Fotografias antigas, algumas histórias

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 Antigas fotograas Frederick William Flower . Um pioneiro da fotograa portuguesa” 1994 - Museu do Chiado / Lisboa Capital Europeia da Cultura (Arquivo Nacional de Fotograa) Carlos Relvas e a Casa da Fotograa” 2003 - Museu Nacional de Arte Antiga (Divisão de Documentação Fotográca do IPM - ex-Arquivo Nacional de Fotograa) ! O Estúdio Relvas em 1981 «Jorge Almeida Lima - Fotógrafo Amador» 1997 - Museu do Chiado (Arquivo Nacional de Fotograa) Aurélio Paz dos Reis 1996, 1998, 1999 - Centro Português de Fotograa, Palácio Foz “Joshua Benoliel - Repórter Fotográco” Cordoaria Nacional / CML, Lisboa Photo «San Payo — Retratos Fotográcos» 1995 - Museu do Chiado (Arquivo Nacional de Fotograa) 1 Frederick William Flower "Uma família inglesa" Expresso Revista de 9 de Julho de 1994, pp. 80-83 FREDERICK WILLIAM FLOWER É UM DOS GRANDES PIONEIROS DA FOTOGRAFIA PORTUGUESA. FEZ CALOTIPOS ENTRE 1849 E 1859, NO PORTO, E O SEU ESPÓLIO FOI SEMPRE CONSERVADO PELOS HERDEIROS. UMA REVELAÇÃO A ABRIR O MUSEU DO CHIADO, APRESENTADA PELO ARQUIVO NACIONAL DE FOTOGRAFIA 1

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“Frederick William Flower. Um pioneiro da fotografia portuguesa”, 
1994.“Carlos Relvas e a Casa da Fotografia”, 2003 ● O Estúdio Relvas em 1981.«Jorge Almeida Lima - Fotógrafo Amador»,
1997.Aurélio Paz dos Reis, 
1996, 1998, 1999.“Joshua Benoliel - Repórter Fotográfico”, 2005 «San Payo — Retratos Fotográficos»,
1995.

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Antigas fotografias

“Frederick William Flower. Um pioneiro da fotografia portuguesa”1994 - Museu do Chiado / Lisboa Capital Europeia da Cultura (Arquivo Nacional de

Fotografia)

“Carlos Relvas e a Casa da Fotografia”2003 - Museu Nacional de Arte Antiga (Divisão de Documentação Fotográfica do IPM

- ex-Arquivo Nacional de Fotografia) ● O Estúdio Relvas em 1981

«Jorge Almeida Lima - Fotógrafo Amador»1997 - Museu do Chiado (Arquivo Nacional de Fotografia)

Aurélio Paz dos Reis1996, 1998, 1999 - Centro Português de Fotografia, Palácio Foz

“Joshua Benoliel - Repórter Fotográfico”Cordoaria Nacional / CML, Lisboa Photo

«San Payo — Retratos Fotográficos»1995 - Museu do Chiado (Arquivo Nacional de Fotografia)

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Frederick William Flower"Uma família inglesa"Expresso Revista de 9 de Julho de 1994, pp. 80-83

FREDERICK WILLIAM FLOWER É UM DOS GRANDES PIONEIROS DAFOTOGRAFIA PORTUGUESA. FEZ CALOTIPOS ENTRE 1849 E 1859, NOPORTO, E O SEU ESPÓLIO FOI SEMPRE CONSERVADO PELOSHERDEIROS. UMA REVELAÇÃO A ABRIR O MUSEU DO CHIADO,APRESENTADA PELO ARQUIVO NACIONAL DE FOTOGRAFIA

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FREDERICK William Flower chegou ao Porto em 1834 com apenas 19 anos, vindode Inglaterra (nascera em 1815, em Leith, próximo de Edimburgo), para trabalhar nocomércio exportador de vinhos. Entre 1849 e 1859, foi um dos pioneiros dafotografia portuguesa - ou feita em Portugal - e, durante mais de um século, os seusdescendentes directos asseguraram a memória e a conservação do seu preciosoespólio. A primeira exposição do calotipista Flower vai inaugurar-se na próximasemana como um dos grandes acontecimentos da Capital Cultural.À revelação da obra de um fotógrafo ignorado, com que o Museu do Chiado inicia assuas actividades, pode ainda ser atribuído mais um duplo significado: o museudedicado ao século XIX começa a prestar justiça ao seu tempo, pondo fim a umalheamento perante a fotografia que levou a ignorar, por exemplo, que o artistanacional então internacionalmente mais famoso, o único com significativa projecção,foi o fotógrafo Carlos Relvas; por outro lado, este será certamente o mais importante

contributo para o levantamento da história da fotografia em Portugal, começando-sepelo princípio e trazendo a público a riqueza do património conservado no ArquivoNacional de Fotografia e a importância do trabalho de inventariação e classificaçãoque nele se vem realizando quase clandestinamente (CAIXA).

"O fotógrafo amador medindo o tempo de pose perto de Águas Férreas, Porto», auto·retrato de 

Frederick William Flower junto de um poço e de roupa a secar, temas constantes na sua obra.

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Flower, no entanto, não era absolutamente um desconhecido: já em 1980, um artigopublicado na revista «Colóquio/Artes» por Joaquim Vieira, docente da Escola deBelas-Artes do Porto, revelara a existência de uma colecção de cerca de 150calotipos (negativos de papel feitos segundo o processo de Talbot), e também dealgumas provas originais que se conservavam na posse dos herdeiros. Além das dezimagens que aí se revelavam, algumas outras tinham sido publicadas décadas antesem «O Tripeiro» e eram conhecidas de raros especialistas, mas Flower continuava aser apenas pouco mais que um nome na galeria dos ilustres esquecidos da fotografiaportuguesa.Agora, nesta exposição comissariada por Vitória Mesquita, que contou com acolaboração de Michael Gray, conservador do Fox Talbot Museum, em LacockAbbey, e do historiador francês André Rouillé, Frederick Flower faz também a suaprova de fogo internacional: «As obras de Roger Fenton na Grã-Bretanha, ou de

Henri Le Secq em França, artistas que, entre muitos outros, deram as suas cartas denobreza ao calotipo - prática que, já antes de 1850, optou por ser decididamenteartística, distinguindo-se radicalmente da actividade comercial - já eram,naturalmente, conhecidas. A partir de agora, ter-se-à de incluir Flower entre eles.» ÉAndré Rouillé quem o escreve, no catálogo, assegurando que as imagens de Flowernão são apenas curiosidades históricas ou documentos topográficos mas caracterizamum olhar fotográfico, a obra de um autor.Fenton, por essa mesma altura, fotograva a Guerra da Crimeia (existe uma prova

original de 1855 na colecção de fotografias da SEC, mas há razões para temer pelorespectivo paradeiro e estado de conservação, ao cabo de quatro anos de abandono),e Le Secq integrava a Missão Heliográfica de 1851, fotografando os monumentosfranceses com Le Gray, Bayard e Ba1dus. Flowers era apenas um amador isolado,um exportador de vinhos que fotografava as paisagens das margens e dos arredoresdo Porto, num país onde apenas se regista o nome de outros dois calotipistas, o barãode Forrester e J. Silveira. Não se sabe como é que Flower aprendeu a técnica docalotipo, nem há notícia que se tenha correspondido com as sociedades fotográficas

que existiam em Inglaterra e em França, nem que tenha concorrido às exposições dotempo.

