Fotografia, Percepção e Subjetividade
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INTERCOM Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao
XXV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Salvador/BA 1 a 5 Set 2002
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Fotografia, Percepo e Subjetividade1
Chega mais perto e contempla as palavras
cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta
pobre ou terrvel, que lhe deres:
trouxeste a chave?
Carlos Drummond de Andrade
Milton Chamarelli FilhoProfessor do Departamento de Letras da Universidade Federal do Acre
ResumoO presente trabalho tem como objetivo propor a identificao da subjetividade nafotografia, enquanto signo representacional, na medida em que esta se torna uma forma depercepo da generalidade, generalidade que se constitui quando se prope ser umaconcepo de conjunto para problemas de sua poca, quais sejam, os de fixao da imagem medida que tenta captar os fluxos informativos cada vez mais intensos no perodo ps-Revoluo Industrial.
Palavras-chave: 1. fotografia, 2. percepo, 3. subjetividade
1Trabalho apresentado no NP15 Ncleo de Pesquisa Semitica da Comunicao, XXV Congresso Anual emCincia da Comunicao, Salvador/BA, 04 e 05. setembro.2002.
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A fotografia foi a primeira imagem tcnica, conforme a acepo que lhe deu Vlem
Flusser, que introjetou em seu funcionamento as leis da visualidade, permitindo que
realidade do visvel fosse dada uma camada interpretativa (SANTAELLA, 1995).
Se os signos miditicos podem ser, neste sentido, considerados interpretativos, e,
como tal, a fotografia, uma das questes mais pertinentes ao seu estudo saber se uma
interpretao da realidade, sob a forma de uma imagem tcnica (FlUSSER, 1985), poderia
somente ser pautada na objetividade que este tipo de signo pode suscitar figurativamente.
Uma alternativa concepo realista sobre a fotografia a de que os signos podem
estar investidos de subjetividade (condio geral imputada aos signos estticos, em funo
da ontologia do gesto que os caracteriza). Mas haver subjetividade somente nestes signos,
ou seja, naqueles que a priori so denominados artsticos? Como lidar ento com os signos
que encarnam um estatuto hbrido de uma arte exata ou uma cincia artstica, como a
fotografia, conforme Alinovi (apudFABRIS, 1998)?
Ns representamos algo, se esse algo foi suficientemente subjetivado para ns. A
fotografia, e as demais imagens tcnicas, condensam o quanto de subjetividade, modelos
de percepo e formas de pensamento (MELLO, 1998) foram investidos em seu processo
de construo.Para se reconhecer o "valor" da representao h de se conhecer o quanto de
subjetividade est investido nessa representao, mesmo que esta seja um produto da
tcnica.
A subjetividade, que a fotografia props e prope ao homem moderno, se enforma
como analiticidade do mundo, modelo que adotou da perspectiva linear, desenvolvida
desde o Renascimento. a devoluo de um mundo em fragmentos visuais, "existenciais",
nos deslocamentos da percepo sobre os objetos que Duchamp percebeu.
Se os impressionistas pretendiam retratar os aspectos fugidios da natureza, em
funo da peculiaridade que a luz faz configurar em cada objeto (o que se pode ser
observado nas obras de Monet e Degas), Duchamp fez com que a arte tornasse se
fotogrfica (conforme expresso de Dubois) literalmente e em matria, e no apenas como
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um signo das artes visuais. A arte que devolve ao homem os fragmentos da sua prpria
disperso, fazendo-nos questionar a realidade de um visvel invisvel.
A revoluo da fotografia, que a revoluo dos "objetos deslocados", mostra-nos,
anuncia-nos que as revolues nas cincias e nas artes ocorrem na invisibilidade:
invisibilidade das leis constituintes dos processos que fazem emergir os signos tcnicos,
como a fotografia, e invisibilidade para onde o olhar deslocado: "no nada", talvez, diria
Guimares Rosa. No nada dos espaos urbanos que rivalizam com o homem um lugar de
existncia ou entre-lugar de passagem, intervalo de subjetividade e afeto.
Para captar essa invisibilidade, pode ser sustentado que existe algo como um
"olhar fotogrfico", conceituado to bem Arthur Omar e Lus Humberto, ambos fotgrafos.
