Fugas-2015_05_16

download Fugas-2015_05_16

of 40

description

Dicas para aproveitar os dias de descanso.

Transcript of Fugas-2015_05_16

  • 523eff3c-1501-47be-8769-e6b0215643de

    El Roco Algarve Casa Dona Maria Luza Casa Ideal Celerio

    Jardins de Portugal

    As mais belas

    paisagens verdes

    ENR

    IC V

    IVES

    -RU

    BIO

    EST

    E SU

    PLEM

    ENTO

    FA

    Z PA

    RTE

    INTE

    GRA

    NTE

    DA

    ED

    IO

    N

    9162

    DO

    P

    BLIC

    O, E

    NO

    PO

    DE

    SER

    VEN

    DID

    O S

    EPA

    RAD

    AM

    ENTE

    FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015

  • THE CARRERA 100/S

    a estrada fora do mapa.

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 3

    O gato das botasMiguel Esteves Cardoso

    Toda a vida associei as sandlias Birkenstock a hippies alems mal vestidos e lavados, arrastando os ps pelos caminhos poeirentos para as praias da Zambujeira do Mar.

    Depois, de repente, caram na moda. Rebecca Mead, na New Yorker de 23 de Maro deste ano, escreveu quase 20 pginas sobre os bikoques. Est disponvel online grtis e vale a pena ler.

    Mais recentemente, com data de 11 de Maio, Ellen Emmerentze Jervell, no Wall Street Journal, fez a mesma peregrinao sede da Birkenstock em Neustadt, perto de Bona. Entrevistou Manolo Blahnik, que diz que acha que as Birkas so giras e que comeou a us-las h pouco tempo.

    Jervell tambm descobre fashionistas cpticos que acham que outros fashionistas criaram a moda s para poderem andar confortavelmente calados.

    Seja como for, uma coisa certa: os bikoques so to confortveis como andar descalo. Para pessoas que no tm ps perfeitos (eu, por exemplo, tenho os ps um pouco chatos, como estes artigos sobre calado), os bikoques doem durante os primeiros trs a sete dias. So as camas das sandlias que se esto a moldar planta dos ps.

    Vale a pena sofrer esses primeiros dias para ter umas sandlias feitas sua medida. Quanto mais tempo passa mais incrivelmente confortveis cam. Eu s comecei a usar bikoques em Abril e j no passo sem eles. Tenho tambm um par de sapatos Birkenstock para as alturas em que no convm andar de sandlias.

    O segredo de todo o calado da Birkenstock est na cama, feita com uma mistura de cortia portuguesa e ltex. Essa cama

    sempre a mesma, esteja a comprar sandlias de praia ou botas de deserto.

    parte as sandlias Papilio, que so feitas em Espanha, todos os bikoques so feitos na Alemanha. Sempre foi assim e sempre assim ser.

    A Birkenstock comeou a fazer sapatos em 1754, um ano antes do terremoto de Lisboa. Mas foi s nos anos 60 do sculo XX que comeou a fazer sandlias.

    Outra velha tradio, que mantm, de reparar quaisquer bikoques, por muito velhos que sejam. Ningum quer trocar as camas moldadinhas aos ps que tantos anos levaram a aperfeioar. Por isso trocam apenas as solas. Duas solas custam 24,90 euros.

    No caso extremo de desfazerem

    tambm as camas (bases), duas bases e duas solas cam por 40 euros. Duas velas custam 1,90 euros e por a fora. sempre possvel reconstituir os bikoques. No caso de sandlias de pele, por exemplo, a pele vai melhorando ao longo dos anos e ningum quer ter de comprar sandlias novas e submeter-se aos rigores da rodagem.

    H trs conceitos ocidentais de calado: o ingls, o americano e o alemo. O ingls recomenda fazer os sapatos medida. a melhor soluo, sendo a Lobb o melhor sapateiro de todos. Cada par pode durar uma vida inteira mas custa 4000 euros.

    O conceito americano que o conforto uma questo almofadada: os sapatos de treino

    O segredo de todo o calado da Birkenstock est na cama, feita com uma mistura de cortia portuguesa e ltex. Essa cama sempre a mesma, esteja a comprar sandlias de praia ou botas de deserto

    FICHA TCNICA Di rec o Brbara Reis Edio Sandra Silva Costa e Lus J. Santos (Online) Edio fotogrfica Miguel Madeira e Manuel Roberto (adjunto) Design Mark Porter, Simon Esterson Directora de Arte Snia Matos Designers Daniela Graa, Joana Lima e Jos Soares Infografia Ctia Mendona, Clia Rodrigues, Joaquim Guerreiro e Jos Alves Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Praa Coronel Pacheco, 2, 4050-453 Porto. Tel.: 226151000. E-mail: fugas@pu bli co.pt . fugas.publico.pt Fugas n. 782

    Bikoques sem berloques: olha s para as minhas sandalinhas mas no me toques

    JO

    O H

    ENRI

    QU

    ES

    so a expresso ubqua dessa crena.

    Finalmente, o conceito alemo era o sapato saudvel, ortopdico mas ligeiramente desconfortvel. maneira dos remdios com mau sabor, preciso sofrer-se um pouco para se ser saudvel. O que a Birkenstock fez foi arranjar uma maneira de fazer sandlias e sapatos que eram ao mesmo tempo saudveis (para os ps e para a coluna) e confortveis.

    Em 2013 a empresa contratou, pela primeira vez na histria, um director de design, Rudy Haslbeck. O resultado que agora h bikoques que no so feios de todo. A senhora Esteves Cardoso, por exemplo, que fez o favor de me acompanhar loja da Birkenstock na Terrugem, saiu de l com quatro

    lindas sandlias, com as quais enfrentar o Vero de 2015.

    As voltas que o mundo d!

    Nota: O representante da Birkenstock em Portugal a Step In. Fica na estrada que vai da Terrugem para as Odrinhas, em Sintra. Cuidado que s est aberta das 10h s 13h e das 15h s 18h, de segunda a sexta-feira. O telefone 219 234 239. At ao fi m de Maio h uma promoo aliciante: descontam 10% no primeiro par, 20% no segundo, 30% no terceiro, 40% no quarto e 50% a partir do quinto. Os preos, antes dos descontos, variam entre os 60 e os 80 euros. Levando um ou dois amigos arranja-se maneira de custarem, espectacularmente, entre 30 e 40 euros...

  • 4 | FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015

    H um Portugal de jardins por descobrir. H dois meses, a Phaidon Press editou The Gardeners Garden e, entre 250 espaos verdes a visitar em todo mundo, elegeu cinco portugueses. Ns quisemos ir mais longe. Aproveitmos a boleia da Phaidon, certo, mas juntmos-lhe mais duas o Festival Internacional de Jardins e o 9. Congresso Ibero--Americano de Parques e Jardins Pblicos, que acontecem no fi m deste ms, em Ponte de Lima e fomos procura das mais belas paisagens verdes do pas. Abel Coentro

    CapaJardins

    preciso dar tempo ao verde

    H um Portugal de jardins por descobrir: por portugueses, a quem falta a hor-ticultura que impregna a maneira de ser dos anglo-saxnicos, por exemplo; mas mesmo por estes e outros turistas estrangeiros. H j circuitos a fugir aos espaos urbanos da moda e a procurar essas ilhas, ora de inspirao mais formal, ora de traa mais romntica, mas quem vive e trabalha entre algumas das mais belas reas verdes do nosso pas percebe que este, o tal jardim da Europa beira-mar plantado, uma frase feita que chegou at ns de Toms Ribeiro, no sculo XIX, mas ainda no entrou nos circuitos

    mundiais que arrastam milhares de pessoas por esse mundo fora.

    H dois meses, a propsito da pu-blicao, pela prestigiada Phaidon Press, de um imenso livro com qui-los de paisagens de 250 jardins a no perder em todo o mundo, xmo-nos um pouco nos cinco espaos que, em Portugal, tiveram direito a esse panteo de vida pujante, es-colhido por gente to importante como Madison Cox, norte-ameri-cano que tem assinado jardins para gente famosa. Em conversa com al-guns paisagistas sobre este hall of fame dos jardins, o The Gardeners Garden, percebemos como nesta aleatoriedade do gosto pessoal o

    roteiro da Phaidon acertara nas escolhas portuguesas Serralves no Porto, Quinta da Regaleira, em Sintra, Palcio dos Marqueses de Fronteira, em Lisboa, Parque Ter-ra Nostra, nas Furnas, e Quinta do Palheiro, no Funchal. Mas falhara tambm. Simplesmente porque cin-co pouco.

    pegar numa obra como Jardins de Portugal, de Cristina Castel Bran-co (edio CTT), e ver como o pas est cheio de jardins de excelente desenho, impregnados de histria, seja ela de sculos, como acontece no Mosteiro de Tibes, fundado nos idos da Reconquista, ou de poucas dcadas, como o caso dos magn -

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 5

    cos, e classi cados tambm, Jardins da Fundao Calouste Gulbenkian. E estes so apenas dois exemplos de cinco lugares que a Fugas decidiu (re)visitar fomos ainda ao parque das termas de Pedras Salgadas, Quinta da Aveleda e ao parque de Monserrate para olhar para eles sob o prisma do seu patrimnio ve-getal, acrescentando cinco escolhas nossas s escolhas da Phaidon.

    So, obviamente, opes contes-tveis. Porque um pas que, s para lembrar outros cinco, tem jardins como os do Palcio da Brejoeira, em Mono, o do Solar de Mateus, em Vila Real, o do Pao Episcopal de Castelo Branco, a Quinta das Lgri-mas, de Coimbra, ou o do Convento dos Capuchos porventura um dos lugares menos conhecidos da exu-berante paisagem cultural de Sintra, toda ela senhora para um circuito s no pode satisfazer-se com to pouco. Por aqui, continuando em mltiplos de cinco, h bem mais de uma centena de espaos a merecer uma visita demorada.

    Um jardim uma questo de persistncia. Raramente os seus iniciadores vem como ele car, na fase mais pujante da vida das suas plantas. um trabalho de ge-raes, que se cruza com a histria

    esquerda, o jardim de Serralves, no Porto, que conta mais de quatro mil rvores, de 200 espcies e variedades; direita, o Palcio dos Marqueses de Fronteira, que reproduz a essncia portuguesa dos sculos XVII e XVIII

    das pessoas que o moldam. E mol-dar a cultura de um povo, para o fazer apreciar este seu patrimnio verde, demora tambm. Em Ponte de Lima, h mais de uma dcada que, persistentemente, se organiza o Festival Internacional de Jardins, que este ano, ao abrir, no nal de Maio, coincidir com a realizao, no concelho, do primeiro congresso da World Urban Parks e do 9. Con-gresso Ibero-Americano de Parques e Jardins Pblicos. Ser uma opor-tunidade para Portugal se mostrar a um mundo de especialistas nesta rea e a partir da, quem sabe, cair nas boas graas do comum aprecia-dor de jardins. Que talvez no saiba o que anda a perder.

    SerralvesUma ilha na cidade

    No estranhemos o facto de Serral-ves estar entre os 250 jardins que a Phaidon Press inclui numa das suas mais recentes, e enorme, pu-blicao. O peso do autor do pro-jecto paisagstico encomendado pelo segundo Conde de Vizela enorme na histria da arquitectura paisagstica. Jacques Grber, fran-cs com trabalho conhecido no seu

    pas em vrias cidades da Amrica do Norte desenhou, em 1932, os espaos verdes em volta da Casa de Serralves. Hoje integrada numa fundao e associada ao Museu de Arte Contempornea, edifcio com a assinatura de outro gigante mundial da arquitectura, Siza Vieira.

