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UNIVALE-UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FADE-FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS CURSO DE DIREITO FRANCISLAINE ALVES DE FARIA PRISÃO CAUTELAR X PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS Governador Valadares 2009

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UNIVALE-UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE

FADE-FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS

CURSO DE DIREITO

FRANCISLAINE ALVES DE FARIA

PRISÃO CAUTELAR X PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Governador Valadares

2009

FRANCISLAINE ALVES DE FARIA

PRISÃO CAUTELAR X PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Ronald Amaral Júnior

GOVERNADOR VALADARES

2009

FRANCISLAINE ALVES DE FARIA

PRISÃO CAUTELAR X PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Direito.

GOVERNADOR VALADARES, ____ de _______________ de 20 09.

Banca Examinadora:

____________________________________

Ronald Amaral Júnior

____________________________________

XXXX

____________________________________

XXXX

AGRADECIMENTO

A Deus, pois sem Ele nada seria possível.

Aos meus pais e familiares pelo apoio e carinho.

Ao meu Namorado, pelo companheirismo e apoio incondicional.

A todos os meus queridos professores.

Aos meus amigos e colegas pelos momentos compartilhados.

“A prisão preventiva, injustamente sofrida por

quem, a seguir, é reconhecido inocente,

representa o paradigma exemplar da

miserável justiça humana: próprio para ser

absolvido, o inocente é punido”.

(Valdir Sznick)

RESUMO

Ao elaborar a Constituição Federal de 1988 a assembléia constituinte decidiu se por manter a tradição do direito constitucional pátrio, prevendo a possibilidade da existência da prisão cautelar. Prisão essa que originou se antes da chamada prisão-pena, que surgiu em 1595, e possui como marco divisor entre elas a existência de sentença condenatória irrecorrível. No entanto, para sua aplicação a Constituição impôs limites à prisão processual, vez que ao aplacá-la é violado direitos e princípios fundamentais constitucionalmente previstos de altíssima relevância. O que se propõe neste trabalho é uma análise do instituto em comento, visando exteriorizar as questões mais controversas de sua aplicação. No que diz respeito à privação da liberdade de maneira arbitrária, violando preceitos constitucionais, e os reflexos advindos da prisão cautelar, bem como os prejuízos causados ao indivíduo submetido à constrição e à sociedade, direta e indiretamente. Diante do tema não se pode deixar de analisar a responsabilidade civil do Estado por uma atitude insensata de constrição do status libertatis sem a atenta observância dos requisitos mínimos para utilização deste instituto, que somente pode ser aplicado de maneira excepcionalíssima, quais sejam o fumus commissi delicti e o periculum libertatis. Não se trata, pois de ofensiva no sentido de monopolizar todo o fundamento e existência da prisão de cunho acautelatório, mas de estabelecer elementos suficientes para que seja desenvolvida uma nova concepção jurídica acerca do tema, concepção essa, que reconheça a regra da Nova ordem constitucional, a manutenção da liberdade.

Palavras-chave: Constituição Federal de 1988; Prisão cautelar; Constrição do status libertatins; Princípios fundamentais; Fumus commissi delicti e o periculum libetatis; Responsabilidade civil do Estado.

ABSTRACT

When drafting the Constitution of 1988 the Constituent Assembly decided to maintain the tradition of constitutional parental rights with the possibility of the existence of the prison injunction. Prison is one that originated before the call-prison sentence, which appeared in 1595, and has as watershed including the existence of sentence appealed. However, its application to the Constitution has imposed limits on prison procedure, to placate behold it is violated fundamental principles and rights constitutionally expected of high relevance. What is proposed in this paper is an analysis of the institute under discussion in order to output the most controversial issues of its application. With regard to deprivation of liberty an arbitrary manner, violating constitutional precepts, and reflections situation due to the arrest measure, as well as damage caused to the individual submitted to the constriction and to society, directly and indirectly. Before the issue can not fail to examine the liability of the State for an unreasonable attitude of constriction of libertatins status without the careful observance of minimum requirements for use of this institute, which can only be applied in a excepcionalicima, which are the prima commissi delicti and periculum libetatis. It is therefore offensive to monopolize the entire foundation and existence of the prison acautelatório stamp, but to establish sufficient evidence to be developed a new legal conception of the theme, this design, which recognizes the rule of the New Order constitutional, the maintenance of liberty. Keywords: Constitution of 1988; precautionary Prison; constriction libertatins status;

Principles fundamental; Prima commissi delicti and periculum libetatis; Liability of the

State.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO--------------------------------------------------------------------------------------------7

2. ORIGEM E INOVAÇÕES CONSTITUCIONAIS DA PRISÃO CAU TELAR-------------10

2.1 A DISTINÇÃO ENTRE A PRISÃO - PENA E A PRISÃO CAUTELAR------------------14

2.2 A PRISÃO CAUTELAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO--------------16

2.3 AS MODALIDADES DE PRISÃO CAUTELAR ACEITAS E PREVISTAS NA

CONSTITUIÇÃO DE 1988-------------------------------------------------------------------------------18

2.3.1 Prisão Em Flagrante Delito------------------- -------------------------------------------------18

2.3.2 Prisão Preventiva---------------------------- -----------------------------------------------------22

2.3.2 Prisão Temporária---------------------------- ----------------------------------------------------24

2.3.3 Prisão Decorrente De Pronúncia--------------- ---------------------------------------------24

2.3.4 Prisão Decorrente De Sentença Condenatória Re corrível--------------------------25

2.4 OS REQUISITOS E FUNDAMENTOS DA APLICAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR

RESTRITIVA DA LIBERDADE-------------------------------------------------------------------------28

2.4.1 A razoabilidade e proporcionalidade da aplica ção das medidas cautelares e

seu prazo máximo de duração------------------------ -----------------------------------------------30

3. OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS-----------------------------------------------------------35

3.1. O MODELO DE PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL VIGENTE-----------------40

3.1.1. Os Institutos Constitucionais Capazes de Res tabelecer o Status Libertatis

do Individuo Durante a Persecução Penal------------ -------------------------------------------42

3.2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DIANTE DA PRISÃO CAUTELAR

DESNECESSÁRIA----------------------------------------------------------------------------------------52

4. A PRISÃO CAUTELAR SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL UTI LIZADA COMO

MEIO VIOLADOR DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS------- ----------------------------55

4.1 A NECESSIDADE DA PRISÃO CAUTELAR DIANTE DA POSSIBILIDADE DE

UTILIZAÇÃO DE OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES MENOS GRAVOSAS-------------62

4.2 A MOROSIDADE JUDICIÁRIA E A NECESSIDADE DE UTILIDADE DA SENTENÇA

PENAL CONDENATÓRIA-------------------------------------------------------------------------------65

5. OS REFLEXOS SÓCIOS E ECONÔMICOS DA PRISÃO CAUTEL AR-----------------67

6. CONCLUSÃO--------------------------------------- ----------------------------------------------------70

REFERENCIAS--------------------------------------------------------------------------------------------73

1- INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto as medidas cautelares no processo penal que

incidem sobre a pessoa, ou seja, prisão cautelar buscando colocá-las frente aos

princípios constitucionais consagrados pela Constituição Federal de 1988.

As medidas cautelares destinam-se a garantir a efetividade da administração da

justiça, na busca de se obter segurança para que se torne útil e possível a persecução

criminal ou a execução da pena aplicada.

A Constituição Federal de 1988 ao permitir em caráter excepcional a intervenção

do poder estatal no status libertatis do indivíduo apenas prosseguiu mantendo a

tradição do direito constitucional pátrio desde a constituição do império trazendo

pouquíssimas inovações, buscando apenas proteger os direitos humanos fundamentais

do indivíduo.

Os princípios constitucionais são bases mais firmes das leis por constituir seus

fundamentos. Quando estes princípios são previstos nos códigos nascem com caráter

de fonte supletiva das leis e dos costumes, permitindo ao juiz decidir entre os interesses

opostos: respeito ao direito individual do indivíduo ou ao interesse de agir do estado na

garantia da ordem e segurança pública.

Desta forma, podemos dizer que os princípios fundamentais consagrados na

Constituição Federal de 1988 têm por finalidade estabelecer limites à atuação dos

poderes executivo, legislativo e judiciário.

As medidas cautelares de natureza pessoal, ou seja, prisões cautelares também

chamada de prisões processuais, devido o seu caráter urgente e excepcional essas

devem possuir como pressuposto básico as condições gerais para adoção das medidas

cautelares penais, o fumus commissi delicti e o periculum libertatis.

Além dos pressupostos básicos acima citados para que a intervenção na esfera

da liberdade do indivíduo seja possível e considerada legítima, é absolutamente

indispensável o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo que incidem sobre o

processo e a motivação da decisão judicial que restringiu o direito fundamental do

indivíduo.

8

A doutrina cita cinco modalidades de prisão cautelar, sendo todas

fundamentadas no art 5º, LXVI da Constituição Federal, são elas: a prisão em flagrante,

a prisão preventiva, a prisão temporária, a prisão decorrente de pronúncia e a prisão

decorrente de sentença condenatória recorrível.

Estas prisões podem ser decretadas em qualquer fase do processo devendo

sempre observar o princípio da razoabilidade e proporcionalidade de tal ato, verificando

a necessidade e a utilidade da medida, bem como os prejuízos que possa acarretar, ao

indiciado, acusado ou réu. Desta forma respeitando o princípio da isonomia entre o

indivíduo e o Estado detentor do direito de agir diante de um ilícito penal.

A ilegitimidade dessas prisões pode ser verificada quando se desvirtua sua

finalidade a tornando apenas um mecanismo de antecipação dos efeitos de futura

sentença penal e violação de preceitos constitucionais fundamentais, como por

exemplo, a presunção de inocência, dignidade da pessoa humana, liberdade de

locomoção entre outros.

No momento da ocorrência da prisão cautelar podemos também analisar a

observância do princípio do devido processo legal, que em nosso ordenamento, no

momento de urgência da aplicação da prisão cautelar é pouco observado, em face do

contraditório.

A ideia de garantia do cumprimento das finalidades do processo, ofertado pela

prisão cautelar considerando a privação da liberdade do indivíduo, por tempo

indeterminado da manutenção da prisão, devido a omissão da lei de tal previsão, e em

primeiro considerando a vida e os prejuízos que pode ser acarretado por tais medidas,

fica claro a extrema violação dos direitos fundamentais a fim de legitimar e dar licitude a

tais medidas com o objetivo de proporcionar ao Estado o exercício do ius puniendi.

Ao mesmo tempo podemos perceber a utilização do clamor público para

fundamentação de tais procedimentos instrumentais banalizando as previsões

constitucionais, cuja regra é a liberdade do indivíduo. Fica claro quando do

cumprimento da prisão cautelar a violação da imagem e honra do indivíduo ao expô-lo

diante da sociedade, que possui direito a publicidade do processo e a possibilidade de

erro judiciário devido à ilegalidade da prisão, surgindo a possibilidade posterior do dever

9

de indenizar do Estado, para com quem suportou a medida imposta de forma arbitrária

e ilegal.

Podemos suscitar também o fato que o agente encarregado de cumprir a ordem

de prisão cautelar, viola o domicílio do que a ela está sujeito, viciando assim uma ordem

legítima do poder judiciário. Como consequência a utilização das algemas de uso

excepcional que vem causando maiores transtornos à dignidade da pessoa e o respeito

aos direitos fundamentais do indivíduo consagrados na constituição.

Por fim diante a ilegalidade da prisão à possibilidade de seu relaxamento de

forma imediata e se não for possível tal garantia constitucional, a aplicação das tutelas

previstas constitucionalmente da liberdade do indivíduo.

Afim de que seja possível a exposição do tema proposto, o meio adotado será o

tipo descritivo-compreensivo que utiliza o procedimento analítico de decomposição do

problema jurídico em seus diversos aspectos, relações e níveis. Utilizando para tanto as

fontes secundárias, ou seja, livros, revistas, periódicos, jurisprudências, leis e decisões.

2. ORIGEM E INOVAÇÕES CONSTITUCIONAIS DA PRISÃO CAU TELAR

A prisão cautelar teve sua origem antes da existência da chamada prisão pena

que surgiu em 1595, ou seja, antes da prisão ser utilizada primordialmente como

cumprimento da sentença penal condenatória. Ela já se destinava a reter o condenado

com o fim de garantir eventual aplicação da pena.

A prisão também foi utilizada em caráter excepcional no direito romano, pois a

regra naquela época era a substituição da privação de liberdade por outras medidas,

como a garantia fidejussória admitida apenas para os que houvessem confessado o

crime. Posteriormente chegou-se a proibir completamente a aplicação da prisão.

No direito romano para a decretação da prisão se levava em consideração o grau

de probabilidade de uma possível condenação. No entanto, a privação da liberdade não

possuía qualquer caráter aflitivo ou punitivo.

A partir do século XII, com a criação do Santo Ofício da inquisição a prisão

tomou grandes importâncias e passou a ser utilizada com maior frequência, visto assim,

como um efeito natural da acusação, que deveria ter o acusado a sua disposição com o

objetivo de se obter a confissão “rainha das provas”.

Podemos então acompanhar as palavras de LUIGI FERRAJOLI que diz:

(...), enquanto em Roma, após experiências alternadas, chegou se a proibir por completo a prisão preventiva, na Idade Média, como desenvolvimento do procedimento inquisitório, ela se tornou o pressuposto ordinário da instrução, baseada essencialmente na disponibilidade do corpo do acusado como meio de obter a confissão per tormenta.1

No período medieval a prisão perde seu caráter cautelar e passa a ser utilizada

como meio aflitivo de submissão à tortura, que segundo a jurisdição canônica era uma

condição necessária, para que no isolamento do cárcere, o réu julgasse a si mesmo e

arrepender-se do seu delito, livrando-se, assim, da culpa por violar a ordem divina.

1 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. Tradução Coletiva. São Paulo: RT, 2002. p. 443.

11

Já no século XVIII, com o surgimento do Estado moderno, a prisão começa a

adquirir seus contornos atuais. Influenciada por pensadores e precursores do direito

penal moderno como Cesare Beccaria que em sua obra Dos delitos e das penas diz:

Se a prisão constitui somente uma maneira de deter o cidadão até que ele seja considerado culpado, como tal processo é angustioso e cruel, deve, na medida do possível, amenizar-lhe o rigor e a duração (...). O réu não deve ficar encarcerado senão na medida em que se considere necessária para o impedir de fugir ou de esconder as provas do crime. 2

O Brasil durante o período de colonização ficou submetido às denominadas

Ordenações Afonsinas, seguindo-se as Manuelinas em 1514 e por fim as Filipinas de

1603, ordenações essas oriundas de Portugal, onde a prisão era tida como medida

cautelar e não sanção autônoma, sendo regra a prisão e a exceção à liberdade. Com a

proclamação da independência em 1822, foi revogada a ordenação Filipinas. Nesse

momento alguns juristas brasileiros, inspirados pela filosofia iluminista e pela

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, começaram a agregar os princípios

da igualdade de todos os homens perante a lei, bem como a personificação da pena e

utilidade pública da lei penal.

A Constituição Imperial de 1824, primeira carta política outorgada, após a

independência política brasileira, já trazia a previsão da aplicação da prisão com ou

sem culpa formada, antes da sentença, de acordo com o art 179 e incisos, que assim

dispunha:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. VIII. Ninguem poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do territorio, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o

2 BECCARIA, Cesare, Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: Matin Claret, 2006. p.62.

12

motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e os das testermunhas,.havendo-as. IX. Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado estando já preso, se prestar fiança idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca, poderá o Réo livrar-se solto. X. A' excepção de flagrante delicto, a prisão não póde ser executada, senão por ordem escripta da Autoridade legitima. Se esta fôr arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar. O que fica disposto acerca da prisão antes de culpa formada, não comprehende as Ordenanças Militares, estabelecidas como necessarias á disciplina, e recrutamento do Exercito; nem os casos, que não são puramente criminaes, e em que a Lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos mandados da justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro do determinado prazo.

