de vista antropológico defendido por Marx, segundo o qual a

personalidade humana é constituída intrin-secamente (em sua própria

natureza) por relações de trabalho e de produção de que o homem participa

para prover às suas necessidades. A "consciência" do homem (suas crenças

197

religiosas, morais, políticas, etc.) é resultado dessas relações, e não seu

pressuposto. Esse ponto de vista foi defendido por Marx sobretudo na obra

Ideologia alemã {Deutsche Ideologie, 1845-46). Em vista disso, a tese do M.

histórico é de que as formas assumidas pela sociedade ao longo de sua

história dependem das relações econômicas predominantes em certas fases

dela. Marx diz: "Em sua vida produtiva em sociedade, os homens participam de

determinadas relações necessárias e independentes de sua vontade: relações

de produção que correspondem a certa fase de desenvolvimento de suas

forças produtivas materiais. Esse conjunto de relações de produção constitui a

estrutura econômica da sociedade, que é a base real sobre a qual se erige uma

superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas

sociais de consciência. (...) Portanto, o modo de produção da vida material em

geral condiciona o processo da vida social, política e espiritual" (Zur Kritik

derpolitischen Okonomie, 1859, Pref.; trad. it., p. 17). Marx elaborou essa teoria

sobretudo em oposição ao ponto de vista de Hegel, para quem é a consciência

que determina o ser social do homem; para Marx, pelo contrário, é o ser social

do homem que determina a sua consciência. Contudo, não se deve achar que

Marx fosse partidário fatalismo econômico, segundo o qual as condições

econômicas necessariamente levariam o homem a determinadas formas de

vida social. Nessas relações econômicas, que dependem de técnicas de

trabalho, produção, troca, etc, o homem é elemento ativo e condicionante.

Portanto, a condicionalidade que a estrutura econômica exerce sobre as

superestruturas sociais é pelo menos em parte uma autocondicionalidade do

homem em relação a si próprio (Deutsche Ideologie, I, C; trad. it., pp. 69 ss.).

Engels falou em seguida da "inversão da práxis histórica", ou seja, de uma

reação de oposição da consciência humana à ação das condições materiais

sobre ela. Mas do ponto de vista de Marx essa inversão não é necessária, visto

não ser a superestrutura que reage à estrutura, mas o homem que, intervindo

com suas técnicas para mudar ou para melhorar a estrutura econômica, se

autocondiciona por meio dela. (ABBAGNANO, 2000, p.652).

Metafísica

(do grego antigo μεηα [metà] = depois de, além de; e Φσζις [physis] = natureza

ou física; lat. Metaphysica; in. Methaphysik; fr. Métaphysique, al. Metaphysik; it.

198

Metafísica). Ciência primeira, por ter como objeto o objeto de todas as outras

ciências, e como princípio um princípio que condiciona a validade de todos os

outros. (ABBAGNANO, 2000, p.660).

Mimésis, Metexis ou mimese

(μίμηζις de μιμεîζθαι) imitação ou representação em grego. Participação.

Princípio teórico básico da criação artítica, que define a imitação da natureza,

em um sentido representativo e não como mera cópia (Platão, 2004, p.87).

Essa palavra foi usada por Platão para indicar um dos modos possíveis de

relação entre as coisas sensíveis e as idéias (Parm., 132 d). Os outros modos

em que Platão concebeu essa mesma relação são: mimese ou imitação (Rep.,

597 a; Tim., 50 c) e presença da idéia nas coisas (Fed., 100 d).

Minimalismo

O minimalismo se refere a uma tendência das artes visuais que ocorre no fim

dos anos 1950 e início dos 1960 em Nova York, alçado o principal centro

artístico com o expressionismo abstrato de Jackson Pollock (1912 - 1956) e

Willem de Kooning (1904 - 1997). A efervescência cultural dos anos 1960 nos

Estados Unidos pode ser aferida pelos diversos movimentos de contracultura e

pela convivência de expressões artísticas díspares - da arte pop, celebrizada

por Andy Warhol (1928 - 1987), às performances do Fluxus - cada qual

exercitando um temperamento crítico particular. O minimalismo aparece nesse

cenário com dicção própria, na contramão da exuberância romântica do

expressionismo abstrato. (ENCICLOPEDIA ITAU CULTURAL).

Modernismo e Pós-modernismo (globalização)

