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FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL E ANÁLISE DE REDES SOCIAIS: RESULTADOS METODOLÓGICOS A PARTIR DO ESTUDO DA CIDADE DE MARINGÁ - PR LUCIANO ANTONIO FURINI 1 Resumo: Ao selecionar a análise de redes como metodologia de uma das várias frentes do projeto temático Fragmentação socioespacial e urbanização brasileira: escalas, vetores, ritmos, formas e conteúdos, busca-se contribuir para o entendimento da relação entre sociabilidade e espacialidade no processo de fragmentação socioespacial urbana. Embora encontremos uma diversidade de estudos sobre análise de redes, a particularidade temática, considerando as escalas e os tipos de sujeitos envolvidos, exige adequações para uma pesquisa completa. Nesse sentido apresentamos alguns resultados dos primeiros levantamentos realizados na cidade de Maringá (PR), com base nesta fase inicial pretendemos organizar as demais etapas do estudo. A cidade é um espaço de relações em que a estruturação socioespacial é objetivada a partir de redes sociais de natureza tanto espontânea, quanto deliberada. As mudanças sociais e as alterações da estrutura urbana se influênciam reciprocamente e levam os padrões socioespaciais a níveis peculiares de desigualdades. A Análise de Redes Sociais (ARS), ao dispor de técnicas que identificam as intensidades das relações de: interação, distinção, reciprocidade e seletividade, entre outras, permite caracterizar os tipos de presenças e ausências nas diversas áreas da cidade, classificando os níveis de uso e apropriação do espaço segundo as dinâmicas interpessoais. A opção pela aplicação da análise de redes em pesquisas sobre fragmentação socioespacial deve-se ao fato de que uma das questões centrais do processo de fragmentação socioespacial relaciona-se com a qualidade da sociabilidade nas relações socioespaciais. Nesse sentido, passa a ser importante analisar os indivíduos ou os grupos de contatos e suas redes sociais. Com a caracterização dessas redes torna-se possível identificar padrões de negação do outro e da alteridade, ou de determinadas formas de alteridade. A ARS constitui, assim, uma das formas de pesquisar as possíveis barreiras sociais, mantidas por meio da indiferença entre os grupos e os indivíduos e que podem culminar com a ocorrência de barreiras físicas ou com descontinuidades marcadamente discriminatórias e excludentes. Essa proposta metodológica estuda então, a relação entre o tipo de inserção social dos sujeitos em meio aos limites, constrangimentos e possibilidades espaciais designados pela lógica socioespacial urbana, agora de natureza fragmentária. Considerando que os fragmentos dessa espacialidade se justapõem e levem a novos padrões espaciais de desigualdades, a análise de redes pode apontar os elementos que articulam seletivamente os fragmentos e os pontos da rede que limitam as interações. Para identificar os padrões de seletividade e as barreiras ou indícios de indiferença organizamos questionários cujos resultados foram compilados por meio do software Ucinet, com base no qual elaboramos sociogramas e cartogramas específicos. Assim foi possível identificar a abrangência dos primeiros resultados frente ao conjunto de expectativas do estudo. A caracterização da fragmentação socioespacial pode ser apreendida como uma leitura recente das novas lógicas socioespaciais presentes nas cidades, deste modo os resultados deste estudo podem contribuir para apresentar novos elementos para o planejamento urbano. 1 Docente do Curso de Geografia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Campus de Ourinhos. E-mail de contato: [email protected]

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FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL E ANÁLISE DE REDES