Com a reforma do código imperial (1832) em 1841, houve a introdução de

mudanças significativas, uma delas é a implantação do chamado policialismo judiciário

ou justiça criminal, onde a polícia prendia, investigava, acusava e pronunciava os

acusados de praticar crimes de menor relevância. Nesta época os chefes de polícia e

delegados, que escolhidos entre os desembargadores e juízes de direito e nomeados

por ato de nomeação do imperador ou dos presidentes das províncias, passavam a

exercer as atribuições acometidas aos juízes de Paz.

Dentre as atribuições dos chefes de polícia estava a competência de processar e

julgar contravenções às posturas municipais, bem como os punidos com prisão,

inovação esta trazida em 1842.

Em 1871 houve a considerada maior reforma legislativa, que inclusive deixou

uma importante criação que até nos dias de hoje vem sendo utilizada, o inquérito

policial, que embora venha sendo consolidado no tempo é quase idêntica. Conforme as

Palavras de ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ:

A maior novidade, todavia, dessa reforma legislativa de 1871 foi a criação do Inquérito Policial, por meio do decreto nº 4.824/1871 (que regulamentou a Lei nº 2.033/1871), instituindo-se uma rotina policial que,

13

consolidada no tempo, é quase idêntica à que ainda hoje, passados mais de 130 anos, se utiliza nas delegacias de polícia3.

A situação da prisão cautelar ficou mais agravada no Código de Processo Penal

de 1941, elaborado no regime autoritarista do chamado Estado Novo de Getúlio

Vargas, onde o interesse da administração da justiça não poderia em nenhum instante

ser ameaçado por meros escrúpulos formalísticos. A grande novidade nesta Era Vargas

foi a criação do instituto da prisão preventiva obrigatória, onde se dispensava qualquer

outro requisito bastando apenas à prova indiciária (prova de indícios) contra o acusado.

O Código de Processo Penal, promulgado em 1941 com marcas profundas do

autoritarismo da era Vargas, passou por intensas transformações, até mesmo durante o

regime militar em 1964, e continua em plena vigência.

Atualmente, o tratamento dispensado ao instituto da prisão cautelar é de

excepcionalidade, prevendo institutos capazes de manter a liberdade do indivíduo

diante de arbitrariedade das autoridades e de assegurar a quem à medida está sujeito,

tratamento humano e com o mínimo de garantias constitucionais, como o devido

processo legal, previstas na constituição de 1988. Embora haja várias garantias no

texto constitucional vigente, elas continuam sendo desrespeitadas, conforme as

palavras de MIGUEL TEDESCO WENDY que diz: “Na prática, a declaração solene de

direitos contida na constituição continua a ser desrespeitada no cotidiano policial e

forense, por intermédio de prisões estigmatizadoras no nítido caráter de punição

antecipada de execução provisória da pena”4.

3 MACHADO CRUZ, Rogério Schietti. Prisão Cautelar - Dramas, Princípios e Alternativas. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2006. p.36. 4 TEDESCO WENDY, Miguel. Teoria Geral da Prisão Cautelar e Estigmatização. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p. 58.

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2.1 A DISTINÇÃO ENTRE A PRISÃO - PENA E A PRISÃO CAUTELAR

Segundo as palavras de GUILHERNE DE SOUZA NUCCI e NÁILA CRISTINA

FEREIRA NUCCI: “prisão é a privação da liberdade, coibindo-se, através do

recolhimento ao cárcere, o direito natural e constitucional do ser humano de ir, vir e

permanecer (art. 5º, caput)”.5

Diante dessa colocação, podemos dizer que a prisão nada mais é do que a

constrição do direito de liberdade do indivíduo, por decisão fundamentada de

autoridade competente durante o processo, com a finalidade de resguardar e assegurar

a efetiva administração da justiça, ou decretada em decorrência de sentença

condenatória transitada em julgado.

FERNANDO CAPEZ define em sua obra a Prisão da seguinte forma, “é a

privação da liberdade de locomoção determinada por ordem escrita da autoridade

competente ou em caso de flagrante delito”.6

Como se vê no ordenamento jurídico brasileiro até mesmo pelas definições

dadas por doutrinadores, a prisão se divide em: prisão pena e prisão sem pena (prisão

com finalidade acautelatória) que é a chamada prisão processual ou prisão cautelar.

A prisão pena nada mais é do que uma prisão sancionatória aplicada após o

desenvolvimento da persecução penal com a devida obediência ao princípio do devido

processo legal, quando a sentença condenatória já goza da imutabilidade recursal, ou

seja, após a ocorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória.

A prisão sem pena, ou seja, a prisão cautelar é aquela imposta durante a

investigação policial ou no curso do processo, com o objetivo de assegurar a

efetividade e utilidade da sentença penal condenatória. Segundo as palavras de

VALDIR SZNICK: “é uma tutela imediata, conquanto preventiva buscando resguardar

5 NUCCI, Guilherme de Souza e NUCCI, Náila Cristina Ferreira. Prática Forense penal. Ed. 3º. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2008.p. 157. 6 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo penal. Ed. 13ª São Paulo: saraiva, 2006. p.244.

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direitos e bens para assegurar, a final, a eficácia das providências determinadas na

decisão definitiva (sentença)”7.

Estas prisões processuais apresentam-se como sendo de natureza protecionista,

se destinando a assegurar o resultado do processo principal de averiguação da

existência do delito e a culpa do acusado. Por isso que essas medidas possuem

sempre caráter provisório e instrumental.

O caráter provisório está relacionado com a limitação de duração destas medidas

acautelatórias, já que está condicionado à verificação de uma futura situação jurídica.

Já a instrumentalidade está ligada ao meio que é utilizado para garantir a efetividade

das providências definitivas que constituem objeto do processo principal.

Portanto, percebemos que a função das medidas cautelares é de coibir qualquer

situação de perigo que possa comprometer a eficácia e utilidade do processo principal,

podendo ser realizadas em qualquer fase do processo ou durante o inquérito policial,

embora não seja regra no direito brasileiro a prisão do indivíduo.

Sendo assim, podemos dizer que a prisão pena é colocada como a cristalização

da pretensão punitiva estatal, ao passo que a prisão cautelar é posta como instrumento

auxiliar da administração da justiça, com evidente função de garantia.

Destarte, como se ver o marco divisor da prisão sem pena (prisão processual ou

prisão cautelar) da prisão pena é sem dúvida a existência de sentença penal

irrecorrível.

7 SZNICK, Valdir. Liberdade, Prisão Cautelar e Temporária. 2ª ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1995. p. 286.

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2.2 A PRISÃO CAUTELAR NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

As prisões de natureza processual, ou seja, as prisões sem pena, são meras

medidas instrumentais de natureza acautelatória, também chamadas de prisão cautelar,

que incidem sobre a liberdade de locomoção do indivíduo.

Essas medidas cautelares de natureza pessoal têm por finalidade garantir a

efetividade da administração da justiça, buscando obter segurança para que se torne

útil e possível a persecução criminal ou a execução da pena aplicada, demonstrando

assim, o seu caráter instrumental.

De acordo com as palavras de José Frederico Marques: “As providências

cautelares possuem caráter instrumental: constituem meio e modo de garantir-se o

resultado da tutela jurisdicional a ser obtida através do processo”.8. Nesse mesmo

sentido as palavras de AFRÂNIO SILVA JARDIM:

(...) a prisão provisória em nosso direito tem a natureza acauteladora, destinada a assegurar a eficácia da decisão a ser prolatada ao final, bem como a possibilidade regular instrução probatória. Trata-se de tutelar os meios e os fins do processo de conhecimento e, por isso mesmo, de tutela da tutela.9

No direito processual as prisões processuais se apresentam como sendo de

natureza protecionista, se destinando a assegurar o resultado do processo principal de

averiguação da existência do delito e culpa do acusado. Por isso que essas medidas

possuem sempre caráter provisório, ou seja, não têm caráter punitivo, e instrumental,

que significa dizer que devem ser utilizadas apenas para garantir ou transmitir maior

“tranquilidade” processual.

Estas medidas restritivas de liberdade excepcionalíssimas vêm sendo mantidas

no ordenamento jurídico vigente, podendo ser aplicadas desde que obedeça a um

controle rígido de legalidade, que deve ser realizado pelo poder judiciário, buscando

8 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol IV. 2ª ed. São Paulo: Millennium, 2003. p.11. 9 JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 245.

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proteger as garantias individuais do indivíduo e a efetividade da administração da

justiça. Sendo que a atividade jurisdicional que se mostra eficiente é aquela que se

demonstra apta e pronta a proporcionar a reparação e minimização dos impactos

causados pela lesão ao direito de outrem com uma atuação célere e contundente.

Contudo a aplicação deste instituto processual, prisão cautelar, poderá vir há

causar lesão a direitos fundamentais de um indivíduo, porém, cabe ao agente estatal

encarregado de aplicá-la verificar a sua necessidade e possibilidade, bem como os

prejuízos que possa vir a causar à sociedade e a pessoa que deverá suportar a medida.

Destarte, podemos dizer que na aplicação dessas modalidades de prisão deve

se ponderar entre um direito em detrimento do outro.

No código de processo penal as medidas cautelares não tiveram uma disciplina

especial como no processo civil, não possuindo um procedimento distinto, exceto as

medidas assecuratórias. Essas medidas cautelares surgem então no âmbito do

processo principal como um incidente processual, embora sejam verdadeiros

processos, o processo cautelar penal, não obstante, não possua a mesma amplitude do

processo cautelar cível.

No ordenamento jurídico brasileiro que é definido como um conjunto de normas

jurídicas que se relacionam entre si, as prisões tidas como processuais são

perfeitamente aceitas. No entanto, para que a intervenção no status libertatis do

indivíduo seja possível e considerada legítima é absolutamente indispensável o respeito

aos direitos fundamentais do indivíduo que incidem sobre o processo e a motivação da

decisão judicial que restringiu o direito fundamental do indivíduo.

Conforme as palavras de GUILHERME SOUZA NUCCI:

A prisão cautelar, em si mesma, não foi vedada pelo texto constitucional de 1988, ao contrario, nele encontra lastro. Porém, a busca pelo equilíbrio entre os interesses individuais, que falam pela liberdade, e os interesses da sociedade, que buscam a segurança, é o ideal a ser perseguido.10

10 NUCCI, Guilherme de Souza. A prisão cautelar e a Constituição de 1988. Jornal carta forense, 2008. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br acesso em: 01/11/2008.

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2.3 AS MODALIDADES DE PRISÃO CAUTELAR ACEITAS E PREVISTAS NA

CONSTITUIÇÃO DE 1988

Segundo a doutrina majoritária, existem cinco modalidades de prisão cautelar,

sendo todas fundamentadas no art 5º, LXI da Constituição Federal, a prisão em

flagrante, a prisão preventiva, a prisão temporária, a prisão decorrente de pronúncia e a

prisão decorrente de sentença condenatória recorrível. Devemos assim entender, pois o

constituinte expressamente delegou ao legislador ordinário a competência para

estabelecer as hipóteses de prisão cautelar, porém estão banidas de nosso

ordenamento jurídico todas as situações que realizem a antecipação da pena.

Contudo, a doutrina minoritária afirma que, em relação à prisão decorrente de

pronúncia e a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, não se pode a

elas transmitir cautelaridade de forma genérica e automática a partir de decisões

judiciais ainda não definitivas, ou seja, não se pode a estas citadas modalidades (prisão

decorrente de pronúncia e a prisão decorrente de sentença condenatória recorrível)

modalidades aferir meios viabilizadores do cárcere precoce, sendo forçoso que nestes

casos haja uma reanálise jurisdicional dos fundamentos e condições para uma prisão

cautelar na situação em concreto11.

2.3.1 Prisão Em Flagrante Delito

Essa modalidade de prisão cautelar é também chamada pela jurisprudência e

doutrina de medida pré-cautelar, se encontra prevista no art 5º, inciso LXI da

Constituição da República de 1988, que deverá ser aplicada quando presentes os

requisitos previstos no art. 302 do Código de Processo Penal, ou seja, quando o agente

estiver cometendo ou acabado de cometer a infração da norma penal; bem como logo

11 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval e CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de Prisão Soltura Sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Método, 2007. p 89.

19

após a prática da conduta infratora é perseguido pela autoridade ou pessoa do povo; ou

esteja em situação que faça presumir ser autor do fato; ou ainda quando logo após a

ocorrência do ilícito penal é encontrado com instrumentos, armas, objetos ou papéis,

que o faça presumir ser o autor do evento danoso.

Podemos conceituar a prisão em flagrante como um ato administrativo de

natureza cautelar, previsto constitucionalmente, em que se permite a privação da

liberdade do agente em virtude do caráter evidente do ilícito praticado. A voz de prisão

pode ser dada por qualquer um do povo, o cidadão tem o direito de fazer parar ou

impedir a prática de delitos, ou seja, a iniciação do chamado iter criminis. Tal permissão

advém do fato de ser a prisão em flagrante um verdadeiro sucedâneo do sistema de

autodefesa da sociedade (legitima defesa de outrem) a está se dá o nome de prisão em

flagrante facultativa. A prisão em flagrante efetuada por agente policial é chamada de

prisão compulsória, ou seja, a autoridade competente é obrigada a proceder com a

prisão do indivíduo que se encontra em flagrante delito.

O flagrante é uma característica daquele delito que está sendo praticado, ou que

se encontra em situação idêntica, tal situação autoriza qualquer pessoa ou autoridade a

proceder com a privação da liberdade do agente do delito. Sendo esta uma exceção a

necessidade de ordem escrita e fundamenta da decisão que restringiu o direito

constitucional de ir e vir do indivíduo.

A doutrina cita as hipóteses de flagrante delito previstas pelo Código de

Processo Penal (art. 302), sendo os dois primeiros flagrantes próprios, previstos no

inciso I e a segunda no inciso II do artigo retro mencionado:

a) Flagrante Próprio segundo as palavras de FERNANDO CAPEZ “é aquele em

que o agente é surpreendido cometendo uma infração penal ou quando acaba de

cometê-la (CPP, art. 302, I e II)”12, ou seja, a prisão ocorre no momento exato em que a

pessoa está perfazendo a infração (prisão em flagrante próprio prevista no art 302,

inciso I da CPP) ou quando o agente acabou de cometer a infração penal (prisão em

flagrante próprio prevista no art 302, inciso II CPP).

b) Flagrante impróprio é quando há a perseguição do agente logo após a prática

do delito sendo dispensado o “contato visual”. O agente não foi detido no exato instante

12 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo penal. Ed. 13ª São Paulo: saraiva, 2006. p. 252.

