Friederich perls
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A TEORIA DA GESTALT
Desenvolveu-se como protesto contra a análise atomística vigente no final do século XIX. A análise
atomística tentava compreender a experiência da pessoa de forma que os elementos dessa
experiência eram reduzidos aos seus componentes mais simples, sendo que cada componente era
analisado separadamente dos outros e, a experiência total era entendida como uma soma destes
componentes.
A chamada Gestalt-terapia surge no início da década de 50, a partir das reflexões de Friederich
Perls, um psicanalista nascido em Berlim em 1893, que emigrou durante a década de 40 para a
África do Sul e posteriormente para os Estados Unidos da América, onde juntamente com um grupo
de intelectuais norte-americanos desenvolveu esta nova abordagem.
Crescimento Psicológico
Perls definia a saúde e a maturidade psicológicas como sendo a capacidade de emergir do apoio e
da regulação ambientais para um auto-apoio e uma auto-regulação. O processo terapêutico
representa um esforço na direção desta emergência. O elemento crucial no auto-apoio e na auto-
regulação é o equilíbrio. Uma das proposições básicas da teoria da Gestalt é que todo organismo
possui a capacidade de realizar um equilíbrio ótimo consigo e com seu meio. As condições para
realizar este equilíbrio envolvem uma conscientização desobstruída da hierarquia de necessidades,
que descrevemos anteriormente.
Uma apreciação plena desta hierarquia de necessidades só pode ser realizada através da
conscientização que envolve todo organismo, uma vez que necessidades são experienciadas por
cada parte do organismo e sua hierarquia é estabelecida por meio de sua coordenação.
Perls considera o ritmo de contato/fuga com o meio ambiente como componente principal do
equilíbrio do organismo. A imaturidade e a neurose implicam uma percepção impropria do que
constitui este ritmo ou uma incapacidade de regular seu equilíbrio.
Indivíduos auto-apoiados e auto-regulados se caracterizam pelo livre fluir e pelo delineamento claro
da formação figura-fundo (definição de sentido) nas expressões de suas necessidades de contato e
retraimento. Tais indivíduos reconhecem sua própria capacidade de escolher os meios de satisfazer
necessidades à medida que estas emergem. Têm consciência das fronteiras entre e eles mesmos e
os outros e estão particularmente conscientes da distinção entre suas fantasias sobre os outros (ou o
ambiente) e o que experienciam através do contato direto.
Psicologia da Gestalt
Embora não haja equivalente preciso em português para a palavra alemã gestalt, o sentido mais geral
que se pode dar ao termo seria uma espécie de disposição ou configuração de uma organização
específica das partes que constituiria um todo particular.
O princípio mais importante da
abordagem gestáltica é a afirmação de que
a análise das partes nunca pode
proporcionar uma compreensão do todo,
uma vez que o todo será definido pelas
interações e interdependências das partes.
As partes de uma gestalt não mantêm sua
identidade quando estão separadas de sua
função e lugar no todo. Assim sendo, a
teoria da Gestalt foi inicialmente
formulada no final do século XIX na
Alemanha e Áustria.
Em 1912, Max Wertheimer publicou um trabalho considerado o fundamento da escola gestáltica,
onde descrevia um experimento executado por Wertheimer e seus colegas, planejado para explorar
certos aspectos da percepção do movimento. Numa sala escura, eles faziam reluzir em rápida
sucessão dois pontos de luz próximos um do outro, variando os intervalos de tempo entre os clarões.
Descobriram que quando o intervalo entre os clarões era menor que 3/100 de segundo, eles
pareciam simultâneos. Quando o intervalo era de 6/100 de segundo, o observador dizia ver o clarão
mover-se do primeiro ponto ao segundo. Quando o intervalo era de 20/100 de segundo ou mais, os
pontos de luz foram observados como o eram de fato, ou seja, dois clarões de luz separados.
A descoberta crucial do experimento refere-se à percepção de movimento quando os clarões
estavam separados por aproximadamente 6/100 de segundo. O movimento aparente não era função
dos estímulos isoladamente, mas dependia das características relacionadas à organização neural e
perceptiva do campo.
Os resultados deste experimento levaram a algumas reformulações fundamentais no estudo da
percepção e, durante as décadas de vinte, trinta e quarenta do nosso século, a teoria da Gestalt foi
aplicada ao estudo da aprendizagem, resolução de problemas, motivação, psicologia social e, até
certo ponto, à teoria da personalidade.
A escola gestáltica causou enorme impacto em todo o campo da psicologia. Na metade do século XX,
a abordagem desta escola tinha-se tornado tão intrínseca à corrente central da psicologia que a
noção de um movimento gestáltico por si próprio e emancipado deixou de existir. Uma contribuição
importante dos adeptos da Gestalt refere-se à exploração da maneira como as partes constituem e
estão relacionadas com um todo.