UM PIONEIRO

ENTRETANTO, o estudo do espólio de Flower, agora constituído por 216 calotipos,mais 101 provas positivas em papel salgado (para além de outras provas posteriores),permite apresentá-lo como um verdadeiro pioneiro da fotografia. Na colecção

encontraram-se testemunhos dos seus esforços de aprendizagem técnica e de umaatitude deliberadamente experimental, patente na repetição das tomadas de vistas deum mesmo motivo em diferentes situações de iluminação, nas várias impressões

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processadas a partir da mesma matriz e, em especial, na mais antiga aplicaçãoconhecida do teste de tiras, sujeitando a mesma prova a nove zonas de posessucessivas.O processo fotográfico dominante era então a daguerreotipia, já comercialmenteinstalada em Portugal e especialmente vocacionada para satisfazer a novanecessidade social do retrato. Mas o futuro da fotografia não estava na chapametálica do daguerreotipo, única e irreprodutível como um espelho mágico. Talbotinventara entre 1834 e 1841 os desenhos telegénicos e, depois, o negativo de papel(talbotipo ou calotipo) que permitia infinitas reproduções de uma mesma matriz, mascuja menor divulgação internacional se ficara a dever, por um lado, à tentativa decontrolar a sua difusão através da venda da patente, e, por outro, às própriascaracterísticas das imagens obtidas, de menor definição lumínica, mais próxima dassubtilezas das artes da gravura do que do mimetismo da dagueótipia.

A sobrevivência das obras de Flower sempre na posse dos descendentes que residiamem Portugal é, entretanto, uma admirável e raríssima história de dedicação e deconsciência patrimonial por parte de uma família da activa colónia britânicaportuense.Flower regressou definitivamente a Inglaterra em 1874 e morreu em Londres em1889. No ano seguinte, o seu filho mais velho, Robert J. Flower, terá mandadoexecutar um certo número de cópias de negativos do seu espólio. Depois, já em1928, o neto Harold M. Flower encomendou no estúdio de Domingos Alvão novas

cópias (133 provas positivas de contacto obtidas a partir dos calotipos) e percorreu,nos anos de 1930 e 1931, os locais fotografados pelo avô, procurando identificar osmotivos registados. Sempre que os localizava, voltava a fotografá-los, reunindo asantigas e as novas imagens em dois álbuns, legendados em inglês - são essaslegendas que se utilizam como titulos das imagens e que apoiam a estrutura da actualexposição.A família Flower conservou cuidadosamente a colecção, coligiu várias memóriashistóricas sobre o seu autor e nunca transferiu as fotografias para Inglaterra -

«sempre que o membro da família detentor da colecção regressava a Inglaterra,depositava este espólio num outro familiar que continuasse em Portugal», actuandosempre «na convicção de que ela dizia respeito ao nosso país e à sua cultura», comoescrevem Vitória Mesquita e José Pessoa num texto do catálogo que regista aaventura da colecção Flower e que é também um lúcido comentário sobre o atraso dacultura fotográfica nacional. Já depois de iniciado o tratamento, reprodução e estudoda colecção, a partir de contactos estabelecidos em 1988 com Katherine Mary Heath,um segundo lote de espécies, com mais de uma centena de documentos, foi também

localizado e depositado no Arquivo.

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DUAS EXPOSIÇÕES

A EXPOSIÇÃO, cuja arquitectura interior foi confiada a João Vieira Caldas, vaidistribuir-se por dois espaços do Museu do Chiado, apresentando, numa primeirasala inferior (aberta sob o jardim), uma introdução didáctica às origens da fotografiae, na galeria dos fomos de pão, a obra de Flower, através de cerca de 200 provas,originais, cópias actuais em papel salgado e outras impressões recentes, permitindoassim confrontar processos e resultados de interpretação dos mesmos negativos, etambém de 30 calotipos mostrados em vitrinas retro-iluminadas, para além de algunsdos seus desenhos.Na introdução histórica serão apresentados dez originais de Talbot (a colecção daSEC conta, ou contava, com uma prova de Talbot de 1844 e também com umoriginal de Hill e Adamson de cerca de 1845...), juntamente com duas das suas

máquinas fotográficas, uma original e outra uma réplica, e ainda com a ediçãooriginal de The Pencil of Nature, de 1844-46. Por outro lado, será exibida umacâmara de daguerreotipia, a mais antiga que existe em Portugal, encontrada nascolecções do Gabinete de Física da Universidade de Coimbra durante a preparaçãoda Europália, e também outros equipamentos e placas por usar, datados de 1942, edois daguerreotipos com paisagens desvanecidas de Coimbra. Nièpce e Daguerreestarão representados por bustos do espólio de Carlos Relvas.O percurso da exposição organiza-se depois por ciclos temáticos, começando pelas

mais antigas imagens conhecidas do Porto, visto da margem de Gaia, a ponte pencil,os estaleiros de construção naval, a Foz, o farol e o Castelo do Queijo. Seguir-se-ãouma volta pelo interior da eidade, a Serra do Pilar, Gaia, com os seus armazéns devinhos e a sua vida rural, entre ramadas e pinhais. Depois, os locais próximos poronde Flower viajou, Vila do Conde, Visela (as termas), Guimarães (o Castelo e asruínas do Paço dos Duques, antes da sua imaginativa reconstrução), Lamego eAveiro, e o registo repetido, num núcleo religioso, das igrejas e cruzeiros. Particularsignificado terá ainda o chamado «ciclo da água», com os inúmeros engenhos, poços,

noras e azenhas que Flower fotografou, com uma vísivel obsessão pela água queparece prolongar-se nas imagens onde se vêem peças de roupa a secar. Como nosingular auto-retrato que aqui se publica. •

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“Frederick William Flower - Um pioneiro da fotografia portuguesa”Museu do Chiado / Lisboa Capital Europeia da Cultura, 29 de Junho a 31 de AgostoComissária científica Vitória Mesquita, comis. adjunto José Pessoa (Arquivo Nacional deFotografia)Cat. Electa. Textos dos comissários, de Michel Gray (dados biográficos e "Do mito à realidade - agénese da ideia fotográfica") e de André Rouillé (“Modernidade e intimidade”)

Frederick William Flower : a pioneer of Portuguese photography: Catalogue in english of theexposition at the "Museu do Chiado". 223 pages. 214 duotone reproductions. Biographical data byMichael Gray.Photographically illustrated cover. / http://www.michael-gray.org/index.html : 1994Frederick William Flower: A Pioneer of Portuguese Photography . Exhibition curated by MichaelGray, Vitoria Mesquita, José Pessoa and André Rouille, shown at the Museo Chiado, Lisbon,Portugal, including new albumen and salt paper prints by Barbara and Michael Gray.

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Não são referidos no catálogoo artigo pioneiro publicado em 1980 por Joaquim Vieira no «Colóquio/Artes» ea primeira apresentação recente das suas fotografias, na 1ª edição do Fotoporto, em1988, por iniciativa de Manuel Magalhães. Ver cat. FotoPorto Mês da Fotografia, Casa de Serralves, SEC, s.d. (1988): “Frederick William Flower, Fotografias”apresentação biográfica de Manuel Magalhães, pp. 63-72 (reproduções de 3calotipos positivos e 1 negativo)

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notas Expresso Revista, Cartaz:23.07.1994Já se referiram a importância e a qualidade desta exp. dedicada ao calotipista FrederickWilliam Flower e apresentada pelo Arquivo Nacional de Fotografia. Agora, deveprecisar-se que uma primeira apresentação das suas fotografias foi feita na 1ª edição doFotoporto, em 1988, por iniciativa de Manuel Magalhães — corrige-se assim um lapsodo artigo publicado na «Revista» de 9 de Julho. Entretanto, há também que lamentarque o catálogo (aliás, de edição cuidada) não inclua qualquer referência à divulgaçãoanterior da obra deste inglês que trabalhou em Portugal há quase século e meio,nomeadamente à publicação das suas imagens em periódicos do Porto e ao artigopioneiro publicado em 1980 por Joaquim Vieira no «Colóquio/Artes».

30.07.94

Além da magnífica arquitectura de Jean Michel Wilmotte e da também notávelmontagem da colecção do Museu, que constitui uma releitura essencial de um século dearte portuguesa (1850-1950), propõe-se a descoberta de um inglês que foi pioneiro dafotografia portuguesa. Usava o calotipo (negativo papel inventado por Talbot) nostempos em que dominava o daguerreotipo e deixou um inventário topográfico do Portoe arredores de meados do século XIX que é mais do que um documento histórico.