20

em que terminou de praticar os atos executórios do crime, mas diante da situação, não

restando nenhuma dúvida da autoria do delito, pode a polícia ou qualquer do povo a

persegui-lo e realizar a restrição do status libertatis do indivíduo.

c) Flagrante presumido ocorre quando o agente é encontrado logo depois da

prática de uma determinada infração, portando instrumentos armas objetos ou papeis

que façam presumir ser ele o autor da infração, neste caso, não se exige a perseguição

já que os objetos encontrados com o autor por si só já constituem indícios de autoria.

d) Flagrante Preparado é aquele que tem a participação de um policial, na qual

induz ou instiga alguém a praticar a conduta delituosa com a intenção de proceder com

a restrição da liberdade deste, não sendo este tipo de flagrante aceita no Brasil. De

acordo com a Súmula n. 145. “Não há crime quando a preparação do flagrante pela

policia torna impossível a sua consumação”, sendo considerado pela doutrina e pela

jurisprudência como crime impossível (art. 17 do CP), pois apesar de se utilizar meios

capazes de produzir o resultado há uma prevalência de circunstâncias previamente

preparadas que elimina a possibilidade do resultado almejado.

e) Flagrante Esperado ocorre quando a autoridade encarregada de cumprir a

manutenção da harmonia social aguarda a pratica contundente da infração, sem,

contudo, interferir induzindo ou instigando a realização da conduta tipificada. Neste

caso ocorre a prática do delito não havendo que se falar em crime impossível, sendo

esta, a posição do Superior Tribunal De Justiça:

HABEAS CORPUS Nº 86.669 - SP (2007/0160191-0) RELAT ORA: MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. IMPETRANTE: SAMIR HADDAD JÚNIOR E OUTRO. IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PACIENTE: ANDRE DE SOUZA SILVA (PRESO). EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. RÉU. PILOTO DO AVIÃO QUE TRANSPORTAVA A DROGA. ALEGAÇÃO DE FLAGRANTE PREPARADO. INOCORRÊNCIA. O flagrante preparado se enquadra na hipótese em que há a figura do provocador da ação dita criminosa, que se realiza a partir da indução do fato, e não quando, já estando o sujeito compreendido na descrição típica, a ação se desenvolve para o fim de efetuar o flagrante. In casu, o Paciente já guardava a droga, sendo posteriormente preso pelo transporte. Ordem denegada - HC 86669 (2007/0160191-0 -DJE 04/08/2008). (Grifo nossos)

21

d) Flagrante retardado esta espécie de flagrante encontra se prevista na lei do

crime organizado, neste tipo de crime é comum que a autoridade postergue a autuação

do infrator da norma com a finalidade de obter maiores informações e que se concretize

a formação de provas. De acordo com as palavras de Fernado Capez:

(...), o agente policial detém discricionariedade para deixar de efetuar a prisão em flagrante no momento em que presencia a pratica da infração penal, podendo aguardar um momento mais importante do ponto de vista da investigação criminal ou da colheita de prova13.

Nesta feita é importante salientar que qualquer prisão em flagrante que não se

enquadre em algum dos incisos do artigo 302 do CPP, será considerada ilegal devendo

ser relaxada de imediato ou a requerimento do interessado e acordo com o art. 5º,

inciso LXV da Constituição da República de 1988: “a prisão ilegal será imediatamente

relaxada pela autoridade judiciária”.

Devemos também verificar a existência da realização da prisão em flagrante nos

crimes permanentes, são aqueles que têm sua consumação com a prática de uma

única conduta criminosa, porém o resultado se prolonga no tempo, conforme o

posicionamento do STJ, enquanto existir a pratica do crime haverá uma situação

ensejadora e existente do flagrante.

Já no crime habitual, que é a reiteração de vários atos para se chegar à

consumação da conduta, não há em tese que se falar na possibilidade de prisão em

flagrante, eis que o auto de prisão em flagrante é uma narração fiel da infração sendo

impossível fazer a narração fiel da conduta por inteiro, podendo apenas fazer a

narração do fato ocorrido naquele momento específico, perdendo assim, seu caráter de

habitualidade.

Em se tratando de crimes de ação penal privada, a prisão em flagrante é

perfeitamente possível, de acordo com a doutrina, no entanto, conforme o ensinamento

de Fernando da Costa Tourinho Filho o flagrante possui natureza coercitiva, sendo um

ato capaz de levar a autoridade competente à ocorrência de um crime que

especificamente na ação penal privada, em via de regra, somente o detentor do direito

13 CAPEZ, Fernando. Op cit. p. 254.

22

de representação pode prestar a queixa-crime, não pode ser realizado o flagrante pela

autoridade policial, podendo apenas nesses casos evitar a continuação ou repercussão

do fato delituoso. Sendo que cabe ao titular do direito de representação solicitar a

realização da constrição do direito de liberdade do indivíduo.

Sendo flagrante delito uma notitia criminis de natureza coercitiva, e se nesses casos a notitia criminis só pode ser dada pelo ofendido ou seu representante legal, não se concebe possam as Autoridades Policiais, ou seus agentes, ou qualquer do povo, efetuar a prisão em flagrante. O mais que a policia poderá fazer e evitar a continuação do fato delituoso ou mesmo o escândalo dele resultante. Se, entretanto, o titular do direito de representação – ofendido ou seu representante legal - solicitar a prisão, esta deverá ser efetuada.14

2.3.2 Prisão Preventiva

A prisão preventiva é a prisão processual por excelência na legislação

processual vigente, sendo a principal modalidade de prisão cautelar da qual advêm as

demais modalidades de prisões processuais, cuja finalidade coincide com os fins do

processo penal, ou seja, garantir a utilidade e eficácia do futuro provimento jurisdicional.

Esta prisão pode ser decretada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial

ou querelante, do ministério público ou de oficio, tanto na ação penal pública quanto na

ação penal privada, durante o inquérito policial ou durante o processo penal, antes do

trânsito em julgado.

No entanto, a prisão de cunho preventivo somente pode ser decretada quando

for necessária e fundamentada na lei, no intuito de atender a finalidade do processo, já

que se o acusado ficar em liberdade durante seu andamento colocará em risco sua

efetividade. Caso seja decretada com outro fundamento, que não seja a prevenção,

ferirá o Principio da Presunção de Inocência.

A decisão que decreta a prisão preventiva do indivíduo é uma decisão

interlocutória que possui conteúdo decisório e não põe fim ao processo, embora no

Código de Processo penal se refira a decretação de prisão como sendo feita através de 14 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Ed.29ª, São Paulo: Saraiva, 2007. p. 451.

23

simples despacho fundamentado. Desta decisão interlocutória não cabe recurso

somente sendo possível atacá-la através de habeas corpus (art. 5º, LXVIII da CF/88).

A decisão que decreta a prisão preventiva do indivíduo não faz coisa julgada,

podendo a qualquer momento ser revogada desde que desapareça os requisitos

ensejadores da medida cautelar.

No caso de manutenção do flagrante, esta poderá ser transformada em prisão

preventiva, caso estejam presentes seus permissivos, pressupostos e fundamentos.

A prisão preventiva pode ser autorizada nas seguintes hipóteses, de acordo com

o art. 312 do CPP:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

A garantia de ordem pública significa dizer que o agente gozando do seu direito

de liberdade possa continuar a infringir a norma penal, ou ainda, se busca garantir a

tranqüilidade do meio social garantindo assim a credibilidade da justiça diante do

clamor público. A conveniência da instrução criminal, de acordo com FERNANDO

CAPEZ “visa impedir que o agente perturbe ou impeça a produção de provas,

ameaçando testemunhas, apagando vestígios do crime (...)”.15

A segurança da aplicação da lei penal deixa evidente o caráter instrumental

dessa medida que se presta a afastar a possibilidade da não satisfação da pretensão

punitiva. Já a garantia da ordem econômica prisma se sobre a necessidade de

resguardar e assegurar a proteção e manutenção do sistema econômico - financeiro.

No mais, devemos dizer que a decretação da prisão preventiva, em via de regra,

será admitida apenas nos crimes dolosos punidos com pena de reclusão. Caso os

crimes sejam punidos com detenção, o decreto de prisão preventiva só será admitido se

for apurado que o indiciado ou acusado é vadio, ou quando, havendo dúvidas sobre sua

identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la.

15 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo penal. Ed. 13ª São Paulo: saraiva, 2006. p.266.

24

2.3.2 Prisão Temporária

Trata-se de uma espécie de prisão prevista na Lei n° 7960/89, que pode ser

decretada a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, contudo, o

juiz, de ofício, poderá decretá-la.

Esta medida está voltada à garantia da eficiência da investigação policial, sendo

seu prazo de duração 30 dias, em regra, prorrogáveis por mais 30 dias. Mas nada

impede que seja essa prorrogada por mais tempo, desde que devidamente

fundamentada a decisão e haja a complexidade na prática dos atos processuais, bem

como o fim da instrução criminal.

As hipóteses de admissibilidade desta medida se encontram elencadas no artigo

1º da lei 7960/89:

a) Quando a prisão é imprescindível para a instrução do inquérito policial (art.

1°,I).

b) Quando o preso não informar sua qualificação e não possuir domicílio fixo (art.

1°, II).

c) Quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida pelo

direito processual penal, de que o indiciado tenha praticado algum dos seguintes

crimes: homicídio doloso; seqüestro ou cárcere privado; roubo; extorsão; extorsão

mediante seqüestro; estupro; atentado violento ao pudor; rapto violento; epidemia com

resultado de morte; envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou

medicinal com resultado morte; quadrilha ou bando; genocídio; tráfico de drogas; crimes

contra o sistema financeiro. Nos demais crimes, que não estes, não é admitida a prisão

temporária, pois que a enumeração é exaustiva, e não exemplificativa. (art. 1°, III).

2.3.3 Prisão decorrente de pronúncia

É uma medida cuja finalidade principal é assegurar a presença do réu no

julgamento em plenário, devendo o julgador ao decretar a prisão verificar a existência

dos requisitos de ordem objetiva e subjetiva.

25

Esta modalidade de prisão somente pode ocorrer durante a persecução penal na

prática de crimes dolos contra vida. Nada obstante, a decisão de pronúncia não é o

suficiente para a privação da liberdade do indivíduo, eis que não se pode presumir que

estando o agente sendo pronunciado pela conduta dolosa, irá iniciar a fuga na tentativa

de subtrair se à persecução e do ius puniendi estatal.

Conforme ensina SAMPAIO JUNIOR e CALDAS NETO:

Da pronuncia, por ser um mero juízo de admissibilidade de acusação em que se apuram a provável existência do crime e os indícios suficientes de autoria pelo réu, não se pode extrair qualquer efeito automático no que tange a prisão provisória,como outrora se entendeu, justamente pelo fato de que a prisão obrigatória não mais se coaduma com modelo constitucional do processo penal.16

2.3.4 Prisão decorrente de sentença condenatória re corrível

Tal modalidade também é chamada de prisão por efeito de sentença. Deve ser

entendida como medida cautelar de natureza pessoal cuja finalidade é assegurar a

efetividade do provimento condenatória, enquanto a prisão dada como resposta estatal

só pode ser concedida após o trânsito em julgado.

Essa espécie de prisão tem previsão legal nos artigos 393 e 594 do Código de

Processo Penal.

O efeito prisão, advindo da sentença, existe tanto para os crimes afiançáveis

quanto para os inafiançáveis.

A súmula n° 267 do Superior Tribunal de Justiça, e stabelece que tanto o RESP

quanto o RE não possuem efeito suspensivo, apenas o efeito devolutivo. Nestes termos

a referida súmula diz que a interposição dos recursos, contra acórdão condenatório,

não obsta a expedição de mandado de prisão. De tal forma que o réu poderá recorrer,

mas em virtude da expedição do mandado, acabará por aguardar o trânsito em julgado

da decisão preso.

16 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval e CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de Prisão Soltura Sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Método, 2007. pp.265/267.

26

Devemos salientar que, embora o réu seja primário, de bons antecedentes

poderá vir a ser preso, mediante decisão do juiz fundamentada nos incisos do artigo

312 do Código de Processo Penal, desde que verificada a necessidade da providência

acautelatória, não ofendendo assim nenhum pressuposto constitucional conforme

Súmula nº 09 do STJ: “A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a

garantia constitucional de presunção de inocência”.

No entanto, o que se ver, de acordo com as características aqui brevemente

traçadas, é uma prisão que não possui caráter instrumental, pois se trata de medida

desnecessária e exagerada dentro do contexto constitucional, eis que já existe a

prestação jurisdicional, embora perdure a necessidade do trânsito em julgado. De

acordo com as palavras de Miguel Tedesco Wendy: “Não há sustentação racional no

contexto democrático para tal prisão, que desconhece uma fundamentação estribada

nos direitos fundamentais, pois desnecessária ao processo, ou seja, anti-

instrumental.”17

Neste mesmo sentido é o posicionamento recente do Supremo Tribunal Federal:

PENAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO INDIRETA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. FATOS E PROVAS. PRESCRIÇÃO RETROATIVA E DOSIMETRIA DA PENA. EXPEDIENTE PROTELATÓRIO. EXECUÇÃO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO. INVIABILIDADE. 1. O acórdão recorrido limitou-se a interpretar matéria de índole infraconstitucional, de forma que as apontadas ofensas à Lei Maior baseadas na negativa de vigência aos arts. 59, 61, 62, 64, 65, 68, 109, 110 e 111 do Código Penal, se existentes, seriam meramente reflexas ou indiretas, além de requerer o reexame dos fatos e das provas da causa (Súmula STF nº 279), cujo exame se mostra inviável nesta sede recursal. Precedentes. 2. A decisão proferida pela instância a quo está em consonância com entendimento desta Suprema Corte no sentido de que "Não se pode, a pretexto de aplicar a prescrição retroativa, desconsiderar a ocorrência da primeira causa interruptiva-recebimento da denúncia (CP, art. 117, I) -, para somente levar em conta o prazo decorrido entre a data do crime (CP, art. 111, I) e aquela em que sobreveio a sentença condenatória recorrível (segunda causa de interrupção do lapso prescricional - CP, art. 117, IV)", (HC 71.912/DF, rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, DJ de 15.12.2006). 3. Quanto à alegada dosimetria excessiva da pena, ressalto que tal matéria é mera

17 TEDESCO WENDY, Miguel. Teoria Geral da Prisão Cautelar e Estigmatização. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p144.

27

reiteração de pretensão deduzida anteriormente nos autos do HC 98.733/RJ, em que a Colenda 2ª Turma desta Corte Suprema, por unanimidade, denegou a ordem. 4. A utilização indevida das espécies recursais, consubstanciada na interposição de inúmeros e sucessivos recursos contrários à jurisprudência desta Suprema Corte, como mero expediente protelatório para evitar a execução da pena pela ocorrência da prescrição, desvirtua o próprio postulado constitucional da ampla defesa. Nesse sentido: AO 1.046-ED/RR, rel. Min. Joaquim Barbosa, Plenário, unânime, DJE 22.02.2008. 5. Inviável, todavia, se determinar a imediata execução da sentença penal condenatória, pois o Plenário do Supremo Tribunal Federal, recentemente, entendeu, por maioria, que "ofende o princípio da não-culpabilidade a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, desde que presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP" (HC 84.078/MG, rel. Min. Eros Grau, 05.02.2009, Informativo STF nº 534). 6. Por ocasião do mencionado julgamento, me posicionei contrariamente à tese vencedora. 7. Agravo de instrumento a que se nega seguimento.(AI 759450, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 04/08/2009, DJe-148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009 EMENT VOL-02368-24 PP-05108)

28

2.4 OS REQUISITOS E FUNDAMENTOS DA APLICAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR

RESTRITIVA DA LIBERDADE

No código de processo penal as medidas cautelares e também o processo penal

cautelar não tiveram uma disciplina especial como no processo civil, não possuindo um

procedimento distinto, exceto as medidas assecuratórias, estas medidas cautelares

surgem então no âmbito do processo principal como um incidente processual.

Para que seja garantida à utilidade e aplicabilidade do processo penal surge a

possibilidade da aplicação das medidas cautelares de natureza pessoal, ou seja, as

prisões cautelares que podem ser realizadas em qualquer fase do processo ou durante

o inquérito policial, embora não seja regra no direito brasileiro a prisão do indivíduo.

Para que haja o deferimento das medidas cautelares no ordenamento jurídico

brasileiro é necessário que fique comprovado a existência dos pressupostos

fundamentais, quais sejam: o periculum in mora representado pelo fundado receio de

que o tempo pode vir a comprometer o direito afirmado e o fumus boni iuris que significa

a plausibilidade do direito afirmado, ou seja, a existência de probabilidades fundada,

razoáveis e suficientes do direito material.