S o xtase de um momento glorioso pode nos ser devolvido por um outro momento
glorioso - xtase do olhar face a face, mas mediado j por um dispositivo; dispositivo este
constitudo por uma mquina que foi desenvolvida pelo pensamento conjectural como um
pensamento a ser concretizado pela mente-matria, que nos devolve a sensibilidade que
nela investimos, quando nossa inteno era a nossa representao.
Mas nem sempre absorvemos essa sensibilidade por acreditarmos, por um
momento, que a representao objetiva. Nestes termos, o signo apenas duplica arealidade, e esquecemos o que diz Debray quando este coloca: Aquilo pelo qual vemos o
mundo constri simultaneamente o mundo e o sujeito que o percebe (1994: 321).
Narciso o mito da representao porque, ao querer ver na sua imagem um carter
puramente objetivo, foi absorvido por toda a sua subjetividade nesse ato de objetivao, ao
ser representado. A ao do signo objetiva; a ao das coisas subjetiva. O olhar de
Narciso se d no interregno entre a ao dinmica, fsica, e ao sgnica, psquica. Quanto
de subjetividade Barthes quis buscar no retrato de sua me? Mas quantos de ns no
poderamos sequer atribuir-lhe mais do que um trao de indexicalidade?! Trao objetivo,
porque ali, para ns no haveria nenhum investimento de subjetividade. assim que
lidamos com a fotografia.
Mas, voltando a Narciso. Narciso no tinha um "olhar fotogrfico"; fundou e
caracterizou uma vocao imemorial do ser humano de representar-se. O olhar fotogrfico
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est presente nos vrios produtos culturais imagticos. O que nos faz querer representar
sempre aquela vocao narcsica, mas o modo de como ns representamos sempre
fotogrfico. O modo talvez de delineao sobre vrios ngulos da pintura cubista
fotogrfico. O modo como Pollock gotejou, em seu ato de dripping, no distinto tambm
de determinados tipos de fotografia, como notou Rosalind Krauss.
no meio que se dever procurar a subjetividade; nos artifcios da fotografia, que
se inscrevem as possibilidades do dispositivo, que se dever procurar a sua singularidade: o
seu carter de sinsigno, mas tambm a sua ideologia, como o fez Arlindo Machado (1984).
As revolues, que ocorrem na invisibilidade, fundam uma nova ordem de olhar,
que no um olhar sobre o objeto que o torna diferente, mas que um olhar diferente sobre
o objeto que o faz tambm objeto de um olhar.
A fotografia, neste sentido, um mtodo, com o qual se observa a realidade.
Instrumento crucial do fotojornalismo em seus primrdios, nos trouxe o mundo, a presena
de um ausente.
Como um olhar panptico dos acontecimentos, a foto ganha uma aderncia
informativa, dimenso de conhecimento e percepo sem fim. No se poderia dizer, neste
sentido, que a fotografia seria uma espcie de juzo (juzo perceptivo) na medida em queeste se liga a outros de forma a permitir uma teoria sobre os fatos (CP. 1.142).
Uma vez enredadas, as fotografias no nos permitem emitir uma teoria sobre os
fatos? certo que os juzos perceptivos esto fora do nosso controle, mas no estar
tambm a fotografia? Como coloca Arlindo Machado: Mas o momento captado pela
fotografia sempre esse tempo inesperado e aleatrio, esse centsimo de segundo
destitudo de controle em que o acaso no pode ser abolido por uma inteno (1984: 43).
Quantos acasos no se fazem conhecer/ perceber como f-atos fotogrficos?
Dimenso informativa, perceptiva, revoluo na histria dos signos visuais: intervalos...
Fotos como intervalos singulares antevistos no Impressionismo e desdobrados no cinema.
A foto reage de maneira reflexiva ao procurar ser, fabular ser, um intervalo
perceptivo de uma realidade, como generalidade dos (aos) acontecimentos, olhar habitual
aos fatos.
