Fratura Da Escápula

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Rev Bras Ortop _ Vol. 36, Nº 7 – Julho, 2001 245 ARTIGO ORIGINAL Fraturas da escápula * CLÁUDIO HENRIQUE BARBIERI 1 , NILTON MAZZER 2 , FÁBIO HENRIQUE MENDONÇA 3 , LUIZ HENRIQUE FONSECA DAMASCENO 3 * Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. 1. Professor Titular. 2. Professor Associado. 3. Médico Residente R3. Endereço para correspondência: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – 14090-900 – Ribeirão Preto, SP, Brasil. Tel.: (16) 633-7559, fax: (16) 633-0336 , E-mail: [email protected] Recebido em 19/2/01. Aprovado para publicação em 26/7/01. Copyright RBO2001 ABSTRACT Fractures of the scapula A series of 142 fractures in 123 scapulae (120 patients) was treated within an 18 year period. The medical records of the 120 patients were retrospectively reviewed to identi- fy patients profession, fracture type, associated fractures, neurological status, and treatment. All shoulder radio- graphs from the day of trauma to the date of discharge from treatment were also reviewed. One hundred and six patients were treated with conservative means, mainly im- mobilization and early active motion, and 14, with inter- nal fixation. Forty-five patients were reviewed for clinical, functional, and radiographic examination with a minimum follow-up of one year. Thirteen patients presented shoul- der disability with decreased mobility and 11 had changed their jobs, three of whom due to the fracture. Mild pain was referred by five patients, pain with exertion by 11, and pain at rest by two. Seven patients presented muscle weak- ness and sensitive loss attributed to a neurological dys- function in the C5-C6 territory. Key words Scapular fractures; shoulder trauma; functional eval- uation INTRODUÇÃO A escápula é um osso plano recoberto por músculos, com a dupla função de estabilizar e permitir a mobilidade do ombro, movendo-se contra a parede torácica por um meca- nismo de deslizamento entre diferentes planos muscula- res. Ela é a base do membro superior, cuja função depende em grande parte da sua livre movimentação sobre o gra- deado costal; pode ser seriamente comprometida por pro- cessos patológicos, como as fraturas e suas seqüelas. Fraturas da escápula são relativamente raras, contando não mais que 5% das da cintura escapular e 1% de todas as fraturas (1) . A relativa invulnerabilidade da escápula às fra- turas é resultante de três fatores: 1) sua estrutura anatômi- RESUMO Uma série de 142 fraturas em 123 escápulas (120 pa- cientes) foi seguida por um período de 18 anos. Os pron- tuários médicos de 120 pacientes foram revisados e es- tudados quanto à identificação, profissão, tipo de fra- tura, lesões associadas, lesão neurológica e tipo de tratamento. Todas as radiografias do trauma foram es- tudadas. Cento e seis pacientes foram tratados de modo conservador, com imobilização e movimentação preco- ce, e 14, por meio cirúrgico. Quarenta e cinco pacien- tes, com no mínimo um ano de seguimento, foram rea- valiados clínica, funcional e radiograficamente. Em 13 pacientes detectou-se incapacidade funcional do ombro com diminuição da mobilidade e 11 pacientes muda- ram de atividade laborativa, mas apenas três por causa da fratura. Dor leve foi referida por cinco pacientes, aos esforços por 11 e de repouso por dois. Sete pacien- tes apresentaram fraqueza muscular e/ou diminuição da sensibilidade atribuída à disfunção neurológica no território C5-C6. Unitermos Fraturas de escápula; trauma de ombro; avaliação funcional

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Rev Bras Ortop _ Vol. 36, Nº 7 – Julho, 2001 245

FRATURAS DA ESCÁPULAARTIGO ORIGINAL

Fraturas da escápula*

CLÁUDIO HENRIQUE BARBIERI1, NILTON MAZZER2,

FÁBIO HENRIQUE MENDONÇA3, LUIZ HENRIQUE FONSECA DAMASCENO3

* Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina deRibeirão Preto – USP.

1. Professor Titular.

2. Professor Associado.

3. Médico Residente R3.

Endereço para correspondência: Hospital das Clínicas da Faculdade deMedicina de Ribeirão Preto – 14090-900 – Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Tel.: (16) 633-7559, fax: (16) 633-0336 , E-mail: [email protected]

Recebido em 19/2/01. Aprovado para publicação em 26/7/01.Copyright RBO2001

ABSTRACT

Fractures of the scapula

A series of 142 fractures in 123 scapulae (120 patients)was treated within an 18 year period. The medical recordsof the 120 patients were retrospectively reviewed to identi-fy patients profession, fracture type, associated fractures,neurological status, and treatment. All shoulder radio-graphs from the day of trauma to the date of dischargefrom treatment were also reviewed. One hundred and sixpatients were treated with conservative means, mainly im-mobilization and early active motion, and 14, with inter-nal fixation. Forty-five patients were reviewed for clinical,functional, and radiographic examination with a minimumfollow-up of one year. Thirteen patients presented shoul-der disability with decreased mobility and 11 had changedtheir jobs, three of whom due to the fracture. Mild painwas referred by five patients, pain with exertion by 11, andpain at rest by two. Seven patients presented muscle weak-ness and sensitive loss attributed to a neurological dys-function in the C5-C6 territory.

