Mata Cardíaco Village Vert - Agora ficou fácil morar na Freguesia!
FUGAS | Público N.º 9956 | Sábado 22 Julho 2017...assistir à competição mundial de vert skate...
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Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
Vila do CondeO chá português que nasce na terra das caméliasGuinchoCaminhar entre o vento, a areia e o mar
ProtagonistaLourenço Lucena, o nez de Portugal
FUGAS | Público N.º 9956 | Sábado 22 Julho 2017
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2 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
Semana de lazer
Bilros e forró, brunch electrónico, skates e oliveiras. Esta semana até pode andar de pernas para o ar. Cláudia A. Marques
Rendas de bilros e forró
De um lado a delicada tradição secular vila-condense que se quer inspirada no mar. Do outro, as jóias, os ritmos e os sabores do Ceará. A 40.ª edição da Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde junta dois pontos (tão) diferentes na mesma malha, sempre com o mesmo objectivo: celebrar “a história e as tradições de um povo, através do seu labor e dos seus saberes”. A festa faz-se com mais de 200 artesãos, representantes das várias regiões nacionais e do estado brasileiro convidado, e com demonstrações da sua arte ao vivo. Ao recinto chegam também música popular, Jornadas Gastronómicas (com tapioca e açaí incluídos), oficinas e um concurso fotográfico.
Brunch para dançar
O conceito já não tem o selo de novidade: o Brunch Electronik agita Barcelona (Espanha) desde 2014 e regressa a Lisboa pelo segundo ano consecutivo, depois do sucesso da edição de estreia. A promessa é a de uma história diferente, a cada domingo, ao som de DJ de topo. São 12 os encontros marcados ao longo do Verão no Lago Branco, para tardes que têm como coordenadas dançar, comer, conviver e brincar num brunch de música electrónica servido com petiscos e actividades, para todas as idades (petit brunchers são bem-vindos). Gui Boratto, Robag Wruhme, Gunjah e Scharre abrem a pista. Nas próximas semanas seguem-senomes como Dave Clarke, Dubfire, Michael Mayer, Âme, Anna, Jasper James, Magda ou Mathew Jonson. É trocar o sofá de domingo por este cenário ao ar livre, com direito a sombras e sulfatadores de água para refrescar.
LISBOATapada da AjudaDe 23 de Julho a 8 de Outubro. Domingo, das 14h às 22h.Bilhetes de 9€ a 15€. Petit brunchers (até aos 11 anos): 5€
Setúbal é um Mundo
O tema que inspira a edição deste ano da Feira de Sant’Iago não engana. A cidade sadina mostra que é feita de muito mais do que choco frito. Na bagagem de séculos de história, ao longo de duas semanas, a multiculturalidade e riqueza do concelho está à prova através de música, teatro, exposições, gastronomia e artesanato, entre outras diversões. The Black Mamba, Herman José, Jorge Fernando, Tito Paris, Hands On Approach, HMB, Moonspell, Agir, Aurea, José Cid e Jorge Palma são alguns dos convidados a subir ao palco principal (a partir das 21h30). Nas novidades, destaque para o espaço da Tenda Alegro, que põe os produtos regionais de mãos dadas com Espanha, entre vinho, cerveja artesanal, queijo, azeite, conservas e tapas, e oferece sessões de cozinha ao vivo e aulas com chefs. A oferta não fica por aqui: se há quem não passe sem uma voltinha nos carrosséis, para outros, mais aventureiros, estão reservados passeios de balão de ar quente. Para dar mais mundo a esta feira.
Mais sugestões em lazer.publico.pt
VILA DO CONDE Avenida Júlio GraçaDe 22 de Julho a 6 de Agosto. Segunda a quinta, das 17h às 24h; sexta e sábado, das 15h às 00h30; domingo, das 15h às 24h. Grátis
SETÚBALParque Santiago - Manteigadas
De 22 de Julho a 6 de Agosto.Grátis
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 3
Agora e sempre
“Gigantes retorcidos, bojudos, enrolados sobre si mesmos ou explodindo em vários troncos, ao mesmo tempo pedra e seiva”. “Uma árvore mágica”. “Um ser vivo que atravessa os séculos”. A descrição que a canadiana Renée Gagnon faz das oliveiras é fruto do fascínio e da investigação que nasceu do contacto com as árvores ancestrais do Alentejo, em 2014. O resultado está à vista em Now and Ever Oliveiras, uma exposição de fotografias captadas na região portuguesa, mas também em Barcelona (Espanha) e na Sardenha (Itália) — imagens que retratam, em muitos casos, espécimes milenares. A curadoria é de Manuel Costa Cabral.
LISBOAMuseu das ComunicaçõesAté 30 de Setembro. Segunda a sexta, das 10h às 18h; sábado, das 14h às 18h. Grátis
Al-Buhera
Porque o Verão algarvio não se faz só de praia, Albufeira propõe cinco noites dedicadas a artesanato, gastronomia e música. Quem vai ao mar durante o dia não perde o lugar neste festival, que abre portas às 19h para mostrar que o que é nacional é bom, sem esquecer a riqueza além-fronteiras. Na montra, há artesãos portugueses lado a lado com criadores de Marrocos, Goa e Equador, peças em materiais como o cobre, a madeira, a cortiça ou o couro, e ainda frutos secos, compotas, mel, licores, gelados artesanais e doçaria regional, entre outras iguarias. O cartaz musical também é pautado pela diversidade: pelo palco passam Matias Damásio (dia 26), The Black Mamba (27), Resistência (28), Miguel Araújo (29) e HMB (30).
De pernas para o ar
Mais de 70 artistas de diferentes nacionalidades mostram
que a (sua) vida é um circo. O Vaudeville Rendez-Vous monta a tenda a norte e
leva artes de rua e circo contemporâneo a
vários espaços públicos de Braga, Famalicão e Guimarães. O
programa desta quarta edição,
prometem, é “rico e intenso”, com o que
de melhor se faz nesta arte, dentro e fora de portas. Além das
apresentações e espectáculos (alguns em estreia absoluta), a rede contempla debates, showcases e oficinas de acrobacia aérea, malabarismo e equilíbrio. Un Loup Pour L’Homme, La Migration, Sarabanda, LPM, Cie. Fred Teppe e Eia são algumas das companhias presentes no festival,
promovido pelo Teatro da Didascália, e que este ano se associa à CircusNext,
uma plataforma internacional de apoio aos novos talentos.
BRAGA, GUIMARÃES E VILA NOVA DE FAMALICÃO Vários espaçosDe 26 a 29 de Julho.Grátis
FUGAS N.º 893 Foto de capa: Paulo Pimenta FICHA TÉCNICA Di rec ção David Dinis Edição Sandra Silva Costa Edição fotográfica Nelson Garrido Directora de Arte Sónia Matos Designers Daniela Graça, Joana Lima
e José Soares Infografia Cátia Mendonça, Célia Rodrigues, Joaquim Guerreiro, José Alves e Francisco Lopes Secretariado Lucinda Vasconcelos Fugas Praça Coronel Pacheco, 2, 4050-453 Porto.
Tel.: 226151000. E-mail: fugas@pu bli co.pt. fugas.publico.pt
rvores
nd
a é
sexta, às 18h.
ALBUFEIRAPraça dos PescadoresDe 26 a 30 de Julho. Quarta a domingo, das 19h às 1h (concertos às 21h).Grátis
Tudo sobre rodas
Um half-pipe com sete metros de altura no Marquês de Pombal. Street skate no Martim Moniz e no Parque Eduardo VII. O Lisboa Stone Crushers põe as rodas nos três eixos alfacinhas e mostra o que de melhor se faz em cima de uma tábua. Durante três dias, é possível assistir à competição mundial de vert skate (modalidade onde entram rampas e manobras na vertical), ir a uma sessão de cinema (documentário Devoted, assinado por Lucas Beaufort, no Cinema Ideal) e visitar a exposição Skatomize (na galeria Underdogs).
LISBOAMarquês de Pombal, Martim Moniz e Parque Eduardo VIIDe 27 a 29 de Julho. Quinta, das 12h às 21h; sexta, das 12h às 23h30; sábado, das 12h às 2h.Grátis
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4 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
Cultivar chá verde no Minho? A ideia parecia louca quando Nina Gruntkowski e Dirk Niepoort pensaram nela pela primeira vez, há cinco anos. Mas esta Primavera já houve a primeira colheita e as primeiras experiências de fazer um chá artesanal seguindo as técnicas japonesas. Só que este transporta o terroir português e, dizem Nina e Dirk, “cheira a mar”. Alexandra Prado Coelho (texto) e Paulo Pimenta (fotos)
Nina, Dirk e o chá à beira-mar
a Um dia, quando ainda trabalhava
como jornalista para a rádio alemã,
Nina Gruntkowski quase interrom-
peu o seu entrevistado, um suíço
que escrevera um livro sobre chá,
de tal maneira fi cou entusiasmada
com o que ele acabara de dizer. O es-
pecialista explicava-lhe que existem
apenas duas variedades de planta a
partir das quais se faz chá, a camellia
sinensis e a camellia assamica.
“Quase estraguei a gravação”, re-
corda, sorrindo. “Queria saber se
essas plantas tinham a ver com as
camélias que nascem no Norte de
Portugal, na chamada terra das ca-
mélias, na área costeira do Minho.
Ele disse-me que sim, que eram da
mesma família. E eu, ‘Uau, então vai
ser possível plantar chá onde vivo
agora’.”
A alemã Nina vive no Porto com
Dirk Niepoort, produtor de vinho
que vem de uma família de origem
holandesa com grande tradição no
mundo do vinho do Porto e é conhe-
cido pela irreverência, criatividade
e vontade de experimentar coisas
diferentes. Uma das coisas que Dirk
há muito dizia que gostava de vir a
produzir era chá. E, nesse dia, Nina
chegou a casa com os olhos a bri-
lhar e uma planta de chá debaixo
do braço, oferta do seu entrevista-
do suíço.
“O Dirk queria plantar logo, mas
eu disse para a deixarmos no canto
mais frio da nossa horta e ver se so-
brevivia durante o Inverno.” Sobre-
viveu e “feliz”. Isso encorajou o casal
a encomendar mais 200 plantas e a
Chá Camélia
fazer uma primeira experiência no
jardim da casa do Porto. Ao lado da
horta nasceu uma plantação de ca-
mélias, talvez a primeira desde que,
no século XX, um português tinha
feito uma experiência semelhante,
em Ponte de Lima, mas entretanto
abandonada quando partiu com a
mulher para o Brasil. As camélias
que ao longo do tempo se tornaram
famosas no Minho são as plantas de-
corativas, com belas fl ores, mas que
não servem para fazer chá.
Durante dois anos, as camellias
sinensis foram crescendo no jardim
de Dirk e Nina e ao fi m desse tempo
os dois lembraram-se de um terre-
no um pouco mais a norte, onde os
pais dele tinham vivido mas que se
encontrava agora sem utilização.
“Pensámos que, no início do Mi-
nho, perto da costa, e numa terra
abençoada para as camélias, era o
sítio perfeito.”
Em 2014, as 200 plantas foram
mudadas para esta propriedade, em
Fornelo, próximo de Vila do Conde,
onde estamos agora e onde Nina nos
mostra como se pulveriza, com ca-
momila, urtiga ou cavalinha, confor-
me as necessidades e as alturas do
ano, essas plantas, as mais antigas
de uma família que não tem para-
do de crescer. Neste momento são
já 6500, ocupando meio hectare da
propriedade, e o objectivo é come-
çar a plantar as restantes até chegar
a um hectare.
Para quem não conhece, a planta
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parece igual a tantas outras que se
vêem nos campos de Portugal, folhas
verdes, um pouco grossas, resisten-
tes. Admiramo-nos por isso, confes-
sando que imaginávamos as folhas
do chá mais delicadas. Sim, claro,
explica Nina, mas de toda a planta,
só as três ou quatro folhas de cima,
as mais verdes, frescas e delicadas,
são colhidas na altura certa para fa-
zer o chá.
Depois de uma experiência muito
pequena no ano passado, esta Pri-
mavera Nina, Dirk e a equipa que
trabalha com eles neste projecto co-
lheram pela primeira vez uma quan-
tidade razoável — estamos a falar de,
no total, cerca de dois quilos — para
poderem experimentar numa escala
um pouco maior a técnica de fazer
chá que aprenderam no Japão.
Quatro horas decisivas
O processo não tem nada de simples.
Nina confessa que estava nervosíssi-
ma antes da colheita — “em quatro
horas podemos estragar tudo ou ter
um produto excelente”. No caso do
chá verde “de inspiração japonesa”,
como chamam ao que fazem em Por-
tugal, há entre seis e sete etapas que
é preciso fazer e que passam pela va-
porização, para evitar que as folhas
verdes oxidem e fi quem castanhas,
e depois por vários passos diferentes
para enrolar e secar.
“Rolar é importante para quebrar
a estrutura da folha e desencadear
uma reacção enzimática entre o suco
da folha e o oxigénio, que é o que dá
sabor. Se secarmos só ao ar livre ou
no secador não conseguimos sabor
nenhum”, diz Nina. “É preciso ter
atenção para que não fi que nenhum
bocadinho de humidade na folha,
pode criar bolor, por isso é impor-
tante secar completamente mas não
em excesso.”
São coisas que não se podem
aprender num livro, é preciso ver
e experimentar. Há, sublinha Nina,
um lado de “feeling” que é determi-
nante na arte de fazer chá. São as
mãos que dizem que está na altura
certa de passar para a fase seguin-
te. A primeira vez que Nina experi-
mentou fazer isso em Portugal foi
ainda com as plantas do jardim da
casa do Porto. Mais tarde, quando
receberam a visita do casal Morimo-
to — produtores do chá verde bioló-
gico japonês que a empresa de Nina
e Dirk vende em Portugal ( já vamos
contar melhor esta história) — Dirk
lembrou-se que ainda devia restar
um bocadinho desse primeiro chá
dentro de uma lata.
“Fiquei muito envergonhada, em
frente de produtores de qualidades
excelentes de chá e ele a falar do meu
chazinho. Disse que nem sabia on-
Nina observa “os bebezinhos” de que muito se orgulha: são as primeiras plantas que nasceram já de sementes de plantas criadas em Fornelo
Há um lado de feeling que é determinante na arte de fazer chá. São as mãos que dizem que está na altura certa de passar para a fase seguinte
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Chá Camélia
de estava mas ele insistiu ‘Não está
ali?’ e percebi que não ia conseguir
fugir daquela situação. Preparei o
chá com o coração a bater, pensando
que ia fi car uma desgraça. Mas os
Morimoto fi caram admirados. Per-
guntaram ‘Este é mesmo o teu pri-
meiro chá?’. Não é o melhor do mun-
do, claro, mas tem uma qualidade
onde se vê já que há um potencial.
A reacção deles já nos mostrou que
estávamos no bom caminho nesta
experiência muito louca.”
Passamos para a parte de baixo
da propriedade para vermos “os
bebezinhos” de que Nina muito se
orgulha. São as primeiras plantas
que nasceram já de sementes de
plantas criadas em Fornelo. Estão
com um ar saudável e pujante. “Ti-
vemos resultados muito acima das
nossas expectativas”. Geralmente é
mais difícil criar plantas a partir de
semente, pelo que o método mais
usado é o das estacas, mas neste o
que se obtém são clones, enquanto
que, com as sementes, cada planta
tem uma personalidade própria e é
muito mais resistente.
Seguimos depois para o pequeno vi-
veiro, todo construído com material
reciclado — outra das preocupações
desta produção é ser o mais susten-
tável possível —, onde Nina nos expli-
ca que o objectivo é ir mais longe do
que ter um certifi cado biológico, é
trabalhar no ciclo da natureza, usan-
do “o que ela nos dá para criar fertili-
dade”, sem necessidade de recorrer
a produtos da indústria, mesmo que
sejam biológicos. “Isso é que é o fu-
turo”, afi rma, convicta.
