Frédéric Mauro - SciELO · 2013. 8. 16. · Frédéric Mauro ** * Traduzido do original em...

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1. O empresário presta auxílio ao historiador; 2. O historiador presta auxílio ao empresário. Frédéric Mauro ** * Traduzido do original em francês pelo Prof. Sérgio MiceU. ** Professor de História Econômica na Universidade de Paris X (Nanterre). R. Adm. Emp., Rio de Janeiro, Já se discutiu muito na França a respeito do papel dos economista nas grandes empresas, embora nos paises anglo-saxões tal papel venha recebendo há muito tempo um reconhecimento oficial. Na França, a profissão de economista nem existia e seu substituto era o engenheiro formado nas chamadas "Grandes Escolas" den- tre as quais algumas eram escolas militares. As faculdades de direito também ensinavam "a economiapolitica" mas não chegavam, nesse campo, além de uma formação muito limitada. De outro lado, nas escolas comerciais o nivel era mediocre e, ao invés de ciência econômica ou ad- ministração, o que se fazia era direito, geografia e técnicas comerciais. É bem verdade que, atual- mente, essas escolas modernizaram-se e pas- sou-se a ensinar economia, economia aplicada e administração de empresas. As faculdades de economia acabaram separando-se das faculda- des de direito. e atingem um elevado rendimento acadêmico. Não obstante, o engenheiro continua a desempenhar um papel importante como eco- nomista de empresa. Convém observar que os estudos das ciências econômicas tornaram-se assunto da maior seriedade nas escolas de en- genharia. E o alto nivel destas últimas faz com que os engenheiros constituam uma elite a cujos membros são entregues em prazo curto postos de responsabilidade para os quais o cál- culo econômico é primordial. É evidente que os conhecimentos matemáticos transmitidos nas escolas de engenharia são muito úteis para a prática da ciência econômica. Em suma, não há qualquer diferença de natureza entre o enge- nheiro e.o economista, mas apenas uma diferen- ça de grau. O engenheiro que calcula uma pon- te procura construi-la da maneira mais sólida e mais bela pelo menor preço. Sua problemáti- ca é a escassez. Mas a economia é também uma ciência da escassez. Por exemplo, o economista deve calcular o volume de produção através do qual a empresa atingirá o lucro máximo. Ao nivel macroeconômico, o economista deve saber de que maneira utilizar investimentos limitados a fim de obter o máximo de bem-estar para to- dos. São estas as razões pelas quais a direção de uma empresa deve, mesmo sem o saber, praticar a ciência econômica e recorrer a economistas ainda que eles não possam ousar aparecer en- quanto tais. Deveria a empresa recorrer também ao historiador da economia, ao historiador-eco- nomista, como se diz hoje? Antes de adiantar qualquer resposta, é preciso explicitar o que en- tendemos por história econômica. Algumas ve- zes ela foi considerada a ciência econômica do passado, ou então o conjunto das ciências eco- nômicas do passado. Isto significa que, em nos- sa opinião, ela não é apenas uma sociologia ou uma geografia econômica retrospectiva, mas uma teoria ou uma análise econômica retros- pectiva. Assim como o economista nos oferece o modelo dos sistemas econômicos atuais, o his- toriador nos dá o modelo dos sistemas econô- 14(4) : 63-68, [ul.Zago, 1974 O empresario moderno e a historia econômica

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1. O empresário presta auxílioao historiador;

2. O historiador presta auxílioao empresário.

Frédéric Mauro **

* Traduzido do originalem francês pelo

Prof. Sérgio MiceU.* * Professor de

História Econômica naUniversidade de Paris

X (Nanterre).