    Se os nomes pesam, o seu legado no pesa menos, e olhando para o espao, com a ajuda do director do parque, Joo Almeida, percebe-se o que nele atrai tantas dezenas de milhares de pessoas, anualmen-te. Desde logo, nesta quinta de 18 hectares em plena cidade do Porto h trs reas claramente de nidas, a primeira mais prxima da casa, com a alameda de liquidmbares, aqui colocados graas s suas rubras cores outonais, pela experincia americana de Grber, concerteza, o parterre lateral de um lado, o jar-dim das to portuenses japoneiras do outro, e o parterre frontal. Des-te, vrios patamares em saibro de cor salmo descem em direco a duas tuias douradas que hoje, com as suas dimenses generosas, criam algum segredo sobre o que vem a seguir.

    E a seguir outro o ambiente em torno do lago, com um bosque denso e caminhos circulares,

    PAU

    LO P

    IMEN

    TA

    DA

    NIE

    L RO

    CH

    A

  • 6 | FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015

    CapaJardins

    rvores imponentes, algumas delas assumidamente notveis, como um pinheiro manso de um tamanho des-comunal, claramente de quem quer, daqui, espreitar o mar, e que com outras faz parte de um roteiro pr-prio, para amantes de to porten-tosos exemplares da ora mundial. Nesta rea intermdia, h ainda algo de um ambiente romntico, embora pouco assumido, perceptvel no em-pedrado ou num banco revestido a azulejos, sombra de um ulmeiro. Espcie de arqueologia, exposta, do que Grber ali encontrou quando chegou ento chamada Quinta do Lordelo.

    preciso descer ainda mais para, naquela que se chamou outrora a Quinta do Mata-Sete, descobrirmos j no um jardim, mas uma rea agrcola, dominada pelo prado onde hoje, para educao das crianas, ainda temos animais vrios a pastar, protegidas por um denso arvoredo que circunda toda a propriedade, e que naquela zona mais baixa deixa apenas ver, com destaque, uma torre com projecto de Souto de Moura na Avenida da Boavista, uma daquelas obras que, se fosse rvore, poderia bem ser considerada notvel.

    Com as suas mais de quatro mil r-vores, de 200 espcies e variedades, o que tem Serralves de especial talvez seja precisamente essa capacidade de ser o que um jardim deve ser: ilha de sossego, de beleza, de biodiver-sidade num meio inspito como o urbano. Ainda que esta parte do Porto esteja pejada de casas com pequenos jardins, um parque com estas dimenses e estas caractersti-cas, a que se acrescentou entretanto o museu e um conjunto de esculturas contemporneas, um patrimnio que qualquer cidade decente inve-jaria, que o Porto soube preservar e que est, no caso, ao alcance de quem, simplesmente, tenha tempo para usufruir dele. Abel Coentro

    Parque de SerralvesRua D. Joo de Castro, 2104150-417 Porto Tel.: 226 156 500Horrio: Segundas das 10h s 19h, entre Julho e Setembro; de tera a sexta, das 10h s 19 horas; sbados, domingos e feriados, das 10h s 20h. Encerra s segundas, entre Abril e Junho.www.serralves.pt.

    Palcio dos Marqueses de FronteiraUma aula de Histria

    No importa que para l dos mu-ros esteja a selva de beto e que do lado de c no quemos a salvo do barulho dos comboios que passam a escassas centenas de metros. Enquanto passeamos por entre ar-bustos, repuxos, esttuas de seres mitolgicos e rvores centenrias deixamo-nos viajar no tempo. E aqui o tempo longo.

    O Jardim do Palcio dos Marque-ses de Fronteira, situado numa en-costa do Parque Florestal de Mon-santo, na franja da urbe lisboeta, uma autntica aula de Histria ao ar livre. Juntamente com a casa, o es-pao de 5,5 hectares que no tem um mas sim dois jardins, uma mata e uma horta reproduz a essncia portuguesa dos sculos XVII e XVIII em elementos to singulares como painis de azulejos que retratam, por exemplo, as diferenas entre as classes sociais, as tarefas agrcolas para cada ms do ano ou o que en-to se sabia sobre os astros.

    Mandada construir por volta de 1670 por Dom Joo de Mascarenhas, primeiro Marqus de Fronteira, a quinta comeou por ser um ref-gio de frias e um pavilho de caa mas foi transformada em residncia permanente para a famlia, depois de o terramoto de 1755 ter destrudo a casa que tinham na Baixa. Desde ento pouco mudou.

    Tentmos preservar a identida-de do espao e queremos que os visitantes recordem a experincia, mais do que a beleza dos jardins, resume Filipe dos Santos, secret-rio-geral da Fundao das Casas de Fronteira e Alorna, criada em 1989 para gerir o palcio e o jardim, re-centemente eleito um dos 250 mais belos do mundo pelos autores do The Gardeners Garden.

    No dia a seguir publicao da notcia, o telefone tocou mais, ad-mite Filipe dos Santos. A ideia, po-rm, no ter multides de turistas porta a localizao afastada do centro ajuda.

    Tanto a casa parcialmente vi-sitvel e ainda habitada por Dom Jos Maria Mascarenhas (primo do marqus Fernando Mascarenhas, que morreu em Novembro) como

    ENRI

    C V

    IVES

    -RU

    BIO

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 7

    o jardim so um hino Restaura-o da Independncia de Portugal, pela qual o aristocrata lutou ao lado de D. Pedro II, conta o an trio. Isso explica a ausncia dos trs Filipes espanhis na Galeria dos Reis, um corredor forrado a azulejos onde esto os bustos em mrmore dos reis portugueses, at D. Joo VI.

    A galeria, perpendicular ao pa-lcio, possui dois grandes torrees em cada ponta acessveis atravs de escadarias imponentes que des-viam a ateno do Jardim Formal, ou Jardim Grande: um parterre de buxos de formas geomtricas, arrumados em quadrados pontu-ados por roseiras. Parecem tape-tes estendidos aos ps da fachada principal da casa. A guard-los, 12 esttuas de chumbo erguem-se so-bre pedestais de pedra.

    Entre a galeria e o jardim existe um grande lago, onde se passeiam patos e carpas, limitado por uma pa-rede azulejada com imagens de 12 cavaleiros sobre os seus cavalos e recortada por trs pequenas grutas, onde um cisne solitrio esconde as mgoas da viuvez recente.

    No patamar superior, esquer-da do palcio, refrescamo-nos

    sombra das frondosas magnlias, estrelcias, jacarands e a enorme araucria do Jardim de Vnus. A es-ttua da deusa grega, acompanhada por um gol nho e tartarugas, sim-boliza o feminino, por oposio ao ambiente msculo do jardim de baixo.

    Num dos cantos, ao fundo de um pequeno lago em forma de S, encontramos a jia do jardim: a Casa de Fresco, uma gruta romn-tica revestida de um embrechado de conchas, bzios, pedras, cacos de vidros e de loia entre eles porcelana do servio Ming. Reza a lenda que aps a inaugurao da casa, para a qual foi convidado o rei D. Pedro, se cumpriu o hbito de lanar a loia parede depois de a realeza a estrear.

    Nesta quinta de recreio, classi- cada em 1982 como Monumento Nacional, os visitantes sobretudo turistas, quase todos estrangeiros, e muitos estudantes podem de-morar-se a ler um livro, a conversar nos bancos de pedra ou at a dor-mitar ao sol e a ouvir os pssaros. Francisco dos Santos resume bem o esprito do jardim: um lugar de liberdade. Marisa Soares

    Palcio dos Marqueses de FronteiraRua So Domingos de Benfica, 1, LisboaTel.: 217782023 (ligar para visitas de grupo com mais de 10 pessoas)Visitas de segunda a sbado: 7 euros para o jardim e o palcio (com guia), 3 euros s o jardim. De Junho a Setembro: s 10h30; s 11h; s 11h30 e s 12h; Outubro a Maio: s 11h e s 12h.O autocarro 770 da Carris pra porta. A estao de metro mais prxima a do Jardim Zoolgico, que fica a um quilmetro, e preciso atravessar a ponte pedonal sobre a linha ferroviria e a Radial de Benfica.

    Quinta da RegaleiraPreparado para morrer e renascer?

    Fetos arbreos, carvalhos, casta-nheiros, camlias. No faltam tons de verde ao cenrio misterioso da Quinta da Regaleira, em Sintra. No entanto, mais do que a paisagem natural, o que prende o olhar dos

    visitantes so os vrios recantos simblicos, criados pelo arquitecto Luigi Manini a pedido de Carvalho Monteiro. um jardim conceptual. O tema a iniciao, explica o guia Rui Felizardo.

    uma obra excntrica de Car-valho Monteiro, que comprou a quinta hoje propriedade da Cma-ra Municipal de Sintra, gerida pela Fundao Cultursintra em 1893 e a transformou. Apesar de ter como tema a iniciao, Felizardo garante que redutora a ligao exclusiva que se faz sempre entre o espao e a Maonaria.

    No tem que ver com nenhuma religio ou sociedade secreta em concreto, mas com todas. H a ten-dncia para se dizer que Regaleira

    igual a Maonaria, mas o baptismo tambm um ritual inicitico. Claro que tambm ter uma interpretao manica. A maonaria um reposi-trio de vrias tradies , ressalva o guia, frisando que no se sabe ao certo se o proprietrio foi ou no membro da organizao. A orien-tao de vrios locais emblemticos da quinta ser, alis, segundo diz, um dos poucos smbolos exclusi-vamente manicos da Regaleira: Vrios stios esto virados a Orien-te.

    Mas tudo naquele espao uma interpretao, vai explicando Rui Felizardo: Ningum falou com o proprietrio, o nico documento que deixou foi a quinta. Do que se sabe sobre Carvalho Mon-

    PAU

    LO P

    IMEN

    TA

    Na pgina ao lado, a Quinta da Regaleira, em Sintra; em baixo, nova perspectiva de Serralves, aqui com o edifcio do Museu de Arte Contempornea projectado por Siza Vieira

    MUSEU DO ORIENTE

    UM DIA NA TERRA

    www.museudooriente.pt

    14 MAIO | 7 JUNHO

    seguradora oficialmecenas principal

    Fotografias do quotidiano do planeta,de Gonalo Cadilhe

  • 8 | FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015

    CapaJardins

    teiro, destaca-se no s a fortuna que tinha, como o facto de ter sido monrquico, conhecedor profundo d Os Lusadas, obra que saberia de cor, para alm de ter grandes colec-es de livros, borboletas, conchas e relgios.

    Comeamos a visita no chamado patamar dos deuses, com nove guras da mitologia grega e roma-na: O nove simboliza o nal de um ciclo e o incio de outro. A iniciao isso, implica sempre a morte e o renascimento, diz Rui Felizardo, estabelecendo um paralelismo com os nove meses de gestao.

    O jardim uma viagem inte-rior, de autoconhecimento, entre a matria e o divino que nos leva de regresso ao incio, origem. O cenrio, ilustra o guia, tem drama, atmosfera, iluso. H caminhos es-treitos que nos convidam a andar e perdermo-nos sozinhos. Na Gruta do Labirinto, por exemplo, h um jogo entre sombras e luz, que nos desa a a olharmos para dentro de ns.

    Em frente Fonte da Regaleira, ou da Abundncia, existe um banco em semicrculo com um trono no meio e uma mesa que parece um altar. O local sugere um tipo de reunies que vir das ordens monsticas e um lugar de admisso de um novo candidato.

