Franco Poemas

26
Franco Franco Poemas Poemas André Arruda

description

Livro Franco Poemas de André Arruda

Transcript of Franco Poemas

Page 1: Franco Poemas

FrancoFrancoPoemasPoemas

André Arruda

Page 2: Franco Poemas

Lançado em novembro de 1995, Franco Poemas reúne

textos escritos a partir de 1984 quando, longe da cidade natal,

senti a necessidade de registrar as emoções, sensações e outras

experiências vividas numa fase em que, jovem, descobria em mim

e/ou encontrava no mundo coisas que, a partir de então, passavam

a fazer parte de minha formação de homem e, quiçá, principalmente,

de artista.

Curiosamente, o texto que inspirou o nome do livro foi o último

a ser escrito, num momento em que o restante do material estava

já na gráfica para ser editado.

Pessoas importantes para a publicação do mesmo foram João

Justino Leite Filho (meu primeiro professor de Teatro depois que

voltei a morar por essas terras, que me encorajou a publicar

meus escritos e me fez acreditar que podia dar aulas de Teatro,

coisa que faço ainda hoje com muito gosto); professor Antonio de

Siqueira e Silva; o artista plástico Benedito Celso Inocêncio, criador

da capa do livro; a jornalista Ana Márcia de Souza, autora do prefácio;

o poeta e cumpadre João Nery Pestana e outros tantos amigos que

me incentivaram e continuam, de alguma forma, a fazê-lo. Meus

agradecimentos e beijo carinhoso a todos.

Page 3: Franco Poemas

Eu

Sou um cara

não moderno

nem eterno

mas real

sou moreno

cabeludo

o meu tudo

meu normal

sou alegre

às vezes sério

sou mistério

sou mais eu

sou de tudo

quase um pouco

sou um louco

todo meu

faço frases

faço versos

sou inverso

e vou além

sou paulista

brasileiro

sou do mundo

e de ninguém

Page 4: Franco Poemas

Franco

Franco da Rocha

Franco Ciência

Franco Ternura

da paciência

Franco da roça

Franco da feira

Franco das ruas

e da poeira

Franco da fama

Franco da lama

Franco das poças

e das enchentes

Franco das lutas

da nossa gente

das prostitutas

Franco contente

Franco de poucos

Franco dos loucos

do hospital

Franco doente

Franco dos mortos

de amores porcos

dos gritos tortos buscando Deus

Franco dos críticos

dos seus políticos

Franco dos místicos e dos ateus

do oportunismo dos vereadores

dos eleitores

das frustrações

dos nordestinos

dos “estrangeiros”

Franco romeiros e seus peões

Franco menino

Franco brejeiro

Franco canteiro de emoções

dos seus artistas

dos seus arteiros

dos grafiteiros

das pichações

Page 5: Franco Poemas

Poema

da sutileza

da natureza: montanhas

aves

crianças

flor

Franco dos morros

dos seus cachorros

virando latas

do nosso humor

Franco da rádio

e da patrulha

Franco das fugas do xilindró

fazendo escolas

dobrando esquinas

Franco chacinas

mortes sem dó

Franco eldorado

Franco dourado: carro importado

e celular

Franco rabada

macarronada

da feijoada

do caviar

Franco buracos

Franco barracos

mulheres, homens na invasão

dos desabrigos

dos seus mendigos

do frio e fome na estação

Franco orgias

das nostalgias

danceteria - samba - canção

Franco segredos

Franco dos medos

dos desatinos

do cidadão

da inocência

da mocidade

Franco cidade

Franco nação

da poesia feita sem jaça

Franco com raça

Francoração

Page 6: Franco Poemas

Eis a poesia

Pensa

pacato poeta

pequena porção de palavras

palavras pensadas

prensadas

passadas

polidas...

pega papel

produz poesia

poetizar

pode parecer puta piração

para principiantes

pura paixão

para puritanos

(provavelmente pessoas pouco pensantes)

posicionar poeticamente

palavras pesadas

picantes

perigosas

proibidas para o puro padrão popular

(palavrões)

pode promover pecados

para patéticos políticos

protestos poéticos

provocam pichações pelas paredes públicas

para pensadores

provavelmente pesquisadores

performances poéticas

procuram partir por partes

poeta - pessoa - poeta

porém

passado o porre do parto

para o pacato poeta

parir poesia

proporciona

prazeres puramente paternos

paradisíacos

pronto

pronta eis a poesia

Page 7: Franco Poemas

Daqui a pouco

Daqui a pouco

não será mais hoje

e o que fizemos nós da vida?

Olhamo-nos

mas não nos vimos

conhecemo-nos

mas não nos encontramos

com pessoas convivemos

e, como tais

não as reconhecemos

do amor

só falamos

não o sentimos

nem sequer experimentamos

Daqui a pouco

não será mais hoje

E o que a vida fará de nós?