“É o nosso chá, não é?”
Talvez a principal razão pela qual
não há produção de chá em Portu-
gal continental (existe apenas nos
Açores) é porque se trata de algo
muito trabalhoso, que exige grande
paciência. Nina e Dirk sabiam disso
quando entraram nesta aventura. É
preciso esperar cinco anos para se
poder fazer a primeira colheita (que
Este foi o ano em que Nina e Dirk (foto em baixo) colheram pela primeira vez uma quantidade razoável de plantas
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 7
e chegou a um acordo para vender
os seus chás para a Península Ibé-
rica.
Com o tempo, foram surgindo ou-
tras ideias. “Como sabíamos que ia
demorar a haver um chá português,
visitámos com os Morimoto uma
produção de plantas aromáticas em
Portugal e surgiu a ideia de fazer um
chá já com um toque português. Jun-
to com eles, inventámos a primeira
mistura de chá verde do Japão com
erva-príncipe biológica de Portugal.”
De seguida nasceu o sencha limão,
que junta o chá japonês com casca
de limão biológico e, por fi m, outra
mistura, esta com pétalas de rosa.
“Somos contra as misturas com mui-
ta química, muitos aromatizantes.
Aqui só entra o que a natureza nos
dá e com aromas menos fortes, de
outra forma nem nos apercebemos
do sabor do chá.”
Outra parceria foi criada com a
Feitoria do Cacau, de Aveiro, duas
produtoras que fazem chocolate be-
an to bar, trabalhando os grãos de
cacau em Portugal, e que estão a pro-
duzir com os Chá Camélia um choco-
late com matcha, o chá feito a partir
das folhas mais jovens, cultivadas à
sombra e moídas num pó fi no.
Agora, fi nalmente, o tempo de es-
pera começa a dar frutos e, na pro-
priedade de Fornelo, já é possível
experimentarmos o chá das plantas
criadas em Portugal, na “terra das
camélias”. Nina prepara cuidadosa-
mente a bebida, aquecendo a água
até aos 85/90 graus e deixando em
aconteceu fi nalmente este ano). Pre-
cisamente por isso, acharam que era
importante ir apresentando aos con-
sumidores portugueses o chá verde
japonês de qualidade.
Foi assim que, em 2012, nasceu a
marca Chá Camélia, nesta primeira
fase para vender apenas chás produ-
zidos no Japão. Através de contactos
na Alemanha, Nina chegou ao casal
Morimoto e a três outras famílias
de produtores biológicos no Japão c
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Chá Camélia
Vamos envelhecer chá em pipas de vinho do Porto?a À primeira vista, a rua moderna
de Quioto, no Japão, não parecia
particularmente promissora. Mas
a pequena loja chamou a atenção
de Dirk Niepoort. O produtor de vi-
nho português disse à mulher, Nina
Gruntkowski, que devia ser uma lo-
ja centenária. Ela não estava muito
convencida mas encantou-se com
um bule e entraram. Foi então que
repararam nas ânforas de barro.
“São para envelhecer chá”, ex-
plicou-lhes o dono do estabeleci-
mento. Nenhuma resposta poderia
ter agradado mais a Dirk. “O que
ele dizia sobre chá é exactamente
o que eu digo sobre vinho, que os
enólogos não percebem nada, que
as universidades ensinam as coi-
sas erradas, que hoje a moda é os
chás serem empacotados a vácuo
porque se pensa que quanto mais
jovens e frescos, melhor, quanto
menos oxidação tiverem, melhor.”
O dono da loja achava exactamente
o contrário — que é necessário dar
tempo aos chás, deixá-los evoluir,
permitir-lhes que ganhem comple-
xidade. “É o que eu penso sobre os
vinhos brancos.”
Quando provaram os chás que
compraram nessa loja, todos eles
envelhecidos, perceberam rapida-
mente a diferença. “Têm uma di-
mensão e complexidade que não é
habitual num chá verde. Chegamos
à conclusão que o mundo não é bem
o que a gente pensa, há muitas nu-
ances. Estes chás são menos fruta-
dinhos e bonitinhos.” Mais tarde,
numa viagem à Coreia, visitaram
uma plantação de chá e uma cave
onde este era envelhecido em caixas
de madeira de cedro. “O Dirk fi cou
muito ligado a esse ambiente bonito
e pensámos que podia ser uma ideia
muito interessante”, conta Nina.
A ideia amadureceu e Dirk pensou
no óbvio: sendo de uma família de
produtores de vinho do Porto, por-
que não colocar o chá a envelhecer
dentro de uma pipa? É uma bonita
pipa pequena, de 1987, e guarda há
cerca de dois meses dez quilos de
chá Oolong. “O chá verde é dema-
siado delicado”, afi rma Dirk. “O Oo-
long [que é um chá semi-oxidado,
a meio caminho entre o verde e o
preto] é mais estável. Se fosse o ver-
de, o vinho do Porto iria destruir a
personalidade do chá. Mas com este,
o meio cheiroso forte vai dar uma
dimensão, em termos aromáticos e
de sabor, extraordinária.”
Ao fi m de dois meses já é possí-
vel perceber como resulta. Abre-se
a tampa da pipa e esta liberta o de-
licioso cheiro das borras de vinho
do Porto misturado com o chá. “O
pipo não foi lavado, tinha as borras
e é preciso ter muito cuidado para
não aparecerem parcelas mais hú-
midas”, explica Dirk. Nina acrescen-
ta outro detalhe: “O chá seco tem
tendência para atrair cheiros. Se o
deixarmos ao lado de um queijo, vai
saber a queijo. Porque não o vinho
do Porto? E o Oolong, que é ligei-
ramente fl oral, com um aroma me-
nos taninoso que o chá preto, tem
mais espaço para atrair os aromas
do Porto.”
Entre os planos de Nina e Dirk es-
tá o de irem à Tailândia aprender a
fazer chá Oolong, um processo ain-
da mais complexo, com 12 a 14 pas-
sos (enquanto o chá verde tem entre
seis e sete) para experimentar como
resulta em Portugal com o chá que
plantaram em Fornelo — a incógnita
tem a ver com os níveis de humida-
de, que são diferentes. Mas até lá
vão usando chá importado.
Os mundos do vinho e do chá não
são tão distantes como se possa pen-
sar. Dirk sabe-o bem: “São os dois
aparentemente simples mas ambos
incrivelmente complexos e profun-
dos. Fazer vinho, evitar que o mos-
to se transforme em vinagre, é uma
coisa básica, mas há as pequenas di-
ferenças que fazem toda a diferença.
No chá, a planta é toda a mesma,
mas são os detalhes que fazem a di-
ferença. As pessoas pensam que são
as grandes decisões que importam,
mas não é assim.”
Em breve vão receber mais chá
Oolong que vão colocar numa pipa
maior. Mas a primeira pipa peque-
na vai continuar a guardar o seu
chá para ver o que acontece com
a passagem do tempo. “Esta é para
esquecer. Pode fi car aí um ano, três,
cinco”, diz Dirk. O outro será para
colocar no mercado, se tudo correr
bem, no fi nal do Outono, início do
Inverno. E já tem nome, juntando
duas palavras, à maneira japonesa.
Vai chamar-se Pipachá.
A pipa de 1987 guarda há cerca de dois meses dez quilos de chá Oolong. “O chá verde é demasiado delicado, o Oolong é mais estável”, explica Dirk
infusão durante dois a três minutos.
“Para o chá de folhas inteiras, como
este, é preciso um pouco mais de ca-
lor para libertar os aromas.” Tem um
sabor delicado, subtil, mas com algu-
ma complexidade e profundidade.
Provamos depois o chá japonês
que serviu de inspiração para este,
para compararmos. É fácil perceber
que são diferentes. Isso é muito bom,
diz Nina. “Temos características de
clima parecidas com o Japão, mas
temos diferenças também, as pedras
não são iguais, as plantas à volta, a
proximidade do mar, o próprio mar
não é igual. O terroir é um conjunto
de factores que se revelam depois
no produto. Aqui pode ser diferente
de Ponte de Lima. Daqui para outro
continente não é difícil imaginar co-
mo pode ser diferente.”
Não lhes interessava fazer mais
um chá japonês — isso é algo que os
japoneses já fazem melhor do que
ninguém. Querem um chá com uma
personalidade própria. Dirk conta
que há dias pregou uma partida a
Nina. Abriu uma caixa de chá que
tinham trazido de Paris, pedindo-
lhe para ela adivinhar o que seria e
dizendo-lhe que era um chá chinês.
“Para ela podia ser qualquer coisa,
era uma incógnita”, conta.
“Ela cheirou e disse ‘Isto é fan-
tástico, parece o nosso chá, cheira
a mar, a maresia, é muito fresco’.”
Dirk manteve a brincadeira mais uns
momentos, até que Nina o desmas-
carou: “É o nosso chá, não é? Mas
é muito bom.” Dirk rendeu-se: “O
que é bonito é ele ter uma identidade
tão forte que tu o reconheceste. Não
estamos a tentar copiar ninguém,
mas ele é muito melhor do que a
gente pensava. Estamos à beira do
mar. Será que tem alguma infl uên-
cia? Nunca pensei que tivesse. Mas
é fácil reconhecer o nosso chá pela
maresia.” É um chá que traz o mar
à terra das camélias.
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 9
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O que é preciso
saber sobre o
chá verde
Os tipos de chá
BanchaProduzido a partir de folhas mais
desenvolvidas, tem menos cafeí-
na (a cafeína serve para afastar os
insectos das folhas mais jovens e
tenras) e mais ferro, zinco e outros
minerais.
HoujichaLevemente tostado, o que faz com
que não tenha cafeína, é aconselha-
do para dias mais frios.
KukichaFeito com caules e folhas fi nas, va-
porizado mais tempo.
SenchaÉ o mais típico chá verde japonês.
KamairichaAs folhas são aquecidas a seco numa
panela de ferro e não vaporizadas.
MizudashiPrepara-se com água fria, indicado
para dias quentes.
GyokuruPara ocasiões especiais, é feito ape-
nas com as folhas mais jovens da
primeira colheita, que cresceram à
sombra. Elevada quantidade de ca-
feína (permite fazer várias infusões
e não apenas uma).
Como preparar
A água é fundamental. Deve, de pre-
ferência, ser fi ltrada ou engarrafa-
da para que os sabores sejam mais
neutros.
A temperatura é tão fundamental
como a qualidade da água. As emba-
lagens indicam a temperatura ideal
para cada tipo de chá, que deve an-
dar em torno dos 70/80 graus.
Deve-se preparar pouca quantida-
de de cada vez, num bule pequeno
(se possível um Kyusu, bule japonês
com rede integrada por dentro) e
deitar a água directamente sobre as
folhas, dando-lhe espaço e o tem-
po necessário (os minutos também
são indicados na embalagem) para
abrirem. Filtra-se com um coador.
Habitualmente o chá verde é bebido
numa pequena malga. O matcha tem
uma forma de preparação própria,
com um batedor de bambu, o cha-
sen. Todos os utensílios são vendi-
dos na loja online do Chá Camélia.
Quanto à cafeína, cada tipo de
chá tem quantidades diferentes.
Devem-se fazer várias infusões e
podem-se escolher chás diferentes
para a manhã, a tarde e a noite.
MatchaFeito com as folhas mais jovens cul-
tivadas à sombra e moídas, é usado
desde o século XII pelos monges
budistas para aumentar a concen-
tração. Existe uma variedade, mais
económica, para usos culinários.
Acaba de sair em Portugal O Livro
do Chá Matcha (ed. Planeta), com
várias receitas.
Visitas à plantaçãoA plantação do Chá Camélia, em Fornelo, Minho (a 30 minutos do Porto), pode ser visitada na última sexta-feira de cada mês (a próxima visita é no dia 28 de Julho). Há duas visitas guiadas, uma às 10h30 e outra à 14h30, seguidas de uma pequena degustação de chás (que podem ser comprados no local). Inscrições em [email protected]. Mais informações no site chacamelia.com (que é também loja online e tem indicação de todos os pontos de venda).
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10 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 11
Lourenço LucenaUm perfume é como um livro, com um enredo e várias personagens
a Marcamos encontro no Jardim
Botânico Tropical, em Belém. É
meio-dia de um dia de semana
ameno. Sentamo-nos num banco
de frente para a longa alameda
ladeada de palmeiras e à sombra
de uma árvore de copa larga, que
de vez em quando deixa cair uns
frutos que parecem fi gos anões.
Ouve-se o chilrear dos passarinhos
e os “gritos” dos pavões. Cheira
a...
“Cheira a quê?”, perguntamos
ao perfumista Lourenço
Lucena (que acabou de lançar
a primeira eau de parfum com
a sua assinatura, o Acqua di
Portokáli). Olha à volta, faz
uma pausa, e responde: “Há
aromas indefi nidos, com notas
muito verdes, não é? Se dermos
aqui umas passadas vamos
identifi car mais alguns aromas.
Basta começarmos a mexer na
madeira, nos troncos e nas folhas
e certamente será mais evidente.
Se eu puder ser um bocadinho
batoteiro, diria que existindo
jacarandás há uma riqueza
olfactiva espectacular, sobretudo
em fi nal de Maio e início de Junho,
com as fl ores roxas a desabrochar
e aquele aroma resinoso, muito
intenso, muito denso.”
Um perfumista habitua-se a
activar o sentido que mais vezes
deixamos adormecido e a dar
importância a detalhes que muito
frequentemente nos escapam. “O
olfacto foi dos sentidos humanos
mais usados há uns milhares de
anos, nomeadamente na pré-
história, mas com a evolução
da espécie deixámos de lhe dar
importância. Hoje em dia o nariz é
quase acessório. Andamos muito
desatentos, mas tudo tem um
cheiro. E tudo seria mais divertido
se nos déssemos mais tempo para
sentir esses pequenos detalhes.”
Podemos praticamente
traçar a sua biografi a com base
nas memórias olfactivas ( já
agora, Lourenço Lucena tem
47 anos e nasceu em Lisboa). A
Resposta rápida
Quais os cheiros que não suporta?Lixo, ovo podre, Cerveja e bebidas alcoólicas no chão queimado pelo sol, depois de uma noite de excessos.
Porque há tão poucos perfumistas em Portugal?Porque é uma actividade rara. No mundo, no activo, somos cerca de 800 profissionais. Por outro lado, porque não existe uma indústria afirmada na área dos perfumes em Portugal.
Qual a importância de ser-se membro da Société Française des Perfumeurs?Mais do que um título, o que valorizo na SFP é a facilidade de acesso a informação, conferências, congressos, encontros e uma porta aberta para o contacto com todos os membros. Ser membro da SFP é um garante profissional perante outros profissionais e perante a indústria.
?primeira é a do picadeiro onde
fazia volteio, aos dois anos e
meio. O espaço já não existe,
mas o cheiro a estábulo é o
sufi ciente para o reconstruir.
E se lhe aproximarmos do
nariz um ramo de lúcia-lima,
imediatamente voltará a ser a
criança que brincava na casa dos
avós no Monte do Estoril, onde a
numerosa família passava férias.
Depois há o cheiro da areia e do
mar batido de Inverno, do tempo
que passou em Pedras d’El Rei,
no Algarve, entre 1975 e 1976.
Há a grande excitação de, aos
12 anos, depois de juntar várias
mesadas, comprar o primeiro
perfume: Kouros, da Yves Saint-
Laurent (a seguir veio um Aramis,
“muito masculino”, depois o
Fahrenheit, da Christian Dior).
Esta é uma paixão que chegou
cedo, portanto, mas que acumula
com outras: com a música, a arte
contemporânea, a publicidade.