    Deve visitar-se ainda o poo imper-feito, propositadamente inacabado. As escadas no vo dar a lado algum, o que sugere que, para chegar aos cus, o ser humano deve, em vez de subir, descer ao seu interior, explica Rui Felizardo. O corao da quinta que teve no ano passado cerca de 400 mil visitantes , porm, o poo inicitico, para o qual se entra atra-vs de uma porta giratria de pedra. Tudo o que o guia foi descrevendo est ali simbolizado: descer ao in-terior da terra, de ns. A sada do poo, que tem 139 degraus, feita em direco luz e gua. Caminha-se sobre pedras, em cima da gua: o renascer. Maria Joo Lopes

    Quinta da Regaleira2710-567 SintraTel.: 219 106 656; reservas: 219 106 [email protected] Quinta da Regaleira tem vrias modalidades de visita. A visita, sem guia e de mapa na mo, gratuita apenas para crianas

    at aos oito anos. A partir da, os preos oscilam entre os trs e os 18 euros. H ainda as visitas guiadas, que tambm tm diferentes modalidades podem ser gerais, especializadas, temticas, havendo ainda diferentes pacotes. Tm horrios especficos, nmero mnimo e mximo de participantes e preos diferentes (podem ir de cinco euros at 100). A quinta tem uma programao cultural que inclui, por exemplo, espectculos noite. Se no quiser ir de carro, pode optar pelo comboio para chegar a Sintra. www.regaleira.pt

    Parque Terra NostraUm ex-lbris em So Miguel

    Tem mais de 200 anos e um dos ex-lbris de So Miguel, visita indis-pensvel na maioria dos roteiros tu-rsticos pela ilha aoriana. Foi criado por volta de 1775, quando Thomas Hickling, um abastado comerciante que tinha sido cnsul dos Estados Unidos naquela ilha, comprou uma pequena propriedade com pouco mais de dois hectares, onde cons-truiu uma casa de madeira e, de-fronte, um tanque de gua rodeado de rvores. Hoje, ainda possvel observar um carvalho ingls que ter sido plantado por Hickling e tomar banho no tanque com uma ilha no meio, entretanto transfor-mado numa larga piscina de gua frrea, quente e opaca.

    O edifcio, conhecido por Yankee Hall, foi substitudo pela actual Casa do Parque em 1854, oito anos depois de ter sido comprado pelo Visconde da Praia, que aumentou os jardins com cursos de gua, lagos, alamedas sombrias, tabuleiros de ores e esp-cies exticas. Em 1935, o grupo Ben-saude inaugurava o Hotel Terra Nos-tra e, pouco depois, adquiria o jardim adjacente, recuperando-o e expan-dindo-o para os actuais 12,5 hectares.

    A entrada no jardim faz-se precisa-mente pelo hotel (restaurado h trs anos). Ultrapassamos o lobby, cru-zamos uma ponte de pedra (onde por baixo nascem vigorosos inha-mes) e, uns degraus depois, surge o tanque de gua termal acastanhada, que pode jorrar a 40C, enquadrado pelo altaneiro edifcio de fachada

    branca. atrs da Casa do Parque que se estende depois o intrincado jardim, por entre caminhos serpen-teantes, grutas e recantos escondi-dos. H metrosideros e araucrias centenrias, compridos carvalhos, lamos, sequias, ginkos, palmeiras, bambus e ores de mil cores, entre hortnsias, rododendros, azleas, clvias e outras. Nos lagos, nadam patos serenos, no alto dos troncos h casas para morcegos e por todo o lado esvoaam pssaros, borboletas e insectos.

    Parque Terra NostraRua Padre Jos Jacinto Botelho, 5, Furnas So Miguel, AoresTel.: 296 549 090O jardim est aberto todos os dias das 10h s 19h (exceptuando o perodo entre 1 de Fevereiro e 31 de Maro, durante o qual encerra s 17h30). A entrada custa 5 por adulto e 2,50 por criana, sendo grtis para os hspedes do adjacente Terra Nostra Garden Hotel ou com 20% de desconto

    O jardim uma viagem interior entre a matria e o divino que nos leva de regresso ao incio, origem

    Ao longo do parque, vo-se en-contrando zonas temticas, como o Jardim da Flora Endmica e Nativa dos Aores (onde esto reunidas v-rias espcies nativas de So Miguel) e coleces de plantas, entre as quais se destaca o vale das cycas (asse-melham-se a pequenas palmeiras) com 85 exemplares, algumas raras e consideradas fsseis vivos vegetais, protegidas por gaiolas de arame e o Jardim das Camlias com mais de 600 plantas de diferentes espcies e cultivares. Mara Gonalves

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 9

    para quem fizer uma refeiono restaurante da unidade hoteleira. www.parqueterranostra.com

    Quinta do Palheiro FerreiroCenrio nico sobre o Funchal

    Uma jia da Madeira e uma raridade da Europa. assim que muitos classi- cam os jardins do Palheiro Ferreiro, j que sua extraordinria beleza e

    encanto juntam a particularidade de reunir um leque muito diversi cado de espcies botnicas oriundas dos quatro cantos do planeta e que ali orescem ao longo de todo o ano. As caractersticas de clima subtropical, com permanente calor e humidade, e a localizao da ilha, no meio do Atlntico, em muito contriburam para a consolidao deste paraso orido com 13 hectares.

    Inicialmente obra do primeiro Conde de Carvalhal (de seu nome Joo Jos Xavier de Carvalhal Esme-

    raldo de Vasconcelos de Atouguia Bettencourt S Machado), os jardins integram uma propriedade mais vas-ta, a Quinta do Palheiro Ferreiro, que passou depois para o domnio da fa-mlia Blandy e na qual se mantm desde nais do sculo XIX. Inicial-mente era uma estncia de caa, que o conde concebeu h 200 anos com uma imponente entrada para car-ruagens ladeada por 200 pltanos e a plantao de rvores exticas. Foi ele que deu origem invulgar coleco de camlias, algumas das quais podem ainda hoje ser admi-radas, mas foi graas ao carinho e dedicao de Milred Blandy e, ac-tualmente, Christina Blandy, que os jardins acabaram por ganhar a gran-diosidade e diversidade actuais.

    Com a sua implantao a mais de 500 metros de altura, num planalto a meio caminho entre o aeroporto e a cidade e vistas soberbas sobre o mar e a baa do Funchal, os jar-dins desenvolvem-se actualmente em vrias seces. Destaque para a coleco de camlias, Main Garden, Sunken Garden, Ribeiro do Inferno, Jardim da Senhora, a zona da Casa de Ch e o Roseiral, criado j em tempos recentes (2007) por Chris-tina Blandy.

    Plantas to dspares como impo-nentes araucrias, entre as quais a angustiflia, a rvore dos candela-bros do Brasil, enormes sequias da Califrnia, o cedro-prateado-do-Atlas ou a volumosa a rvore de Na-tal da Nova Zelndia, que convivem com espcies locais como o lourei-ro, pltanos, azinheiras pinheiros ou accias.

    profuso de cores, texturas e aromas juntam-se amplos relvados e at harmoniosos passeios em ca-lhau rolado que do corpo tpica e artstica calada madeirense. E se h zonas onde os geomtricos canteiros oridos so delimitados por sebes de buxo criteriosamente aparada, j na zona do Ribeiro do Inferno domina uma lgica mais in-formal onde se destaca a variedade de fetos arbreos e rododendros da regio dos Himalaias.

    Mais intimista e formal, o Jardim da Senhora tem uma esttica domi-nada pelos lagos com nenfares de formas irregulares e onde desper-tam particular ateno os canteiros de ores e os arbustos esculpidos com formas animalescas.

    Um cenrio nico, cuja diversi-dade e beleza tiveram consagrao em 2006 com a atribuio do pr-

    mio para o melhor jardim do mun-do atribudo pela cadeia Relais & Chteaux, que rene os mais distin-tos e requintados equipamentos em todo o planeta. No coisa pouca. Jos Augusto Moreira

    Quinta do Palheiro FerreiroCaminho da Quinta do Palheiro, 32So Gonalo, FunchalTel.: 291 793 044Os jardins so propriedade privada mas esto abertos a visitas todos os dias do ano, excepto 1 de Janeiro e 25 de Dezembro. Funciona das 9h s 17h30 com os seguintes preos. Adultos: 10,50; crianas: grtis; jovens (15-17anos): 4: Desconto de 10% para grupos (10 ou mais pessoas). Integram a Quinta do Palheiro Ferreiro, onde funciona o Hotel Casa Velha do Palheiro e um campo de golfe.A viagem desde o Funchal demora cerca de 15 minutos, havendo transportes pblicos com duas a trs partidas por hora, que saem do extremo leste da avenida marginal (Carreiras: 36, 36A, 37 e 47). www.palheirogardens.com.

    A piscina termal do Parque Terra Nostra, na ilha de So Miguel, s um dos elementos distintivos deste jardim monumental; por seu lado, o jardim da Quinta do Palheiro um lugar incontornvel na ilha da Madeira

    HO

    LGER

    LEU

    E/C

    ORB

    IS

    JO

    O S

    ILVA

  • CapaJardins

    Venham mais cinco

    TibesUm jardim beneditino

    No eram nada contidos, os mon-ges que outrora habitaram Tibes. O mosteiro fundado ainda no havia Portugal, e que em 1080 tomou a regra beneditina, foi, , um exemplo da importncia desta Ordem Religio-sa em Portugal, da qual o mosteiro de Braga chegou a ser, no sculo XVIII, casa-me. E essa pujana est longe de se ver apenas no revolteado barroco da sua igreja, na dimenso dos seus edifcios de apoio, para se notar na lonjura que, das suas jane-las, a paisagem alcana.

    So 40 hectares, de hortas, poma-res, jardins, mata, recuperados, em mau estado, para o Estado, em 1986, e que desde ento tm sido trata-dos pedras e plantas com um carinho tremendo por aqueles que ali vm trabalhando e por outros que se envolveram na defesa deste patrimnio nacional. E o resultado est vista, por muito que Maria Joo Costa, arquitecta paisagista que h 25 anos se envolveu no moroso trabalho de recuperao da cerca, se desculpe pelas imperfeies que vai detectando na visita guiada que nos fez.

    Tibes fruto do que os monges planearam, metodica e engenhosa-mente, para este espao. So deles a eira e o prado, os campos para o

    se prolongue a estadia e se explore, com uma calma de monge, este an-tigo cenbio transformado em lugar de fruio. Abel Coentro

    Mosteiro de So Martinho de TibesBraga, Mire de Tibes.Aberto de segunda-feira a domingo, das 9h30 s 18h.O mosteiro organiza e acolhe vrias actividades ao longo do ano. possvel realizar uma visita sem acompanhamento (de forma livre, com udio-guia ou atravs de QRcode) ou com o acompanhamento por um guia.www.mosteirodetibaes.org

    Quinta da AveledaVnia famlia Guedes

    Esqueam os vinhos e os queijos que lhes do fama. A Quinta da Aveleda, nos arrabaldes de Pena el, tudo isso, mas se ali fomos desta vez foi para tentar deixar isso em segundo plano e apreciar um tesouro guar-dado pela famlia Guedes h vrias geraes: um jardim romntico car-regado de histria, de rvores mag-n cas e plantas escolhidas a dedo pela beleza da sua orao.

    O problema, percebemos em dois dedos de conversa, que no pode-mos esquecer os vinhos. Na verdade,

    Para quem tem tudo o que h em Sintra, e botnicos como os de Lisboa, de Coimbra ou do Porto, santurios como os do Bom Jesus de Braga ou o de Nossa Senhora dos Remdios, parques termais reabilitados, palcios e solares de Norte a Sul, eleger cinco jardins portugueses muito pouco. Fiquemos pelo menos com uma dezena de exemplos, acrescentando cinco casos notveis aos notveis cinco que mereceram a to importante ateno da Phaidon

    milho, os socalcos para os pomares e os caminhos entrecortando tudo isto, que bem podiam ser para se chegar ao trabalho, como pode-riam tambm servir os propsitos espirituais da meditao. Para isso empenharam-se em semear fontes, concentrando, na beleza da pedra esculpida e no som da gua cain-do, uma espcie de agradecimen-to aos cus. E quando por Braga se construa o jardim em escadrio do Bom Jesus do Monte, eles tambm se atreveram a embelezar o seu ca-minho para o alto da cerca, onde pontuava, h muito, a capelinha de So Bento com magn cos azulejos nos contam episdios da vida do seu patrono.

    O escadrio dividido em sete pa-tamares, cada um com uma fonte dedicada a uma das sete virtudes, guia-nos at esse ponto alto deixan-do ver as marcas do m das ordens religiosas e da ocupao do mostei-ro por privados, que durou sculo e meio. Faltam-lhe lages de grani-to, e os muros, outrora rebocados e pintados de branco, mostram a pedra nua, num ar romntico que at parece propositado. E l em baixo, no primeiro patamar, uma enorme e orida azlea corta a si-metria que os monges escolheram para este espao. Mas cort-la agora a ela seria esconder no apenas a sua beleza intrusiva, como apagar uma marca desses outros ocupan-

    tes que a plantaram, eles tambm senhores de uma parte da histria deste lugar.