Os pressupostos básicos as condições gerais para adoção de tais medidas são o

fumus commissi delicti e o periculum libetatis. A primeira condição, fumus commissi

delicti, seria a existência de indícios graves de culpabilidade com base probatória

mínima, de acordo com as palavras de FÁBIO RAMAZZINI BECHARA:

(...) o fumus commissi delicti, consiste na necessidade da medida encontrar-se assentada em base probatória mínima, traduzida em graves indícios e culpabilidade. A verificação da presença destes graves indícios constitui o pressuposto indispensável para adoção de qualquer medida restritiva da liberdade da pessoa.18

18 BECHARA, Fábio Ramazzini. Prisão cautelar.São Paulo: Malheiros, 2005. p.147.

29

A segunda condição é o periculum libetatis que se evidencia através do risco que

a liberdade do indivíduo pode representar para o prosseguimento do processo e a

perfeita administração da justiça.

Segundo as palavras de Fábio Ramazzini Bechara: “o periculum libertatis

manifesta-se pela fundada presunção de que a liberdade do indiciado possa afetar a

tutela do objeto material da persecução criminal”.19

Além das citadas características da prisão cautelar, podemos citar várias outras

face à nossa constituição vigente, sendo essas, a jurisdicionalidade, acessoriedade,

instrumentalidade hipotética, provisoriedade e homogeneidade.

A jurisdicionalidade traz relação com o fato de que toda adoção judicial destas

medidas restritivas de direitos deve ser dada por decisão judicial fundamentada da

autoridade competente.

A acessoriedade quer dizer que a medida cautelar segue a sorte da medida

principal, o fim do processo, sendo que a ele vinculada onde for dado o resultado

principal à medida cautelar deixará de existir.

A instrumentalidade hipotética traz relação com o fato de a medida ser um

instrumento de meio para se atingir a medida principal.

Quanto a provisoriedade significa dizer que a medida existirá enquanto não for

proferida a decisão principal e enquanto os requisitos que a autorizaram estiverem

presentes. Cessado sua utilidade e existência, quando não existir os fatos que a

fundamentou.

E por fim temos a característica de homogeneidade da medida cautelar que

significa dizer que a medida deve ser proporcional a eventual resultado favorável ao

pedido do autor, não admitindo que esta seja mais severa que a sanção que será

aplicada no fim do processo, caso o pedido seja julgado procedente.

19 BECHARA, Fábio Ramazzini, op.cit. p, 149.

30

2.4.1 A razoabilidade e proporcionalidade da aplica ção das medidas cautelares e

seu prazo máximo de duração

No momento em que ocorre a infração penal gerando uma intranquilidade para

com a comunidade, nasce o poder-dever do Estado de agir para a manutenção da vida

em comum. O Estado agira através do processo penal que é visto como o instrumento

de garantia da sociedade frente à violação do ordenamento jurídico, por sua vez o

processo também constitui um instrumento de garantia do acusado, ficando assim, clara

a dupla face assumida pelo processo penal na busca da harmonia social e garantia de

direitos fundamentais do acusado.

Além dos pressupostos básicos acima citados, para que a intervenção no status

libertatis seja possível e considerada legítima, é absolutamente indispensável o respeito

aos direitos fundamentais do indivíduo que incidem sobre o processo e a motivação da

decisão judicial que restringiu o direito fundamental do indivíduo.

Sendo a prisão cautelar processual pode ser decreta em qualquer fase do

processo devendo sempre ser observado o princípio da proporcionalidade e a

razoabilidade. Quando nos deparamos com conflitos de normas constitucionais e

direitos fundamentais, por estar no mesmo plano constitucional, ambas se mostram

necessárias à manutenção do convívio social. Porém, deve o aplicador da norma

analisar o conflito, verificando a necessidade da medida e os prejuízos que poderá tal

restrição ou manutenção da liberdade trazer para a sociedade e para manutenção da

ordem estatal.

Quando nos deparamos com o requisito, tratado por alguns como princípio, da

proporcionalidade, há a demonstração da exigência de que a prisão cautelar se mostre

apta a atingir os objetivos pretendidos. Exige-se também a verificação da inexistência

de meio menos gravoso para se chegar aos fins visados, tendo que ocorrer

necessariamente a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para

constatar se é justificada a interferência estatal no direito de liberdade do indivíduo.

31

Conforme as palavras Miguel Tedesco Wendy: “a proporcionalidade diz respeito

a uma valoração entre dois bens ou valores em disputa, à liberdade e ao interesse

público em manter a integridade das provas e à garantia da aplicação da lei penal”20.

A aplicação da proporcionalidade esta no campo processual, pois sua análise só

pode se realizar depois de constatada a razoabilidade de uma norma, possuindo assim

caráter prático de incidência, sem se esquecer de levar em consideração que as

vantagens do decreto preventivo devem ser superior às desvantagens trazidas por si,

ao atendimento de sua necessidade e do esgotamento de outras vias menos gravosas.

Em relação à razoabilidade podemos dizer que, esta, está ligada mais ao

aspecto normativo, precisamente a confecção, levando em consideração a existência

de uma relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins.

Diante disso, podemos então dizer que, o princípio da razoabilidade e da

proporcionalidade da aplicação das medidas restritivas de natureza pessoal, busca

verificar a necessidade e a utilidade de tal ato, bem como os prejuízos que possa

acarretar, ao indiciado, acusado ou réu. Desta forma respeitando o princípio da

isonomia entre o indivíduo e o Estado detentor do direito de agir diante de um ilícito

penal.

Segundo o que diz FÁBIO RAMAZZINI BECHARA:

O princípio da proporcionalidade parte da relativização das liberdades públicas, bem como da existência de um conflito, cuja solução não se realiza pelos critérios ordinários, até porque não se trata de uma situação de antinomia, mas de confronto de bens jurídicos que ostentam o mesmo status. A mensuração do caso concreto e de suas peculiaridades constitui o critério que permitirá a prevalência de interesse sobre outro.21

No que tange ao prazo de duração da medida constritiva de liberdade, a

jurisprudência vem entendendo que este será de 81 dias, eis que este seria o prazo

estabelecido, ao somar os prazos existentes durante a instrução criminal, levando em

questão o rito processual comum ordinário.

20 TEDESCO WENDY, Miguel. Teoria Geral da Prisão Cautelar e Estigmatização. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p106. 21 BECHARA, Fábio Ramazzini. Prisão cautelar. São Paulo: Malheiros, 2005. p.143/144.

32

No entanto, em recente julgado o Supremo Tribunal Federal decidiu ser possível haver

permanência da legalidade em uma prisão cautelar que exceda os 81 dias.

EMENTA: Habeas corpus. 1. Paciente pronunciado pela suposta prática dos crimes d escritos nos arts. 121, § 2º, incisos I e IV (homicídio duplamente qualificado); 211 (destruição e ocultação de cadáver); 212 (vilipêndio a cadáver) e 347, parágrafo único (fraude processual), todos do Código Penal. A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso em sentido estrito da defesa, afastando da pronúncia o delito de vilipêndio a cadáver (art. 212 do CP). No julgamento do HC nº 88.733/SP, DJ 15.12.2006, Rel. Min. Gilmar Mendes, a Segunda Turma desta Corte concedeu a ordem, por empate na votação, para que fosse afastada a imputação do delito de fraude processual (CP, art. 347). 2. Alegações da defesa: a) excesso de prazo na prisão preventiva e b) falta de fundamentação do decreto cautelar. 3. Quanto ao excesso de prazo, a impetração considera que o paciente está preso desde o dia 27 de janeiro de 2003. 4. Existência, entretanto, de elementos que sinalizam para a complexidade da causa. Desde que devidamente fundamentada e atendido o parâmetro da razoabilidade, admite-se a excepcional prorrogação de mais de 81 dias para o término de instruções criminais d e caráter complexo. Precedentes citados: HC nº 71.610/DF, Pleno, unânime, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30.3.2001; HC nº 82.138/SC, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 14.11.2002; e HC nº 81.905/PE, 1ª Turma, maioria, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 16.5.2003. 5. Contribuição da defesa para a demora processual por meio dos seguintes atos processuais: expedição de carta rogatória para a oitiva de testemunha residente em Israel, expedição de cartas precatórias para a inquirição de testem unhas e instauração de incidente de insanidade mental do paciente. 6. Situação de constrangimento ilegal ou abuso de poder não configurada. Ordem indeferida nesse ponto. 7. Com relação à falta de fundamentação do decreto de prisão preventiva, a defesa aduz que o acórdão coator, ao fundamentar, exclusivamente, a prisão preventiva do paciente no modus operandi da conduta supostamente perpetrada, não satisfez as exigências legais do artigo 312 do CPP. 8. O decreto de custódia provisória atendeu ao disposto nos arts. 41 e 43, do CPP. A decretação da preventiva lastreou-se nos fundamentos da garantia da ordem pública, garantia da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal, nos termos do art. 312 do CPP. 9. Na linha da jurisprudência deste Tribunal, porém, não basta, a mera explicitação textual dos requisitos previstos pelo art. 312 do CPP. Precedentes: HC nº 84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, DJ 22.10.2004; HC nº 86.175/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 10.11.2006; HC nº 87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, maioria, DJ 24.11 .2006 e HC nº 88.448/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, por empate na votação, DJ 9.3.2007. 10. Da simples leitura do decreto prisional, as únicas afirmações ou adjetivações apresentadas pelo juízo

33

de origem são ilações de que a constrição pautar-se-ia no "modus operandi" da prática criminosa imputada ao paciente e na " comoção social que a gravidade do delito causou na sociedade paulistana". Não há razões bastantes para a manutenção da custódia preventiva, seja tanto pela garantia da ordem pública, seja pela aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal, as quais se revelam intimamente vinculadas. 11. Situação de constrangimento ilegal apta a ensejar o deferimento da ordem. 12 Habeas Corpus deferido para invalidar a decisão que decretou a prisão preventiva nos autos do Processo Crime nº 003.03.001450-9. (HC 89238, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 29/05/2007, DJe-101 DIVULG 13-09-2007 PUBLIC 14-09-2007 DJ 14-09-2007 PP-00085 EMENT VOL-02289-03 PP-00439 REPUBLICAÇÃO: DJe-055 DIVULG 27-03-2008 PUBLIC 28-03-2008). (Grifo nossos).

3. OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS

No texto constitucional vigente o constituinte ao se referir a princípios

constitucionais atribuiu à palavra princípios um significado distinto, ou seja, a utilizou no

sentido de dizer que se tratava de diretrizes de um sistema ou “a chave de todo o

sistema normativo”.22

Na carta constitucional os princípios fundamentais além de fixar as bases e

fundamentos da nova ordem, buscam harmonizar e dar coerência ao texto normativo

reprimindo os conflitos que existam ou possa vir a existir no decorrer da aplicação da

norma.

Os princípios constitucionalmente consagrados quando previstos nos códigos

nascem com caráter de fonte supletiva das leis e dos costumes, permitindo ao juiz

decidir entre os interesses opostos.

De acordo com o ensinamento de José Afonso da Silva os princípios

constitucionais são basicamente de duas categorias, sendo uma, onde os princípios

são político-constitucionais, e a outra em que os princípios são jurídico-

constitucionais.23

No entanto apenas nos interessa a segunda categoria, em que os princípios são

jurídico-constitucionais que é como dizer que:

São princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional. Decorrem de certas normas constitucionais e, não raro, constituem desdobramentos (ou princípios derivados) dos fundamentais, como o princípio da supremacia da constituição (...) e os chamados princípios-garantia.(grifo nossos).24

Os chamados princípios-garantia são aqueles aos quais foi conferido uma maior

densidade normativa e menor grau de vagueza, permitindo a aproximação da regra e o

estabelecimento direto de garantias para os cidadãos (direitos fundamentais). Embora

22 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Ed. 20ª.São Paulo: Malheiros, 2007. p.258. 23 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed. 22ª.São Paulo: Malheiros, 2003. p.92 e 93. 24 Idem. p. 93.

35

tais garantias não sejam absolutas estas se encontram, na maioria, no art 5º e incisos

do texto constitucional.

Esses princípios-garantia ou direitos individuais (direitos e garantias

fundamentais) surgiram no fim do século XVIII, sendo entendidos como inerentes ao

homem e oponíveis ao Estado. Sendo assim, podemos acompanhar a concepção

jusnaturalista onde os direitos fundamentais do homem se desenvolveram traçando

suas características: como sendo eles históricos (historicidade); inalienáveis, o que

significa dizer que não possuem conteúdo econômico-patrimonial, são inegociáveis;

imprescritíveis, no sentido de não haver requisitos que importem em sua prescrição; e

irrenunciáveis, eles podem até não ser exercidos, mas não se admite sua renúncia.

São vários os princípios (direitos) constitucionalmente consagrados, no entanto,

faremos menção a apenas os de maior relevância para o desenvolvimento do estudo

em tela.

Como podemos perceber dentre os direitos fundamentais o mais importante é o

direito a vida sendo que este é um pressuposto, pré-requisito, para a existência e

exercício dos demais direitos25, sendo atribuído ao Estado o dever de assegurar lhe ao

cidadão.

Para que seja garantida essa preciosa garantia constitucional (o direito à vida),

inerente a todo ser humano, é necessário que o poder estatal assegure ao indivíduo o

direito de continuar vivo e de ter uma vida digna no que diz respeito aos seus meios de

sobrevivência e subsistência.

No que tange a vida nos implica a condição física do indivíduo submetido à

persecução penal sua integridade física, psicológica e religiosa. De acordo com o

previsto no texto constitucional vigente no art 5º nos incisos III e XLIX:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

25 MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. Ed.18º. São Paulo: Atlas, 2005. p. 30.

36

Todo cidadão como consequência lógica do direito à vida, tem direito à liberdade,

que versa na condição de não estar sujeito ao controle de qualquer pessoa, nem

mesmo sofrer restrições ou imposições de outrem ou do Estado.

No entanto, a garantia constitucional de ir, vir e permanecer não é absoluta por

se tratar de uma “norma constitucional de eficácia contida”, 26 podendo o indivíduo ter

cerceado a sua liberdade de locomoção em decorrência de prisão em flagrante delito

ou por mandado judicial devidamente fundamentado por autoridade judiciária

competente, o que deverá, todavia observar atentamente os dispositivos constitucionais

que torna possível tal constrição.

Devido à importância dada a este direito (garantia), ele se encontra amparado e

protegido na Constituição Federal de 1988 pelo habeas corpus, que será

oportunamente levado a ênfase.

A Constituição da República também declara a inviolabilidade da imagem e a

honra das pessoas, podendo este direito constitucional ser estimado como um direito

advindo logicamente do princípio-garantia vida.

O direito a inviolabilidade da imagem está ligado não só com a garantia de se

reservar à imagem “física”, que neste século passa por uma enorme vulnerabilidade

devido aos avanços tecnológicos. Mas também com a própria imagem perante a

opinião pública, é o que podemos nomear como sendo o direito a uma imagem pública

positiva.

Podemos dizer que embora o direito à imagem esteja intimamente ligado ao

direito à honra, aquele possui maior abrangência do que este havendo entre eles uma

estrita e importante relação prática.

Como ensina Kildare Gonçalves Carvalho:

O direito à honra alcança tanto o valor moral íntimo do homem como a estima dos outros, [...]. Envolve, portanto, a honra subjetiva e a honra objetiva, a primeira tendo por um núcleo o sentimento de auto-estima do indivíduo, o sentimento que possui acerca de si mesmo, e a honra objetiva significando o conceito social que o indivíduo possui.27

26 MORAIS, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. Ed. 7ª São Paulo: Atlas, 2006. p. 161. 27 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Ed. 10ª Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p 385.

37

O Princípio da Presunção de Inocência, talvez, seja uma das mais importantes

garantias penais trazidas no texto constitucional. Dessa garantia advém à premissa de

que o Estado como detentor originário do direito de instaurar a persecução penal deve

provar a ocorrência da conduta delituosa, bem como a culpabilidade do suposto agente.