Nilson Thomé, em seu artigo Considerações sobre a Modernidade, Pós-

Modernidade nos Fundamentos Históricos da Educação no contestado,

esclarece o pós-modernismo nos seguintes termos: ―Sejam bem-vindos ao

pós-modernismo: ao mundo do espetáculo da mídia, do sumiço da realidade,

do fim da história, da morte do marxismo e de um grande número de outras

alegações deste milênio‖ [...] (Nilson Thomé). Stabile reitera: ―A sociedade

aproximou-se da beira do mundo agora nivelado, alegam os pós-modernistas,

199

e a única coisa que conseguimos saber com certeza é que não podemos

compreender o que nos levou para lá ou o que existe abaixo de nós, no

abismo.‖ (STABILE, 1999, p. 146). Para Stabile, o pós-modernismo é

imprecisamente identificado como uma época histórica – a sociedade pós-

industrial, pós-fordista ou mesmo pós-capitalista – onde o consumo passou à

frente da produção, tornando a luta de classe (sociedade dividida entre

trabalhadores e capitalistas) um conceito obsoleto, fazendo com que ―as

pessoas não se identificam mais como classe, mas sim, através de identidades

mais particulares, ou seja, de pequenos grupos‖ (op. cit., p. 147). Na sua

apreciação entre a pós-modernidade e os movimentos populares, ela entende

que os princípios totalizantes, da modernidade e do iluminismo, incluindo

apelos à racionalidade, progresso, humanidade e justiça, e mesmo à

capacidade de representar a realidade, foram fatalmente solapados na ótica

pós-modernista. As relações entre modernismo e pós-modernismo são

ambíguas. O individualismo atual, por exemplo, nasceu com o modernismo,

mas o seu exagero narcisista é um acréscimo pós-moderno. O homem de

antes, produto da civilização industrial, mobilizava as massas para as amplas

lutas políticas; o homem de agora, presente na sociedade pós-industrial,

dedica-se às minorias – sexuais, raciais, culturais – e, por isso mesmo, atua

apenas no micro-cosmos do cotidiano. Para Aijaz Ahmad, ―temos que tratar o

pós-modernismo estético como um estilo cultural norte-americano no momento

de sua globalização e, portanto, irrecuperavelmente ligado a certa tendência

hegemônica que é imperialista em suas próprias origens‖ (In: WOOD &

FOSTER, 1999, p. 63). Nesta mesma obra, aqui referenciada, em outro

capítulo, Terry Eagleton expõe que o pós-modernismo conta com várias fontes

- o modernismo propriamente dito; o chamado pós-industrialismo; a

emergência de novas e vitais forças políticas; o recrudescimento da vanguarda

cultural; a penetração da vida cultural pelo formato mercadoria; a diminuição de

um espaço autônomo para a arte; esgotamento de certas ideologias burguesas

clássicas, e assim por diante (op. cit., p. 29). [...] Sendo a globalização

econômica a base material da pós-modernidade, como entende Sanfelice,

indicando a irrupção de uma novidade absoluta no cenário da economia e da

política mundiais, relevamos Ianni, que nos alerta para que a ruptura histórica

promovida pelo globalismo (ou globalização) é a mesma ruptura epistemológica

200

que abala os quadros sociais e mentais de referência, assim, abalando os

significados e as conotações do tempo e espaço, da geografia e história, do

passado e presente, da biografia e memória. Sendo assim, a globalização nos

induz à pós-modernidade – ou vice-versa – no registro de mudanças profundas

e de aceleração do processo de internacionalização (ou mundialização) do

capitalismo. Na mesma direção, Milton Santos tem que a globalização ―é de

certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista‖

(SANTOS, 2003, p. 23). Lembra-nos Milton Santos (op. cit., p. 33) que a

história do capitalismo pode ser dividida em períodos, ou seja, em pedaços de

tempo marcados por certa coerência entre as suas variáveis significativas, que

evoluem diferentemente, mas sempre dentro de um mesmo sistema. Ele

esclarece que um período sucede a outro, e que os períodos são antecedidos e

sucedidos por crises, isto é, momentos em que a ordem estabelecida é

comprometida. O período atual do capitalismo, devido à grande concentração

do capital e do poder, ao aprofundamento da competitividade, à produção de

novos totalitarismos, à confusão dos espíritos, diminuição do poder de Estado e

o empobrecimento das massas, seria, entretanto, ao mesmo tempo um período

histórico e uma crise real econômica, social, política e moral, daí porque a

época atual mostra-se, para nós, como ―coisa nova‖ e esta novidade tem o

nome de ―globalização‖. Para José Claudinei Lombardi, globalização e pós-

modernidade não são ―concepções‖, mas sim, ―movimentos‖. Como

―movimento em curso‖, a globalização não caracteriza ―a morte da

modernidade‖, mas está marcando a superação do moderno. Entende o autor

que pela noção de globalização pretende-se caracterizar a vida num mundo

global que tende ao rompimento ou à dissolução das fronteiras, das

economias, das culturas e das sociedades. A palavra pós-modernidade vai na

mesma direção e está a expressar essa nova condição global da humanidade,

pela qual superou-se a modernidade as crenças dela decorrentes, como razão,

objetividade, totalidade e resoluções (NILSON THOMÉ, 2001, p. XXIII).

Objetivismo e Subjetivismo

Objetivismo (in. Objectivism; fr. Objecti-visme, al. Objektivismus, it.

Oggettivismó) é qualquer doutrina que admita a existência de objetos

(significados, conceitos, verdades, valores, normas, etc.) válidos

201

independentemente das crenças e das opiniões dos diferentes sujeitos.

(Dicionário Online de português) e Subjetivismo (in. Subjectivism, fr. Sub-

jectivisme, ai. Subjectivismus; it. Soggettivismó) é um termo moderno que

designa a doutrina que reduz a realidade ou os valores a estados ou atos do

sujeito (universal ou individual). Nesse sentido, o idealismo é S. porque reduz a

realidade das coisas a estados do sujeito (percepções ou representações);

analogamente, fala-se de S. moral e S. estético quando o bem, o mal, o belo ou

o feio são reduzidos às preferências individuais. Esse termo é empregado na

maioria das vezes com intenções polêmicas, e por isso seu significado não é

muito preciso. (ABBAGNANO, 2000, p. 922).

Obra de Arte

"A expressão obra de arte designa um objeto que não possui nenhuma função

prática mas apenas a função de comunicar uma mensagem estética." (Gullar).

Realismo

(lat. Realismus, in. Realism; fr. Réalisme, ai. Realismus, it. Realismo). Esta

palavra começou a ser usada em fins do séc. XV, designando a corrente mais

antiga da Escolástica, em oposição à chamada corrente "moderna" dos

terministas ou nominalistas, cuja doutrina que não admite a existência do

universal nem no mundo das coisas, nem no pensamento. O primeiro a usá-la

foi provavelmente Silvestro Mazolino de Prieria, em Compendium dialec-ticae,

de 1496 (cf. PRANTL, Geschichte der Logik, IV, p. 292). O R. afirmava a

realidade dos universais (gêneros e espécies), entendendo contudo de

maneiras diferentes essa mesma realidade. No sentido mais geral e moderno,

esse termo foi retomado por Kant na primeira edição de Crítica da Razão Pura,

para indicar, por um lado, a doutrina (oposta à que ele defendia) segundo a

qual o espaço e o tempo são independentes de nossa sensibilidade, que é o R.

transcendental, e por outro lado uma doutrina sua, que admite a realidade

exterior das coisas e que é o R. empírico. Kant dizia: "O idealista

transcendental é um realista empírico que atribui à matéria, como fenômeno,

uma realidade que não precisa ser deduzida, mas é imediatamente percebida"

(Crít. R. Pura, Ia ed., Dialética transcendental, Crítica do quarto paralogismo da

psicologia transcendental). (ABBAGNANO, 2000, p. 834).

202

Realismo na arte

"Movimento francês do final da século XIX que procurava representar

realisticamente a vida contemporânea. Foi uma reação contra o romantismo

que o precedeu." (Cumming). A proposta do Realismo, salienta Cumming, "era

que a arte devia adotar como tema a realidade da vida e mostrá-la sem

elaboração, idealização nem sentimentalismo." "Realismo é um dos poucos

termos usados na crítica de arte em que o estilo e o significado real da palavra

são os mesmos." (Strickland). Giotto foi o pioneiro da representação realista e

Cézanne, na direção oposta, libertou a arte da reprodução da realidade,

reduzindo a realidade a seus componentes básicos (idem). ―A necessidade de

realismo, tanto na arte como na vida, pode resultar da sensação de que a

fantasia, a imaginação e a especulação desviaram a atenção humana", avalia

James Malpas, crítico e historiador da arte, o qual ressalta: "Os realistas

almejam um nível de objetividade que os ‗românticos‘ abominam." Artistas:

Gustave Courbert, francês, Winslow Homer, norte-americano, James Whistler,

norte americano. "O Realismo não foi nem é um estilo de arte. Foi e é ainda

uma tendência artística que tem como objetivo retratar assuntos comuns, sem

distorção ou idealização. É bem diferente do Naturalismo, que só se preocupa

na transcrição literal da natureza acurada. Foi dinamizado por Coubert, que

teve o mérito de organizar a primeira exposição de Arte Realista, em Paris, em

1875. Para alguns estudiosos foi um movimento que se opunha ao naturalismo

acadêmico então reinante, na segunda metade do século XIX, na Europa."

(Marcílio Reinaux). O Naturalismo é característica da arte inspirada diretamente

na natureza, e o artista a representa reduzindo ao mínimo a sua interpretação

pessoal. "O Naturalismo glorifica a natureza e exclui elementos supernaturais e

espirituais. Pode ser romântico (com Jean-Jacques Rousseau) ou

determinístico (com Emile Zola) em literatura. (DICIONÁRIO OBOÉ DE

ARTES).