    Ao subir at capela, vemos que os socalcos desapareceram e do hoje lugar a uma topogra a estra-nha, montculo aqui, terra sobree-levada acol. A densa mata, que ser-ve de tampo, protegendo as vistas do crescimento urbano de Braga, disfara, com o seu manto de vege-tao morta e as plantas rasteiras, os escombros da explorao de vol-frmio durante a Segunda Guerra, da qual resta ainda a mina das Ave-leiras, num dos troos mais frescos do caminho. A caa ao ouro negro mudou a paisagem de Tibes, mas no lhe roubou, felizmente, o lago, que alimenta na humidade circun-dante salgueiros e fetos reais e perto do qual o nosso pescoo se abre com di culdade para atingir a copa de um pinheiro bravo imponente, se-nhor daquele lugar, memria viva do tempo dos monges e, por tudo isto, rvore classi cada.

    Cheio de stios para parar, como se quer, ainda hoje, num bom jardim, Tibes um lugar para se estar no mnimo um dia, dado que ningum pode sair daqui sem uma visita igre-ja, ao jardim da Fonte de So Joo e aos aposentos, tambm eles salvos da runa nas ltimas dcadas. E a hospedaria que entretanto se cons-truiu, numa ala que fora destruda por um incndio, convida at que

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 11

    graas a eles que tudo isto chegou at ns, como nos explica Antnio Guedes, pai e tio dos actuais admi-nistradores e lho de um dos sete irmos que, tendo decidido fundar uma sociedade agrcola, salvaram esta propriedade, e a empresa, de uma pulverizao por herana que, muito provavelmente, nos roubaria a possibilidade de passearmos hoje pelo legado desta famlia.

    A vnia aos Guedes comea por ser devida a Manuel Pedro Guedes, bisav do nosso guia, que se esfor-ou, esprito do tempo, por dar um ar romntico aos jardins da quinta, recriando no interior dos seus mu-ros ambientes que o sculo XIX nos

    legou por essa Europa fora. Antnio Guedes, que aprendeu com a famlia e com quem o visita, lembra-se de um arquitecto paisagista lhe ter ter explicado que, num jardim, como na vida, bom que a prxima curva do caminho nos mostre algo, um moti-vo de interesse, que nos d foras, e curiosidade, para prosseguir. Parece um lema empresarial, mas tambm uma forma interessante de se pensar um espao verde com tanto caminho para percorrer.

    Aqui no faltam, nas linhas de hori-zonte fechadas pela densa vegetao, surpresas. O rudo de uma fonte, um eucalipto que j era gigante quando o av de Antnio se deixou fotografar

    debaixo dele e a imagem est ali, num placard, para que respeitemos ainda mais esta magn ca extica , a casa do porteiro, que parece sada de um conto dos irmos Grimm, ou a casa de ch ao mesmo estilo, com telhado de colmo e pedra a imitar troncos retorcidos, construda sobre uma ilha arti cial, num lado arti cial onde foi plantada uma janela manue-lina que j foi da Casa do Infante, no Porto, oferecida por Thomas Sande-man a Manuel Pedro.

    Com amigos destes, e com o bom gosto que se nota ainda no que dele chegou at ns, Aveleda s podia ser o que . Um jardim onde um cepo de uma rvore morta nos lembra

    que, h quinze anos, ela caiu com 167 anis; onde duas sequias pro-longam nas suas alturas os nomes de Roberto e Fernando, pai e tio de An-tnio, denunciando assim, de outra forma, a passagem do tempo. Por-que se uma verdade que o jardim o tempo no seu modo verde, em lugares como este se percebe que preciso dar tempo ao verde.

    Verde tambm o vinho que aqui se faz, e uma das belezas da Aveleda a forma como, descendo, o jardim se abre para a paisagem ordenada da quinta, onde a vinha deixou h muito de se estender em ramadas, modernizao olige mas nem por isso deixa de ser, tambm ela, rega-lo para os olhos. Tal como a planta Brunfelsia paucifl ora, conhecida por ontem, hoje e amanh pelas suas ores que comeam por ser lilases e vo empalidecendo at se torna-rem brancas, Aveleda conjuga esses trs tempos. Que o amanh estar garantido se a cuidarem como hoje o fazem. Para deleite de quem a visita. Abel Coentro

    Quinta da AveledaRua da Aveleda, 2 4560-570 Penafiel Tel.: 255 718 200Email: [email protected] por marcaowww.aveledaportugal.pt

    Jardim da Fundao Calouste GulbenkianA ordem no meio do caos

    Alguns esto s de passagem, outros demoram-se a ler um livro sombra das rvores ou deitados na relva ao sol. O traado labirntico das lajes que acompanham os declives do terreno, como se fossem passadeiras assen-tes sobre ele, to depressa conduz a uma clareira cheia de luz como a um inesperado recanto escondido pela vegetao e ideal para namorar.

    Um espao de encontro e, ao mes-mo tempo, de intimidade: assim o Jardim da Fundao Calouste Gul-benkian. J no imaginamos Lisboa sem ele, qual osis no meio de um deserto catico de prdios, estradas, carros e avies. Aurora Carapinha, arquitecta paisagista e autora de um livro sobre os jardins da capital, ar-risca uma de nio: Este no um jardim, o jardim.

    O parque verde, que ocupa um es-pao de 7,5 hectares no corao da capital, junto Praa de Espanha, foi concebido em meados do sculo XX para envolver o edifcio da fundao criada para gerir os bens do mece-nas, Calouste Sarkis Gulbenkian.

    O projecto do parque, dos jardins interiores e suspensos e dos terraos ajardinados foi entregue aos arquitec-tos paisagistas Antnio Viana Barreto e Gonalo Ribeiro Telles. Este ltimo, considerado o pai da ecologia em Portugal, foi distinguido h dois anos com o Nobel da Arquitectura Paisa-gista, o Prmio Sir Geo rey Jellicoe. O Jardim da Gulbenkian foi uma das suas obras-primas.

    Os arquitectos conceberam um projecto moderno mas ao mesmo tempo muito portugus, observa Aurora Carapinha, que nos acompa-nha numa visita. O jardim foi pen-sado ao pormenor para se integrar perfeitamente na paisagem urbana e para casar trs elementos funda-mentais: os edifcios (sede e museu, aos quais se juntou entretanto o cen-tro de arte moderna e o centro inter-pretativo), a biodiversidade tpica da paisagem mediterrnica e o homem. Um casamento abenoado em 2010 com a classi cao do jardim como monumento nacional.

    A linha que separa o jardim do es-pao urbano no se deve aos muros nem aos portes. A orla foi de nida logo de incio, no para isolar mas para traar bem a fronteira entre os dois mundos, explica Aurora Cara-pinha, referindo-se aos arbustos que rodeiam o parque.

    Os autores utilizaram trs elemen-tos fundamentais da paisagem portu-guesa orla, mata e clareira para criar salas de ar livre, brincando com jogos de luz e sombra numa mis-tura de espcies autctones (como eucaliptos, choupos, carvalhos e l-dos) e exticas (como o bambu). um espelho da cultura portuguesa, tambm ela feita de universalismos, comenta a arquitecta paisagista.

    A gua, proveniente de nascentes que existem na zona, to impor-tante no jardim como a vegetao. O lago central (de onde sai a gua para a rega), o sistema contnuo de pequenos lagos e o riacho que corre no meio do canavial de bambu do abrigo a patos que correm livre-mente pela relva a fugir das crianas mais afoitas , tartarugas e pei-

    DA

    NIE

    L RO

    CH

    A

    O jardim da Gulbenkian, em Lisboa, tem 7,5 hectares e foi concebido em meados do sculo XX para envolver o edifcio da fundao criada para gerir os bens do mecenas

  • 12 | FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015

    xes, e servem de bebedouro s aves, algumas exticas.

    Tudo nos convida a sentar e a parar o relgio. Desde os bancos de beto aos degraus do enorme an tea-tro exterior, passando pelas dunas improvisadas na relva e pelas espla-nadas das cafetarias.

    S no ano passado, segundo as estimativas da fundao, passaram pelo jardim perto de 714 mil pessoas, 60 mil por ms. Abril, Maio, Junho e Julho so os meses mais cheios aos ns-de-semana o jardim chega a receber 4000 visitantes por dia. Aurora Carapinha reconhece: um jardim com uma carga muito gran-de. S uma instituio com grandes recursos seria capaz de o manter. Marisa Soares

    Jardim da Fundao Calouste GulbenkianAvenida de Berna, 45 A, LisboaTel.: 217823000O jardim tem entrada livre e est aberto todos os dias, encerrando noite. A estao de metro de So Sebastio (linhas azul e vermelha) fica a 100 metros da entrada junto ao Centro de Arte Moderna e h vrios autocarros da Carris (716, 718, 726, 742, 746 e 756) que param perto. A Fundao organiza diversas actividades ao ar livre, sobretudo nos meses de Vero. Na prxima quarta-feira h uma visita guiada para desvendar os segredos do jardim (custa cinco euros por pessoa e dura 90 minutos, mnimo de oito pessoas, mximo de 25). No prximo sbado, 23, esto previstas vrias actividades (oficinas, observao de aves, teatro) para celebrar o Dia da Biodiversidade. www.descobrir.gulbenkian.pt.

    Parque das Pedras SalgadasO parque que nasceu da gua

    Na estrada entre Vila Pouca de Aguiar e Chaves, apesar da intensa mancha orestal que cobre as encostas por onde ela corre, fcil perceber onde se encontra o parque de Pedras Sal-gadas. Para l do casario, vemos um conjunto arbreo caracterstico nas formas e nas cores que o compem e

    que lhe do uma unidade distinta do que a rodeia. No sabemos que r-vores so aquelas, mas percebemos imediatamente que foi mo humana que as plantou.

    Maria Jos David, manager do Pe-dras Salgadas Spa & Nature Park h-de con rmar: Isto eram campos. At que se descobriram o cialmente as propriedades medicinais da gua que brotava da nascente do Penedo. Foi em 1871: de fonte a balnerio ter-mal foi um salto, acompanhado pela plantao de um parque que j pas-sou o centenrio e, sabemos, com a idade s car mais encantado(r). A sequia-gigante, aqui conhecida como rvore da borracha por ser to macia (demasiado para seu bem: est bem descascada na parte infe-rior), vai crescer ainda mais, assim como os liquidambares, os pltanos, as nogueiras-pretas, os salgueiros, as tlias, os teixos, o sndalo bran-co, o lario europeu, a tulipeira da

    Virgnia, as magnlias, os negrilhos, os vidoeiros, as sorveiras-bravas, os pinheiros, abetos, cedros, castanhei-ros, choupos, faias, freixos vrios, que so alguns dos exemplares que compem esta sinfonia verde exti-ca. Alguns esto assinalados, outros no, mas nada se perde neste conjun-to monumental de copas frondosas. iniludvel que nos encontramos numa estncia termal: os edifcios de rigor austro-hngaro, que ladeiam a alameda principal, integralmente restaurados, transportam-nos para estes ambientes idiossincrticos de um certo tempo e sociedade e tam-bm as Pedras Salgadas viram a sua dose de alta sociedade e de reale-za. D. Fernando, D. Maria Pia e D. Lus foram presenas reais quando as Pedras Salgadas davam os primei-ros passos e os dois primeiros deram at nome a duas nascentes das cinco fontes do parque a de D. Maria Pia a mais original, uma pequena gruta

    CapaJardins

    bem ao estilo romntico encerrada por porto de ferro em forma de tron-cos de madeira que se entrelaam; as outras em estilo neo-clssico.

    para alm da alameda, uma es-pcie de passeio pblico dos tempos ureos do termalismo, que o parque se desenvolve quase como se fosse natural. Com excepes para os jar-dins desenhados, como o roseiral e os que rodeiam o antigo casino (nun-ca chegou a ter concesso de jogo, apesar do nome), pintado de cor de ferrugem, e para o lago, arti cial. Este recuperou a sua forma original pelas mos de Siza Vieira, depois de dcadas partido para integrar as piscinas da estncia aqui vivem car-pas koi mas devido ao mau tempo recente a camada de folhas no nos permite vislumbr-las; ao contrrio, um dos patos que a tambm habi-tam e que gostam de passear pela alameda, sendo especialmente ass-duos na esplanada da casa-de-ch,

    A Aveleda s podia ser o que . Se verdade que o jardim o tempo no seu modo verde, em lugares como este percebe-se que preciso dar tempo ao verde

    NEL

    SON

    GA

    RRID

    O

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 13

    surge lanando-se na gua como que reclamando o seu espao.