Key words – Scapular fractures; shoulder trauma; functional eval-uation

INTRODUÇÃO

A escápula é um osso plano recoberto por músculos, coma dupla função de estabilizar e permitir a mobilidade doombro, movendo-se contra a parede torácica por um meca-nismo de deslizamento entre diferentes planos muscula-res. Ela é a base do membro superior, cuja função dependeem grande parte da sua livre movimentação sobre o gra-deado costal; pode ser seriamente comprometida por pro-cessos patológicos, como as fraturas e suas seqüelas.

Fraturas da escápula são relativamente raras, contandonão mais que 5% das da cintura escapular e 1% de todas asfraturas(1). A relativa invulnerabilidade da escápula às fra-turas é resultante de três fatores: 1) sua estrutura anatômi-

RESUMO

Uma série de 142 fraturas em 123 escápulas (120 pa-cientes) foi seguida por um período de 18 anos. Os pron-tuários médicos de 120 pacientes foram revisados e es-tudados quanto à identificação, profissão, tipo de fra-tura, lesões associadas, lesão neurológica e tipo detratamento. Todas as radiografias do trauma foram es-tudadas. Cento e seis pacientes foram tratados de modoconservador, com imobilização e movimentação preco-ce, e 14, por meio cirúrgico. Quarenta e cinco pacien-tes, com no mínimo um ano de seguimento, foram rea-valiados clínica, funcional e radiograficamente. Em 13pacientes detectou-se incapacidade funcional do ombrocom diminuição da mobilidade e 11 pacientes muda-ram de atividade laborativa, mas apenas três por causada fratura. Dor leve foi referida por cinco pacientes,aos esforços por 11 e de repouso por dois. Sete pacien-tes apresentaram fraqueza muscular e/ou diminuiçãoda sensibilidade atribuída à disfunção neurológica noterritório C5-C6.

Unitermos – Fraturas de escápula; trauma de ombro; avaliaçãofuncional

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ca, com o centro tênue e as bordas espessas, que lhe confe-rem elasticidade e resistência; 2) sua grande mobilidade,que lhe permite “escapar” de traumatismos; e 3) seu envol-vimento por um verdadeiro coxim muscular(2). Apesar dis-so, as fraturas da escápula podem ocorrer como resultadode um trauma direto de alta energia, sobre ela mesma ousobre suas partes, de um trauma indireto, como a quedacom apoio no membro superior ou as luxações do ombro(1).

Lesões associadas às fraturas da escápula são freqüen-tes. Variam das rupturas musculares e formação de gran-des hematomas às fraturas das partes recobertas por mús-culos (o corpo), do colo e da espinha, seguidas dos trau-mas da parede torácica que resultam de mecanismo diretode alta energia. Estes são até mesmo mais graves que aprópria fratura da escápula, podendo retardar o seu diag-nóstico(1,3-6).

Os sinais e sintomas iniciais das fraturas recentes da es-cápula são pouco característicos, com dor e diminuição damobilidade do ombro como um todo, ou da articulação gle-noumeral em particular. O diagnóstico radiográfico dessasfraturas implica a realização de incidências especiais, queconstituem a chamada série-trauma e incluem as vistasântero-posterior e perfil verdadeiras e axilar, capazes demostrar o colo e o corpo da escápula e o acrômio. A tomo-grafia computadorizada pode ser útil para melhor caracte-rização das fraturas envolvendo a superfície articular daglenóide, havendo o recurso de reconstrução tridimensio-nal, que permite melhor interpretação da situação(1).

As fraturas da escápula ocorrem segundo alguns padrões,sendo as mais freqüentes aquelas que envolvem o colo e ocorpo(1,4,6,7). Várias classificações das fraturas da escápulaforam propostas, com base na sua localização anatômica efreqüência. Desaut, em 1805, identificou dois tipos de fra-turas da escápula, quais sejam, as do acrômio e as do ângu-lo inferior, ambas com diferentes causas e tratamentos.Zdravkovic e Damholt(8) identificaram três tipos de fratu-ras: I) do corpo; II) das apófises; e III) do ângulo súpero-lateral, que inclui a glenóide e o colo. Thompson et al(6)

reconheceram três classes de fraturas: I) coracóide, acrô-mio e pequenas fraturas do corpo; II) glenóide e colo; eIII) grandes fraturas do corpo. Para as fraturas intra-articu-lares da glenóide, Ideberg(9) propôs uma classificação quereconhece cinco tipos: I) avulsão da margem anterior, co-mumente associada às luxações anteriores do ombro; II)fratura transversa da glenóide, com fragmento triangularinferior deslocado juntamente com a cabeça do úmero; III)fratura oblíqua da glenóide, dirigida para borda superior

da escápula e freqüentemente associada à fratura ou luxa-ção acromioclavicular; IV) fratura horizontal da glenóide,dirigida para a borda medial da escápula; e V) combinaçãodo tipo IV com fratura da borda inferior da glenóide.