Page 8: Franco Poemas

MutSou a vida

sou o tempo

sou o todo de um quarto da metade de um tanto da porção que num canto alguém deixou

sou encanto

sou o verso do seu canto

sou a nota da canção que um dia pra você alguém cantarolou

sou o som

sou o sono

sou o sonho de amor que você tanto sonhou

sou a sombra que assombra o mortal que mora ao lado

sou disposto

o outro lado do avesso

o oposto dos catetos

o inverso do correto

sou a morte e a outra vida

sul e norte

a chegada e a partida

sou a dama, a mais linda

sou o negro, o mais forte

sou sem sorte

um sem nome

sou a prosa e a poesia

sou a noite, sou o dia

a tristeza e a alegria

o concreto e a fantasia

sou o cara da mania de fazer o que não pode

sou o pobre

sou Paria e Nova Yorke, Etiópia e Bahia

o baiano de são paulo

o vizinho de Mariao centauro mitológico

num paraíso ecológico

com a barriga vazia

sou o lógico injusto

sou o custo: inflação, feijão, lotação e gasolina

a menina dos seus olhos

a cicuta, a cachaça, coca-cola e vitamina

sou o ilustre ser comum

sou o ódio dos amores

os gostosos dissabores

o total de um mais um

Page 9: Franco Poemas

o poeta e o louco

sou o muito, o razoável e o pouco

sou o mito

o antigo e o moderno

o que alcança o infinito sem passar pelo inferno

sou o grito de terror

o normal mais imperfeito

o defeito no motor

o ator

o amor

o guerreiro e a espada

o bruxo que virou fada

procurando e aprendendo a fazer o impossível

sou a arte invisível

o arado e a fazenda

a moenda e o bagaço

o degrau e o espaço

entre o palco e a platéia

sou a noite de estréia

sou o filme nunca visto

sou o tudo

em toda parte

simplesmente não existo

ante

Page 10: Franco Poemas

Longe?

Quem acha que estou longe

deve ser ilusionista

pois, eu já viajei muito

e nunca me perdi de vista

quem acha que estou longe

deve estar no Juquery

pois, se estou longe de lá

eu estou perto daqui

uma prova de que estou perto

vou-lhe dar e sem demora

Você está lendo aí

o que escrevi, aqui, agora

é como eu vi pichado

num muto, em que li um dia

“lugar longe não existe”

longe é coisa pra poesia

Page 11: Franco Poemas

Seus olhares

Naquele dia

seu olhar se fez poesia

que meu coração, bem queria

mas não soube decifrar

naquele dia

seu olhar se fez alarde

e meu coração, que hoje arde

não quis mais se desatar

naquela noite

seu olhar se fez açoite

de quem meu coração, inocente

fez questão de apanhar

naquele fado

seu olhar se fez pecado

e meu coração, maculado

não teve como ocultar

Page 12: Franco Poemas

Você

Na falta de livro, revista

na falta de fita, cd

na falta de papo, entrevista

na falta de sono, tv

na falta de sol, guarda-chuvas

na falta de luvas, o frio

na falta de pêssego, uvas

na falta de brilho, bombril

na falta de bike, skate

na falta de leite, café

na falta de carta, bilhete

na falta de carro, a pé

na falta de asfalto, buraco

na falta de filho, adoação

na falta de casa, barraco

na falta de gol, travessão

na falta de fé, esperança

na falta de prece, amém

na falta de sonho, criança

na falta de céu, o além

na falta de beijo, o abraço

na falta de amor, querer bem

na falta de colo, seus braços

na sua falta, ninguém

Page 13: Franco Poemas

Oração à amiga

De mim

não te ofereço

mais que a amizade

para falar a verdade

como Pessoa não presto

de resto

posso ser um bom partido

meio perdido nas tardes

dos descaminhos da vida

trabalho pouco de dia

à noite faço poesia

de madrugada, neném

não sei curar desenganos

não tenho mais vinte anos

sou só poeta

amém

Page 14: Franco Poemas

Triste

Triste é o momento

em que o dia anoitece

é o dia que amanhece

sem aparecer o sol

triste é o sol

se escondendo atrás da serra

triste é a terra

sem a água pra molhar

triste é o olhar

da mulher que chora triste

quando sabe que existe

uma outra em seu lugar

triste é a alegria

que este mundo todo tem

e como se eu não existisse

para mim nunca ela vem

Page 15: Franco Poemas

Cara animal

Em cada muro

um menino sentado

de cada lado

outro a se esconder

em cada pleito

um político safado

em cada estado

um povo a sofrer

em cada praça

um sinal de chacina

em cada sina

uma vida se seguiu

em cada zona

um sorriso menina

em cada esquina

a puta que pariu

em cada milícia

um soldado assassino

em cada menino

um sonho pelé

em cada mulher

um seu eu masculino

em cada rebanho

uma falta de fé

em cada carga

uma tara controlada

em cada cama

uma tara anormal

em cada gosto

um fastio ou um gozo

em cada rosto

uma cara animal

Page 16: Franco Poemas

Largados

Largados

desde a concepção

expelidos pelo pai

no ventre da mãe querida

largados

vivendo na inanição

morrendo em cada ai

sem um prato de comida

largados

vendo a crise em ascenção

enquanto o salário cai

tentando driblar a lida

largados

a caminho da extinção

mocidade que se esvai

reles estilo de vida

largados

no mundo todo

nós somos todos uns

Page 17: Franco Poemas

Viajante

Mudei de roupa

como quem muda de vida

mudei de vida

como quem sabe o que quer

quis com este feito

ser um ser mais que perfeito

que vive de qualquer jeito

e segue de um jeito qualquer

voei bem alto

como voa um canarinho

e o passarinho

voa como um avião

um gavião

me olhou, eu tava em cima

quando olhei

bela menina

tava em outra estação

olhei pra terra

e era como antes não era

será que era

a tal da era espacial?

