Funcionalismo em perspectiva
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................. 5
SEÇÃO 1: O EMPREGO DO ARTIGO E O ESTATUTO INFORMACIONAL................... 6
O emprego dos artigos definido e indefinido em títulos noticiosos da Inglaterra,
Espanha e Brasil. ................................................................................................... 7
SEÇÃO 2: A MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO POLÍTICO ........................ 14
A modalidade deôntica no discurso político. ............................................................ 15
SEÇÃO 3: GRADAÇÃO: UM FENÔMENO DISCURSIVO ......................................... 28
Gradação: um fenômeno discursivo. ....................................................................... 29
SEÇÃO 4: A GRADAÇÃO NA WEB ....................................................................... 39
Por uma perspectiva funcional: a gradação e o seu uso nas redes sociais. .................. 40
Gradação na Web: as ocorrências de gradação no microblog Twitter. ......................... 51
SEÇÃO 5: A GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR ............................................. 63
A gramaticalização do verbo dar. ............................................................................ 64
A gramaticalização do verbo dar. ............................................................................ 75
A gramaticalização do verbo dar no presente e no pretérito perfeito do indicativo. ........ 89
Análise sincrônica da gramaticalização do verbo dar................................................ 103
SEÇÃO 6: A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO ........................ 113
A função interpessoal em textos de opinião ............................................................ 114
SEÇÃO 7: OS PLANOS DISCURSIVOS NA OBRA DE ESOPO............................... 128
Os planos discursivos figura e fundo na fábula, “O Burro que vestiu a pele de
um Leão”, de Esopo. ........................................................................................... 129
5
APRESENTAÇÃO
A 4ª edição da revista Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade
Federal do Ceará dá continuidade ao trabalho da Profa. Claudete Lima, e é
produto dos estudos realizados pelos alunos da disciplina de Linguística:
Funcionalismo, no semestre 2011.2, com base nas teorias aprendidas em
sala de aula, e nas teorias de Linguistas associados ao funcionalismo como
Dik, Halliday, Hopper, Thompson e Givón.
Os trabalhos apresentados nesta edição foram produzidos e
organizados pelos próprios alunos da disciplina, que se dividiram em três
equipes: de revisão, de formatação e de edição, com orientação da
professora Claudete, e sã trabalhos que investigam fenômenos da língua
portuguesa e como eles se dão no dia a dia, estudando-os através do
ponto de vista funcional.
Esperamos que com esses trabalhos possamos mostrar as
produções dos alunos para outros estudantes, e não só servir de base
para suas eventuais pesquisas, mas também incentivá-los a iniciar suas
próprias produções acadêmicas.
Gratos,
A Edição
6
SEÇÃO 1
O EMPREGO DO ARTIGO E O ESTATUTO INFORMACIONAL
7
O EMPREGO DOS ARTIGOS DEFINIDO E INDEFINIDO EM
TÍTULOS NOTICIOSOS DA INGLATERRA, ESPANHA E
BRASIL
Carlos del Río González1
Resumo: O presente artigo pretende expor e refletir sobre as diferenças de uso dos artigos definido e indefinido nos títulos dos jornais Folha de São Paulo, The Guardian e El País, escritos em língua portuguesa, inglesa e espanhola respectivamente. Para isso, baseamo-nos nas guias de estilo dos jornais e comparamos os títulos das notícias sobre o terremoto e tsunami no Japão em março de 2011, entre as datas 11/03/2011 e 21/03/2011. Palavras-chave: Artigo definido, indefinido, notícia, títulos. Abstract: This text presents and thinks upon the differences in use of definite and indefinite article in headlines from the Folha de São Paulo, The Guardian and El País newspapers, written respectively in Portuguese, English and Spanish. In order to do that, we take base in the newspapers’ style guides and compare the news headlines on the earthquake and tsunami occurred in Japan in March 2011, between 11 March 2011 and 21 March 2011. Keywords: Definite article, indefinite, news, headlines. Introdução
Em orações do português, o emprego do artigo está fortemente
relacionado com o estatuto informacional do SN, que está, por seu lado,
relacionado com o valor semântico que a oração possui. Os artigos
dividem-se, geralmente, em definido e indefinido, e há algumas
subdivisões que devem ser levadas em conta.
De maneira geral, define-se o artigo definido como aquele que
“trata de um ser já conhecido do leitor ou ouvinte, seja por ter sido
mencionado antes, seja por ser objeto de um conhecimento de
experiência” (CUNHA;; CINTRA, 2008, p. 219). Depreende-se dessa
definição que o valor mais destacado do artigo definido é o anafórico. Já o
artigo indefinido “trata de um simples representante de uma dada espécie
ao qual não se fez menção anterior” (idem, ibidem).
1 Graduando em Letras-Português / Espanhol – UFC.
8
Embora os artigos, ambos o indefinido e o definido, possuam
outros valores específicos, o que interessa a este trabalho não são esses
outros valores, mas a omissão dos próprios artigos.
Para estudar a diferença de uso do artigo em textos noticiosos,
este trabalho tomou os títulos das notícias sobre o terremoto que
aconteceu no Japão no começo do ano e as consequências que ele trouxe.
Os jornais escolhidos são o brasileiro Folha de São Paulo, o britânico The
Guardian e o espanhol El País. As datas das notícias estão limitadas entre
o 11/03/2011 e o 21/03/2011.
Para coletar os dados, foram acompanhados os títulos dos três
jornais e escolhidos aqueles que tratavam o tema de maneira mais
parecida. Em seguida, fez-se a comparação e estudou-se o uso dos
artigos, tanto dos definido quanto dos indefinido.
Como Deve Ser Usado o Artigo
As normas gramaticais para usar artigo definido ou indefinido
desviam-se, as vezes, um pouco do padrão original quando aplicadas a
textos jornalísticos, já que estes têm um forte compromisso com a forma
como a informação é dada.
Para títulos de jornais brasileiros, o Manual de redação e estilo do
Estado de S. Paulo reza que o artigo definido “pode ser dispensado, na
maior parte dos casos, para economizar sinais” (apud ZAMPONI, 2000).
Portanto, um título fictício como:‘Barcelona ganha Liga dos Campeões’,
não precisaria de artigos, pois são subentendidos;; ‘O Barcelona’ e ‘a Liga
dos Campeões’. Porém, esse subentendimento só pode ser dado por
conhecimento de experiência, isto é, só aqueles que saibam que a Liga
dos Campeões é um torneio de futebol saberão que ‘Barcelona’ refere-se
ao time de futebol catalão e não a outros times de outros esportes nem à
própria cidade.
Passando à imprensa britânica, o Guardian Style Guide não faz
profunda menção ao uso do artigo. Para o indefinido, limita-se a dizer:
9
“utilize an antes de H mudo”2 (tradução nossa); quanto ao definido reza
que “deixando de fora o/a/os/as frequentemente faz com que se leia como
gíria: diga “a conferência aceitou fazer alguma coisa”, não “conferencia
aceitou”;; “o governo tem de fazer”, não “governo tem de fazer”;; “a Super
Liga” (rugby), não “Super Liga. ”3 (p. 289, grifo nosso).
No caso da imprensa espanhola, o Manual de estilo del diario El
País de España dá mais especificações quanto ao uso de artigo. A primeira
norma que o manual cita é que “não se podem suprimir os artigos ou
adjetivos que forem impostos pela lógica da linguagem”4 (p. 35). O mais
interessante, porém, é quando comenta que “nunca será sacrificada a
sintaxe à brevidade. Isto é, não se podem suprimir artigos ou preposições
de maneira que o texto pareça redigido em estilo telegráfico.”5 (p. 27).
Mais adiante, agrega: “os títulos hão de ser quão concisos for possível –o
ideal é que não perpassem uma linha de composição–, mas nunca será
sacrificada a sintaxe castelhana ou sua compreensão informativa. Não
podem ser suprimidos, portanto, artigos ou preposições.”6 (p. 27, grifo
nosso). Todavia, mais adiante lemos: “quando um título começa com um
artigo, este nunca deve ser omitido”7 (p. 71)
Percebe-se uma posição quase antagônica com o manual do jornal
brasileiro; neste, prioriza o sentido do título e se leva muito em
consideração a participação do leitor; naquele, a sintaxe predomina se
sobrepõe à pragmática.
Comparação de Casos
2 Use an before a silent H. 3 Leaving “the” out often reads like jargon: say the conference agreed to do something, not “conference agreed”;; the government has to do, not “government has to”;; the Super League (rugby), not “Super League”. 4 No se pueden suprimir los artículos o adjetivos que imponga la lógica del lenguaje. 5 Nunca se sacrificará la sintaxis castellana a la brevedad. Es decir, no se pueden suprimir artículos o preposiciones de manera que el texto parezca redactado en estilo tele-gráfico. 6 Los títulos han de ser lo más escuetos posible —lo ideal es que no sobrepasen una línea de composición—, pero nunca se sacrificarán la sintaxis castellana o su comprensión informativa. No pueden suprimirse, por tanto, artículos o preposiciones. 7 Cuando una cabecera comience con un artículo, éste nunca debe omitirse.
10
Começamos a comparação de casos das notícias que abordaram o
tsunami no Japão, no começo deste ano, entre os jornais Folha de São
Paulo (FSP), The Guardian (TG) e El País (EP).
No 11/03/2011 encontramos os seguintes títulos:
Vemos que a FSP omite os artigos, tanto o primeiro quanto o
segundo, que deveriam ser indefinidos (Um terremoto / um tsunami).
Como diz Zamponi, a omissão do artigo pode ser devida à intenção de não
querer assumir informações dadas frente a leitores que podem não estar
cientes de notícias passadas relacionadas com o assunto. Neste caso,
como a informação é nova, poderia ser usado o artigo indefinido.
Recorremos, então, ao Manual de redação e estilo do Estado de S. Paulo e
sua recomendação de omitir artigos para economizar sinais.
O TG também omite os artigos, desobedecendo às recomendações
da Guardian Style Guide. Mas, de qualquer modo, percebemos que a
omissão de artigos é algo recorrente na língua inglesa, não sendo tão
usados como no português ou no espanhol.
O EP é o único a usar o artigo indefinido para introduzir uma
informação nova, como dita a sintaxe castelhana. Neste caso, a norma é
seguida, e o artigo não é suprimido.
Ainda no 11/03/2011 encontramos o seguinte:
FSP: Terremoto seguido de tsunami deixa ao menos 32 mortos no
Japão
TG: 8.9 magnitude earthquake hits Japan, numerous aftershocks
EP: Una ola de muerte y destrucción
11
De novo, a FSP omite os artigos. Neste caso, podemos supor que
os omitem para não assumir informações dadas;; se fosse ‘Após o tremor’,
um leitor que recentemente teve contato com a notícia poderia perguntar-
se ‘que tremor?’.
O TG, seguindo a tendência de uso inglesa, omite os artigos. O que
podemos destacar deste título é que caracteriza o terremoto como
japonês;; então, o que poderia ser “Earthquake in Japan forces(…)” é
simplificado à forma que vemos acima.
O título do EP, publicado no 12/03/2011 recorre à sintaxe para
utilizar os artigos. Embora o risco nuclear seja uma informação nova,
emprega-se o artigo definido. Entendemos que essa utilização é devida à
intenção de particularizar o risco nuclear.
No 14/03/2011 lemos:
Vemos que a FSP e o TG omitem de novo todos os artigos,
economizando sinais e simplificando o título. Já no EP percebemos o uso
FSP: Após tremor, Japão irá retirar moradores próximos a usina
nuclear
TG: Japan earthquake forces thousands to evacuate in nuclear
plant emergency
EP: El riesgo de fuga nuclear obliga a evacuar a miles de personas
FSP: Japão tenta controlar pane em reator após 2ª explosão em
usina nuclear
TG: Explosion at Japanese nuclear plant
EP: Los niveles de radiación suben en Japón, tras una nueva
explosión y un incendio
12
rigoroso de artigos. Vendo o cumprimento do título, pensamos que o uso
da sintaxe se impõe à concisão. Todavia, podemos ver aqui a não omissão
do artigo no começo do título.
Ainda no 14/03/2011, podemos ver os seguintes títulos:
Agora vemos que a FSP omite os artigos, mesmo os definidos antes
dos países, estes supostamente conhecidos já por todos os leitores.
Atribui-se esta omissão a um recurso estilístico jornalista mais do que a
um motivo gramatical.
O TG não só omite os artigos como o verbo que, gramaticalmente,
seria preciso, i.e., ‘Germany is likely to suspend…’. Aqui pode-se ver o
estilo telegráfico, próprio dos jornais de países de língua inglesa, que o
Manual de estilo de El País condena.
Vemos que no título do EP não há, de novo, omissão de artigo nem
simplificação da informação; fazendo ele, mas uma vez, o mais comprido
dos três.
Considerações Finais
O uso de artigo, definido ou indefinido, na imprensa espanhola é
claramente mais abundante que na brasileira e na britânica.
Depreendemos deste fenômeno uma teoria que desejamos aprofundar em
futuros trabalhos: embora o português e o espanhol sejam línguas irmãs,
com uma grande proximidade linguística, a aplicação da língua portuguesa
em textos jornalísticos assemelha-se mais à forma inglesa do que à
FSP: Alemanha e Suíça suspendem projetos nucleares; Reino Unido
diz ser cedo
TG: Germany likely to suspend nuclear plant plans
EP: Merkel suspende el plan para alargar la vida de las centrales
nucleares en Alemania
13
espanhola. Fica destacada a similitude sintática entre os títulos da FSP e
do TG, fator que poderia fazer possível uma relação de tradução literária
entre eles. Já os do EP estão rigidamente presos à sintaxe castelhana,
diferenciando-se assim do estilo telegráfico que seu manual de estilo
condena.
Percebe-se que os jornais britânico e brasileiro priorizam os planos
semântico e pragmático nos seus textos. Seus títulos são concisos,
economizando em palavras e partículas da sintaxe que são desnecessárias
para a compreensão, de maneira que o leitor pode apreender a
informação rapidamente. Já no jornal espanhol, vemos que a prioridade é
a sintaxe, embora as palavras sejam escolhidas para passar a informação
de maneira efetiva.