    H muretes laia de ameias cober-tos de hera e at uma torre se ergue ao lado de uma larga escadaria, mas para mergulhar no parque temos de afastar-nos destes espaos mais de-lineados e caminhar entre rvores, onde as eco e tree houses do Spa & Na-ture Park se dissimulam. Os espaos parecem selvagens mas a vegetao guarda gilbardeiras, madressilvas, pilriteiros, vernicas menor dos prados, spireias do Japo, cardos das vinhas e at bambus dourados. Se aparecer um esquilo ou outro nor-mal e o pica-pau-malhado-grande, a cegonha-branca e a gara real so comuns por aqui mais circunspec-ta, a gara-branca-pequena tambm pode aparecer. O entorno propcio: podia ser a oresta encantada de Sophia de Mello Breyner Andresen, com anes a viver nos troncos e tudo. Andreia Marques Pereira

    Parque Pedras Salgadas5450-140 Bornes de AguiarTel.: 259 437 140O parque tem entrada livre, est aberto todos os dias e encerra noite ao pblico em geral. Fica a pouco mais de uma hora do Porto seguindo pela A3, logo pela A7, a A24 e finalmente pela EN206.www.pedrassalgadaspark.com/pt.

    Parque de MonserratePelos caminhos sinuosos da fl oresta encantada

    Quando passamos o Arco de Vathek, no Parque de Monserrate, em Sin-tra, a guia, Joana Macedo, faz ques-to de fazer uma pausa: Parece que estamos a entrar num mundo parte, imaginrio, numa oresta en-cantada. Mandado construir pelo escritor William Beckford, o arco de pedra tem, ao lado, dois pinheiros.

    Passar pelo arco simboliza a entra-da dos homens naquela oresta, passar pelos pinheiros simboliza a entrada na natureza.

    , continua a guia, um jardim onde existe exaltao dos senti-dos: o som da gua, as cores, os cheiros das ores, as texturas dos troncos das rvores o toque da cortia mais suave do que o do castanheiro ou do carvalho, por exemplo.

    As dedaleiras venenosas, as ca-mlias, flores emblemticas de Sintra que vieram do Japo, os so-breiros virgens aos quais nunca foi retirada cortia. Os lagos cobertos de sagitrias e nenfares. Os cami-nhos perfumados por glicnias e jas-mim. Os fetos rastejantes e arbre-os, os pltanos. Uma araucria com cerca de 56 metros. Outra que d pinhas de 10 quilos e que, em cer-tas alturas, obriga criao de um permetro de segurana no jardim.

    Medronheiros de tronco retorcido. Azevinho e rododendros.

    O Parque de Monserrate tem espcies de todos os continentes que sobrevivem graas ao micro-clima hmido de Sintra. Este um jardim romntico ou ingle-sa, plantado para parecer uma oresta. Os romnticos gostavam de runas e de se perderem em caminhos sinuosos, vai dizendo Joana Macedo sobre aqueles cerca de 35 hectares que passaram por diferentes mos.

    No sculo XVI chegou a ser habita-do por frades o nome vem precisa-mente de uma peregrinao que um deles fez a Monserrate. Passou, de-pois, para as mos da famlia Mello e Castro, seguindo-se o comercian-te ingls, Gerard de Visme e, mais tarde, o escritor William Beckford. At nalmente chegar, no sculo XIX, ao milionrio ingls Francis Cook a quinta esteve nesta fam-

    lia quatro geraes. Ainda chegou a ser adquirida por um portugus, Sal Saragga, mas, vai contando a guia, em 1949 passa a ser, como ainda hoje, propriedade do Estado. A administrao pertence Parques de Sintra-Monte da Lua, S.A..

    O pblico muito variado: rece-bem vrias excurses, marcaes de escolas, turistas. Fazem activi-dades para midos, como caas ao tesouro. preciso estar em boa forma para conhecer todos aqueles hectares (embora tambm seja pos-svel faz-lo num carro). No deixe de passar, no vale mais a sul, pelo Jardim do Mxico, um stio de sol escancarado, ilustra Joana Macedo, onde tambm h espcies oriundas de Cabo Verde e da Madeira. Ou de ver o roseiral, com 200 variedades de roseiras. Num dia de sol, depois do passeio, pode sempre descan-sar sombra da gigante araucria e aproveitar o imenso relvado.

    Merece ainda visita a capela, uma falsa runa criada por Francis Cook a partir daquela que tinha sido antes edi cada por Gerard de Visme. E, claro, visitar o Palcio de Monserra-te. Construdo em 1856 para residn-cia de Vero da famlia Cook e com projecto do arquitecto ingls James T. Knowles, teve por base as runas da manso neogtica mandada fazer por Gerad de Visme no sculo XVIII. Maria Joo Lopes

    Parque de Monserrate2710-405 SintraTel.:21 923 73 [email protected] momento, se quiser conhecer o parque, o horrio disponvel no site inclui visitas entre as 9h30 e as 20h (os bilhetes devem ser adquiridos at s 19h). J o palcio pode ser visitado entre as 9h30 e as 19h (ltimo bilhete s 18h15). Quanto aos preos, variam entre os oito euros (bilhete adulto, dos 18 aos 64 anos); e os 6,5 (dos seis aos 17 e para maiores de 65). Aos domingos, at s 13h os muncipes de Sintra esto isentos de pagamento nos parques e monumentos da Parques de Sintra, mediante documento que comprove a residncia. Para chegar ao parque, pode optar pelo comboio ou de carrowww.parquesdesintra.pt.

    Na pgina ao lado, a Quinta da Aveleda, em Penafiel, conhecida sobretudo pelos seus vinhos; nesta pgina, o Parque de Monserrate, em Sintra

    ENRI

    C V

    IVES

    -RU

    BIO

  • 14 | FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015

    ViagemEspanha

    Roco (ya) no es virgen

    Imagine-se um mapa de Espanha visto de cima e centenas de carreiros de formigas a convergir para um mesmo ponto. A romaria de El Roco isto, mas as formigas usam saltos altos e chapus, cantam sevilhanas e rezam sobre peitos queimados pelo sol. Este ano, a festa comea a 22 de Maio. Rute Barbedo (texto e fotos)

    De onde quer que se parta, o caminho at El Roco longo. Atravessa o calor rido da Pri-mavera andaluz Vero para quem no olha ao calendrio at perfu-rar um osis: o Parque Nacional de Doana, uma das maiores reservas biolgicas da Europa, onde cabeas febris se acalmam sombra de zim-bros e pinheiros mansos, regados por uma imensido de lagoas e ribeiros. nestes terrenos da provncia de Huelva que acampam os rocieros do mundo, de violas debaixo dos braos e tachos lanados s fogueiras. Co-meam o dia entre chourios e pa-ella caseiros, surgidos desse universo de possibilidades que a marmita. Jos, donde est la pimienta? Ela est ali, mesmo em frente, pronta a sacudir a lngua.

    H mais de oito sculos que se ca-minha para El Roco. A cada ano, so mais e j ultrapassaram o milho, porque a f na Blanca Paloma, a virgem padroeira, anda de boca em boca e no morre nas novas ge-raes. Mas chegada, aqum de tnues silhuetas e chapus gastos

    pelo sol, o que vemos ao deixar a A-483 sobretudo p, como se nos tivessem engarrafado num western religioso em que os fsforos atiados junto s esporas so para acender velas e cigarros.

    Dizamos, l atrs, que o caminho at El Roco longo... Agora sabemo-lo como um deserto de sede pronta a morrer em vinho. Ignorssemos ns o culto mariano por detrs da romaria e, antes de passar a linha da aldeia, imaginaramos uma festa pag, de vestidos vermelho-sangue e tmpera cigana, de mos brutas que assam carne de porco e lambem o sal aos dedos. Enquanto a gordura pinga em brasas lentas, a letra faz-se rou-ca de copo na mo: Andaluca es mi tierra, yo soy del sur. Me gusta el mosto en Noviembre y mirar al cielo azul!

    Dolores, com 40 anos de vida e mais de 20 de El Roco, que nos d paz s inquietaes. Existem as cele-braes de penitncia e as de glria. E a romaria de El Roco de glria. Para mostrarmos o nosso amor vir-gem no temos de penitenciar-nos e sofrer. O amor mostra-se cantando, danando, fazendo da nossa alegria a alegria de El Roco! Portanto, nada de comparaes ao 13 de Maio portu-gus. Nesta Andaluzia de saltos altos, a histria outra.

    J os olhos se habituaram um pou-

    co ao p, e o leno se cerra rme sobre o nariz, quando nos surge a primeira apario porta da aldeia, nesta sexta-feira (o ncleo da festa avana at segunda-feira): um circo montado de polcias, negociantes de terrenos baldios feitos em parques de estacionamento e vendedores de quartos, trajes e adereos andaluzes para os menos precavidos. Tudo o que se ouve so vozes duras. Gente do Sul. Gritam em euros e intercalam com os ditos da romaria. Viva la Vir-gen del Roco!, repetem em jeito de compasso, ou assobiam rocieras na recepo aos caminheiros e curiosos. Contam-nos que alguns aguardaram o ano inteiro pela segunda-feira que a vem, debruada sobre o Domingo de Pentecostes (50 dias aps a Ps-coa), o ponto alto da festa. E agora que os ouvimos cantar, parecem ter poupado as vozes inteiras dentro do corpo para gast-las de um flego por estes dias.

    Com cuidado para no pisar ves-tidos, seguimos pelo cho de areia neste pueblo encantado at s portas do saloon, onde se bebem tintos de verano e cafs para enganar o sono soalheiro. Ficamos a ver passar cava-los bravos sobre o Charco de la Boca, at que se tea o silncio do meio-dia, hora em que a aldeia pra para receber, com cerimnia, as mais de 100 irmandades (associao leiga que tem m devoto, diz-nos o dicio-nrio, para sermos precisos) frente ao santurio branco que esconde a virgem da festa.

    Vieram em carros, carroas, a ca-valo ou a p de lugares como Sevilha, Barcelona ou Bruxelas, dormindo aos cinco, dez e doze em carrua-gens forradas de pano e pesadas de panelas, mantas, vestidos, como ar-mazns ambulantes de curiosidades. Muitos encontram nesta aldeia uma histria de espanto que as instiga a viver com mais fora. Ela comea

    com Gregorio Medina, caador nas terras de Huelva, que um dia ter en-contrado na cova de uma rvore a imagem de uma virgem em vestes de linho. Deslumbrado pela beleza e pe-la energia densa, decidiu carregar a imagem at Almonte, para mostr-la aos seus, mas caiu exausto a meio do caminho. Quando acordou, na ma-nh seguinte, virgem alguma dormia consigo. A imagem havia tornado ao lugar onde a encontrou Gregorio Me-dina pela primeira vez. E do epis-dio fantstico entre os caminhos de Huelva nasceu a devoo e crena no milagre, erguendo-se entre 1280 e 1285 o santurio de El Roco, em honra da Blanca Paloma.