mas, afinal

vi que tudo era bonito

até um tanto esquisito

mas nada especial

desci da lua

como quem desce a ladeira

passei na feira

escoltado como um rei

escorreguei

numa casca de banana

assustei, caí da cama

e depois, não mais sonhei

Page 18: Franco Poemas

Odiamar

Amo teu sentir

o teu ouvir

e o falar

amo teu sorrir

o teu mentir

e o chorar

amo teu andar

o teu passar

e o dançar

amo teu vestir

o teu despir

e o banhar

amo o teu amar

o teu sonhar

e a despertar

amo

enfim

o teu castanho olhar

por fim

odeio em mim

esse “te amar”

Page 19: Franco Poemas

Resposta

Nesse oceano mergulhei

todas as águas

e, essas águas

embebi-as gota a gota

das pessoas sei de cor

todas as caras

e dessas caras, sem olhar

todas as bocas

e dessas bocas, senti bem

todas as línguas

e dessas línguas

todos os sutis sotaques

e as fofocas

e mentiras de verdade

sem falar

na mais sincera falsidade

ser poeta

é também saber das vidas

e conhecer

nas pessoas, universos

saber amar com ardor

suas feridas

e transformá-las

em desconcertantes versos

é entender

o que ainda não se sabe

e ser o inverso

do que dizem saber

é saber ser

não o que as más línguas dizem

mas ser o que se é

pelo prazer de ser

Page 20: Franco Poemas

À minha poesia

És minha asa

a casa que uso de abrigo aos meus sentimentos

momentos de transmutação

transformadora de angústias e dores em pura emoção

me faz menino

homem

senhor

quando quer

e

se quer

dá-me traços de mulher

cachorro vadio

ave de arribação

vôo livre poetas de minas

bahias

brasis

corações

em ti me percebo feliz

e, feliz

vivo as quatro estações em um dia

um dia em três gerações

inventora de destinos

fotografa-me a alma

consola

seduz

me acalma

me sentir-te tanto assim adoro

exala-te por meus porors

em doces delírios sem fim

mas, por favor

não me abandones

não saias nunca de mim

Page 21: Franco Poemas

Sei lá

Só eu sei ela lá

lá, só eu sei ela

só ela eu lacei

só sei ela e eu

eu só laço, eu sei, ela

e ela, só sola eu lá

eu só sei ela lá

ela lá, só sabe eu sem ela

sei, ela lá só sabe eu só

e eu sei ela e eu

ela, só eu sei

lá ela, só eu sei

e eu, só lá ela sola

eu só lá, ela lá só

e lá eu, e ela só

só eu lá

e lá, só ela

ela lá, eu só

eu lá

ela só

eu sei

ela lá

ah, eu sei lá!!!

Page 22: Franco Poemas

Soneto trágico

Quero muito ser alguém

estou tentando parecer comigo

estou tentando, não sei se consigo

pois reconheço que estou muito aquém

me acompanha essa timidez

sempre que chego junto ao seu lado

e acho que um cheiro de feijão queimado

tem algo a ver com sua insensatez

fica difícil para mim, agora

sentar aí, jogar conversa fora

ver seu sorriso, saber seu passado

desde um domingo em que esperei sentado

e hoje me lembro, quase conformado

que o telefone não tocou dez horas

Page 23: Franco Poemas

Paixão

Se o amor que por ti tenho

for chuva que cai à bessa

vou ficar aqui torcendo

pra que o sol não apareça

se ele for o sol

ardendo na minha cabeça

vou pedir a Deus do céu

pra que nunca anoiteça

inda que seja uma fogueira

em que nela eu me aqueça

vou inflamar suas chamas

pra que fique sempre acesa

mas se ele for apenas

ilusão, desapareça

finja que não me conhece

feche os olhos, me esqueça

Page 24: Franco Poemas

Dizia-se uma bruxinha

de uma era passada

mas tinha os olhos de rainha

e um sorriso de fada

na voz, palavras mágicas

um encanto, no coração

no olhar, um doce feitiço

nos lábios, uma poção

enfeitiçou-me a alma

deixando-a encantada

essa tal bruxa madrinha

ou, quiçá, fada encantada

Uma certa madame min-ha

Page 25: Franco Poemas

Somos loucos

apaixonados

pela arte

pela vida

somos um tanto

mais levados

somos parte

da ferida

somos artistas

e amamos

adoramos

a mistura

dentro do peito

carregamos

uma chama

de bravura

sustentamos

a loucura

de lutar

pela cultura

Nós artistas

Page 26: Franco Poemas