Além disso, a teoria da Gestalt ofereceu algumas sugestões a respeito dos modos pelos quais os
organismos se adaptam para alcançar sua organização e equilíbrio ótimos. Um aspecto desta
adaptação envolve a forma pela qual um organismo torna suas percepções significativas, a maneira
pela qual distingue figura do fundo. A escola gestáltica estendeu o fenômeno figura-fundo para
descrever a maneira pela qual um organismo seleciona o que é ou não é de seu interesse num dado
momento. Para um homem sedento, um copo de água colocado entre seus pratos favoritos emerge
como figura principal contra o fundo menos importante constituído pela comida. A percepção adapta-
se à necessidade, capacitando-nos a satisfazer nossas necessidades. Uma vez satisfeita a sede do
exemplo, sua percepção da pessoa sobre o que é figura e o que é fundo provavelmente se
modificará, de acordo com as mudanças nos interesses e necessidades dominantes.
Embora, por volta de 1940 a teoria da Gestalt já tivesse sido aplicada em muitas áreas da psicologia,
foi em grande parte ignorada no exame da dinâmica da estrutura da personalidade e do crescimento
pessoal. Além do mais, ainda não havia nenhuma formulação de princípios da Gestalt específicos
para psicoterapia. Assim, a partir desse ponto podemos começar a ver o papel de Fritz Perls,
responsável pela ampliação da teoria da Gestalt na psicoterapia e de uma teoria de mudança
psicológica.
A abordagem gestáltica inspirou-se em formulações da psicologia e da filosofia, adotando alguns
referenciais, tais como, a percepção gestáltica de que "o todo é diferente da soma das partes". A
percepção gestáltica propõe que todo fenômeno psíquico seja visto como um todo, em suas relações
e dinamismos.
Por essa razão a Gestalt não considera o comportamento da pessoa
isoladamente. Ela procura explorar a situação em que se deu, sua importância
e significado naquele momento e situação. Considera o homem como um ser
em relação, seu organismo é um sistema em equilíbrio, ou em constante busca
de equilíbrio e auto-regulação em sua relação com o meio. O terapeuta
gestáltico é especialmente atento à forma como se expressa o cliente, não só
em termos de verbalização, mas também em termos de linguagem gestual,
corporal. motora. Perls mostra que a agressividade também desempenha um
papel construtivo na maneira como a pessoa se relaciona com o mundo e
consigo mesma.
Existencialismo e Fenomenologia
Perls descreveu a Gestalt-terapia como uma terapia existencial, baseada na filosofia existencial e
utilizando-se de princípios considerados existencialistas e fenomenológicos. Embora a Gestalt-
terapia não se tenha desenvolvido diretamente a partir de antecedentes fenomenológicos e
existenciais particulares, vários aspectos do trabalho de Perls equiparam-se àqueles desenvolvidos
em muitas escolas do existencialismo e fenomenologia. A influência destas escolas foi difusa, porém
substancial.
Em geral, Perls contestava de forma
ferrenha a idéia de que se poderia
abranger o estudo do ser humano através
de uma abordagem científico-natural-
mecanicista inteiramente racional, como
recomendava o positivismo. A partir
disso, Perls associou-se à maioria dos
existencialistas, insistindo que o mundo
vivencial de um indivíduo só pode ser
compreendido por meio da descrição
direta que o próprio indivíduo faz de sua
situação única.
Do mesmo modo, Perls sustentou que o encontro do terapeuta com um paciente, constitui um
encontro existencial entre duas pessoas e não uma variante do clássico relacionamento médico-
paciente. O primeiro livro publicado por Friederich Perls, antes mesmo do nascimento da Gestalt-
terapia, foi "The Ego, Hunger and Aggression"(1942), onde expressa de forma condensada sua crítica
à teoria de Freud.
A idéia de que mente e corpo constituem dois aspectos diferentes da existência diferentes e
completamente separados, era uma noção que Perls, assim como os existencialistas, achavam
intolerável. De acordo com suas objeções, assim como não poderia haver cisão entre mente e
corpo, abandonou também a idéia da cisão entre sujeito e objeto e, mesmo, a da cisão entre
organismo e meio.
Ao invés de considerar que cada ser humano encontra um mundo que ele experiência como sendo
completamente separado de si mesmo, Perls acreditava que as pessoas criam e constituem seus
próprios mundos. Dessa forma o mundo existe para um dado indivíduo como sua própria descoberta
do mundo.