A maioria das fraturas da escápula é tratada conservado-ramente, com base na imobilização temporária e início pre-coce de fisioterapia, para ganho de mobilidade. Entretan-to, as fraturas intra-articulares da glenóide costumam serde indicação cirúrgica(10), para redução anatômica e fixa-ção rígida, assim como a fratura do colo associada à daclavícula ou à luxação acromioclavicular (ombro flutuan-te). Entretanto, com exceção das fraturas que envolvam umagrande área da superfície articular da glenóide, podendocausar instabilidade e incongruência, não se nota, na lite-ratura, veemência na indicação do tratamento cirúrgico paraos demais tipos. Essa postura comedida provavelmente sedeve a que muitas das fraturas ficam autocontidas pelo en-voltório muscular do subescapular e do supra e infra-espi-nhal, e a que a própria abordagem cirúrgica da fratura édifícil, envolvendo certo grau de lesão muscular, com con-seqüente fibrose e aderências e prejuízo funcional.

No presente trabalho, foram estudados 120 casos de fra-turas de escápula, sendo realizada avaliação funcional doombro em 45 pacientes, portadores de fraturas da escápulade vários tipos, que foram submetidos a tratamento cirúr-gico ou conservador. O objetivo foi cotejar o grau de recu-peração funcional com o tipo de fratura e o tratamento rea-lizado.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho, realizado no Hospital das Clínicas da Facul-dade de Medicina de Ribeirão Preto, desenvolveu-se emduas etapas. Inicialmente, foram estudados retrospectiva-mente os prontuários de 120 pacientes com fraturas da es-cápula, tratados num período de 18 anos (1982-1999). Osprontuários médicos foram revisados conforme protocolopreviamente elaborado, para registro de todas as informa-ções concernentes à fratura, ao tratamento realizado e aoseguimento do paciente. Em seguida, os exames radiográ-ficos disponíveis do ombro, da data do trauma e do segui-mento até a alta ambulatorial, foram estudados, com a fi-nalidade de classificar a fratura.

Do total de 120 pacientes estudados, 96 eram homens e24, mulheres, com idade média de 34,75 anos (variação: 8a 77 anos). Apenas um paciente, de 65 anos de idade evítima de atropelamento, faleceu logo após o trauma. Noconcernente à profissão, 54 exerciam atividades braçais,

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FRATURAS DA ESCÁPULA

60 tinham trabalhos leves e em seis casos a profissão eradesconhecida. Quanto ao mecanismo de trauma, predomi-naram os de alta energia (tabela 1), como os acidentes au-tomobilísticos, atropelamentos, acidentes motociclísticose quedas de altura. Também foram encontrados casos defratura da escápula por espancamento e crises convulsivas.O mecanismo de trauma permaneceu indeterminado emquatro pacientes.

No total, foram diagnosticadas 142 fraturas, acometen-do 123 escápulas. O lado direito foi o mais acometido, com66 casos. Em três pacientes a fratura foi bilateral. As fratu-ras foram classificadas de acordo com a posição anatômi-ca do traço, como: fraturas do corpo e do colo da escápula,processo coracóide e acrômio(1). Já as fraturas intra-articu-lares da glenóide foram classificadas de acordo com Ide-berg(9). Foram excluídos do estudo todos os pacientes cujasradiografias não eram suficientes para permitir a classifi-cação da fratura e em cujo prontuário não houvesse men-ção desta (15 casos).

Quanto ao tipo, predominaram as fraturas do corpo daescápula (53 casos), do colo (52 casos), do acrômio (14casos) e do processo coracóide (sete casos). As fraturasintra-articulares somaram 16 casos, sendo três do tipo I,cinco do tipo II, quatro do tipo III e quatro do tipo IV deIdeberg(9). A associação de mais de um tipo de fratura namesma escápula ocorreu em 19 casos (tabela 2).

Os pacientes foram divididos por faixas etárias, tendohavido maior incidência das fraturas entre os 21 e os 45anos. O diagnóstico foi inicialmente feito por radiografiasimples de tórax em 18 casos, quando da avaliação do pa-ciente politraumatizado. Apenas três pacientes tinham como

lesão única a fratura da escápula. Todos os outros apresen-taram lesões associadas, que variaram com a gravidade dotrauma (tabela 3), sendo as mais freqüentes as fraturas decostelas, pneumotórax, fraturas da clavícula e outras dosmembros superiores e inferiores. Algumas vezes, váriasdessas lesões associavam-se num mesmo paciente.

O estado de consciência do paciente na admissão foiavaliado pela Escala de Coma de Glasgow, segundo a qual82 pacientes receberam 15 pontos. Pontuações de 14 oumenos foram atribuídas a números significativamente me-nores de pacientes, tendo chegado a quatro pontos em ape-nas dois.

Doze dos 120 pacientes foram submetidos à tomografiacomputadorizada, para melhor interpretação dos traços defratura, tendo o diagnostico de fratura intra-articular daglenóide dos tipos I e II de Ideberg em dois casos, fraturado colo em cinco e fratura do corpo noutros cinco casos.