Desta forma buscou o constituinte coibir e retirar da ordem jurídica vigente o

autoritarismo estatal vivido por alguns brasileiros em uma época de lamentável

retrocesso do direito à vida e a dignidade humana.

Conforme as abaixo citadas palavras de Alexandre de Morais o princípio da

presunção de inocência não torna inconstitucional nenhuma das modalidades de prisão

cautelar, desde que estas, ao serem aplicadas sejam eivadas na excepcionalidade e

instrumentalidade processual exigida constitucionalmente.

A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continuam sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção júris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis.28

Em relação à inviolabilidade do domicílio, que constitui uma manifestação do

direito à privacidade, que conforme o texto constitucional consagra a casa como asilo

inviolável não podendo ninguém nela entrar sem o consentimento do morador.

Devemos salientar que o termo domicílio na Constituição possui maior amplitude

que no sentido comum não sendo somente a residência, mas também todo local

específico que alguém ocupe, inclusive o profissional. No entanto, tal princípio-garantia,

não consiste na garantia de impunidade de crimes que sejam ou estejam sendo

praticados no interior do “domicílio” da pessoa, eis que a própria norma constitucional

se encarrega de trazer as suas limitações.

O princípio da publicidade determina que todos os atos processuais devem ser

públicos. Tal princípio busca garantir que qualquer pessoa possa ter acesso ao

processo e assistir as audiências, mas o que nos importa neste momento é a

prevalência do direito à liberdade de informação que o indivíduo possui para que possa

28 MORAIS, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. Ed. 7ª São Paulo: Atlas, 2006. p. 273/274.

38

ter acesso e livre divulgação dos fatos de interesse público, no caso, a prática de uma

conduta delituosa. No entanto, esta garantia constitucional de informação (publicidade)

dos fatos de relevante interesse público deve ser interpretada juntamente com o

princípio da inviolabilidade à honra e à imagem.

Este direito de informação é inerente a todos os cidadãos, pois se destina a

formação de conhecimento e opinião pública sobre assuntos de interesse comum a

sociedade para a garantia da paz social.

A proteção à liberdade de informação não é absoluta, conforme ensina

Alexandre de Morais que demonstra a obrigação de se dissociar as “informações de

fatos de interesse público, da vulneração de condutas intimas e pessoais, protegidas

pela inviolabilidade à vida privada, que não podem ser devassadas de forma vexatória

ou humilhante”.29

O princípio constitucional que trata da dignidade da pessoa humana é

considerado um dos mais importantes direitos consagrados na carta constitucional. O

grande valor da dignidade da pessoa humana pode ser observado no seu caráter

absoluto não havendo nenhum princípio ou norma jurídica que o sobreponha.

Este princípio demonstra sua proeminência até mesmo no seu posicionamento

no texto constitucional, eis que se encontra previsto no art. 1º, inciso III da Constituição

da República de 1988 onde é colocado como fundamento do Estado Democrático de

Direito.

Como ensina, Kildare Gonçalves Carvalho:

A dignidade da pessoa humana decorre do fato que, por ser racional, a pessoa é capaz de viver em condições de autonomia e de guiar-se pelas leis que ela própria edita: todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas já é marcado pela sua própria natureza, como fim em si mesmo, não sendo algo que pode servir de meio, o que limita, conseqüentemente, o seu livre arbítrio, [...].30

O Princípio do Devido Processo Legal consiste na segurança constitucional de

que a pessoa não poderá ser privada do seu patrimônio econômico e social sem que

29 MORAIS, Alexandre. Op. Cit. p.159. 30 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Ed. 10ª Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.355.

39

seja observado as garantia estabelecidas na lei para que haja o desenvolvimento justo

do processo.

Como ensina Alexandre de Morais o princípio do devido processo legal

“configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao

direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de

condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa”.31 Sendo que este princípio

tem como decorrência lógica de sua existência o direito ao contraditório que “é a própria

exteriorização do direito de ampla defesa”, 32 onde o réu deve conhecer a acusação a

ele dirigida, para poder se manifestar dando outra interpretação à conduta narrada ou

negando sua existência naquele contexto.

Por este princípio traduz-se a ideia do processo justo, com garantias. O processo

em que o acusador e o acusado comparecem em termos de igualdade perante o juiz

para assim assegurar a presença do contraditório, assegurar a justiça, a própria

imparcialidade da decisão.

Por fim, a necessidade de motivação e fundamentação das decisões judiciais

trazidas no art. 93, inciso, IX, da Constituição Federal de 1988. Sendo este princípio-

garantia tratado como uma garantia fundamental inerente ao Estado democrático de

direito que “é visto hoje em seu aspecto político”.33

A exigência de fundamentação das decisões significa que o julgador deverá dar

as razões de fato e de direito que o levaram a firmar o seu livre convencimento. Essa

fundamentação tem que possuir motivos substanciais e não apenas mero formalismo,

pois busca afastar os arbítrios e interferências que sejam incompatíveis com a norma

constitucional vigente, possibilitando que as partes exerçam o controle da função

jurisdicional tornando possível o inconformismo com a decisão proferida e o seu

questionamento com a finalidade de que possa, caso a parte entenda necessário, nova

análise da tutela jurisdicional prestada.

31 MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. Ed.18º. São Paulo: Atlas, 2005. p.93. 32 MORAIS, Alexandre. Op. Cit. . 93. 33 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo penal. Ed. 13ª São Paulo: saraiva, 2006. p.23.

40

3.1. O MODELO DE PROCESSO PENAL CONSTITUCIONAL VIGENTE

Com o desenvolvimento do relacionamento entre o Estado e o indivíduo, surgiu a

necessidade de elaboração de normas de conduta, direito material, a serem seguidas

para a manutenção do convívio social de forma a torná-lo harmonioso e tolerável. O

processo por sua vez busca garantir a aplicabilidade do direito material através de um

“conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides”.34

O Código de Processo Penal vigente é de 03/10/1941 tendo como base a carta

política de 1937, elaborada em um momento marcante da história política em que o

país vivenciava, ‘o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937’, violando a ordem

democrática em vigor instalando uma ditadura. Com este golpe foi imposta uma

constituição outorgada “de cunho extremamente autoritário”35 por Getúlio Vargas a qual

dispensou a representação popular constituinte.

O atual Código de Processo Penal, como se percebe, foi inspirado na legislação

processual penal italiana produzida durante o regime fascista de Benito Mussolini com

bases totalmente autoritárias.

A atual Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de

outubro de 1988 “é basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma

Constituição do Estado Social. Portanto, (...) é uma constituição de valores refratários

ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder”.36

O nosso texto Constitucional, hoje, traz além dos princípios, acentuada ligação

entre o processo e a constituição sendo “o direito processual determinado

fundamentalmente pela constituição em muitos de seus aspectos e institutos

característicos”.37

O processo penal atualmente vem tentando se habilitar à nova ordem

constitucional instituída em 1988, acompanhando a tendência mundial, diante da

34 CAPEZ, Fernando. Op. Cit. p. 1. 35 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Ed. 20ª. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 367. 36 Idem, p.371. 37 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. Ed. 21ª. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 80.

41

necessidade de se mudar o enfoque pregado pelo autoritarismo presente durante sua

elaboração e promulgação.

Para que ocorra tal adequação o Brasil veio a participar de inúmeros pactos e

declarações como, por exemplo, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, à

Declaração Universal dos Direitos do Homem e à Convenção Americana sobre os

Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que contribuíram e contribuem

significativamente para a ampliação do rol de garantias previstas na nossa Constituição.

Garantias essas, que possuem suma importância para a constitucionalização do

processo penal.

A constitucionalização do processo penal e a inserção de amplas garantias

individuais consubstanciando a efetiva proteção das liberdades. Essa proteção à

liberdade é extremamente disseminada no plano teórico, entretanto possui pouca

efetividade na nossa vida prática.

A Constituição da República deixa claro a possibilidade da aplicação das

chamadas prisões de caráter cautelar, ou provisória, cabendo ao Estado detentor do

direito, originário, de dar início a persecução penal e de punir justificar de maneira

visível a plausibilidade e imperiozidade de impor limites ao direito de liberdade do

indivíduo. Sendo que, toda a prisão tida como ilegal deverá imediatamente ser

relaxada.

No entanto, conforme ensina José Herval Sampaio Júnior e Pedro Rodrigues

Caldas Neto “A dúvida [se encontra, no fato], do que seria a prisão legal ou ilegal (...)”,38

porém a carta constitucional demonstra o que seria esta prisão ilegal em seu art. 5º,

inciso, LXVI.

Contudo, devemos deixar claro que os direitos e garantias individuais são,

doutrinariamente, considerados como freios à atuação estatal, utilizados durante o

processo penal para que possa tornar viável a aplicação da pena e efetivamente,

funcione como um instrumento de garantia de direitos e da liberdade individual.

Como se observa, o ensinamento de Eugênio Pacelli de Oliveira:

38 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval e CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de Prisão Soltura Sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Método, 2007. p. 28.

42

A nova ordem constitucional passou a exigir que o processo não fosse mais conduzido, prioritariamente, como mero veículo de aplicação da lei penal, mas, além e mais que isso, que se transformasse em um instrumento de garantia do indivíduo em face do Estado.39

Como se percebe existi contradições entre o sistema processual penal datado de

1941 e a Carta Constitucional de 1988. O texto Constitucional traz importantes valores

para resguardar o cidadão, de outro lado, o Código de Processo Penal demonstra os

vestígios inquisitivos da época de sua elaboração.

A Constituição da República por sua vez traça um modelo de devido processo

penal constitucional, na busca de uma igualdade entre as partes litigantes, trazendo,

meios de garantia ao cidadão durante a persecução penal para que haja um processo

eqüitativo. Processo esse que deve sempre observar as regras do contraditório e a

exigência da participação plena da defesa técnica, para que possa ocorra o

convencimento judicial motivado.

Este modelo processual penal ‘perfeito’, constitucionalmente previsto, deve ser

realizado “sob os rigores da lei, da ética (na conduta) e do direito [devendo o Estado se]

interessar, na mesma medida, tanto a absolvição do inocente quanto a condenação do

culpado”.40

3.1.1. Os Institutos Constitucionais Capazes de Res tabelecer o Status Libertatis

do Individuo Durante A Persecução Penal

No Brasil é inegável a contramão em que está o Código de Processo Penal e a

norma Constitucional vigente, a ponto de que seja necessário há utilização de uma

serie de técnicas interpretativas a fim de que ocorra um procedimento de

conscientização do Estado juiz de absolvição do ideal constitucional do processo.

39 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. Ed. 8ª. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p. 7. 40 Idem. p. 8.

43

No entanto, infelizmente quando estamos diante da persecução penal existindo

conflito entre os interesses coletivo e o interesse individual, se fala primeiro em prisão

do indivíduo, suposto agente causador da lesão social, e só depois se fala em

manutenção do direito de liberdade, interrompendo a normalidade das relações sociais

do indivíduo.

Diante destas situações de arbitrariedade das prisões excessivas na tentativa de

conter os elevados índices de criminalidade não “se pode tolerar a convivência

complacente com um direito fundamental constitucional de faz-de-conta”41, onde a

pessoa é encarcerada, sendo a regra constitucional a liberdade, e depois para cumprir

as formalidades previstas na lei lhe seja garantido um devido processo penal

constitucional que efetivamente não existe.

Mas para conter este desequilíbrio provocado por um texto infraconstitucional

ultrapassado, o constituinte vem prevendo na carta magna institutos capaz de fazer

cessar os arbítrios e ilegalidade das prisões tidas como acautelatórias restabelecendo o

status de liberdade violado.

Esses institutos são aqueles previstos no texto constitucional, quais sejam: o

relaxamento da prisão tida como ilegal; a liberdade provisória, com ou sem fiança; a

revogação da prisão preventiva; e o habeas corpus.

De acordo com art. 5º, inciso LXV da Constituição Federal “a prisão ilegal será

imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”, firmando se assim, o direito inerente

a quem tenha sua liberdade cerceada por quaisquer “das modalidades de prisão

previstas”, 42 sem que sejam observados os rígidos ditames legais.

O relaxamento de prisão, como já dito, é cabível em qualquer das hipóteses de

prisão independente do rito processual ou mesmo do crime objeto da persecução penal,

pois se trata de um controle judicial à restrição ilegal de liberdade, ilegalidade está que

pode ocorrer no excesso do prazo de duração da constrição, ou ainda, quando

verificado a existência de irregularidades em sua aplicação, os chamados vícios de

forma.

41 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval e CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de Prisão Soltura Sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Método, 2007. p.308. 42 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. Ed. 8ª. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p.456.

44

Em relação ao excesso de prazo como ensejador do relaxamento da prisão

ilegal, o enunciado da súmula nº 64 do Supremo Tribunal de Justiça, deixou claro que

“Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução provocado pela

defesa”, pois estaria a defesa tornando lenta à instrução criminal, formação da culpa, e

consequentemente mais duradoura a prisão processual não podendo assim se

beneficiar de uma situação por ele mesmo provocada para se livrar da constrição.

O relaxamento de prisão é uma anulação do ato que violou a lei ao limitar o

direito fundamental do indivíduo restituindo plenamente a sua liberdade que consisti em

“um dever funcional do juiz, que diante da irregularidade da constrição não só pode,

mas, sim, deve fazê-la cessar imediatamente”.43

A liberdade provisória também constitui um direito constitucional do réu de

aguardar o trâmite do processo penal em liberdade, desde que preenchidos os

requisitos legais. Podendo ser revogada a qualquer tempo pelo juiz, desde que

descumpridos as condições fixadas.

Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal a liberdade provisória não

consiste em uma faculdade do juiz, mas sim um direito do réu.

Assim estabelece o 5º, inciso LXVI da Constituição Federal “Ninguém será

levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou

sem fiança”.

No entanto, a liberdade provisória conforme ensina Eugênio Pacelli de Oliveira,

implica a restrição de direitos, e a restrição de quem ainda não foi definitivamente condenado. Em outras palavras, restrições de direitos do inocente (...) por isso, parece-nos irrecusável a conclusão de que (...), a liberdade provisória, em qualquer de suas modalidades (...), por configurar sempre uma restrição de direitos, deve fundamentar-se igualmente em razões cautelares.44

A doutrina prevê três espécies de liberdade provisória, sendo elas, a liberdade

provisória obrigatória; a liberdade provisória permitida que se subdivide, em liberdade

43 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval e CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de Prisão Soltura Sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Método, 2007. p. 322. 44 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. Ed. 8ª. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2007. p.443.

45

provisória sem fiança e com fiança; e por fim, a liberdade provisória proibida. Sendo a

regra geral no ordenamento jurídico vigente a concessão da liberdade provisória sem a

exigência de que seja prestada a fiança.

A liberdade provisória obrigatória consiste em um direito do acusado, não

podendo ser negado de modo algum ou sobrepor-lhe qualquer condição para que seja

exercido. Ocorre quando o réu se livra solto independentemente da prestação de

fiança, conforme estabelecido no artigo 321 do CPP.

Esta espécie de liberdade “ocorre no caso de a infração não ser punida com a

pena privativa de liberdade ou quando o máximo da pena privativa de liberdade prevista

não exceder a três meses”.45

Por sua vez, a liberdade provisória permitida, pode ser, sem fiança ou com

fiança. Nestas hipóteses de concessão o agente, acusado, está sujeito ao cumprimento

de certas condições, sob pena de ser revogada a sua liberdade e ter que se recolher à

prisão.

As condições as quais o réu estará sujeito encontram se previstas nos arts. 327

e 328 do Código de Processo Penal:

1) obrigação de comparecer a todos os atos do processo;

2) proibição de o réu mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade

processante;

3) proibição de o réu ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência,

sem comunicar à autoridade processante o lugar onde será encontrado.