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro,

Já se discutiu muito na França a respeito dopapel dos economista nas grandes empresas,embora nos paises anglo-saxões tal papel venharecebendo há muito tempo um reconhecimentooficial. Na França, a profissão de economistanem existia e seu substituto era o engenheiroformado nas chamadas "Grandes Escolas" den-tre as quais algumas eram escolas militares. Asfaculdades de direito também ensinavam "aeconomiapolitica" mas não chegavam, nessecampo, além de uma formação muito limitada.De outro lado, nas escolas comerciais o nivel eramediocre e, ao invés de ciência econômica ou ad-ministração, o que se fazia era direito, geografiae técnicas comerciais. É bem verdade que, atual-mente, essas escolas modernizaram-se e pas-sou-se a ensinar economia, economia aplicadae administração de empresas. As faculdades deeconomia acabaram separando-se das faculda-des de direito. e atingem um elevado rendimentoacadêmico. Não obstante, o engenheiro continuaa desempenhar um papel importante como eco-nomista de empresa. Convém observar que osestudos das ciências econômicas tornaram-seassunto da maior seriedade nas escolas de en-genharia. E o alto nivel destas últimas faz comque os engenheiros constituam uma elite acujos membros são entregues em prazo curtopostos de responsabilidade para os quais o cál-culo econômico é primordial. É evidente que osconhecimentos matemáticos transmitidos nasescolas de engenharia são muito úteis para aprática da ciência econômica. Em suma, não háqualquer diferença de natureza entre o enge-nheiro e.o economista, mas apenas uma diferen-ça de grau. O engenheiro que calcula uma pon-te procura construi-la da maneira mais sólidae mais bela pelo menor preço. Sua problemáti-ca é a escassez. Mas a economia é também umaciência da escassez. Por exemplo, o economistadeve calcular o volume de produção através doqual a empresa atingirá o lucro máximo. Aonivel macroeconômico, o economista deve saberde que maneira utilizar investimentos limitadosa fim de obter o máximo de bem-estar para to-dos.

São estas as razões pelas quais a direção deuma empresa deve, mesmo sem o saber, praticara ciência econômica e recorrer a economistasainda que eles não possam ousar aparecer en-quanto tais. Deveria a empresa recorrer tambémao historiador da economia, ao historiador-eco-nomista, como se diz hoje? Antes de adiantarqualquer resposta, é preciso explicitar o que en-tendemos por história econômica. Algumas ve-zes ela foi considerada a ciência econômica dopassado, ou então o conjunto das ciências eco-nômicas do passado. Isto significa que, em nos-sa opinião, ela não é apenas uma sociologia ouuma geografia econômica retrospectiva, masuma teoria ou uma análise econômica retros-pectiva. Assim como o economista nos oferece omodelo dos sistemas econômicos atuais, o his-toriador nos dá o modelo dos sistemas econô-

14(4) : 63-68, [ul.Zago, 1974

O empresario moderno e a historia econômica

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micos passados, ambos esforçando-se para lhesaplicar um tratamento quantitativo. E podemrealizar este estudo ao nível das empresas, dosramos da atividade econômica ou mesmo ao ní-vel das variáveis globais. Enquanto o historia-dor se coloca geralmente de um ponto de vistaretrospectivo, o economista coloca-se de um pon-to de vista prospectivo. Todavia, o segundoponto de vista só se constitui quando o primei-ro existe de fato, sendo portanto impossível se-pará-los. Em conseqüência, a história pode serútil à empresa. De outro lado, a coleta de. fon-tes primárias na empresa acaba aproximando ohistoriador do empresário, e seus vínculos ten-dem a se estreitar. Passamos em seguida a ana-lisar, primeiramente, de que maneira o empre-sário pode prestar auxilio ao historiador e, emsegundo lugar, como o historiador pode auxiliaro empresário.

1. O EMPRESARIO PRESTAAUXíLIO AO HISTORIADOR

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O historiador tem necessidade de escrever a his-tória das empresas porque a mícroeconomía re-presenta a metade da ciência econômica. Umahistória estudada apenas sob o aspecto macro-econômico não é uma história completa. Ade-mais, a história das empresas só pode ser feitaa partir dos seus arquivos, assim como a histó-ria dos setores da atividade econômica só podeser construída com base nos organismos públi-cos ou privados encarregados de gerír tais seto-res ou de defender seus interesses.