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E neste olhar habitual que a foto faz a sua revoluo, por ser o visvel recortado
to natural que a tornamos e a tomamos (como) co-autora da realidade. Desde quando a
procuramos? Desde a nossa imagem especular, desde a perspectiva artificiallis? Desde a
camara obscura?Aps o cinema?
A fotografia, como as idias, nasce do terreno impreciso das conjecturas
(SANTAELLA, Cultura tecnolgica & corpo biociberntico), momento de abduo e
revoluo nas vrias mentes, na medida em que essas mentes se expressam pela matria
que no lhes indiferente.
Nas revolues, ou na busca das revolues, h sempre um grmen de insatisfao
que nos faz mover. Essa sempre uma busca da verdade. Inscrio nas fontes de
indeterminao entre signo e objeto e signo e interpretante. Buscas concretizadas que vo
tomando forma e dando corpo idia, em cada signo, mas que so apenas metas provisrias
para o alcance do que poderia ser por si s admirvel.
A busca, na cincia ou na construo dos signos, uma vez empreendida, deixa o seu
rastro em cada signo. O signo se move tambm na invisibilidade do processo que o
originou, mesmo que no reconheamos esse processo.
O signo se move sempre no rastro das invisibilidades. E quando aparece para ns,seu surgimento se d como uma descoberta sobre aquilo que estvamos pensando, sem,
exatamente, nos darmos conta desse pensamento enquanto no se tornava signo para ns.
Lampejo de inspirao abdutiva e cognies prvias para o raciocnio cientfico conjectural,
fazendo os signos espocar em locais indefinidos.
Uma busca que se encontra na lgica dos signos, ou melhor aquele movimento que
leva de um signo a outro e que faz criar em um signo a capacidade de autocorreo. Este
um requisito para um signo tridico. Nas formas primitivas de vida, nos nveis
microbiolgicos, encontramos revolues que nem chegam a ser conhecidas, mas nem por
isso deixam de ser revolues se assim as entendemos.
Nas demais, atribumos essa qualidade de um evento a fatos especiais como algo
que poderia ser caracterizado nas descries dos processos didicos, responsvel pelas
descobertas e tambm pela percepo.
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Segundo Santaella, esse componente de secundidade, ou melhor, aquilo que
particulariza a proeminncia da categoria de secundidade em um evento, interrompe o
fluxo de nossa quietude, obrigando-nos a pensar de modo diferente daquilo que estivemos
pensando (1994: 49). Isto talvez signifique dizer que, nas revolues, h um componente
de secundidade. Ou que nas percepes que acompanham estes processos h um elemento
de secundidade que caracteriza essas revolues e essas percepes.
Uma razovel suposio que se pode fazer sobre a isomorfia de conceitos aplicveis
percepo e fotografia diz respeito, no ambas, individualmente, mas ao
funcionamento do universo. Segundo Prigogine: a transformao do espao tempo em
matria (...) corresponde a uma exploso de entropia (...), continua Prigogine: a matria
corresponde a um inquinamento, digamos, corrupo, do espao-tempo. A fotografia
transforma (e nos habitua a essa transformao) um recorte de espao-tempo em matria, o
signo fotogrfico propriamente dito: correspondncia entre percepo e representao,
buscando uma nova harmonia entre o olho e a mente, entre percepo e representao
simblica1.
Na percepo, um fenmeno que se d no espao-tempo, a imediaticidade, tambm
nos escapa, abrindo a brecha entre o perceber e o percebido, conforme Santaella (1995:153). Quanto mais eficaz a sutura, maior a brecha entre perceber e percebido. Mas, na
percepo, no se transforma espao tempo em matria, no entanto, um ato de percepo
um ato de corrupo do prprio espao-tempo, que, ao se sub-trairdeles, se consuma no
prprio ato que o torna fugaz. Como diz Kubrusly o simples fato de olharmos a realidade
objetiva j a transforma (Kubrusly 1998: 69).
A fotografia, ao consumar-se no prprio ato que a torna a arte do fugaz,
transformou ou foi transformada pela realidade? Por esse questionamento poderemos ns
consider-la uma forma de percepo?