No tocante ao tratamento realizado na época do atendi-mento, 106 pacientes foram tratados incruentamente, comimobilização do ombro em abdução neutra e rotação inter-na, utilizando enfaixamentos de tipo Velpeau ou tipóia ves-tida, por um período médio de quatro semanas. Os pacien-tes eram instruídos, nesse período inicial, a mobilizar ati-vamente o cotovelo várias vezes ao dia, para prevenir re-trações dessa articulação. Na etapa seguinte, igualmentede quatro semanas, era iniciada a mobilização ativa leve

TABELA 1

Mecanismo de trauma

Trauma mechanism

Mecanismo No %

Acidente automobilístico 50 41,7Atropelamento 24 20Acidente motociclístico 17 14,2Queda de altura 14 11,7Espancamento 6 5Ferimento por arma de fogo 4 3,3Crises convulsivas 1 0,8Desconhecido 4 3,3

Total 120 100

Fonte: SAME/HCFMRP-USP

TABELA 2

Tipos de fraturas

Types of fractures

Tipos de fraturas Casos Percentagem

Corpo da escápula 53* 37,3

Colo da escápula extra-articular 52** 36,6

Colo da escápula intra-articularTipo I 3 2,1Tipo II 5 3,5Tipo III 4 2,8Tipo IV 0 0Tipo V 4 2,8

Acrômio 14 9,9

Processo coracóide 7 5

Total 142 100

** Associada à fratura do colo da escápula em cinco casos, do acrômio em três ca-sos, do coracóide em três casos, com fratura intra-articular tipo V em dois casos eem associação com fratura do colo e coracóide em um caso.

** Associada individualmente às fraturas do acrômio em quatro casos e fratura intra-articular da glenóide tipo II em um caso.

Fonte: SAME/HCFMRP/USP

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TABELA 3

Distribuição dos casos por faixas etárias, apresentando

o tipo de fratura, lesões associadas e mecanismo de trauma

Distribution of cases according to age group; type of

fracture, associated lesions, and trauma mechanisms

0 a 20 21 a 45 46 a 60 Maiores de

anos anos anos 60 anos

Tipo de fratura

Colo da escápula extra-articular 6 33 9 3

Colo da escápula intra-articularTipo I 0 2 1 0Tipo II 0 4 0 0Tipo III 1 1 2 0Tipo V 0 3 1 0

Corpo da escápula 12 34 5 4

Acrômio 2 11 1 0

Processo coracóide 3 3 1 0

Total 24 91 200 7

Lesões associadas

Pneumotórax 8 15 6 1

Fratura de costela 5 25 7 3

Contusão pulmonar 3 9 3 0

Fratura de clavícula 4 24 3 1

Lesão de plexo braquial 2 1 0 0

Lesão arterial 1 0 0 0

Trauma craniencefálico (TCE) 3 18 4 2

Traumatismo raquimedular 0 1 0 0

Lesão de membrosSuperiores (isolada) 6 16 3 0Inferiores (isolada) 2 16 3 2Ambos 3 6 3 0

Outras 3 29 8 0

Mecanismo de trauma

Acidente automobilístico 8 36 5 0

Acidente motociclístico 1 15 1 0

Queda de altura 1 8 4 1

Ferimento por arma de fogo 1 3 0 0

Atropelamento 7 8 6 3

Crise convulsiva 0 0 1 0

Espancamento 0 3 0 2

Desconhecido 1 2 1 0

Fonte: SAME/HCFMRP/USP

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FRATURAS DA ESCÁPULA

TABELA 4

Cirurgias realizadas

Surgeries performed

Tipo de fratura Osteossíntese Art

Pl Pl + Parin Parin Cerc

Colo da escápula 2*** 0 0 0 1**Intra-articular tipo I 0*** 1 0 0 0**Intra-articular tipo II 0*** 1 1 0 0**Intra-articular tipo III 0*** 0 1 0 0**Acrômio 3*** 1 0 2 0**

Pl – placa, Parin – parafuso interfragmentário, Cerc – cerclagem, Art – artroplastia.* ambos os casos possuíam fratura de acrômio associada. ** possuía fratura associa-da de acrômio e cominuída do úmero proximal com cabeça inviável. *** um casopossuía fratura do corpo da escápula associada que não foi operada.Fonte: SAME/HCFMRP/USP

do ombro, com base em movimentos pendulares, para ga-nho de amplitude. Aqui os pacientes eram encorajados aaumentar a amplitude e intensidade do exercício, confor-me a dor e a estabilidade o permitissem. Os 14 pacientesrestantes foram submetidos a tratamento cirúrgico, para fi-xação interna das fraturas, por meios que variaram de pa-rafusos isolados de compressão interfragmentária até pla-cas de reconstrução com vários parafusos (tabela 4).

Na segunda etapa do estudo, os pacientes foram convo-cados para uma reavaliação clínica, funcional e radiográfi-ca, tendo comparecido 45 dos 120 iniciais. No mesmo pro-tocolo de revisão inicial dos prontuários e radiografias, eramregistrados os dados referentes à reavaliação clínica e fun-cional dos pacientes que compareceram.