Esses arquivos são interessante de inúmerospontos de vista, uma vez que ti. história da em-presa pertence a diversos setores da história: odas técnicas e das ciências índüstríaís, agríco-las, e sobretudo das ciências comerciais (tome-mos por exemplo, a história da contabílídade ea passagem da contabilidade de partida simplesà contabilidade de partida dobrada), o da econo-mia da firma e de sua evolução financeira o dahistória social da empresa que abrange o ~ecru-tamento do pessoal dirigente, dos funcionáriose dos operários. Ao mesmo tempo, esses arqui-vos podem propiciar informações valiosas a res-peito do setor econômico a que. pertence a em-presa, e até mesmo acerca da economia globaldo país, do continente e até mesmo do própriomundo, seja do ponto de vista das estruturascomo do ponto de vista da conjuntura.

Por conseguinte, é preciso, antes de tudo, queo empresário tenha confiança no historiador e,em especial, em sua competência. Sem dúvida,muitas vezes falta ao historiador o manejo dosdocumentos de negócios; mas não é difícil ad-quiri-lo pelas facilidades que encontra paraadaptar-se, ou então por estar em condições derecolocar uma determinada técnica na linhade uma evolução mais geral, ou uma fase econô-mica no interior do desenvolvimento de todo osistema. É inegável que o seu ângulo de aborda-gem ou o seu método de pensamento não são

Revista de Administração de Empresas

os mesmos do empresário, mas isto não significaque sejam errados. Na verdade, as duas posiçõescomplementam-se muito bem. Em geral, paraque esteja apto a fazer a história das empresas,o historiador estudou contabilidade, adminis-tração de empresas, sociologia industrial, pes-quisa de mercado, etc. É provável que todas es-sas noções sejam para ele algo livrescas, mas ocontato com a realidade poderá auxiliá-lo bas-tante a superar tais limitações. Afinal, convémque o empresário se convença de que o historia-dor' das empresas não visa fazer uma pesquisafiscal ou· policial, e muito menos servir à espio-nagem industrial; sua intenção é tão-somenterealizar um estudo cientifico que não prejudica-rá em nada a empresa, pois seus objetivos sãomuito mais científicos e sérios do que se pensa.Isto poderá estimular o empresário a ter muitomais cuidado com a preservação, a conservação,a seleção e a classificação de seus arquivos. Atriagem constitui uma etapa delicada que deveser empreendida não só em função das necessi-dades da empresa, mas também das necessida-des da pesquisa histórica. O empresário ou seusubordinado, cuja tarefa é tratar dessa coleta,deverá informar-se junto a um historiador-eco-nomista ou a um arquivista diplomado que sejaespecializado neste tipo de problemas.' Caso osarquivos sejam muito importantes, conviria es-tabelecer um inventário geral de fácil consulta.E no caso de o empresário não saber o que fazercom seus arquivos (em especial, com os arqui-vos mais antigos), poderá entregá-los a um ar-quivo público, exigindo o tratamento que lhepareça mais adequado: seja concedendo plenapropriedade à administração pública, seja con-fiando-lhe apenas a preservação, estipulando sepermite ou não a consulta pública, para a quala empresa deve ou não conceder autorização.Em quase todos os países existe tal sistema dedepósito. Na França, por exemplo, os ArquivosNacionais em Paris e os arquivos departamen-tais na província possuem uma seção de históriadas empresas. Nos Arquivos Nacionais, o volu-me de Bertrand Gílle" dá-nos uma visão impres-sionante do material arrolado. Acrescente-seainda a enorme série 65AQ cujo inventárioexiste sob a forma de umfichário por setores daatividade industrial. Existem ainda inventáriosdatilografados para as séries posteriores a 65AQ:66AQ e seguintes.

Bertrand Gille estabeleceu uma classificaçãodos tipos de documento que se pode encontrarnos arquivos de empresas: a formação da em-presa, os Conselhos, a direção-geral, o patrimô-nio, o material de serviço, suprimentos, estoquese produção, o serviço financeiro, a contabilida-de, a correspondência, a "jurisprudência", opessoal, o serviço de estudos, os serviços comer-ciais, além das séries particulares.