13.08.94Um inglês que foi pioneiro da fotografia portuguesa, utilizando o calotipo (negativopapel inventado por Talbot) nos tempos em que dominava o daguerreotipo. F.W.F.deixou um precioso inventário topográfico do Porto e arredores nos meados do séculoXIX que é, no entanto, mais do que um documento histórico: é revelador de umasituação de pesquisa fotográfica desenvolvida à distância dos centros culturais dotempo, mas capaz de uma original atitude experimental cujos testemunhos parecemconstituir documentos únicos na própria história da fotografia. Um núcleo anexoapresenta uma síntese sobre os inícios dessa história, com máquinas, materiais eimagens originais, em especial de Talbot.

26.08.94Últimos dias para conhecer a obra de um inglês que foi pioneiro da fotografiaportuguesa, utilizando o calotipo (negativo papel inventado por Talbot) nos tempos emque dominava o daguerreotipo. E tanto o aparecimento a público do Arquivo Nacionalde Fotografia, no âmbito de Lisboa 94, como a inclusão desta no horizonte de trabalhodo Museu foram acontecimentos também pioneiros, que se espera ver continuados comregularidade. Um núcleo anexo apresenta uma síntese sobre os inícios da história da

fotografia, com máquinas, materiais e imagens originais, em especial de Talbot, a que orecurso às peças da colecção da SEC poderia ter conferido maior relevo. Mas asinstituições portuguesas continuam a existir de costas voltadas.

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NOTA: o artigo publicado a 9 de Julho foi acompanhado pela “caixa” intitulada“Conservar e produzir” sobre o Arquivo Nacional de Fotografia (pág. 82). Ver: typepad.com

http://alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2008/04/frederick-willi.html

Bibliografia (em 2012)

António Barrocas, ARTE DA LUZ DITA. REVISTAS E BOLETINS. TEORIA E PRÁTICADA FOTOGRAFIA EM PORTUGAL (1880-1900), dissertação apresentada na Faculdade deLetras de Lisboa.http://lisboa.academia.edu/Ant%C3%B3nioBarrocas/Papers/656656/

ARTE_DA_LUZ_DITA_REVISTAS_E_BOLETINS_TEORIA_E_PRATICA_DA_FOTOGRAFIA_EM_PORTUGAL_1880-1900_

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Carlos Relvas

“O caso da Casa Relvas” 

Uma grande exposição de Carlos Relvas apresenta o espóliofotográfico da sua Casa-Museu da Golegã

Expresso Actual 5 Julho 2003, pp. 42-43 

Carlos Relvas foi certamente um fotógrafo mais interessante do que algumas anterioresavaliações críticas admitiam. Mas não é de modo algum um desconhecido. A sua Casa-Museu na Golegã, sediada no luxuoso chalet-estúdio que mandou construir em 1872,esteve aberta ao público entre 1981 e 96, encerrando por imperiosa necessidade deobras. A reabilitação, que lhe devolveu a configuração anterior a ter servido também dehabitação do f otógrafo (feita sob a direcção do IPPAR e dos arquitectos Vítor Mestre e

Sofia Aleixo), está finalmente concluída; aguarda-se agora que surjam apoios e meiospara um programa adequado ao mais bem conservado estúdio fotográfico de final deOitocentos. [Reabriu em 2007.]

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Em 1984, António Pedro Vicente dedicou-lhe uma monografia (Imprensa Nacional). Em89, os Encontros de Coimbra expuseram fotografias pertencentes à colecção deste autor.Duas mostras antológicas (84 e 92) confrontaram-no com os seus pares. A história deAntónio Sena (Porto Editora, 1998) faz-lhe 40 referências e continua a ser a únicapossibilidade de compreender a obra e a acção de Relvas no seu tempo.

A mostra que o Instituto Português de Museus apresenta no Museu de Arte Antiga,aguardada desde 1998, não é ainda uma retrospectiva, mas constitui um importantecontributo para se ir conhecendo melhor a obra de Carlos Relvas. Os seus autores,Vitória Mesquita e José Pessoa, da Divisão de Documentação Fotográfica do IPM (eantes responsáveis pelo ex-Arquivo Nacional de Fotografia, absorvido em 97 peloCentro Português de Fotografia), optaram por trabalhar apenas com o espólio da Casa-Museu, cujo tratamento e inventário vêm realizando a partir de 96, graças a um

protocolo entre a autarquia e o Instituto.Apresentam o maior número de provas de autor já alguma vez expostas, mais de umacentena, incluindo 78 fototipias de peças da Exposição de Arte Ornamental (1882), etambém cerca de 200 reimpressões actuais dos negativos encontrados no estúdio daGolegã, sobreviventes à venda em 1897 de grande parte do respectivo acervo.Constituindo uma aproximação arquivística ao espólio de Relvas, as provas agoraproduzidas servem para o divulgar e poderão suprir lacunas que venham a reconhecer-seno universo das provas de autor, fornecendo material abundante para a exposição

permanente da Casa-Museu, quando esta reabrir, e para mostras itinerantes que sedediquem ao fotógrafo (provas raras só se expõem em condições especiais).

Uma exposição da obra de Carlos Relvas, realizada com o rigor que a fotografiaexige, teria de partir de uma pesquisa exaustiva em colecções privadas epúblicas, da escolha das melhores provas de época e de autor que selocalizassem, da apresentação dos seus álbuns e das reproduções (fotomecânicasou tipográficas) em catálogos e outras publicações, valorizando o facto de ter

sido um pioneiro da fototipia, um activíssimo salonista e um militante dasprimeiras associações de fotógrafos. Existem álbuns fotográficos na Casa dosPatudos de Alpiarça; haverá retratos na Fundação da Casa de Bragança e decertono Palácio da Ajuda; devem sobreviver os originais que enviou à SociétéFrançaise de Photographie. Só um coleccionador particular possui mais de duascentenas de originais. Material não falta. São essas provas que tornam possíveisoutras mostras — colectivas, internacionais, temáticas — que porão a sua obraem circulação. Os comissários da mostra têm outro entendimento, que se

discutirá adiante. Aliás, já o CPF se deixara seduzir pela invenção de «inéditos»de Aurélio Paz dos Reis, com fantasiosos critérios.

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Carlos Relvas (1838-94) foi um abastado lavrador ribatejano e fidalgo da Casa Real quese dedicou à fotografia como amador e teve também uma afirmativa presença socialcomo cavaleiro tauromáquico, desportista, inventor e benemérito. Seria interessanteabordá-lo nessa pluralidade de aspectos, sem esquecer o agricultor interessado emmodernizar a produção, que levava vinhos e fotografias às mesmas exposiçõesinternacionais. Os numerosos auto-retratos, como toureiro, «jockey», fotógrafo, fidalgo,campino, camponês, etc., ilustram essa galeria de identidades, para além de revelaremum exacerbado narcisismo. Entretanto, seria oportuno averiguar se a falta de interessefotográfico pela modernidade do seu tempo (os comboios, a arquitectura do ferro, asmáquinas agrícolas, etc.) confirma a aparente dicotomia entre o empresário,«sportsman» e inventor e, por outro lado, o gosto tradicionalista das imagens que maisimprimiu.

Na obra exposta, as paisagens têm um lugar de destaque, romanticamente melancólicase de um realismo de inspiração pictural, sendo outras, de lugares povoados, de grandeinteresse documental. O património é objecto de um trabalho com qualidade, emboraoutros tenham feitos os levantamentos metódicos (Emílio Biel). Como notas própriassurgem o interesse pelos retratos de animais e pelos barcos, sendo de grande belezasensual alguns retratos femininos. Os tipos populares encenados em estúdio fixam umaideologia que permaneceu no folclorismo naturalista do seu amigo Malhoa. Entretanto,no itinerário da mostra, o pequeno espaço dedicado ao processo da fototipia, com

ensaios originais e provas de cor das impressões em tinta tipográfica, é um momentoforte sobre um aspecto marcante da sua acção.