Representação

(lat. Repraesentatio; in. Re-presentation; fr. Représentation; al. Vorstellung; it.

Rappresentazioné). Vocábulo de origem medieval que indica imagem ou idéia,

ou ambas as coisas. O uso desse termo foi sugerido aos escolásticos pelo

203

conceito de conhecimento como "semelhança" do objeto. Kant estabeleceu seu

significado generalíssimo, considerando-o gênero de todos os atos ou

manifestações cognitivas, independentemente de sua natureza de quadro ou

semelhança (Crít. R. Pura, Dialética, livro I, seç. I), e foi desse modo que o

termo passou a ser usado em filosofia. Hamilton defendia o uso dessa palavra

também em inglês (Lectures on Logic, 2a ed., 1966, I, p. 126).

Retrato

Representação de uma figura individual ou de um grupo, elaborada a partir de

modelo vivo, documentos, fotografias, ou com o auxílio da memória, o retrato

(do latim retrahere, copiar) em seu sentido primeiro ligado à idéia de mimese.

Por essa razão, foi muito utilizado nas academias e escolas de arte para o

aprendizado do ofício e domínio da técnica. Na pintura, o retrato se afirma

como gênero autônomo no século XIV, após ter sido utilizado no Egito, no

mundo grego e na sociedade romana, com finalidades diversas: comemorativa,

religiosa, funerária etc. Giovanni, o Bom (1360), pertencente ao Museu do

Louvre, é considerado um dos primeiros retratos pintados de que se tem

notícia. A partir daí, o retrato passa a ocupar lugar destacado na arte européia,

atravessando diferentes escolas e estilos artísticos. A produção de auto-

retratos segue o desenvolvimento do gênero, desde o início, constituindo um

filão fartamente explorado por artistas de todas as épocas. [...] A difusão da

retratística acompanha os anseios da corte e da burguesia urbana de projetar

suas imagens, na vida pública e privada. [...] Os séculos XVIII e XIX fornecem

novos contornos aos retratos, projetando figuras de segmentos sociais mais

amplos (e não apenas dos círculos aristocráticos) por meio de maior liberdade

expressiva. A reflexão sobre as possibilidades e limites da representação

atravessa a arte do século XX, e encontra tradução particular nos retratos. Um

exemplo específico, como o embate de Alberto Giacometti (1901 - 1966) com

um de seus modelos, o escritor James Lord, tem a vantagem de evidenciar,

pelo acompanhamento da feitura de um quadro, os dilemas do artista moderno

na tentativa de reproduzir o que vê, fora da pauta naturalista. Alguns artistas do

século XX se associam diretamente ao gênero, como Amedeo Modigliani (1884

- 1920), que produziu grande quantidade de rostos, em geral, formas

simplificadas e alongadas. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a arte

204

pop retoma a figura e o retrato numa outra chave: a partir das imagens

publicitárias, dos quadrinhos, do cinema etc. Também no interior do chamado

hiper-realismo, foi produzida uma grande quantidade de retratos. Após a

Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a arte pop retoma a figura e o retrato

numa outra chave: a partir das imagens publicitárias, dos quadrinhos, do

cinema etc. (ENCICLOPEDIA ITAU CULTURAL).

Romantismo

(in. Romanticism; fr. Romantisme; al. Romanticismus; it. Romanticismo).

Designa-se com este nome o movimento filosófico, literário e artístico que

começou nos últimos anos do séc. XVIII, floresceu nos primeiros anos do séc.

XIX e constituiu a marca característica desse século. O significado comum do

termo "romântico", que significa "sentimental", deriva de um dos aspectos mais

evidentes desse movimento, que é a valorização do sentimento, categoria

espiritual que a Antigüidade clássica ignorara ou desprezara, cuja força o séc.

XVIII iluminista reconhecera, e que no R. adquiriu valor preponderante. Essa

grande valorização do sentimento é a principal herança recebida do movimento

Sturm und Drang, que constitui a tentativa de, através da experiência mística e

da fé, superar os limites da razão humana, reconhecidos pelo iluminismo.

Segundo os filósofos do Sturm und Drang, Haman, Herder e Jacobi, pode-se

obter com a fé o que a razão não é capaz de dar, sendo a fé entendida como

fato de sentimento ou de experiência imediata. Mas, precisamente por isso,

para os seguidores do Sturm und Drang (entre os quais estiveram Goethe e

Schiller, na juventude) a razão continuava sendo o que fora para o Iluminismo:

uma força humana limitada, capaz de transformar o mundo gradualmente, mas

que não é absoluta nem onipotente, estando, pois, sempre mais ou menos em

conflito com o mundo e em luta com a realidade que se destina a transformar.

Do Sturm und Drang passa-se para o R. somente quando esse conceito de

razão é abandonado e começasse a entender como razão uma força infinita

(onipotente) que habita o mundo e o domina, constituindo sua própria

substância. O princípio da autoconsciência, infinidade da consciência que é

tudo e faz tudo no mundo, é fundamental no R., e dele derivam os aspectos

relevantes do movimento. (ABBAGNANO, 2000, p. 860).

205

Senso communis

(gr. KOIVIÍ aio0r|ecaç; lat. Sensus communis; in. Common sense; fr. Sens

commun; al. Gemeinsinn; it. Senso comune). 3- Na doutrina de Kant o S.

comum é o princípio do gosto, da faculdade de formar juízos sobre os objetos

do sentimento em geral. "Tal princípio só poderia ser considerado S. comum,

que é essencialmente diferente da inteligência comum, que às vezes também é

chamada de S. comum (sensus communis), pois esta não julga conforme o

sentimento, mas conforme conceitos, embora se trate em geral de conceitos

obscuramente representados" (Crít. do Juízo, § 20). A inteligência comum {Ge-

meine Verstand) neste trecho é o S. comum dos escritores latinos e da escola

escocesa, que Kant considera inútil e filosofia (Prol., A 197); essa também é a

opinião de Hegel e de outros (cf. R. CANTONI, Trágico e senso comune, p. 35

ss.) (ABAGNANO, 2000, p. 873).

Socialismo

(in. Socialism; fr. Socialistne, al. Sozialismus, it. Socialismo). Este termo, que

se difundiu na Inglaterra (em oposição a individualismo) nas primeiras décadas

do séc. XIX, tem duas significações principais: ls Uma significação mais ampla,

designando, em geral, qualquer doutrina que defenda ou preconize a

reorganização da sociedade em bases coletivistas. Nesse sentido, são S. o de

Platão e o de Marx, o de Owen e o de Proudhon, o de Lênin e o de Stálin.