O conceito de intencionalidade é básico, tanto para o existencialismo e fenomenologia quanto para o
trabalho de Perls. A mente ou consciência é entendida como intenção e não pode ser compreendida
à parte do que é pensado ou pretendido. Os sentidos dos atos psíquicos ou intenções devem ser
alcançados em seus próprios termos, fenomenologicamente, e em termos de sua própria intenção
particular. Assim, a crítica existencialista da noção freudiana de instintos é a mesma de Perls, e a
libido constitui um ato psíquico, nem mais básico nem mais universal que qualquer outro. Todo ato
psíquico é intenção, e toda intenção deve ser compreendida em seus próprios termos, e não em
termos de um ato psíquico mais básico.
Entre o pensamento existencialista, dois temas são da maior importância; a experiência do nada e a
preocupação com a morte e o medo. Ao examinar a visão que Perls tem da neurose, veremos que
esses mesmos temas também constituem elementos importantes em sua teoria sobre o
funcionamento psicológico.
O método fenomenológico de compreender através da descrição é básico no pensamento de Perls.
Todas as ações implicam escolha, todos os critérios, de escolha são eles próprios selecionados e
explanações causais não são suficientes para justificar as escolhas ou ações de alguém. Além disso,
a confiança fenomenológica na intuição para o conhecimento das essências assemelha-se à
confiança de Perls naquilo que ele chama de inteligência ou sabedoria natural do organismo.
Finalmente, o próprio modo de Perls propor sua abordagem inclui, como qualquer descrição
fenomenológica, as características fenomenológicas e existenciais descritas acima. Seus livros não
são argumentações descrevendo um ponto de vista particular, uma vez que, na estrutura
fenomenológica, a argumentação perde o sentido a não ser que o leitor, fora do contexto de sua
própria experiência, decida aceitar as premissas de Perls desde o início. O estilo de Perls é
imaginativo e pessoal, e sua tentativa é existencial no sentido em que propõe uma teoria do
desenvolvimento psicológico que é inseparável do envolvimento de Perls com seu próprio
desenvolvimento.
O Organismo como um Todo
Um conceito fundamental subjacente ao trabalho de Perls tem sua formulação explícita, como vimos,
a partir do trabalho dos psicólogos da Gestalt. Na teoria de Perls, a noção de organismo como um
todo é central, tanto em relação ao funcionamento orgânico quanto à participação do organismo em
seu meio para criar um campo único de atividades.
No contexto do funcionamento intra-orgânico, Perls insistia em que os seres humanos são
organismos unificados e em que não há nenhuma diferença entre o tipo de atividade física e
mental. Perls definia atividade mental como atividade da pessoa toda que se desenvolve num nível
mais baixo de energia que a atividade física.
Esta concepção dos níveis de atividades
do comportamento humano levou Perls a
sugerir que qualquer aspecto do
comportamento de um indivíduo pode ser
considerado como uma manifestação do
todo, do ser total da pessoa. Assim sendo,
na terapia, o que o paciente faz ou como
ele se movimenta, fala e assim por diante,
fornece tanta informação a seu respeito
quanto o que ele pensa ou diz.
Esta concepção dos níveis de atividades do comportamento humano levou Perls a sugerir que
qualquer aspecto do comportamento de um indivíduo pode ser considerado como uma manifestação
do todo, do ser total da pessoa. Assim sendo, na terapia, o que o paciente faz ou como ele se
movimenta, fala e assim por diante, fornece tanta informação a seu respeito quanto o que ele pensa
ou diz.
Além do holismo ao nível orgânico, Perls acentuou a importância do fato de considerar o indivíduo
como parte perene de um campo mais amplo, o qual inclui o organismo e seu meio. Assim
como Perls protestava contra a noção de divisão corpo-mente, protestava também contra a divisão
interno-externo. Ele considerava que a questão das pessoas serem dirigidas por forças internas ou
externas não tinha nenhum sentido em si, uma vez que os efeitos causais de um são inseparáveis
dos efeitos causais do outro.
Há, no entanto, um limite de contato entre o indivíduo e seu meio e é esse limite que define a relação
entre eles. Num indivíduo saudável este limite é fluido, sempre permitindo contato e depois
afastamento do meio. Contatar constitui a formação de uma gestalt e afastar-se representa seu
fechamento. Num indivíduo neurótico as funções de contato e afastamento estão perturbadas, e ele
se encontra frente a um aglomerado de gestalten que estão de alguma forma inacabadas ou nem
plenamente formadas nem plenamente fechadas.
Perls sugeriu que as pistas para este ritmo de contato e afastamento são ditadas por uma hierarquia
de necessidades. As necessidades dominantes emergem como ou figura contra o fundo da
personalidade total. A ação efetiva é dirigida para a satisfação de uma necessidade dominante. Os
neuróticos são freqüentemente incapazes de perceber quais de suas necessidades são dominantes
ou de definir sua relação com o meio, de forma a satisfazer tais necessidades. Assim, a neurose
acarreta alterações nos processos funcionais de contato e afastamento, e acabam causando uma
distorção na existência do indivíduo enquanto organismo unificado.