No catálogo, o historiador André Rouillé procede à mais correcta leitura da obra deRelvas, situando o seu culto da fotografia e da glória pessoal num tempo em que setinham multiplicado os profissionais e se banalizava o consumo das imagens mecânicas.Aponta-o como «um homem dividido entre a sua província e a Europa, entre astradições e a modernidade, entre a sua proximidade com as pessoas e coisas e a sua

vontade de poder», sem ceder à tentação de o mitificar.

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“Questões de fundo e de superfícies” 

Porque esta exposição é «um contributo e um impulso para repor Carlos Relvas no lugarque lhe é devido na história da fotografia», vale a pena tentar que uma futura

retrospectiva trilhe caminhos de maior rigor.

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Afirmam os autores que se recuperam «muitas (imagens de Portugal) totalmenteinéditas». É impossível prová-lo, excepto quanto à edição em livro, que é só uma dasformas da circulação da fotografia; não constam dos negativos marcas de virgindade epouco sabemos das provas impressas que existem ou se perderam. Mas «eis quechegamos a uma questão de fundo», adiantam os comissários, prevendo objecções.

Ao contrário do que pretendem, um fotógrafo do século XIX (ou XX) conhece-se eavalia-se através das provas que imprimiu ou fez imprimir e das que divulgou por meiosfotomecânicos, não através dos «inéditos» que se produzam hoje. Aquelas provaschegaram até nós (mais ou menos marcadas pelo tempo, como sucede com a pintura) ounão sobreviveram. Não sabemos, senão por comparação com provas existentes, se ecomo imprimiria os negativos, mediante que processos, em que formatos, com queviragens (modificações de cor), com que sacrifícios de definição ou integralidade das

chapas, etc. Os negativos estereoscópicos, que fornecem imagens duplas para visão emrelevo, podem dar lugar, ou não, a ampliações únicas; as provas coladas como «carte devisite» ou «retrato álbum» (também de tipos pitorescos e de animais) ou as tiragens deexposição em grande formato são objectos diferentes, implicando distintosentendimentos e destinos da fotografia, e outras alternativas se colocam, além dadiferença das qualidades visuais que resulta do uso de modernos papéis e produtosquímicos.

Ao dizerem os comissários que «cada negativo é uma espécie de partitura que, como namúsica, pode ser bem ou mal interpretada», omitem que a metáfora se deve a AnselAdams (1902-1984), que também foi pianista, e se refere às suas reimpressões tardias,ao modificar (por sinal, para pior) opções anteriores quanto a formatos, contrastes, etc.— Szarkowski provou-o na retrospectiva do centenário, escolhendo as primeiras provas.

Ao pretender que é só de índole mercantil a questão das tiragens de época («vintageprints», se foram contemporâneas da tomada de vistas) ou de autor (se mais tardias,

reconhecidas e controladas pelo próprio, porventura ditas definitivas), entramos noterreno da mistificação — e enquanto o Estado imprime, os particulares coleccionam eexportam originais. Ela continua em citações de Cartier-Bresson, Man Ray e Doisneau,que descrevem as respectivas relações com a câmara escura e não interessam aoassunto. Aliás, Cartier-Bresson tem sido um acérrimo opositor à produção de «inéditos»de obras históricas e tomou precauções para se defender de tais práticas.

Reunindo, sem nítida distinção espacial ou sem molduras de diferentes cores, as

albuminas e fototipias de Relvas e as reimpressões modernas, a exposição confunde ovisitante desprevenido, mas comprova, para o observador atento, a diferença entre ainfinita gama de variações tonais alcançada pelas primeiras e a dureza dos contrastes nas

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recentes, onde o branco perde toda a densidade matérica e o preto se torna um buracoindistinto. Algumas montagens em cartões decorados, as impressões recortadas em ovalou isolando um motivo entre contornos esfumados mostram-nos diversas condições devisibilidade das imagens e o gosto social que veiculam.

No catálogo (55€), é escandalosa a ausência de medidas das provas antigas e dosnegativos das impressões modernas. Os desacertos de cores com que se reproduzem asprimeiras e a monotonia das novas impressões a sépia excessivamente contrastadassomam-se à indiferença com que se desrespeitam as escalas dos originais. E é absurda aclassificação como «Género» do capítulo final, que inclui fotografias de observaçãodocumental e de viagem, muitas de grande interesse.

Tratando-se de um trabalho dedicado só ao espólio da Golegã, choca a ausência de

dados sobre a sua história recente; cita-se a doação à autarquia, em 78, mas não aabertura da Casa-Museu em Novembro de 81 com uma exposição dita retrospectiva,nem a atenção que a imprensa dedicou a Relvas e à degradação do estúdio (oEXPRESSO publicou importantes artigos de Rui Cabral, em 14-XI-81, e de AntónioHenriques, em 24-I-96 e 16-III-98). É inaceitável a falta de uma descrição do acervo,para além dos números totais (4174 negativos de colódio e 6604 de gelatina brometo deprata; 146 provas em albumina, 1656 fototipos). A não apresentação dos catálogos,periódicos e livros em que colaborou bem como do inventário da extensa biblioteca de

Relvas são lacunas que sugerem a ocultação de informações.

Existem, por último, notórias insuficiências no estudo da obra, trocando-se a abordagemcrítica e comparativa por levianos encómios: «Bravo, Relvas, atingiste os teus, nossosobjectivos!», «C.R. demonstra o que, às vezes, é Portugal.» O Álbum da Exposição de1882 não foi um catálogo moderno, classificação que tem a ver com a problemática dasatribuições, e, embora muito notável, segue o modelo das edições comemorativas (verFrancis Haskell, The Effemeral Museum, Old Master Paintings and the Rise of the

Art Exhibition, 2000); entretanto, as justas objecções de Joaquim de Vasconcelos sobreo seu preço inacessível (A. Sena, História...) têm uma resposta absurda. Os êxitosinternacionais, no quadro histórico que se segue à era dos pioneiros, têm de ser vistosem termos sociológicos, conhecendo-se a crescente irrelevância artística dos salões,paralela aos da pintura que foi justamente esquecida. Carlos Relvas merece serlembrado, visto e estudado.

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“Carlos Relvas e a Casa da Fotografia”Museu Nacional de Arte Antiga, até 26 de OutubroCat. com textos de Vitória Mesquita e José Pessoa (com Alexandra Encarnação e Sofia

Torrado), António Pedro Vicente, Mark Haworth-Booth, André Rouillé, Michael Gray,Victor Mestre/Sofia Aleixo. 34x24 cm; 400 pp.; 400 il.

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O Estúdio Relvas em 1981

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O poster que se reproduz  acompanhou a abertura ao público de uma  primeira mostraretrospectiva no próprio Estúdio Relvas, reabewrto em 1981. A iniciativa pertenceu à

primeira (?) equipa a tentar interessar-se pela fotografia no então Instituto Português doPatrimónio Cultural (o IPPC), que então surgia a público com o nome de ArquivoNacional de Fotografia e em torno de José Luís Madeira.

A data não vem assinalada na História do António Sena, nem referida na monografia deAntónio Pedro Vicente, nem no catálogo da exposição Relvas em 2003, nem no álbum-catálogo agora editado pela Câmara Municipal, da autoria do historiador local PauloOliveira. (São formas de fazer/ocultar história...)

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Jorge Almeida Lima

«Jorge Almeida Lima — Fotógrafo Amador» 

Museu do ChiadoComis. Vitória Mesquita, José Pessoa. Cat. 28x24 cm; 208 pp., 198 il.

EXPRESSO Cartaz de 06 Setembro 1997  (nota sem título)

A exposição surge  em circunstâncias que parecem corresponder à iminência de

mudanças decisivas (decapitação?, desmantelamento?) numa entidade que nunca existiumas que deixa obra feita. Mistérios da política e da orgânica do aparelho de Estado queaguardam melhor oportunidade para serem esclarecidos. Diga-se apenas que é a quartaexposição promovida pelo Arquivo Nacional de Fotografia (Instituto Português deMuseus), depois das que apresentaram Frederick Flower, pioneiro e calotipista, oretratista lisboeta San Payo e João Martins («Os Putos»).