Lourenço Lucena já era casado
e pai de fi lhos quando decidiu
que queria fazer uma formação
em Composição de Perfumes na
Cinquième Sens, em Paris — agora
é o único nez português que faz
parte da Société Française des
Parfumeurs. Na sua empresa
de publicidade, a Blug, era
frequente dedicar-se a traçar o
perfi l olfactivo de uma ou outra
marca. Como é que isso se faz?
Exemplifi ca com o trabalho que
em 2006 desenvolveu para a EDP,
“a maior empresa de Portugal,
altamente dinâmica, que pela
sua actividade cria conforto”, e
que no geral tem uma imagem
relativamente feminina. Criou
um perfume de ambiente que
junta o cheiro da erva acabada
de cortar (dinamismo), cedro
seco (a madeira passa a ideia
de solidez), tronco de rosa
(um aroma fl oral, sem ser
espampanante, mas feminino) e
baunilha (que transmite conforto,
como biscoitos acabados de sair
do forno). Fez o mesmo para a
Carris, num perfume inspirado
em Lisboa, com a brisa do Tejo
e o cheiro a especiarias. “Tinha
a canela, dos pastéis de nata,
manjerico, aroma da roupa lavada
que se vê nos estendais.”
O acto de compor um perfume é
“semelhante ao acto de cozinhar”,
diz. “Antes de um chef criar uma
receita já visualizou o prato.
Houve antes o trabalho de pensar
na história que se quer contar
para depois fazer a concretização,
que é o acerto de vários
elementos.” Neste caso, mais do
que um nariz ou paladar apurado,
entra “a noção de equilíbrio e do
belo”.
Lucena também se dedicou
a fazer perfumes para pessoas
ou projectos (como o cantor
moçambicano Stewart Sukuma
ou o Casa Comigo Lisboa), à
venda em lojas. E perfumes
costumizados, totalmente
personalizados: fez cinco e
recusou vários, porque exigem
muito tempo. “É preciso entrar
na pessoa, conhecer o seu gosto,
a sua personalidade, o que
come, que música ouve, como
se relaciona com os fi lhos. É um
retrato psicossocial.”
E ao fi m de dez anos a encontrar
Francisca Gorjão Henriques
FOTOS: MÁRIO LOPES PEREIRAo cheiro dos outros, decidiu que
estava na altura de assumir a
sua própria identidade — através
da identidade do país. O Acqua
di Portukali é inspirado numa
fórmula clássica da perfumaria,
o Água de Portugal, “que tem
mais de 100 anos”. “Ainda hoje
não consigo encontrar a história
dessa fórmula, mas há algumas
referências. A base é cítrica
porquê? Porque os portugueses
é que trouxeram a laranja da
China. Muitas vezes é referido
que as laranjas portuguesas são
as melhores para a perfumaria,
porque são as mais doces, mais
sumarentas, mais aromáticas. É
‘a’ laranja [que em grego se diz
portukali, daí o nome]. Decidi
recuperar essa fórmula, mas
rapidamente percebi que se a
replicasse hoje ela pareceria
antiquada, porque tinha neroli
(um cítrico denso um bocadinho
fl oral e muito pesado, quente) e
muita fl or de laranjeira. Retirei
isso e adicionei bergamota, rosa
branca e madeira de cedro para
lhe dar contemporaneidade.”
Abre-se o frasco, um cubo
preto, com o nome serigrafado a
cor-de-laranja, e o que se sente?
“O perfume tem um primeiro
impacto muito cítrico, com a
laranja à cabeça empurrada
pelo limão e a bergamota — é
quase uma laranja acabada de
espremer. Mais tarde aparece a
rosa branca e no fi nal o cedro.
O perfume é como um livro, em
que vão aparecendo as várias
personagens. É uma história
que se vai revelando”.
Acqua di PortukaliO frasco, de 120ml, custa 120 euros, e a produção é limitadaÀ venda na Embassy - Niche Perfumery, em Lisboa ou em https://acquadiportokali.com/
Protagonista
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12 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
Bruges
É uma das mais notáveis reminiscências urbanas da Europa medieval. Após três séculos de decadência, renasceu pela mão de um romance simbolista que a tem como personagem, e acabou encenada várias vezes no cinema. Itinerário em busca dessa Bruges que sobrevive nas entrelinhas das memórias literária e cinematográfi ca. Humberto Lopes (texto e fotos)
Uma cidade quase humana
a Há quase seiscentos anos, por
volta de 1426, um viageiro ilustre
percorria a Europa, de Roma a Lon-
dres, de Veneza a Bruges, estanciava
nas cortes mais poderosas do con-
tinente em missão diplomática ao
serviço de um reino que se tinha
saído bem numa batalha que fi cou
conhecida como de Aljubarrota.
Espírito cosmopolita alimentado
por estas andanças sem muros, vê-
se que arribou a Bruges com clare-
za de ideias na bagagem e o fi rme
propósito de as endereçar a quem
de direito no reino distante em que
havia deixado casa e irmãos - os da
Ínclita Geração.
Parece judicioso concluir que não
terá sido apenas fortuito acaso, um
tempo vago de afazeres, que levou
o Infante D. Pedro a pegar na pena
e a escrever ao seu irmão D. Duarte
a famosa Carta de Bruges. A missi-
va era uma espécie de testamento
político que parecia adivinhar o re-
trocesso feudal que aconteceria nas
décadas seguintes em Portugal, um
dos períodos mais obscuros da his-
tória do país, depois de o Infante ter
sido afastado da regência do reino, e
de ter o irmão, D. Afonso V, fi cado à
mercê da infl uência e dos interesses
de uma velha nobreza retrógrada
e alheia às mudanças que no con-
tinente - e Bruges era um notável
exemplo - anunciavam o fi m dos
tempos medievais.
Nesse primeiro quartel do sécu-
lo XV, já a cidade fl amenga se tinha
afirmado como um porto movi-
mentadíssimo e cosmopolita, um
próspero pólo de comércio interna-
cional e berço da emergente econo-
mia capitalista, um modelo de go-
vernação e, enfi m, uma vera cidade
de vanguarda à escala europeia. O
esplendor de Bruges surgiria, pois,
como circunstância propícia, politi-
camente credível, para a escrita do
texto em que D. Pedro lavrava con-
selhos à administração das coisas
do reino lusitano. Um desses avisos,
certamente ilustrado por quanto o
príncipe vira de governação mais as-
sisada em Bruges e noutras paragens
europeias, parece atentar em malei-
ta tão estrutural que ainda hoje nos
soa espantosamente familiar: “Um
dos erros que lesam a prudência é o
número exagerado das pessoas que
fazem parte da casa do Rei e da dos
príncipes. De onde decorrem as des-
pesas exageradas que recaem sobre
o povo, sob a forma de impostos”.
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 13
Voltando à Bruges contemporâ-
nea: além de integrar uma das estru-
turas urbanas medievais mais bem
conservadas da Europa, classifi cada
pela UNESCO, a cidade tem alguns
“segredos” que podem ser preciosos
factores para a mais valia-cultural
da viagem - coisa assaz estimável
nestes tempos de cidades bem ata-
viadas e frequentadas por muitos
milhares de turistas - como é o caso
de Bruges. Exagero: a ideia de sigilo
é uma torção hiperbólica. Não são,
de todo, segredos; serão, uns mais e
outros menos, dimensões da textura
cultural a que nem sempre o viajan-
te apressado tem a oportunidade de
conceder a merecida atenção. Por
exemplo: Bruges na literatura e no
cinema e como essa presença aju-
dou a devolver glória e esplendor a
esta bela cidade da Flandres.
A cidade que viveu duas vezes
Houve um tempo, depois que brilha-
ram as luzes da ribalta para a cidade
fl amenga, ao longo dos séculos XIV
e XV, em que a sombra da decadên-
cia desceu sobre Bruges. O assorea-
mento do porto, o afastamento do
mar, a deslocação dos eixos de co-
mércio, a ascensão de Antuérpia,
a transfi guração das conjunturas e
equilíbrios políticos na Europa, com
a Revolução Industrial a passar bem
ao largo, deixaram Bruges à margem
de grandes mudanças forjadas pela
modernidade. Um mal de dois gu-
mes, como se veria, o segundo deles
benéfi co a prazo: a conservação da
estrutura urbana medieval datada
do século XII é hoje a galinha dos
ovos de ouro da cidade, um factor
de atracção de milhares de visitan-
tes e um dos esteios da economia
local.
Escreve o acaso, insuspeito deus
de pequenas e grandes coisas, por
linhas empenadas. E não fi caria
mal citar o velho Eurípedes: “O es-
perado nunca se cumpre e para o
inesperado um deus abre a porta”.
Claro que isto é tão verdade como
o contrário, mas assim entendamos
a iluminação que caiu sobre o es-
critor belga Georges Rodenbach,
que quase no fi nal do século XIX
se lembrou de situar um romance
na então agonizante Bruges e fazer
da cidade verosímil e omnipresente
personagem de um livro de timbre
simbolista, consonante com o que
era então o air du temps entre algu-
ma intelligentsia literária na Europa.
Bruges la morte veio ajudar a reacen-
der as luzes sobre o burgo esqueci-
do e dele fazer objecto amado por
almas convenientemente decaden-
tes. Três décadas depois, em 1920,
a ópera Die Tote Stadt reforçava a
atenção sobre o livro de Rodenbach,
que inspirou o autor, o compositor
alemão Erich Wolfgang Korngold.
A intriga fi ccional de um homem
imerso num luto obsessivo pelo de-
saparecimento da mulher resistiu
à passagem de tempo e gerações:
acabou, ainda, em inspiração de
um policial francês que seria depois
adaptado ao cinema, daí resultando
aquele que recentemente foi consi-
derado nas páginas da revista Sight
and Sound o melhor fi lme da história
do cinema, ultrapassando o vetera-
no Citizen Kane, de Welles: Vertigo,
de Alfred Hitchcock, que em Portu-
gal foi rebaptizado como A mulher
que viveu duas vezes. Tal como na
história original, mas sem as melan-
colias de Rodenbach, um homem
tenta obstinadamente reconstituir
noutra mulher alguém que a morte
levou - e a história, tal como no livro,
acaba mal.
Mas na adaptação cinematográfi -
ca quase nada subsiste da originali-
dade da história de Rodenbach, que
é a da concepção da cidade, do es-
paço urbano de Bruges, com os seus
canais, as suas ruelas, as suas casas
estreitas de fachadas pontiagudas,
como uma personagem - uma per-
sonagem com direito a determinar
o curso da fi cção e os estados de
alma dos viventes. Logo no início
do romance fi camos a saber que
“neste estudo passional quisemos
também, e sobretudo, evocar uma
cidade - a cidade como personagem
fundamental, associada a estados
de alma, que aconselha, dissuade,
determina a agir”.
A cidade quase se dota de um po-
der demiúrgico, sugere-nos Roden-
bach na breve mas clara advertência
ao leitor: “Na realidade, esta Bruges
surge quase humana... E estabelece
um ascendente sobre as gentes que
ali vivem.”
Só muito mais tarde, uma cente-
na de anos depois da publicação do
livro, a cidade surge na tela com um
estatuto de personagem ou perto
disso, em adaptações directas do
livro, produções com diferentes
origens, belga, francesa, argentina
e uma quarta com assinatura do ci-
neasta independente Ronald Cha-
ser. Mais recentemente, em 2008,
voltou a ter honras de cenário privi-
legiado, desta vez de uma comédia
negra - no fi lme Em Bruges -, e cons-
ta que essa aparição terá tido uma
quota-parte de responsabilidade no
aumento do número de visitantes
nos últimos anos.
Bruges, apesar de Bruges
Sigamos os passos do protagonista
do livro, Hugues Viane, através de
díspares espaços urbanos de Bruges
- díspares ora porque a contempo-
raneidade turística os desfi gurou,
ora porque se mantêm fi éis a uma
atmosfera um tudo-nada fora do
33km
BÉLGICA
Bruges
Bruxelas
589
694
Mar do Norte
F R A N Ç A
L U X .
H O L A N DA
ALEM
AN
H
A
33km
ABÉLGGICAA
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Mar do Norte
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14 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
Bruges
Além de integrar uma das estruturas urbanas medievais mais bem conservadas da Europa, classificada pela UNESCO, Bruges tem alguns “segredos” que podem ser preciosos factores para a mais valia-cultural da viagem. Percebe-se isso com facilidade quando se erra pelas suas ruas e ruelas
tempo. Pode ser um itinerário por
essa cidade de esplendor perdido
e reencontrado, taciturna, nas pá-
ginas de Bruges la morte - um inte-
ressantíssimo itinerário, uma Bruges
malgré Bruges, um pouco à margem
das hordas turísticas que sitiam, so-
bretudo aos fi ns-de-semana, o cen-
tro histórico da cidade. São esses os
dias preferidos das avalanches - não
é hipérbole - de turistas belgas, fran-
ceses e ingleses.
O cais onde Rodenbach situou a
casa de Hugues Viane, o Rozenho-
edkaai, está longe de garantir o am-
biente soturno da cidade moribunda
do século XIX, mesmo se os perga-
minhos do casario saltam à vista. O
recanto foi tomado de assalto pelo
turismo, ainda que não necessaria-
mente por causa do literário infor-
túnio de Monsieur Hugues. Só num
pequeno restaurante vislumbrei um
cartaz com uma reprodução da capa
do livro, o que não quer dizer que
na cidade um empreendedorismo
com olhos de falcão não esteja aten-
to ao pousar da presa. Ainda que o
romance tenha em Bruges os seus
cultores, empreendedores mais ou
menos turísticos e espíritos que lhe
honrem a memória, não será muita
a gente forasteira que se perde pe-
la cidade em busca dos ambientes
lúgubres do livro ou com curiosida-
de por aquela secreta alquimia que
transforma lugares em páginas lite-
rárias. Mas é verdade que esse inte-
resse tem vindo a ganhar adeptos e
que da parte da oferta cultural uma
série de iniciativas de índole cultu-
ral apela à memória e ao legado do
imaginário simbolista do livro.
O livro de Rodenbach continha
uma curiosidade singular - foi o pri-
meiro a incluir fotografi as, na altura
uma “arte” emergente, pelo que foi
olhado com alguma desconfi ança
pela sempre prudente, amiúde em
excessos de cegueira, classe dos edi-
tores. Essas imagens podem, afi nal,
ser hoje companhia de andança pe-
lo velho burgo. Para levar a coisa a
sério, escolha-se um desses dias (ou
noites) pardos e fl amengos que en-
chem a cidade de ares húmidos e de
farrapos de nevoeiro a fl utuar sobre
os canais, e fazem baixar ainda mais
os céus carregados da Flandres.
Pelo canal Spiegelrei também
passam as lanchas abarrotadas de
turistas, mas o quarteirão, uma zo-
na residencial, é mais sossegado e
transborda carisma. Entre as fi leiras
de casas alvas e avermelhadas dos
dois lados subsistem alguns dos edi-
fícios mais antigos de Bruges, dos
séculos XV e XVI. A vista do cais
Spiegelrei - Cais du Miroir, em fran-
cês, uma antiga zona de mercado
na Idade Média - é fotogénica q.b.
para cativar fotógrafos e fazedores
de homemade postcards, como ironi-
zava um divertido arrais ao navegar
ao longo do Groenerei numa manhã
de neblinas, daquelas que ajudam a
compor atmosferas nas fotografi as.
As navegações nos barquinhos pelos
canais mostram vistas panorâmicas,
é verdade, mas passam à distância
da essência de Bruges, as ruelas que
desde a Idade Média se fi zeram para
calcorrear a pé – e de preferência
fora da vertigem estival.