Ênfase no Aqui e Agora
A visão holística levou Perls a dar ênfase particular à importância da auto-percepção presente e
imediata que um indivíduo tem de seu meio. Os neuróticos são incapazes de viver no presente, pois
carregam cronicamente consigo situações inacabadas (gestalten incompletas) do passado. Sua
atenção é, pelo menos em parte, absorvida por essas situações e eles não têm nem consciência nem
energia para lidar plenamente com o presente.
Visto que a natureza destrutiva destas situações inacabadas aparece no presente, os indivíduos
neuróticos sentem-se incapazes de viver com sucesso. Assim, a Gestalt-terapia não investiga o
passado com a finalidade de procurar traumas ou situações inacabadas, mas convida o paciente
simplesmente a se concentrar para tornar-se consciente de sua experiência presente, pressupondo
que os fragmentos de situações inacabadas e problemas não resolvidos do passado emergirão
inevitavelmente como parte desta experiência presente. À medida que estas situações inacabadas
aparecem, pede-se ao paciente que as represente e experimente de novo, a fim de completá-las e
assimilá-las no presente.
Perls definiu ansiedade como a lacuna, a "tensão entre o agora e o depois". A inabilidade das
pessoas para tolerar essa tensão, sugeria Perls, leva-as a preencher a lacuna com planejamentos,
ensaios e tentativas de tornar o futuro seguro. Isto não apenas desvia a energia e a atenção do
presente, criando assim situações inacabadas perpetuamente, mas também impede o tipo de
abertura para o futuro, decorrente do crescimento e da espontaneidade.
Além da natureza estritamente terapêutica deste enfoque ligado à conscientização do presente, uma
tendência subjacente ao trabalho de Perls é a apologia de viver com a atenção voltada para o
presente, ao invés do passado ou futuro, como algo bom que leva ao crescimento psicológico. Aqui
vemos mais uma vez como o trabalho psicológico de Perls está fortemente baseado num contexto
filosófico, num tipo de weltanschauung que pressupõe que a experiência presente de uma pessoa,
num dado momento, é a única experiência presente possível e que a condição para se sentir
satisfeito e realizado a cada momento da vida é a simples aceitação sincera desta experiência
presente.
A preponderância do Como sobre o Porquê
Uma consequência natural da orientação fenomenológica de Perls e de sua abordagem holística é a
ênfase na importância da compreensão da experiência de uma maneira descritiva e não causal.
Estrutura e função são idênticas e se um indivíduo compreende como faz alguma coisa, esta pessoa
está na posição de compreender a ação em si. Segundo Perls, o determinante causal, ou seja, o
porquê da ação, é irrelevante para qualquer compreensão plena da mesma.
Perls considera que toda ação tem causas múltiplas, assim como toda causa tem causas múltiplas, e
as explicações de tais causas nos distanciam mais e mais da compreensão do ato em si. Além disso,
uma vez que todo elemento da existência de alguém só pode ser compreendido como parte de uma
das várias gestalten, não há qualquer possibilidade deste elemento ser compreendido como sendo
"causado" separadamente de toda a matriz de causas da qual participa. Uma relação causal não
pode existir entre elementos que formam um todo; todo elemento causa e é causado por outros.
Assim, na prática da Gestalt-terapia, a ênfase está em ampliar constantemente a consciência da
maneira como a pessoa se comporta, e não em esforçar-se para analisar a razão pela qual a pessoa
se comporta de tal forma.
Conscientização
Os três principais conceitos da abordagem de Perls examinados até agora, o organismo como
um todo, a ênfase no aqui e agora, e a preponderância do Como sobre o Porquê, constituem
os fundamentos para entender a conscientização, o ponto central de sua abordagem
terapêutica. O processo de crescimento, nos termos de Perls, é um processo de expansão das
áreas de autoconsciência e o fator mais importante que inibe o crescimento psicológico é a
fuga da conscientização.
Perls acreditava plenamente no que ele chamava de sabedoria do organismo. Considerava o
indivíduo maduro e saudável um indivíduo auto-apoiado e auto-regulado. Via o cultivo da
autoconscientização como sendo dirigido para o reconhecimento da natureza auto-reguladora do
organismo humano. Segundo a teoria da Gestalt, Perls sugeriu que o princípio da hierarquia e
necessidades está sempre operando na pessoa. Em outras palavras, a necessidade mais urgente, a
situação inacabada mais importante, sempre emerge se a pessoa estiver simplesmente consciente
da experiência de si mesma a todo momento.
Perls desenvolveu a noção de um
continuum de consciência como um meio
de encorajar esta autoconscientização.
Manter um continuum de consciência
parece demasiadamente simples, apenas
estar consciente do que estamos
experienciando a cada instante. No
entanto, a maioria das pessoas interrompe
o continuum quase de imediato, e esta
interrupção em geral é causada pela
conscientização de algo desagradável.