    Todos os dias so de romariaAos 70 anos, Diego Ramrez, mem-bro da Hermandad de la Ronda e ad-ministrador da pgina Rocio.com, j no se mete em loucuras sem motor de fazer 200 quilmetros numa car-

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 15

    roa puxada a cavalos e alimentada a tortilha. Mas continua a vir a El Roco sem falhas para dar corpo devoo que iniciou com a famlia h 30 anos. Canta porque as letras fazem parte do texto do ano inteiro. Acompanho diariamente os acontecimentos rocie-ros, a rma Diego, como se todos os dias do ano fossem de romaria.

    Mas o que impele o seor Ram-rez a procurar o enclave rociero a cada Primavera? Quando vi tudo isto, impactou-me a religiosidade e a devoo; deixei-me contagiar, explica Fugas, recordando o cami-nho para trs, cheio de marcos que emocionam, como a passagem pela ponte de Ajol ou nas construes romanas de Coria, onde se cruzou com as irmandades que, como ela, ali pararam para descansar, cantar e contar as histrias do caminho. Por outro lado, Diego entende que a festa se tem tornado cada vez mais especial, muito pela dimenso cres-

    cente e pela reunio de pessoas de muitas partes de Espanha e do mundo num lugar que tem algo de mgico.

    Mesmo em dias sem festa rija, El Roco sofre de uma espcie de mag-netismo oculto. Os alpendres de ma-deira a guardar as cabeas do sol, os cavalos porta e a vida suspensa nas cordas que no se desenlaam dos corrimes so o comeo de clichs gerais, quando os clichs dizem mui-to. Tambm o desemprego bateu ali, como em toda a Espanha, conta-nos Manuel Romero Trivio, de 55 anos, habitante da aldeia h 16, para justi- car a calmaria e o sono da aldeia na ausncia de festa. Fora isso, os empregos so de passo lento, como pede o corpo em terras meridionais, e ligam-se sobretudo natureza e ao turismo.

    Assim, conduzir na A-483 sem romaria vista, depois de uns bons quilmetros de bosque, e avistar a

    (do Parque Nacional de Doana), cul-tores de morangos e comerciantes de recuerdos. Depois do caf com leite e da tostada com azeite, todos seguiro rmes para a igreja, um a um. Como Trivio ilustra, aqui, tu-do gira em torno da ermida, onde vive a melhor vizinha do mundo, a quem os habitantes prestam uma visita obrigatria ao incio e nal de cada dia. Pedem que os ajude nas co-lheitas, que lhes d sade, que esteja presente. que h um momento na vida em que o homem precisa de se agarrar a algo, acreditar que existe um ser superior, caso contrrio o mundo deixa de fazer sentido. Por isso, enganam-se os que chegam aldeia em dia de romaria e que se cam pelo primeiro plano. El Roco no a festa, no o que se v, sobre-tudo na televiso. antes o que ela [a Virgem], do seu altar, consegue ver, que no fundo Deus convertido em pastor. S quem entender o que digo

    que conseguir compreender o que verdadeiramente El Roco.

    Ofertas da casaAinda que o evento seja pura e du-ramente catlico com direito a homens que se atiram enrgicos ao andor determinados a carregar a Vir-gem, mulheres vertidas em lgrimas e crianas benzidas em nsia junto ao santurio , laicos sentam-se mesa com cristos sem que as conversas se in amem. Na Hermandad de Jan, (outro) Diego tira cervejas presso para copos de plstico na madrugada de sbado para domingo. Entramos a perguntar pelo preo de uma. Mira, hombre, no es nada Est en la casa [ por conta da casa]! O restante discurso enrola-se na algazarra das mesas e nos preparativos do almoo do dia seguinte.

    Ainda no nos conhecemos e Die-go j nos pousa a mo nas costas pa-ra convidar a comer e a beber. Po, presunto, azeitonas e umas sobras do aqui e do alm. Chama a esposa para ajudar, que se h lugar para receber bem o viajante categoria mais alta do que a de catlico por estas paragens, ao que parece , esse lugar El Roco.

    O dia seguinte ser de comer bem, por isso, s trs da manh os pontei-ros no marcam descanso para to-dos. Diego tem um restaurante de co-mida regional em Jan, pelo que a ir-mandade que anima em El Roco no pode car atrs quanto aos prazeres do prato. Precisamos de comer bem para aguentar toda esta actividade, no?!, exclama o rociero, de barriga farta a desa ar os botes da camisa. E no rigor dos temperos e tempos percebemos que Roco tambm is-to: um festival gastronmico de Espa-nha numa aldeia vestida de branco.

    Prestes a abandonar a mesa para descansar no vago que a trouxe at aqui, Rosana mancha de vinho o vestido verde. D-nos tempo de imaginar: pelo tecido e rendas, ter custado uns 300 euros. que, pou-co antes, ao balco da irmandade de Jan, nos haviam confessado que os trajes das rocieras andam entre os 100 e os 500 euros. E h muitas que tm mais de dez vestidos!, acres-centava Esmeralda, com a mo em frente boca madrugadora, j sem bton. Mas nem por isso Rosana cho-ra. Um pano com lcool resolve, improvisa, num recurso de pice aos ensinamentos de famlia.

    Mar Mediterrneo

    Madrid

    FRANA

    ESPANHAPORTUGAL

    ANDORRA

    El RocoSevilha

    placa que aponta para El Roco pode ser o incio de um bom imprevisto. Seguindo-se o instinto, d-se conta da vida western num cenrio a sul: as esplanadas so matutinas para quem reza por um caf sentado na areia, os olhos pousaro sobre quem sai e entra, e os bons dias viro dos criadores de gado, guardas orestais

    Vieram em carros, carroas, a cavalo ou a p de lugares como Sevilha, Barcelona ou Bruxelas

  • 16 | FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015

    ViagemEspanha

    As noites so de festa acelerada em El Roco, seja nestas moradias amplas com ptios andaluzes, seja em casas privadas com alpendres voltados para ruas de areia. Porque o turismo um dos poucos negcios possveis nesta aldeia catlica, alm de se venderem velas e imagens da Blanca Paloma nas mais variadas formas, tambm as casas de famlia so alugadas e transformam-se em dormitrios para 20, 30 ou 40 pesso-as. As camas cam no primeiro piso (mulheres de um lado, homens do outro), j que, rente rua, as salas de estar so pistas de dana e os varan-dins so postos de tapas e cantorias. Repetem-se o rum amado da Andalu-zia, as sevilhanas, as mos torneadas por cima das cabeas. O ltimo a sair que feche a porta.

    Ressaca e oraos oito da manh de domingo, os bancos estalam de ressaca. Un ca-f, por favor e chegam chvenas largas ao balco para mergulhar o po torrado. Os olhos bambos pre-param-se para a missa das 10h, no Real do Roco, onde se d a coroao da Virgem. At l, os caminhos so procisses, fotogra as sem descan-so, irmandades que exibem trajes e estandartes at ao santurio. Maria de vermelho, Rosana de azul, Lola de amarelo. Gargalhadas e cadeiras de rodas. Midos de pontap na bola e padres de cruci xo em riste. Bocas cerradas e olhos em lgrimas pela f e pelo p. Peitos in amados pelo sol. No m da celebrao e do cantar no peso de um coro a nado, todos tornam s suas casas e cozinhas.

    Parece no haver mais flego para tanta folia, mas, na verdade, vamos s a metade, ainda que j roucos. O auge das celebraes de domingo para segunda-feira, madrugada em que a Virgem sai rua pelas mos dos irmos de Almonte, para se encher de ptalas e louvores vindos da mul-tido. Desmaia-se em El Roco. Todos querem tocar a imagem do milagre. Uma criana desliza at Virgem pelas centenas de mos erguidas ao cu. Bendita, bendita, mi pequea! A criana chora. Nunca andou num carrossel assim, com um milho de pessoas a gritar por ela. Mas, a seguir-se a tradio, a famlia h-de tornar aldeia mgica da Andaluzia no ano seguinte, para mais um caminho, mais uma volta.

    Guia prtico

    QUANDO IRA data da romaria varia de ano para ano, sendo o auge da festa na segunda-feira a seguir ao domingo de Pentecostes (50 dias depois da Pscoa). Normalmente, a celebrao em El Roco acontece entre os meses de Maio e Junho. Este ano, o ponto alto a 25 de Maio, mas a romaria comea pelo menos uma semana antes, com festa pelos caminhos de Espanha.

    COMO IRDe carroCerca de quatro horas separam Lisboa de El Roco, se as auto-estradas e os itinerrios principais forem os caminhos privilegiados. H trs rotas possveis: de Lisboa at costa algarvia, atravessando a fronteira em Vila Real de Santo Antnio e seguindo na direco de Huelva e Almonte; utilizando a A2 e o IP8 para passar por Beja e chegar a Espanha junto ao vale do Guadiana, continuando rumo ao Sul; ou passando pelo eixo Elvas-Badajoz e aproveitando para uma paragem em Sevilha (a viagem mais longa mas mais prazerosa, para quem vai com tempo).

    De avioA Iberia e a TAP praticam preos entre os 140 e os 170 euros para Sevilha, desde Lisboa e Porto. Os voos com partida em Faro, operados pela TAP, rondam os 230 euros. A melhor forma de chegar da capital da Andaluzia at El Roco nos autocarros da Costasur. O preo de 6,35 euros por percurso.

    Como um rocieroO caminho de Sevilha o mais conhecido e concorrido entre todos os que desembocam na aldeia de El Roco. As diferentes rotas possveis convergem em Ajol e, em La Juliana, as hermandades aproveitam para acampar durante a noite, seguindo caminho at Lopaz, mais um ponto de paragem e

    Parece no haver mais flego para tanta folia, mas, na verdade, vamos s a metade, ainda que j roucos

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 17

    de festa com viola na mo. Os peregrinos prosseguem at ao pinhal de Aznalcazar, passam por San Diego e Coria, seguindo as linhas que os conduzem at s vias arenosas junto a El Roco.Para alm do caminho de Sevilha, h muitas outras rotas possveis (a consultar em rocio.com), incluindo o caminho europeu, que comea em Bruxelas.

    ONDE FICAR Casas particulares: os habitantes da aldeia abrem as portas aos visitantes durante as celebraes de Pentecostes, disponibilizando

    quartos para uma mdia de seis pessoas. O preo varivel.Hotis e penses: na aldeia ou em povoaes prximas (as reservas devem ser feitas com cerca de um ano de antecedncia)Acampamentos: so o lugar garantido em El Roco para quem no teve oportunidade de se organizar com tempo. entrada da aldeia, so visveis as vrias zonas do pinhal onde permitido acampar.

    O PARQUE NACIONAL DOANA

    Declarado Reserva da Biosfera pela UNESCO em 1980, o Parque Nacional Doana ninho de 300 espcies de aves, casa de 33 espcies de mamferos e habitat de mais de 900 tipos de plantas. O cenrio de flamingos a sobrevoarem o esturio ser um dos mais emblemticos deste lugar onde o Guadalquivir

    encontra o mar, mas so muitas vezes os elementos mais raros como o lince ibrico ou a guia imperial a atrair os amantes da natureza ao local.Dada a proximidade aos continentes europeu e africano e ao eixo onde se misturam o oceano Atlntico e o mar Mediterrneo, Doana tornou-se um ponto de passagem e de hibernao para muitos animais. A riqueza da fauna fez com que o lugar tivesse sido utilizado, at ao sculo XX, como rea de caa para a realeza espanhola.O parque dotado de quatro centros de interpretao abertos ao visitante, onde se disponibilizam mapas (existe

    um percurso predefinido ao redor da Lagoa do Acebuche), informaes e conselhos sobre o local. No centro de El Acebuche (que fica a aproximadamente a trs quilmetros da localidade de Matalascaas), , ainda, possvel marcar um passeio de jipe ou a cavalo pelo parque natural. Para quem preferir o barco, existem expedies desde Cdiz e outras actividades de passeio que podem ser agendadas atravs do website visithuelva.com.