A fotografia torna-se essa espcie de percepo, percepo abstrativa de uma
generalidade, quando prope ser, abdutivamente, uma concepo de conjunto de
problemas de uma poca (segundo Francastel, dimenso, em funo da qual a arte e a
literatura passam a ter o privilgio da generalidade (1988)), no momento em que,
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segundo Susan Sontag, os fluxos de informaes tornam-se cada vez mais intensos
(1983: 86) e tambm no momento em que a paisagem humana passou a experimentar um
ritmo de transformao vertiginoso (Ibidem: 15). A fotografia passa tambm a ter o
privilgio da generalidade, por estar em conexo com esses fluxos informativos e por
contemplar a paisagem humana naquilo que dela subtrado ou acrescentado.
As revolues, que ocorrem no campo das artes ou das cincias, fundam
paradigmas, conforme a acepo dada por Tomas Kuhn. Mas antes de se transformarem
nestes paradigmas, existem como interaes didicas, esperando por um intrprete, que
traga-lhes a chave, como teria dito Drummond para as palavras, ou um aspecto de
terceiridade, como tambm poderia ter dito Peirce. Nestas interaes j h um grmen das
mudanas que acontecero, dimenso da terceiridade. Um signo traz consigo as mudanas
que sero observadas no futuro: signo-DNA, um interpretante imediato. Um signo que
existe em virtualidade, como colocou Poinsot: Basta que algo seja signo virtualmente para
que possa significar ativamente. (POINSOT, 1632: 126/34 apudDELLY, 1990: 49).
Escrever com a luz, gravar com a luz, momento de flash, momento fotogrfico,
insight, abduo. Novas idias nascem, signos crescem, e no processo denominado
semeiose, o que era virtual torna-se real; a semiose como re-velao (revela-se o signo,vela-se o objeto, fustiga-nos o interpretante). Cada coisa neste momento ganha a sua
assinatura, como bem observou Santaella (1992).
A foto acontece como a atualizao das leis da visualidade que incorporou durante
uma vasta trajetria. A foto uma rplica, e tambm, em sua existncia, um ser singular,
porque em cada foto pode existir a interferncia de quem a produziu. A sua assinatura como
objeto ainda no lhe autoriza a considerao de um signo esttico. preciso subjetividade.
E a subjetividade da foto se d no momento em que incorpora o fragmento, desloca o
objeto e o coloca em primeiro plano, xtase. Ela acontece quando a foto expressa o no-
belo, mas o surpreendente e o sublime.
Neste momento, poder-se-ia perguntar: a foto denota ou conota investigao
barthesiana? Denotao e conotao so, como observou Peirce, propriedades do smbolo, e
no do ndice. E a fotografia, como observou Peirce, um ndice (CP 2.281). Mas isto no
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quer dizer que na foto no possamos vislumbrar um aspecto sgnico, icnico ou simblico,
denotativo ou conotativo, nela predominante: degeneraes... E por isso que to difcil
ver um aspecto sgnico nela predominante. Porque a foto um singular; um sin-signo.
A multiplicidade de sin-signos, como os acontecimentos singulares que passam a
caracterizar a vida do homem citadino, presumem, talvez, que estes acontecimentos possam
ser narrativizados e percebidos como acontecimentos pontuais. E a foto, neste momento2,
se antecipa ao cinema. A foto, em singularidade, a potencialidade de um movimento que a
transforma tambm em passagem para que, a partir dela, outros signos, sob sua matriz (ou
sob a matriz visual na qual a sua presena central (SANTAELLA, 1989)), possam se
constituir.
A foto um acontecimento, um lugar de passagem pelo qual passamos, retemos,
mas que nos escapa em imediaticidade. uma percepo do espao- tempo. Um espao-
tempo de singularidades, margem singular de busca entre o perceber e o percebido.
Assntota tcnico-existencial dos signos que emergem, nascem e crescem no tempo.
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1 a posio sustentada por John White para a interpretao da perspectiva central. Cf. SZAMOSI, 1998. p.122.
2 Materializado no espao, o tempo se mostra como um efeito de superposio ou de percurso dos corpos no
espao, onde os momentos sucessivos se tornam co-presentes em nica percepo, que faz desses momentossucessivos uma paisagem de acontecimento. (VIRILIO apudMACHADO, 1997 p. 60.)