Adiante: o Spiegelrei veio ao ver-
bo porque Monsieur Hugues por
aqui gostava de dar os seus macam-
búzios passeios, talvez para alter-
nar com o mergulho nas escusas e
tristonhas vielas medievas. Nesta
secção do canal a vista é arejada
e nada claustrofóbica, aliás. Tal-
vez até o personagem de Bruges la
morte aqui viesse intercalar o luto
com um pouquinho de horizonte.
Anacronismos perdoados, quiçá
até pudesse lamentar, como Brel,
numa cantoria de amores desvane-
cidos ou bem (mal) inumados: “Ay
Marieke, Marieke, le ciel fl amand /
Couleur des tours de Bruges et Gand
/ Ay Marieke, Marieke, le ciel fl amand
/ Pleure avec moi de Bruges à Gand”.
Marieke, ou Marijke: é curioso acaso
este equivalente fl amengo de Marie,
a fi gura feminina desaparecida que
o atormentado Hugues tenta recons-
tituir numa obscura dançarina que
conhece no teatro de Bruges.
No campanário, com James Stewart e Kim Novak
Podemos caminhar ao longo da Ver-
versdijk, seguindo o canal até ao cais
Groenerei - o Quai Vert, em francês.
A solene antiguidade da arquitectu-
ra compõe aqui uma atmosfera que
Monsieur Hugues deverá ter teste-
munhado na sua vivência fi ccional,
como algumas páginas de Bruges la
morte nos dão a ler. Penetramos
aqui num desses espaços que Ro-
denbach escolheu para introduzir a
cidade como personagem, recantos
de Bruges que foram retratados nas
fotografi as reproduzidas no livro,
inédito e audacioso complemento
documental da fi cção. “Por isso é
importante, uma vez que os cená-
rios de Bruges participam na intriga,
reproduzi-los também aqui, inter-
calados nas páginas: cais, ruas de-
sertas, casas antigas, canais, begui-
naria, igrejas, arte sacra, campaná-
rio, de forma que os leitores sintam
também a presença e a infl uência da
cidade”, justifi cava o autor.
Nos seus passeios pela cidade,
Hugues evitava o Groet-Market (o
nome em fl amengo evoca as suas
funções de terreiro de mercadejar
nos idos medievais) e preferia recan-
tos mais esconsos e sombrios. Mas
há pelo menos um momento em
que é arrastado pelo destino para a
grande praça, ao seguir a dançarina
da sua perdição, de razão já perdida
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 15
Outros ícones
Cerveja e chocolate
a Cerveja e chocolate são duas co-
nhecidas tradições gastronómicas
belgas. Há algumas outras, umas
mais, outras menos conhecidas,
para além das badaladas batatas
fritas e dos anexos mexilhões cozi-
nhados – admitamos – de mil e uma
maneiras. Difi cilmente o visitante
escapa a dedicar um pouco de tem-
po (ou muito, se a motivação para
o conhecimento e degustação for
maior) a estas duas atracções de
Bruges, adequado contraponto – ou
complemento - hedonista de uma
jornada pela cidade decadente que
Georges Rodenbach transformou
em personagem de fi cção.
A esperança, ou a ilusão, da des-
coberta de alternativas aos luga-
res mais populares e concorridos
é muitas vezes engodo de guias e
escribas capazes de quase tudo pa-
ra puxar a brasa à sua sardinha. Se
imperar a seriedade na narrativa,
em Bruges como noutras paragens
hiperfrequentadas, os ditos luga-
res de excelência, para utilizar uma
linguagem na moda, cedo deixam
de ser segredo – aliás, esse é uma
consequência (boa?, má?) da di-
vulgação mediática urbi et orbi do
que andam a fazer. Uma boa casa
de chocolate (ou de cerveja arte-
sanal) cai nas bocas do mundo em
três tempos.
Tradicional ou experimental, eis
a escolha que há a fazer no caso
dos chocolates. Uma das mais con-
ceituadas (e das mais antigas) cho-
colatarias tradicionais, mesmo se
menos conhecida e menos frequen-
tada por forasteiros, é a Spegelae-
re Chocalaterie, na Ezelstraat, 92.
Pralinés e a especialidade Cobbles-
tones são especialmente populares
entre os clientes belgas da casa – o
que não quer dizer pouco.
No pólo da experimentação e
inovação, The chocolate line, na
Simon Stevinplein, 19, é o lugar
certo. Abriu portas há vinte anos
e tornou-se conhecida por causa
do gosto pela experimentação do
chocolateiro Dominique Persoone.
A combinação de ingredientes inu-
sitados tem o seu quê de provoca-
ção pós-moderna, mas há quantos
séculos não misturam os mexica-
nos chocolate, gengibre e chili no
famoso mole poblano?
Quanto a cerveja, falemos de ou-
tro ícone local, a histórica cerveja-
ria Haalve Maan, que passa por ser
uma das mais antigas, senão a mais
antiga. Funciona na Walplein pe-
lo menos há século e meio, desde
1956, mas consta que a actividade
terá raízes no século XVI - quando
Zenão, o médico de espírito curio-
so de A obra ao negro, de Margue-
rite Yourcenar (outra fi cção situ-
ada em Bruges), que anunciava a
chegada do Renascimento, por lá
andava tentando esquivar-se da In-
quisição. Além das especialidades
da casa, como a Straff e Hendrick,
há a possibilidade de uma visita
guiada.
Tanto a partir de Lisboa como do Porto há frequentes ligações
aéreas para Bruxelas. Bruges fica a cerca de 100 km da capital belga e entre as duas cidades há muitas ligações ferroviárias.
Primavera e Outono são as melhores épocas para visitar Bruges.
Em Agosto os principais inconvenientes são o excesso de visitantes, os preços elevados do alojamento e, ocasionalmente, o calor abafado. Durante o Inverno, com neblinas e, por vezes, neve, e sem turistas, o ambiente torna-se mais sugestivo para imaginar a velha Bruges oitocentista do romance de Georges Rodenbach.
A oferta de alojamento é abundante e variada, entre hotelaria
convencional e algumas opções singulares.
Hotel Dukes’ Palace Prinsenhof, 8Tel.: 00 32 50 44 78 88
Email: [email protected])Instalado numa antiga residência ducal.
Na categoria das opções B&B, há uma série de bons alojamentos, em antigas mansões do século XVIII e com vistas panorâmicas para os canais.
Huyze Hertsberg Hertsbergestraat, 10Tel.: 003242680537www.guesthouses.be
Côté CanalHertsbergestraat, 8 – 10Tel.: 00 32 475 45 77 07Email: [email protected] junto ao canal Groenerei, muito perto do centro. Estes alojamentos dispõem de pouquíssimos quartos, pelo que é indispensável reserva antecipada.
como se fora o professor Rath, do
Anjo Azul. Não ocorrerá a nenhum
forasteiro, hoje, passar ao largo des-
sa magnífi ca ágora, sempre muito
animada (imagine-se como noutros
tempos deveria oferecer a visão de
um quadro de Bruegel), quanto mais
não seja para se arrimar à subida do
extenso escadório de quase quatro-
centos degraus do Beff roi, o famoso
campanário (levemente) inclinado
de Bruges. O sistema de sinos é im-
pressionante e turístico, entre ou-
tros secularmente legitimados prés-
timos e funções. Mas uma memória
cinéfi la, mesmo distraída ou enfada-
da das frivolidades de Hollywood,
difi cilmente deixará de reviver na
demorada subida em espiral pelas
estreitas escadas a sequência fi nal
de Vertigo, o diálogo vertiginoso de
James Stewart e Kim Novak até ao
único desenlace possível.
Da beguinaria, uma aldeia à parte
dentro da cidade, afi ançava Roden-
bach, consta que estava não menos
moribunda que o resto do burgo no
século XIX. Este espaço fechado de
retiro religioso, de raiz medieval, re-
nasceu entretanto, também, e faz
parte de um conjunto de congéne-
res belgas (como as de Louvain e de
Gand, as mais ilustres) classifi cado
pela UNESCO.
Vidas e culturas cruzadas
A catedral gótica de Notre Dame fi ca
a poucos minutos de caminhada da
beguinaria. A Madona e o menino,
de Miguel Ângelo, é o maior tesouro
do templo - diz-se que inicialmente
destinado à catedral de Siena, mas
emigrado para Bruges no início de
século XVI, adquirido por comer-
ciantes locais. Ali estão também os
túmulos de Carlos, o Temerário,
e de sua fi lha Maria de Borgonha,
neta de Isabel de Portugal, mãe
do Infante D. Pedro. Hugues aí se
detém, em lúgubres meditações,
junto dos túmulos, e de lá sai ainda
mais sombrio do que entrou, ainda
que para o visitante destes tempos
aquele gótico se apresente bastante
luminoso, iluminado, se o dia estiver
estival e os raios solares se introdu-
zirem na nave através dos vitrais do
transepto.
O forasteiro que se renda à arte
funerária dos túmulos, lembrado
daquelas linhagens lusitanas jazen-
tes na gótica catedral, bem se pode
pôr a magicar na invisível teia de
laços que o imerge numa imponde-
rável geometria - e genealogia - de
acasos. Nesta estranha arquitectura
de encontros diacrónicos que a via-
gem sempre proporciona conver-
gem o nosso Hugues, o forasteiro
contemporâneo e aquelas fi guras de
ancestralidade portuguesa. É algo
que cedo se apreende nestas terras:
a partilha ou o cruzamento fértil,
em tantos momentos, dos caminhos
históricos trilhados por Portugal e
pela Flandres.
Bruges, burgo de fi rmes reminis-
cências medievais, é, como tantas
outras cidades desta Europa cultu-
ralmente compósita, um palimp-
sesto - o tempo que passou desde o
distante século VII ali foi paciente-
mente depositando sedimentos de
forma alguma anónimos, tecendo
um bordado milenar na pedra das
fachadas recortadas sobre os céus
baixos da Flandres, no pano dos ve-
lhos têxteis fl amengos, nas tintas das
pinturas de Jan Van Eyck e de Hans
Memling, expostas nos museus da
cidade. E o viajante de olhos aber-
tos a este imenso arquivo do norte,
que é também um espaço-tempo
de vidas e culturas cruzadas, uma
cidade quase humana como a da
fi cção de Rodenbach, pode ensaiar
vê-la como se fosse um desenho de
Escher: deslocando ligeiramente a
perspectiva, apenas com um ligei-
ro reajustamento do olhar, o burgo
torna-se múltiplo, um caleidoscópio
também de quanto sucedeu na his-
tória da Europa e do mundo.
Burgo de firmes reminiscências medievais, Bruges é, como tantas outras cidades europeias, um palimpsesto
ERIC VIDAL/REUTERS
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16 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
a Estamos virados para o oceano.
Mesmo em frente está a fortaleza do
Guincho, à direita a serra de Sintra,
à esquerda a duna a elevar-se co-
mo uma montanha. O mar está pi-
cado, cheio de carneirinhos, como
é costume, sobretudo nesta altura
do ano em que o vento quase não
dá tréguas. Talvez não seja a época
ideal para nos estendermos na praia.
Mas é a melhor para a maturação de
sementes das espécies que povoam
as dunas, para ver algumas fl ores a
desafi ar o bom senso, ou para sentir
o cheiro da planta do caril a acompa-
nhar o passeio.
As dunas da Cresmina ocupam
66 hectares, mas o passadiço faz
um percurso de apenas dois quiló-
metros traçados num círculo que se
percorre sem esforço. A bióloga Sara
Saraiva, da Cascais Ambiente, traba-
lha na preservação do património
do Parque Natural de Sintra-Cascais
e vai guiar-nos nesta visita, já “com
um pé na área protegida”.
Esta é toda uma zona de ambiente
agreste, onde há aves que nidifi cam
em escarpas (como o falcão peregri-
no, que se alimenta de pombos das
rochas), lagartixas de dedos dente-
ados e plantas que vingam na areia.
“Seria hostil, por estar na faixa cos-
teira, mas as espécies estão altamen-
te adaptadas a este habitat.”
A prioridade, em termos de con-
servação, é o próprio sistema dunar,
“por ser muito dinâmico e frágil”. É
como um ser vivo, que se movimenta
lentamente à conta do vento forte
que sopra de noroeste. É ele que traz
a areia das praias do Guincho e da
Cresmina e a leva depois para sul,
entre Oitavos e Guia.
As dunas protegem os terrenos in-
teriores da subida do nível do mar.
Vão-se modifi cando à medida que se
afastam da costa. Começam na du-
na embrionária, depois primária e
por último secundária (ou cinzenta).
Cada uma tem um tipo de vegetação
diferente. Em frente ao mar estão “as
Série Caminhos de Verão
Uma duna é como um ser vivo, que se movimenta e transforma. A da Cresmina, no Guincho, é atravessada por um passadiço, que às vezes se desvia para dar passagem. Francisca Gorjão Henriques (texto) e Mário Lopes Pereira ( fotos)
Florir entre o vento, o sal e a areia
Esta é uma zona de ambiente agreste, onde há aves que nidificam em escarpas e plantas que vingam na areia
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 17
les espalhados pela duna. “É preciso
fazer o controlo e o seguimento des-
tas plantas invasoras” e substituí-las
pelas endémicas, diz Sara Saraiva.
“Temos um viveiro onde produzimos
plantas que recolhemos do local.”
Várias pequenas sabinas das praias
estão protegidas por um cilindro ver-
de para ganharem estrutura (quando
fi cam crescidas, os coelhos e as per-
dizes gostam de se esconder nelas).
Ao longo do caminho passam pes-
soas a passear os cães, pessoas a fa-
zer jogging, pessoas a passearem-se.
São cerca de cinco mil por mês. O
que é um desafi o. “É preciso haver
um equilíbrio e saber qual o número
máximo de visitantes que este espa-
ço consegue comportar.”
Há ramos de pinheiros encostados
ao passadiço para evitar que os cães
– outra das grandes ameaças – saltem
para a areia. “O controlo das espécies
está mais ou menos defi nido”. Como
sempre, o mais difícil é controlar os
danos causados pelo homem.
a construção da Estalagem do Mu-
chaxo veio estreitar o corredor eólico
que a alimenta; a remoção ilegal de
areias para construção e o aumento
do pisoteio agravaram ainda mais as
ameaças. São muitas as manchas es-
curas que interrompem o areal.
Em 2011 começaram os trabalhos
de recuperação (feitos em conjunto
pela Cascais Natura, Agência do Am-
biente da Câmara Municipal de Cas-
cais e o Instituto da Conservação da
Natureza e da Biodiversidade). Ainda
se vêem aqui e ali feixes de vime, que
foi usado para a construção de bar-
reiras biofísicas, perpendiculares ao
vento dominante (barreiras que ain-
da existem). Foi criado o passadiço
sobrelevado em madeira, para não
deter a passagem da areia. “Quando
a duna se consolida, sobe-se o passa-
diço, ou desvia-se para outro lado.”
E trabalhou-se para a erradicação de
espécies exóticas, como o chorão das
praias. Passássemos por ali há meia
dúzia de anos e haveria tapetes de-
O passadiço permite-nos percorrer as dunas causando menor impacto ambiental. É também por isso que os cães devem passear de trela
+
primeiras plantas colonizadoras”, co-
mo o estorno e o feno das areias. À
medida que se avança para o interior,
a diversidade vai aumentando, mas
sempre num ambiente de areia, ven-
tos fortes e um ar carregado de sal.
Por toda a duna vêem-se cardos
marítimos, com o seu verde seco,
fl ores roxas e folhas bem recortadas
que terminam em picos; encontram-
se raízes divinas, “que existem em
espécies diferentes ao longo de toda
a costa, mas estão ameaçadas por al-
gumas invasoras e pela pressão hu-
mana”. “O miosótis da praia também
está ameaçado – tem o estatuto de
espécie vulnerável, mas deveria ter
o de espécie em perigo.”