Diante dessas condições se percebe que o acusado “fica livre, mas preso ao

processo”.46

A liberdade sem fiança esta prevista no art 310, caput do CPP, conhecida

doutrinariamente como liberdade vinculada que significa dizer que a concessão da

liberdade estaria vinculada ao flagrante propriamente dito.

“Art. 310. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do Código

45 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo penal. Ed. 13ª São Paulo: saraiva, 2006. p. 271. 46 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 8º ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 658.

46

Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação”.(grifo nossos).

Como se percebe, a liberdade provisória será sempre aplicada ou imposta

quando ao verificar o auto de prisão em flagrante, constatar o juiz, que o agente

praticou a conduta delitiva na presença de algumas das excludentes de ilicitude, ou

ainda, quando não houver a presença de quaisquer das hipóteses ensejadoras da

decretação da prisão preventiva, de acordo com o parágrafo único, do citado diploma

legal.

No entanto, a existência da necessidade de sustentar a prisão e a consequente

negativa da concessão da liberdade provisória deve ser apresentada e comprovada

pelo acusador, não podendo ser exigido do agente, alvo da persecução criminal, o ônus

probatório de comprovar que possui os requisitos para a concessão do beneficio, sob

pena de ser lhe negado o seu direito constitucional, assim, agindo o Estado juiz, estaria

ferindo o princípio constitucional da presunção de inocência colocando o acusado na

posição de culpado e de autodenunciante.

A liberdade provisória com fiança, por sua vez, ocorre em determinadas

infrações onde a lei permita que o acusado mediante a prestação de uma garantia real

usufrua o beneficio da liberdade provisória assim como dispõe a Constituição Federal

no art. 5º, LXVI.

Essa garantia constitui uma caução real, permitindo assim, proteger o resultado

útil do processo restabelecendo a liberdade do acusado e garantindo o cumprimento

das obrigações processuais de quem prestou a fiança.

A fiança se destina ao pagamento das custas do processo, de uma eventual

pena pecuniária ou garantia de compensação da vítima, diante da lesão causada. Pode

ser concedida em qualquer fase do inquérito ou do processo.

O arbitramento da fiança poderá ser feito pela autoridade policial quando a

infração cometida for punida com detenção ou prisão simples, sendo que nos demais

casos, tal dever, impõe se ao magistrado. Para este arbitramento deve levar em

consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida

47

pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a

importância provável das custas do processo até final julgamento.

No entanto, pode ocorrer a quebra da fiança quando o réu legalmente intimado

deixar, injustificadamente, de comparecer aos atos do processo, quando mudar de

residência ou se ausentar por mais de oito dias sem comunicar previamente ao juízo, e

quando na vigência do benefício praticar outra infração penal tendo como consequência

lógica, a perda da metade do valor pago e deverá ser recolhido à prisão.

Quando arbitrada a fiança e logo após constatando ser está incabível, a fiança

será cassada independentemente do momento processual que esteja. Conforme o art.

340, parágrafo único, do CPP haverá ainda a cassação da fiança quando exigido o

reforço e ele não for prestado tendo como consequência a devolução integral do valor

pago a título de fiança, tendo o réu que se recolher à prisão.

O reforço da fiança será exigido quando houver sido tomada por engano, quando

a fiança for insuficiente, ou ainda quando houver depreciação material ou perecimento

dos bens hipotecados ou caucionados, ou depreciação dos metais ou pedras preciosas

e quando for inovada a classificação do delito (art. 340 do CPP).

A perda do valor da fiança poderá ocorrer quando o réu, condenado, não se

apresentar à prisão. Neste caso, o montante pago a título de fiança será perdido e o réu

deverá recolher se à prisão. No entanto, de acordo com as palavras de Júlio Fabbrini

Mirabete:

(...) Ao dizer que a perda se dá quando ‘o réu não se apresentar à prisão’, não está exigindo a lei, literalmente, que o condenado procure a autoridade para entregar-se, mas, simplesmente, que não desobedeça ou resista ao cumprimento do mandado de prisão nem se oculte ou se ausente, impedindo a execução imediata dessa ordem judicial.47

Existindo a sentença absolvitória do réu, transitada em julgado, ou declarada

extinta a ação penal e não ocorrendo nenhuma das situações de quebra ou perda da

fiança, será está restituída sem desconto, exceto nos caos de prescrição.

47 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 421.

48

É finalmente a liberdade provisória proibida que encontra se vedada no próprio

texto constitucional e nas normas infraconstitucionais. Sendo assim, podemos citar

como infrações inafiançáveis:

a) crimes punidos com reclusão em que a pena mínima for superior a 2 anos; [...]; b) contravenções penais de vadiagem e mendicância (arts. 59 e 60 do Dec-Lei n.3.688/41); c) crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade, em que o réu for reincidente doloso; d) réu comprovadamente vadio; e) crimes punidos com reclusão que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência ou grave ameaça contra a pessoa; f) crimes de racismo (CF, art. 5º, XLII; Leis 7.716/89 e 9.459/97); g) crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo (art. 5º, XLIII, da CF, art 5º, lei n. 8.072/90, art. 2º, II); h)crimes praticados por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV); i) no caso de prisão civil e militar; j) para o réu que tiver quebrado a fiança no mesmo processo; l) réu que deixar de comparecer a qualquer ato processual a que tenha sido intimado; m) quando estiver presente qualquer dos motivos que autorizam a prisão preventiva (CPP, art. 312).48

Em relação à revogação da prisão preventiva o art. 316 do CPP é claro ao dizer

que “o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta

de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que

a justifique”.

Tal dispositivo busca permitir ao aplicador da norma diante da modificação do

status processual existente no momento em que foi determinada a constrição de um

direito individual importante, o restabelecer durante o processo. No entanto, também

garante ao aplicador a possibilidade de que presentes os requisitos ensejadores da

prisão, está seja decretada, desde que, devidamente fundamentada para que seja

garantido o princípio do contraditório e da ampla defesa.

A normatização desta importe garantia deixa evidente o caráter garantista da

nova ordem constitucional, contudo, embora o artigo 316 do CPP, tenha sido 48 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo penal. Ed. 13ª São Paulo: saraiva, 2006. p. 274.

49

recepcionado pela Constituição de 1988, tal dispositivo deve ser analisado de maneira

mais ampla, devendo “pois, com toda a certeza, o juiz revogar a prisão preventiva,

quando do surgimento de fatos novos que informem a não mais persistência dos

motivos que levaram à decretação da prisão (...)”.49

Como se vê, a revogação da prisão preventiva é conseqüência lógica de toda a

exposição necessária de comprovação da cautelaridade exigida para a decretação das

prisões processuais. Sendo que, sobrevindo fatos novos que torne inútil a restrição da

liberdade está deverá ser restabelecida.

No que tange a liberdade para ofertar maior segurança ao cidadão sujeito às

imposições do Estado, a Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LXVIII, trouxe a

previsão e possibilidade da aplicação de um grande e valioso remédio constitucional, o

instituto do hábeas corpus, que deve ser impetrado sempre que presente violação ou

coação do seu direito à liberdade de ir e vir, com abuso de poder ou ilegalidade

(liberatório), ou ainda, quando existir ameaça de cerceamento do direito de liberdade,

fundamental ao indivíduo, sendo que, neste caso o habeas corpus será preventivo.

Conforme ensina Alexandre de Morais: “o habeas corpus é uma garantia

individual ao direito de locomoção, consubstanciada em uma ordem dada pelo Juiz ou

Tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de locomoção

[...]”.50

O habeas corpus não é um recurso, mas sim uma ação de caráter penal

constitucional que possui procedimento especial. Devendo ser impetrado, quando

liberatório, com a finalidade de obter um alvará de soltura, ou impetrado em favor de

quem se encontra preso. O habeas corpus preventivo, por sua vez, tem por objetivo

evitar que se consolide uma ameaça de prisão através da obtenção de um salvo

conduto.

Para que seja impetrado o remédio constitucional não basta haver a lesão ou

ameaça de lesão ao direito de locomoção para tanto é necessário ainda que estejam

presentes dois requisitos: ilegalidade ou abuso de poder.

49 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval e CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de Prisão Soltura Sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Método, 2007. p. 424. 50 MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. Ed.18º. São Paulo: Atlas, 2005. p.109.

50

O artigo 648 do CPP delibera, exemplificativamente, as hipóteses de ilegalidade,

visto que o habeas corpus é uma garantia fundamental com previsão constitucional,

não podendo normas infraconstitucionais limitar sua incidência.

As hipóteses de ilegalidade previstas no artigo 648 são as seguintes:

a) Falta de justa causa;

Esta falta de justa causa, se configura quando não existe prova da existência do

crime ou indícios suficientes de autoria capaz de justificar a prisão ou a persecução

criminal.

b) Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;

Essa hipótese se aplica a duas situações. Na prisão definitiva, essa se torna

ilegal a partir do momento em que o cidadão fica privado de sua liberdade por mais

tempo do que determina a sentença penal condenatória. E a outra situação se refere à

prisão provisória. Em um Estado Democrático de Direito, o Estado possui um prazo

para realizar a persecução penal. Ultrapassado tal prazo, a prisão se torna ilegal.

c) quando quem ordena a coação não tiver competência para fazê-lo;

d) Cessação do motivo que autorizou a prisão;

e) Quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a

autoriza;

O CPP menciona que caberá habeas corpus apenas na hipótese de não

concessão de liberdade provisória com fiança. Entretanto, este rol é meramente

exemplificativo.

Logo, também cabe habeas corpus contra decisão que nega a concessão de

liberdade provisória sem fiança, quando não estiverem presentes os fundamentos que

autorizam a prisão preventiva.

f) Quando o processo for manifestamente nulo

O vício manifestamente nulo é aquele que pode ser demonstrado

documentalmente, sem gerar maiores dúvidas acerca de sua existência. Para que seja

cabível o remédio constitucional, o vício tem de ser a razão pela qual o acusado teve

sua liberdade contida. Tal hipótese é muito utilizada no caso de provas obtidas por

meios ilícitos, que acabam maculando o processo como um todo.

g) Quando extinta a punibilidade;

51

O artigo 107 do Código Penal traz as causas que resultam na extinção da

punibilidade, sendo a possibilidade de impetração de habeas corpus nesses casos

tranquila e não gerando maiores dificuldades.

Como se pode perceber, o procedimento previsto para o tramite do hábeas

corpus não admite dilação probatória, devendo a coação ilegal ser demonstrada de

plano, documentalmente, pelo impetrante. A existência de uma eventual fase probatória

comprometeria a celeridade do procedimento que acabaria por perder sua utilidade. Em

virtude desta celeridade, essa ação tem prioridade na tramitação, em relação a todas as

demais.

Os requisitos formais para o recebimento do habeas corpus são mínimos, quais

sejam: A identificação do impetrante (pode ser qualquer do povo independente de sua

capacidade civil, política ou profissional), a identificação do paciente (é a pessoa que

tevê seu direito de locomoção violado) e a identificação da autoridade coatora.

Devemos ainda ressaltar que de acordo com o previsto no art 654, §2° do CPP,

os juízes e os Tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas

corpus, quando no curso de um processo se verificar que alguém sofre ou está na

iminência de sofrer coação ilegal.

52

3.2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DIANTE DA PRISÃO CAUTELAR

DESNECESSÁRIA

No tema em estudo, forçoso é o questionamento da responsabilidade do Estado

na reparação dos danos causados pela prisão processual, embora lícita sua aplicação,

pois tal ato estatal propicia ao acusado lesões de ordem moral e patrimonial na maioria

das vezes irreversíveis.

Nada obstante o ordenamento jurídico prevê a obrigação do Estado de indenizar

a vítima do dano advindo de sua atuação imprópria, pois assim como ao particular não

é dado ao Estado o direito de permanecer isento à responsabilidade na presença de

uma conduta ilícita que causou danos ao cidadão.

A norma constitucional vigente além de prever normas de garantias trouxe em

seus dispositivos a garantia de reparação, pelo Estado, dos danos advindos da

privação de liberdade indevida ou de erro judiciário, (art. 5º, inciso LXXV, e art. 37, § 6º,

da CF/88). Como se nota, o próprio constituinte ao adotar a tese da responsabilidade

estatal, afastou a teoria da irresponsabilidade do Estado que imperava na época dos

Estados absolutos tornando cogente a obrigação de indenizar o particular atingido.

A responsabilidade do Estado não está vinculada constitucionalmente à

demonstração de culpa ou dolo, sendo esta responsabilidade objetiva baseada no risco

administrativo, como ensina JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO,

A marca da característica da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal provar a existência da culpa do agente ou serviço. O fator culpa, então, fica desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva.51

A Constituição da República já deixou em evidência que o cidadão não pode ser

submetido à privação de sua liberdade antes do trânsito em julgado da sentença penal

condenatória. Entretanto, vêm prevendo em seu texto a possibilidade da constrição da

liberdade do indivíduo desde que devidamente justificada, fundamentada e necessária. 51 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Ed.17ª Rio de Janeiro: Lumem Juis, 2007. p. 482.

53

É inquestionável na doutrina e na jurisprudência a aplicação da responsabilidade

civil do Estado quando houver a absolvição do réu por inexistência de provas dos fatos

denunciados ou comprovação de que o ato praticado não constitui infração penal.

Mas em relação à responsabilidade Civil do Estado em decorrência da prisão

cautelar imposta ao cidadão de forma e maneira desnecessária, “reina certo silêncio

doutrinário (...), como que decorrente de um receio de que o enfrentamento do assunto

revele uma omissão do Estado, de longa data, a tolher direitos fundamentais”.52

Este tema deve melhor ser debatido e questionado pelos cidadãos que possuem

o dever e o direito de agir e exigir que o Estado legislador e judiciário aplique a norma

de forma correta e coerente inibindo o constrangimento e banalização de direitos

constitucionais essenciais ao convívio e equilíbrio social.

Conforme as palavras de Rodrigo Mendes Delgado:

(...) Código de Processo Penal, (...), diante dele, o acusado deve merecer o status de pessoa intocável até que se prove, de forma cabal e sem a menor sombra de dúvidas, que o mesmo realmente praticou o delito cuja acusação pesa sobre o mesmo. Todas aquelas garantias foram criadas e encartadas no ordenamento jurídico, justamente para que o princípio maior da Dignidade Da Pessoa Humana fosse seguido à risca. Infelizmente, nosso ordenamento jurídico vem passando por uma verdadeira fase de discrepâncias, de contra-sensos, de ilogicidade, posto que, as normas criadas não estão sendo seguidas. O mesmo Estado que prometeu zelar por seus administrados, que prometeu instituir e salvaguardar a ordem e a paz sociais, por meio da proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana, vem falhando em sua promessa desde longa data. (grifo nosso).53

Como se percebe o Estado detentor do dever de prestar a tutela jurisdicional,

vem se fazendo de “cego” ao aplicar quaisquer das modalidades de prisão processual

sem analisar antes de tudo, a necessidade e as consequências que tal constrição pode

causar ao indivíduo, seja ele considerado culpado ou não, após o trânsito em julgado

da sentença penal.

52 SAMPAIO JÚNIOR, José Herval e CALDAS NETO, Pedro Rodrigues. Manual de Prisão Soltura Sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Método, 2007. p. 478. 53 DELGADO. Rodrigo Mendes. O Dano Moral Na Investigação Criminal. Jus Navegandi, 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br acesso em: 30/05/2009.

54

Levando a ênfase o texto constitucional vigente, entende se que a questão da

prisão processual imposta de forma absoluta em consequência tão somente da

previsão legal abstrata, por si só, provoca o direito de ser o cidadão reparado pelo

Estado.

Mas, embora a responsabilidade estatal, via de regra, seja objetiva, em se

tratando de prisão processual desnecessário, cabe ao cidadão que entender a

constrição de sua liberdade como uma conduta delitiva de seus direitos fundamentais

praticada pelo Estado, demonstrá-la civilmente, para que só assim, surja para o Estado

o dever de indenizar o dano causado.