Esta classificação é bastante completa, embo-ra possa ser bem simplificada em alguns arqui-vos de 'empresas. Um de nossos pesquisadoresque trabalhou tempos atrás sobre a história de

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uma cadeia de mercearias no sudeste da Fran-ça" utilizou sobretudo três categorias ele docu-mentos: a contabilidade e os ba.laDços paracompreender a gestão nnaneeíra da, empresa; acorrespondência para conhecer seus fornecedo-res e seu mercado de venda; os arquivos relati-vos ao pessoal para um estudo de sociologiaeconômica. Outro pesquisador dedicou-se à his-tória de um grande hotel- e, para tanto, anali-sou o registro de seus clientes, além da corres-pondência e da contabilidade. No caso de arqui-vos incompletos, algumas séries. podem substi-tuir as que estão faltando. Por exemplo, se acorrespondência se perdeu, as faturas podemauxiliar na reconstrução da geografia ou mes-mo da sociologia da clientela.

Mas o empresário pode também auxiliar ohistoriador na pesquisa do setor particular daatividade industrial a que pertence a empresa.Trata-se novamente de história microeconômi-ca, uma vez que a economia setorial se ressentedos mesmos mecanismos de uma economia deempresa. Em geral, um dado setor possui, no es-calão mais alto, um organismo profissional deque faz parte o empresário. Este, por sua vez po-de interferir na pesquisa no sentido de que esteorganismo proceda ao levantamento e à con-servação de seus próprio arquivos. Ademais, ospróprios arquivos da empresa podem conter in-formações interessantes para a história do setor.E, através dos organismos profissionais, é muitomais fácil entrar em contato com seus congê-neres no estrangeiro quando se pretende tra-balhar sobre a economia estrangeira. Atravésdesses mesmos organismos pode-se entrar tam-bém em contato com os departamentos minis-teriais interessados e, destarte, pode-se ter aces-so a arquivos públicos que cobrem um períodomais recente para cujo estudo não se pode, emgeral, consultá-los. Pode-se também ter acessoaos organismos internacionais públicos e priva-dos, aos órgãos de pesquisa, aos bancos e a todasas instituições onde o empresário circula livre-mente, podendo por conseguinte facilitar in-gresso do historiador. E mesmo no caso de mo-nopólio ou de oligopólio,o conhecimento dos ar-quivos de uma ou duas empresas esclarece qua-se completamente a respeito da história do se-tor. Em suma, a ajuda do empresário é decisivano caso da microeconomia retrospectiva; e dis-so dependerá 'em lar~a medida o progresso dosEstudos nessa área. Poder-se-á inclusive entre-vistar o empresário (e seu estado-maior) por-que, assim como os documentos, ele é uma tes-temunha da história econômica e está em con-dições para dizer de que modo a empresa passoupor um determinado período conjuntural. Nu-ma ocasião passada, tivemos a oportunidade dediscutir a crise de 1930 com um dos pioneirosda siderurgia brasileira. É claro que sua visãoda crise era bem distinta daquela que lhe da-vam os economistas. Destarte, é possível com-pletar ou refinar análises excessivamente cal-cadas em documentação escrita. O próprio em-

presário, ou então seus antecessores, acaba tam-bém. acumulando uma documentação bastanterica a respeito da economia global e sua evolu-ção, peís nesse contexto que ele teve que se in-serir.