Um estudo mais aprofundado pode ser feito com relação à
influência da imprensa de língua inglesa no Brasil. Alem disso, poderíamos
pensar em fazer um contraste entre jornais de diferentes países com o
mesmo idioma, para poder destacar divergências de uso dos artigos
definido e indefinido.
REFERÊNCIA
CUNHA, Celso, CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. EL PAÍS. Manual de estilo del diario El País de España. 11ª edição. 1996. Disponível em: <http://www.slideshare.net/guesta87028/manual-de-estilo-de-el-pais>. THE GUARDIAN. Guardian Style Guide. Bodmin: Guardian Branded, 2007. ZAMPONI, G. A propósito da definitude em expressões nominais de textos
noticiosos. In: 4º Encontro do CELSUL, 2000, Curitiba, 2000.
14
SEÇÃO 2
A MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO POLÍTICO
15
A MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO POLÍTICO
Hiáscara Sales de BARROS8
Resumo: Este artigo abordará a modalidade deôntica encontrada no discurso político, mostrando que por intermédio deste o enunciador pode persuadir o seu público alvo, no caso, os eleitores. O uso da modalidade deôntica è grande por políticos que querem obter o voto dos candidatos. Esta pesquisa abordará tanto a definição e função da modalidade deôntica, quanto o porquê do rico uso dessa modalidade por políticos, focando-se na atual presidente Dilma Rousseff em seu discurso durante seu período de campanha. Palavras-chave: Modalidade Deôntica, Discurso Político, Enunciador, Candidato, Público-Alvo. Introdução
Este artigo é uma reflexão acerca da modalidade deôntica
encontrada no discurso político apresentado no pronunciamento da
candidata de Dilma Rousseff no período de eleição. Sendo o corpus
analisado, três trechos de um dos discursos proferidos na concorrência à
presidência da Dilma Rousseff. A análise feita é resultante de inúmeros
questionamentos acerca de como o tema proposto poderia ser abordado
nesta pesquisa, por já ter conhecimento acerca do Discurso Político e este
ser um bom campo para utilização das modalidades, pois nele podemos
ver, muitas vezes, de forma clara a hierarquia existente entre enunciador
e o enunciatário, bem como as intenções estabelecidas pelo enunciador. O
discurso de Dilma Rousseff foi eleito para análise e estudo deste trabalho.
A motivação para o estudo proposto é a de que o discurso
supracitado permite ao enunciador fazer inferências e escolhas nos seus
enunciados para atrair e persuadir seu público alvo. Vale salientar que,
como todo político pertence a um partido, existe a relação da linguagem
verbal e não-verbal, no que condiz na escolha e semiologia de slogans e
bandeiras para um determinado partido político. Objetiva-se encontrar
nesta pesquisa os tipos de modalidades presentes no discurso
supracitado, e principalmente, as marcas deônticas.
8 Graduanda pela Universidade Federal do Ceará.
16
Vale salientar que os enunciados com valor deôntico exprimem
juízos através dos quais o locutor procura agir sobre o seu interlocutor
impondo, proibindo ou autorizando a realização da situação representada
pelo conteúdo proposicional, num tempo necessariamente posterior ao
tempo de emissão do juízo deôntico.
A princípio, exporemos as teorias funcionalistas de Halliday (1978),
mostrando a função textual interpessoal, pois esta é a marca da
modalidade. Objetivando estabelecer contato com o interlocutor, é
necessário moldarmos o nosso discurso de acordo com a nossa maneira
de ver a realidade. A seguir faremos uma breve explanação sobre o
discurso político.
Finalmente, baseando-se nas leituras das teorias estudadas,
analisaremos o corpus proposto, de maneira crítica e analisando a
ocorrência e os tipos de modalidade. Assim objetivamos explicitar a
relação e a influência do discurso citado no leitor.
Discurso Político-DP
O discurso político dá-se no espaço público e se refere ao campo do
público, do que deve ser conhecido por todos. Sendo argumentativo,
busca convencer, persuadir, mostrando bondades e aspectos negativos
que apresentam razões contrárias.
Segundo Neto, assim como todos os discursos, o discurso político é
também um discurso situado. Significa dizer que se encontra numa rede
interdiscursiva, onde lá residem outros discursos que se apresentam como
determinadas condições de produção para sua organização,
funcionamento e possibilidades de efeitos de sentido.
Os políticos, para melhor atrair a atenção dos ouvintes, valem-se
da persuasão e da eloquência. Dessa forma, usos da modalidade nos
enunciados políticos são bastante recorrentes, uma vez que a modalidade
deôntica é uma modalidade de intersujeitos, pressupondo uma relação
hierárquica entre o locutor, origem deôntica; e o interlocutor, alvo
deôntico.
17
Na persuasão os políticos ordenam os pensamentos levando o
ouvinte a aceitar seus pontos de vista de modo suave; na eloqüência,
exaltam o otimismo, o entusiasmo e a vivência no país melhor, apesar das
dificuldades aparentes. Por saberem que a mente humana condiciona-se
melhor à afetividade, apelam mais à emoção do que à razão. Toda palavra
pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo
que ela diz e não diz. A análise do DP engloba não só o texto, mas
também mensagens e intenções que as transmitem; tal análise
desconstrói o discurso proposto atendo-se aos detalhes como a
organização retórica, isto é, como se constroem os argumentos com os
quais se espera convencer, dissuadir ou atrair àqueles a quem se dirige
um texto, o receptador.
Assim mesmo, trata de evidenciar as responsabilidades pelas
afirmações, sugerências, acusações, interpretações e informações que se
apresentam no discurso (Potter, 1992; Monteiro-Rodrigues 1998).
Modalidade
Ao estudarmos a modalidade, podemos compreender seu uso por
parte do enunciador em prol de suas intenções e interpretações esperadas
por parte do enunciatário. De acordo com Britto, a expressão de atitude é
a marca desse recurso, pois existe uma preocupação com a forma de
emitir o enunciado para que o produtor do discurso transmita sua
mensagem com êxito e o interlocutor reaja de alguma maneira, positiva
ou negativa, em relação àquilo que está ouvindo.
No caso do discurso político, no qual o locutor tem o objetivo de
persuadir e convencer o interlocutor, o político, na maioria das vezes e em
essência, almeja aspectos positivos e total concordância com as sua
idéias. Portanto, a modalidade é utilizada de forma significativa e, se pode
dizer, de forma pensada ou propositalmente com intuito de persuasão.
Uma vez que a modalidade deôntica é uma modalidade de
intersujeitos pressupõe uma relação hierárquica entre o locutor, origem
deôntica, e o interlocutor, alvo deôntico.
18
Segundo Halliday (1978), há três tipos principais de funções sociais
envolvidas na comunicação: ideacional, textual e interpessoal. Essas
funções são manifestadas como uma forma de transmitir o potencial
significativo das representações lingüísticas. A interpessoal é função
marca da modalidade.
Contudo, o artigo foca-se unicamente na função interpessoal.
Como já mencionado anteriormente, é essa função a marca da
modalidade. Portanto, exemplificaremos somente tal função. A mesma
envolve a participação do sujeito na expressão das ações sobre os outros
no contexto social, desencadeando novas ações. Sempre houve uma
interação comunicacional entre o “eu” e “você” no contexto social de
comunicação. Halliday ensina que esse processo é na realidade uma
macro-função, pois envolve todos os usos da língua a fim de estabelecer
relações sociais e pessoais. Essa é a marca da modalidade e do modo,
considerando que no enunciado ocorre uma seleção de um papel na
situação de fala do falante, a forma pela escolha de papéis para o receptor
da modalidade.
A mesma está inserida na função interpessoal, pois tem como
finalidade a expressão de nossas crenças de valores ou opiniões a respeito
de um determinado assunto, como interação com o outro, mostrando
critérios de valor e verdade (Pinto, 1994).
Corroborando com Lock (1996), podemos ver dois modos de
modalidades de forma ampla e restrita. Na forma ampla, o autor
considera todas as expressões que mostram interação entre as pessoas. A
forma restrita se aplica aos auxiliares modais, que são os seguintes
verbos: “poder”, “querer” e “dever”. É a partir dessa perspectiva que
analisaremos o corpus mencionado anteriormente.
Os interesses e as intenções quanto às tarefas da enunciação
referem-se diretamente às atitudes individuais e sociais, às condições e às
participações do interlocutor no ato comunicativo, conforme a teoria de
Halliday. Já os valores deônticos subdividem-se tradicionalmente em
valores de obrigação e valores de permissão.
19
Todo enunciado apresenta em essência uma intenção por parte do
locutor, e esta é marcada pela vontade, entre outros fatores. Na
comunicação de nossas intenções, podemos manifestar uma ordem, um
desejo ou até mesmo um pedido.
Os tipos de modalidade
De acordo com a teoria de Pinto (1994), podemos dividir a
modalidade em tipos pautados nas operações envolvidas no
estabelecimento das interações das relações entre emissor e o receptor da
mensagem, as posições nos enunciados com base nos valores de verdade
e na criação dos outros enunciados envolvidos na suposta conversação.
O autor subdivide a modalidade em declarativa, representativa,
declarativa-representativa, expressiva, compromissiva e diretiva.
Pautados na teoria mencionada especificamos cada uma dos tipos de
modalidade.
A modalidade declarativa consiste no fato de os enunciados serem
comprometidos com a transparência ou com a verdade do discurso. A
representativa envolve a provável verdade do enunciado; a declarativa-
representativa tem a posse da fé pública. Há uma mesclagem da
declaração e da representação num enunciado com o tom da verdade e da
responsabilidade pelos fatos. A expressiva tem o caráter afetivo na
expressão de juízos de valor do emissor em relação a estados das coisas
ou entidades participantes do discurso. A compromissiva envolve o
comprometimento do emissor diante do enunciatário que se refere a uma
obrigação, a cumprir algo no futuro. Por fim, a diretiva se refere a um
enunciado com intuito de conduzir o receptador a um comportamento ou a
concordância com sua explanação. Nesse tipo de modalidade existe uma
gradação de imposição do emissor que vai desde uma ordem aos
requerimentos e pedidos.
Pinto (1994) afirma que a modalidade dos enunciados compreende
a incidência de dicto, ou seja, as relações lógicas semânticas entre valores
20
modais; temos entre os valores modais as seguintes modalidades:
ônticas, aléticas, epistêmicas, deônticas e axiológicas.
As modalidades ônticas são realizadas com a manifestação do ser
humano em enunciados com factualidade, contrafactualidade, hipótese e
não-factualidade. Segundo Pottier (2000), nessas modalidades ônticas,
que o autor chama de factuais o sujeito enunciador fala de intenções em
relação o seu “dizer” e ao seu “fazer” utilizando seu “poder” e o seu
“dever”.
“Todo enunciado com modalidade enunciativa de declaração é
onticamente factual” (Pinto, 1994, p.102).
As modalidades aléticas são expressas em enunciados declarativos
pelos adjetivos “necessário”, “possível”, “impossível” e por substantivos,
verbos e advérbios. Já Pottier afirma que a modalidade alética é a
modalidade que se refere ao possível, ao necessário e revela a forma
independente de o sujeito enunciador se manifestar em relação ao que
enuncia. Baseado em Neves (1996) tal modalidade é mais relacionada
com a verdade, contudo a possibilidade de verdade no discurso. Isto é, de
acordo com intenções do falante, pode haver ou não enunciados com
conteúdos realmente verdadeiros ou parcialmente verdadeiros e até não-
verdadeiros.
Já as modalidades epistêmicas são encontradas na modalidade
enunciativa de representação (Pinto, 1994: p.107), indicando os sentidos
certo, plausível, excluído e contestável. Entretanto Pottier diz que, na
modalidade epistêmica, o sujeito enunciador transforma o seu
pensamento em palavras através do seu croire (crer) e o seu savoir
(saber). De acordo com Neves (2006), ela refere-se à apreciação do
falante no que tange a uma proposição ser ou tornar-se verdadeira.
As modalidades deônticas ocorrem em enunciados com modalidade
diretiva e são transmitidas por verbos auxiliares modais, pelo modo
imperativo, indicativo e subjuntivo, sendo que o primeiro é proferido com
21
a modalidade deôntica facultativa, o segundo indica obrigação ou
proibição e o terceiro marca permissão ou facultatividade (Pinto 1994). De
acordo com Neves (1996) esta modalidade implica mais em controle do
enunciado em relação aos valores de permissão, obrigação e volição. Os
valores deônticos subdividem-se tradicionalmente em valores de
obrigação e valores de permissão. As modalidades axiológicas são as
modalidades baseadas no valor, entendido em termos de presença ou de
juízos conforme Pinto afirma em sua teoria. Já para Pottier o sujeito
enunciador valoriza suas palavras em torno do vouloir (querer) e do valoir
(valer). Nesse artigo enfocaremos a função interpessoal e objetaremos
sua análise a partir dos tipos de modalidade apresentados.
Metodologia
Para tal pesquisa foi utilizado o discurso politico da atual presidente
em processo de campanha, disponível no site
http://mais.uol.com.br/view/n8doj4q93lke/eu-quero-ser-presidente-do-
brasil, visto este demostrar melhor o caráter de persuasão e
convencimento do discurso politico. O corpus será composto por trechos
do discurso de Dilma Rouseff que apresentam a modalidade deôntica.
Análise do Corpus
No discurso político, observa-se que cada partido volta-se, direta
ou indiretamente, para um determinado “público”, que pode ser
representado pelas classes mais baixas ou mais altas. Objetivando
agradar tal classe, bem como persuadir essa classe a concordar com suas
ações, semioticamente o partido assume essa relação com seu
determinado público no seu próprio slogan ou na sua bandeira, como é o
caso do PT. Geralmente a presidente Dilma Rousseff inicia seus
pronunciamentos com o seguinte vocativo: “minhas amigas e meus
amigos,” uma forma de aproximação com seu público, o eleitor brasileiro,
ou seja, está presente o uso da função interpessoal. Não podemos
esquecer que o presidente anterior utilizava-se do mesmo método
22
iniciando seus pronunciamentos com um vocativo similar “companheiros e
companheiras”, tal uso remete ao emissor mais do que só receptor do
determinado enunciado atribui semanticamente à característica de amigo,
conhecido. Uma aproximação maior que sugere a interpretação de
preocupação e real interesse pelos problemas do receptor. Com relação ao
PT, Partido dos Trabalhadores, observa-se que o grande apelo do partido
direciona-se às “massas”, à classe operária, aos trabalhadores brasileiros.