SOCIAIS: RESULTADOS METODOLÓGICOS A PARTIR DO ESTUDO

DA CIDADE DE MARINGÁ - PR

LUCIANO ANTONIO FURINI1

Resumo: Ao selecionar a análise de redes como metodologia de uma das várias frentes do projeto temático Fragmentação socioespacial e urbanização brasileira: escalas, vetores, ritmos, formas e conteúdos, busca-se contribuir para o entendimento da relação entre sociabilidade e espacialidade no processo de fragmentação socioespacial urbana. Embora encontremos uma diversidade de estudos sobre análise de redes, a particularidade temática, considerando as escalas e os tipos de sujeitos envolvidos, exige adequações para uma pesquisa completa. Nesse sentido apresentamos alguns resultados dos primeiros levantamentos realizados na cidade de Maringá (PR), com base nesta fase inicial pretendemos organizar as demais etapas do estudo. A cidade é um espaço de relações em que a estruturação socioespacial é objetivada a partir de redes sociais de natureza tanto espontânea, quanto deliberada. As mudanças sociais e as alterações da estrutura urbana se influênciam reciprocamente e levam os padrões socioespaciais a níveis peculiares de desigualdades. A Análise de Redes Sociais (ARS), ao dispor de técnicas que identificam as intensidades das relações de: interação, distinção, reciprocidade e seletividade, entre outras, permite caracterizar os tipos de presenças e ausências nas diversas áreas da cidade, classificando os níveis de uso e apropriação do espaço segundo as dinâmicas interpessoais. A opção pela aplicação da análise de redes em pesquisas sobre fragmentação socioespacial deve-se ao fato de que uma das questões centrais do processo de fragmentação socioespacial relaciona-se com a qualidade da sociabilidade nas relações socioespaciais. Nesse sentido, passa a ser importante analisar os indivíduos ou os grupos de contatos e suas redes sociais. Com a caracterização dessas redes torna-se possível identificar padrões de negação do outro e da alteridade, ou de determinadas formas de alteridade. A ARS constitui, assim, uma das formas de pesquisar as possíveis barreiras sociais, mantidas por meio da indiferença entre os grupos e os indivíduos e que podem culminar com a ocorrência de barreiras físicas ou com descontinuidades marcadamente discriminatórias e excludentes. Essa proposta metodológica estuda então, a relação entre o tipo de inserção social dos sujeitos em meio aos limites, constrangimentos e possibilidades espaciais designados pela lógica socioespacial urbana, agora de natureza fragmentária. Considerando que os fragmentos dessa espacialidade se justapõem e levem a novos padrões espaciais de desigualdades, a análise de redes pode apontar os elementos que articulam seletivamente os fragmentos e os pontos da rede que limitam as interações. Para identificar os padrões de seletividade e as barreiras ou indícios de indiferença organizamos questionários cujos resultados foram compilados por meio do software Ucinet, com base no qual elaboramos sociogramas e cartogramas específicos. Assim foi possível identificar a abrangência dos primeiros resultados frente ao conjunto de expectativas do estudo. A caracterização da fragmentação socioespacial pode ser apreendida como uma leitura recente das novas lógicas socioespaciais presentes nas cidades, deste modo os resultados deste estudo podem contribuir para apresentar novos elementos para o planejamento urbano.

1 Docente do Curso de Geografia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Campus de Ourinhos. E-mail de contato: [email protected]

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Palavras-chave: Análise de redes sociais; fragmentação socioespacial; urbano; Maringá (PR).

Abstract: On selecting the network analysis as a methodology of one of the several fronts on the thematic Socio-spatial Fragmentation project and Brazilian urbanization: scales, vectors, rhythms, forms and contents, it was searched to contribute to the enlightenment of the connection between sociability and spatiality in the urban socio-spatial fragmentation process. Although found a diversity of studies on networks analysis, the thematic distinctiveness, taking into account the scales and types of regarded subjects, it is necessary adjustments for a complete research. In this meaning it was introduced some results of the first surveys accomplished in the city of Maringá – (PR) based on that initial phase it was sought to organize the other stages of the study. The city is a space of connections in which the socio-spatial structures is aimed from spontaneous as well as deliberated networking. The social changes and the urban structure alteration influence each other, bringing the socio-spatial patterns to peculiar levels of inequalities. The analysis of social networks (ARS), using techniques that identify the intensities of: interaction, distinction, reciprocity and selectivity, among others, allows characterizing the types of presences and absences in different areas of the city, classifying the levels of use and appropriation of space according to interpersonal dynamics. The option for network analysis application on socio-spatial fragmentation surveys is due to the fact that one of the central queries on socio-spatial fragmentation process is connected to the quality of sociability in socio-spatial relations. In this purpose, it becomes important to analyze individuals or their contacts in their network. Characterizing these networks, it becomes possible to identify patterns of denial of the other and otherness, or of certain forms of otherness. The ARS is thus one of the ways to survey possible social barriers, kept by means of indifference between groups and individuals which may lead to the occurrence of physical barriers or with discontinuities markedly discriminatory and exclusionary. This methodological proposal studies thus, the relation between the type of social insertion of subjects through limits, embarrassment and spatial possibilities designed by urban socio-spatial logic, now of fragmentary nature. Taking into account that the fragments of that spatiality are juxtaposed and lead to new spatial patterns of inequalities, the analysis of networks can point out the elements which articulates selectively the fragments and the network sections which restrict the interactions. In order to identify the selective patterns and the barriers or signs of indifference, it was organized questionnaires whose results were compiled through the software Ucinet, whose base was used to elaborate specific sociograms and cartograms. Thus, it was possible to identify the scope of the first results before the conjunct of expectations of the study. The socio-spatial characterization of fragmentation can be apprehended as a new reading of new socio-spatial on the scene in the cities, so the results of this study can contribute to present new elements for urban planning.