Graças ao apoio dos empresários públicos ouprivados, alguns trabalhos de peso no campoda história econômica puderam ser realizados.Nos Estados Unidos, por exemplo, a Universi-dade de Harvard constitui o centro mais impor-tante: sua Business Historica; Society possui-uma reserva de documentação muito rica e pu-blica a Business History Review. Para o grandepúblico, uma revista como Fortune oferece umavisão concreta da atividade e das realizações dosmaiores homens de negócios. Na França, a revis-ta Histoire desEntreprises foi publicada de 1958a 1963, com a média de dois volumes por ano, eseu fracasso não deve ser atribuído de modoalgum à falta de interesse ou de atividade porparte de seu diretor, Bertrand Gille. Entre 1960e 1968 foi public8da a Revue d'Histoire de la Si-dérurgie com a média de quatro fascículosanuais. Em 1969, tornou-se Beou« d'Histoire âesMines et de la Métallurgie, num regime de pu-blicação semestral sob os auspícios .do Centredes Recherches de I'Histoire de la Sidérurgie, emJarville (Meurthe-et-Moselle). Muitas coleçõesde obras históricas são consagradas à históriadas empresas ou dos diversos setores da econo-mia, como a famosa coleção Affaires et gensd'affaires e inclusive outras coleçõesmenos es-pecializadas onde é possível encontrar este gê-nero de obras. Podemos citar Les affaires deJacques Coeur, de Michel Mollat, Aux originesâessociétésanonymese Les moulms de Toulou-se, de Germain Sicard, Une famille de mar-chands, les Ruiz de Henri Lapeyre, e Le CréditLyonnais de 1863 a 1882, de Jean Bouvier. Re-centemente duas volumosas teses de Estado fo-ram dedicadas ao estudo de companhias fran-cesas: a tese de François Caron sobre As estra-das de ferro do Norte e a tese de Claude Pris in-titulada Saint Gobain desde suas origens até1830. Muitas dessas grandes companhias publí-caram um grande volume fartamente ilustradoou uma plaqueta para comemorar o centenáriode fundação. Uma verdadeira coleção dessasplaquetas comemorativas foi organizada nosArquivos Nacionais na seção de I: Brot. Algunscatálogos de arquivos privados foram redigidose alguns publicados, como por exemplo este queacabamos de citar, de autoria de Isabelle Brota respeito dos Arquivos da Agência Haves (Se-tor Informação) conservados nos Arquivos Na-cionais (5AR).5 Em outros casos, tais arqui-vos permaneceram em seu lugar de origem.embora se possa encontrar catálogos a seurespeito nos Arquivos Nacionais. Podemos citaros catálogos relativos às Anciennes Manufactu-res Canson et Montgolfier, a Vidalon-les-Anno-nay, na região de Ardósia. Os Arquivos Nacio-nais intalaram "missões" em alguns ministériosa fim de selecionar e conservar sua documenta-

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História econômica

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çãono próprio lugar, de origem. A. maio, dosArquivm lfaaionaia no Ministério, da, Baonomiae das Htnanças, instalada. no prédio' do, Louwe(Rue de Riroli), }JQS8Ui,toda, a doeumentaçãoreferente à inscrição na bolsa de Paris dos pedi.dos de empréstimo.. das coletividades latino.americanas. Alguns. pesquisado:rf!o,4t,sob noasaorientação, tiveram· acesso a esse material; comvistas. a, estudar o- problema dos investimentosfranceses na. América Latina.6

Tais estudos e investigações pennitem verifi-car e refinar um certo, número de grandes hí-póteses de trabalho· muitas veIBI formuladaspor sooiólogos e economiStas, sendo, licito, ~guntan quaisossi&temas econômioos.e quaiaostipos de empresas a que tais hipóteses se refe-rem. Por exemplo, a teoria, de Schumpeter so-bre o papel'do,empresário,e·da,inovação, distin.ta da invenção, Ou então, a,teoriade Bmest:ha •.brousse a respeito das diversas faaes do capita-lismo industrial: patrimonial; anônimo, finan.·ceiro, teenoerátíeo, Inclusive as teorias. da, eseo-la necelássíea. sobre o mecanismo, dos preços,bem como da escola sueca. sobre os oáloulOlllCante e ex ~. 11m suma, todas as. partal. dateoria econômica, passíveis de uma wrificaçãoao nível macroeconômico.

Não há dúvida de que uma das razões capa-zes de explicar o' íneípíente desenvolvimento dahistória das empresas vem, a ser o' preconceitode muitos historiadores. e economistas contra amicroeconomia, que muitas vezes é confundidafacilmente com a economia de empresa. Aiiás,trata-se de um, preconceito de origem, m~apesar dos trabalhos "microeconômicos" demarxístas como Jean Bouvier, ou P1erre Vilar.Felizmente, é um preeoneeíto- em, vias de élItin-ção uma vez que, a, respeito, dos invastiment08franceses no ellterior, Jean Bouviell contrapu-nha recentemente' o' método de avaliação di...reta mícroeeonômíca, empregadá pelos marlJli&,.tas, ao método, macroeconômico, da. balan~ depagamentos, tão em voga junto aos anglo..aa.xões. Todavia;' sempre é bom·lembl'Bl' quemuí-tos historiadores temem repetir, na, empresa aexperiência do cronista na corte doa reis. deFrança, subsídíadn- para entoar a glória de seushóspedes ilustres. B·por.estemotiVD; o.empMSá•.rio que atrai, ou acolhe historiadores dev.1hesassegurar que suas intenções são· ouwa&, alémde lhes dar, plena, liberdade· e jJUDaistemer, queos historiadores possam, rev.elar setp:edoa aapa~zes de denegrir a imagem da, empresa junto "àopinião, pública. .