Na obra relacionada à Análise do Discurso, Michel Pêcheux define o
que é formação discursiva, de modo que a mesma refere-se ao que em
uma determinada formação ideológica determina o que pode ou não ser
dito numa situação específica (BARONAS, 2004).
No seu primeiro discurso, Dilma Rousseff faz uso da linguagem
formal, porém compreensível ao público brasileiro em geral. No decorrer
de sua enunciação, ela vai se adequando verbalmente à situação de
comunicação na qual está inserida.
Análise I
“Companheiras e Companheiros do meu partido,
A minha emoção é muito grande. Mas a minha alegria também é muito grande
por esta festa estar tão cheia de energia, tão cheia de confiança e esperança. Sei que
esta festa não é para homenagear uma candidata. Aqui nós estamos celebrando, em
primeiro lugar, a mulher brasileira. Aqui se consagra e se afirma a capacidade de ser, de
fazer da mulher brasileira.
Em nome de todas as mulheres do Brasil, em especial, da minha mãe e da
minha filha, recebo essa homenagem e essa indicação para concorrer à Presidência da
República. Ser a primeira mulher presidente do meu País é o que eu almejo. É também
em nome delas que eu repito, eu abraço essa missão deferida pelo meu partido, o
Partido dos Trabalhadores, e pelos partidos da nossa coligação que hoje estão aqui
presentes.”
Nota-se que o discurso proferido inicia-se com “companheiros e
companheiras”, o que, segundo as teorias explanadas no decorrer do
artigo acerca aos tipos de modalidade, situa-se na modalidade declarativa.
Além disso, semanticamente ela se pauta na figura da mulher, dando uma
23
maior importância ao fato de que poucas mulheres ao redor do mundo
alcançaram à presidência. O uso de tal figura é uma ferramenta
interdiscursiva com objetivo de se aproximar de um novo público-alvo, no
caso o público feminino brasileiro. Além disso, è buscada uma forma de
aproximação com suas eleitoras, uma vez que a mesma é uma figura
feminina e assim coloca-se no mesmo grupo que seu público feminino.
Sua condição de mulher torna a ser inserida no discurso, para
reforçar a construção da sua eloquência no que condiz ao seu otimismo
acerca da vitória conquistada “pelas mulheres brasileiras”. Assim, como
reforça a verdade no seu enunciado, vemos presente a modalidade
declarativa além da expressiva.
Análise II
“O nosso presidente Lula mudou o Brasil. E o Brasil, por causa dessa mudança,
quer seguir mudando. A continuidade que o Brasil deseja é a continuidade da mudança,
que é isso que nós conseguimos mudar. É seguir mudando para melhor, mudando para
melhor o emprego, a saúde, a segurança, a educação.
É seguir mudando com mais crescimento e inclusão social. É seguir mudando para
que outros milhões de brasileiros saiam da pobreza e entrem na classe média, como nós
conseguimos durante o governo do nosso presidente Lula.”
Novamente citamos a eloquência do locutor, que vai apresentando
gradativamente os valores positivos acerca do desenvolvimento do país,
nisso ela apresenta um argumento de consenso com base em provas
concretas dos feitos do governo anterior. Além disso, o locutor utiliza-se
do verbo “desejar”, mostrando o valor de volição na carga semântica do
contexto, no qual o verbo foi utilizado. Neste trecho pode-se notar a
intenção do locutor em atrair o receptor, bem como relembrar ações
passadas para que este concorde com suas idéias e, além disso, o apóie.
Evidencia também as responsabilidades e informações acerca do governo
e partido através de suas afirmações, ao qual o enunciador pertence.
Vale salientar que a preocupação do enunciador acerca das
interpretações surgidas no receptor é aparente e identificável. Espera-se
24
que enunciatário reaja de forma positiva a tal enunciado. Se
considerarmos o verbo “desejar” como tendo o mesmo valor de um verbo
modal, podemos afirmar que o locutor nesse trecho utiliza-se da
modalidade na sua forma restrita. O enunciador continua utilizando a
modalidade declarativa, uma vez que esta é comprometida com a verdade
e transparência. Para tanto, o produtor do enunciado analisado apresenta
exemplos e fatos que podem ser comprovados e, portanto, são
verdadeiros. Além disso, está presente a modalidade declarativa-
representativa, pois o mesmo enunciado apresenta uma mesclagem da
declaração e da representação num enunciado com o tom da verdade e da
responsabilidade pelos fatos.
Além das duas modalidades citadas em nossa análise, consideramos
também a modalidade expressiva, já que o trecho tem o caráter afetivo
na expressão de juízos de valor do emissor em relação a estados das
coisas ou entidades participantes do discurso, no caso, o governo
brasileiro.
Análise III
“Mas, para ampliar o que nós conquistamos, precisamos reforçar” (linha 84)
“Esse trabalho terá como prioridade” (linhas 89-90)
“Mas é também preciso dar aos professores uma remuneração condizente com a
importância deles.” (linhas 94-95)
“É importante, companheiros, que os nossos professores, sobretudo, sejam
respeitados.” (linha 96)
“É necessário qualificar o ensino universitário” (linha 104)
“Quero dizer para vocês uma coisa: se eleita presidente, eu vou liderar sem
descanso esse progresso. Esse processo de levar a educação a todos os brasileiros e
brasileiras.” (linhas 108 e 109)
Neste trecho o locutor utiliza-se da modalidade alética, que é
expressa em enunciados declarativos pelos adjetivos “necessário”,
“possível”, “impossível”. Como se nota, no inicio de cada enunciado temos
um desses adjetivos. Assim como se percebe semanticamente além da
promessa, conseqüência da condição, expressado na partícula “se”, há a
25
obrigação e o comprometimento do locutor com o receptor, dessa forma
apresenta-se a modalidade compromissiva. Assim, observa-se que uma
das principais pressuposições que moldam o discurso político, nesse caso,
é a de que o voto deve ser conquistado, o locutor nesse discurso necessita
inspirar confiança, simpatia e credibilidade no seu interlocutor,
Vale salientar o uso do verbo modal “querer”, utilizado na primeira
pessoa do discurso, a marca deôntica para reforçar a vontade e obrigação
do locutor para com o receptor. Refere-se a uma obrigação, a cumprir
algo a ser feito no futuro. Nesse caso, o uso da modalidade novamente foi
o uso restrito, de acordo com Lock (1996).
Por fim, apresenta-se a diretiva que se refere a um enunciado com
intuito de conduzir o receptador a um comportamento ou a concordância
de sua explanação, nesse caso, a eleição do sujeito enunciador. Nesse tipo
de modalidade existe uma gradação de imposição do emissor que vai
desde uma ordem aos requerimentos e pedidos. Apresentados em cada
enunciado no qual o respectivo produtor argumenta acerca das
necessidades do país.
É importante citar que, no decorrer de seu discurso a autora do
mesmo utiliza-se do argumento de competência lingüística, isto é, apesar
da adequação verbal feita pelo locutor para atingir os públicos
pertencentes à todas as classes sociais, o mesmo obteve sucesso no uso
formal e culto da língua, conferindo confiabilidade e veracidade ao que se
diz na situação de comunicação no qual o texto analisado está inserido.
Ocorrência referência valor Forma 1 Companheiras e Companheiros do meu partido
Analise I declaração substantivos
2. Aqui se consagra e se afirma a capacidade de ser, de fazer da mulher brasileira.
Analise II capacidade Substantivo
3. É seguir mudando para melhor, mudando para melhor o emprego, a saúde, a segurança, a
Analise III desejo Verbo seguir
26
educação. 4. A continuidade que o Brasil deseja é a continuidade da mudança, que é isso que nós conseguimos mudar
Analise III obrigação Verbo desejar
5“É importante, companheiros, que os nossos professores, sobretudo, sejam respeitados.” (linha 96) “É necessário qualificar o ensino universitário” (linha 104)
Analise IV necessidade Adjetivo necessário
Considerações Finais
A modalidade está inserida constantemente em nossos enunciados,
em nosso cotidiano, e assim nos discursos políticos de propagandas,
entrevistas ou pronunciamentos políticos, sendo este um campo vasto
para estudo tanto da modalidade como da semântica, semiótica e da
analise do discurso. Exprimir e escolher palavras para atingir a intenção
pretendida através de um enunciado pelo enunciador acontece desde
primórdios do uso da eloquência e da oratória. O convencimento e a
concordância do receptor foram almejados pelos grandes oradores gregos
e esperados por todo sujeito enunciador, e existem formas para camuflar
as intenções e as possíveis verdades de um texto.
O uso das modalidades é o meio de atingir tal intuito. Usando-a
como recurso para persuasão e convencimento, não só os políticos
conseguem a corroboração de muitos eleitores com suas idéias, mas
qualquer falante possui o poder para moldar seus enunciados de acordo
com suas intenções. O objetivo desse artigo foi apresentar de forma geral
o que são essas modalidades e como estas podem e são utilizadas no
Discurso Político. Dessa forma, os usos da modalidade e das marcas dessa
modalidade no Discurso Político revelam a intenção do político de
promover a atitude de concretizar o ato de votação do eleitor, almejando
vantagens e a concordância do mesmo com suas idéias.
27
REFERÊNCIAS
BRITTO, Vanessa da Silva. As Marcas da modalidade em publicidade. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/iiijnlflp/textos_completos/pdf/As%20marcas%20de%20modalidade%20na%20Publicidade%20-%20VANESSA.pdf>.
DISCURSO DE DILMA ROUSSEFF NA CONVENÇÃO DO PT. Disponível em: < http://mais.uol.com.br/view/n8doj4q93lke/eu-quero-ser-presidente-do-brasil 040299396EDCA113A6?types=A&>.
HALLIDAY, M. A. K. As bases funcionais da linguagem. In: DASCAL, Marcelo. Fundamentos metodológicos da lingüística. São Paulo: Global, 1978.
LOCK, Grahan. Functional English Grammar: na introduction for second lenguage teachers. Cambridge: Cambridge Language Education, 1996.
NEVES, Maria Helena de Moura. A modalidade. In: KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça (org.). Gramática do português falado. Campinas: UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1996.
PINTO, Milton José. As marcas lingüísticas da enunciação: esboço de uma gramática enunciativa do português. Rio de Janeiro: Numen, 1994.
4 Estudos das modalidades. Disponível em: <www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0510575_06_cap_04.pdf>.
28
SEÇÃO 3
GRADAÇÃO: UM FENÔMENO DISCURSIVO
29
GRADAÇÃO: UM FENÔMENO DISCURSIVO
Paulo André Lucena ALVES¹
INTRODUÇÃO
A abordagem tradicional, através de suas normas, limita-se a
prescrever o fenômeno da gradação apenas em nível lexical, ou seja, no
grau dos substantivos, adjetivos e advérbios, numa perspectiva
semântico-formal, deixando a abordagem discursivo-funcional de fora.
Considera-se, neste artigo, que este fenômeno está para além do uso
formal da língua e do nível vocabular, desempenhando um papel
importante na interação entre interlocutores, na construção e organização
do texto.
O objetivo desse trabalho é, portanto, mostrar e discutir como o
uso da gradação se constrói no discurso, com valores além daqueles
propostos pela norma culta, atentando para uma visão funcional na qual,
segundo Halliday (1976; 1985), a gradação se relaciona às funções
ideacional, textual e interpessoal, apresentando explicações para a
realização desses processos conforme será demonstrado. Dessa forma
pode-se obter uma compreensão melhor da linguagem.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Parte-se da interpretação de Halliday sobre função. Ele explica e
divide as funções da linguagem, denominando-as metafunções, que são
três: a ideacional, a textual e a interpessoal. A ideacional diz respeito à
forma como o falante manifesta seu conteúdo, ao seu aspecto cognitivo e
ao mundo experiencial com o qual, este se relaciona. É através dessa
função que ele é capaz de operar e entender cada ato linguístico,
transportando para a língua a realidade que o cerca. Através da
30
linguagem, o indivíduo também organiza seus conhecimentos,
experiências e idéias, assim como a maneira de ver as coisas. Em um
segundo momento, Halliday distingue dois subcomponentes inseridos na
função ideacional: o experiencial e o lógico. O primeiro permite a
interseção entre a linguagem e a participação do indivíduo no mundo
experiencial. Já o segundo subcomponente “corresponde à expressão de
estruturas linguísticas recursivas, derivadas apenas indiretamente da
experiência” como explica José Romerito em seu artigo.
A segunda função é a interpessoal, que está ligada às relações
sociais. Ela revela como se realiza a interação entre seus participantes e o
que é produzido entre estes a cerca do discurso. Nesta função, a
linguagem se apresenta como instrumento de interação e de formação da
personalidade dos indivíduos, como participantes de um determinado
grupo social. Dentro desta função são diagnosticados dois componentes
que, segundo Marmelotta (1996 p.204), se dividem em: de orientação
para o falante, que expressa a posição deste em relação àquilo que fala, e
o de orientação para o ouvinte, que manifesta a intenção do falante em
atuar sobre o ouvinte no ato comunicativo, dando-lhe pistas para que
decifre seu discurso e ao mesmo tempo monitorando as informações,
além de dirigi-lo para um entendimento desejado.
E por fim, a função textual. Ela se relaciona com a própria
linguagem, através de elementos presentes no texto e de sua organização
nas diversas situações. O indivíduo é capaz de determinar quais são os
elementos necessários para cada tipo de discurso, quais as regras de
transitividade, os conectores adequados, etc., numa cadeia de sentenças.
Esses elementos se apresentam de forma coerente e coesiva.
METODOLOGIA
Foram selecionadas e analisadas 80 ocorrências retiradas do corpus
Discurso & Gramática da língua falada da cidade de Natal, constituídas por
vários tipos de gradativos que se encaixam na pesquisa proposta. Em uma
31
primeira etapa essas ocorrências foram coletadas em seu contexto e, em
seguida, categorizadas, observando-se os fatores dos intensificadores:
tipo (superlativo absoluto, relativo, comparativo, aumentativo e
diminutivo); expressão (morfológica prefixal, sufixal, uso de advérbios,
repetições de um nome, redundância quando aparecer em mais de uma
forma, locuções); sentido (dimensional ou afetivo) e base (substantivo,
adjetivo e advérbio). Em uma segunda etapa, foram calculadas as
frequências desses gradativos em cada fator, avaliadas as relações que
estabelecem entre si, para, finalmente, a partir da análise desses dados,
chegar-se a alguns resultados.