Keywords: Social networks analysis; socio-spatial fragmentation; urban; Maringá (PR).

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1 - Introdução

Os estudos sobre o processo de urbanização permitem compreender a

dinâmica entre o urbano e a cidade de acordo com as características socioespacias

de diferentes períodos históricos. Atualmente, os vetores formados por

internalidades e externalidades presentes nas cidades geram transformações de

diversas ordens, que alteram formas, funções, conteúdos e processos

socioespaciais, estabelecendo uma miscelânea complexa, a partir da qual se

identifica a ocorrência de formas de fragmentação na cidade, a chamada

fragmentação socioespacial2.

Buscando estudar o processo de fragmentação socioespacial, a pesquisa do

projeto temático Fragmentação socioespacial e urbanização brasileira: escalas,

vetores, ritmos, formas e conteúdos (FragUrb), apoiado pela Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, possui uma série de frentes

metodológicas que podem contribuir para o debate. Este texto, em particular,

apresenta uma primeira aproximação da aplicação da metodologia da análise de

redes sociais nas pesquisas sobre fragmentação socioespacial em Maringá (PR).

É importante evidenciar certa dificuldade em se estabelecer as

especificidades entre os processos de segregação e fragmentação nas cidades, ou

ainda entre framentação social e fragmentação socioespacial, revelando a

importância das pesquisas sobre o tema no período atual.

2 - O potencial da análise de redes sociais nas pesquisas sobre fragmentação

socioespacial urbana

2 [...] pode-se falar de um processo que não é mais apenas de segregação socioespacial, nela incluída as iniciativas de autossegregação. Trata-se de aprofundamento das desigualdades, negando as possibilidades de diálogo entre as diferenças, o que justifica a adoção da noção de fragmentação socioespacial [...]. (SPOSITO, 2011, p. 142).

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A análise de redes sociais é composta por variados conjuntos de

procedimentos metodológicos em diferentes áreas do conhecimento. As técnicas

que fazem parte deste tipo de metodologia permitem identificar as principais

características de grupos ou indivíduos, de acordo com os temas pesquisados e os

contextos envolvidos. A importância deste procedimento está relacionada ao modo

como o resultado é apresentado e aos padrões identificados, assim, de acordo com

os resultados, é possível compreender dinâmicas que outros procedimentos não

conseguem representar com o mesmo grau de especificidade. Outro ponto

importante é a possibilidade de elaboração de padrões gerais de redes pessoais,

permitindo análises entre diversos âmbitos.

Um importante apoio em relação ao modo de aplicação da análise de redes,

particularmente em pesquisas sobre fragmentação socioespacial, refere-se ao fato

de que uma das questões centrais do processo de fragmentação socioespacial

relaciona-se com a qualidade da sociabilidade nas relações socioespaciais.

Entre outros aspectos da fragmentação socioespacial, o tipo de sociabilidade que se orienta a partir desse processo, tende a ser considerado pela negação do outro e pela negação da alteridade e, consequentemente, tende a promover significativas rupturas entre as diferenças (DAL POZZO, 2011).

Nesse sentido, passa a ser importante analisar os indivíduos ou os grupos de

contatos e suas redes, pessoais ou sociais. A partir da caracterização dessas redes

torna-se possível identificar padrões de negação do outro e da alteridade, ou de

determinadas formas de alteridade.

A opção oferecida pela análise de redes sociais de visualizar os esquemas de

relações interpessoais ou sociais permite dizer se o padrão dos contatos

estabelecidos por um indivíduo, ou por seu grupo, contém ou não elementos de

rupturas que demonstram seletivas opções de uso e apropriação do espaço, de

acordo com suas distinções.

Uma das referências para o estudo das redes sociais é o trabalho de Marques

(2007), que mostra sínteses das relações de sociabilidade de cada rede pessoal

pesquisada. O trabalho deste autor aborda as diferentes formas de interações

sociais entre citadinos a partir de variados perfis. O programa utilizado para gerar os

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sociogramas classifica os contatos segundo seus vínculos, identificando-os por

formas e/ou cores no âmbito da rede.