  • 18 | FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015

    PasseioAlgarve

    A Companhia das Culturas ou a celebrao de um lugarPrimeiro, um hotel rural. Agora, um aparthotel e um hammam na fazenda de So Bartolomeu, em Castro Marim. Em qualquer caso, um lugar com todas as suas vidas, cheiros e sabores. Ana Cristina Pereira

    Um lugar nico, o Algarve daqum e de alm-mar. Quem se sentar com o poeta Francis-co Palma-Dias ouvir logo falar nas maravilhas resultantes da fuso dos climas continental, mediterrnico e atlntico e de sculos e sculos de relaes entre povos, sobretudo com os do outro lado do mar.

    Conheci-o, j l vo uns anos, a dis-correr sobre os coentros como marca distintiva do Sul, a fazer o elogio da laranja do Algarve, do sal de Castro Marim, da batata-doce de Aljezur, da conquilha da baa de Monte Gordo, do po de cdea rija do alto Algarve e do Alentejo, do porco preto que cresce no montado, alimentando-se da bolota que vai caindo do sobreiro e da azinheira.

    No diz que o quinto imprio dos sabores. Diz que ali, naquele -nalzinho de Europa, h uma conjuga-o nica que d origem a produtos de grande qualidade, como o azeite Monterosa, produzido por Detlev von Rosen, nas quintas de Monca-rapacho, em Olho. A rm-lo no ser paranico, no ser nacionalista, ver o lado em que estamos, a cultu-ra que nos caiu em cima, dar conta do que existe, defende.

    No sonhou com um turismo rural. Andou em muitos lados. Regressou h 21 anos. A fazenda de So Barto-lomeu, em Castro Marim, tem dois ncleos e um deles estava em runas. Ele e a nova mulher, a antroploga Eglantina Monteiro, comearam a pensar num modo de dar sentido quilo tudo. So sete geraes de uma famlia vinda da Catalunha quando era intensa a actividade na costa algarvia a extraco de sal, a pesca da sardinha e do atum, a inds-

    tria da conserva. O patrimnio passa por ns, no nosso, costuma dizer ela. J c estava e h-de c estar.

    Demoraram dez anos a idealizar e a concretizar essa espcie de ce-lebrao do lugar que a Compa-nhia das Culturas. Abriram-na h sete anos como hotel rural. Agora, acrescentaram-lhe um aparthotel e um hammam.

    O aparthotel era s uma forma de diversi car a oferta, mas o hammam era uma resposta ao radicalismo reli-gioso, que h tanto fez desaparecer aqueles banhos da Pennsula Ibrica primeiro do lado de l, por aco dos Reis Catlicos, depois do lado de c, como consequncia da Inquisio e que est outra vez a propagar-se, ainda que noutros moldes, como uma praga impossvel de erradicar.

    Francisco e Eglantina tinham-no dito. Gostam de lembrar que as rela-es entre os povos dos dois lados do Mediterrneo so fortes desde a Pr-Histria, embora nunca o tivessem sido tanto como quando a Pennsula Ibrica e o Magrebe estiveram sob o mesmo domnio, o chamado pero-do islmico. E gostam de chamar a ateno para o quanto isso in uen-ciou o lugar.

    Tinha de ir ver. Tentaria perceber o que resta do perodo islmico no Sotavento Algarvio e descansaria. Vrias vezes procurei e encontrei a dose certa de silncio na fazenda de 40 hectares de pinheiro manso, sobreiro, alfarrobeira, gueira, da-masqueiro, laranjeira, oliveira, a um quilmetro e meio da praia Verde, a quatro da vila de Castro Marim, a seis da ria Formosa, de que Francis-co tanto gaba a amijoa, a ostra, o lingueiro.

    Em tardes de distenso, j me en-tretive a adivinhar as vidas passadas de cada uma das divises. A sala de pequenos-almoos/almoos/jantares foi a casa da cortia e do mel. A sala-de-estar/biblioteca foi lagar de azei-

    te. A sala de ioga, tai-chi ou qi-cong costumava ser a garagem da debu-lhadora. E os nove quartos serviram de abrigo ao fazendeiro ou ao caseiro ou aos animais.

    O nosso processo no de cons-truo, de recuperao de runas, gosta de explicar Eglantina. A frase tambm vale para os quatro aparta-mentos, situados no outro ncleo da fazenda, o que serve de habitao ao casal: j foram um ovil e um lagar de azeite. E neles, como no resto, prevalece a cal, o cimento afagado, a cortia.

    Nada parece car ao acaso. Tirando as camas, todo o mobilirio resulta de processos de recuperao com mate-riais locais, como madeira, cana, pal-ma, junco. H evidente repdio pela produo desenfreada, pela cultura do descartvel. Em vez de ter coi-sas novas, ter uma nova utilizao das coisas, diz Eglantina. Mistura as pocas e os estilos. Isso que ser contemporneo, enfatiza. Acha que tudo se torna mais acolhedor se tiver passado se tiver vrios passados.

    A transformao de mobilirio antigo faz-se na fazenda, mas no se comercializa, pelo menos por enquanto. O que j se comeou a comercializar foram as compotas, os vinagres e os chutneys feitos com frutos da fazenda. Em breve haver uma pequena loja, na zona da re-cepo, com produtos da quinta e de manufacturas de vrias zonas do pas, que ela vai descobrindo.

    As coisas tm acontecido medi-da que ns vamos querendo respon-der s expectativas que as pessoas tm dentro do que a nossa ideia de acolher, resume Eglantina. O que acolher? Disponibilizar, dar o que do lugar.

    A paisagem serve-se mesa. Desde logo, sob a forma de ervas arom-ticas, como o tomilho ou o funcho que crescem livres no barrocal, e de chs, sumos e compotas feitos com

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 19

    o que a fazenda vai produzindo. O resto vem de pequenos propriet-rios que vivem perto. A muxama, por exemplo, vem de uma unidade de transformao de peixe especia-lizada em secos e salgados, como a estupeta, o sangacho, as ovas pren-sadas, os rabinhos, a espinheta ou as anchovas de biqueira, que Dmaso Nascimento mantm a funcionar em Vila Real de Santo Antnio.

    A lgica vale para os petiscos, al-moos e jantares. O menu respeita o ciclo das plantas silvestres, que ali vo do espargo beldroega. Pedro Beleza, o chef, usa o conceito de dieta portuguesa, que tanto discute com Francisco. Funde a cozinha medi-terrnica, to devedora do po, do azeite, do vinho, com os peixes do Atlntico e acrescenta-lhe as carnes da serra. Pensei nos recursos que a fazenda tem, nos pescadores da baa de Montegordo, nos produtores de porco de montado, de um modo de mostrar o que temos de melhor a me-nos de cem quilmetros.

    Fazendo sentido, tambm usa pro-dutos vindos de longe, como os cous-cous, de in uncia rabe, cuja produ-o continua em Trs-os-Montes e na Madeira. Talvez para o ano comece a produzi-los aqui, diz ele. Quando cheguei, havia imenso albricoque em calda. Comecei a fazer vinagre. Estou a us-lo para marinar carne.

    Usa a comida para despertar a curiosidade dos clientes. Faz, por exemplo, mormos de atum, julgando que isso lhes d oportunidade de per-ceber que foi intensa a actividade na costa algarvia. O atum, que atravessa-va aquelas guas duas vezes por ano, desviou-se, a indstria de nhou, mas o hbito de comer mormos cou do tempo em que o peixe abundava e era desmanchado ali.

    Est visto: a Companhia das Cultu-ras emerge como pequena unidade de desenvolvimento local. Francisco l, medita, apura receitas com plan-tas comestveis. E Eglantina anda de um lado pra o outro, a ver se est tu-do no ponto. Eu sou a fazedora, mas isto uma coisa muito pensada pelos dois, diz ela. Ele est com 72 anos, ela com 59. Ns, em determinada idade, achamos que vamos mudar o mundo. Nesta fase, j s queremos arranjar um pedacinho de calada. Esto a arranj-la.A Fugas esteve alojada a conviteda Companhia das Culturas

    Guia prtico

    COMPANHIA DAS CULTURAS

    Fazenda de So BartolomeuRua do Monte Grande8950-270 Castro MarimTel.: 281 957 062; 960 362 927Email: [email protected]: 37 11 37 N // 72918 Wcompanhiadasculturas.comAlojamento e preos: Nove quartos (duas sutes, quatro duplos, trs twins) e quatro apartamentos. Os quartos dispem de secador de cabelo, frigobar e chaleira e os apartamentos tm kitchenette.

    At 14 de Julho Quarto: entre 60 e 95 euros por pessoa, com pequeno-almoo includo (20 euros segunda pessoa).Apartamento: 140 euros por pessoa, sem pequeno-almoo includo (20 euros por cada outra pessoa).

    De 15 Julho a 15 de OutubroQuarto: entre 80 e 115 euros, com pequeno-almoo includo (20 euros segunda pessoa)Apartamento: 160 euros, sem pequeno-almoo includo (20 euros por cada outra pessoa)

    Hammam Horrio: 15h s 19h para hspedes. Sujeito a marcao para no hspedes.Preo: 20 euros

    O QUE FAZER As pessoas podem ficar sossegadas, no salo, na piscina, no hammam. H sesso de ioga, tai-chi ou qi-cong, pagas parte. E h massagem muscular, articular e drenante, quiromassagem e reflexologia, tambm pagas parte.Na Companhia das Culturas, h mapas com percursos pedestres para quem gostar de caminhar ou correr ou andar de bicicleta. Pode faz-lo dentro da fazenda, por exemplo, seguindo pelos

    arrifes de tomilho, sargao, esteva e rosmaninho at lagoa Velha, no sobreiral que Francisco Palma-Dias pediu ao av que plantasse. Ou ir at vila de Castro Marim, onde se sobrepem camadas de Histria de uma regio de povoamento milenar. Ou seguir pelo barrocal, em pomar de sequeiro, at Cacela Velha. Ou ir pelos sapais, ladeando as marinhas de sal. O areal mais prximo o da praia Verde. Fica a um quilmetro e meio.

    Nada parece fi car ao acaso. Tirando as camas, todo o mobilirio resulta de processos de recuperao com materiais locais, como madeira, cana, palma, junco

    FOTO

    S: V

    ASC

    O C

    ELIO

    /STI

    LLS

  • 20 | FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015

    PasseioAlgarve

    A novidade do mo-mento: a Companhia das Culturas, em Castro Marim, acaba de abrir um hammam. Tem um interesse econ-mico. A antroploga Eglantina Mon-teiro a primeira a diz-lo: Esto na moda os spas. Pode reforar a marca como lugar de retiro. Mas h tambm uma vontade de convocar uma memria.

    Pouco escapou fria do sismo que em 1755 foi seguido de um ma-remoto e ao hbito de construir sobre o construdo. De qualquer modo, no era ali que estavam os centros de poder de Al-Andalus. O Gharb al-Andalus foi uma regio perifrica. No teria a arquitectura que se v noutros lados.

    Do perodo islmico, no Sotavento algarvio dir-se-ia que quase s sobre-vivem algumas construes cilndri-cas de alvenaria, que serviriam de habitao, e ainda menos estruturas defensivas, mas no. As marcas es-to nos pormenores, no pomar, na casa, na intimidade, nas formas de estar, observa Eglantina Monteiro. Esta paisagem, a que muitos cha-mam natural, profundamente cul-tural. Tem muitas heranas, inclu-sive a rabe, que introduziu aqui o pomar de sequeiro, com pequenas almoinhas, pequenos osis, onde passa um pego de gua.

    Numa linha de puri cao do corpo, o profeta Maom estimulou os banhos a vapor. Os rabes no se puseram a inventar, garante o arquelogo Cludio Torres, presi-dente do Campo Arqueolgico de Mrtola. Fizeram verses dos ba-nhos greco-romanos. Adaptaram-se, conforme os climas e as guas.

    O hammam clssico comea com um momento de relaxamen-to e transpirao primeiro numa sala quente, depois noutra ainda mais quente. Entrando na sala de vapor, a pessoa deita-se numa mesa de mrmore e ensaboada e esfo-liada, com luva de crina de cavalo. Segue ento para a zona de arrefe-cimento.