A avaliação clínico-funcional objetiva atual constou de:1) medida goniométrica da mobilidade ativa e passiva; 2)avaliação da estabilidade da articulação glenoumeral pe-los testes da gaveta anterior e posterior e do sinal do sulco;e 3) exame neurológico, pela avaliação da força muscular,dos reflexos e da sensibilidade. Em complementação, erafeita uma avaliação subjetiva, com questões referentes a:1) preservação da função após o acidente; 2) manutençãoda atividade laborativa anterior ao acidente e, em caso ne-gativo, se isso deveu-se ao trauma ou a outra causa; e 3)presença de dor e uso compulsório de analgésicos. O pro-tocolo de avaliação foi aplicado aos 45 pacientes efetiva-mente reavaliados e cuja alta ambulatorial tivesse ocorridohá, no mínimo, um ano. Além da avaliação clínico-funcio-nal, todos os pacientes reavaliados foram submetidos tam-bém à avaliação radiográfica, nas incidências ântero-pos-terior e perfil verdadeiros e axilar.

RESULTADOS

Dos 45 pacientes reavaliados, 36 eram homens e novemulheres, com idade média de 35,39 anos (variação: 11 a77 anos) e seguimento médio de 5,35 anos (variação: 13meses a 13 anos). Vinte e dois pacientes eram trabalhado-res braçais e os demais exerciam atividades leves. A Esca-la de Coma de Glasgow no atendimento inicial havia mos-trado valor 15 em 31 pacientes, 14 em cinco pacientes,nove em dois, e sete e seis nos dois pacientes restantes,respectivamente. Foram detectadas 19 fraturas do corpoda escápula (sendo uma associada à fratura intra-articulartipo II e outra à fratura do acrômio), 19 fraturas do colo(sendo duas associadas à fratura do acrômio, uma à fraturado coracóide e outra à fratura do acrômio e coracóide), trêsfraturas intra-articulares tipo II, três fraturas intra-articula-res tipo III, duas fraturas do acrômio e quatro fraturas doprocesso coracóide. Quarenta pacientes haviam sido sub-metidos a tratamento incruento, como descrito anteriormen-te. Os cinco restantes foram submetidos a tratamento ci-rúrgico, como se segue: osteossíntese com placa de recons-trução AO de 3,5mm (fig. 1), para fratura do colo da escá-pula, por via posterior (um caso); parafuso de compressãointerfragmentária, para fratura intra-articular tipo III daglenóide, por via anterior (um caso); osteossíntese complaca semitubular (1/3 de cana) de 3,5mm e parafuso decompressão interfragmentária (fig. 2), para fratura intra-articular tipo II da glenóide, por via posterior (um caso);

Fig. 1 – Controle pós-operatório de um ano de fratura do colo daescápula, fixada com duas placas AO de reconstrução de 3,5mm.Vistas ântero-posterior (A) e lateral (B).

Fig. 1 – One-year postoperative X-ray control of a scapular neckfracture, fixated with two 3.5 mm AO reconstruction plates. An-teroposterior (A) and lateral (B) views.

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osteossíntese com placa semitubular (um terço de cana) de3,5mm, para fratura do colo da escápula associada à fratu-ra do acrômio (um caso); e artroplastia parcial tardia doombro, para fratura do colo da escápula e acrômio, asso-ciada a fratura cominutiva da extremidade proximal doúmero (um caso).

Vinte e três desses pacientes foram vítimas de acidenteautomobilístico, oito de acidente motociclístico, seis dequeda de altura, sete de atropelamento e um de crise con-vulsiva.

Avaliação subjetiva

Na opinião dos próprios pacientes, 13 tiveram a funçãodo ombro piorada, dentre eles, três submetidos a tratamen-to cirúrgico, sendo dois com fratura concomitante do coloda escápula e do acrômio (osteossíntese com placa semitu-bular e artroplastia, respectivamente) e um com fratura

intra-articular tipo II da escápula (osteossíntese com para-fuso de compressão interfragmentária) (fig. 2).

Os dois outros pacientes de tratamento cirúrgico dessegrupo, sendo um com fratura do colo da escápula (fixadacom placa de reconstrução) (fig. 1), e o outro com fraturaintra-articular tipo III (fixada com parafuso de compressãointerfragmentária), não referiram qualquer prejuízo da fun-ção, o mesmo ocorrendo com os restantes 30 pacientes,todos de tratamento incruento (fig. 3).

Trinta e quatro pacientes mantiveram-se no mesmo tipode trabalho após o trauma, tendo os demais mudado o tipode atividade, três deles em conseqüência da fratura, doisdos quais haviam sido submetidos a tratamento cirúrgico.Os restantes mudaram de atividade por outros motivos quenão a fratura.

Quanto à dor, 27 pacientes não apresentavam qualquerqueixa. Cinco pacientes tinham dor mínima, 11 tinham dor

Fig. 2 – Fratura intra-articular da glenóide tipo II. Vista ântero-posterior (A) e tomografia compu-tadorizada (B) pré-operatórias mostrando o envolvimento da superfície articular. Vistas pós-operatórias ântero-posterior (C) e lateral (D) mostrando a fixação com placa semitubular de3,5mm e um parafuso interfragmentário.

Fig. 2 – Type II intra-articular glenoid fracture. Preoperative anteroposterior X-ray view (A) andCT scan (B), showing the joint surface involvement. Postoperative anteroposterior (C) and later-al (D) X-ray views showing fixation with a 3.5 mm semitubular plate and interfragmentary screw.