ANÁLISE DOS DADOS
Inicialmente, pretende-se analisar a ocorrência da gradação na
língua falada. É possível demonstrar que o discurso oral, por ser
conduzido livremente entre interlocutores, mantenha uma carga informal
e/ou afetiva muito mais recorrente em relação à língua escrita e,
portanto, utiliza-se da exposição de vários níveis de gradação como
demonstrado no desenvolvimento desse trabalho.
De acordo com a visão de Halliday (1976), através da função
ideacional, o falante “incorpora na língua a sua vivência com os
fenômenos da realidade que o cerca”. Sendo assim, por que não dizer
que, o uso da gradação nada mais é do que a expressão da forma como o
falante vê o mundo, a forma como ele apreende e se relaciona com a sua
realidade?
Outro ponto importante se baseia na função interpessoal, que se
refere às relações sociais: “a linguagem se caracteriza propriamente não
só como instrumento de interação, mas também contribui na
manifestação e desenvolvimento da personalidade dos indivíduos como
participantes de um determinado grupo social” (p.137)
32
Ao interagirem, os interlocutores modalizam seu discurso, a eles
intrinsecamente ligado, adotando a intensificação, sobretudo na língua
falada, pois esta sugere certa informalidade.
Os números, ainda que, de forma pouco representativa, revelam,
por exemplo, a preferência do falante pelo uso do superlativo absoluto
com prefixação, como se pode observar na tabela abaixo.
Tabela 1
prefixo sufixo advérbio repetição redundância locução outros total
superlativo absoluto 23 1 8 0 6 2 1 41
superlativo relativo 0 0 1 0 0 1 0 2
comparativo 0 0 1 0 0 0 0 1
aumentativo 0 2 1 0 1 0 0 4
diminutivo 0 26 1 0 5 0 0 32
total 23 29 12 0 12 3 1 80
Seguem alguns exemplos:
(1) “... também muito bem feito né? [a cirurgia plástica] o
médico lá era ... era muito bom ...”
Neste primeiro exemplo, em uma entrevista informal, na qual o
informante relata sobre seu acidente e posterior intervenção corretiva, ele
intensifica esse episódio, pois o considera em um nível superior ao de um
fato quotidiano, conforme explica José Romerito em seu artigo: “o
emprego do grau intensivo relaciona-se à expressão da idéia de
encarecimento, atribuída a uma determinada realidade, em que esta é
considerada em um nível além da situação normal.”
Isto é percebido pela ênfase dada quando se refere ao sucesso da
cirurgia. Certamente ele apreciou o resultado final e quer convencer ou
ouvir, também, a opinião de seu interlocutor, em conformidade com a
função interpessoal de Halliday.
33
Observa-se, também, de acordo com a tabela abaixo, que as
ocorrências deste superlativo verificam-se, sobretudo, em adjetivos e em
alguns advérbios, quer sejam de sentido afetivo, quer de dimensão.
Tabela 2
Provavelmente, a maior incidência se dá sobre os adjetivos porque
o falante tem intenção de potencializar seu valor semântico, utilizando-se
do fenômeno da gradação e, ao fazê-lo, ele parte do princípio de que sua
realidade se encontra além da situação normal. Segue outro exemplo:
(2) “as salas do... do... do primeiro prédio [...] não são muito
boas não... apesar de ser limpinhas e tudo bem
conservado...”
Como se pode perceber, neste ultimo exemplo, o informante
demonstra que as salas encontram-se em condições diferentes daquela
que ele considera normal e, por isso, ressalta a sua descrição.
O diminutivo é outra forte marca de intensificação, conforme
exposto na tabela 1. O falante também o usa ao interagir, porém,
diferente do superlativo absoluto, cujas manifestações são mais
frequentes no adjetivo, o diminutivo se realiza, também, nos substantivos
e até nos advérbios, segundo a tabela a seguir.
Tabela 03
substantivo adjetivo advérbio total
superlativo absoluto 2 31 9 42
substantivo adjetivo advérbio total
dimensional 9 24 9 42
afetivo 11 24 3 38
total 20 48 12 80
34
superlativo relativo 1 1 0 2 comparativo 0 0 1 1 aumentativo 3 1 0 4 diminutivo 13 12 6 31
total 19 45 15 80
Nesse próximo exemplo, ao narrar um filme, o informante atenta
para o padrão de beleza que já possui cognitivamente como referência, e
procura resgatá-lo através de seu pronunciamento sobre a personagem.
Isso está relacionado à função ideacional.
(3) “aí o menino que era muito fofinho ... muito bonitinho (...)
tava na ... intertido lá con/ conversando lá dizendo brincadeira...”
Estes outros exemplos trazem a intensificação do substantivo e do
advérbio:
(4) “... o pai deles [dos meninos] iam pra casa do velho lá... tomar
uma cervejinha...”
Neste trecho acima, o informante continua narrando uma cena do
filme. O fato de ele usar o diminutivo para a palavra cerveja não é por se
tratar de um objeto de dimensões pequenas, mas pela afetividade com
que se refere a um elemento que faz parte de uma tradição de sua
cultura, da realidade que o cerca.
No próximo fragmento, o informante relata uma viagem que fez e
opta por usar também o diminutivo em um advérbio. Ele quis enfatizar,
com essa intensificação, que o período já havia transcorrido e estava
chegando ao seu fim. Era o final da tarde.
(5) “foi na volta [da cidade]... é:: à tardezinha aí ... a gente ia
num ... num jipe né...”
35
Há também casos de ocorrência da gradação com o uso de
redundâncias, ou seja, o uso de mais de um termo com valor
intensificador. O falante procura dar ênfase superelevada ao enunciado.
Neste exemplo, ao ensinar uma receita culinária, o informante tem
a preocupação de que seu ouvinte não perca nenhum detalhe do passo a
passo da preparação da iguaria gastronômica.
(6) “quando tiver já bem assim um pouco consistente [a mistura
da receita]... aí eu tiro a colher e mexo com as mãos né?”
Neste outro trecho, o informante relata um preeminente desastre
em uma cena de um filme. A vítima seria um garoto.
(7) “o menino ia atravessar a rua e vinha um carro... era bem
pequenininho aí chegaram na ... na ... na .... e gritaram pelo
menino”
Esta última construção é a combinação de quatro elementos
intensificadores: o prefixo adverbializado bem, a palavra pequeno e o seu
grau diminutivo nininho, duas vezes intensificado, pois poderia bastar
pequenino. Talvez o informante tenha pensado na ingenuidade e
vulnerabilidade a que a criança estava exposta e, portanto, usou todo
esse conjunto de palavras para se expressar. Pode-se deduzir também
que o informante usou os gradativos por querer exprimir uma carga
afetiva ao menino.
É o que acontece no próximo trecho, retirado de uma narração:
(8) “bem... eu vou falar sobre uma cidade que se chama Espírito
Santo... ela se localiza próximo a Goianinha... nessa região Oeste...
é uma cidadezinha pequenininha... poucos habitantes...”
36
O próximo trecho, narrado pela informante, é o relato da
demonstração que recebera de um experimento químico realizado por um
professor em um laboratório.
(8) “ele [o professor] me mostrou uma coisa bem interessante
que... pegou um béquer com meio [litro] d'água e colocou um
pouquinho de cloreto de sódio pastoso... então foi aquele fogaréu
desfilando... aquele fogaréu...”
Pode-se deduzir que o procedimento causou uma impressão muito
forte na informante. Ela utilizou, inicialmente, o pronome demonstrativo
aquele que neste caso há o valor semântico gradativo de superelevação
do substantivo a que se refere. Em seguida, o próprio substantivo fogo
sofre a gradação aumentativa. Achando que não tinha expressado a
intensidade do fogo a contento, ela repetiu o a expressão intensificadora,
procurando transmitir o mesmo assombro que teve ao seu ouvinte.
É o que Martelotta falou sobre a orientação para o ouvinte, como já
apresentado acima. Trata-se de um dos componentes da função
interpessoal. É a intenção do falante em atuar sobre o ouvinte a fim de
dar-lhe as “pistas” do discurso, bem como dirigir seu comportamento para
um determinado fim.
Portanto, é provável que a intenção da informante, ao relatar o
experimento com o fogo, fazendo-o por meio de intensificadores, era
manipular o comportamento do entrevistador para que esse fosse
cúmplice das mesmas sensações vividas no instante da queima dos
produtos químicos.
Este último exemplo mostra um bloco de intensificadores. Trata-se
de uma informante que ensina uma receita, como preparar um peixe.
(9) “... então eu pego essa panela e boto com óleo... deixo esse
óleo ficar bem quente... bem quente mesmo (...) eu coloco essa
posta de peixe... eu coloco pra fritar...”
37
A informante utilizou o advérbio bem, repetiu a expressão e, ao
final, acrescentou a palavra mesmo. A intenção era comunicar qual a
temperatura ideal do óleo para se obter uma boa fritura, e ela o fez
utilizando-se de intensificadores.
A partir da pesquisa realizada, dos dados e da análise desses
trechos, pode-se constatar que o uso da gradação não está restrito a
convenções ou regras gramaticais, mas se constrói no discurso, na
interação de seus participantes. As situações e os contextos proporcionam
à língua falada, na maioria das vezes, certa motivação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste artigo, tentou-se flagrar as manifestações da
gradação na língua oral, numa perspectiva funcionalista, mostrando que
não se trata, apenas, de aspectos semânticos e formais da tradição ou
que se limite ao nível lexical, no grau dos substantivos, adjetivos e
advérbios, mas utilizou-se dos fundamentos teóricos de Halliday para
explicar alguns processos que se realizam durante a conversação e a
escolha do falante com respeito ao uso dos intensificadores em uma visão
funcionalista.
As suas principais contribuições utilizadas para analisar as
ocorrências de intensificadores na língua oral foram, o que ele chama de
metafunções: ideacional, interpessoal e textual. Neste trabalho, abordou-
se, principalmente, as duas primeiras funções para explicar a relação
entre o falante e seu mundo experiencial e a relação entre os próprios
interlocutores. No entanto, a função textual também se configura na
perspectiva de atender às demandas das demais funções.
Os dados coletados não representam uma quantidade ideal para se
chegar a um resultado concreto e satisfatório a respeito do uso da
gradação. Os informantes, apesar de serem de sexos diferentes, são da
mesma cidade, o que poderia significar que é um fenômeno isolado. Além
38
disso, não foi feita uma comparação com a língua escrita, a fim de
verificar se nela existem as mesmas ocorrências ou se é um fenômeno
exclusivo da língua falada.
Ainda não é possível estabelecer, dada a grandeza teórica do
assunto e uma pesquisa muito restrita, se esse fenômeno se realiza de
maneira homogênea entre todos os falantes, sejam homens ou mulheres,
jovens ou adultos, de uma classe ou de outra. Este trabalho apenas paira
sobre a superficialidade dos fatos, mas que poderá contribuir de maneira
significativa para a compreensão da linguagem, vista de forma para além
dos limites de uma gramática normativa e prescritiva, mas para uma
visão panorâmica de cunho discursivo-funcional.
REFERÊNCIAS
HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. London:
Edward Arnold, 1985.
MARTELOTTA, M. E. Gramaticalização em operadores argumentativos. In:
________.; VOTRE, S. J.; CEZARIO, M. M. (Orgs.). Gramaticalização no
português do Brasil: uma abordagem funcional. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1996. p. 191-220.
SILVA, José Romerito da. A intensificação numa perspectiva funcional.
39
SEÇÃO 4
A GRADAÇÃO NA WEB
40
POR UMA PERSPECTIVA FUNCIONAL: A GRADAÇÃO E O
SEU USO NAS REDES SOCIAIS
Áurea Virginia Xavier de ARAÚJO9 Juliane de Sousa ELESBÃO
Resumo: Este artigo trata da gradação e de como ela se apresenta nas redes sociais. Para tanto, coletamos dados de sites como Orkut e Facebook e, a partir daí, analisamos as ocorrências por um viés funcional. Dessa forma, identificamos indícios de afetividade, dimensionalidade, entre outros, além de observar seus aspectos semânticos e qual grau de intensidade (crescente/decrescente) é mais frequente nesse ambiente virtual e de interação. Palavras-chave: gradação, redes sociais, afetividade Introdução
A gradação é um fenômeno lingüístico bastante recorrente, tanto
na fala quanto na escrita, na qual se encontram presentes indícios de
subjetividade, julgamentos, valores, entre outros, expressos através de
marcas lingüísticas, como, por exemplo, sufixos, repetições, leves
comparações, entre outros. Entretanto, verifica-se a reprodução de tal
recurso lingüístico na Web, especialmente em redes sociais,
caracterizados pela interconexão e interação entre inúmeras pessoas, as
quais compartilham experiências, trocam idéias, constroem
relacionamentos, reencontram pessoas, dentre outros exemplos,
utilizando-se de várias semioses, especialmente os da escrita, para se
comunicarem com outras pessoas.
Este trabalho limitou seu corpus aos scraps (recados trocados entre
os usuários) do Orkut e Facebook. De forma geral, nosso objetivo é
analisar esse corpus verificando a subjetividade dos indivíduos, os
julgamentos, os indícios de afetividade, seus aspectos semânticos e o
modo como eles são apresentados, ou seja, de que forma os usuários
utilizam, ou operam, os recursos da gradação para interagirem. Adotamos
9 Alunas de graduação do curso Letras - Universidade Federal do Ceará - Fortaleza - Ceará.
41
uma perspectiva funcionalista pelo fato de as ocorrências de gradação em
nosso corpus possuírem como base determinados propósitos
comunicativos, ou seja, por desempenharem certas funções, devido à
situação de interação, alicerçados, por tendências subjetivas oriundas dos
interlocutores, o que acarreta em mudanças na estrutura gramatical da
língua, como se afirma na seguinte citação:
O pólo funcionalista caracteriza-se pela concepção da língua como um instrumento de comunicação, que, como tal, não pode ser analisada como um objeto autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões oriundas das diferentes situações comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gramatical. (MARTELOTTA; AREAS, 2003, p.22)
Para tanto, a priori, mostraremos como se deu o andamento da
coleta do corpus e a metodologia empregada neste trabalho; discutiremos
o conceito de gradação e seus processos para, posteriormente,
estudarmos os dados coletados e, por fim, apresentarmos conclusões
acerca do referido fenômeno e sua manifestação na Web.