4. A PRISÃO CAUTELAR SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL UTI LIZADA COMO

MEIO VIOLADOR DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS

O Estado, como detentor do poder-dever de promover a persecução penal, tem

utilizado como regra, a restrição da liberdade do indivíduo, que viola as normas de uma

convivência harmoniosa, normas presentes no nosso ordenamento jurídico. Neste

contexto, o ente estatal vem agindo como um ponderador entre os cidadãos,

resguardando o interesse social e coibindo o indivíduo transgressor das normas de

conduta vigente.

Essa exteriorização do ius puniendi estatal encontra sua barreiras na lei maior, a

Constituição da República de 1988, buscando estabelecer e demonstrar a prevalência

do estado democrático de direito. Com isso tornar-se manifesto a evolução histórica das

limitações estatais, onde o direito era simples ferramenta de demonstração de poder

estatal, agora é também um garantidor da prevalência do cumprimento do dever de

cada um sujeito ao estado democrático de direito.

Contudo, no decorrer das relações entre o cidadão, hipossuficiente, e o Estado

economicamente e socialmente suficiente, onde está de um lado o direito de liberdade

do cidadão, sendo este um direito inegavelmente importante para o desenvolvimento

econômico e social do indivíduo, e do outro lado o direito-dever do Estado de exercer a

sua atribuição de punir, cria-se um verdadeiro “cabo de guerra”.

Como é perceptível, quando da aplicação da prisão cautelar há existência de um

conflito, entre os fins do processo penal e os princípios constitucionais. Assim, fica claro

a necessidade de avaliação entre um direito e outro, podendo haver a preservação de

um direito em detrimento do outro.

A intervenção estatal na esfera da liberdade do acusado, como se percebe, é

absolutamente possível, desde que de maneira excepcionalíssima. Entretanto, a sua

legitimidade decorre do respeito aos direitos fundamentais. Porém, a ilegitimidade

dessas prisões de natureza acautelatórias pode ser verificada quando se desvirtua sua

finalidade, tornando-se apenas um mecanismo de antecipação dos efeitos de futura

sentença penal e violação de preceitos constitucionais.

56

A utilização no próprio direito brasileiro das prisões cautelares como mecanismo

de antecipação dos efeitos de futura condenação, fica clara, ao analisarmos o instituto

da detração penal, que é um instituto ao qual busca computar junto à pena privativa de

liberdade, o tempo de prisão cautelar, conforme ensina ROGÉRIO GRECO: “A detração

penal é o instituto jurídico mediante o qual computam-se, na pena privativa de liberdade

e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro”.54

No mesmo sentindo de possibilidade de utilização deste instituto e observada nas

palavras de JOSÉ FREDERICO MARQUES:

(...) a detração é possível, visto que a providência cautelar, além de impor ao réu o sofrimento físico da privação da liberdade, deriva do crime praticado e é decretada para garantir e assegurar, ou a sua punição, ou a apuração da verdade sobre sua prática e autoria pela justiça penal. 55

Dessa maneira, torna-se intenso o caráter antecipatório do mérito quando da

aplicação da prisão cautelar, pois no momento da sua decretação não se admite que

possa o juiz, ainda antes de decidir a lide, adotar postura que o aproxima de uma das

partes, ou seja, daquela que sustenta a pretensão punitiva, num momento em que se

revela imprópria qualquer manifestação judicial sobre a culpa, e a posterior utilização do

tempo em que ficou sobre a restrição de sua liberdade, devido à aplicação da prisão

cautelar com a finalidade de subtrair o cômputo da pena aplicada.

O Princípio da Presunção de Inocência está expresso na Constituição Federal,

em seu art. 5º inc. LVII que diz: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em

julgado de sentença penal condenatória”, esse princípio afirma a partir de que momento

se acerta a culpa definitiva do acusado.

Como se sabe, a prisão-pena é a cristalização da pretensão punitiva estatal, ao

passo que a prisão cautelar é apenas um instrumento auxiliar da administração da

justiça, com evidente função de garantia.

54 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal-parte geral. Vol. I ed. 6ª Rio de Janeiro: Impetus, 2006.p.558. 55 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Vol IV. 2ª ed. São Paulo: Millennium, 2003. p. 99.

57

De acordo com alguns autores entre eles Fábio Ramazzini Bechara e Fernando

Capez, seria perfeitamente aceitável e razoável admitir uma relação de necessária

compatibilidade entre as prisões cautelares e a presunção de inocência. Pois a prisão

de natureza acautelatória se configura como um limite objetivo ao campo de expansão

da presunção de inocência, bloqueando a possibilidade de dilatar-se até excluir a

mesma legitimidade da custódia no cárcere do individuo. Do outro lado, esse princípio

configura-se como um parâmetro negativo, ao operar as escolhas em matéria de

medidas restritivas da liberdade do acusado, especialmente com referência à duração

máxima e as exigências cautelares idôneas a justificá-las.

Deste princípio extraem-se que o ônus da prova incumbe sempre à acusação e

que a prisão processual somente poderá ser admitida quando indispensável à utilidade

de futuro provimento judicial, não podendo servir como meio de se antecipar futura e

incerta sanção penal.

Porém, o caráter antecipatório do mérito dado a esta medida faz com que seja

violado tal princípio de grande importância para a manutenção do equilíbrio e paz

social, e faz com que as medidas instrumentais protetivas pessoais percam sua

natureza acautelatória as tornando assim, ilegítimas.

De acordo com as palavras de FERNADO CAPEZ:

No entanto, a prisão provisória somente se justifica, se acomoda dentro do ordenamento pátrio, quando decretada com base no poder geral de cautela do juiz, ou seja, desde que necessária para uma eficiente prestação jurisdicional. Sem preencher os requisitos gerais da tutela cautelar (fumus boni iuris e periculum in mora), sem necessidade para o processo, sem caráter instrumental, a prisão provisória, da qual a prisão preventiva é espécie, não seria nada mais que uma execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado, e, isto sim, violaria o principio da presunção da inocência.56

No momento da ocorrência da prisão cautelar podemos também analisar a

inobservância do Princípio do Devido Processo Legal, que em nosso ordenamento, no

momento de urgência da aplicação da prisão cautelar, é pouco observado em face do

contraditório.

56 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo penal. Ed. 13ª São Paulo: saraiva, 2006. p.263/264

58

O Princípio do Devido Processo Legal encontra-se expresso na Constituição

Federal em seu art 5º inc. LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens

sem o devido processo legal”; por este princípio, como já dito, traduz a ideia do

processo justo, com garantias, o processo em que o acusador e o acusado

comparecem em termos de igualdade perante o juiz, para assim assegurar a presença

do contraditório, assegurar a justiça, a própria imparcialidade da decisão.

Porém, vê-se que nosso direito pouco se atenta para este princípio em relação à

aplicação das medidas cautelares, em face de sua natureza de urgência. Isso porque,

no primeiro momento, é possível que o juiz decida sem ouvir as partes, no momento

imediatamente seguinte, o juiz deve fazer valer a regra do contraditório, até para que

possa rever a sua decisão.

Embora temos as regras de que todas as decisões judiciais serão

fundamentadas e de que ninguém será preso sem ordem fundamentada de autoridade

judiciária competente, vemos na prática sua desobediência, onde basicamente há

apenas a repetição dos termos legais ou a simples reiteração dos motivos elencados

pelo Ministério Público.

Diante dessas colocações e evidente a necessidade de modificação do sistema

brasileiro, considerando que a Constituição Federal garante ao indivíduo o direito de

defesa, pois a aplicação dessas medidas cautelares no molde atual não permite a

mínima participação da defesa do acusado no primeiro momento, ficando evidente a

necessidade de se ajustar às prisões de natureza acautelatória ao modelo de processo

penal constitucional consagrado em nosso ordenamento jurídico.

A ideia de garantia do cumprimento das finalidades do processo, ofertado pela

prisão cautelar, por tempo indeterminado, devido à omissão da lei de tal previsão, e em

primeiro considerando a vida e os prejuízos que pode ser acarretado por tais medidas,

fica claro a extrema violação dos direitos fundamentais a fim de legitimar e dar licitude a

tais medidas, com o objetivo de proporcionar ao Estado o exercício e efetividade do ius

puniend.

Ao mesmo tempo, podemos perceber a utilização do clamor público para

fundamentação de tais procedimentos instrumentais, banalizando as previsões

constitucionais. O clamor público não está previsto no Código de Processo Penal como

59

fundamento da prisão processual, sendo tal conceito disposto no inciso V, do art. 323,

do referido diploma, no que tange a denegação da liberdade provisória, com fiança.

É injustificado avocar o clamor público, tão somente, para fundamentar a prisão

cautelar, pois se trata de uma expressão ampla e genérica, a qual pode ter inúmeros

significados, sendo incompatível com os ditames constitucionais e os direitos

fundamentais. O que não podemos é confundir a prisão cautelar, que é uma medida

instrumental, com o fim de resguardar o processo de conhecimento e tornar possível a

aplicação da justiça, com o clamor público, que busca política pública de combate à

violência, pois, nada tem haver a prisão cautelar com os autos índices de violência

urbana.

De acordo com as palavras de PAULO RAGEL:

Contudo não podemos confundir prisão cautelar com política pública seria de combate a violência, ou seja, nada tem a ver com a prisão cautelar os altos índices de violência urbana que assolam nosso País. (...). Uma coisa é a certeza de que nas ruas não há policia, outra, bem diferente, é, em decorrência disso, haver necessidade de, no curso do processo , o réu ser preso.57

Podemos suscitar ainda, o fato de que o agente encarregado de cumprir a ordem

de prisão cautelar, viola o domicílio do que a ela está sujeito, viciando uma ordem

judiciária legitima. Como conseqüência, a utilização das algemas de uso excepcional,

causando maiores transtornos à dignidade da pessoa e o respeito aos direitos

fundamentais do individuo, constitucionalmente consagrados.

Embora o CPP não tenha disciplinado até o momento o uso das algemas, se

limitando apenas a prever timidamente, há proibição do uso da força, salvo a

indispensável, no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso (art 284 do

CPP). Diante dessa timidez processual o Supremo Tribunal Federal se viu na

obrigatoriedade de refrear o uso exagerado das algemas, para tanto editou a súmula

vinculante de nº 11, trazendo a seguinte redação:

57 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. Ed 10ª. Rio de Janeiro: Lumen júris, 2005. p.603.

60

Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.58

Buscando garantir a efetiva proteção à intimidade, à imagem e à honra com o

objetivo de alcançar a verdadeira dignidade da pessoa humana, seguindo as regras

previstas pela ONU, onde traz que o tratamento de prisioneiros, na parte em que verse

sobre instrumentos de coação (algemas), essas jamais poderão ser utilizadas como

medida punitiva. Sendo assim, de acordo com as palavras de FERNANDO CAPEZ as

“Algemas não é argumento, e se for utilizada sem necessidade, pode levar à

invalidação da sessão”59, consequentemente, viciando um ato legal de decretação da

prisão acautelatória.

Fica claro, ainda, quando do cumprimento da prisão cautelar à violação da

imagem e honra do indivíduo ao expô-lo diante da sociedade, que possui direito a

publicidade do processo, conforme Constituição Federal em seu art.5º, inciso LX: “a lei

só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade

ou o interesse social o exigirem”, e a possibilidade de erro judiciário, devido à

ilegalidade da prisão, surgindo à possibilidade posterior do dever de indenizar do

Estado, para com quem suportou a medida imposta de forma arbitrária e ilegal.

Levando também em consideração a duração da prisão cautelar, que nem mesmo se

encontra prevista na legislação brasileira, contrariando a ideia de celeridade do

processo criminal, ferindo o principio da razoabilidade da aplicação da medida

constritiva e trazendo maiores transtornos a quem a suporta.

A prisão indevida, por erro judicial, traduz-se na ofensa à liberdade pessoal e a

dignidade do individuo, que empenha responsabilidade do Estado, por força das

garantias asseguradas no art. 5º da Constituição Federal e no art. 954, do Código Civil,

pois, conforme estabelece o §2º do art. 5º da Constituição Federal, os direitos e

garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios

por ela adotados. 58 59CAPEZ, Fernando. Curso de Processo penal. Ed. 13ª São Paulo: saraiva, 2006. p. 250

61

Como se vê, o Estado utiliza o atual e retrógrado, Código de Processo Penal,

ferindo de morte o texto constitucional e suas garantias, consubstanciadas e

conquistadas no decorrer da evolução da humanidade e civilização, buscando justificar

está infâmia, utilizam se do argumento de que, por se tratar de bens mais custoso ao

jurisdicionado, o protegido pelas normas penais, é importante enfatizar a garantia do

resultado útil ao fim do processo, com a prestação da tutela jurisdicional.

62

4.1 A NECESSIDADE DA PRISÃO CAUTELAR DIANTE DA POSSIBILIDADE DE

UTILIZAÇÃO DE OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES MENOS GRAVOSAS

De acordo com os ensinamentos de Guilherme Souza Nucci: “(...) a busca pelo

equilíbrio entre os interesses individuais, que falam pela liberdade, e os interesses da

sociedade, que buscam a segurança, é o ideal a ser perseguido”.60 Sendo prudente,

que, o aplicador da norma e o detentor do direito de promover a persecução penal,

esteja ciente das consequências que qualquer encarceramento, e em especial a prisão

cautelar, pode causar ao indivíduo. Eis que, a lei é implacável com o incriminado, mas

não restabelecer ao inocente, que se submeteu ao cárcere processual, o devido.

Como se pode compreender, a prisão de caráter acautelatório, nasce da

necessidade estatal de se apurar o ilícito praticado, através de um processo de

conhecimento. Essa constrição se demonstra necessária, quando o infrator da norma

penal por alguma conduta, venha ou possa a vir, colocar em risco ou simplesmente

conturbar a instrução processual.

Contudo, o Estado-juiz não poderá decretar o cárcere preventivo do indivíduo

com fundamento em suposições, necessitando sempre da existência de provas e fatos

concretos que corroborem com a hipótese de que, o investigado verdadeiramente

esteja atrapalhando a instrução criminal.

A legitimidade da prisão cautelar, como se pode apurar, não depende apenas do

cumprimento dos “ditames legais”, devendo o magistrado analisar ainda as provas e

fatos, a fim de que ocorra não a formação prévia da culpa, mas sim a apuração de uma

conduta que possa ou esteja prejudicando a instrução criminal. Deve também ser

levadas a destaque as consequências que esta constrição preventiva pode causar ao

indivíduo diretamente e à sociedade indiretamente.

Mas, infelizmente, o que se percebe na maioria das decisões que insurge contra

o direito de liberdade do cidadão, é que a prisão cautelar tem por objetivo apenas

demonstrar a sociedade que o suspeito está sendo detido, como garantia de ordem

60 NUCCI, Guilherme de Souza. A prisão cautelar e a Constituição de 1988. Jornal carta forense, 2008. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br acesso em: 01/11/2008.

63

pública e atendimento ao clamor social, não se preocupando com as consequências

desta formação de culpa e antecipação de mérito condenatório de maneira tão

prematura.

A prisão cautelar se torna para quem a ela está sujeito, nada mais do que uma

execução provisória que deixa marcas profundas, psicológicas (desgaste emocional) e

sociais, onde o indivíduo vive o verdadeiro abandono estatal, o que gera verdadeiros

“cínicos ou hipócritas”.61

A constrição da liberdade gera para o acusado uma tatuagem de delinqüente, a

qual dificilmente conseguirá esquecer. Essa prisão remove a identidade do indivíduo e

insere uma nova de culpado. Além desta perda, há perda da dignidade retirando o

indivíduo da posição que ocupava, para uma nova, de marginal. O indivíduo passa por

um ritual de deterioração, desde a sua custódia até o seu deslocamento para as salas

de audiências em veículos minúsculos, junto com vários outros presos algemados em

um calor intolerável.