2. O· HlSTOBIADOR PRBSTAAUXíliIQ,A{;),BMPRBSARIO·

Nunca se deve tmIlsmitir aos empr-'rios idéiade que a história é- um, &gf8dáveli pa&&atempo.que lhes dá, a, opoIltunidade de se-tomarem· me-cenas faustoaoa e dealntel'8l88doa daade· que afinanciam ou prestmn amúlio. ao.. pIICllliBado-res, Q'f;mbalho·que o.historiadQl'\ reaUm,ent,saus

Reviata de Adminiatração de BmfITe.Ba6

arquivos.lhes é tão útn.como o desenvolvido pe-los economistas e por outros especialistas dasciências. sociais.

4' hlItória da empresa é, em primeiro lugar,vaUosa para o proprietário ou. para o diretor daemp1'f!!ll!J8.Bvidentemente, quando 'a firma é decaréter familiar, o filho herdeiro recebeu portradição· oral um certo conhecimento das ori-gens. e do desenvolWmento do negócio. Todavia,muitas ve&lS tal' conhecimento é meramenteanedótico e apercepção·dos problemas não pas-sa de um estágio bastante intuitivo. Pareceaconselhável que o jovem executivo que assu-me o poder saiba, através da história, a natu-reza de sua empresa; as vicissitudes com queela teve de se defrontar e, ainda,' as dificulda-des por que pa.- e que ameaçam perturbarsua apansio. Tal oonbeeimento toma-se' mui-to mais aconselhável, quando se trata de umagrande sociedade anônima moderna, onde osescalões de direç~. nada têm 'de familiar, ondeos.'ellíeCUtivosde alto nível· são originãrios dosgrandes· quadros. da. administração estatal, e,por conseguinte, têm que aprender tudo sobreo empreendimento. A menos que se tenha umamentalidade puramente funcionalista, como li-vrar-se da necessidade de lançar um olhar re-troapecttV{) nem que fosse para compreenderapenas o que constitui persistência do passadoe que deixou de corresponder às necessidadespresentes?

Isto é vãUdo tanto para a história contãbilda' empresa .oomo para sua história geográficaou sociológica. Tomemos um único exemplo ..QuandO P1erre Vaysslàre estudou a história darede de lojas L'Bpargne,8 um dos aspectos de.seu trabalho que mais interessou os dirigentesda. firma, foi o estudo dos relatórios elaboradospelos gerentes de sucursais. Havia nessa pes-quísa, uma. aná11se estatística, sobre a origem,o recrutamento· e a carreira. desses gerentes quesó poderia, ser. bem rea1iz&da por um historia-dor preocupado em conhecer o contexto eco.nômico e social' das atividades desses gerentese também, que f0188 capaz de assinalar o queera necessidade atual e o que eram antigos hâ-bitos.

A história de uma. empresa também é útilpara os grandes empresários. Não queremosnos referir aos concorrentes o que acabaria setomando· uma. razão· a maís. para o empresãriofechar suas portas aos historiadores - massim às empntSaS de outros ramos da produção.O·conheciJrioento··de·seu·tuncíonamentoe desuahistória, pode semr, a útéis comparações porpute doa, empresál'ioa.Por eumplo; é possívelque encontze no. perfil de um outro empresário .um modelo· pare si;mesmo, Ademais, c econo-mista que trabalha. a seu lado e o aconselhatambém pod'e ter idéias. novas se tiver acessoa essas ellP8riênaias. Q" empresá.rio químico po-derá conbecer melhor a diferença entre astransformações de uma firma como a sua e

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aquelas por que passou uma firma metalúrgicaou têxtil.