«Jorge Almeida Lima — Fotógrafo Amador» revela um autor praticamentedesconhecido (1817-1934) que é um curiosíssimo exemplo de um período da história dafotografia em que esta é em grande parte entendida como um «bello ramo de sport».

Além do «sport photographico», próprio de elegantes amadores, J.A.L. cultivou rosas,grangeando com a produção hortícola mais medalhas do que como fotógrafo, e também

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a caça, a esgrima, a gastronomia, ao mesmo tempo que foi dinâmico empresárioagrícola e industrial. Como fotógrafo, terá estado activo entre 1887 e o início dos anos20, apresentando-se agora uma produção tematicamente muito diversificada e marcadapela experimentação sucessiva dos progressos técnicos, caracterizada em geral pelaapetência documental e o gosto do registo realista sem particular ambição estizante. Àprática da paisagem e da observação de figuras populares soma-se alguns registos davida social do tempo, mas também uma série dedicada a retratos de mendigos e algunslevantamentos de embarcações, a par da prática da reportagem, que viria a terpublicação na imprensa.

 Mas a exposição tem o interesse maior de contar com um número apreciável de provasde época que, para além da eventual importância documental, colocam o espectadorperante as características próprias das impressões do tempo. Entre muitas fotografias

originais de grande qualidade, um Castelo de Almoural tonalizado a azul,   SantaMargarida, Pinheiros, num cianotipo recortado em círculo, um Grupo na Praia em provaaguarelada ainda resistente ao tempo, destacam-se como objectos fotográficos que sãoirredutíveis às reimpressões actuais, mesmo quando o ANF produz excepcionaisréplicas de antigas viragens a sépia e selénio. O mesmo sucede com a apresentação deimagens estereoscópicas (com dois dispositivos de observação), datadas de 1900 a1913, e com os autocromos, de 1916.

VER: Arquivo Nacional da Torre do Tombo http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=1202763

( Documentação adquirida pelo Arquivo Nacional de Fotografia, a Ernesto Martins, em 1981 (5.608documentos) e a Frederico Oom, em 1989 (573 documentos), desconhecendo-se a sua forma deaquisição.Pelo Relatório de actividades 1976-1983 do Arquivo Nacional de Fotografia, elaborado por José LuísMadeira, sabe-se que esta documentação esteve em risco de sair do país.O Decreto-Lei n.º 278/91 de 9 de Agosto ao mesmo tempo que criou o Instituto Português de Museus(IPM), extinguiu a Divisão de Fotografia do IPPC, colocando na dependência directa do Director do

IPM a gestão do património fotográfico.Na lista Espólios do ANF, da responsabilidade de Vitória Mesquita e datada de 1996, este fundo éapresentado como contendo 3.608 documentos fotográficos relativos à primeira aquisição e 573relativos à segunda, existindo uma discrepância entre a dimensão apresentada nesta lista e adocumentação existente. (...) )

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Aurélio da Paz dos Reis

"À procura de um autor"Expresso Cartaz de 13 Novembro 1999, pág. 25

Palácio Foz

Ignoradas as suas provas originais, o fotógrafo Paz dos Reiscontinua a ser um desconhecido

PIONEIRO do cinema, em 1896, fotógrafo amador, até cerca de 1920, floricultorpremiado e comerciante, político republicano, Aurélio da Paz dos Reis (1862-1931) éum curioso personagem portuense. A exposição que o Centro Português de Fotografialhe dedicou há tempos (1998/99), na Cadeia da Relação, chegou a Lisboa abreviada,numa apresentação que sublinha o interesse documental das imagens que deixou masque não permite ainda conhecer, de facto, o que foi a respectiva obra e o lugar queocupou na fotografia do seu tempo.

Fazem parte do espólio que lhe sobreviveu 2464 positivos e 9260 negativos, em geralchapas de vidro estereoscópicas, que permitiam a visão binocular em relevo, embora eletambém as usasse para obter panorâmicas ou captar duas imagens diferentes.É através das provas originais (que não se expõem), das vistas estereoscópicas queproduziu e comercializou (mas que aqui não se dão a ver), dos postais que editou e dasfotografias que expôs e com que ganhou prémios nos Salons ou que publicou naimprensa (duas das fotos expostas, sobre o Carnaval dos Fenianos, foram editadas na«Ilustração Portuguesa», em 1906) que a sua actividade poderia ser conhecida elocalizada na sua época histórica – que já é a da plena maturidade da fotografia e não aera dos pioneiros.

A opção seguida, mostrando apenas tiragens de 1998 impressas a partir dosnegativos originais (de muito boa qualidade mas com escassas referências técnicas),transforma radicalmente as condições de visibilidade e exposição da sua produçãofotográfica, por via de uma prática que poderia ser designada por arqueologia criativa.Existem certamente dois Paz dos Reis: o que foi visto no seu tempo e o que é recriado apartir do seu espólio de negativos – proporcionar esse confronto seria de grande

interesse.Sucede que a fotografia estereoscópica, divulgada a partir da Exposição Universal deLondres de 1851, se vulgarizou nas duas décadas seguintes como entretenimento social

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e instrumento de divulgação (antes da multiplicação das edições em formato «carte devisite»), mas perdeu depois quase todo o seu impacto perante a novidade do cinema,ficando no final do século restrita a alguns grupos de amadores especializados (ver, porexemplo, La Photographie Stéréoscopique sous le Second Empire, BibliotequeNationale de France, 1995). Paz dos Reis ter-se-á mantido até ao final fiel a esseprocesso já anacrónico.

.

As imagens estereoscópicas caracterizavam-se em geral por uma ambição de realismo(de início recreado em estúdio) que se acentuava pela presença da terceira dimensão,funcionando como «tranches de vie» de um mundo em rápida mudança. Aparentemente,o realismo das imagens recuperadas de Paz dos Reis tem essa mesma origem, já emalternativa ao documentarismo cinematográfico, que ele rapidamente abandonou,faltando demonstrar que as provas fotográficas que o próprio imprimiu e divulgou (enão só as que agora se retiram do seu espólio de negativos, com maior ou menorarbitrariedade) se afastavam deliberadamente do gosto salonista da época para tirarpartido estilístico ou estético do instantâneo documental, quase cinematográfico, quemais tarde se viria a apreciar.

As desfocagens parciais, os enquadramentos instáveis e desiquilibrados, a sugestão domovimento, que são atraentes nas imagens aqui expostas, antecipando o fotojornalismoposterior – como em Carnaval dos Girondinos, 1906; as Batalhas de Flores noPalácio de Cristal e em Espinho, 1907; a Visita de D. Manuel II ao Porto, 1908; osretratos de António José de Almeida, Bernardino Machado, etc –, tinham curso apenas

no âmbito do espectáculo das vistas estereoscópicas ou eram aceites pelo autor nas suasprovas impressas?

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Ficam por esclarecer algumas questões determinantes, enquanto o material original nãofor estudado e exposto, e permanece a dúvida, com a recuperação dos negativos que temvindo a ser feita, quanto a estar-se perante uma recreação ou manipulação das imagensfotográficas e das suas condições de exposição. A exposição do Porto levava ao excessoessa intervenção criativa, com a apresentação de montagens sequenciais e caixas de luz,e o catálogo, entretanto, orienta-se para a narrativa biográfica e histórica, deixando poranalisar a prática fotográfica.