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FRATURAS DA ESCÁPULA

Fig. 3 – Fratura intra-articular da glenóide tipo II, tratada na tipóia. Vistas ântero-posterior inicial (A) e um ano mais tarde (B). O pacienteestá completamente assintomático.

Fig. 3 – Type II intra-articular glenoid fracture treated on arm sling. Anteroposterior X-ray view at admission (A) and one year later (B).Treatment with simple arm sling. Patient is entirely free of symptoms.

TABELA 5

Resultado da avaliação dos pacientes reavaliados quanto à mobilidade,

dor, instabilidade e exame neurológico conforme o tipo de fratura

Results of patient revaluation as to mobility, pain, instability, and

neurological examination according to the type of fracture

Colo da Colo da escápula Corpo da Acrômio Processo

escápula intra-articular escápula** coracóide

extra-articular*

Tipo II Tipo III

Mobilidade

Sem déficit 15 1 1 01 0 3Déficit parcial 03 1 1 17 5 1Déficit global 02 1 0 00 1 0

Dor

Nenhuma 12 1 1 12 1 3Esporádica 02 0 0 03 3 0Aos esforços 04 2 1 03 1 1De repouso 02 0 0 00 1 0Limitante 00 0 0 00 0 0

Instabilidade

Presente 02 0 0 01 1 0Ausente 18 3 2 17 5 4

Exame neurológico

Normal 17 2 1 17 5 4Déficit sensitivo 02 0 0 01 1 0Déficit motor 00 1 1 00 0 0Déficit misto (sensitivo e motor) 01 0 0 00 0 0

** Associada à fratura intra-articular da glenóide tipo II em um caso, à fratura do corpo da escápula em cinco casos, à fratura do acrômio em quatro casos e à fraturado corpo e acrômio em um caso.

** Além da associação com fraturas extra-articulares do colo da escápula, associou-se à fratura intra-articular do colo da escápula tipo V em um caso, à fratura doacrômio em quatro casos, à fratura do processo coracóide em três casos e à fratura do corpo e processo coracóide em um caso.

Fonte: SAME/HCFMRP/USP

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aos esforços, sendo dois de tratamento cirúrgico, e doistinham dor em repouso, inclusive aquele submetido à ar-troplastia. Sete pacientes, todos de tratamento incruento,faziam uso constante de analgésicos.

Avaliação clínico-funcional

Diminuição da mobilidade do ombro foi observada em13 pacientes, implicando limitação da abdução em quatro,da rotação interna em três e da rotação externa em outrostrês, e limitação concêntrica em três. Três dos pacientesdesse grupo haviam sido tratados por método cirúrgico,inclusive aquele submetido à artroplastia, cuja mobilidadeera a pior de todos (tabela 5).

Instabilidade do ombro foi diagnostica em três pacien-tes, dois dos quais haviam tido fratura do colo da escápula,um deles com fratura associada do acrômio. No terceiro,com fratura do corpo da escápula, a instabilidade era devi-da à lesão concomitante do plexo braquial, com o espera-do desequilíbrio muscular (tabela 5).

O exame neurológico evidenciou diminuição da sensi-bilidade, nos territórios das raízes C5 e C6, em três pacien-tes. Diminuição da força muscular de abdução e rotaçãoexterna foi detectada em dois pacientes. Diminuição com-binada da sensibilidade e da força muscular de abduçãofoi encontrada em outros dois, ambos com lesão do plexobraquial. Excetuando os pacientes com lesão do plexo bra-quial, não podemos afirmar com certeza que houve lesãoneurológica específica, pois esta não foi confirmada porexame eletroneuromiográfico. Porém, a presença de alte-ração de sensibilidade é fortemente sugestiva. Os demais38 pacientes não apresentavam qualquer prejuízo neuroló-gico (tabela 5).

Quanto às lesões associadas, haviam sido diagnostica-dos no atendimento inicial pneumotórax (sete), fraturas decostelas ipsilaterais (12), contusão pulmonar (nove), fratu-ra da clavícula ipsilateral (10), lesão do plexo braquial ip-silateral (duas), lesão arterial no membro superior ipsilate-ral (uma), traumatismo craniencefálico (13), outras lesõesde membros superiores (10), fraturas dos membros infe-riores (nove). Outras lesões (fraturas de coluna, traumasde face, trauma abdominal, fraturas de bacias, etc.) foramdiagnosticadas em 27 casos.

DISCUSSÃO

As fraturas da escápula são uma entidade relativamenterara no cômputo geral das fraturas, o que é confirmadopelo pequeno número de pacientes levantado (120) num

período relativamente longo (18 anos), coincidindo comos achados de outros autores(1,5,7,9,11,12). Por outro lado, umnúmero considerável de fraturas da escápula é diagnosti-cado quase fortuitamente, através da avaliação radiográfi-ca de traumatismos do tórax(7), pois o paciente muitas ve-zes encontra-se clinicamente muito instável para ser ava-liado adequadamente pela equipe ortopédica. Foi o queocorreu com 18 dos casos da série inicial de 120 pacientesaqui analisada, fazendo com que a adequada avaliação or-topédica e radiográfica do ombro só pudesse ser realizadaaté duas semanas após o trauma. Esse fato aponta para anecessidade de levantar a suspeita sobre a fratura da escá-pula em todo paciente com história de trauma de alta ener-gia na região do ombro e com achados clínicos de defor-midade, equimose, dor à palpação e à movimentação, cre-pitação e diminuição da mobilidade ativa(1,7). A avaliação eo diagnóstico precoces dessas fraturas são muito impor-tantes, pois o tratamento adequado deve ser rapidamenteinstituído, para que as seqüelas funcionais fiquem restritasao mínimo possível.