O Verão é também a altura ideal
para ver o narciso das areias em fl or
– igualmente chamado de lírio das
praias. Sara Saraiva lembra-se que
Raul Brandão escreveu sobre ele em
Os Pescadores. Encontrámos a passa-
gem: “Estes vastos areais, revestidos
às vezes de cabelos de oiro que se-
guram as dunas, estão todo o ano a
concentrar-se para em Agosto sair
daquela secura e do amargo do sal,
um lírio branco que os perfuma, du-
ra algumas horas e logo desaparece.”
Os areais de que fala Raúl Brandão
são os do Cabedelo, na Figueira da
Foz, mas a descrição assenta aos do
Guincho. Os “cabelos de oiro” se-
rão o estorno, uma espécie que se
encontra habitualmente nas cristas
dunares. Também a vemos aqui. “É
a que prepara o terreno para as ou-
tras plantas se instalarem”, explica
a bióloga.
No Núcleo de Interpretação da
Duna da Cresmina, para além de
uma cafetaria, há um painel com fo-
tografi as aéreas. Começamos com a
de 1947, quando a estrada do Guin-
cho veio cortar – e ameaçar – o sis-
tema dunar. A grande mancha de
areia desse ano vai encolhendo ao
longo dos anos registados nas ima-
gens: 1958, 1987, 2001, 2007 e 2010.
Para além da estrada a cortar a duna,
Serão cerca de cinco mil os caminhantes que por aqui passam todos os meses. “É preciso haver um equilíbrio e saber qual o número máximo de visitantes que este espaço consegue comportar”, diz Sara Saraiva
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18 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
Monte Rei Golf & Country Club
Está no Algarve, mas num Algarve a cheirar a serra, sereno e tranquilo. Afastado na medida certa das praias, é o lugar ideal para famílias que querem paz e conforto máximo. Ou então para quem quer partilhar fi ns de tarde só com pássaros alegres. Sandra Silva Costa (texto) e Mário Lopes Pereira ( fotos)
Um pneu furado, ameixas vermelhas e uma piscina só para nós
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 19
a É um fi m de tarde quente e dou-
rado neste Algarve afastado na me-
dida certa da praia: não são mais do
que seis, sete quilómetros e esta é
uma distância que nos dá conforto.
Queremos sol e mar? Menos de dez
minutos por uma estrada tranquila
e aqui estamos nós: Altura, Manta
Rota, é escolher o que mais nos con-
vém. Se, por outro lado, o que nos
apetece mesmo é uma piscina só
para nós, rodeada de relvados cui-
dados e embalada pelo canto dos
pássaros, então nem sequer saímos
de casa.
Estamos no Monte Rei Golf &
Country Club, nas Sesmarias, Vila
Nova de Cacela. Somos só dois, mas
a “nossa” casa dá para uma família
inteira: três quartos, sala avanta-
jada, cozinha equipada com tudo
e mais alguma coisa, lavandaria,
terraço, varanda. Apetece não sair
daqui e é por isso que saímos: op-
tamos por um jantar caseiro, mas
precisamos de um supermercado.
E eis-nos, então, neste fi m de tar-
de quente e dourado, a atravessar
a localidade de Pocinho de janelas
abertas e o carro a fazer um barulho
esquisito. São 19h30 e, sim, há um
pneu furado.
Quis o acaso que parássemos em
frente à casa de Jorge, um sexagená-
rio que se passeia entre gatos, gali-
nhas e galos. Empoleira-se no muro
baixo, cumprimenta-nos e depois
sai-se com esta: “Está furado? Então
tem que se trocar.” Há coisas que
não precisam de ser ditas e Jorge
percebe logo que a nossa aptidão
para a mecânica é nula. De repen-
te já está à volta do carro, macaco
na mão, chave de rodas a postos.
Só que Jorge está impecavelmente
vestido neste fi m de tarde quente e
dourado: camisa xadrez de manga
curta e calças cinzentas bem engo-
madas. Volta a entrar em casa e traz
um tapete — “Se a minha mulher
sabe, mata-me, andou a lavá-lo.”
Estende-o na estrada, deita-se por
cima dele e põe mãos à obra.
Desaperta as porcas com destreza
e conta que há uns meses a raposa
lhe “matou várias galinhas”, lembra
o tempo em que “tinha rebanhos de
ovelhas” e explica por que é que o
cão preto que está ali deitado a um
canto “tem que estar preso”. E nisto
o pneu já está no sítio e já estamos
nós a cobiçar umas ameixas gran-
des e vermelhas que se insinuam na
árvore. “Leve à vontade, mas olhe
que se calhar ainda estão verdes.”
Apanhamos uma mão cheia delas
e despedimo-nos do nosso anjo da
guarda. “Sorte e saúde. Se voltarem
a passar por cá, venham dizer olá.”
Certamente, Jorge.
É neste Algarve simples e sereno,
longe do bulício de praias carrega-
das, que se situa o Monte Rei, que
está a comemorar uma década. Este
ano, por haver festa redonda, marca
uma nova fase de crescimento na vi-
da do resort (ver caixa) que em Maio
viu o seu campo de 18 buracos ser
eleito por praticantes da modalida-
de como o Melhor Clube de Golfe de
Portugal em 2017. Para esta distin-
ção muito contribuiu o desenho do
green, da responsabilidade de Jack
Nicklaus, uma das referências máxi-
mas na arquitectura de golfe.
Não somos de grandes tacadas,
pelo que, enquanto guiamos até à
nossa villa (Miradouro Village, n.º
6), nos limitamos a apreciar as pai-
sagens verdes e onduladas que se
espalham pelo Monte Rei. O resort
está implantado ao longo de 400
hectares, onde neste momento há
28 moradias (oito com piscina priva-
tiva e quatro quartos e 20 com pis-
cina comum, com um número de
quartos que varia entre um e três)
em exploração turística, mas nu-
ma estada de dois dias pratica-
mente não nos cruzámos com
outros hóspedes. É certo que
era Junho, mas quis-nos pare-
cer que era tudo nosso. Não
era, naturalmente, mas usamos
esta imagem para reforçar
a tranquilidade do Monte
Rei — não será à toa que
é considerado um dos
mais exclusivos clubes
de golfe da Europa.
Da villa à piscina são
meia dúzia de passos — e a
piscina é um íman podero-
so. Quando entrámos em
casa pela primeira vez,
fi zemos-lhe um reconhe-
cimento rápido, apreciá-
mos-lhe o conforto e a deco-
ração cuidada e funcional, e
depois, claro, caímos na água.
O Veranda, o bar de apoio, já
estava fechado, éramos só
nós e os pássaros. Sim, o
Algarve também pode ser
silêncio.
A Fugas esteve alojada a convite do Monte Rei Golf & Country Club
Gastronomia
Um jantar com vista(s)
a A oferta gastronómica do Monte
Rei é variada, com três restauran-
tes, mas o Vistas, com assinatura
do chef Albano Lourenço, é o que
proporciona uma experiência mais
exclusiva e marcante. A começar,
desde logo, pelo que o olhar alcan-
ça: para lá das arcadas do terraço
espraia-se um mar de verde que
inspira e ajuda a tornar a refeição
mais harmoniosa.
Sentamo-nos numa das mesas
sob as arcadas numa noite amena e
durante duas horas provamos o me-
nu preparado por Albano Louren-
ço e os vinhos escolhidos por Nuno
Pires. Começamos justamente por
ele, que nos serve um inesquecível
Czar 2008 Meio Doce — um vinho
licoroso do Pico, do produtor For-
tunato Garcia, já descrito por vários
críticos como uma “jóia” que fi cará
na história dos vinhos dos Açores.
Sem dúvida um grande prenúncio
para que o que está para vir.
Experimentamos quatro amuse
bouche, dos quais destacamos o
cone de beterraba com ceviche de
carapau e o tártaro de atum com
gelado de pepino — ambos delicio-
sos. Continuamos com codorniz,
beterraba (muito refrescantes os
seus rebentos) e chutney
de cebola e avança-
mos para o gaspa-
cho de morango e
ostra de Cacela.
Suculentíssimo
o robalo com ri-
sotto de laranja
e mo-
lho de ostra e muito bom o lombo
de borrego em crosta de coentros
com batata violeta.
No capítulo doce da refeição, a
pré-sobremesa consta de mascar-
pone com frutos vermelhos mas fi -
camos rendidos à sobremesa pro-
priamente dita: chama-se morango
e manjericão e é verdadeiramente
inesquecível. Leve, fresca, aveluda-
da e de um contraste perfeito entre
o doce do morango e o picante do
manjericão. Top, como agora é mo-
da dizer-se.
Nota máxima também para Nu-
no Pires, que explica com detalhe
e muita segurança os vinhos que
serve e nos deu a provar coisas ex-
traordinárias. Como é o caso do
Quetzal Reserva Branco 2012 ou
do Quinta da Caldeirinha Vinhas
Velhas 2013, um vinho biológico
da Beira Interior. Para fechar a re-
feição em grande, um Porto Casa de
Santa Eufémia 30 Anos Branco.
Nota de agenda: ainda no âmbito
das comemorações dos 10 anos do
Monte Rei, o Vistas vai receber três
jantares “Guest Chef”, nos quais o
anfi trião Albano Lourenço convida
três chefs com estrela Michelin para
se juntarem a ele na cozinha. Vítor
Matos (Antiqvum, Porto) entra em
cena a 22 de Julho, enquanto o chef
Jordi Esteve (Nectari, Barcelona) te-
rá a seu cargo o jantar do último
sábado de Julho (29). Henrique Sá
Pessoa (Alma e Tapisco, Lisboa) fe-
cha este ciclo, no fi m-de-semana de
11 e 12 de Agosto. Já o restaurante
Veranda tem agendados jantares
temáticos: Noites Algarvias (a 30 de
Julho e 6 de Agosto), com produtos
locais, da serra e do mar; e Noites
Indianas, a 3 e a 10 de Agosto.
Quem quiser fazer as refeições nas villas, pode sempre pedir para lhe serem entregues menus preparados pela equipa de Albano Lourenço; a pedido, os hóspedes podem também receber carne e peixe prontos a cozinhar, sem grandes preocupações com as compras
Pode ser uma vantagem ou uma desvantagem, consoante o ponto de vista: a distância das villas relativamente à recepção, ao Club House e aos restaurantes Vistas e Grill obriga sempre a uma deslocação de carro ou de buggy
+
—
Monte Rei Golf & Country ClubSesmariasApartado 1188901-907 Vila Nova de CacelaTel.: +351 281 950 950 Email: [email protected]ços: Desde 185 €/noite para uma moradia de um quarto em época baixa até 876€/noite por uma moradia de quatro quartos com piscina em época alta. O serviço prestado nas moradias é equivalente ao serviço prestado num hotel de cinco estrelas. Uma refeição no Vistas ronda os 60€ por pessoa.
i
Albano Lourenço prepara no Vistas um menu que privilegia
os produtos da região; em cima, a sobremesa morango e manjericão
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20 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
Seia: Portugal e o mundo, o passado e o presente
Não tem a pretensão de ser a maior nem a melhor colecção de brinquedos, mas mesmo sem ela tem um belíssimo espólio para mostrar. Com uma colectânea com mais de 8000 exemplares, o Museu do Brinquedo de Seia concretiza objectivos bem definidos, mostrando objectos de Portugal e do mundo, do passado e do presente: aos miúdos vai mostrar que é a brincar que a gente se entende, sempre; aos graúdos vai relembrar que vale muito a pena voltar à infância e recordar como crescemos como indivíduos. É gerido pela Câmara Municipal e está aberto de terça a domingo, das 10h às 18h. Tem bilhetes família que aceitam até quatro crianças para além dos pais. L.P.Museu do Brinquedo de SeiaLargo de Santa Rita6270-492 SeiaTel.: 238 082 015Preços: adulto 3€; jovens (quatro aos 17 anos): 2€
Ponte de Lima: 20 mil em exposição
Mais do que um museu do brinquedo, em Ponte de Lima — na margem direita do rio, colado à ponte romana, instalado na Casa do Arnado — está o Museu do Brinquedo Português, o resultado da paixão de Carlos Anjos, com mais de 30 anos de coleccionismo e mais de 20 mil brinquedos, maioritariamente portugueses (pergunte pelo seu preferido; está num lugar de destaque). A viagem neste museu inclui os fabricantes, as técnicas, matérias-primas (madeira, papel e folha de flandres) e a distribuição geográfica das indústrias pelo mapa de Portugal. L.O.C.Museu do Brinquedo PortuguêsCasa do ArnadoLargo da Alegria, Arcozelo 4990-154 Ponte de LimaHorário: De terça a domingo, das 10h às 12h30 e das 14h às 18hPreços: 3€; estudantes até 25 anos e seniores,1,50€
+
Há um museu em Vagos que dá liberdade e ordem para brincar
a Estão a ver aquele aviso “É proibi-
do tocar nas peças expostas” que é
estampado à entrada dos museus — e
repetido vezes sem conta ao longo
do discurso expositivo? No Museu
do Brincar, em Vagos, a ordem dada
aos visitantes vai precisamente em
sentido contrário: o material exposto
pode (e deve) ser tocado — à excep-
ção de muito poucas peças que se
encontram fechadas em vitrines —
por miúdos e graúdos. Sim, porque
entre os cerca de 1400 artigos em ex-
posição (brinquedos, material esco-
lar, vestuário, fotografi as e livros) há
alguns que são sentidos com especial
carinho pelos mais velhos. É o caso
dos brinquedos construídos — carri-
nhos de rolamentos, piões, carrelas —
que fi zeram as delícias dos que agora
são pais, avós e bisavós.
Sejam bem-vindos ao mundo encan-
tado do Museu do Brincar que mo-
Museu do BrincarLargo Branco de MeloPalacete Visconde de Valdemouro, RC, VagosTel.: 234796151; 919353170; 964 695 304Email: [email protected]/Horário: de terça-feira a domingo, das 10h às 12h30 e das 14h às 17h30.Preços: 3€ por pessoa (grupos e protocolos com descontos); grátis para crianças até três anos.
ira no Palacete Visconde de Valde-
mouro (antigo edifício dos Paços do
Concelho de Vagos), bem no centro
da vila. Dinamizado pela associação
Arlequim – Teatro para a infância,
este espaço tem muito para dar a
conhecer ao público, num discurso
expositivo que muda a cada ano —
em Setembro fecha para reformular
a colecção. Como o espólio da as-
sociação é grande (cerca de 22 mil
peças relacionadas com o universo
da criança, recolhidas ao longo de
mais de 30 anos), a aposta passa por
levar a que haja sempre algo novo
para descobrir no museu.
Este ano, “Sobre rodas” foi o tema
escolhido, começando logo por
apresentar aos visitantes todo um
universo de brincadeiras em cima
de cavalos, triciclos, carrinhos de
bebés, patins e bicicletas. E é a par-
tir daqui que o público é levado até
à galeria dos fantoches, ao espaço
da música, à galeria do brinquedo
construído, à casa das bonecas, à
sala dos piratas ou ao castelo, entre
outros espaços. Pelo meio, há ainda
uma passagem por uma galeria que,
segundo os responsáveis do museu,
tem emocionado as gerações mais
velhas: a sala da escola, que recria,
na perfeição, as escolas primárias
de outros tempos (onde não falta-
vam as fotografi as de António Oli-
veira Salazar e de Américo Tomás
penduradas na parede, um grande
mapa de Portugal e um quadro de
lousa escrito a giz).