Refere-se a esse significado a distinção feita por Marx e Engels entre S.

utópico, para o qual a sociedade socialista é um ideal que não leva em conta

as vias ou os modos de realizá-la, e o S. científico, que, sem apresentar

qualquer ideal, prevê o advento inevitável da sociedade socialista com base

nas próprias leis que determinam o desenvolvimento da sociedade capitalista

(cf. sobre esta distinção, especialmente: ENGELS, Antidühring, 1878,

introdução e cap. I da III parte). Neste sentido, o termo é muito vago e indica

qualquer aspiração, ideal, tendência ou doutrina que tenha em vista alguma

transformação da sociedade atual em sentido coletivista. 2S Em sentido mais

restrito, entendem-se por S. as correntes coletivistas que se distinguem do

comunismo (v.) e se opõem a ele, enquanto: a) excluem a necessidade da

ditadura do proletariado; b) excluem que tal ditadura possa ser exercida, em

nome do proletariado, por qualquer partido político; c) excluem a diferença

206

radical, que se observa nos países de regime comunista, entre a qualidade de

vida da elite dirigente e a da maioria dos cidadãos; d) excluem a subordinação

da vida cultural às exigências do partido, à vontade de seus dirigentes; é)

exigem respeito às regras do método democrático. (ABBAGNANO, 2000, p.

912).

Sturm und Drang

Com esta expressão, que significa "tempestade e ímpeto" e foi título de um

drama de Klinger, escrito em 1776, designa-se um movimento filosófico e

literário que surgiu na Alemanha na segunda metade do séc. XVIII e constitui o

antecedente imediato do Romantismo. As atitudes peculiares desse movimento

são simbolizadas pelas duas palavras acima. Trata-se de manifestações

irracio-nalistas cuja expressão filosófica se encontra nas doutrinas de Haman,

Herder e Jacobi: estas remetem aos limites impostos por Kant à razão apenas

para irem além da razão e recorrer à experiência mística ou à fé (v. FÉ,

FILOSOFIA DA). Do "S. und Drang" passa-se para o Romantismo ao se passar

do conceito kantiano de razão finita à qual se contrapõe a fé ou o sentimento,

atribuindose-lhes poder cognoscitivo superior—para o conceito de razão infinita

ou capaz de atingir o Infinito; isso tem início com Fichte, em quem realmente se

encontra a primeira inspiração do romantismo. (ABBAGNANO, 2000, p.921).

Sublime

(gr. üyoç; lat. Sublime; in. Sublime; al. Erhaben; it. Sublime). 1. Forma

lingüística, literária ou artística que expresse sentimentos ou atitudes elevadas

ou nobres. Segundo Kant, o sentimento do S. tem dois componentes: 1Q

apreensão de uma dimensão desproporcional às faculdades sensíveis do

homem (S. matemático), ou de um poder terrificante para essas mesmas

faculdades (S. dinâmico); 2° o sentimento de conseguir reconhecer essa

desproporção ou ameaça, e, por isso, de ser superior a ambas. Kant diz: "A

qualidade do sentimento do sublime é ser ele, em relação a algum objeto, um

sentimento de padecimento, representado ao mesmo tempo como final; isso é

possível porque nossa impotência revela a consciência de um poder ilimitado

do mesmo sujeito, e o sentimento só pode julgar esteticamente este último

através da primeira" (Crít. do juízo, § 27). Por isso, Kant define o S. como "o

207

que agrada imediatamente pela sua oposição ao interesse dos sentidos" (Ibid.,

§ 29, Obs. geral); com isso entende que, ao advertir a desproporção ou o

perigo que o S. representa para a sua natureza sensível, o homem se dá conta

de que, justamente por advertí-la, não é escravo dessa natureza, mas livre

perante ela. Hegel, por sua vez, expressou na oposição infinito-finito o conflito

típico do Sublime. ―O S. é a tentativa de exprimir o Infinito, sem encontrar, no

reino das aparências, um objeto que se preste a essa representação‖

(Vorlesungen über die Àsthetik, ed. Glockner, I, p. 483). Por isso, "as formas

por meio das quais aquilo que se manifesta é também abolido, de tal sorte que

a manifestação dos conteúdos é também a superação das expressões, é a

sublimidade: portanto, esta não consiste", como diz Kant, "na subjetividade

pura do sentimento e em seu poder de estar acima das idéias da razão, mas,

ao contrário, baseia-se no significado representativo, em virtude do qual se

refere a uma Substância Absoluta" (Ibid., p. 484). Portanto, Hegel viu no S.

uma forma especial de arte, mais precisamente a arte simbólica. Nele, a dor e

a situação de perigo que, para a estética do séc. XVIII, representam a causa do

S., foram substituídas pela inefabilidade e pela majestade da Substância

Infinita. (ABBAGNANO, 2000, p. 922).

Talento

(lat. Talentum; in. Talent; fr. Talent; al. Talent; it. Talento). O sentido metafórico

desse termo, derivado da parábola evangélica dos T. (Mat., 25, 14-30), é de

"superioridade do poder cognoscitivo, que não provém do ensino mas da

aptidão natural do sujeito". Esta é a definição de T. encontrada em Kant (Antr, I,

§ 54), que também distingue os T. em engenho produtivo, sagacidade e

originalidade: este último é o gênio. Essa doutrina kantiana foi repetida

diversas vezes com poucas variações; está presente até na psicologia

moderna, embora acentuando-se a importância dos chamados T. específicos.

(ABBAGNANO, p. 2000, p.938).

Teoria do Conhecimento, Epistemologia ou Gnosiologia

(in Epistemology; rar. Gnoseology; fr. Gnoséologie; rar. Épistemologie; al.

Erkenntnistheorie; rar. Gnoséologie; it. Toeria delia conoscenza; gnoseo-logia

(muito usado); epistemologia (menos usado). Em italiano, o termo mais usado

208

é gnoseologia. Em alemão, o termo Gnoséologie, cunhado pelo wolffiano

Baumgarten, teve pouco sucesso, ao passo que o termo Erkenntnistheorie,

empregado pelo kantiano Reinhold (Versuch einer neuen Theorie des mensch-

lichen Vorstellungsvermõgens, 1789) foi comumente aceito. Em inglês, o termo

Epistemology foi introduzido por J. F. Ferrier (Institutes of Metaphysics, 1854) e

é o único empregado comumente; Gnoseology é bem raro. Em francês,

emprega-se comumente Gnoséologie e, mais raramente, Épistemologie. Todos

esses nomes têm o mesmo significado: não indicam, como muitas vezes se crê

ingenuamente, uma disciplina filosófica geral, como a lógica, a ética ou a

estética, mas um modo de tratar um problema nascido de um pressuposto

filosófico específico, no âmbito de determinada corrente filosófica, que é o

idealismo. O problema cujo tratamento é tema específico da teoria do C. é a

realidade das coisas ou, em geral, do "mundo externo". Gnosiologia ou Teoria

do Conhecimento é o ramo da filosofia que se ocupa com a validade do

conhecimento em função do sujeito cognoscente. O Conhecimento (gr.

YVÜXTIÇ; lat. Cognitio, in. Knowledge, fr. Connaissance, al. Erkennt-niss; it.