Do mesmo modo que o diagnóstico de traumatismos to-rácicos altos deve levar à suspeita de fratura da escápula,que permanece, por assim dizer, escondida, o diagnósticodesta fratura deve levar à suspeita de lesão associada, queé freqüente e pode ser até de maior risco para a integridadedo paciente, em vista do que este deve ser cuidadosamenteavaliado(1,5,7,11,13). Nesse aspecto, os achados desta série fo-ram coincidentes com os da literatura(1), tendo sido obser-vadas lesões comprometendo estruturas anatômicas vitaispróximas, como contusão pulmonar, pneumotórax e fratu-ras de costelas, além de lesões mais distantes, como fratu-ras da clavícula, traumatismo craniencefálico e lesões dosdemais membros. Essas lesões, obviamente, tendem a au-mentar a morbidade e mortalidade dos pacientes, que nãopodem ser encarados como meros portadores de fraturasda escápula.

Um dado importante observado na presente série foi oenvolvimento predominante de indivíduos jovens, do sexomasculino, na faixa etária dos 21 aos 45 anos (média: 34anos), o que está de acordo com o mencionado na literatu-ra(3,5,6). Essa predominância é, de fato, esperada, pois essesindivíduos são os que mais se expõem aos traumatismosde alta energia, os quais acarretam também maior númerode lesões associadas, fato igualmente confirmado nestasérie, em que foram diagnosticadas mais de 150 lesões as-sociadas, com apenas três pacientes apresentando fraturaisolada da escápula. O valor dessa informação está ligado

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FRATURAS DA ESCÁPULA

tanto ao aspecto médico da questão, dada a necessidade demaiores cuidados especializados, como ao aspecto econô-mico, visto o longo período de incapacidade do pacientepara o trabalho.

Outro dado importante observado nesta série, e igual-mente descrito na literatura(5,11), foi o grande número defraturas causadas por traumatismos caracteristicamente dealta energia, mas envolvendo principalmente trabalhado-res braçais. Estes estão tipicamente mais expostos aos trau-matismos de maior energia na sua atividade profissional,mas sofreram em sua maioria traumatismos de naturezanão profissional (como o atropelamento), o que permiteconcluir que as fraturas da escápula dificilmente resultamde acidentes do trabalho, exceto em casos como a quedade altura (comum em pedreiros).

Localmente, os problemas provenientes da fratura daescápula dependem da localização dos traços, presença decominuição e desvios. Em algumas séries(3-6,11,12), as fratu-ras do corpo da escápula respondem por 65% a 90% doscasos, mas na presente série corresponderam a 37,3% den-tre os 120 pacientes iniciais e a 40% (18 casos) dentre os45 reavaliados. A maioria dos pacientes com fratura docorpo da escápula reavaliados apresentou diminuição par-cial da mobilidade do ombro, embora sem dor na maioriadeles (66%). A dor foi referida por 23 pacientes, sendo emrepouso em três deles. Esse tipo de fratura responde satis-fatoriamente à imobilização numa tipóia, seguida de fisio-terapia para ganho de mobilidade(1,7), conforme observadonesta série. Nordqvist e Peterson(13) descrevem que, mes-mo na presença de desvio considerável dos fragmentos, ospacientes não apresentam queixas importantes de perda damobilidade ou de dor, sendo que cerca de 25% apresentamsintomas leves ou moderados no ombro afetado. Referem,também, haver relação entre a perda funcional e a defor-midade radiográfica residual e a explicação para isso seriaa perda da habilidade da escápula em deslizar livrementesobre a parede torácica, devido às irregularidades da su-perfície óssea e à fibrose que se segue à cicatrização dosmúsculos lesados. Sob essa visão, fraturas do corpo da es-cápula com desvios que produzam contato ou excessivaproximidade dos fragmentos com o gradeado costal, quepossam resultar em atrito e conseqüente prejuízo funcio-nal, deveriam ser reduzidas e fixadas. Contudo, existe apossibilidade de realizar a regularização da proeminênciamais tarde, quando o problema aparecer. Dois dos pacien-tes com fratura do corpo da escápula apresentavam insta-bilidade do ombro (um deles por lesão do plexo braquial)

e se queixavam também de dor, que foi, na realidade, aqueixa mais freqüente nesse grupo (oito pacientes), com acaracterística de ser em repouso em dois deles.