Os estudos realizados na cidade de Maringá (PR) geraram conjuntos de

sociogramas com características bem diferenciadas. A partir dos resultados, ao se

articular o perfil do entrevistado com os perfis dos seus contatos, foi possível

visualizar os principais padrões de contatos e observar se estes padrões revelam

seletividades caracterizadas por rupturas que podem se objetivar enquanto formas

de fragmentação socioespacial.

Após o levantamento das redes pessoais é possível classificar os vínculos de

uma pessoa segundo seus contatos socioespaciais e tipo de local de inserção

(trabalho, moradia, lazer, consumo, entre outros) e outras tipificações que

qualifiquem os contatos. Além destas possibilidades o próprio padrão geral da rede

pessoal, por exemplo, em relação ao grau de complexidade com maior número de

vínculos, pode demonstrar níveis de aberturas e fechamentos das interações sociais

em seus desdobramentos espaciais e por setores sociais prioritários para o citadino

entrevistado.

Para além de relacionar redes pessoais e processo de fragmentação

socioespacial, buscando evidenciar a seletividade das escolhas socioespaciais e os

respectivos distanciamentos presentes nas opções de interação socioespacial dos

citadinos, é preciso observar, ainda, que certas formas de sociabilidade podem

apresentar padrões de integração falaciosos, assim, é preciso especificar a

qualidade, tanto das formas de integração, quanto de fragmentação, para se

caracterizar com rigor os processos envolvidos. Um exemplo das possíveis

integrações falaciosas pode ocorrer quando os vínculos são relativizados por tipos

de inserção socioespacial (como no caso do trabalho) e, embora apresentem

elementos de interação social, são na realidade inserções precárias ou marginais,

ou seja, não possuem níveis de reciprocidade e sim de dependência e

subordinação, o que pode reforçar o aprofundamento das desigualdades, mostrando

o “lugar” ou a posição social distinta de cada um dos envolvidos, além de também

não caracterizar um diálogo entre as diferenças e sim um contato formal, próprio das

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posições sociais ocupadas. Enfim, para adequar a metodologia aos estudos sobre

fragmentação socioespacial é possível distinguir os contatos de redes segundo os

diferentes tipos de vínculos, inclusive suas características socioespaciais.

A citação a seguir - retirada do artigo de Bovo (2014) quando este autor

analisa a obra de Mark Granovetter - mostra um ponto importante da análise de

redes sociais em relação aos laços fortes e aos laços fracos. O destaque da citação

deve-se ao fato de que é importante analisar o caráter de algumas redes para

compreender a natureza dos vínculos. De acordo com os padrões de contatos

encontrados será possível relacionar a ocorrência ou não de laços fortes ou fracos, e

a possível fragmentação social com dinâmicas de fragmentação socioespacial

Então, qual a contribuição de Granovetter em relação à abordagem das redes sociais? Aparentemente os laços fundamentais para os membros das redes sociais são os fortes (que impressionam pela intensidade da relação e dão uma ideia de consistência e continuidade). A tese de Granovetter (1973; 1983) aponta para a direção contrária: os laços fracos é que são fundamentais. O argumento do autor é que se as redes sociais ficassem apenas centradas no ego, isto é, nos laços fortes, as informações se manteriam restritas em pequenos círculos, e não se difundiriam, o que limitaria as oportunidades e o desenvolvimento de seus membros, vale dizer, novas informações não chegariam. As pontes que se estabelecem entre grupos, basicamente por meio dos laços fracos, expandem a rede e possibilitam a reciclagem das informações. Aqueles com quem temos laços fracos se movem em mais e diferentes círculos do que o nosso. Outro desdobramento é que se houvessem apenas laços fortes teríamos uma coleção de pequenos grupos isolados com grandes chances de fragmentação social. (BOVO, 2014, p. 143, grifos nosso)

Para compreender as especificidades da relação entre fragmentação social e

fragmentação socioespacial buscamos identificar e dar visibilidade às “Redes sociais

pessoais”, que é a denominação adotada para caracterizar a rede social centrada no

ego, ou seja, na pessoa de referência a partir da qual se analisa o conjunto da

sociabilidade, com determinados critérios, tais como, intensidade dos contatos, área

de abrangência, setores envolvidos, temporalidades das interações, entre outros,

formando um quadro de referência em que é possível distinguir padrões de

sociabilidade com base em uma estrutura de rede.