“O Museu do Brincar é um bocadi-
nho como a casa da avó, que tem
coisas muito antigas, mas nas quais
a avó nos deixa mexer”, ilustra Ja-
ckas ( Joaquim Carlos), um dos res-
ponsáveis pelo espaço que tem co-
mo mascote o Visquinho, um cão
salsicha que já começa a ser muito
conhecido junto dos mais novos. Fi-
ca também essa certeza: ao longo do
ano, esta espécie de “casa da avó”
vai apostando em vários eventos e
espectáculos especiais.
ADRIANO MIRANDA
Maria José Santana
Crianças
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 21
Pelo caminho francês de Santiago
#fugadoviajanteEsta tag diz-lhe alguma coisa? A Fugas (@fugaspublico) está à procura das melhores fotos de viagem. Siga a conta e partilhe os melhores instantâneos das suas férias com a #fugasdoviajante
@mrwazowski Janeiro de 2017. Hospedado em Osaka, tinha um dia para visitar Quioto. Cheguei de manhã à procura da famosa Floresta de Bambu. Acontece que o Google Maps me enganou e levou-me para uma outra floresta, totalmente desconhecida e definitivamente não turística. Estive literalmente sozinho em Quioto. No entanto, creio que não poderia ter pedido melhor!
@luisgouveiaaa “Este é, sem dúvida, um dos pontos mais bonitos da Baixa do Porto. A maneira única como a imponência e detalhes da Torre dos Clérigos se mistura tão naturalmente com as linhas rectas e modernas do Passeio dos Clérigos deixa qualquer um deliciado. E foi isso que tentei captar nesta fotografia.
Os textos, acompanhados preferencialmente por uma foto, devem ser enviados para [email protected]. Os relatos devem ter cerca de 2500 caracteres e as dicas de viagem
cerca de 1000. A Fugas reserva-se o direito de seleccionar e eventualmente reduzir os textos, bem como adaptá-los às suas regras estilísticas. Os melhores textos, publica-dos nesta página, são premiados com um dos produtos vendidos juntamente com o
PÚBLICO. Mais informações em fugas.publico.pt
a Em Navarra, em Novembro de
2009, éramos dez, 12 peregrinos
por dia. Além de nós os dois,
coreanos, alemães, uma chilena,
um holandês e uma japonesa.
A 1 de Janeiro, início do último
Ano Jacobeu, desde Santo
Domingo de la Calzada, apenas
dois casais: nós e uns bascos
— ele espanhol e ela francesa.
Já em Julho, na Galiza — para
chegar a Santiago de Compostela
a 25 — quase três mil em cada
etapa, com “tropas” italianas,
polacas, francesas, inglesas,
além de alguns sírios, israelitas,
ceutíes (que sabem que estão na
sua terra a prazo, de bandeira
desfraldada, com as nossas
quinas) e bastantes australianos,
neo-zelandesas, mexicanos,
americanos, colombianos e
brasileiros, além de espanhóis
de todos os lados, incluídos
independentistas catalães e uma
asturiana “arrependida” (“¿Habrá
maravilla mayor que la del sol
perene de Castilla? En Asturias
siempre llueve...”); um jovem russo
que cozinhava para todos e um
marinheiro ...austríaco — quem
diria?! — aposentado e a viver em
Valência, com o Mediterrâneo
a encher-lhe a janela, para não
morrer afogado, por falta de
mar!... E coreanos, sempre. Muito
mais gente ainda, que agora nem
recordo. (Mas, com peregrinos
a mais, convívio e partilha a
menos: até nem lugar para todos
dormirem havia).
No términus, já em Novembro
de 2010, em Finisterra, até
onde ia o Caminho das Estrelas
dos Druidas celtas — sempre a
caminhar na direcção do sol-
graffi ti a meio do Caminho.
Mas a “pintada” mais usual
era a da saudação com que
nos cumprimentávamos e nos
despedíamos, fossem quais
fossem as línguas de cada um:
“¡Buen Camino!”; e com que
ainda hoje terminamos os emails
que trocamos com muitos
desses companheiros fugazes no
Caminho da Vida.
Noutra peregrinação do mesmo
ano, pelo Caminho Português,
o meu irmão mais novo, que o
fez nove vezes — e sempre pelo
mesmo itinerário —, marcou
encontro à porta da catedral com
uma peregrina italiana para 11
anos depois, ao meio-dia de 25
de Julho de 2021 — o próximo Ano
Jacobeu Jubilar (quando o 25 de
Julho volta a ser ao domingo). Mas
nem contacto tinha dela e, na sua
última peregrinação dois anos
depois, comentou-me que “talvez
ela se esquecesse”, ...que ele sabia
ser aquela mesmo a última vez
que iria a Santigo de Compostela
e a Finisterra, não tendo forma de
desmarcar o encontro. E acabou
o seu caminho na vida no Outono
do ano seguinte…
Na nossa última peregrinação
— pelo Caminho Português
pelo Interior, desde Viseu,
com a Secção de Montanha do
Académico Futebol Club, do
Porto — chegámos a 8 de Julho
deste mesmo 2017 a Santiago de
Compostela. Do merchandising do
Caminho destaca-se a legenda “Sin
Pena No Hay Gloria”, mas ambos
levávamos vestidas umas t-shirts
ainda mais expressivas: “Nunca
Caminarás Solo”.
Joaquim Tomaz Soares
Fugas dos leitores
posto até não haver mais mundo
à frente —, o êxtase por se ter
atingido o objectivo que tantas
vezes parecera inalcançável. Entre
outros, chegámos juntamente
com uma suíça que caminhou
quase ininterruptamente 99 dias
desde a fronteira da Áustria sem
se deter em Santiago, a ver o Papa
Bento XVI. Lá só descansara o
único da sua peregrinação de cem
dias certos. Tinha o ar de quem
se tinha acabado de separar,
pegando na mochila e batendo a
porta!...
“There is no way to happines.
Happiness is the way!”, li num
Noutra peregrinação pelo Caminho Português, o meu irmão mais novo marcou encontro à porta da catedral com uma peregrina italiana para Julho de 2021
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22 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
a Inovação é uma das palavras fre-
quentemente usadas para descrever
a cozinha de Diego Muñoz. Outra é
ousadia (um ceviche de maçã é sufi -
ciente como exemplo? E merengues
de anchovas? Bolachas com cama-
rão?). Mas aquilo que o chef peruano
vai trazer para o Bairro do Avillez é a
tradição — o verdadeiro espírito de
uma Cantina Peruana.
Passou 15 anos a correr mundo e
entrou em algumas das melhores
cozinhas: em Paris, no Le Grand
Véfour; em Espanha, no Mugaritz e
no el bulli de Ferran Adrià, aquele
que será uma das suas maiores in-
fl uências (e onde fi cou amigo de José
Avillez); na Austrália, já a chefi ar a
cozinha do Bilson’s (e nomeado me-
lhor chef do ano 2011). Até que, entre
2012 e 2016, parou em casa e tomou
as rédeas do Astrid & Gastón, que há
muito era famoso, mas que durante
esse tempo saltou do 42.º para o 14.º
lugar da lista World’s 50 Best Res-
taurants e se tornou no melhor res-
taurante de toda a América Latina.
Já no Astrid & Gastón o que Die-
go Muñoz gostava de fazer era olhar
para o país e servi-lo à mesa. Usan-
do os produtos, claro, mas também
histórias. Por exemplo, fez um me-
nu sobre a imigração de um italiano
da Ligúria para Lima. Outro sobre
memórias, que tinha como ponto
de partida a campainha da escola a
anunciar o fi nal das aulas, passando
pelos doces com que as crianças se
deliciavam antes de chegar a casa e
pelas comidas que as avós as obriga-
vam a engolir.
Talvez tenha sido alguma inquieta-
ção — ou apenas o seu espírito livre
— que levou Muñoz a sair novamente
de Lima em 2016, mas desta vez con-
densando num único ano viagens a
20 países, da Europa à Ásia, passan-
do pelo Médio Oriente. “Levámos o
Peru — a nossa herança e os nossos
produtos — para um castelo na Áus-
tria, um congresso nórdico na Norue-
ga, uma refeição para refugiados na
Alemanha, um novo estrela Miche-
lin no coração de Genebra, e outros
restaurantes em Viena, Lisboa [com
Avillez], Copenhaga, Barcelona, No-
va Iorque, Panamá, Helsínquia, Mos-
covo, Miami, Macau, Zuhai e Telavi-
ve, desafi ando a ameaça do jet-lag e
contando apenas com a linguagem
da cozinha quando as outras formas
de comunicação não eram fi áveis”,
escreveu. O New York Times apontou-
o então como um dos quatro chefs
nómadas que devíamos seguir.
Este ano tomou a decisão de abran-
dar, mas mesmo assim abriu o 1111 Pe-
ruvian Bistro, em Miami; tornou-se
chef executivo do comboio de luxo
sul-americano Belmond Andean Ex-
plorer e agora abriu a Cantina Peru-
ana no Bairro do Avillez.
É lá que nos encontramos, pri-
meiro numa conversa à mesa, bem
ordenada, depois numa volta pela
cozinha no meio da azáfama que é
uma cozinha, a seguir à mesa nova-
mente, com alguns pratos e a com-
panhia do seu “grande amigo José”.
Bate tudo certo, porque como o
próprio Muñoz começa por expli-
car “o conceito de cantina é este:
um lugar onde as pessoas se reúnem
para conversar e onde se resgatam
Cantina Peruana
O chef Diego Muñoz trouxe vários mundos peruanos para o espaço de José Avillez no Chiado. Francisca Gorjão Henriques
Há um novo vizinho no bairro. E veio do Peru
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 23
e degustam receitas tradicionais”.
Ao longo da entrevista serão vá-
rias as vezes em que o chef fala de
tradição, porque o que pretendeu
foi precisamente trazê-la para a sua
Cantina Peruana. “Mas demos-lhes
o nosso estilo, com o José [Avillez] e
o Yuri Errera, chef de cozinha, que
está comigo desde 2009.”
Traz para Portugal um “respeito
pelas origens, sem mudar muito,
mas aperfeiçoando a técnica com
um grande produto português, que
é um luxo ter à mão”. “O José abriu
as portas da sua casa e também de
Lisboa, entregou-nos as chaves da ci-
dade, e partilhou isso: o grande pro-
duto português.” Facilita estar num
Bairro onde a máquina está monta-
da. “É um luxo porque nos cruzamos
com muitas operações de êxito aqui.
Permite-nos ver como manipulam os
produtos portugueses, e aprender
a expressar a gastronomia peruana
dentro deste mundo gastronómico
português, do José... O mar portu-
guês é muito bom. Mas também te-
remos o porco ibérico, os vegetais,
as frutas.”
Algumas coisas virão mesmo do
Peru. “Criámos uma logística para
conseguirmos trazer produtos peru-
anos frescos. O mais importante são
os ajís [pimentos picantes], que é o
mais sensível. Encontrámos vários
distribuidores na Europa e temos a
sorte de ter ajís frescos.” Alguns são
mais fáceis de transportar porque
são secos ao sol, como o ají panca
(encarnado) e o mirasol (amarelo),
que “é a coluna vertebral da gastro-
nomia peruana”.
Não basta trazer ajís
Nos últimos anos têm-se multipli-
cado os restaurantes de comida pe-
ruana em todo o mundo — em par-
te porque a estratégia do Peru de
“vender” a sua gastronomia passa
por apoiar os seus “embaixadores”,
neste caso, os chefs. “A gastronomia
peruana é fácil de entender, é muito
saborosa”, explica Muñoz.
Mas não basta trazer os ajís e a
quinoa. “É preciso uma adaptação.
Desde o sal! Em todos os países o sal
é diferente. Vocês usam o sal mari-
nho, nós o sal de mina ou sal-gema.
Temos uma salina muito famosa em
Cuzco, um lugar sagrado dos incas,
onde há oito mil anos já o colhiam.
Vem do fundo da montanha e é se-
co em talhos ao sol na época seca.
Eu corro por esse sal! É bastante
sulfúrico, não tem tanto iodo, como
o de mar. Muito pouca gente presta
atenção ao sal, mas é muito impor-
tante.” Conta um episódio passado
em 2016 em Zuhai (território chinês
que faz fronteira com Macau). “Incluí
o sal na minha lista de pedidos. De-
moraram três dias a perceber o que
eu queria e a conseguir trazer. Ali
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FOTOS: BRUNO CALADO
A Cantina Peruana vai juntar-se aos quatro espaços já existentes no Bairro do Avillez: a Mercearia, a Taberna, o Páteo e o Beco
+c
40 ANOS 1978-2017
22 JULHO A 6 AGOSTO
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24 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
ninguém cozinha com sal, usam soja
fermentada, ou glutamato... Mas lá
conseguiram. Só que quando não se
está habituado, a sensação é muito
intensa!”
Sal, acidez e picante é uma trilogia
quase sagrada na gastronomia pe-
ruana, embora coexista “de forma
muito equilibrada”. Mas, ainda as-
sim, terá de sofrer reajustes quando
se pisa outro chão. “Fui com o José
Avillez a um monte de restaurantes
em Lima e ele dizia-me: ‘Este cevi-
che é demasiado ácido para o públi-
co português’, ou ‘Este é muito pi-
cante’. Fizemos muitas provas nos
últimos dois meses para encontrar o
equilíbrio certo. A gastronomia tem
que conversar com o público. Um
cozinheiro não pode chegar e dizer:
‘Vou cozinhar como eu acho que as
coisas são e as pessoas têm que me
entender’. É ao contrário. Temos que
compreender o público e levá-lo para
o nosso território.”
A fusão — mais ou menos acentu-
ada — faz parte do ADN de muitas
gastronomias. Mas no caso perua-
no é mesmo uma das suas principais
características. “Há uma cultura de
muitos anos do Peru antigo, que do-
minava sobretudo as montanhas,
até chegarem os espanhóis com a
sua infl uência árabe, que se infi ltra-
ram, e houve um encontro cultural
que revolucionou a gastronomia”,
conta Muñoz. “A seguir chegaram
os africanos, que também deram o
seu contributo, os japoneses, os chi-
neses, os italianos. A gastronomia
latino-americana é muito original,
milenar, mas com muitas referências
de outros locais, que não se separa-
ram nem sectorizaram, mas antes
se misturaram.” Um exemplo? “As
gastronomias da montanha e do mar
são diferenciadas mas juntam-se. Um
ceviche, que para ti poderia ser um
prato tipicamente da costa, também
é feito na serra, com a mesma base,
a mesma quantidade de acidez, mas
com um feijão seco, o tarwi [em vez
de peixe]. É muito amargo porque
tem muita saponina, que é uma de-
fesa natural contra os insectos, e as
pessoas deixam-no a lavar no rio du-
rante duas semanas.”
Então o que é um ceviche? A de-
fi nição vem realmente com peixe,
apesar das variações possíveis: “O
ceviche antigo peruano era apenas
sal, peixe fresco e ají; chegaram os
espanhóis e acrescentaram o sumo
de lima, ou limão, e cebola. Um cevi-
che purista só tem estes cinco ingre-
dientes e muito amor, porque estes
cinco ingredientes têm que ser o que
de melhor existe.”
A ideia de trazer a gastronomia
peruana para o Bairro “fez parte do
projecto inicial, mas depois quise-
mos abrir e ver como tudo corria an-
tes de decidir”, conta Avillez. “Gos-
to de pensar que temos no andar de
to típicas também.” Segue-se para
a montanha, ou seja, para o mundo
andino, “que deixou produtos mui-
to importantes para a humanidade,
como as batatas e a quinoa. Com um
milho de grão gigante que é muito
popular fi z um prato que lembra a
viagem de comboio pela serra: quan-
do vamos de Cuzco a Machu Picchu
aparecem sempre senhoras a ofere-
cer este milho com queijo. Aqui faze-
mos com queijo português.”