Perls desenvolveu a noção de um continuum de consciência como um meio de encorajar esta
autoconscientização. Manter um continuum de consciência parece demasiadamente simples, apenas
estar consciente do que estamos experienciando a cada instante. No entanto, a maioria das pessoas
interrompe o continuum quase de imediato, e esta interrupção em geral é causada pela
conscientização de algo desagradável.
Assim, estabelece-se a fuga em relação a pensamentos, expectativas, recordações e
associações de uma experiência à outra. Nenhuma dessas experiências associadas são de
fato experienciadas, elas são tocadas de leve, em flashes sucessivos, sem que haja
assimilação do material. O sujeito deixa a conscientização desagradável inicial tão fora do
contexto quanto o resto do material.
Esta fuga de uma conscientização contínua, esta auto-interrupção, impede o indivíduo de encarar e
trabalhar com a conscientização desagradável. Ele ou ela permanece empacado numa situação
inacabada. Estar consciente é prestar atenção às figuras perpetuamente emergentes da própria
percepção. Evitar a tomada de consciência é enrijecer o livre fluir natural do delineamento figura e
fundo.
Perls sugeria que para cada indivíduo existem três zonas de consciência: consciência de si mesmo,
consciência do mundo e consciência do que está "entre", um tipo de zona intermediária da fantasia.
Ele considerava o exame desta última zona (que impede a conscientização das outras duas) como a
grande contribuição de Freud. Sugeriu, contudo, que Freud concentrou-se tão completamente na
compreensão desta zona intermediária que ignorou a importância de trabalhar para o
desenvolvimento da capacidade de conscientizar-se nas zonas de si mesmo e do mundo. Em
contraste, a maior parte da abordagem de Perls inclui uma tentativa muito deliberada de ampliar a
conscientização e obter contato direto consigo e com o mundo.
Ao acentuar a natureza do auto-apoio e da auto-regulação do bem-estar psicológico,Perls não quer
dizer que o indivíduo pode existir, de algum modo, separado de seu meio ambiente. Na verdade, o
equilíbrio orgânico supõe uma constante interação com o meio. O ponto crucial para Perls é que
podemos escolher a maneira como nos relacionamos com o meio. Somos auto-apoiados e auto-
regulados quanto ao fato de que reconhecemos nossa própria capacidade de determinar como nos
apoiamos e regulamos dentro de um campo que inclui muito mais do que nós mesmos.
Perls descreve vários modos pelos quais se realiza o crescimento psicológico. O primeiro envolve o
completar situações ou resolver gestalten inacabadas. Ele também sugere que a neurose pode ser
vagamente considerada como um tipo de estrutura em cinco camadas, e que o crescimento
psicológico (e eventualmente a libertação da neurose) ocorre na passagem através destas cinco
camadas.
Perls denomina a primeira camada de camada dos clichês ou da existência dos sinais. Ela inclui
todos os sinais de contato: "bom dia", "oi", "o tempo está bom, não é?" A segunda camada é a dos
papéis ou jogos. É a camada do "como se" em que as pessoas fingem que são aquelas que
gostariam de ser. Assim, o homem de negócios sempre competente, a menininha sempre bonitinha, a
pessoa muito importante.
Depois de termos reorganizado essas duas camadas, Perls sugere que alcançamos a camada do
impasse, também denominada camada da anti-existência ou do evitar fóbico. Aqui experienciamos o
vazio, o nada, é o ponto em que, geralmente, interrompemos nossa tomada de consciência e
retrocedemos à camada dos papéis para evitarmos o nada. Se, no entanto, formos capazes de
manter nossa autoconsciência neste vazio, alcançaremos a morte ou camada implosiva. Esta
camada aparece como morte ou medo da morte, pois consiste numa paralisia de forças opostas.
Experienciando esta camada contraimo-nos e comprimimo-nos, ou seja, implodimos.
No entanto, se pudermos ficar em contato com esta morte, alcançare-mos a última camada, a
camada explosiva. Perls sugere que a tomada de consciência deste nível constitui a emergência da
pessoa autêntica, do verdadeiro self, da pessoa capaz de experienciar e expressar suas emoções.
E Perls adverte:
"Agora, não se apavorem com a palavra explosão. A maior parte de vocês sabe dirigir um carro.
Existem milhares de explosões por minuto dentro do cilindro. Isto é diferente da violenta explosão do
catatônico: esta seria como a explosão num tanque de gasolina. Outra coisa, uma única explosão não
quer dizer nada. As assim chamadas quebras de couraça da teoria reichiana tem tão pouca utilidade
quanto o insight da psicanálise. As coisas ainda precisam ser trabalhadas."