A história de um setor da atividade econômi-ca poderá trazer informações e subsidios valio-sos para todos os empresários pertencentes aesse setor e a todos os economistas que neletrabalham. Ao revelar a história estrutural deum dado setor, o historiador desvendará seusmecanismos próprios. Tal conhecimento possi-bilitará entender de que maneira as diversasempresas se integraram a estes mecanismos nopassado, além de estar em condições de apon-tar as modificações de estruturas do setor nocurso do tempo. Poderá mostrar se o papel daspersonalidades do setor foi ou não importantee qual o peso médio respectivo dos diversos fa-tores de produção. Mostrará a .ímportâncía dosetor no âmbito do mercado global, regional,nacional, ou internacional. Poderá. ainda. dedi-car-se à história de certas' empresas que man-têm relações particularmente estreitas com asua: 'os bancos - os trustes ou holdings que li-gam a empresa e o setor a outros setores e aoutras empresas. Fazer a história destas liga-ções e de suas relações pode esclarecê-Ias bas-tante e, ao mesmo tempo, esclarecer a trajetó-ria do empresário. Fusões, integrações, incorpo-rações, cartéís, koneerns, acordos, etc., toda es-ta teia pode ser desemaranhada através da his-tória de,uma das empresas envolvidas. No to-cante aos bancos, eles sempre constituíram pos-tos de observação privilegiados e estratégicospara o conhecimento do andamento dos negó-cios, da conjuntura, da própria estrutura dosmercados, dos setores da indústria, das empre-sas. A imensa documentação bancária contémindicações sugestivas sobre o papel das perso-nalidades nas empresas; o que pode interessardiretamente o próprio empresário moderno.

Conviria mostrar também em que medida oconhecimento da história econômica global, na-cional ou internacional é imprescindível aoempresário que a todo momento é solicitado asituar-se em relação ao conjunto da vida eco-nômica e do mercado, bem como avaliar os ru-mos de sua evolução, tanto a curto como a lon-go prazo. De que modo poderia o empresário es-quivar-se de refletir acerca do que representaas estruturas de sua empresa e o papel dela nodesenvolvimento econômico geral. o que esteúltimo significa no contexto do capitalismo in-dustrial e o que significa esteúltímo termo emoposição ao capitalismo comercial ou à eeono-mia pré-capitalista? Sabendo de onde vem, oempresárío saberá melhor para onde vai. Eisporque algumas vezes os historiadores desem-penharam um papel relevante nos órgãos dedesenvolvimento econômico nacional ou regio-nal, ao lado dos geógrafos. dos sociólogos. doseconomistas. Na reorganização do espaço da qualdepende muitas vezes a sobrevivência de umaempresa regional ou local. seria conveniente in-dagar quais as razões que explicam o desen-volvimento exagerado. o subdesenvolvimento

ou o menor desenvolvimento da região. Poisfreqüentemente as origens de tudo ÍSEIO são decaráter, histórico. ~do trabalhado como his-toriador numa comissão de reorganização doSudeste da França, vimos de que maneira asestruturas agrárias medievais, as revoluçõesagrícolas dos séculos XVI e XVIII, a inexistên-cia de uma classe de empresários sehumpete-rianos no século XX podiam trazer subsidios-para a ação da aclministração e das empresas.

Bate tipo de hiatóría econômica não deve ne-gligenciar os aspectos sociológicos, geográficos,jurídicos e técnicos. Um exemplo célebre encon-tra-se' no ,opúsculo de Jean Fourastié, coleçãoSaber. dedicado à contabüidade. Trata-se deuma história da contabilidade que mostra, emparticular, como surgiu a técnica de contabili-dade de partida dobrada. O que :permite com-preender, sem recorrer a teorias pul'amente ar-tificiais. os "paradoxos" da contabilidade departida dobrada. como por exemplo aquilo quese costuma designar "a inversão dos signos".