Entretanto, tem de sublinhar-se o contributo testemunhal das imagens expostas sobre avida quotidiana no início do século, especialmente a da sua cidade do Porto: as ruas, asfestividades e os acontecimentos políticos (os comícios, o 5 de Outubro em Lisboa), aactividade comercial, os transportes, a vida social e cultural (o Photo-Velo Club, de

1900, por exemplo), os desportos, etc, com extensão a Paris, na Exposição Universal de1900. É um imenso património iconográfico que assim se põe em circulação, mesmoque se desconheça ainda se essas imagens têm, de facto, um ou vários autores. (Até 5 deDezembro)

Em 1996Casa das Artes, PortoExpresso Cartaz Exposições (Roteiro) 21 Dezembro 1996

A homenagem ao pioneiro do cinema deu lugar a uma primeira aproximação ao seupossível lugar na história da fotografia portuguesa, onde não teve papel pioneiro nemterá particular destaque, excepto na medida em que a sua produção retratística edocumental (com relevo para as reportagens dos comícios republicanos e do 5 deOutubro) é um testemunho de época e parece por vezes perseguir o movimento dasimagens.A exposição comissariada por Teresa Siza inclui provas   de recente impressão,estereoscópicas e panorâmicas em muitos casos, e é acompanhada por catálogo da

Cinemateca que não corresponde exactamente ao registo das imagens exibidas.  Incluitambém aparelhos de fotografia e cinema, para além de objectos pessoais e testemunhosda sua actividade de comerciante e de membro da Maçonaria. (Até 28 Fev. 97)

Em 1998Cadeia da Relação, PortoExpresso Cartaz Exposições (Roteiro) 31 Dezembro 1998 

Depois de uma primeira apresentação do fotógrafo por ocasião do centenário do cinema,

de que foi um dos pioneiros em Portugal, espera-se que esta seja a «edição crítica» que,através das provas originais (foram 2464 os positivos entregues ao CPF) e também das

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imagens impressas nas publicações da época (expondo as próprias páginas da«Ilustração Portuguesa»), permita situar a obra no seu tempo e avaliar o entendimento eo uso da fotografia por parte de Aurélio Paz dos Reis (1862-1931).Embora o tratamento do espólio de 9260 negativos de vidro seja aliciante, por constituirum extenso acervo de imagens da cidade e da vida quotidiana do Porto das primeirasdécadas do século XX, e também de acontecimentos tão significativos como aimplantação da República, importaria conhecer as fotografias com que se fezrepresentar nas Exposições Universais de 1900 e 1904, e noutras posteriores; importariamostrar e dar a entender o gosto tardio pelas vistas estereoscópicas (que tinham tidovoga internacional nas décadas 70 e 80 do século anterior); importaria avaliar, atravésdas imagens que ele próprio imprimiu e divulgou, vistas nos formatos e processos queusou (e não através de «inéditos»), a sua prática de foto-repórter amador e talvez depoisprofissional, contemporâneo de Joshua Benoliel, a sua distância em relação à escola

documental de Emílio Biel ou à fotografia artística internacional do seu tempo, jámarcada pelos processos pigmentares.Em suma, espera-se que o CPF saiba recentrar a investigação do passado da fotografiasobre as provas de época e resista à tentação de entender os negativos de um autor de hásete ou oito décadas como materiais livremente manipuláveis segundos os gostos e astécnicas de hoje (expondo, por exemplo, caixas de luz, dípticos e outras montagenssequenciais ou quadros fotográficos, não identificados como recriações). Mas serápossível mostrar provas «vintage» nas enxovias da Relação? (Até 28 Fev.)

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Joshua Benoliel

“Génio ou mito?” Joshua Benoliel continua a ser um fotógrafo desconhecido

Expresso Actual de 04 Junho 2005 

“Joshua Benoliel - Repórter Fotográfico”Cordoaria Nacional, até 21 de Agosto

É chocante notar que vêm dos arquivos de «L’Illustration», de Paris, e «ABC», deMadrid, quase todas as provas de época expostas na mostra dedicada a Benoliel, para

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além de dois álbuns do Arquivo Histórico Militar, com milhares de provas de contactosobre os preparativos da intervenção na I Guerra. Se fica documentada a actividade docorrespondente internacional, com originais cheios de anotações, retoques e marcaseditoriais («L’Illustration»), também se ilustra o desprezo nacional pelo patrimóniofotográfico.

Benoliel é uma das vítimas dessa fatalidade, apesar de ter gozado em vida, e depoisdela, dum imenso prestígio. É provável que não se tenha esgotado a hipótese dedescobrir outras provas de particulares e instituições (o Paço de Vila Viçosa tem mais deduas centenas que não foram cedidos para a exposição da Cordoaria). Mas no caso dumfoto-repórter com tão grande obra impressa, principal intérprete da aparição daimprensa ilustrada com os progressos fotomecânicos no início do século XX, não háque fetichizar as edições «vintage». As imagens publicadas devem ser vistas neste caso

como originais (com as soluções gráficas que nesse tempo se inventavam - expondo-seedições e não fac-similes colados nas paredes). E os negativos sobreviventes são sempreum manancial para reimpressões.

Joshua Benoliel (1873- 1932) reuniu um espólio de mais de 60 mil negativos em cerca

de 30 anos de trabalho, mais intenso de 1906 a 1918 como colaborador principal domagazine semanal de «O Século», a «Ilustração Portuguesa». Era o «filme da vida dumanação», «o documentário da nossa vida política, social, mundana, desportiva, teatral,

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etc.», dizia a promoção do Arquivo Gráfico da Vida Portuguesa 1903-1918, História daVida Nacional em Todos os seus Aspectos, que Rocha Martins prefaciou em 1933 comum texto que continua a ser a quase única fonte de informação sobre o homem e ofotógrafo («Os grandes objectivos duma objectiva célebre», ver História da ImagemFotográfica em Portugal, de António Sena).

Quando a edição se interrompeu ao cabo de seis fascículos, não saíra da 1ª Parte, «Osúltimos anos de um reinado» (D. Carlos). Começa com «As viagens dos chefes deEstado a Portugal», desde Eduardo VII e Afonso XIII, em 1903, e junta no 2º capítulo«A viagem de D. Carlos a Espanha» (1906) e «O Movimento Operário em Portugal»,sobre o comício socialista do 1º de Maio de 1907. Aí figuram as notáveis fotografias dasmesas dos oradores, com Azedo Gneco, e da Imprensa, improvisadas sobre carroças.Depois passa às «Procissões», desde 1903, com observações atentas de grupos de

mulheres nos passeios, e o capítulo 4º intitula-se «Cascais, Corte da Saudade»: «gruposde elegantes» na praia, tiro aos pombos e ténis, «As Gincanas de Automóveis». Oexótico alinhamento prossegue com destaque para a rebelião do Cruzador D. Carlos(1906) e «Os Intransigentes de 1907» (a revolta académica, com «Os que furam agreve», «O julgamento dos díscolos», a solidariedade dos liceus lisboetas, até à belaimagem final da despedida de Paulo Quartim expulso de Coimbra, já dentro docomboio.

As circunstâncias políticas de 33 ou as dificuldades económicas da edição ditaram o seufim. Depois, o arquivo foi-se dispersando, vendido a diversas entidades pelo seu filhoJudah Benoliel (também destacado foto-repórter), em tempos de crise, e mais tarde poroutros herdeiros. «O Século» veio a receber uns milhares de chapas de vidro quepassaram para o Centro Português de Fotografia e estarão na Torre do Tombo (9334negativos, ou cerca de 12 mil, segundo diferentes fontes), e o Arquivo Municipalconserva entre 4500 e 3500, entre outras colecções de menor vulto.

Por ocasião da Europália‘91, Benoliel foi apresentado por uma selecção de 34

fotografias, quase todas reimpressões modernas. A escolha de A. Sena afastou-se daabordagem cronológica e descritiva para ensaiar uma aproximação à singularidade dofotógrafo e de um olhar capaz de ser muitas vezes original, irreverente e poético. Foi aprimeira e até agora única ocasião para se ver que, para além da quantidade e daimportância documental do acervo do antigo «Século», o melhor trabalho fotográfico egráfico de Benoliel escapa às rotinas e rituais do fotojornalismo, inventando outrosmomentos e pontos de vista, nos quais se desenham interesses e sentidos que só viriama ter expressão significativa após as mutações da década de 20 (com a «nova visão», a

Leica e a seguinte vaga de magazines ilustrados). Ao contrário das outras mostras que serepetiram em Portugal, esta ficou por Charleroi, acompanhada por um catálogotruncado.