    Cada terra teria um nmero de banhos pblicos ajustado dimen-so da populao. Uma terra como

    Um hammam a semear estrelas

    Mrtola teria s uns no largo princi-pal da vila, exempli ca Cludio Tor-res. Temos zonas de continuidade, que caram sempre, mas os banhos pblicos, com esta linguagem, de-sapareceram da arquitectura tradi-cional. Sofreu uma represso com a Inquisio.

    O uso de banhos pblicos e de termas era reprovado pela Igreja Ca-tlica, que os encarava como locais de preguia e vaidade. Era muito mal visto ir a umas termas ou a um hammam. Propagou-se ento a ideia de que tomar banho era mau para a sade. Os banhos frequentes s voltaram em fora Europa quando a razo e a cincia se sobrepuseram s crenas e aos mitos.

    A Companhia das Culturas quis recuperar a tal dimenso de puri- cao do corpo. Optmos por uma arquitectura contempornea que reporta arquitectura dos ham-mans, sublinha Eglantina Montei-ro. O que nos interessa dialogar, entender, adaptar a uma dimenso contempornea.

    A estrutura oval a gua escorre pela parede, no pinga destaca-se do conjunto de apartamentos. Tem uma espcie de furos que saem do tecto. Agrada-me o hammam com uma dimenso de luz, diz ela. A luz faz desenhos nas paredes. uma dissertao sobre a arte de semear estrelas.

    A grande preocupao dela e do marido, Francisco Palma-Dias, conhecer, entender o lugar, o ecos-sistema, e articularem-se com ele. Muitos dos leos essenciais que usam no hammam provm da Herdade de Vale Cvo, no Parque Natural do Vale do Guadiana, Mrtola. l que Fran-ois Goris destila ervas aromtica que nascem livremente pela serra alecrim, esteva, rosmaninho.

    DAV

    ID W

    EYA

    ND

    Esta paisagem, a que muitos chamam natural, profundamente cultural. Tem muitas heranas, inclusive a rabe

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 21

    CINCO EXEMPLOS DO QUE RESTA DOS MOUROS NO SOTAVENTOA antiga muralha de Faro Ateno porta monumental virada a nascente, conhecido por Arco do Repouso, perto da igreja de So Francisco. Apesar do traado do arco ter sido remodelado, restam as duas torres albarrs. No outro lado, na porta virada a Norte, h uma entrada em angra na qual se destaca um arco.

    Fortaleza de SalirSer um conhecido caso de fortaleza comunitria. Supe-se que serviria de abrigo aos camponeses que trabalhavam nas hortas, j que s tem dois hectares e parece nunca ter tido qualquer edifcio apalaado.

    Castelo de PaderneSer um dos exemplares mais significativos de arquitectura em taipa militar. Tem apenas uma porta em angra defendida por uma torre albarr. Dever ter servido como mero reduto militar ou fortaleza estratgica.

    Castelo Velho de Alcoutim uma das mais importantes estruturas defensivas do perodo islmico. Fica a um quilmetro da vila, indo para Norte, no chamado Castro de Santa Brbara, sobre o rio Guadiana. Ter sido abandonado no sculo XI.

    Minarete de Loul Apesar de s ter cinco quilmetros de muralha, Loul seria o mais extenso aglomerado da poca islmica sem contacto com o mar. Os estudiosos fazem referncia torre cimeira da igreja de So Clemente. Pela localizao e pelo tipo de silharia, presume-se que tenha sido minarete.

    Ocentro de Mr-tola est prestes a transformar-se num souk. No haver uma recriao histrica, com gurantes vestidos a rigor. Haver um mercado rabe dos dias de hoje, com artesanato, doaria, tecidos de Marrocos, da Tunsia, do Egipto, do Espanha, de Portugal, ou melhor, do Alentejo.

    J est a imaginar as bancas de ca-bedais, de djellabas, de incensos, de chs, de especiarias? E a animao espontnea? Uma danarina, um poeta, um cantor? Este ano, o Fes-tival Islmico de Mrtola vai de 21 a 24 de Maio e inclui a inaugurao de uma rplica de uma casa islmica, na Alcova do Castelo.

    A semana temtica, que se rea-liza desde 2001, parte do trabalho da equipa tcnica do Campo Arque-olgico de Mrtola, presidida pelo arquelogo Cludio Torres. Quando comearam as intervenes, j na dcada de 1970, o estudo do perodo islmico estava quase a zero. Agora, ponto assente que a antiga Mrto-la foi um entreposto comercial do mundo mediterrnico.

    Muitas ideias falsas foram sendo passadas de gerao em gerao sobre aquela fase particular da His-tria. No houve converso forada, enfatiza Cludio Torres. O mundo cristo justificou a islamizao do Sul, fundamentalmente da Pe-nnsula ibrica, com uma invaso militar. Os cristos no poderiam converter-se ao islo. Seria um re-trocesso, do ponto de vista europeu. Era preciso arranjar uma explicao e a explicao foi esta: eram muitos e obrigaram-nos a converter-nos. A ideia de invaso tambm convm ao islo: ramos to poucos a invadir que s por milagre de Deus conse-guimos. Houve invases, guerrilhas, mas o fenmeno da islamizao foi de converso.

    O arquelogo percebe isso ao analisar os prprios locais sagra-dos. No mundo rural h sempre uma fase em que a igreja utiliza-da em parte como mesquita, at que se transforma em mesquita. E torna a ser igreja com a chamada

    Mrtola, aqui to perto, celebra perodo islmico

    nnsula, ali por Coimbra? Porque essa a linha de separao do Me-diterrneo, esse o limite norte do Mediterrneo. As zonas islamizadas foram as do Mediterrneo. Somos a continuao do Norte de frica. Temos um povoamento berbere em poca pr-romana. Todo este mun-do ainda o mesmo. Foi separado pela reconquista e pela questo re-ligiosa depois, mas pertencamos mesma cultura e mesma gente.

    Ter conscincia daquilo parece-lhe particularmente relevante ho-je, que os europeus olham para o Magrebe e tm medo. O medo leva a olhar de outra maneira, com curiosidade, a querer sabe o que se passa, o que tem a ver connosco. Se comearmos a puxar o o, vm a coisas interessantes.

    Reconquista Crist, como se pode ver mesmo ali, em Mrtola.

    Havia um Mediterrneo com uma

    cultura comum, sublinha. Houve antes e houve depois. Por que que a islamizao parou a meio da Pe-

    AN

    TN

    IO C

    ARR

    APA

    TO

  • 22 | FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015

    DormirCasa Dona Maria Luiza

    Esta av tem uma casa moderna em Torre de Moncorvo

    Temos a chave da porta da frente, tomamos o pequeno-almoo na cozinha e temos uma governanta para nos ajudar. A Casa Dona Maria Luiza, em Torre do Moncorvo, no Douro Superior, a homenagem de dois netos a uma av de 91 anos. Ana Maria Henriques

    Oedifcio mais moderno do que a maioria que ocu-pa o centro de Torre do Moncorvo, vila transmontana cuja origem re-monta ao sculo XIII, e por isso no difcil perceber onde ca a Casa Do-na Maria Luiza. Quase se confunde com um prdio de habitao mas , na verdade, uma unidade hoteleira moderna e sossegada, gerida pelos ir-mos Andr e Joo Meneses. A partir das duas casas de famlia, contguas, os dois jovens decidiram fazer uma homenagem av, Maria Luiza, hoje com 91 anos. Muitas paredes foram

    deitadas abaixo, desnveis minimi-zados, traos rsticos eliminados. Quisemos apostar nas linhas mais contemporneas, sem pretensiosis-mos, tudo muito clean, branco e mi-nimalista, explica o primeiro irmo, enquanto nos d a provar um Porto tnico e amndoas cobertas, gesto de boas-vindas que, diz, repetido com todos os hspedes que escolhem pas-sar a noite na casa com o nome da sua av.

    So dez os quartos, divididos por dois pisos: duas sutes e oito duplos, todos com um tema. Os produtos da regio do nome a alguns dos quar-tos, cuja decorao e aroma giram volta do mel, do vinho, da amndoa, da azeitona, do azeite e da amendo-eira em or. Nos restantes, mantm-se o conceito, mudam os elementos:

    terra, ferro, gua e barro, que mar-cam a paisagem de Torre de Moncor-vo. Todos tm um provrbio e um desenho nas paredes, brancas e lumi-nosas, bem como os equipamentos normais e uma ptima ligao de In-ternet sem os, gratuita. Meia vida a candeia e o vinho a outra meia o provrbio que se pode ler na porta da casa-de-banho da sute do vinho, a nica com uma generosa banhei-ra de hidromassagem no centro do quarto.

    Quase nada resta dos dois im-veis antigos de famlia, mas Andr conta-nos que viveu numa das casas at aos 18 anos, quando saiu da vi-la para estudar fora como muitos o zeram e ainda fazem. Depois de alguns anos em Lisboa, xou-se no Porto, a partir de onde gere esta ca-

    sa feita hotel. Andr e o irmo Joo foram surpreendidos pelas taxas de ocupao acima da mdia da regio e j pensam em aumentar a famlia da Dona Maria Luiza com um projecto de agro-turismo, com adega e produo prpria, numa lgica complementar. Esta casa no centro da vila e, por isso, no te-mos uma piscina, por exemplo, que algo que falta. No Vero, no temos esse espao de lazer e, na tal quinta, vamos poder ter isso tudo, justi ca o consultor.

    uma casa de famliaO pequeno-almoo servido na mo-derna cozinha, numa mesa grande e comunitria. D. Teresa, a governanta da casa, pe a mesa de avental para quem vai descendo dos quartos, sem

    pressas, tal e qual como se estivsse-mos em casa da av. No temos que nos levantar para escolher fruta ou doces, est tudo ao nosso alcance. s variedades de po, branco ou de cereais, h para juntar os habi-tuais queijos, ambre e compotas caseiras. a D. Teresa quem faz as trs que provmos de gos, pra e geleia e, tambm por isso, sabe sugerir as melhores conjugaes. O queijo de ovelha de meia cura, da vizinha freguesia da Cardanha, imperdvel. O que apetece car pela cozinha familiar at que a ma-nh acabe, a provar a fruta da poca e a dar conta do queijo, bem deva-garinho.

    Como a todos os hspedes so da-das duas chaves da porta principal e do respectivo quarto , no h o

  • FUGAS | Pblico | Sbado 16 Maio 2015 | 23

    co Antnio Meireles, tem ainda um chafariz lipino mandado erguer em 1636. D para perceber que es-tamos numa terra com centenas de anos de vida, marcas antigas e bem preservadas em ruas onde carros no entram. Brases familiares or-namentam as casas apalaadas e a Igreja Matriz, que levou perto de cem anos a ser concluda, a maior de Trs-os-Montes.

    E porque todos temos direito a abraar um lugar-comum de vez em quando, porque no terminar a tarde nos bancos em frente aos sossegados Paos do Concelho, a apreciar o verde da serra do Rebo-redo e a histria da Sintra de Trs-os-Montes?A Fugas esteve alojada a convite da Casa Dona Maria Luiza

    Guia prtico

    CASA DONA MARIA LUIZA Rua Vasco da Gama, 435160-297 Torre de MoncorvoTel.: 279 254 086Email: [email protected]: quarto duplo a partir de 65 euros

    COMO IRSaindo do Porto pela A4, o ideal pode ser percorrer esta auto-estrada at Alij, onde se sai para o IC5, em direco a Miranda do Douro. Da, o IP2 com destino Guarda passa por Torre de Moncorvo, a cujo centro histrico se chega em poucos minutos pela variante.De Lisboa, seguir pela A1 at Torres Novas, trocando a para a A23, em direco a Castelo Branco, a percorrer at Guarda. Continuar pela A25 at esta se cruzar com o IP2 para Trancoso/Bragana. Na sada para Torre de Moncorvo, tomar a variante at ao centro da vila.