Metodologia
Partindo da busca do corpus em scraps das redes sociais,
especificamente, do Orkut e do Facebook, utilizou-se nesse trabalho o
método de análise comparativo-descritiva, após a identificação da
gradação nos dados coletados
Para alcançar os objetivos deste trabalho, atentamos para uma
pesquisa exploratória e inscrevemo-nos numa perspectiva qualitativo-
interpretativa, além de preferirmos fazer um estudo geral dos dados em
detrimento de procedimentos quantitativos de análise.
Selecionamos um corpus composto de frases enviadas em forma
de scraps, do Orkut e Facebook, que apresentavam algum exemplo de
gradação. A busca pelos exemplos que constituíriam o corpus realizou-se
da seguinte maneira: 1) os pesquisadores, com contas pessoais nos sites
de relacionamentos Orkut e Facebook, acessavam o scrapbook de outros
usuários das referidas redes sociais de forma aleatória, a fim de identificar
alguma ocorrência de gradação em seus recados; 2) após essa coleta,
42
categorizamos os dados com o propósito de facilitar nosso estudo, para
que pudéssemos perceber em qual forma (crescente/decrescente) a
gradação ocorria com maior freqüência e de observar quais estratégias os
usuários utilizavam para se expressarem em relação ao outro. Além disso,
atentamos também para os indícios de afetividade, dimensionalidade,
conceitos pertencentes a uma memória coletiva, etc.
Dessa forma, após a apresentação da condução da análise feita
acerca dos dados coletados para esta pesquisa, sigamos para o estudo em
si e das reflexões acerca do fenômeno da gradação em scraps da Web.
A Gradação e suas Implicações
De acordo com a gramática de Cunha & Cintra (2008), a gradação
consiste nos graus dos adjetivos, dos substantivos e dos advérbios,
apresentando-se, na língua portuguesa, por processos sintáticos e
morfológicos. Vale ressaltar que nessa gramática, bem como na maioria
delas, tal abordagem tende ao padrão culto da língua, restringindo-se ao
nível morfossintático e lexical. Entretanto, tal concepção nos será útil para
fins didáticos, com o propósito de facilitar a compreensão concernente ao
referido fenômeno.
O uso da gradação estará ligado a determinado propósito
comunicativo. Ademais, tem-se o valor estilístico da gradação, o que nos
permite qualificar, caracterizar, tantos os seres quanto os objetos. No
nosso caso, observamos que prepondera a qualificação dos seres, visto
que os dados coletados são oriundos de páginas que contem perfis de
usuários, isto é, indivíduos que estão em interação, portanto, o fenômeno
da gradação, geralmente, se refere à outra pessoa e não a um objeto.
Por outro lado, baseando-nos em autores como José Romerito
Silva, Carla Maria de Oliveira e Giselda Costa, além de leituras do livro
Linguística Funcional: teoria e prática (2003)10, veremos que o uso de tal
fenômeno estará ligado também a um contexto maior e que não se
10 Ver referência completa na bibliografia deste trabalho.
43
restringe somente ao léxico. A subjetividade, a afetividade, entre outros,
também motivam a utilização da gradação e dos recursos usados para
manifestá-lo. Tratando da intensidade por um viés funcional, José
Romerito de Sousa afirma que:
(...) um olhar mais atento sobre a atribuição de intensidade no discurso, verificará que esta não se limita tão somente à manifestação de conteúdo cognitivo, tampouco se restringe apenas ao nível vocabular. Também se relaciona com determinadas estratégias de organização informacional do texto, estendendo-se, algumas vezes, para além dos limites lexicais, bem como desempenha papel indispensável no jogo interativo estabelecido entre os interlocutores.11 (SOUZA, 2008)
Pode-se trazer o pensamento acima para a gradação de um modo
geral, pois esta se serve de termos, repetições, morfemas, por exemplo,
que intensificarão ou não seu grau. Isto implica, necessariamente, ao
propósito comunicativo de quem está enunciando e que está atrelado à
sua subjetividade, a sua capacidade de organizar as idéias, do modo como
esse enunciador vai operar os recursos possibilitados pela língua, entre
outros. Tal manifestação indicará o valor de juízo, afetividade,
dimensionalidade, desempenhando uma função específica no contexto em
que ele se encontra, além de apresentar a progressão/regressão presente
no próprio enunciado.
É sabido que o modo como a gradação se apresenta na escrita e na
fala não será tal qual no ciberespaço. Haverá semelhanças, mas são
verificáveis algumas diferenças. A partir de então, partiremos para as
análises a fim de discutir acerca das formas de como a linguagem pode
ser tratada e que papel funcional ela desempenha no espaço virtual de
interlocução, além de verificar qual progressão (crescente/decrescente) é
predominante no espaço virtual, especificamente, no Orkut e no
Facebook.
Análise do Corpus
11 Esse trabalho encontra-se disponível em:
http://www.cchla.ufrn.br/odisseia/numero1/arquivos/LINO1_PT03.pdf
44
A priori, a gradação estará vinculada à expressão de uma idéia
acerca de algo da realidade. Entretanto, muitas vezes, essa expressão
pode indicar um sentimento, uma afetividade, espelhando a subjetividade
do enunciador em relação ao outro. Observemos o exemplo a seguir:
1) Amigo não se cala, não questiona e nem se rende, somente
entende! Bjs!
Neste exemplo, vemos a gradação expressando o conceito que o
enunciador tem de amigo e, assim, mostrando implicitamente que o seu
destinatário enquadra-se na referida definição. É reconhecida a ressalva
feita no final do exemplo (“somente entende!”), enaltecendo, de forma
crescente, a característica da compreensão que rege uma amizade e que
parece ser essencial para aquele que está enunciando.
Esse mesmo ponto de vista também está presente no próximo
enunciado:
2) Um amigo é uma jóia, uma estrela, é o sol em nossas vidas. Um
amigo verdadeiro nos ajuda a levantar, a caminhar, a seguir em
frente, e assim vc é pra mim, bjs!!!!
Vemos, através do emprego dado às palavras “jóia”, “estrela” e
“sol”, a expressão da idéia de intensidade, também crescente, e de
luminosidade que caracteriza o ser amigo e pela preciosidade que é tê-lo
na vida do enunciador, sendo definido por este como aquele que ajuda “a
levantar”, “a caminhar” e “a seguir em frente”, tarefas estas atribuídas ao
amigo e que satisfaz a expectativa e o conceito de amizade do
enunciatário. De acordo com José Romerito de Sousa, do “ponto de vista
semântico, o emprego do grau intensivo relaciona-se à expressão da idéia
de encarecimento, atribuída a uma determinada realidade, em que esta é
considerada em um nível além da situação normal”. No caso acima, é
conferida ao amigo uma dimensão crescente que vai do tamanho e brilho
45
de uma “jóia” ao entorno espacial e abundância de luz do grande astro, o
“sol”, isto é, vemos uma gradação intensa, a qual ultrapassa os limites da
normalidade, presente no referido exemplo.
Percebe-se a afetividade e a dimensionalidade subjetiva
manifestada no uso da gradação nos exemplos anteriores, referentes a
outro ser (ou a outro interlocutor), visto que, a Web, no nosso caso, as
redes sociais Orkut e Facebook, caracteriza-se pela interação entre
pessoas, que se conhecem ou não, com interesses em comum, a fim de se
lançarem em relacionamentos de amizade, de amor, profissionais, entre
outros. Portanto, elas se sentem “livres” para expor suas emoções, seus
afetos, seus sentimentos em relação a outrem nesses ambientes virtuais.
Já no exemplo a seguir percebemos a gradação conjugada a outra
figura de linguagem: a sinestesia, destacada em itálico.
3) Vc tem cheirinho de passarinho quando canta, de sol quando
levanta, de chuva na terra seca ...
Como é bom te sentir!!! Bjs!
Nesse caso, a gradação é dirigida ao ser amado por uma
adolescente, que manifesta um sentimento, o qual se traduz por meio do
aspecto sensorial (“cheirinho”), expressado pelo scrap em questão. Assim,
o que a usuária sente a satisfaz como um “passarinho quando canta”, o
“sol quando levanta” e a “chuva na terra seca”. Estas sensações (audição,
visão e, podemos dizer, tato), por sua vez, a atingem através do olfato,
fazendo-a se sentir bem e a gostar de ter esta sensação do outro. Por
isso, verificamos que a sinestesia se encontra presente no referido scrap
juntamente à gradação, a fim de manifestar a sensação experimentada
pela enunciadora ao estar com seu companheiro.
Até o momento, podemos observar que a gradação não se limita
somente aos aspectos cognitivos e lexicais, mas que tem como alicerce
parâmetros de aspecto subjetivo. Por outro lado, a carga semântica
manifestada, segundo José Romerito Silva (2008), “está também
46
diretamente vinculada às potencialidades expressivas da língua, através
das quais o falante expõe seu mundo interno (isto é, um estado de sua
consciência) e exerce um juízo de valor”.
No próximo exemplo, podemos observar a gradação através do uso
de adjetivos que qualificarão o referente:
4) Mas apesar de tudo ela é uma pessoa maravilhosa, uma amiga
obstinada e fiel!!
Vemos que, nesse caso, haverá uma sutil qualificação crescente
devido à série de adjetivos utilizados, os quais funcionarão como
intensificadores que mostram o quão o destinatário desse scrap é
importante para o enunciador. Além de um acentuamento dado pela
expressão “uma amiga”, a fim de reforçar o caráter de quem está se
falando e o juízo referente a ela. A gradação nesse exemplo vai
contribuindo sempre para acentuar a crescente admiração do locutor pelo
interlocutor. A referida figura de linguagem é muito usada em redes
sociais com a finalidade de manifestar todos os tipos de pensamentos,
emoções e sensações entre os usuários dessas redes.
Alguns scraps, especialmente os do Facebook, se dirigem a
qualquer pessoa que o leia, com o intuito de atingir a determinado
número de usuários em comum com o enunciador, ou convencendo-os, ou
comovendo-os, entre outros, como veremos no exemplo abaixo:
5) Eu poderia estar roubando, me prostituindo, me drogando, mas
estou aqui só pedindo um pouco mais de paciência para terminar de
elaborar uma avaliação. rsrsrsrs
Percebemos que o scrap não se dirige a alguém especificamente e
que a expressão gradativa se constrói em torno de três verbos que se
sucedem a um nível cada vez mais decrescente, apresentando uma
“queixa”, a fim de que os “leitores” se comovam com a situação na qual a
enunciadora se encontra. Dessa forma, a seqüência em negrito expõe a
idéia de que a locutora poderia estar fazendo quaisquer outras coisas, as
47
quais, do que se pode inferir, são consideradas por ela mais “fáceis”, cujo
lucro ou satisfação viria mais rápido e em maior quantidade do que
elaborar uma avaliação.
Vemos no scrap anterior, que esta concepção pertence à memória
coletiva das pessoas, ou seja, boa parte dos indivíduos compartilha dessa
mesma ideia, pois:
(...) a significação não se baseia numa relação entre símbolos e dados de um mundo real de vida independente, mas no fato de que as palavras e as frases assumem seus significados no contexto, o que implica a noção de que os conceitos decorrem de padrões criados culturalmente. (MARTELOTTA; AREAS, 2003, p.22).
Portanto, o conceito de que roubar ou se prostituir pode garantir
mais “vantagens” financeiras, por exemplo, em relação à profissão de
professor, cuja inferência se faz pela expressão “elaborar uma avaliação”,
permeia pelo pensamento dos indivíduos e seu significado se constitui de
uma idéia padrão, ou sócio-histórica, que será expressa através da
gradação, no nosso caso. Ademais, é notório o empréstimo que se faz dos
termos em negrito, os quais são utilizados em enunciações humorísticas,
para citar um exemplo, justamente para conferir um caráter risível a uma
“reclamação”, ou protesto feito de forma camuflada por meio do humor, e
que só confirma a presença desse pensamento na memória coletiva dos
indivíduos pertencentes a determinada sociedade.
É muito comum, especialmente entre os usuários das redes sociais,
o empréstimo que se faz de frases famosas, humorísticas, como
observamos no exemplo anterior, clichês ou letras de músicas que possam
conter a gradação em sua composição e que também ocorre como uma
estratéfia no scrap a seguir:
6) Você vacilou..pisou na bola, errou comigo..E agora chora,
chora....Tudo tem volta.aguarde..
No exemplo acima, a usuária do Facebook tomou a frase do refrão
de uma música de forró, a qual expressa bem a situação em que a mesma
48
se encontra em relação a uma pessoa que “pisou na bola” com ela. Em
uma sucessão descendente de ações, a enunciadora se mostra
descontente com atitudes manifestadas pelo destinatário deste scrap.
Percebemos que os verbos empregados seguem uma escala gradual de
intensidade decrescente (que vai do “vacilou” ao “errou”), refletindo,
assim, o baixo nível de erros cometidos pelo referente do enunciado em
questão, cujo ápice é alcançado pelo verbo “chorar”, reforçado pela sua
repetição. Inferimos, portanto, que o papel dessa gradação, além de
expressar o descontentamento por parte da enunciadora, é deixar o
destinatário ciente do que fez e avisado de que “tudo tem volta”, ou seja,
de que ele sofrerá as conseqüências em decorrência das suas atitudes
errôneas.
A partir das análises anteriores, podemos observar que a
manifestação da gradação vai se alternar, de um modo geral, numa
progressão ou crescente ou decrescente. Visualizamos o gráfico abaixo
para entender melhor essa alternância:
É notório o uso mais freqüente da gradação crescente devido ao
reforço, ao acentuamento dado ao enunciado dos usuários das referidas
redes sociais, pois, esta intensidade está atrelada ao propósito
comunicativo de quem enuncia, isto porque, conforme Oliveira (2010), “a
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
Gradação crescente Gradação decrescente
Orkut
49
opção de uso de um ou de outro (...) está associada à situação
comunicativa, ao contexto em que o formativo está inserido e com a real
intenção do falante”, ou seja, o uso feito da gradação, crescente ou
decrescente, por parte dos usuários do Orkut ou do Facebook, no nosso
caso, mostrará indícios do que pretende os mesmos, além de apresentar
manifestações afetivas, dimensionais, subjetivas, dentre outras.