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De nacionalidade britânica (nascido em Lisboa de pais vindos de Gibraltar), judeupraticante, monárquico (Stuart caricatura-o em 1916 com uma coroa no alfinete dagravata azul e branca), viajado e culto (o padre Miguel A. de Oliveira, no ArquivoGráfico, recorda-o em Sevilha e na Bélgica «explicando os segredos artísticos deMurillo e Van Dyck»), despachante de alfândega e bibliófilo, Benoliel é decididamenteum personagem singular.

Não é conhecido o que pensava da fotografia, senão através da obra que iniciou quandoas práticas amadoras e profissionais se tinham já banalizado e alguns aficionadoscosmopolitas se interessavam pela «arte fotográfica» picturialista. Terá publicado aprimeira reportagem em 1898 na revista «Tiro Civil», sobre as «Regatas doCentenário», e continuava a dedicar-se a temas desportivos e a frequentar a Corte («ElRei», em «Tiro e Sport», 1904) quando entrou como «free-lancer» para a «Ilustração

Portuguesa» e se tornou o cronista dos últimos anos conturbados da Monarquia e dosprimeiros da República. Terá apenas participado numa exposição beneficente deamadores em Cascais, com D. Carlos e a «alta sociedade», em 1903, e manteve-sedepois à margem dos salões da fotografia artística (mesmo do que a «Ilustração»promoveu em 1910), mas as suas reportagens estiveram presentes na 1ª Exposição deArtes Gráficas, em 1913, e no ano seguinte numa mostra idêntica em Leipzig.

Gérard Castello-Lopes chamou-lhe «o único génio da fotografia portuguesa». IanJeffrey considerou-o «sem igual entre os pioneiros do fotojornalismo» (Time Frames:The Story of Photography, 1998, citado por Nuno Avelar Pinheiro em Pelos Séculos d’OSéculo, Torre do Tombo, 2002).

A actual exposição adopta uma lógica de arquivo, em resistência à consideraçãomuseológica e estética da fotografia utilitária ou vernacular (reservada à que enuncia aintencionalidade artística, seguindo cânones das artes plásticas). O que significa, emprimeiro lugar, desvalorizar a possibilidade de reconhecer uma marca autoral, um estilo,um olhar próprio, uma qualidade fotográfica, no que se quer ver só como resposta

técnica e ideológica às novas necessidades da imprensa ilustrada. O tema vem deRosalind Krauss e liga-se à cegueira «ontológica» fixada na cesura ou corte, fingindoignorar que as escolhas do enquadramento e do ponto de vista são fundamentos daoriginalidade da fotografia. A reflexão crítica de Szarkowski e os catálogos do MoMAsão mais produtivos para a prática e a cultura fotográficas do que o marxismoacadémico da revista «October»: a questão também é política.

O que importa à comissária Emília Tavares é «desconstruir o mito» Benoliel, segundodisse à «Visão». Daí a quase ausência de escolha das fotografias «mais eloquentes»,

mais belas e significativas, e a insistência na quantidade, uniformizada por impressõesdemasiado escuras, de bordos negros como radiografias, sem interpretação de valores

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lumínicos, mesmo quando se conhecem as suas versões impressas. Daí a quase totalausência da visão inovadora com que Benoliel construiu as imagens da nova urbanidadedo seu tempo (os aviões e automóveis, os desportos, os e as «elegantes» das avenidas,os ofícios urbanos, os ambulantes e os ociosos, a confluência das várias classes noespaço público - algumas dessas imagens essenciais são projectadas à entrada damostra). Daí a concentração sobre temas da história política enquadrados por fórmulasideológicas de suposto alcance universal.

Os capítulos sobre o regicídio (e a falsa questão do «instante perdido»), a implantaçãoda República (e «a política das imagens»), que se prolonga nas variações obsessivassobre «Imagem e Poder» e «Caos e Ordem», propõem a ideia que o fotógrafo é ummero instrumento da propaganda (burguesa), uma peça do discurso segregado pelaimprensa ilustrada ao serviço dos vários poderes. Depois, «Geometria da Cidade» é um

exercício de esteticismo anacrónico.

As multidões, os grupos (de grevistas ou de citadinos) e as figuras solitárias têm nasfotografias de Benoliel, com o seu sentido da profundidade de campo e do pormenor,uma presença que é, nas imagens mais conseguidas, e algumas podem descobrir-se naCordoaria, a mais exaltante visão (encontrada e construída) do dinamismo urbano, nostrânsitos de um olhar atento à expressão das massas e à intimidade dos indivíduos, e àpossível tensão entre elas. Com a liberdade e a verdade de que as melhores imagenspodiam então ser testemunho, Benoliel deixou-nos um breve estado de graça dafotografia portuguesa. A herança continua a ser delapidada.

Uma carta a propósito, da Comissária Emília Tavares, e abreve resposta

EXPRESSO, Actual de 18-06-2005

É sempre gratificante que um crítico de arte, com uma conhecida reputação,como é o caso de Alexandre Pomar, faça eco público das dificuldades dosinvestigadores (na verdade, os únicos que diariamente se confrontam com opatrimónio fotográfico nacional e o conhecem) sobre a falta de uma políticade conservação e preservação desse mesmo património.

Quanto aos comentários acerca da exposição, torna-se necessário tecer

algumas rectificações e esclarecimentos. Génio ou Mito? Parece-me umaquestão estafada, secundária e muito antiga, que em nada abona para oconhecimento do trabalho de Joshua Benoliel, que Pomar parece não rever na

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exposição apresentada. É natural, já que algumas noções fundamentais sobreo que é o espólio fotográfico de um autor e a metodologia que deve serempregue no seu estudo não estão, nem têm que estar, na base da suaformação, o que já é mais lamentável é que discorra acerca delas sem esseconhecimento, ou pelo menos não procure informação credível.

Comecemos precisamente pela questão de «lógica de arquivo, em resistênciaà consideração museológica e estética». Perante qualquer espólio fotográfico,a metodologia universal a adoptar é antes de mais a sua inventariação,separação por suportes e formatos, técnicas, estados de conservação eindexação dos seus conteúdos. Este trabalho arquivístico, que Pomar parecedesprezar, é fundamental para discernir no conjunto global de imagens aconstrução da tal marca autoral, que não se prende a códigos lineares e

obtusos sobre quem é génio e quem não é.

Estamos perante o trabalho de um foto-repórter, qualquer consideraçãoestética não pode deixar de se colocar em confronto com este facto intrínsecoe rearticulação ontológica do seu trabalho. «Cegueira ontológica» é quererinstalar o trabalho de Benoliel num registo de genialidade estéticanovecentista, não atendendo à projecção que a sua obra teve nodesenvolvimento de algo mais abrangente do que uma autoria, isto é, uma

nova cultura visual.

A «concentração sobre temas da história política» apenas é demonstrativa eequitativa em relação ao conjunto geral do espólio e à sua qualidade.«Imagem e Poder» e «Caos e Ordem» são a análise latente de um período emque toda a construção política das imagens tem o seu início. Benoliel não éapenas, mas é também, um instrumento de construção de significadospolíticos e ideológicos, uma vez que a manipulação editorial das suas imagens

foi sempre um exercício que extravasa o significado original das mesmas.

A questão só pode mesmo ser também política, quando falamos de imagemfotográfica e cultura de massas, mas Pomar terá de ampliar muito a suabibliografia para a compreender, uma vez que essa questão surge muito antesdo «marxismo académico da revista ‘October’» ou de Rosalind Krauss. Daí que o crítico considere que houve «fetichização das edições vintage», nãocompreendendo que essas mesmas edições são documentos absolutamente

inéditos, que permitem entender todo o trabalho editorial sobre o«enquadramento e ponto de vista» do fotógrafo, obrigando-nos, no mínimo, aredimensionar o significado dos «fundamentos da originalidade da

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fotografia». Quanto às imagens publicadas existem nesta exposição, e emnúmero muito superior aos fac-similes, que se resumem a 6, enquanto que sãoapresentadas 19 edições originais.