3 - A seletividade e as barreiras na construção da sociabilidade

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O esforço de relacionar os processos de sociabilização e espacialização no

âmbito do debate sobre fragmentação socioespacial deve-se ao fato de que os

níveis de seletividade, de sociabilidade, e suas expressões socioespaciais,

alcançaram tal ponto de significância no cotidiano e no vivido dos citadinos que

constituem hoje um tema central sobre a sociabilidade urbana. O modo como as

características centradas no individuo ou no grupo, e seus respectivos contextos

históricos, estruturam as redes sociais pessoais revela uma dinâmica da interação

socioespacial cujas distinções e similaridades podem caracterizar elementos de

seletividade socioespacial e, consequentemente, indícios de constituição de um dos

potenciais vetores de fragmentação socioespacial urbana.

Um primeiro passo para organizar a abordagem sobre a sociabilidade, e sua

dinâmica socioespacial, é compreender os aspectos gerais sobre o potencial da

análise relativa ao processo de socialização.

A sociologia se esforça,assim, em diferenciar os tempos e os quadros da socialização, separando particularmente o período de socialização dita “primária”, essencialmente familiar, de todos aqueles que vêm em seguida e que nomeamos como “secundários” (escolas, grupos de pares, universos profissionais, instituições políticas, religiosas, culturais, esportivas etc.) (LAHIRE, 2015, p. 1393)

O debate sobre o grau de influência das estapas de socialização, primária ou

secundária, na constituição do quadro de vida e de interações do sujeito apontam

uma série de ressignificações no decorrer de determinados processos sócio-

históricos A possibilidade de compreender a complexidade da sociabilidade a partir

do estudo do processo de socialização, característico da abordagem sociológica,

remete, assim, a uma infinidade de dificuldades, no entanto é possível apreender, de

modo geral, que as seletividades na escolha dos vínculos socioespaciais, presentes

nas redes sociais pessoais, são geradoras ou geradas pelo processo de

socialização em suas etapas, primária ou secundária, e que os padrões de maior ou

menor participação do citadino em grupos primários ou secundários revela

normatizações socioespaciais cujas matrizes, ora radicadas em constextos sociais

mais homogêneos, ora em contextos mais heterogêneos, potencializaram níveis

maiores ou menores de barreiras socioespaciais presentes no processo de

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fragmentação socioespacial, por meio das seletividades nas relações socioespacias,

visíveis na estrutura das redes sociais pessoais.

4 - Etapas da adequação metodológica

Os sociogramas e mapas apresentados a seguir foram elaborados com base

nas entrevistas com citadinos da cidade de Maringá (PR). Para que as redes

pessoais destes sociogramas possam ser analisadas enquanto “padrões de

interação socioespaciais” é preciso considerar três aspectos metodológicos: 1) o fato

de não analisarmos os históricos peculiares a cada processo de socialização não

permite evidenciar as matrizes das seletividades de cada citadino, porém, as redes

apresentadas constituem modos de leitura da sociabilidade atual e, assim,

possibilitam compreender dinâmicas contemporâneas das seletividades; 2) embora

não seja possível identificar os principais contextos de socialização e seus

desdobramentos, é possível apreender o grau de interação frente aos setores

selecionados, caracterizando diferenças significativas frente aos distintos tipos

sociais; 3) se por um lado os procedimentos adotados não permitem analisar as

particularidades dos tipos de interação com cada grupo social selecionado, por

outro, os tipos de grupos remetem a interações sociais com tendências bastante

conhecidas, tais como as reuniões familiares, os encontros entre amigos e as

normatizações religiosas, o que oferece inúmeras possibilidades de abordagens.

As mudanças sociais e as alterações da estrutura urbana se influênciam

reciprocamente e levam os padrões socioespaciais a níveis peculiares de

desigualdades. A Análise de Redes Sociais pessoais (ARSp), ao dispor de técnicas

que identificam as intensidades das relações de interação, distinção, reciprocidade,

individualidade e seletividade, entre outras, permite caracterizar os tipos de

presenças e ausências nas diversas áreas da cidade, classificando os níveis de uso

e de apropriação do espaço segundo as dinâmicas interpessoais.

A ARSp constitui, assim, uma das formas de pesquisar as possíveis barreiras

sociais, mantidas por meio da indiferença entre os grupos e os indivíduos e que

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podem culminar com a ocorrência de barreiras físicas ou com descontinuidades

marcadamente discriminatórias e/ou excludentes.