Percebe-se também que a gradação decrescente ocorre em menor
freqüência tanto no Orkut, quanto no Facebook, sendo que nesta última
tal grau se torna bem menos usual em comparação àquela primeira.
Conclusão
Vemos que a gradação se constitui por uma distribuição
progressiva de informações, de um modo geral, características,
qualificações, em ordem crescente, a caminho de um clímax, ou em
ordem decrescente que, por sua vez, se orienta a um momento
denominado anticlímax. A partir das referidas classificações, podemos
analisar de modo mais sistêmico a gradação nos scraps extraídos do Orkut
e do Facebook.
Verificamos que o uso da gradação é uma possibilidade linguística
utilizada, de certa forma inconsciente, por usuários do Orkut e do
Facebook aplicando-se a diversas situações discursivas: na composição
dos seus scraps, ao enumerarem elementos numa ordem progressiva ou
regressiva, ao se referirem a um outrem, enaltecendo ou não algo próprio
do destinatário do enunciado ou que esteja diretamente ligado àquele,
entre outros, evidenciando, assim, que as virtudes retóricas da gradação,
a par de outras figuras semelhantes, são decisivas em qualquer discurso
que pretenda ordenar e enfatizar, por meio da intensidade gradual, os
termos dispostos nos enunciados e a força dos argumentos.
Os resultados obtidos evidenciaram o modo amplo da ação dos
processos gradativos, os quais podem ser expressos de forma crescente
ou decrescente, por meio de recursos de natureza morfossintática, lexical,
semântica, funcional, além dos fatores extralinguísticos. Com base nas
50
análises, construimos um gráfico, no qual podemos visualizar a freqüência
das ocorrências gradativas nos scraps postados em grau crescente e/ou
decrescente.
A descrição feita neste artigo, acerca dos processos gradativos nos
scraps das referidas redes sociais, fundamentou-se numa avaliação
objetiva e sistemática dos elementos que se apresentavam como
gradação.
REFERÊNCIAS
COSTA, G. dos S. O Livro Didático de Inglês: Usos de Intensificadores em Diálogo. Dissertação de Mestrado em Lingüístico - Orientador: Prof. Doutor. Francisco Gomes de Matos.UFPE-2002. Disponível em: <http://www.giseldacosta.com.br/artigos/capitulo4.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011. CUNHA, Celso; CINTRA, L. F. L. Nova gramática do portugês conemporâneo. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. CUNHA, Maria. A. F. da; OLIVEIRA, Maria. R. de; MARTELLOTA, M. E. (Orgs). Linguística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. OLIVEIRA, Carla M. Gradação de afetividade nos formativos -inho (a) e -zinho(a) a partir do estudo de gramaticalização. In: Revista Icarahy, UFF-RJ, nº 2, fevereiro de 2010. Disponível em: <http://www.revistaicarahy.uff.br/revista/html/numeros/2/dlingua/Carla_Maria_de_Oliveira.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011. SILVA, J. R. A intensificação numa perspectiva funcional. In: Revista Odisséia. v. 1, p. 1-18, 2008. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/odisseia/numero1/arquivos/LIN01_PT03.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011.
51
GRADAÇÃO NA WEB: AS OCORRÊNCIAS DE GRADAÇÃO
NO MICROBLOG TWITTER
Bárbara Amaral de Andrade Furtado12
José William da Silva Netto13
Resumo: O artigo apresentado explora do uso da gradação por falantes da língua portuguesa em ambiente virtual, focando no microblog Twitter, usando diversos parâmetros como, por exemplo, expressão, sentido e base, e de que forma esse fenômeno se dá através de cada parâmetro, quais acontecem com maior freqüência, e o que influência essa frequência. Nosso estudo foi baseado nas pesquisas de José Romerito Silva e Mattoso Câmara (2004). Palavras-chave: gradação, microblog, funcionalismo. Abstract: The article presented below explores the use of gradation by speakers of the Portuguese language on the internet, focusing on the microblog Twitter, using several parameters, such as type, expression, meaning and base, and how this phenomenon happens through each parameter, which of those happen more frequently, and what influences this frequency. Our study was based on the work of José Romerito Silva, and Mattoso Câmara (2004).
Keywords: gradation, microblog, functionalism.
Introdução
O presente artigo tem como objetivo principal estudar um
fenômeno bastante comum entre os falantes de uma língua, a gradação.
Este tipo de fenômeno pode ser encontrado em diversos tipos de discurso
e, desta forma, é possível sua analise tanto em fontes escritas como em
fontes faladas.
Este estudo se originou a partir do interesse em saber de que
maneira o fenômeno da gradação auxilia e/ou transmite sentidos
diferentes em um determinado contexto comunicativo.
Assim, os falantes de uma língua se expressam a partir de suas
necessidades, instaurando verbalmente suas opiniões e até mesmo
explicitando duvidas. Desta maneira, entendemos que, uma vez que o
enunciador faz uso de determinada forma sintática e não de outra
12 Graduanda do curso de Letras, UFC.
13 Graduando do curso de Letras, UFC.
52
(paradigma), essa escolha pode acarretar em uma mudança de
significado.
Então, é nesse contexto comunicativo que nossa investigação irá
ter suas bases. Porém, como buscamos um ambiente mais informal (uma
vez que gradação é encontrada em maior uso nesse contexto), iremos
utilizar como corpus do nosso artigo o microblog Twitter, caracterizado por
utilizar apenas 140 caracteres em cada postagem.
O motivo pelo qual buscamos adentrar nesse conteúdo, embasados
nesse corpus, pode ser justificado por: a) informalidade textual, b) maior
incidência da característica da expressividade e, por fim c) fácil acesso ao
conteúdo, assim como sua abundância.
Fundamentação Teórica
Com a finalidade de enriquecer nossa investigação, baseamo-nos
nos estudos de Câmara (2004).
Em seu trabalho, Câmara (2004) abordará a questão da derivação
como meio de expressão. Para ele, tamanha é a ocorrência desse
fenômeno que, em muitos casos, há a criação de novos vocábulos. Esse
estudioso também falará sobre o superlativo dos adjetivos onde, em
muitos casos, são utilizados não somente como representação de
superioridade ou inferioridade, mas como um meio espontâneo e/ou
afetivo de expressão.
Em primeiro lugar, não há obrigatoriedade no emprego do adjetivo com esse sufixo de superlativo, ou grau intenso. É a rigor uma questão de estilo ou de preferência pessoal. Ou, antes, trata-se de um uso muito espaçado e esporádico, em regra, e de tal sorte que certa freqüência nele logo parece abuso e excentricidade. (CAMARA, 2004, p.47)
Segundo o excerto acima, um sufixo qualquer pode expressar tanto
idéia de extensão, em ‘que casa grandona’, ou possuir um sentido mais
esporádico e/ou afetivo, tal qual em ‘acho lindo pessoas grandonas’. Desta
maneira, Câmara deixa claro que os adjetivos, na sua forma superlativa,
são capazes de assumir diversas conotações, dependendo da intenção do
enunciador.
53
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Câmara discorre a
respeito do uso de derivações do tipo diminutivo e aumentativo, não
somente presentes em adjetivos, como estavam em destaque, mas
também relacionadas a substantivos. A esse respeito, ilustramos com a
seguinte passagem:
Na realidade, o que se tem com os superlativos é uma derivação possível em muitos adjetivos, como para os substantivos há possibilidade dos diminutivos e para alguns (não muitos) a dos aumentativos. Anote-se a propósito que o conceito semântico de grau abrange tanto os superlativos como os aumentativos e os diminutivos. (CAMARA, 2004, p. 47)
Assim, corroborando com o estudo de Câmara (2004), aplicamos
esse conceito de derivação dentro do campo da gradação, uma vez que
gradação por derivação é um fenômeno bastante recorrente na língua
portuguesa.
Análise
Para falarmos das ocorrências comunicativas, é importante
primeiro falarmos da plataforma em que elas se encontram, enquadrando-
as em um contexto lingüístico-social, focando-se também na pragmática,
ou seja, na situação e na intenção do falante, para caracterizar o uso da
gradação, assim como as propriedades semânticas da língua.
O microblog Twitter é uma plataforma social de interação entre
usuários que, por sua vez, se comunicam através de postagens de até 140
caracteres, partindo da pergunta chave do próprio site, “What’s
happening?” (ou, o que está acontecendo, em português). Desta forma, a
comunicação se dá através de respostas diretas que aparecem no que é
chamada de a “timeline” do usuário. O Twitter, por ser uma página
pessoal onde as pessoas postam o que acontece no seu dia a dia, seus
pensamentos e desejos, torna-se um meio pelo qual seus usuários
escrevem espontaneamente, ou, na linguagem mais popular, escrevem
sem parar para pensar. Por essa razão, observa-se o uso freqüente de
intensificadores na linguagem para demonstrar a intensidade de seus
sentimentos e pensamentos, caracterizando, desta forma, a gradação.
54
A gradação é uma função da linguagem que está primeiramente
relacionada a essa percepção do individuo em relação à sociedade. José
Romerito da Silva fala em seu artigo que a gradação se baseia em
padrões estabelecidos pelos indivíduos ou pela sociedade. Assim, tomando
como referencia os padrões pré-estabelecidos, verifica-se que o fenômeno
em estudo situa-se em níveis superiores ou inferiores ao padrão, ou seja,
está além dele.
Isto tem sua fonte nas impressões pessoais do indivíduo, a partir do contato deste com o mundo que o cerca, baseadas em parâmetros comparativos estabelecidos por ele próprio ou socialmente convencionados. (Silva, p.5)
É tudo, na verdade, uma questão de percepção. Quando o
indivíduo percebe algo como sendo superior ou inferior ao padrão, ele
utiliza, visto sua necessidade de expressar sua percepção, elementos
lingüísticos e semânticos para intensificar sua visão acerca do mundo, e,
nesse caso, faz-se uso da gradação.
A partir de então, analisaremos alguns exemplos provenientes do
microblog Twitter. O primeiro deles diz respeito a uma garota que postou
algo acerca de um bolo de chocolate que ela mesma havia preparado, e
que, em sua opinião, ficou extremamente gostoso. Porém, ela também
falou sobre o fato do bolo estar exageradamente doce, fato esse que a
levou a acreditar que seu aumento de peso é proveniente desse bolo.
(1) hoje fiz um super ultra mega bolo de chocolate ++ meu deus acho
que engordei 98765894 toneladas, tinha muuuuuito doce:|
5 Nov
Na enunciação feita pela garota, podemos perceber que adjetivos
intensificadores foram acrescentados ao substantivo “bolo”, para, desta
maneira, mostrar o quanto ele estava saboroso. Nesse caso, estamos
diante do grau superlativo analítico, uma vez que a enunciadora faz uso
dos termos “super”, “ultra” e “mega”. Em seguida, ela atribui
características a toneladas, que, nesse caso, é intensificada
55
pragmaticamente, mas, semanticamente, a garota utiliza números e a
figura de linguagem hipérbole para fazer essa gradação. E, por fim,
intensifica o adjetivo doce com o advérbio “muito”, que também constitui
o uso do grau superlativo analítico, ainda levado ao exagero pela
repetição da vogal “u” no referido adverbio, para mostrar ainda mais
intensidade.
O caso (2) mostra que o enunciador é um grande admirador da
banda RBD e, como meio de verbalizar essa preferência, ele utiliza-se do
advérbio de intensidade ‘mega’. Logo, há o uso de superlativos absolutos
transmitindo sentido afetivo. Em contrapartida, o enunciador expressa
também seu gosto pela banda RBR, só que dessa vez, ele utiliza-se do
advérbio ‘super’, sendo posto como forma de repetição:
(2) Assim ... Eu era mega fã de rbd tinha tudo e tudo... mas também sou
super super super fã de rbr , gosto até mas de rbr ,mas ficar xingando +
Nov 5
No próximo exemplo, podemos ver um caso de repetição
exagerada, em que a garota da enunciação declara seu amor para o
namorado.
(3) Eu te amo muito muito muito muito muito muito muito muito muito
muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito <3
15 Nov
Nesse caso, a menina repete o advérbio de intensidade “muito”
diversas vezes, advérbio esse que se refere à oração “ Eu te amo”. Ela
utiliza-se desse recurso com a finalidade de mostrar ao garoto o quanto
ela verdadeiramente o ama (como já foi mencionado anteriormente, o
microblog é, muitas vezes, utilizado sem filtros, por ser uma página
pessoal). Esse também é um caso do grau superlativo analítico.
56
A enunciação abaixo trata de outra menina também declarando seu
amor ao namorado. Essa, no entanto, não repetiu a mesma partícula
tantas vezes.
(4) eu te amo muito mas muito muito mesmo mesmo meu amooor *-*
seu olhar o mais sincero , seu sorriso mais encadecente s2
15 Nov
A garota desse último exemplo, ao invés de repetir somente o
advérbio de intensidade “muito”, se utiliza de outros elementos
semânticos, como a partícula adversativa “mas” e o advérbio “mesmo”.
Esses elementos se relacionam a “Eu te amo” e constituem um caso de
grau superlativo absoluto analítico. A seguir, no entanto, a garota
continua a usar elementos gradativos, dessa vez, listando as
características do namorado. Para isso, ela utiliza o advérbio “mais” como
partícula intensificadora, constituindo, assim, um caso de grau superlativo
relativo de superioridade.
Os casos de gradação não são apenas de intensidade superlativas.
Também podemos ver com freqüência casos de intensificação em que os
indivíduos se utilizam de partículas de diminutivo para expressarem-se.
Como no exemplo abaixo, em que uma garota conta do seu dia no
shopping com a mãe.
(5) shopping com a minha mãezinha foi tão bom, cineminha e
comprinhas com o meu amorzinho ! #éoquehá
15 Nov
A garota acima utiliza a sufixação, o diminutivo “inha” e “inho”
para expressar o carinho pela mãe, a quem se refere como “amorzinho”.