Pomar considera que a minha escolha de imagens deixou de fora as «maiseloquentes, mais belas e significativas», adjectivos e apreciação que sópoderei discutir com o crítico quando souber quantas imagens, das 13 mil queconstituem o espólio do fotógrafo, já viu, sem serem as publicadas e paraalém da selecção de 34 que António Sena realizou para a Europália 91. Custa-me a crer que o historiador, com o rigor que lhe é conhecido, tenhaconsiderado que em 34 imagens estava resumida e totalmente abordada aoriginalidade do trabalho de Benoliel, conforme o faz Pomar.

Quanto às críticas à impressão das provas actuais, devia o crítico ter-seinformado sobre o estado de conservação dos negativos originais, uma vezque esse aspecto técnico tem toda a relevância na produção das referidasimpressões. Os negativos apresentam problemas diversos de deterioração,impossibilitando tecnicamente qualquer aproximação a impressões originais,e obrigando a um apurado trabalho para retirar o máximo de informação dosmesmos, que Paula Campos executou de forma irrepreensível e correcta.Além do mais, alimenta a inocente ilusão de que as edições originais ou as

«vintage» constituem documentos fiáveis para comparação, ignorando quequalquer delas apresenta estados de deterioração da imagem, que falseiam ostão apreciados «valores lumínicos originais». O que Pomar confunde comuma radiografia é a impressão integral do negativo, conferindo-lhe umaidentificação matérica, tantas vezes subvalorizada na abordagem fotográfica, egarantindo uma reprodução integral do enquadramento executado pelo autor.

A história da fotografia portuguesa é parca e inconsistente, precisamente

porque se têm perdido demasiados anos a perseguir génios fotográficos, emdetrimento do estudo articulado das suas obras, assim como permanecerá umbeco sem saída, enquanto um certo caciquismo emplumado imperar,delapidando os empreendimentos que não possuem uma suposta autoridadeintelectual histórica a apadrinhá-los. Deste modo, continua a ignorar-se otrabalho anónimo e desvalorizado desenvolvido em muitas instituições deensino, museus e, de modo particular, por investigadores competentes.

A exposição de Benoliel, na Cordoaria, não pretendeu nunca ser um projectoarrogante e fechado sobre si mesmo, deseja-se que outros investigadorestenham a oportunidade de contribuírem com abordagens diferentes e

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complementares. Muitas outras questões ficam por discutir sobre a presenteexposição, mas espero que o catálogo da mesma, a editar em final de Junho,possa desenvolver novas matérias para um debate construtivo e maisinformado.EMÍLIA TAVARES, comissária da exposição «Joshua Benoliel -Repórter Fotográfico»

N.R. Alguns pormenores, entre muitas tergiversações: Não considerei que na exposiçãohouvesse qualquer «fetichização das edições vintage»; a comissária é que agorasobrevaloriza o ineditismo das provas com retoques e marcas editoriais. A referência à«lógica de arquivo» e a Rosalind Krauss alude ao artigo sobre a fotografia doséc.uloXIX e de Atget incluído em Le Photographique, como será óbvio para qualquer

leitor informado (deixemos em paz a aura de Benjamin). Não pus em causa a qualidadedo trabalho de impressão de Paula Campos, mas as opções que teve de seguir; com os«problemas diversos de deterioração» dos negativos, mais difícil terá sido cumprir aexigência de uniformizar as provas modernas.

A.P.

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San Payo

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«San Payo — Retratos Fotográficos»Exp. SEC - IPM - Arquivo Nacional de FotografiaMuseu do Chiado, 1995comis. Vitória Mesquita e José PessoaCat. com textos de António Barreto (SP: a arte do retrato, a sociedade e a política), Raquel Henriques

da Silva (O retratos fotográfico e o retrato na pintura. San Payo e a arte portuguesa, 1920-1950), e oscomis. (Estudo do trabalho do fotógrafo Manuel Alves San Payo (1890-1974), na sequência da doaçãodo espólio do artista por parte da família.)Sem bibliog portug. (refere 4 exp.)

No Expresso, escreveu Jorge Calado: "Retratos e fotografias", Revista, 25 Nov. 1995, pp. 120-126

A exp. teve por base o espólio doado pelos filhos do fotógrafo, em 1990, ao Arquivo Nacional deFotografia (departamento do Instituto Português de Museus que aguardava ainda em 1995 a suainstitucionalização formal - que não chegou a ocorrer, devido à crição do CPF em 1996/97)

notas:Museu do Chiado 4-11-1995O Arquivo Nacional de Fotografia, entidade informal ou serviço do Instituto Portuguêsde Museus (alguém irá finalmente dar-lhe agora existência legal e estatuto condigno?),revela um dos espólios que recebeu e conserva. Retratista (apenas retratista, o que é raronum fotógrafo), San Payo gozou de uma fama imensa que se justifica pela exactacorrespondência entre o autor e o meio social que retratou. A retrospectiva corre o riscode reeditar o mito, sobre algum desconhecimento de outras realidades nacionais e

internacionais. A exposição e a obra têm méritos; a iniciativa é um contributo positivopara o levantamento da história da fotografia e do gosto nacionais. Mas impõe-seproceder a revisões mais rápidas do passado, certamente mais abrangentes ecomparativas que as produções monográficas.

Museu de Évora 14-09-96Reapresenta-se em Évora a exp. «San Payo — Retratos Fotográficos», inaugurada em1995 no Museu do Chado e já este ano levada a Melgaço, terra natal do fotógrafo quefoi um dos mais famosos retratistas de Lisboa, desde meados dos anos 20.Partindo da tradição picturialista, San Payo (1890-1974) cultivou o «retrato de arte»com uma assinalável competência profissional, sendo a sua obra um notável indicadordos gostos dominantes da sociedade nacional e de uma certa prática social da fotografia.A mostra foi organizada pelo Arquivo Nacional de Fotografia (departamento do InstitutoPortuguês de Museus que aguarda a sua institucionalização formal no quadro dareoganização do Ministério da Cultura), com base no espólio que lhe foi doado pelosfilhos do fotógrafo em 1990, e constitui mais um passo significativo no levantamento dopatrimónio fotográfico nacional.

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Outro retratista de carreira paralela foi objecto de uma exposição em 1999, no Museu Nacional do Teatro, intitulada “AMÁLIA RODRIGUES. RetratosFotográficos SILVA NOGUEIRA”, e foi referido num texto de conjunto:

“Olhares cruzados” 24-12-1999: A homenagem à voz desaparecida é também

uma chamada de atenção para um dos grandes retratistas da primeira metade doséculo, que no estúdio da Fotografia Brasil, desde os anos 30, foi o preferidopelos artistas (o outro foi San Payo, a que o Arquivo Nacional de Fotografiadedicou uma retrospectiva no Museu do Chiado, em 95, e haverá ainda querecordar Mário e Horácio Novaes).Ao longo das provas de sucessivas sessões que decorreram entre 1942 e 1954, aexposição fixa a criação da personagem Amália e depois a sua emocionantecapacidade de mutação, mas só abre o apetite em relação a Silva Nogueira.

Trata-se de uma mostra de reimpressões modernas, com a habitualestandardização de tonalidades, brilhos e formatos (mais a insuficiência actualda arte do retoque). Dirigida por José Pessoa e Vitória Mesquita (ex-ANF, actualDivisão de Documentação Fotográfica do IPM), é acompanhada por umcatálogo cuidadosamente editado – mas é difícil situar as legendas remetidaspara o final e teria sido oportuno prolongar a recuperação dos retratos com ainventariação do seu uso em capas de discos, postais e reproduções de imprensa.Nunca há tempo para fazer as coisas bem feitas.

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