Conoscenzd). Em geral, uma técnica para a verificação de um objeto qualquer,

ou a disponibilidade ou posse de uma técnica semelhante. (...) d) O idealismo

romântico e as suas ramificações contemporâneas afirmaram a tese de que

conhecer significa pôr, isto é, produzir ou criar, o objeto: tese que permite

reconhecer no próprio objeto a manifestação ou a atividade do sujeito. [...] O

conceito do conhecer como processo de unificação domina toda a filosofia de

Hegel. A protagonista dessa filosofia, a Idéia, é a consciência que se realiza,

gradual e necessariamente, como unidade com o objeto. Diz Hegel: "A Idéia é,

em primeiro lugar, um dos extremos de um silogismo, porquanto é o conceito

que tem como fim, acima de tudo, a si mesmo como realidade subjetiva. O

outro extremo é o limite do subjetivo, o mundo objetivo. Os dois extremos são

idênticos no ser Idéia. Sua unidade é, em primeiro lugar, a do conceito, que

num deles é somente por si e, no outro, somente em si; em segundo lugar, a

realidade é abstrata num deles, ao passo que no outro está em sua

exterioridade completa. Essa unidade coloca-se por meio do conhecer"

(Wissenchaft der Logik, III, cap. II; trad. it., p. 282). Assim, conhecer é o

processo que unifica o mundo subjetivo com o mundo objetivo, ou melhor, que

209

leva à consciência a unidade necessária de ambos. Todas as formas do

idealismo contemporâneo atêm-se a essa doutrina. [...] A propósito, a

"revolução coperni-cana" de Kant não consiste em inovar radicalmente esse

conceito de C, mas em admitir que a ordem objetiva das coisas tem como

modelo as condições do C, e não vice-versa. As categorias são, na verdade,

consideradas por Kant como "conceitos que prescrevem leis a priori aos

fenômenos e, portanto, à natureza como conjunto de todos os fenômenos"

(Crít. R. Pura, § 26). Os fenômenos, não sendo "coisas entre si mesmas", mas

"representações de coisas", para tanto precisam, ser pensados e, assim, estar

submetidos às condições do pensamento que são as categorias. Para Kant, a

ordem objetiva da natureza, portanto, outra coisa não é senão a ordem dos

procedimentos formais do conhecer, na medida em que essa ordem se

incorporou em um conteúdo objetivo, que é o material sensível da intuição.

Desse ponto de vista, conhecer não é uma operação de assimilação ou de

identificação, mas de síntese; e como tal deve ser considerada sob outro

aspecto, do C. como transcendência. Pode-se considerar que essa fase da

doutrina do C. como assimilação, segundo a qual o objeto da assimilação é a

ordem, situa-se entre a primeira e a segunda interpretação principal do

conhecer, ou seja, entre a interpretação do conhecer como assimilação e a

interpretação do conhecer como transcendência. [...] Esse conceito do C. como

operação de conexão ou de interligação, que nada tem a ver com a

identificação ou a assimilação com o objeto, é chamado por Kant de operação

de síntese. A síntese é, em geral, "o ato de reunir diferentes representações e

compreender sua multiplicidade em um C." (Crít. R. Pura, § 10). Mas, para

Kant, a síntese cognitiva não é somente uma operação de ligação entre

representações: é também uma operação de ligação dessas representações

com o objeto por meio da intuição. "Se um C. deve ter uma realidade objetiva",

diz Kant, "isto é, referir-se a um objeto e nele ter significado e sentido, o objeto

deve poder ser dado de um modo qualquer. Sem isso, os conceitos são vazios

e, se com eles se pensar, esse pensamento nada conhecerá, mas só estará

brincando com as representações. Dar um objeto que não deva ser opinado

indiretamente, mas representado imediatamente na intuição nada mais é que

ligar sua representação com a experiência (seja esta real ou possível)" [Ibid.,

Analítica dos princípios, cap. II. seç. II). Pensar um objeto e conhecer um objeto

210

não são, pois, a mesma coisa. "O C. Compreende dois pontos: em primeiro

lugar, um conceito pelo qual um objeto em geral é pensado (a categoria) e, em

segundo lugar, a intuição com que ele é dado" (Ibid., § 22). A intuição tem o

privilégio de referir-se imediatamente ao objeto e de, por meio dela, o objeto

ser dado (Jbid., § 1). Por isso, não há dúvida de que a operação de conhecer

tende a tornar o objeto presente em sua realidade: um objeto, entenda-se, que

é fenômeno, já que a "coisa em si", por definição, é estranha a qualquer

relação cognitiva. (ABBAGNANO, 2000, p. 174). Gnosiologia como Aufklãrung

- Etmologia: De aufklären ("esclarecer") + -ung ("-ção"). É o termo kantiano

(1784) relativo a Esclarecimento; Iluminismo. O termo é descrito no Dicionário

de Filosofia Alemão Duden da seguinte maneira: ―Ihr zufolge ist aufklaerung der

ausgang des Menschen aus seiner selbest verschuldeten Unmündigkeit.‖ De

acordo com ele, a aufklaerung (a educação) é a a saída do homem de sua

auto-imposta minoridade. (Tradução nossa). (DUDEN, 2002, p.47).

Totalitarismo

(in. Totalitarianism; fr. Totalitarisme; al. Etatismus; it. Totalitarismo). Teoria ou

prática do Estado totalitário, vale dizer, do Estado que pretende identificar-se

com a vida dos seus cidadãos. Esse termo foi cunhado para designar o

fascismo italiano e o nazismo alemão. Às vezes também é usado para designar

qualquer doutrina absolutista, em qualquer campo a que se refira (é usado

nesse sentido por G. H. SABINE, A History o/Political Theory, 1951, cap. 35;

trad. it., pp. 708 ss.). Muitas vezes, por extensão, entende-se por T. qualquer

forma do absolutismo doutrinário ou político. (ABBAGNANO, 2000, p. 963). T.

é uma forma de governo na qual os dirigentes da nação detêm o total controle

sobre os direitos das pessoas em proveito da razão de Estado. No totalitarismo

só um partido político é permitido, chefiado por um líder absoluto, que se

mantém no poder usando a força e a violência. A liberdade de religião não

existe porque o Estado só permite a existência daquelas Igrejas cujos ministros

cooperem com o governo. Sindicatos livres também são ilegais. O partido

político determina as diretrizes econômicas que o país vai seguir. O governo

exerce total controle sobre os meios de comunicação e, em geral, elimina as

escolas particulares, forçando as escolas públicas a ensinar de acordo com a

linha do partido. O primeiro Estado totalitário moderno foi criado, com a

211

Revolução Comunista na Rússia, em 1917. Outros Estados totalitários do séc.

XX foram a Alemanha nazista, de 1933 a 1945, e a Itália fascista, de 1925 a

1943. (Dicionário Online de português). O conceito de Todo acompanhou a

formação do liberalismo político porque serviu de pedra de toque ou de símbolo

para tudo o que o liberalismo condenava. Como tal, também constitui um dos

temas da retórica revolucionária e liberal a partir do séc. XVI. Hoje esse termo

é bem menos usado, não porque os regimes tirânicos tenham desaparecido ou

porque não haja mais o perigo de que estes se instaurem mesmo onde vigore

certo grau de liberdade, mas apenas porque ele parece pertencer a uma

espécie de retórica fora de moda. Absolutismo totalitarismo são os termos que

substituíram tirania, mas o conceito não mudou, e estas mesmas palavras

significam ainda: regime no qual o arbítrio individual ocupa o lugar da lei;

escravidão imposta por escravos; governo que não pode ser mudado nem

corrigir a não ser pela violência. (ABBAGNANO, 2000, p. 960).