Yuri Errera está junto ao wok, que
tem água a correr à volta dos bicos
para que a bancada não fi que quen-
te de mais. Ainda assim, soltam-se
chamas bem altas quando junta a
gordura ao lombo de vaca que está
a fritar. “Tem que ser muito rápido.
A carne é muito delicada e o fogo
está muito forte. O importante é o
smokiness — põe um pouco mais de
azeite, Yuri. Temos aqui cebola ro-
xa, tomate fresco e amarillo fresco.
Molho de soja, molho de ostra — põe
um pouco mais — e caldo de carne.
Agora reduz, texturiza com farinha
de milho diluída em água e termina
com coentros frescos e spring onion.
Tradicionalmente servimos com ba-
tatas fritas e arroz. Aqui também.”
Este lombo salteado do mundo do
wok é o prato mais caro da carta (dez
euros). “Isto encontras em qualquer
restaurante peruano do mundo. Va-
mos para a mesa?”
Cantina Peruana
muito os coentros, que na cozinha pe-
ruana são utilizados de maneira um
bocadinho diferente: estão na base
de muitas preparações do leite de ti-
gre, nós usamos mais para fi nalizar.”
Mas não é tanto pelas semelhanças
que a Cantina se instalou no Bairro.
“Achei que deveria haver um olhar
sobre o mundo, e, neste caso, sobre
o mundo peruano. O Peru é um dos
países que tem ele próprio essas in-
fl uências todas.”
Para além da gastronomia pré-
colonização, e do que esta depois
transformou, há uma forte infl uência
trazida pela vaga de imigração chi-
nesa e japonesa de fi nais do século
baixo uma representação do melhor
que há na cozinha portuguesa, num
estilo mais criativo: desde a taberna
com petiscos e pequenos pratos a um
olhar para o início do século passado,
ali no Beco”, afi rma.
Há alguns pontos de contacto entre
as duas gastronomias: “É uma cozi-
nha que se compara com a nossa pe-
lo sabor intenso e uma simplicidade
dos produtos e das confecções. O lo-
mo salteado é parecido com o nosso
pica-pau. Mesmo as empanadas [são
parecidas com] as nossas empadas,
com técnicas de confecção diferen-
tes porque as empanadas são fritas,
mas reconhecem-se sabores. Usamos
XIX e início do século XX, criando
as cozinhas chifa e nikkei, respecti-
vamente.
A carta foi dividida como “uma
miniviagem através do país, geográ-
fi ca e culturalmente”, que termina na
“costa, serra e selva” com as sobre-
mesas criadas pela confl uência en-
tre as culturas inca e espanhola (há,
por exemplo, um gelado de lúcuma,
um fruto dos Andes, e um torrão de
anona).
Começamos pelo princípio: “Com
a costa vem o mundo frio, com toda
a versão de ceviches e tiraditos [pei-
xe cru fatiado].” O peixe é prepara-
do na sala, à vista de todos. Há um
“ceviche de gambas da costa” onde
fi ca bem clara a tal valorização dos
produtos do mar português de que
falava Muñoz.
Entramos na cozinha para seguir
viagem. “Aqui temos o mundo das
brasas: das ruas de Lima vem uma
confecção com infl uência africana
que se tornou um prato de nocturno.
As senhoras assavam coração de boi,
com molho de ají panca, em fogo de
lenha. Com esta inspiração fi zemos
um frango com infl uência japonesa,
polvo, e porco ibérico.”
Depois, com o próprio conceito de
cantina vem o mundo das frituras.
“Incluímos alguns produtos do mar,
para além de batata recheada com
rabo de boi, e as empanadas, mui-
A carta da Cantina Peruana foi dividida como “uma miniviagem através do país, geografica e culturalmen-te”, que termina na “costa, serra e selva”, explica o chef Diego Muñoz
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 25
O glossário de Diego Muñoz
Aeropuerto
Receita que envolve uma combina-
ção tradicional de arroz chaufa (ar-
roz frito) e noodles salteados no wok.
Segundo a tradição crioula, diz-se de
um arroz “onde tudo pode aterrar”.
Anticucho
Diz-se de uma espetada ou tapa ori-
ginal dos Andes, que era tradicio-
nalmente preparada pelos escravos
africanos, que utilizavam as miude-
zas de carne bovina deixadas pelos
fazendeiros espanhóis. O clássico das
ruas da costa faz-se com o coração de
boi, em grelhas improvisadas, com
carvão vegetal.
Ají de galinha
Prato típico da costa peruana, que
consiste numa base cremosa de ají
amarelo, frango desfi ado, pão e leite,
entre outros ingredientes.
Chaufa
Arroz frito chinês, característico dos
Tusán, com infl uências peruanas.
Char siu
Prato de porco assado, ao estilo can-
tonês, de cor vermelha característica
resultante dos condimentos utiliza-
dos. Aqui [na Cantina Peruana], usa-
mos pancetta cozinhada a vácuo e
depois caramelizada com especiarias
em forno quente.
Ceviche
Prato típico dos países latino-ameri-
canos do litoral continental e que é
património cultural do Peru. A base
geralmente consiste em peixe fresco
“cozido” em limão. Antes da chegada
dos espanhóis, os antigos peruanos
comiam o peixe com sal e ají. Com
a miscigenação cultural, foram in-
troduzidas a cebola roxa e a lima.
Antigamente, o peixe era deixado a
macerar toda a noite, agora, é servi-
do logo após ter entrado em contacto
com o limão.
Empanada
Massa de pão ou folhada, recheada
com carne ou preparados doces, fri-
ta ou cozinhada no forno, típica dos
países de herança espanhola.
Manjar Blanco
Doce tradicional popularizado duran-
te o período do Vice-Reino do Peru
(divisão administrativa da Espanha
na América do Sul), com variantes
regionais dentro da América do Sul
como o doce de leite ou o arequipe
(a variante colombiana).
Leite de tigre
É o sumo resultante do ceviche, ao
qual se atribuem propriedades ener-
géticas. Pode servir-se como prepa-
ração fi nal, numa taça ou copo, com
pedaços de peixe.
Molho anticuchera
Molho tradicional peruano que con-
siste numa marinada ácida com vina-
gre, ají panca e orégãos.
Molho chalaca
Picado crioulo (designado como
molho), feito com um tipo de corte
específi co, usado para cobrir o mexi-
lhão servido na sua concha, um prato
chamado choritos a la chalaca.
Molho criolla
Cebola, tomate, ají gota-de-limão, vi-
nagre e limão, picados com um tipo
de corte tradicional, dando a forma
de penas aos ingredientes.
Molho huancaína
Molho de queijo fresco, ají amarelo
e leite fresco, típico de Lima.
Tiradito
Prato claramente resultante da infl u-
ência japonesa no ceviche peruano,
em que o peixe é cortado em fatias
fi nas, tal como no sashimi. Normal-
mente, o peixe é disposto no prato e
coberto com leite de tigre (há muitas
variedades).
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26 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
A cozinha pede palco neste Theatro encantado
a A fachada do edifício capta
a atenção dos passantes pela
luminosidade que vem do interior.
As amplas montras carregadas
de livros sugerem, à primeira
vista, um outro tipo de negócio,
mas, transposta a ampla porta de
entrada, o cenário é de apelativo
ambiente de degustação. A
estilizada garrafeira vertical, a
cozinha em fundo e as mesas postas
com baixela cuidada não deixam
margem para mais dúvidas.
Espaço amplo, moderno e de
evidente bom gosto, este novo
Theatro apela à emoção dos
sabores e promete uma restauração
de estilo dinâmico e gosto
contemporâneo. Uma carta que
destaca a variedade de entradas,
alguns snacks, e a sugestões de
vários tipos de cervejas para
acompanhar, logo deixam também
o propósito de degustação para
lá dos horários de refeição. Um
espaço que à vocação gastronómica
acrescenta outras valências de
prazer e emoção.
Numa apresentação feita, aqui,
na Fugas, há uns meses, Abel
Coentrão explicava com o nasceu o
projecto. “Um quarteto improvável
juntou-se há uns anos na Póvoa de
Varzim. Não planearam o assalto do
século, mas um projecto que, como
pretendiam, os pôs nas bocas da
cidade, e não só. Um velho teatro
dos primórdios da República,
conhecido, pelos contemporâneos,
como uma loja de venda de gás,
encerrada em 2013, reabriu como
o Theatro. Na sua nova e luminosa
encarnação, o número 10 da Rua
Santos Minho não tem um palco,
mas em compensação ganhou uma
imensa livraria, um restaurante, um
wine bar e uma galeria de arte.”
Os meses rolaram e a função
restaurativa parece impor-se.
Provam-se os primeiros petiscos
— amêijoas à Bulhão Pato, polvo à
galega ou um shot de farinheira,
cogumelos e ovo — e a coisa
promete. Destacam-se o apuro
e defi nição de sabores, que dão
mostras de cozinha segura e
domínio técnico. O chef Pedro
Oliveira, explicam-nos, formado e
iniciado na região, andou depois
por restaurantes de Bruxelas até ser
desafi ado a assumir a cozinha deste
Theatro.
A tentação de alguns exotismos
na carta logo denuncia essa
mundividência, nem sempre a
melhor amiga dos bons produtos
e sabores das nossas tradições.
Principalmente quando o
cozinheiro os domina e conhece,
como logo fi ca evidente.
Na vertente de degustação, foi
proposto um interessante “menu
de tapas” (por que raio se insiste
em designações forasteiras quando
temos uma velha e rica tradição de
petiscos?) com cinco momentos
(12,50€).
Entrada em grande com as
amêijoas à Bulhão Pato, gordas
e babosas, cozinhadas a preceito
com alho e coentro e apresentadas
em elegante tachinho onde a
gulodice só pedia mais molho para
saborear. Idêntica a elegância no
copinho transparente, tipo shot,
de farinheira com ovos mexidos e
cogumelos, num apuro e defi nição
de sabores que igualmente
sobressaía com o polvo à galega. A
tábua incluía ainda uma tostinha de
pão com presunto e ovo estrelado
de codorniz, e um interessante
mini-hambúrguer para conforto
dos apetites mais vorazes.
Provaram-se também as gambas
crocantes, avantajadas, saborosas
e envoltas em competente polme
rústico, que acasalam com exótico
e estereotipado molho agridoce
Espaço atraente, e diversificado, com propostas onde os petiscos ganham destaque. A cozinha é segura
que manifestamente as desmerece.
Muito boas as tradicionais (e locais)
petingas fritas, frescas, saborosas
e impecavelmente escorridas
da fritura. Interessante também
a apresentação escolhida para
esta “petinga na rede” (4,50€):
a canastra e a rede (minis) com
generosa dúzia de sardinhas
crocantes que se devoram na
totalidade.
Ainda no que toca a entradas
ou petiscos, a carta propõe a
“trinchada de francesinha”,
“bombom de alheira crocante”,
“revueltos com espargos verdes e
cogumelos”, “bruschetas de sabores
portugueses”, “carpaccio de salmão
fumado com cítricos” e “selecção
de queijos e enchidos”, com preços
entre 3,20 e 7,90€.
No que aos pratos principais diz
respeito, o foco está nas carnes. Um
risotto de pato, fondant de alheira
de caça, bochecha de porco preto
com puré de queijo, presa de porco
ibérico e a moda “maturada” em
duas versões: naco e costeleta.
Provamos o “risotto de pato
TheatroRua Santos Minho, 10 4490-549 Póvoa de VarzimTel.: 918 803 798 Cozinha: ContemporâneaHorário: De terça a sexta-feira, das 10 às 24h; até às 2h ao sábado e domingo. Fecha à segunda-feira.Estacionamento: Nem sempre fácil.
i
José Augusto Moreira
Crítica
Gastronomia
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 27
FOTOS: NELSON GARRIDO
Qualidade técnica da cozinha, com sabores seguros e bem definidos. Também a garrafeira, abrangente e criteriosa, e a decoração do espaço convidam à visita
Falta cozinha de peixes. Em terra de pescadores e onde até chega o cheiro da lota, não se entende que a oferta de peixe fresco acabe nas petingas fritas
+
—
com espargos e cogumelos”
(13,90€), em dose generosa, com
sabores e texturas aprimorados,
carne esfi ada, e a mostrar, mais
uma vez, a valia culinária da
cozinha. Igualmente de tamanho
bem generoso o “naco de vazia
maturada” (16,90€), carne rosada
e suculenta e cozinhada no ponto
exacto.
Peça de boa qualidade,
saborosa, e que bem dispensava
a “cobertura” com molho de
mostarda e mel que lhe aniquila o
sabor. Ou seja, o melhor da carne.
E a solução é fácil: servido à parte,
só mistura quem quer. Mas o pior
é que o desastre se acentua ainda
com as batatas fritas de fast-food
e sal refi nado que acompanham.
O luxo (da carne) não pode casar
nunca com a miséria (da fast-food).
O polvo à lagareiro (14,90€),
bacalhau com crumble de broa
(15,90€) e um “arroz caldoso de
camarão tigre e vieiras” (19,90),
esgotam a oferta de peixe. Ou seja,
não há peixe fresco (com excepção
das petingas), o que em terra de
pescadores não deixa de saber a
pouco. E lota está ali a centenas de
metros! Um verdadeiro desperdício,
tanto mais quando a cozinha deixa
evidentes indícios de que é mesmo
capaz de fazer a diferença.
Nas sobremesas, a panna cotta
de frutos silvestres (4€), o brownie
de chocolate com gelado de
framboesas (3,60€) e o competente
pudim abade de Priscos (4,50€)
deixam mais uma vez garantias da
capacidade da cozinha de Pedro
Oliveira, que parece claramente
justifi car mais palco para poder
brilhar.
Neste Theatro, merece também
aplauso a qualidade e abrangência
da carta de vinhos. Abarca todas
as regiões com critério e gosto na
escolha de vinhos de qualidade,
com o louvável esforço em
sugestões alternativas aos mais
caros, óbvios e conhecidos. Maior
oferta de vinho a copo (apenas
um branco e um tinto) não só
promoveria o consumo como
parece ajustada à lógica de petiscos
e vocação gastronómica alargada.
Destaque também para o serviço,
correcto, simpático e envolvente
(mesmo que não necessite de a
cada três minutos questionar se
está tudo bem e a gosto), num
ambiente agradável, desafogado e
luminoso.
Em conclusão, apetece dizer
que este é o espaço gastronómico
alternativo e contemporâneo que o
cosmopolitismo poveiro há muito
justifi cava. E isso implica mais e
maior protagonismo à cozinha, com
peixes e carnes, para que todos se
sintam atraídos por este encantador
Theatro gastronómico.
Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público.Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 29
55 a 70 71 a 85 86 a 94 95 a 100
Os vinhos aqui apresentados são, na sua maioria, novidades que chegaram recentemente ao mercado. A Fugas recebeu amostras dos produtores e provou-as de acordo com os
seus critérios editoriais. As amostras podem ser enviadas para a seguinte morada: Fugas - Vinhos em Prova, Praça Coronel Pacheco, n.º 2, 3.º 4050-453 Porto
O Douro inteiro numa homenagem a D. Antóniaa O legado de D. Antónia Adelai-
de Ferreira continua bem vivo nos
grandes vinhos da Casa Ferreirinha
— ou nos que são feitos pelos ramos
da sua família no Vallado ou no Va-
le Meão. No portefólio da empresa
já havia o clássico D. Antónia nos
vinhos do Porto e desde 2011 (ano
do bicentenário do seu nascimento)
começaram a ser lançados tintos e
brancos com o nome da matriar-
ca com a preocupação de os situar
nos mais altos patamares da gama
da casa. O D. Antónia tinto da vin-
dima de 2013 cumpre com brilho
esse objectivo. É, sem dúvida, um
dos vinhos mais extraordinários do
passado recente da Casa Ferreiri-
nha. Logo, um dos vinhos mais ex-
traordinários produzidos no país
nos últimos tempos.