Diante disso “como negar que o preso provisório muitas vezes se vê em situação

até pior em relação ao preso definitivo? Enquanto este último goza de vários direitos

[...], o preso provisório é geralmente mantido em locais absolutamente impróprios [...]”.62

Como se nota atualmente o processo de conhecimento, tem sido pior que a

aplicação e execução da própria pena. O que se pergunta: é porque diante de tantos

malefícios trazidos pela prisão cautelar, a persistência em aplicá-la?

O Código de Processo Penal que é datado de 03/10/1941 ainda vigente, não

tratou de prevê outras medidas que busquem impedir que o indivíduo prejudique o bom

e adequado desenvolvimento da instrução criminal, sem que seja necessária a

constrição de direitos fundamentais de altíssima relevância para o equilíbrio social,

ficando evidente a sua incoerência com a nova norma constitucional estabelecida em

1988.

Mas diante dos prejuízos sociais trazidos pela constrição processual da liberdade

do indivíduo, foi entregue ao Senado Federal no dia 22 de abril de 2009 um anteprojeto

61 MACHADO CRUZ, Rogério Schietti. Prisão cautelar: Dramas, Princípios e alternativas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 15. 62 Idem. p.16.

64

de reforma do Código de Processo Penal, dentre as reformas esta a previsão da

existência de alternativas, outras medidas cautelares, à prisão cautelar.

O anteprojeto do CPP traz no art. 521 a seguinte redação, acrescentado as

alternativas à privação de liberdade:

Art. 521- São medidas cautelares pessoais: I – prisão provisória; II – fiança; III – recolhimento domiciliar; 124 Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Penal: IV – monitoramento eletrônico; V – suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica; VI – suspensão das atividades de pessoa jurídica; VII – proibição de frequentar determinados lugares; VIII – suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave; IX – afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima; X – proibição de ausentar-se da comarca ou do País; XI – comparecimento periódico em juízo; XII – proibição de se aproximar ou manter contato com pessoa determinada; XIII – suspensão do registro de arma de fogo e da autorização para porte; XIV – suspensão do poder familiar; XV – liberdade provisória. (grifo nossos).63

Como se vê, até o legislador já percebeu como a prisão cautelar é desnecessária

e não está em harmonia com a norma constitucional vigente. Por que então, a

persistência do aplicador da norma em negar a concessão de liberdade ao indivíduo?

Sendo que a liberdade provisória, com ou sem fiança, é a “única” alternativa prevista na

lei processual vigente, conforme as palavras de Rogério Schietti Machado Cruz:

Nosso sistema processual penal ainda trabalha com soluções bipolares, é dizer, ou o acusado responde ao processo com total privação da liberdade, ou, então, lhe é concedido o direito à liberdade “provisória”, [...]. Assim, a única medida cautelar alternativa à prisão ad custodiam em nosso país é a liberdade provisória, que se qualifica, por ser um substitutivo da prisão em flagrante, como uma contracautela.64

Podemos então nos perguntar: como pode um texto constitucional que prevê

como regra a manutenção da liberdade, ter vigente um código processual tão arcaico?

63 Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Penal. Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.senado.gov.br/novocpp/pdf/anteprojeto.pdf acesso em :20/06/2009. 64 MACHADO CRUZ, Rogério Schietti. Prisão cautelar: Dramas, Princípios e alternativas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p.133.

65

4.2 A MOROSIDADE JUDICIÁRIA E A NECESSIDADE DE UTILIDADE DA SENTENÇA

PENAL CONDENATÓRIA

No processo penal brasileiro, como já dito, a prisão cautelar tem como principal

finalidade resguardar a instrução criminal de intranquilidades que possa ou estejam

sendo causadas pelo acusado.

De acordo com alguns doutrinadores, está prisão busca restabelecer de forma

emergencial a ordem jurídica violada com o comportamento anômalo a norma legal. No

entanto, é preciso que não se confunda, a finalidade cautelar da prisão processual

aplicada durante a instrução criminal, com a intenção que impera na maioria dos

aplicadores da norma, que é de certeza de cumprimento da sentença condenatória por

mais que demore a instrução criminal, sem que o acusado ofereça risco de evasão.

As decisões, como em um todo, reclamam uma certa agilidade, no entanto, elas

também requerem uma segurança e coerência com a verdade fática. O que acaba por

provocar uma lentidão excessiva dos atos processuais.

Entretanto, os princípios da eficiência, celeridade e economia processual,

necessitam serem minuciosamente observados em todos os processos, mas

principalmente naqueles em que a liberdade individual encontrar-se conturbada em

benefício “aparente” da sociedade.

O predomínio do interesse social, contudo, encontra seu limite na legalidade da

constrição do direito de liberdade do indivíduo, e não pode ser utilizado como

argumento para se manter o acusado encarcerado, diante da lentidão da prestação

jurisdicional.

O que se nota atualmente é a inversão do escopo da utilização da prisão

provisória. A instrução criminal é lenta, e há um clamor público, que, pelo que entende

ser justiça, almeja, a prisão de quem a mídia apontou e condenou como sendo o autor

do delito, colocando o Estado, que tem o dever de prestar a tutela jurisdicional, em uma

situação difícil.

Como se vê, mesmo após a emenda 45/2004, o poder judiciário continua em sua

lentidão exarcebada, provocando prejuízos ao cidadão e a sociedade com a sua

66

demora na prestação jurisdicional, utilizando, ainda, como argumento a sua

incompetência estrutural, o excesso de trabalho e a falta de profissionais qualificados.

Enquanto isso, o indivíduo que às vezes em nenhum momento atrapalhou ou impediu

que a instrução criminal acontece-se de maneira satisfatória, encontra se detido,

esperando a boa vontade do Estado-juiz, em decidir pela manutenção de sua liberdade

ou constrição dos seus direitos, sem se quer ao final, vislumbrar a possibilidade, ainda

que remota, de ser recompensado pelos prejuízos sofridos.

Então, prende-se o indivíduo, prematuramente, para que possa assim, garantir a

eficiência da aplicação da pena, sem que o clamor público seja contrariado pela demora

injustificada da prestação jurisdicional.

5. OS REFLEXOS SÓCIOS E ECONÔMICOS DA PRISÃO CAUTEL AR

A previsão da interferência estatal na liberdade do acusado é manifesto, e vem

soando, diante da mídia e de sua aplicação irrestrita, como regra a prisão de natureza

acautelatória, violando assim, a norma constitucional vigente e o Estado Democrático

de Direito estabelecido.

No entanto, diante desta aplicação desmedida, não se leva em consideração os

prejuízos que pode tais constrições provocar. Estes prejuízos podem ser, desde os de

ordem social até os de ordem econômica, eis que, conforme as palavras de Miguel

Tedesco Wendy: “Na prisão provisória, têm-se os mesmos efeitos da prisionalização

ocorrida com o apenado [...] e a sua conseqüente estigmatização social”.65

Estes prejuízos, causados direta ou indiretamente, pela prisão cautelar, são

imensuráveis, sendo estes suficientes para coibir a constrição de direitos importantes,

de maneira desnecessária, caso fossem analisados no momento da prestação da tutela

jurisdicional, quando se decide se obsta ou não a liberdade do cidadão.

Uma das principais consequências observadas e sofridas pelo indivíduo que

sofreu a privação de sua liberdade, mesmo de cunho cautelar, é a desconfiança da

sociedade e, como via de conseqüência, a redução das oportunidades, ficando até

mesmo desempregado por um longo período, gerando também prejuízos econômicos e

mais prejuízos à sociedade.

O indivíduo passa a ser visto como uma verdadeira “aberração” social, onde por

via de consequências o indivíduo, antes preso cautelarmente e absolvido

posteriormente por ser inocente, acaba por se tornar um marginalizado pela sociedade

e acaba por se ver compelido a traçar uma vida de conduta criminosa. Eis que, o

indivíduo se encontra marcado por sentimentos hostis e de rejeição, tudo decorrente de

uma conduta do Estado que deveria contribuir para a manutenção da paz e do

equilíbrio social, acaba contribuindo para a educação e formação criminosa dos

cidadãos, os colocado à margem da sociedade.

65 TEDESCO WENDY, Miguel. Teoria Geral da Prisão Cautelar e Estigmatização. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p 3.

68

Miguel Tedesco Wendy demonstra claramente no que se torna um cidadão,

quando sujeitado à constrição de sua liberdade nas cadeias e presídios de nosso país,

que funcionam como verdadeiras escolas do crime:

A prisão cautelar corrói a imagem e a auto-imagem do indivíduo. Em verdade, a prisionalização gera uma série de efeitos prejudiciais na órbita social, que decorrem da própria psique afetada do preso, como a verdadeira desorganização de sua personalidade decorrente do sistema prisional totalitário, [...].66

Como se percebe, não restam alternativas ao preso provisório, sua vida é

completamente afetada, pois o Estado, no atributo de suas funções, provoca um dano

que provavelmente não será sanado. Construindo uma barreira intransponível, onde

sua dignidade jamais será estabelecida, e sua vida e de seus familiares estarão

completamente à margem de uma sociedade hipócrita que contribuiu para a destruição

de mais um cidadão; entre vários outros, que já cooperou com a destruição.

A economia também se vê afetada por esta decisão obsoleta. No mundo

globalizado em que vivemos a economia é o que rege a vida da sociedade, e até a

subsistência de um país.

Diante dessa situação, ficamos a mercê da própria sorte, em um país onde a

renda se concentra entre poucos, e os demais se veem eliminados pelo domínio

econômico de poucos.

E para tornar mais catastrófica a situação entre os marginalizados pela

sociedade capitalista, a conduta do Estado de deter provisoriamente o cidadão, sem

que seja realmente necessária tal medida, altamente prejudicial ao indivíduo e ao país,

que como podemos ver, sofre todos os dias com as consequências de ter uma pátria

mal administrada, onde no momento é marginalizado pela sociedade, e se vê cada vez

mais desamparado pelo poder estatal. É como diz, Miguel Tedesco Wendy “no Brasil, a

grave situação social gera um nível elevado de excluídos que acabam, por vezes,

escolhidos pelo sistema criminógeno”.67

66 Idem. p.5. 67 Idem. p.13.

69

Como se apura não são poucos os danos causados pela prisão cautelar

desnecessária e arbitraria.

Não podemos nos esquecer, ainda, do dano causado aos cofres do Estado, eis

que para custear um preso, como se sabe, é um custo elevado e é mais um dano

emergente, altíssimo, para o patrimônio comum da sociedade, em que o Estado e

obrigado a custear, ante de seu desrespeito as normas constitucionais e ao Estado

democrático de Direito.

A prisão cautelar não deveria deixar marcas tão profundas no indivíduo, mas a

sociedade e o sistema jurídico em que vivemos contribuem, para os seus próprios

prejuízos. Assim como diz, Cesare Beccaria:

A prisão não deveria deixar nenhuma nota de infâmia sobre o acusado cuja inocência foi juridicamente reconhecida. [...] Por que razão, em nossos dias, é tão diversa a sorte de um inocente preso? [...] A razão está em que o sistema atual da jurisprudência criminal apresenta aos nossos espíritos a idéia da força e do poder, em vez da justiça; e que se atiram na mesma masmorra, sem distinção alguma, o inocente suspeito e o criminoso convicto; é a prisão, entre nós, é antes de tudo um suplício e não um meio de deter um acusado; [...].68

68 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Clarent, 2006. p.26/27.

6. CONCLUSÃO

O avanço legislativo é inquestionável no que diz respeito à previsão normativa de

ter como regra a manutenção da liberdade do indivíduo, no entanto, na prática o que se

vê é a banalização e utilização desnecessária da prisão de natureza acautelatória para

simplesmente atender o clamor público ou dar efetividade ao julgamento realizado pela

impressa, que julga e condena o indivíduo, antes mesmo da realização da investigação

judicial e formação da culpa transitada em julgado do agente.

Em relação à constrição da liberdade durante a persecução penal e antes do

trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o que se deslumbra no decorrer da

evolução do trabalho é o verdadeiro retrocesso às normas constitucionais de um

período de lamentável violação de direitos dos indivíduos submetidos ao Estado

julgador. A exceção constitucional de privação da liberdade tornou se regra diante dos

altos índices de criminalidade.

As condições impostas ao Estado-juiz para decretação da constrição da

liberdade do indivíduo, quais sejam, o fumus commissi delicti, o periculum libetatis, a

proporcionalidade da aplicação da medida e a sua necessidade diante do caso concreto

e os princípios e direitos constitucionais de cada cidadão, não são mais observadas,

por receio da medida de manutenir a liberdade do suspeito provocar maior comoção

social e desencadear uma serie de revoltas.

Como se apura não são elas suficientes para limitar o alvoroço estatal ao aplicar

as medidas sem analisar e verificar sua necessidade e utilidade. E como consequência

lógica da constrição da liberdade de maneira e forma arbitrária, sem mesmo estar

fundamentado tal ato, advém os prejuízos para o indivíduo em primeiro plano e para a

sociedade, que arca com a irresponsabilidade do Estado em falhar no seu dever de

garantir a efetividade dos direitos dos cidadãos.

O processo penal constitucional previsto desde de 1988 não é nem de longe

observado e cumprido, eis que não há a efetividade na aplicação dos ditames legais, no

que diz respeito, aos princípios que deveriam ser observados desde o primeiro

71

momento da ocorrência do fato lesivo a ordem e harmonia social até o trânsito julgado

da sentença penal condenatória.

Segundo o Supremo tribunal Federal a aplicação da prisão cautelar não é ilegal,

mas a sua arbitrariedade e excesso, sim. Sendo que, cabe ao Estado detentor do

direito, originário, de dar início a persecução penal e de punir, justificar de maneira

visível a plausibilidade e imperiozidade de impor limites ao direito de liberdade do

indivíduo. Sendo que, havendo ilegalidade na prisão, essa deverá ser imediatamente

relaxada.

Contudo, o que se apura é que os direitos individuais e princípios devem e atuam

como freios à atuação estatal, devendo ser utilizados durante o processo penal para

que possa tornar viável a aplicação da pena e efetivamente funcione como um

instrumento de garantia de direitos e liberdade individual.

Eis que diante do Código de processo penal datado de 1941 e a norma

Constitucional vigente é inegável a contramão em que o Código de Processo Penal se

encontra, a ponto de que seja necessário a utilização de uma serie de técnicas

interpretativas a fim de que ocorra um procedimento de conscientização do Estado juiz

de absolvição do ideal constitucional do processo.

Mas, o que se constata é a inversão do escopo da utilização da prisão provisória

diante da lentidão exarcebada do Poder Judiciário, provocando prejuízos ao cidadão e

a sociedade com a sua demora na prestação jurisdicional. Então se prende o indivíduo,

prematuramente, para que possa assim garantir a eficiência da aplicação da pena sem

que o clamor público seja contrariado pela demora injustificada da prestação

jurisdicional.

Infelizmente o que se nota é mais uma vez o desrespeito do Estado em cumprir o

seu papel de preservador e garantidor do direito dos cidadãos. Transformando um

cidadão em uma pessoa a margem da sociedade, sendo visto como um criminoso

abandonado a sua própria sorte.

Nada mais resta ao cidadão que se viu lesado pelo próprio Estado, que aplicou a

medida cautelar mais gravosa, diante da falta de necessidade para tanto, buscar a

responsabilização do Estado civilmente. Mas dai advêm a maior surpresa do cidadão

após ter seu direito constitucional violado, ainda tem que comprovar a culpa do Estado

72

em relação aos prejuízos sofridos, mesmo sendo o cidadão a parte hipossuficiente da

relação processual que há de se instaurar para a apuração da culpa estatal.

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