Existem quatro tipos de explosões que o indivíduo pode experienciar ao emergir da camada da morte.
Existe a explosão em pesar, que envolve o trabalho com uma perda ou morte que não tinha sido
previamente assimilada. Existe a explosão em orgasmo em pessoas sexualmente bloqueadas. Existe
a explosão em raiva, quando sua expressão foi reprimida e, por fim, existe a explosão de alegria e
riso, alegria de viver.
A estrutura de nossos papéis é coesiva, pois destina-se a absorver e controlar a energia destas
explosões. A concepção errônea básica de que essa energia precisa ser controlada deriva de nosso
medo do vazio e do nada (terceira camada). Interpretamos a experiência de um vazio como sendo
um vazio estéril e não um vazio fecundo. Perls sugere que as filosofias orientais, a filosofia Zen em
particular, têm muito a nos ensinar a respeito da experiência do nada, positiva e geradora de vida, e a
respeito da importância de permitirmos a experiência do nada sem interrompê-la.
Em todas suas descrições de como um indivíduo se desenvolve, Perls mantém a idéia de que a
mudança não pode ser forçada e que o crescimento psicológico é um processo natural e espontâneo.
Dinâmica Patológica
Perls considera a fuga da conscientização e a conseqüente rigidez da percepção e do
comportamento como os maiores obstáculos ao crescimento psicológico. Os neuróticos (aqueles que
interrompem seu próprio crescimento) não podem ver claramente suas necessidades e tampouco
podem distinguir de forma apropriada entre eles e o resto do mundo. Em conseqüência, são
incapazes de encontrar e manter um equilíbrio adequado entre eles próprios e o resto do mundo. A
forma que este desequilíbrio geralmente toma é a pessoa sentir que os limites sociais e ambientais
penetram muito fundo dentro dela mesma; a neurose consiste em manobras defensivas destinadas
ao equilíbrio e proteção contra este mundo invasor.
Perls sugere que existem quatro mecanismos neuróticos básicos, ou distúrbios de limites capazes de
impedir o crescimento: introjeção, projeção, confluência e retroflexão. (Na estrutura em cinco
camadas da neurose, estes mecanismos de defesa operam basicamente na segunda e terceira
camadas).
Entre as teorias de Freud e de Perls alguns dos correlatos podem ser facilmente encontrados. Esses
pontos de congruência podem ser vistos: na Catexia de Freud, correspondendo à figura-fundo
de Perls; na libido de Freud, correspondendo à excitação básica de Perls; na associação livre de
Freud, correspondendo ao continuum de consciência de Perls; na consciência de Freud,
conscientização de Perls, no enfoque de Freud na resistência e o enfoque de Perls na fuga da
conscientização; na compulsão à repetição de Freud e as situações inacabadas de Perls; na
regressão de Freud, correspondendo ao retraimento do meio ambiente de Perls; no terapeuta que
permite e encoraja a transferência em Freud, e no terapeuta que é um "habilidoso frustrador"
emPerls; na configuração neurótica de defesa contra impulsos de Freud, e na formação rígida da
gestalten de Perls; na projeção transferencial de Freud e na projeção de Perls, e assim por dìante.
Introjeção
Introjeção ou "engolir tudo" é o mecanismo pelo qual os indivíduos incorporam padrões, atitudes e
modos de agir e pensar que não são deles próprios e que não assimilam ou digerem o suficiente para
torná-los seus. Um dos efeitos prejudiciais da introjeção é que os indivíduos introjetivos acham muito
difícil distinguir entre o que realmente sentem e o que os outros querem que eles sintam, ou
simplesmente o que os outros sentem. A introjeção também pode constituir uma força desintegradora
da personalidade, uma vez que quando os conceitos e as atitudes engolidos são incompatíveis uns
com os outros, os indivíduos introjetivos se tornarão divididos.
Projeção
Outro mecanismo neurótico é a projeção que, num certo sentido, é o oposto da introjeção. A projeção
é a tendência de responsabilizar os outros pelo que se origina no self. Envolve um repúdio de seus
próprios impulsos, desejos e comportamentos, colocando fora o que pertence ao self.
Perls chama a atenção para a distinção entre a projeção como processo patológico e a suposição
baseada na observação, que é normal e saudável. Na doença a pessoa seria governada pelas
projeções, falhando em reconhecê-las como hipóteses, perdendo os próprios limites e confundindo-se
em termos de identidade pessoal.
O conceito de projeção enquanto uma disfunção de contato do sujeito com o objeto, tem sido motivo
de estudos aprofundados por parte dos teóricos da Gestalt-terapia, desde que Perls a definiu como
sendo uma tendência para se desapropriar dos próprios impulsos, uma inclinação em negar e não
aceitar as partes da nossa personalidade que consideramos difíceis, ofensivas ou sem atrativos. Com
a Projeção esperamos nos livrar de aspectos intoleráveis do self (de nós mesmos) e de nossos
conflitos íntimos. A pessoa que projeta não pode aceitar seus sentimentos e ações e por isso os
atribui a uma outra pessoa e aí, então, pode reconhecê-los e até criticá-los.