Ao contrário do que é norma nos
tintos da Ferreirinha, este D. Antó-
nia não é proveniente de uma quinta
específi ca, como o Quinta da Leda,
nem dos lotes combinados em duas
ou três propriedades, como o Este-
va. A equipa dirigida pelo enólogo
Luís Sottomayor procurou entre to-
das as vinhas que a Ferreirinha tem
no Douro lotes de qualidade supe-
rior, procedeu à sua vinifi cação nas
instalações da Leda e do Seixo e, no
fi nal, procedeu à escolha do lote que
seguiria para estágio em tonéis du-
rante dois anos.
Pelo conceito, pelo preço e pelo
perfi l, este D. Antónia é um vinho
especial, um vinho de colecção —
até porque só se produziram 4000
garrafas. A sua identidade não fo-
ge à cultura da casa, com a Touriga
Franca a dominar o lote e a garan-
tir um carácter austero e o trabalho
com a madeira a conferir comple-
xidade sem diluir as notas de fruta
vermelha, especiaria (gengibre) e
vagas notas fumadas que marcam
o nariz. Intenso, com uma estrutu-
ra poderosa e ainda adstringente
(este é claramente um vinho para
deslumbrar daqui a uma década),
fruta saborosa na boca, acidez e um
toque especiado na ponta da língua
propiciam uma prova de boca longa,
deliciosa, cheia de Douro e de misté-
rio. Um vinho soberbo. M.C.
Antónia Adelaide Ferreira 2013Sogrape, AvintesGraduação: 14%Região: DouroPreço: 80€
Quinta da Soalheira Vinhas Velhas 2015Sociedade dos Vinhos Borges, GondomarGraduação: 13%Região: DouroPreço: 12,90€
Um vinho proveniente de vinhas velhas da Quinta da Soalheira que tem como primeira missão mostrar a pureza da sua fruta original — não passa por madeira nem na fermentação, nem no estágio. O resultado é atractivo. Se este vinho não é um primor de complexidade, vale pela expressão da sua fruta (aromas de framboesa muito francos) e pela sua harmonia feita de simplicidade e autenticidade. Sabe muito bem beber vinhos assim. M.C.
Vila Real Branco Colheita 2016Adega Cooperativa de Vila RealCastas: Malvasia Fina, Viosinho, Fernão PiresGraduação: 13%Região: DouroPreço: 2,50€
Uma empresa bem gerida, com base no Douro, com uma equipa de enologia competente e com uma estratégia definida não faz maus vinhos. A adega de Vila Real anda há anos a demonstrá-lo ao lançar vinhos baratos que se bebem com prazer. Este branco apresenta-se com um aroma limpo de fruta de polpa branca e uma nota de erva seca e na boca exprime uma aceitável harmonia, com uma boa relação entre o corpo, o álcool e acidez. Um vinho seguro para o quotidiano. M.C.
Aliança Reserva Tinto 2015 AliançaBacalhôa VinhosCastas: Baga, Tinta Roriz e Touriga NacionalGraduação: 13% volRegião: BairradaPreço: 4,99€
Os tempos dos bons Bairrada da Aliança, os Rigodeira e Quinta da Dona, por exemplo, já fazem parte do passado. Agora, o que parece contar é o volume. Daí os seus vinhos serem cada vez mais iguais uns aos outros. Este Reserva Tinto 2015 é um bom, mas triste, exemplo, da linha actual da Aliança. É muito frutadinho e também muito macio. De Bairrada só tem a frescura. Pelo preço não se pode pedir mais? Pode. A Aliança nasceu em 1927, não nasceu ontem. Tinha obrigação de fazer melhor. P.G.
Aliança Branco Reserva 2016AliançaBacalhôa VinhosCastas: Maria Gomes e BicalGraduação: 13% volRegião: BairradaPreço: 4,99€
Ainda pior do que o Aliança Tinto. Além do excesso de sulfuroso, é um branco de aroma tropical, maduro mas estranhamente amargo no final, com alguma acidez, pouco complexo, para beber fresquinho sem causar fastio. Falta-lhe tensão, frescura, nervo — alma bairradina, em suma. P.G.
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Vinhos
Proposta da semana
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30 | FUGAS | Sábado, 22 de Julho de 2017
O novo restaurante de Belém é um balcão (e uma piscina) sobre o Tejo
a De par em par, as janelas são por-
tas abertas para o Tejo. Com vista
para uma margem retalhada e o rio,
sobre o qual muitos insistem em ver
o tamanho de um mar. As novas ja-
nelas que se abrem pouco acima da
linha de água, na marginal de Belém,
pertencem ao Sud Lisboa Terrazza, o
“centro gastronómico” que o grupo
Sana Hotéis acaba de abrir na capital.
“É redutor dizer que é apenas um
restaurante”, começa por defender
Salomé Gorgiladze, administradora
delegada para o Sud. E explica a tese:
o espaço está “sempre aberto”, de
segunda a segunda, das 8h às 2h da
manhã para servir todas as refeições
do dia. Do pequeno-almoço ao chá
da tarde, almoços e jantares, um “en-
contro de trabalho a meio da tarde”
ou um “copo entre amigos à noite”. É
restaurante, bar, terraço, esplanada.
Cada conceito é uma peça para um
puzzle completo do espaço.
Tudo foi pensado de raiz. A anti-
ga estrutura, onde existia o Piazza
Di Mare, veio abaixo, para criar um
espaço à imagem do grupo Sana e
de uma “Lisboa cosmopolita, que sai
à rua e aproveita o Tejo”. O arqui-
tecto António Pinto, que projectou
o Alcântara Café e o Espaço Lisboa,
trabalhou o conceito e concretizou-o
numa série de espaços que parecem
um só. São salas com paredes trans-
parentes, ornadas com folhas verdes,
onde as portas não existem e as jane-
las são vidro. “É tudo amplo, muito
fresco”, descreve Salomé.
Mais do que o rio ou o mar, a ins-
piração são os barcos e a memória
piscatória portuguesa. Daí os tons de
latão e cobre das colunas e paredes.
cabine suspensa na sala principal.
“Mais do que comida, servem-se
experiências”, repara a gestora, para
de seguida enumerar: “A comida, a
piscina, a animação, a música e os
eventos” são prato servido a pronto.
Um dos reparos mais frequentes,
diz Salomé, é-lhe de alguma forma
“estranho”: “Muitos clientes, turistas
e lisboetas, entram e dizem que isto
‘nem parece Lisboa’. Podia ser em
Ibiza ou um qualquer destino para-
disíaco.” Para termo de comparação,
a gestora apenas pode fazer o para-
lelismo com o Tatel, em Madrid, e o
Bagatelle Beach, em St. Tropez. “Não
vimos em mais nenhum lado esta fu-
são de conceitos que o Sud tem.”
Natural da Geórgia, Salomé Gorgi-
ladze vive e trabalha na capital por-
tuguesa há anos sufi cientes para lhe
conhecer a personalidade. “Este é
um conceito que fazia falta em Lis-
boa”, há-de repetir, garantindo que o
projecto Sud tem o objectivo a longo
prazo de “puxar a cidade para cima”
à custa “de um luxo no serviço, aces-
sível no preço”.
Dois dias depois da abertura, to-
das as mesas estavam reservadas e a
agenda mantém-se preenchida para
as próximas semanas. Por isso, para
comer, não arrisque ir sem reserva,
porque a afl uência está a surpreen-
der os próprios mentores do Sud.
A fechar a carta, há um take-away
do lado de fora do complexo. Tem
saladas, sumos, batidos e pequenos
snacks num quiosque virado para a
marginal.
Espaço para eventos
No fi nal de 2014, o Sana começou
uma caminhada de mais de dois anos
de ideias, projectos e obras que, 16
milhões de euros depois, culmina-
ram na inauguração do primeiro es-
paço do grupo fora da hotelaria.
O Terrazza é pensado para um gru-
po alargado de clientes e de ocasiões,
de um almoço de negócios a jantares
de família ou aniversários. E, para
alargar o conceito, o complexo Sud
Lisboa inclui um espaço de eventos.
É o Sud Hall, erguido no lugar do an-
tigo BBC, um amplo salão com dois
bares e serviço para 1500 pessoas.
Pensado para conferências, ca-
samentos, congressos ou reuniões,
o espaço tem capacidade para dois
eventos simultâneos — as duas entra-
das permitem que os convidados não
se cruzem e os espaços estão isolados
o sufi ciente para que a música de uns
não contamine a conversa de outros,
assegura Salomé.
O Sud Hall tem, para já, uma agen-
da privada, mas prepara “uma série
de eventos e festas temáticas” para
o público geral. Uma programação
ainda por fechar, mas com presen-
ça confi rmada de artistas internacio-
nais. Anúncio para breve.
Os prateados sobre azul e verde. E a
proximidade à terra que vem pelo
jardim suspenso na sala que se abre
à esplanada, que corre o balcão para
o rio. Há mais de duzentos lugares
sentados.
A transparência do bar permite ver
a cozinha do chef Carlo Di Nunzio,
que o Sud foi buscar a Itália. A cozi-
nha é de inspiração mediterrânea,
com enfoque nos sabores da terra-
mãe do chef. Licenciado em músi-
ca, Di Nunzio diz ter transportado a
criatividade das pautas para o prato.
Estrela Michelin no italiano Club Co-
conut Rimini, o chef trouxe a burrata
das suas origens, o queijo de leite de
búfala feito à mão em Itália, para o
restaurante que inaugura a sua pri-
meira experiência em terras lusas.
Não faltam as massas, os risottos
e as pizzas em forno de lenha. O al-
moço é servido ao ritmo de cada um:
há menu para executivos e opções à
la carte com sugestões do chef para
provar, sem pressas. Ao jantar, o rit-
mo desce e o chef pode mesmo vir
terminar o prato à mesa.
A carta de vinhos tem perto de 130
referências, com destaque para os
vinhos antigos que Marco Alexandre,
gerente do Terrazza, trouxe da Áus-
tria, Itália, França e África do Sul pa-
ra conquistar um nicho que procura
estas referências em Lisboa.
Piscina à beira Tejo
Sobem-se as escadas e, como cereja
no topo de um bolo, o terraço é uma
esplanada para o Tejo e para uma pis-
cina que se debruça sobre a margem.
Todos os dias há música ao vivo, do ja-
zz à música portuguesa. Pode calhar-
lhe um saxofonista, uma dupla femi-
nina ou o DJ residente que faz uso da
A oferta é variada e adequa-se a qualquer hora do dia
Para almoçar ou jantar, faça reserva. Se não, por estes dias, o risco de ficar à porta é praticamente garantido
+
Sud LisboaAvenida Brasília, Pavilhão Poente1300-598 LisboaTel.: 211 592 700Horário: Todos os dias, das 8h às 2h. Piscina funciona das 9h às 18hPreços: Piscina por 35€ por pessoa (inclui toalha e espreguiçadeira). O preço por pessoa, ao jantar, ronda os 40€.
i
Margarida David Cardoso
FOTOS: MIGUEL MANSO
Sud Lisboa
—
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Sábado, 22 de Julho de 2017 | FUGAS | 31
Como não fazer uma caldeirada e como fazer uma caldeirada que seja boa
a A caldeirada deve ser o prato
favorito dos portugueses que
os portugueses menos têm a
felicidade de comer. Em Lisboa,
então, é difi cílimo.
Há muitas razões para isso.
A caldeirada só é boa acabada
de fazer e leva pelo menos 40
minutos. Conheço grandes
cozinheiras de caldeiradas que se
recusam a começar uma só por
telefonema. As pessoas depois
atrasam-se e a caldeirada é que
sofre.
Sempre que consegui
convencer um cozinheiro (os
homens são mais corruptíveis)
a fazer uma caldeirada antes de
eu chegar aconteceu uma de
duas coisas: ou começa muito
mais cedo, aproveitando o erro
da encomenda, ou começa na
hora combinada e há pessoas
que chegam tarde, estragando a
caldeirada.
Quem diga que a caldeirada
se pode manter quente (ou,
igualmente mau, que se pode
aquecer) não está a mentir. Claro
que se pode. Mas a caldeirada
é que sofre: fi ca uma merda,
comparada com o sabor e o cheiro
delicado de uma acabadinha de
fazer.
Outro erro da caldeirada é julgar
que tem de ter certos peixes,
conforme as receitas. A caldeirada
começou por ser uma solução
dos pescadores para aquele
peixe pequeno, feio ou pouco
apreciado que não conseguiam
vender. Uma caldeirada aproveita
o peixe que há: só importa que seja
fresquíssimo.
Uma grande cozinheira mostrou-
me que se faz uma bela caldeirada
só com um peixe (raia). Ou com
dois peixes (raia e tamboril). É
verdade. Se o molho de cozedura
(cebolas e tomates) estiver bem
feito, a caldeirada é um guisado
de batatas que é bom só por si, ao
qual se acrescentam umas postas
de peixe que se cozem levemente.
Para saber quais os peixes que
devem entrar numa caldeirada
basta ir à peixaria: são os peixes
que estiverem mais frescos e ao
preço que se quer gastar. Pode-se
fazer caldeirada de carapaus, fi ca
óptima. Não há nenhum peixe,
molusco ou crustáceo que fi que
mal.
Aquilo que é proibido numa
caldeirada é peixe que não esteja
fresquíssimo. A caldeirada, tal
como a fritura, longe de disfarçar
o sabor a “pixungue” do peixe
envelhecido, multiplica-o. A única
coisa que disfarça é o picante
forte, pelo que só se deve comer
caldeirada picante quando se
conhece bem quem a faz.
Desde que li a Cozinha
Tradicional Portuguesa
experimentei quase todas as
receitas de caldeirada recolhidas e
trabalhadas por Maria de Lourdes
Modesto. São todas muito boas.
A variedade é deslumbrante. Se
o peixe for fresco é impossível
que uma caldeirada acabada de
fazer não fi que deliciosa. É um
milagre. Se põe ou não alho, louro,
pimentos ou batata-doce, fi ca
sempre bem.
A caldeirada pode fazer-se toda
de uma só vez mas fi ca melhor
quando é feita por fases. A ideia é
fazer primeiro uma caldeirada de
batatas.
Tapa-se o fundo do tacho com
bom azeite. Cortam-se cebolas
lá para dentro: mais do que
pensa. Deixam-se cozer até fi car
transparentes e largar água,
devagarinho, sem pressas. Quando
estiverem prontas pode-se deitar
um dente de alho — ou não. E uma
folha de louro — ou não. Vale a
pena fazer uma caldeirada nua
(só com tomate e cebola) para
perceber o que se perde e o que se
Uma caldeirada aproveita o peixe que há: só importa que seja fresquíssimo
Miguel Esteves Cardoso
ganha. Tem também a vantagem
de dar menos trabalho e de
mostrar mais o sabor do peixe.
Se quiser pôr pimento, é agora.
As caldeiradas fi cam bem com e
sem pimento. Não precisam do
pimento. Deitam-se depois tomates
maduros, cortados conforme se
gosta. Dá-se tempo aos tomates.
Têm de perder a acidez, para não
encruar as batatas. Quando já
estiverem rebentados, é altura de
juntar as batatas, incluindo batata-
doce, que fi ca muito bem. Agora
deixam-se cozer lentamente, até
fi carem quase prontas.
Só nesta altura é que se juntam
as postas de peixe, por ordem
de cozedura. O peixe coze-se
depressa e é por isso que tem de
cozer devagar, para apanhar um
bocadinho do sabor da caldeirada.
Mal esteja cozido, é altura de servi-
la. Agora só é preciso paciência e
cuidado para não queimar a boca.
Boas caldeiradas!
JOÃO SILVA
O gato das botas
6b866b28-1c7b-428d-9ba0-02312487d833
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