Aqui, a morfologia sufixal, um recurso semântico, foi utilizada por uma
questão pragmática, de contexto, para expressar os sentimentos pela mãe
e felicidade pelo passeio que teve.
57
(6) Meu Deus, o meu amoreco acabou de sair daqui. Ele me disse tanta
coisa linda, tanta...
Nov 15
Nesse caso, notamos que o enunciador possui laços estreitos com a
pessoa que está sendo referida. Como prova disso temos o substantivo,
também expressando idéia de gradação, que foi acrescido de um sufixo ‘-
eco’, tornando assim a oração mais afetiva. Interessante notar que, a
palavra ‘amor’ em si já trás consigo o sentido afetivo, porém, quando a
mesma é utilizada com o sufixo ‘-eco’, ocorre uma ênfase que recai sob o
nome ‘amor’, tornando-o assim muito mais expressivo.
Na enunciação abaixo, por exemplo, também podemos ver traços
dessas partículas de diminutivo. O contexto do post a seguir é de uma
adolescente pedindo a Deus por sua amiga que havia terminado como o
namoro.
(7) “Deus, cuida da minha melhor amiga. Cuida da minha pequena,
minha vadiazinha, meu amorzinho. Cuida Deus,...
15 Nov
A menina utiliza-se da morfologia sufixal, tornando a palavra
diminutiva, para expressar carinho pela melhor amiga. Também utiliza a
repetição dos pronomes possessivos “meu” e “minha” para enfatizar esse
carinho, e o adjetivo “pequena”, também, como um termo afetivo. Até
“vadiazinha”, que seria, em outras circunstâncias, considerado pejorativo,
nessa enunciação está como uma expressão de carinho. Isso reforça a
idéia mencionada previamente de José Romerito da Silva, que fala que a
gradação mais tem a ver com a pragmática, com a intenção do falante e
com sua percepção, se comparados com a semântica e os termos da
oração por si mesmos.
58
Outro recurso utilizado para expressar a gradação, além dos
superlativos, aumentativos e diminutivos, é a comparação. Como no
exemplo abaixo, onde um homem fala sobre um jogador do time de
futebol que pensa em largar a seleção.
(8) E outra, se ele quiser ir embora do Ceará, que vá, quem ele pensa
que é? Ceará é muito maior que vc meu caro, mas muito maior mesmo.
15 Nov
O rapaz da enunciação utiliza a partícula “muito maior que você”,
que apresenta grau comparativo de superioridade e, em seguida, utiliza o
advérbio de intensidade “muito”, seguido da repetição do adjetivo “maior”
e do advérbio “mesmo”, intensificando a gradação e apresentando um
caso de grau superlativo absoluto analítico.
(9) Você acha que ocupa um certo espaço na vida das pessoas,quando
vai ver esse espaço é bem menor do que você imaginava.
15 Nov
Na postagem (9), observamos que a pessoa que a escreveu
estava, provavelmente, se queixando do quão injusto é o julgamento que
temos das pessoas ao nosso redor. Então, como característica que
graduará a sentença, observou-se o uso da partícula comparativa “menor
do que”, a qual se relaciona ao termo ‘espaço’. Uma vez que tal oração
expressa a subjetividade do enunciador – visto que exprime o modo como
ele enxerga os demais indivíduos- temos propriedade pra dizer que ela
trás consigo o sentido de afetividade.
(10) Engraçado como nos Feriados a incidência de pessoas ativas no
Twitter é bem menor que na semana normal, supostos dias de trabalho...
=P
15 Nov
59
No exemplo (10), temos uma incidência bastante similar ao (xx),
onde o enunciador se utilizou de uma partícula comparativa para
verbalizar sua crença a respeito dos usuários do Twitter. Para ele, o
numero de pessoas que usam o referido site é mais elevado nos dias de
trabalho, se comparado a feriados. Logo, no intuito de fazer essa
comparação, o autor da sentença utiliza a partícula “bem menor que”
(mesmo ocorrência encontrada no caso anterior).
A partir do nosso corpus e das nossas pesquisas, chegamos a
resultados referentes à frequência das gradações no microblog Twitter. De
acordo com a Tabela 1 (abaixo), podemos analisar que, em relação ao
tipo, a ocorrência do grau Superlativo Absoluto foi dominante na formação
de gradação, ficando em primeiro lugar, seguido do uso do Diminutivo
como recurso gradativo assim, ocupando a segunda posição. Em terceiro
lugar, as ocorrências do Superlativo Relativo. Também existiram casos
que não se aplicaram a nenhuma das categorias como construções do tipo
“superlegal” que, por não constituírem vocábulos da língua portuguesa,
não enquadramos em nenhuma categoria.
Por último, o grau comparativo como recurso gradativo. A
dominância do Superlativo Absoluto Analítico sobre o Sintético se deve,
em grande parte, à informalidade do meio. Palavras como
“agradabilíssima” ou “amicíssima” não fazem parte do tipo de vocabulário
padrão da rede social. Muitas vezes, os usuários preferem, inclusive, usar
colocações gramaticalmente erradas a usar palavras “difíceis”.
TABELA 1
60
De acordo com a Tabela 2 (abaixo), podemos observar que, em
relação à expressão, o uso de advérbios veio em primeiro lugar, tendo
assim, a grande maioria da porcentagem (superior a 51%). Como
partícula gradativa, houve uma maior utilização da morfologia sufixal, ou
seja, da adição de um sufixo, que veio em segundo lugar. O terceiro lugar
diz respeito à repetição do nome, e em quarto lugar a morfologia prefixal,
ou seja, a adição de um prefixo.
TABELA 2
TABELA 3
61
Analisando a Tabela 3, podemos ver que o sentido afetivo é
amplamente dominante sobre o sentido dimensional. Isso é bastante
influenciado pela escolha do corpus. Como mencionado previamente, o
microblog Twitter é uma página pessoal onde as pessoas expõem seus
pensamentos e sentimentos mais íntimos, portanto, as postagens são
realmente mais influenciadas pela afetividade.
TABELA 4
E, por último, em questão de base, adjetivos foram dominantes em
relação a substantivos, tomando mais de 75% das ocorrências.
Conclusão
No decorrer desse artigo, pudemos ver diversas formas de
gradação que ocorrem no microblog Twitter. Pragmaticamente, vimos
como elas são influenciadas pela percepção dos indivíduos em relação ao
ambiente ao qual estão interagindo, bem como maneira a qual são
utilizadas: emocional e/ou afetivamente. Com essas variáveis, podemos
perceber que a gradação é um fenômeno freqüentemente presente na
web, utilizado como recurso para expressar graficamente os sentimentos
para o receptor da mensagem, que a receberá através da tela do
computador, e não verá a linguagem corporal, o tom da voz, a expressão
facial. A gradação, um intensificador gramatical, acaba substituindo esses
intensificadores físicos dos sentimentos do enunciador. Vale ressaltar, que
62
esses resultados são diretamente influenciados pela escolha do corpus.
Talvez, se tivéssemos nos focado em, por exemplo, blogs sobre tricô,
tivéssemos obtidos resultados diferentes. Já no campo semântico, vimos
que o grau superlativo absoluto analítico é dominante, que o uso de
advérbios é o preferido para a expressão, e que o adjetivo é a base
principal.
REFERÊNCIAS
CÂMARA, J.M. Estrutura da Língua Portuguesa. 36 ed. Petrópolis: Vozes, 2004. SILVA, José Romerito. A intensificação numa perspectiva funcional. Disponível em: <http://claudetelima.webnode.com.br/products/a%20grada%c3%a7%c3%a3o%20na%20web/>. Acesso em: 15 de Novembro de 2011.
63
SEÇÃO 5
A GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR
64
GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR
Maria Melka Freitas SILVA14
Resumo: Levando em consideração as constantes transformações linguísticas, as quais acontecem de acordo com os mais variados fatores, sejam eles regionais, individuais, temporais [...], estudamos, no presente artigo, o fenômeno da gramaticalização restrito ao verbo dar, com o objetivo de constatar os graus que o processo tem alcançado no português do Brasil. Enveredando por um viés funcionalista, valemo-nos de autores como Martelotta e Givón para embasamento teórico. Analisamos ocorrências de expressões contendo o verbo, presentes em dois corpora fornecidos pelo Grupo de Pesquisa Discurso e Gramática, sendo um referente à fala e escrita no Rio de Janeiro e outro de Natal, as quais apontam para um produtivo uso do verbo dar discursivo atualmente.
Palavras-chave: gramaticalização, funcionalismo, discursivização.
Introdução
Os objetivos que norteiam o presente artigo são: verificar os níveis
de gramaticalização que o verbo dar tem alcançado na língua falada de
português do Brasil e sugerir hipóteses que apontem os fatores
motivadores desse processo. Não correspondem aos nossos propósitos
investigar e/ou relacionar fatores diacrônicos, e sim aqueles que convivem
numa mesma seção temporal.
Abordamos aqui nosso objeto de estudo de forma gradual, pois
partimos de noções mais gerais, como a de gramaticalização e suas
premissas, princípios e por fim, partimos para o caso do verbo em foco.
Embora dicionários apresentem significados um tanto restritivos
para definições de elementos linguísticos, sabemos que estes assumem
valores que sobrepujam aqueles previstos por tais publicações. Isso
ocorre pelo caráter flexível de qualquer língua viva, pois seus usuários são
responsáveis, quase sempre inconscientemente, por modificarem-na a
cada nova combinação palavra – significação.
Fatores cognitivos e extra linguísticos podem ser os principais
desencadeadores desse fenômeno, do qual são bons exemplos as
diferenciações no emprego de uma mesma palavra portuguesa devidas
14 Aluna de graduação de Letras - Universidade Federal do Ceará - Fortaleza - Ceará.
65
tão somente à distanciação geográfica entre falantes, que passam a usá-
la com variados sentidos não compartilhados com comunidades distantes.
Enquanto rebolar no mato um nordestino compreende como algo mais
próximo de “descartar, lançar fora”, para um paulista, por exemplo, o
significado seria “dançar no meio do mato”. Junto aos aspectos espacias,
estão os sociais, cuja influência também é significativa para o processo de
mudança linguística. Talvez os primeiros atuem como promovedores dos
últimos, que se relacionam com as necessidades comunicativas de cada
comunidade.
Assim como, segundo Darwin, grupos de animais de mesma
espécie que vivessem geograficamente afastados, adquiririam diferenças
físicas e/ou biológicas em razão da adaptação a situações ambientais
distintas, da mesma forma ocorre no processo de variação lexical: o fato
de falantes da mesma língua estarem fisicamente afastados está
intimamente ligado ao fato de que estarão também em sociedades
divergentes com outras necessidades comunicativas, então teremos como
resultado a diversificação das funções das palavras.
Dentre os processos de mudanças mais estudados encontra-se a
gramaticalização, caracterizado pela alteração: elemento lexical >
gramatical ou gramatical > mais gramatical. Muitos autores defendem a
unidirecionalidade nesse processo, a qual é, inclusive, reforçada pela
análise de dados realizada no presente trabalho, já que o maior número
de ocorrências de dar encontradas nos corpora aponta para um uso mais
discursivo desse verbo em português brasileiro.
Fundamentação Teórica
Sem perder de vista os aspectos extra linguísticos de situações
comunicativas, estudamos o processo de gramaticalização como um
mecanismo motivado pelas necessidades comunicativas que surgem a
cada situação em que se deseja expressar ideias, ou seja, toma-se como
elemento desencadeador do processo o uso do léxico feito pelos falantes,
66
o que está de acordo com Martelotta, autor cujos escritos nos serviram de
embasamento teórico.
O uso da língua nas situações reais de comunicação motiva as transformações que sofrem os elementos linguísticos e essas transformações apresentam unidirecionalidade: caminham do discurso para a gramática. (MARTELOTTA, 2003, p.59).
Ainda pudemos encontrar fundamentação teórica em Givón (2003,
apud Martelotta e Areas) e partimos de algumas de suas premissas para
caracterizar a linguagem, considerando-a, sob uma ótica funcionalista,
como instrumento de comunicação entre seus usuários.
Metodologia
Com o fim de conseguirmos dados para análise, colhemos dos
corpora Discurso e Gramática – a língua falada e escrita na cidade de
Natal e A língua falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro, cinquenta
ocorrências do verbo dar, as quais foram tabeladas e classificadas em
categorias como: modo, tempo e tipo verbal, este último podendo ser
modal, lexical, aspectual, discursivo ou pertencente à categoria outros,
que abriga casos diversos não enquadrados em nenhuma das
classificações acima. A partir das frequências de cada categoria,
formulamos a hipótese aqui apresentada para explicar o fenômeno
linguístico por que passa o verbo dar.
Gramaticalização
Dizer que uma língua é viva não implica simplesmente em seu uso
por determinada comunidade, mas também nas transformações inerentes
a esse estado. Aqueles que fazem uso da linguagem sempre terão algo
novo a dizer, porém nem sempre os termos de que dispõem lhes
parecerão suficientes. Como ocorre desde os tempos mais remotos,
quando o homem tentava manter contato com seu clã por gritos, a reação
humana é sempre a mesma perante situações semelhantes à descrita
acima: buscar elementos que expressem o conteúdo que se deseja
67
compartilhar. Historiadores afirmam que grunhidos, pulos e gritos eram
usados de forma combinada ou isolada conforme o propósito comunicativo
do homem primitivo; o sistema por eles usado era, certamente, muito
resumido, cheio de carências expressivas, e esse deve ter sido um dos
principais desencadeadores do surgimento e evolução da fala, que
também está ligada à criação de signos linguísticos. Desde então, assim
como nossos ancestrais, o que fazemos com a geração de novas formas
ou funções são nada mais que tentativas de preenchimento de lacunas
que nosso léxico abriga.
Exemplo clássico é o substantivo saudade, disponível apenas na
língua portuguesa, cujo vocábulo simples para designar o estado de “ter
saudade” é inexistente, ou seja, não temos um verbo que cumpra tal
papel; temos, entretanto, uma perífrase – sentir saudade. É justamente o
inverso do que ocorre em outras línguas: elas normalmente possuem o
verbo (to miss, extrañar, vermissen), mas não o substantivo. É provável
que, impulsionadas pela insatisfação dos nativos, surjam usos novos para
um substantivo já existente – ou quem sabe novas palavras - com o fim
de nomear o sentimento.