O trabalho do terapeuta é ajudar a pessoa a recuperar pedaços de sua própria identidade, pedaços
estes que se encontram projetados muito outros.
Confluência
O terceiro mecanismo neurótico é a Confluência. Na confluência, os indivíduos não experienciam
nenhum limite entre eles mesmos e o meio ambiente. A confluência torna impossível um ritmo
saudável de contato e de fuga, visto que tanto o primeiro quanto o segundo pressupõem um outro.
Este mecanismo também impossibilita a tolerância das diferenças entre as pessoas, uma vez que os
indivíduos que experienciam a confluência não podem aceitar um senso de limites e, portanto, a
diferenciação entre si mesmo e as outras pessoas.
Retroflexão
O quarto mecanismo neurótico é a retroflexão, que significa voltar-se de forma ríspida contra. As
pessoa retroflexoras voltam-se contra si mesmas e, ao invés de dirigir suas energias para mudança e
manipulação de seu ambiente, dirigem essas energias para si próprios. Dividem-se e tornam-se
sujeito e objeto de todas suas ações e passam a ser o alvo de seu comportamento.
Perls diz que todos estes quatro mecanismos raramente agem isolados um do outro, embora as
pessoas tendem a equilibrar suas tendências neuróticas entre esses mecanismos em variadas
proporções. A função crucial desses mecanismos é preencher a confusão do neurótico na
discriminação de limites. Dada esta confusão de limites, o bem-estar de um indivíduo, ou seja, sua
capacidade de ser auto-apoiado e auto-regulado, estaria seriamente limitado.
A visão de Perls destes quatro mecanismos é básica na maior parte de sua abordagem
psicoterapêutica. Ele considerava a Introjeção como sendo central na luta entre o dominador e o
dominado. O dominador se manifesta por um pacote de padrões e atitudes introjetados e, segundo
Perls, enquanto o dominador (ou o Superego, de acordo com Freud) permanece introjetado e não
assimilado, as exigências expressas pelo dominador continuarão a ser irracionais e impostas a partir
de fora.
Perls sugeria que a Projeção é crucial na formação e compreensão de sonhos. Sob seu ponto de
vista, todas as partes de um sonho são projetadas, fragmentos desapropriados de nós mesmos. Todo
sonho contém pelo menos uma situação inacabada que envolve estas partes projetadas. Trabalhar
com o sonho é recuperar tais partes e, portanto, completar a Gestalt inacabada.
Corpo
Perls considera a cisão mente-corpo da maioria das psicologias como arbitrária e falaciosa. A
atividade mental é simplesmente uma atividade que funciona em nível menos intenso que a atividade
física. Assim, nossos corpos são manifestações diretas de quem somos e pela simples observação
de nossos comportamentos físicos, tipo postura, respiração, movimentos, etc., podemos aprender
muito sobre nós mesmos.
Relacionamento Social
Perls considera o indivíduo como participante de um campo do qual ele é, embora diferenciado,
também inseparável. As funções de contato e fuga são cruciais na determinação da existência de um
indivíduo e esse aspecto de contato e fuga do meio ambiente inclui o relacionamento com outras
pessoas. Na verdade, o sentido de pertencer a um grupo, segundo Perls, é o nosso principal impulso
de sobrevivência psicológica. A neurose resulta da rigidez na definição do limite de contato em
relação às outras pessoas e de uma inabilidade em encontrar e manter o equilíbrio com eles.
Vontade
Perls acentua muito a importância da pessoa estar consciente de suas preferências e ser capaz de
agir sobre elas. O conhecimento de suas próprias preferências leva ao conhecimento de suas
necessidades; a emergência da necessidade dominante é experienciada como preferência pelo que
satisfará a necessidade.
A discussão de Perls sobre preferência está muito próxima do que se chama de vontade. Ao usar o
termo "preferência", Perls está enfatizando a qualidade natural e organísmica da vontade saudável. O
"querer" é simplesmente uma das várias atividades mentais; acarreta a limitação de consciência a
certas áreas específicas a fim de completar um conjunto de ações dirigidas para a satisfação de
algumas necessidades determinadas.