Pacientes com fraturas desviadas do colo da escápulafreqüentemente se queixam de fraqueza ao esforço envol-vendo atividades com abdução do braço. O sítio mais co-mum de desconforto nesses pacientes é o espaço subacro-mial, visto que o colo se encurta e a cabeça umeral penetrapor baixo do acrômio(7,13). Ada e Miller(7) descrevem que asqueixas de fraqueza e dor no espaço subacromial são se-cundárias à lesão do manguito rotador. Com o desvio dofragmento colo-glenóide, o braço de alavanca normal domanguito rotador é perdido, devido à diminuição da capa-cidade mecânica dos músculos. Com o aumento da incli-nação da face articular da glenóide, a força normalmentecompressiva do manguito passa a ser de cisalhamento(7).Dentre os 20 pacientes portadores desse tipo de fratura rea-valiados na nossa série, 15 não apresentavam redução damobilidade, três mostravam redução parcial e dois, limita-ção acentuada.

Dentre os pacientes com fraturas do corpo da escápula,a redução na mobilidade do ombro ocorreu em quase to-dos os casos, levando à conclusão de que o comprometi-mento do manguito rotador nesses casos foi maior, talvezpor aderência do invólucro muscular da escápula ou pelodesvio ocasionado pela fratura.

Fraturas da espinha da escápula são também associadascom aparente disfunção do manguito rotador(7), com fra-queza nas atividades em abdução por tempo prolongado,dor no espaço subacromial e dor noturna. Certo grau delesão da musculatura do manguito rotador é suspeitada nes-sas fraturas, devido à cominuição e ao desvio dos frag-mentos. Neviaser(10) chama a atenção para o problema ime-diato da pseudo-ruptura do manguito em pacientes comfraturas da escápula e atribui isso ao hematoma intramus-cular, resultando em paralisia temporária. Na presente sé-rie, os casos de fraturas isoladas da espinha da escápulanão foram considerados em separado, mas em conjunto comas fraturas do corpo ou do acrômio, dependendo do caso.

Fraturas intra-articulares da glenóide com desvio resul-tam em diminuição da mobilidade e dor aos movimentos.Como fator complicador, a maioria desses pacientes apre-senta outras lesões importantes, que dificultam ou impe-dem o tratamento cirúrgico imediato. Por outro lado, elestendem a melhorar gradualmente, com o uso de antiinfla-matórios não-esteróides e fisioterapia, e recuperam, aomenos parcialmente, a mobilidade e a força muscular.

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C.H. BARBIERI, N. MAZZER, F.H. MENDONÇA & L.H.F. DAMASCENO

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Fraturas do processo coracóide freqüentemente se asso-ciam com luxações da articulação acromioclavicular grausI e II(7). Nesta série houve três fraturas do tipo “ombro flu-tuante”, sendo que dois casos foram operados por osteos-síntese da clavícula com placa de reconstrução de 3,5mm.As fraturas isoladas do processo coracóide foram poucas,não tendo sido observado prejuízo funcional motor ou sen-sitivo, nem instabilidade.

O tratamento cirúrgico das fraturas da escápula tem sidodescrito por vários autores(2,7,14), que referem resultadosbons a excelentes. Porém, nas maiores séries de pacientesrelatadas, predominou o tratamento incruento(3,7,12,13). Cer-tamente, a indicação de tratamento cirúrgico fica restrita atipos muito específicos de fraturas, com a adição de outrosfatores, como, por exemplo, os desvios e as falhas ósseas,principalmente nas fraturas intra-articulares. No caso dasextra-articulares, Ada e Miller(7) propuseram o tratamentocirúrgico para fraturas do colo da escápula com desvio an-gular maior que 40o ou translação medial da superfície ar-ticular da glenóide maior que 1cm, complementando comfisioterapia precoce. Assim trataram oito pacientes, cujosresultados funcionais foram bons, visto terem alcançado85° de abdução pura na articulação glenoumeral, com ne-nhum se queixando de dor noturna ou em repouso. Referi-ram, ainda, que os pacientes com fratura intra-articular daglenóide e da espinha da escápula associadas foram os que

apresentaram maiores problemas a curto e longo prazo,razão por que sugeriram que as indicações de tratamentocirúrgico devam ser estendidas a esses tipos de fraturas.No nosso grupo inicial de 120 pacientes, 13 haviam tidotratamento cirúrgico, por apresentar fraturas com desvio eter condições clínicas para a cirurgia antes da consolida-ção. Porém, apenas cinco deles atenderam ao chamado parareavaliação e o resultado não parece ter sido satisfatório,pois, apesar de nenhum apresentar instabilidade, três sequeixavam de dor, dois mostravam diminuição da mobili-dade, sendo um caso de artroplastia do ombro, e dois tive-ram que mudar de atividade profissional.

CONCLUSÃO

Este estudo mostra que as fraturas de escápula decor-rem, em geral, de traumatismos de alta energia e associam-se a várias lesões, mas tendem a evoluir bem. Os pacientescom sintomas persistentes são, em geral, os que sofreramtraumatismos mais graves, casos em que o tratamento daslesões que levam a maior risco de vida deve ter prioridade.Em alguns casos, o tratamento cirúrgico pode levar à melho-ra dos resultados a longo prazo. Entretanto, a maioria doscasos tratados conservadoramente evoluiu com bom resulta-do. Uma classificação que considerasse as fraturas comple-xas da escápula, permitindo melhor comparação deresultados e determinação do prognóstico, seria interessante.

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