Essa metodologia permite estudar, então, a relação entre o tipo de inserção

social dos sujeitos em meio aos limites, constragimenros e possibilidades espaciais

designados pela lógica socioespacial, esta, agora, de natureza fragmentária.

Considerando que os fragmentos dessa espacialidade se justapõem e levem a

novos padrões espaciais descontínuos, a análise de redes pode apontar os

elementos que articulam seletivamente os fragmentos e os pontos da rede que

limitam as interações. Para identificar os padrões de seletividade e as barreiras ou

indícios de indiferença elaboramos questionários que permitem apontar as práticas

socioespaciais com base na análise de redes sociais. Os questionários são

compostos por três etapas. Na primeira são solicitadas informações básicas de

perfil; na segunda solicita-se a lista de contatos por tipos de vínculos – familiar,

religioso, trabalho, amizade, vizinhança, associativo e estudo – local dos contatos e

tipos de contatos – presencial ou não, em determinado intervalo de tempo; na

terceira os entrevistados apontam quais dos contatos citados mantêm interação com

os demais. Foram selecionados citadinos moradores: de condomínios horizontais de

média e alta renda e de bairro de baixa renda, onde foi implantado o Programa

Minha Casa Minha Vida – PMCMV, faixa 1.

Com os resultados dos questionários foram organizados sociogramas e

tabelas no software Ucinet, buscando destacar as principais características da

sociabilidade, especificamente as conexões sociais da rede pessoal.

Em seguida o sociograma pode ser adaptado a um mapa da cidade, segundo

a localização de cada membro da rede e vínculo, para análise das conexões

espaciais da rede pessoal.

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Figura 1 – Modelo de sociograma a partir do software Ucinet.

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Figura 2 – Modelo de sociograma a partir do software Ucinet.

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Figura 3 – Modelo de mapa a partir do software Ucinet.

Observando os tipos dos resultados possíveis passamos, em seguida, para a

composição dos números e das características dos entrevistados segundo os

padrões socioeconômicos da cidade e dos setores que devem contextualizar as

pesquisas.

Entendemos que a partir desses passos é possível identificar as barreiras, as

seletividades, os entraves e demais características superpostas na cidade, ligadas à

fragmentação socioespacial.

5 - Considerações finais

Neste texto buscamos indicar uma adequação geral da aplicação da análise

de redes sociais a partir do software Ucinet. Os procedimentos aqui relacionados

também deverão manter interação com os resultados das pesquisas com redes de

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mídias digitais (Facebook, twiter, entre outros), que serão realizadas posteriormente.

Formamos, assim, com esses procedimentos, as proposições gerais para Análise de

Redes Sociais (ARS) junto ao Projeto Temático FragUrb apresentado no início deste

texto.

Para além de todo debate sobre os limites dos processos de planejamento e

gestão urbanos, a adequada leitura da cidade e do urbano, considerando as

respectivas historicidades e espacialidades, ocorre em meio ao surgimento de

adequações metodológicas. Este estudo pretende contribuir com esse processo ao

apresentar os procedimentos adotados, possibilitando identificar seus limites e

potencialidades.

A análise dos resultados, dos padrões dos sociogramas e mapas, priorizam

dois aspectos centrais, o primeiro procura compreender se os padrões dos vínculos

sociais mostram elementos da fragmentação social, já o segundo, se as seletivas

interações socioespaciais mostram características ou revelam configurações

resultantes de processos de fragmentação socioespacial.

Esta etapa da pesquisa permitiu verificar que os perfis e as demais escolhas

realizadas possibilitam identificar padrões que revelam os diferentes tipos de

sociabilidades e os graus de seletividades, em etapa posterior serão analisados os

blocos de sociogramas e mapas por padrões, que poderão compor um quadro geral

por tipificações de fragmentação.

6 - Referências bibliográficas BOVO, C. R. M. A contribuição da teoria da rede social, de Mark Granovetter, para a

compreensão do funcionamento dos mercados e da atuação das empresas. Revista

Pensamento & Realidade. v. 29, n. 3. 2014, p.135 - 151.

DAL POZZO, C. F. . Territórios de autossegregação e de segregação imposta:

fragmentação socioespacial em Marília e São Carlos. Presidente Prudente, 2011.

316 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia,

UNESP.

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FURINI, L. A. Análise de redes sociais em planejamento e gestão do espaço urbano.

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