Tradicionalismo

Apego às tradições. Religião Sistema de crença que, no conhecimento da

verdade, dá mais importância à revelação do que à razão.

Tradição

(do latim: traditio, tradere = entregar; em grego, na acepção religiosa do termo,

a expressão é paradosis παραδοζις; in. Tradition; fr. Tradition; al.

Überlieferung; it. Tradizioné). Herança cultural, transmissão de crenças ou

técnicas de uma geração para outra. No domínio da filosofia, o recurso à T.

implica o reconhecimento da verdade da T., que, desse ponto de vista, se torna

garantia de verdade e, às vezes, a única garantia possível. Em Ideen zur

Philosophie der Geschichte der Menschheit (1783-1791), J. G. Herder exaltara

a T. como "cadeia sagrada que liga os homens ao passado, conserva e

transmite tudo que foi feito pelos que os precederam". Hegel exaltou

explicitamente ale insistiu no seu caráter providencial: "A T. não é uma estátua

imóvel, mas vive e mana como um rio impetuoso que mais cresce quanto mais

se afasta da origem. (...) O que cada geração produziu no campo da ciência e

do espírito é uma herança para a qual todo o mundo anterior contribuiu com

sua economia, é um santuário em cujas paredes os homens de todas as

212

estirpes, gratos e felizes, afixaram tudo o que os auxiliou na vida, o que eles

hauriram das profundezas da natureza e do espírito. E esse herdar é, ao

mesmo tempo, receber a herança e fazê-la fortificar" (Geschichte der

Philosophie, ed. Glock-ner, I, p. 29). Nesse sentido, obviamente, a T. é apenas

outro nome para designar o plano providencial da história. Foi esse o ponto de

vista dominante em todo o Romantismo, sendo o chamado tradi-cionalismo

apenas uma de suas manifestações. (ABBAGNANO, 2000, p. 967).

Transcendental

(lat. Transcendentalis; in. Transcendental; fr. Transcendental; al.

Transzendental; it. Trascendentalé). Com este termo ou com transcendente,

começaram a ser denominadas, no fim do séc. XIII, as propriedades que todas

as coisas têm em comum, que por isso excedem ou transcendem as

diversidades de gêneros em que as coisas se distribuem. (ABBAGNANO,

2000, p. 967). [...] para Kant, o T. não se identifica com as condições a priori do

conhecimento humano e dos seus objetos (que são os fenômenos), mas é

considerado o conhecimento (ou a ciência, se existe uma ciência) dessas

condições a priori. Kant diz: "Não chamo de T. o conhecimento que cuida dos

objetos, mas o que cuida do nosso modo de conhecer os objetos, e que seja

possível a priori" (Ibid., Intr., VII). E esclarece: "Não se deve chamar de T.

qualquer conhecimento apriori, mas apenas o conhecimento que possibilite

saber que representações (intuições ou conceito) são aplicadas ou são

possíveis exclusivamente a priori e como isso se dá. Vale dizer: é T. o

conhecimento da possibilidade do conhecimento ou do uso dele a priori" (Ibid.,

Lógica, Intr., II; v. Prol, § 13, obs. III). Desse ponto de vista, T. não é "o que

está além da experiência", mas sim "o que antecede a experiência (apriori)

mesmo não se destinando a outra coisa senão a possibilitar o simples

conhecimento empírico" (Prol, Apêndice, nota [A 204]). No entanto, é preciso

observar que KANT não se atem rigorosamente a esse significado do termo e

que, muitas vezes, chamou de T. o que é independente da experiência ou de

princípios empíricos (cf., p. ex., Crít. R. Pura, O ideal da mão pura, seç. 5,

Descoberta e ilustração da aparência dialética). De qualquer forma, com base

no significado explicitamente aceito por Kant, podem ser chamados de T.

apenas os conhecimentos que têm por objetos elementos a priori, e não estes

213

mesmos elementos. Portanto, são T. a estética, a lógica e as suas partes, mas

não o são as intuições puras, as categorias ou as idéias. Mas mesmo este uso

não é rigoroso, pois Kant chama de T. as idéias e de unidade T. o eu penso

(lbid., § 16). (ABBAGNANO, 2000, p. 971/972).

Vanguardismo

Caráter ou qualidade de vanguarda. 2 Movimento cultural, artístico, científico

etc., que possui tendências combativas e avançadas. (Dicionário Online de

português).

214

B - GLOSSÁRIO ESPECÍFICO (Kant, Hegel e Walter Benjamin)

Belo - Estética - Gosto

(gr. TÒ KaXóv; lat. Pulchrum; in. Beautiful; fr. Beau; al. Schõn; it. Bello). A

noção de Belo coincide com a noção de objeto estético só a partir do séc.

XVIII; antes da descoberta da noção de gosto, o B. não era mencionado entre

os objetos produzíveis e, por isso, a noção correspondente não se incluía

naquilo que os antigos chamavam de poética, isto é, ciência ou arte da

produção. Podem ser distinguidos cinco conceitos fundamentais de B.,

defendidos e ilustrados tanto dentro quanto fora da estética: 1Q o B. como

manifestação do bem; 2Q o B. como manifestação do verdadeiro; 3g o B. como

simetria; 4Q o B. como perfeição sensível; 5Q o B. como perfeição expressiva.

Ia O B. como manifestação do bem é a teoria platônica do belo. Segundo

Platão, só à beleza, entre todas as substâncias perfeitas, "coube o privilégio de

ser a mais evidente e a mais amável" (Fed., 250 e). [...] 2S A doutrina do B.

como manifestação da verdade é própria do Romantismo. "O B.", dizia Hegel,

"define-se como a aparição sensível da Idéia." Isso significa que beleza e

verdade são a mesma coisa e que se distinguem só porque, enquanto na

verdade a Idéia tem manifestação objetiva e universal, no B. ela tem

manifestação sensível (Vorlesungen über die Àsthetik, ed. Glockner, I, p. 160).

Raramente, fora de Hegel, esse ponto de vista foi apresentado com tanta

decisão, mas reaparece em quase todas as formas da estética romântica,

constituindo, indubitavelmente, uma definição típica do belo. 39 A doutrina do

B. como simetria foi apresentada pela primeira vez por Aristóteles: o B. é

constituído pela ordem, pela simetria e por uma grandeza capaz de ser

abarcada, em seu conjunto, por um só olhar (Poet, 7, 1.450 b 35 ss.). Essa

doutrina foi aceita pelos estóicos e fixou-se por longo tempo na tradição. Foi

adotada pelos escolásticos (p. ex., S. TOMÁS, S. Tb., I, q. 39, a. 8) e por

muitos escritores e artistas do Renascimento, quando quiseram ilustrar o que

procuravam fazer com a sua arte: p. ex., Leonardo em Trattato delia pittura. 4S

É com a doutrina do Belo como perfeição sensível que nasce a Estética (in.