De maneira mais geral. digamos que a ciên-cia econômica é indispensável ao empresário.Contudo, a ciência econômica, ciência do pre-sente e do futuro, não pode se desenvolver semreferir-se ao passado e à história econômica,nem que seja para explicar uns pelos outros Ossistemas, as estruturas, .os mecanismos, nemque seja para compará-los, ou para comparar eexplicar as conjunturas. Destarte, embora in-diretamente, mas nem por isso em bases me-nos . sólidas e seguras, o historiador auxilia oempresário a estabelecer seu diagnóstico, a t0-mar uma decisão ou assumir uma dada inicia-tiva.

Peder-se-ía ir mais longe ainda e mostrar aimportância da história na formação do em-presário, bem como na do economista. A pre-sença desta disciplina na ação cotidiana com-prova sua importância na formação do jovemcandídato a um diploma de administraçãode empresas. Na verdade, é toda a eJq)8riênciadeseus predecessores que lhe é oferecida em ba-ses sistemáticas e no seu processo dinâmico detransformação. 11claro, com a exigência prévia.de que uma tal hístôría econômica seja reínse-rida no âmbito da história 'geral. Esta últimaconstitui um instrumento de cultura de primei-ra ordem para o futuro dirigente da sociedade.A história alimenta a reflexão de' um homemde ação, aponte, a relatividade dos pensamentose das coisas" além de "humanizar" suas atitu-des e decisões e enriquecer sua filosofia. Nas si-tuações graves, ajuda 'o ,empresário· a situar-see a tomar uma decisão.

Praticamente, o que pode ser feito para de-senvolver a colalloração entre historiadores eempresári<>s;?Diversas medidas e ações são efe-tivamente possíveis. A prlineira consiste em de-senvolveros contatos entre as duas corpora-ções que, destarte, podem aprender a se estima-rem' e a connarem uma na outra. A segundaconsiste em criar, onde ainda não existe, 'uma

HutóritJ 'econômka

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comissao de preservação ou conservação dosarquivos privados e dos arquivos das empresas,o que estimulará os empresários a preservarseus arquivos, dando-lhes eventualmente os re-cursos para fazer isso. A terceira cabe aosexecutivos que poderão encontrar historiadoresdesejosos e capazes de fazer. a história de suaempresa, para o que será necessário auxWá-Iosamplamente através de um estágio nos escri-tórios da empresa e, em seguida, abrindo-lhesseus arquivos e colocando pessoal qualificadoa sua disposição. Sem falar da plena liberdadeque deve facultar aos pesquisadores e nos sub-sídios financeiros que sejam necessários parapara a publicação de seus trabalhos.

Contudo, a história é apenas uma das ciên-cias sociais. As demais também são multo úteispara o empresário que não. deve de modo al-gum negligenciá-las. Haveria ainda muitos ou-tros ternas para reflexão. No que diz. respeitoaos historiadores, devem desenvolver um esfor-ço em prol da história econômica .:....sempretão desdenhada apesar das pomposas declara-

ções de entusiasmo - e em particular, em fa-vor da história das empresas. É este esforço queesperamos seja feito pela nova geração. O

1 Na França muitos "arquivistas-paleógrafos", ouseja, antigos alunos da Escola de Chartes, interes-sam-se por arquiVOSde empresas.2 Situação sumária dos arquivos de empresas con-servados nos Arquivos Nacionais, Série AQ, tomo IlAQ e 64AQ,Paris, Imprensa Nacional, 1957.3 Vayssiêre, Pierre. L'Epargne, 1900-1960.

• tacaze, Marie elaire. La. maison Tivolller, 1853-1904.fi SBVPEN,Paris, 1969.c No tocante a diversas teses de mestrado e douto-ramento, consultar nossa comunicação feita no Con-gresso da Associação Francesa de Historiadores Eco-nomistas, Paris, 1973,cujas atas serão publicadas embreve.7 Refiro-me ao mesmo Congresso citado.S Ver nota 3.

Livro também é arma de guerra contra a poluiçãovocê precisa conhecer a extensão da ameaça

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Guerra â poluição - deU Thant, ex-SecretárioGeral da ONU, e mais5 autores. Relaçãohomem-natureza,contaminação industrialeuropéia, busca daágua, pantanalmatogrossense. Estes sãoalguns dos temastratados na obra

Revista de Administração de Empresas

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