Emoções
Perls considera a emoção como a força que fornece energia a toda ação. Emoções são a expressão
de nossa excitação básica, as vias e modos de expressar nossas escolhas, assim como de satisfazer
nossas necessidades. A emoção se diferencia de acordo com situações variadas, como por exemplo,
pelas glândulas suprarenais em raiva e medo ou pelas glândulas sexuais em libido. A excitação
emocional mobiliza o sistema muscular. Se a expressão muscular da emoção for bloqueada,
criaremos a ansiedade, que é a contenção da excitação. Uma vez ansiosos, tentamos dessensibilizar
nossos sistemas sensoriais a fim de reduzir a excitação criada; é nesse ponto que sintomas como
frigidez, se desenvolvem. Essa dessensibilização emocional é a raiz da fuga da conscientização que
Perls considera básica na neurose.
Intelecto
Perls acreditava que o intelecto foi supervalorizado e superutilizado em nossa sociedade, em
particular nas tentativas de compreender a natureza humana. Acreditava profundamente no que
chamava de sabedoria do organismo, porém via esta sabedoria como sendo um tipo de intuição
baseada mais na emoção que no intelecto, e mais em sistemas naturais do que em conceituais.
Perls freqüentemente afirmava que o intelecto foi reduzido a um mecanismo de computação usado
para tomar parte numa série de jogos de encaixe. A preocupação em perguntar por que as coisas
acontecem impede as pessoas de experienciarem como elas acontecem, assim sendo, a consciência
emocional genuína é bloqueada em função do fornecimento de explicações. Explicar, de acordo com
Perls, é propriedade do intelecto e constitui muito menos que compreender.
Perls ridiculariza expressões do intelecto, como a produção verbal, por exemplo. Achava esses
elementos particularmente supervalorizados em nossa cultura. Ele sugeria existirem três níveis em tal
produção: cocô-de-galinha (bate-papo social), cocô-de-boi (desculpas ou racionalizações) e cocô-de-
elefante (teorizar, especialmente de modo filosófico e psicológico).
Self
Perls não tinha nenhum interesse em enaltecer o conceito de self a fim de incluir qualquer coisa além
do cotidiano, manifestações óbvias de quem nós somos. Somos quem somos. Maturidade e saúde
psicológica envolvem o sermos capazes de proclamar isto, ao invés de sermos tomados pelo
sentimento de que somos quem deveríamos ser ou quem gostaríamos de ser. Nossos limites estão
constantemente mudando na interação com nossos ambientes. Podemos, dado um certo nível de
consciência, confiar em nossa sabedoria organísmica para definir estes limites e dirigir o ritmo de
contato e fuga em relação ao meio ambiente.
A noção de "self ou "eu", para Perls, não é estática e objetivável. O "eu" é simplesmente um símbolo
para uma função de identificação. O "eu" identifica-se com qualquer que seja a experiência
emergente da figura em primeiro plano; todos os aspectos do organismo saudável (sensorial, motor,
psicológico e assim por diante) identificam-se temporariamente com a gestalt emergente, e a
experiência do "eu" é essa totalidade de identificações. Função e estrutura, como já vimos antes, são
idênticas.
Terapeuta
Perls sugere que o terapeuta é, basicamente, uma tela de projeção na qual o paciente vê seu próprio
potencial ausente; a tarefa da terapia é a recuperação deste potencial do paciente. 0 terapeuta é
sobretudo um habilidoso frustrador. Embora dê satisfação ao paciente dando-lhe atenção e
aceitação, o terapeuta frustra-o recusando-se a dar-lhe o apoio de que carece.
O terapeuta age como um catalisador que ajuda o paciente a passar pelos pontos da "fuga" e do
impasse; o principal instrumento catalisador do terapeuta consiste em ajudar o paciente a perceber
como ele ou ela constantemente se interrompe, evita a conscientização, desempenha papéis e assim
por diante. (As projeções que estão envolvidas na relação do paciente com o terapeuta fornecem um
aspecto bastante significativo da fuga daquele, mas, como mencionamos anteriormente, outros
aspectos além dos elementos transferenciais da relação paciente-terapeuta também são
considerados importantes.).
Finalmente, o terapeuta é humano e seu encontro com o paciente envolve o encontro de dois
indivíduos, o que inclui mas também vai além do encontro definido de papéis terapeuta-paciente.
Perls acreditava que a terapia individual era obsoleta, tanto ineficiente quanto via de regra ineficaz.
Sugeria que o trabalho em grupos tinha muito mais a oferecer, quer o trabalho envolva explicitamente
o grupo inteiro, quer assuma a forma de uma interação entre o terapeuta e um indivíduo dentro do
grupo. Sugeria que o grupo pode ser extremamente valioso ao fornecer uma situação de mundo
microcósmica na qual as pessoas podem explorar suas atitudes e comportamentos uns em relação
aos outros. O apoio do grupo na "emergência segura" da situação terapêutica também pode ser
bastante útil ao indivíduo, assim como a identificação com os conflitos de outros membros e sua
resolução dos mesmos.
Referência
Ballone GJ - Friederich Perls, in. PsiqWeb, internet, disponível emwww.psiqweb.med.br, revisto em
2005