215

Aesthetics; fr. Esthétique; al. Aesthetik; it. Estética) com esse termo designa-se

a ciência (filosófica) da arte e do belo. A Estética como ―Perfeição sensível"

significa, por um lado, "representação sensível perfeita" e, por outro, "prazer

que acompanha a atividade sensível". No primeiro sentido, é concebida

principalmente pelos analistas alemães e, em particular, por Baumgarten

(Aesthetica, 1750, §§ 14-18). No segundo sentido, foi utilizada, sobretudo pelos

analistas ingleses, em primeiro lugar por Hume (Essay Moral and Political,

1741) e por Burke (A Philosophical Inquiry into the Origin of Ourldeas ofthe

Sublime and Beautiful, 1756), preocupados ambos em determinar os

caracteres que fazem do prazer sensível aquilo que se costuma chamar de

"beleza". O Belo como “Perfeição sensível" em Kant unificou as duas

definições complementares de Belo como perfeição sensível ("representação

sensível perfeita" e "prazer que acompanha a atividade sensível") e insistiu

naquilo que até hoje é considerado seu caráter fundamental, isto é, o

desinteresse. Conseqüentemente, definia o B. como "o que agrada

universalmente e sem conceitos" (Crít. do Juízo, § 6) e insistia na

independência entre prazer do B. e qualquer interesse, tanto sensível quanto

racional. "Cada um chama de agradável o que o satisfaz; de Belo, o que lhe

agrada; de bom o que aprecia ou aprova, aquilo a que confere um valor

objetivo. [...] Com a doutrina de Kant, o conceito de B. foi reconhecido numa

esfera específica, tornou-se um valor, ou melhor, uma classe de valores,

fundamental. Juntamente com o Verdadeiro e com o Bem, entrou na

constituição de uma nova espécie de trindade ideal, correspondente às três

formas de atividade reconhecidas como próprias do homem-intelecto,

sentimento e vontade. Embora essa tripartição tenha sido considerada durante

muito tempo como um dado de fato originário, testemunhado pela "consciência"

ou pela "experiência interior", na realidade é uma noção historicamente

derivada, que, na segunda metade do séc. XVIII nasceu da inserção da

"faculdade do sentimento" entre as outras faculdades (reconhecidas desde o

tempo de Aristóteles): a teorética e a prática. O Gosto (in. Taste; fr. Goüt; al.

Geschmack; it. Gustó) por sua vez, é um critério ou cânon para julgar os

objetos do sentimento. Visto que só a partir do séc. XVIII o sentimento

começou a ser reconhecido como faculdade autônoma, distinta da faculdade

teorética e da prática, a noção de G. foi-se determinando, no mesmo período,

216

em correlação com a noção do critério ao qual essa faculdade, em suas

valorações, está adequada ou deve adequar-se. A faculdade do sentimento

logo recebeu como atribuição a atividade estética: assim, entende-se por G.

sobretudo o critério do juízo estético, e foi com esse sentido que essa palavra

se incorporou no uso corrente. Em seu sentido mais geral, o G. é definido por

Vauvenargues como "disposição para julgar corretamente os objetos do

sentimento" (Intr. a Ia connaissance de l'esprit humain, 1746, 12); e por Kant,

que declara, em Antropologia (§ 69): "O G. (enquanto uma espécie de

sentido formal) leva a compartilhar com outros os sentimentos de prazer

e dor e implica a capacidade agradável, graças a esse mesmo

compartilhar de sentir satisfação (complacentid) em comum com outrem".

Para Kant, o Gosto é uma espécie de senso comum, aliás o senso comum em

seu significado mais exato, porque pode ser definido como "a faculdade de

julgar aquilo que torna universalmente comunicável o sentimento suscitado por

dada representação, sem a mediação do conceito" (Crít. do Juízo, § 40).

Portanto, a universalidade do juízo de G. não é a mesma do juízo intelectual,

pois não se baseia no objeto, mas na possibilidade de comunicação com os

outros. Em outros termos, “o juízo de G. só é universal porque se

fundamenta na comunicabilidade do sentimento.” (Crít. do Juízo, § 39).

Kant também fez a distinção entre o G. como faculdade de julgar e o gênio

como faculdade de produzir (Ibid., § 48).

Do conceito de obra de arte:

Belo sinônimo de beleza natural em Kant

O conceito de obra de arte em Kant compreende a natureza autônoma, livre,

infinita e contemplativa do belo inerente a obra de arte, que pode ser tanto

relativos a objetos estéticos, quanto a natureza. Para Kant, o belo é "o que

agrada universalmente e sem conceitos" (Crít. do Juízo, § 6). À faculdade

autônoma do sentimento, que recebe a teoria estética como atribuição, é a

mesma que compreende o gosto como juízo estético: "a faculdade de julgar

aquilo que torna universalmente comunicável o sentimento suscitado por dada

representação, sem a mediação do conceito" (Crít. do Juízo, § 40). Para Kant

“o juízo de G. só é universal porque se fundamenta na comunicabilidade

do sentimento.” (Crít. do Juízo, § 39). Portanto, a universalidade do juízo de

217

G. não é a mesma do juízo intelectual, pois não se baseia no objeto, mas na

possibilidade de comunicação com os outros. Belo e o Sublime: O belo da

natureza concerne à forma do objeto, que consiste na imitação; o sublime,

contrariamente, pode também ser encontrado num objeto sem forma, na

medida em que seja representada nele uma imitação ou por ocasião deste e

pensada além disso na sua totalidade; de modo que o belo parece ser

considerado como apresentação de um conceito indeterminado do

entendimento, enquanto o sublime como apresentação de um conceito

semelhante a razão. (KANT, 1998, seg. 75).

Belo sinônimo beleza natural em Hegel

"O Belo", dizia Hegel, "define-se como a aparição sensível da Idéia." Isso

significa que beleza e verdade são a mesma coisa e que se distinguem só

porque, enquanto na verdade a Idéia tem manifestação objetiva e universal, no

B. ela tem manifestação sensível (Vorlesungen über die Àsthetik, ed. Glockner,

I, p. 160). Assim, como para Kant, Hegel compreende o Belo como natural e de

natureza contemplativa e liberal: A consideração do belo é de natureza liberal

um deixar atuar (Gewährenlassen) os objetos enquanto si mesmos livres e

infinitos, e não um querer possuir e utilizá-lo como úteis [156] para necessidade

e intenções finitas, de modo que o objeto não aparecerá como e forçado por

nós, nem combatido e superado pelas demais coisas externas. (HEGEL, 2001,

p. 129). (...) ―O belo é a Idéia enquanto unidade imediata do conceito e de sua

realidade, isto é, ele é a Idéia na medida em que esta unidade está presente de

modo imediato no aparecer (Scheinen) sensível e real. A existência inicial é,

pois, a natureza e a primeira beleza é a beleza natural. (HEGEL, p. 131)

Belo sinônimo beleza natural em Walter Benjamin

Parte do conceito de obra de arte de Kant que aceita Benjamin reflete a

estética Kantiana em termos de juízo de gosto. Na seguinte passagem de sua

tese de doutorado o Conceito de crítica de Arte no Romantismo Alemão,

Benjamin ressalta o conceito de obra de arte de Kant:

No § 1 da Crítica do juízo: ―Para distinguir se uma coisa é bela ou não, nós não

relacionamos por meio do entendimento a representação ao objeto visando o

conhecimento, mas, antes, nós a relacionamos pela imaginação (talvez ligada

218

ao entendimento) ao sujeito e ao sentimento de prazer ou de pena deste.O

juízo de gosto não é, portanto, um juízo de conhecimento; consequentemente,

ele não é lógico, mas estético; o que significa: aquilo cujo princípio

determinante não pode ser senão subjetivo. No § 35 na analítica do sublime

Kant assinala que o ―o juízo do gosto se distingue do juízo lógico, devido ao

fato de que este último subsume uma representação sob conceitos do objeto,

enquanto o primeiro não subsume nada sob o conceito, pois senão sob o

assentimento universal necessário poderia ser imposto por provas. No entanto,

ele é parecido ao juízo lógico na medida em que pretende uma universalidade

e uma necessidade, mas não à partir de conceitos do objeto, e,

consequentemente, puramente subjetivas‖. Como Kant deixa claro mais

adiante, ―o gênio é o talento (dom natural) que fornece regras à arte‖. (& 46).

(KANT apud Benjamin, 2002, p. 139). Assim Benjamin pauta-se em Kant,

quando esse estabelece a identidade entre artístico e belo, ao afirmar que "a

natureza é bela quando tem a aparência da arte"; e que "a arte só pode ser

chamada de bela quando nós, conquanto conscientes de que é arte, a

consideramos como natureza" (Crít. do juízo, § 45).(KANT apud Benjamin,

1980, p. 9).

Belo natural: Aura de objetos históricos relativo ao objeto natural

Embora, Walter Benjamin distinga duas acepções do belo, uma histórica e

outra natural, ambas referem-se, cada uma à sua maneira, ao tema da

distância e como tal remetem ao passado. A primeira, histórica, procura

determinar a relação da "experiência aurática" das correspondências com a

tradição através da noção de culto do objeto estético; e a segunda, o belo

natural, esclarece a intangibilidade do objeto estético relativo a experiência da

aura: É aos objetos hitóricos que aplicaríamos mais amplamente essa noção

de aura, porém para melhor elucidação, seria necessário considerar a aura de

um objeto natural. Poder-se-ia definí-la como a única aparição de uma

realidade longíngua, por mais próxima que esteja. Num fim de tarde de verão,

caso se siga com os olhos uma linha de montanhas ao longo do horizonte ou

de um galho, cuja sombra pousa sobre o nosso estado contemplativo, sente-se

a aura dessas montanhas e desse galho. Tal evocação permite entender, sem

219

dificuldades, os fatores sociais que provocam a decadência atual da aura.

(BENJAMIN, 1980, p. 9).

Conceito de história segundo Walter Benjamin:

Materialismo histórico e Messianismo judaico

Benjamin em Magia e Técnica, Arte e Política esclarece seu conceito de

história da seguinte forma: 4 ―Lutai primeiro pela alimentação e pelo vestuário,

e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo‖. (HEGEL apud Benjamin,

1996, p.223). Reiterando a natureza dessa ressalva ruma Benjamin para o

materialismo histórico: ―A luta classes, que um historiador educado por Marx

jamais perde de vista, é uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais

não existem as refinadas e esperituais. Mas na luta de classes essas coisas

espirituais não podem ser representadas como despojos atribuídos ao

vencedor. Elas se manisfestam nessa luta sob a forma de confiança, da

coragem, do humor, da astúcia, da firmeza, e agem de longe, do fundo dos

tempos. Elas questionarão sempre cada vitória dos dominadores. Assim como

as flores dirigem sua corola para o sol, o passado, graças a um mestirioso

heliotropismo, tenta dirigi-se para o sol que se levanta no céu da história. O

materialismo histórico deve ficar atento a essa transformação, a mais

imperceptível de todas.‖ 5 A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz.

O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no

momento em que é reconhecido. ―A verdade nunca nos escapará‖ – essa frase

de Gottfried Keller caracteriza o ponto exato em que o historicismo se separa

do materialismo histórico. Pois irrecuperável é cada imagem do presente que

se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela. 6

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ―como ele de fato

foi‖. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no

momento de um perigo. Cabe ao materialista histórico fixar uma imagem do

passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico,

sem que ele tenha consciencia disso. O perigo ameaça tanto a existencia da

tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo : entregar-

se às classes dominantes, como seu instrumento. Messianismo judaico de

Walter Benjamin: Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao

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conformismo, que quer apoderar-se dela, pois o Messias não vem apenas

como salvador; ele vem também como o vencedor do Anticristo. O dom de

despertar no passado as contelhas do esperança é privilégio exclusivo do

historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se

o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer. (BENJAMIN,

1996, p. 223-225). Segundo Michael Löwy, a formulação mais espantosa e

radical da nova filosofia da história — marxista e messiânica — de Walter

Benjamin se encontra, indubitavelmente, nas Thèses sur le concept d'histoire,

de 1940: A exigência fundamental de Benjamin é escrever a história a

contrapelo, ou seja, do ponto de vista dos vencidos — contra a tradição

conformista do historicismo alemão cujos partidários entram sempre "em

empatia com o vencedor" — Tese VII. É evidente que a palavra "vencedor" não

faz referência a batalhas ou guerras habituais, mas à "guerra de classes", na

qual um dos campos, a classe dirigente, "não cessou de vencer" (Tese VII) os

oprimidos — desde Spartacus, o gladiador rebelde, até o grupo Spartacus de

Rosa de Luxemburgo, e desde o Imperium romano até o Tertium Imperium

nazista. O historicismo se identifica enfaticamente (Einfühlung) com as

classes dominantes. Ele vê a história como uma sucessão gloriosa de altos

fatos políticos e militares. Fazendo o elogio dos dirigentes e prestando-lhes

homenagem, confere-lhes o estatuto de "herdeiros" da história passada. Em

outros termos, participa — como essas pessoas que levantam a coroa de

louros acima da cabeça do vencedor — de um "cortejo triunfal em que os

senhores de hoje caminham por sobre o corpo dos vencidos" (Tese VII). A

crítica que Benjamin formula contra o historicismo se inspira na filosofia

marxista da história, mas tem também origem nietzschiana. Em uma obra de

juventude, Da utilidade e da inconveniência da história (citada na Tese XII),

Nietzsche ridiculariza a "admiração nua pelo sucesso" dos historicistas, sua

"idolatria do factual" (Götzerdienste des Tatsächlichen) e a tendência a se

inclinarem diante da "pujança da história". Já que o Diabo é o senhor do

sucesso e do progresso, a verdadeira virtude consiste em insurgir-se contra a

tirania da realidade e nadar contra a corrente histórica. (Löwy, 1989).

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Fotografia segundo Walter Benjamin

Reflete a imagem como valor de exibição em detrimento a imagem como valor

de culto da obra de arte. ―Com a fotografia, o valor de exibição começa a

empurrar o valor de culto – em todos os sentidos – para segundo plano.‖

(BENJAMIN, 1980, p. 13).