Fatos dessa natureza já eram previstos por Givón (2003, apud
Martelotta e Areas), quando propôs algumas premissas referentes à
linguagem, entre as quais a de que a gramática é emergente. Assim,
nunca se chega a um estancamento de suas formas, pois está sujeita às
inúmeras experiências situacionais nas quais são aplicadas, fato que ainda
se relaciona com outra característica afirmada pelo mesmo autor: a que
qualifica o ato da comunicação como atividade sociocultural.
Além disso, não raro, palavras que outrora eram usadas com a
utilidade de expressar coisas mais concretas comumente ganham
significados mais abstratos, o que contribui também para transformações
das línguas, pois se multiplicam os usos de seus signos, sem
necessariamente caírem em desuso as formas mais antigas. A esse
fenômeno chamamos gramaticalização e acontece sempre caracterizado
68
por sua inidirecionalidade. Para ilustar isso podemos observar o percurso
seguinte:
Concreto abstrato
A seta aponta apenas para uma direção, a do caráter abstrato, e
não há outra apontando para a direção contrária, o que significa que
palavras com valores semânticos mais consistentes, passam a adquirir
valores nocionais ou perdem significação, sem ser recorrente o percurso
inverso.
Vejamos o caso do verbo ter. No seu uso primitivo carregava
sentido de posse [Você tem um notebook], mas passou a assumir outros,
como o sentido temporal [Tem quatro anos que ele se foi], além de seu
uso composto, em que assume papel de auxiliar e perde significação
própria tornando-se apagado pela forma nominal [Ele tinha comprado um
presente]. Levando ao esquema:
Ter1 ter2 ter3
(posse) (tempo) (auxiliar)
Há autores que defendem a ideia de que para estudar
gramaticalização se faz necessário privilegiar uma linha de pensamento
diacrônico, visto que as variações estão muito mais justificadas pelas
pressões sofridas ao longo do tempo, sendo assim um componente
indispensável para estudo histórico da língua. Por outro lado, Hopper e
Traugott (1993, apud FRAGOSO.) admitem como possíveis as duas
perspectivas temporais: tanto a sincrônica quanto a diacrônica. A primeira
levará em consideração que outros elementos, além dos temporais,
podem ocasionar alterações semânticas de vocábulos. Indispensável dizer
que o sistema comunicativo é passível de modelações impostas, a
exemplo, pelo meio sociocultural no qual se insere.
Os Princípios da Gramaticalização
Hopper (1991, apud FRAGOSO) apresenta cinco princípios que
perpassam as mudanças tipicamente gramaticais. São eles:
69
1. Camadas: várias formas passam a ser adotadas para cumprir uma
mesma função. As formas mais antigas tendem a desparecer se não
forem mais usadas, mas nem sempre isso acontece e é provável
que elas coexistem no sistema.
Ex.: Eu precisava de uma boa noite de sono.
Eu estava precisando de uma boa noite de sono.
Temos duas formas se referindo ao passado imperfeito e
expressando a mesma significação verbal.
2. Divergência: inversamente ao princípio de camadas, o da
divergência sublinha o fato de uma mesma forma servir a vários
papéis, depois de sofrer gramaticalização.
Ex.: O noivo deu à noiva um anel de brilhantes.
Marcos agora deu para acreditar em fantasmas.
Tomara que dê tudo certo.
Na primeira frase temos o verbo no seu sentido de origem, que
possui carga semântica equivalente a transferência de posse. Na
segunda, em forma de perífrase, deu é enfraquecido
semanticamente, exerce papel modalizador; já na terceira, integra
uma expressão fixa: dar certo, em que dar distancia-se ainda mais
do seu sentido primeiro. Verificamos então, funções diversas de
uma única forma.
3. Especialização: na fase pós-gramaticalização, um item tende a
tornar-se específico no que diz respeito a seu sentido. Algumas
formas podem coexistir com uma equivalência meio caricata, mas
possuem diferenças suficientes para impedir seu uso em
determinados contextos.
4. Persistência: é comum que unidades lexicais gramaticalizadas
conservem aspectos de sua forma embrionária, embora a previsão
de estudos linguísticos seja que a função se distancie de tal forma,
que esses resquícios semânticos desapareçam.
Ex.: A garota queimou todas as cartas dele.
Não quero queimar nenhuma etapa da vida.
70
Ele só pensa em queimar calorias.
A polícia acredita que aquele homicídio tenha sido queima de
arquivo.
Em todos os casos a marca própria do uso original do verbo - ligada
à ideia de destruição – está presente.
5. Descategorização: quando verbos ou substantivos, categorias
plenas, se gramaticalizam, assumem o papel de categorias
secundárias.
Ex.: Qual o seu tipo de pele?
Deveríamos fazer... tipo... um dia de lazer.
Enquanto no primeiro caso tipo é substantivo, no segundo, como
resultado de mudanças lingüísticas, passa a atuar como marcador
discursivo, categoria secundária.
Análise de Dados
Atentos aos princípios que regem o fenômeno, apresentados
acima, percebemos que o verbo dar já adquiriu diversas faces na língua
portuguesa, estabelecendo relações várias na esfera semântica. Porém, a
maioria dos dicionários traz definições para o verbo que privilegiam seu
valor mais básico, aquele referente à fase pré-gramatical. Em
Dicionárioweb, por exemplo, encontramos o verbete: “Transferir ou ceder
gratuitamente o que se possui;; doar, presentear”. No Priberam temos:
“ceder gratuitamente;; fazer doação de;; presentear com;; fazer esmola de;;
entregar;; conceder”. E se consultarmos o Aulete nos depararemos com:
“Ceder, transferir (bens, posses, alago que se tem à disposição) sem
remuneração; doar”.
Os usos já expandiram para outros o tipo lexical de dar, cujo
significado nossos dicionários conferem maior atenção. Deparamo-nos
com pelo menos cinco: lexical, metafórico, modal, aspectual e discursivo.
Carregando cada um deles respectivamente as características:
transferência de posse; transferência de posse metafórica; antecessor de
71
oração infinitiva; componente de dar + uma ada; componente de
expressões fixas do tipo dar + SN .
Vejamos alguns casos.
a) deixe eu dar um exemplo ... (D&G, PO1 – RO1, p. 117)
Não podemos entender como uma doação de coisa concreta o caso acima,
pois o objeto direto do verbo é de caráter abstrato e, portanto, ninguém
pode tomar posse de algo assim. Estaríamos falando, nesse caso, de uma
tranferência de posse metafórica.
b) minha mãe passava ... meu almoço no liquidificador ... aí dava
pra comer ... mas bem devagarinho ... sabe? (D&G, PO1 – NEP1, p. 107)
Exemplo de verbo modal, esse está muito mais ligado à ideia de possibilidade que de concessão.
c) me dá uma raiva tão grande ... (D&G, PO1 - DL1, p. 120)
Um dos usos que vem se tornando frequente em português falado, o dar
modal pode estar, muitas vezes, relacionado ao conceito de
acontecimento ou pode dizer respeito a um estado mental, a depender do
SN que segue o verbo.
Sem deixar passar despercebido certos detalhes, vejamos que a
função mais usada pelos falantes distancia-se da original de tal maneira
que vai se esvaecendo semanticamente como se caminhasse para o
esvaziamento de sentido.
Passemos então, aos resultados aos quais chegamos.
Tabela1: Categorização verbal
Tempo verbal
Formas
nominais
Modo verbal Codificação Tipo de dar
34%
presente
87%
infinitivo
52%
indicativo
88%
dar+SN
42%
discursivo
O fato de a maioria das ocorrências estarem no presente do
indicativo pode ser explicado pelo tipo e forma de discurso em que o texto
foi expresso: relato de opinião oral. Se estivessem narrando fatos, por
exemplo, tenderiam a usar o pretérito perfeito do indicativo, mas quando
72
se emite um parecer, o falante conjuga esse parecer no presente porque é
o pensamento dele na atualidade. E o porquê do indicativo? Se o falante
tem certeza sobre o que diz, então o modo verbal mais provável será
mesmo o utilizado no exemplo.
Percebemos ainda, que, embora o contexto seja narrativo, não
raro, os informantes fazem uma pequena interrupção para emitir seu juízo
de valor sobre o que se conta e por isso voltam a fazer uso do presente do
indicativo.
Ex.: ... às vezes eu chego de sete e meia ... oito horas e minha
mãe já fica perguntando ... “onde é que tu tava?” me dá uma raiva ... né?
porque... olha ... eu detesto essas coisa ... eu num admito também... que
mãe ... namorado ... fica ... sabe? pressionando ...é...controlando ...
Apresentamos na tabela anterior somente os elementos mais
produtivos de cada categoria, a título de informação, mas para suporte
estatístico de nossa hipótese nos detivemos mais à última categoria: tipo
verbal.
Tabela 2: Cruzamento de categorias
Dar discursivo
Tipos de dar
discursivo
metafórico
lexical
modal
outros
73
Pret. Perf. 33%
Indicativo 47,6%
Dar+SN 100%
A predominância de usos de dar discursivo nos direciona para o
fenômeno de formação de expressões fixas da língua portuguesa,
encontradas na forma dar + SN, como é o caso de “dar certo”, “dar
zebra”, “dar ouvido de mercador”. O verbo analisado, ao mesmo tempo
que perde força semântica dentro dessas expressões, também torna-se
menos variável, uma vez que já fora enquadrado em funções
determinadas pela comunidade linguística, verificação assegurada por
Martelotta.
Com a gramaticalização, o elemento tende a se tornar mais regular e mais previsível em termos de seu uso, pois perde a liberdade sintática característica dos itens lexicais, quando penetra na estrutura tipicamente restritiva da gramática. (MARTELOTTA, 1996)
Constatamos, dessa forma, que o verbo dar segue uma trajetória
de gramaticalização na língua portuguesa e encontra-se num estágio que
se aproxima do enquadramento liguístico, se entendermos como tal a
obtenção de valores sintático-semânticos específicos de determinadas
funções. Necessário se faz lembrar que os novos empregos do verbo não
eliminam seu valor primitivo, mas este pode desaparecer ao longo do
tempo.
Acreditamos que esse enquadramento seja característico do
processo de gramaticalização e esteja intimamente ligado às necessidades
linguísticas no âmbito da oralidade, pois falantes, no uso corrente da
língua, preferem expressões informais às formais. Pareceria meio artificial,
por exemplo, um amigo falar para outro que “logrou êxito” ou “foi bem
sucedido” em sua entrevista de emprego;; usará, mais provavelmente, um
“deu certo”, expressão fixa para qual não existem verbos sinônimos
correspondentes próprios da informalidade. Essa poderia ser uma
evidência que explica o fator motivador de sua origem.
74
Considerações Finais
Através das investigações aqui expostas, compreendemos que o
verbo dar encontra-se em processo de gramaticalização e caminha para o
esvaziamento semântico típico da manifestação discursiva, que, nos
corpora examinados foi a mais produtiva. Não perdemos de vista as
restrições a que nossos resultados estão sujeitos, pois a quantidade de
ocorrências analisadas não seria a mais indicada, no entanto, acreditamos
que nossas pesquisas sejam úteis ao estímulo de novos trabalhos na área.
REFERÊNCIAS
BRITO, R. H. P. de. Teoria dos Protótipos: um princípio funcionalista. Revista Todas as Letras. V. 1 N. 1. 1999. Disponível em: <http://www3.mackenzie.br/editora/index.php/tl/article/viewFile/881/643>. Acesso em: 20 nov. 2011 ESTEVES, G. A. T. A gramaticalzação de dar: de predicador a verbo suporte. Rio de Janeiro: CiFeFiL, 2008. ESTEVES, G. A. T. Estudo comparativo dos níveis de gramaticalização deter, dar e
fazer. Revista Estudos Linguísticos, São Paulo, V. 39 N. 1, 2010. ESTEVES, G. A. T. Construções com DAR + Sintagma Nominal: a gramaticalização desse verbo e a alternância entre perífrases verbo-nominais e predicadores simples. 2008. 334f. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas. Área de Concentração: Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. MARTELOTTA, M. E; AREAS, E. K. A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: FURTADO DA CUNHA, M. A; OLIVEIRA, M. R; MARTELOTTA, M. E.(Org.). Linguística
funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 17-28. MARTELOTTA, M. E. Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. PASQUARELLI, M. L. R. Normas para a apresentação de trabalhos acadêmicos
(ABNT/NBR-14724, agosto 2002). Osasco: Edifieo, 2004. VELLOSO, M. M. Um estudo da idiomatização da construção modal co o verbo dar no protuguês do Brasil. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2007. Disponível em: <http://www.dicionarioweb.com.br/dar.html>. Acesso em: 18 nov. 2011; <http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital&op=loadVerbetepesquisa=1&palavra=dar>. Acesso em: 18 nov. 2011; <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=dar> Acesso em: 18 nov. 2011.
75
GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR
Paulo Sérgio Fernandes FÉLIX¹
Universidade Federal do Ceará
Resumo: Este artigo pretende mostrar, numa abordagem funcionalista, o emprego do verbo dar. Para tanto, observou-se a gramaticalização desse verbo, considerando-se os fatores de tempo verbal, modo verbal, codificação, formas nominais do verbo e tipos de dar. Coletaram-se, para a pesquisa, dados de dois corpora constituídos de usos orais e escritos. Os dados foram analisados conforme os seus contextos. Os resultados das frequências foram organizados em tabelas. Conclui-se que as ocorrências mais significativas foram as da modalidade oral, já que nessa modalidade a ocorrência do verbo dar foi mais frequente. Conclui-se também que o uso frequente de expressões que contêm dar perdem seus elementos, permitindo que esse verbo apareça sozinho na frase. Palavras-chave: Gramaticalização; Funcionalismo; Verbo dar. INTRODUÇÃO
O verbo dar, como outros verbos que apresentam
polifuncionalidade, quando analisados até mesmo de forma superficial,
passa pelo processo de gramaticalização de verbo predicador a verbo-
suporte. Ao analisar frases com dar, percebemos que esse verbo possui
comportamento sintático-semântico, pois ele pode mudar de item lexical
para categoria de elemento gramatical em determinadas situações
discursivas. Além disso, ele também pode tornar-se mais gramaticalizado,
perdendo, desse modo, sua força semântica primitiva, ou seja, o verbo
dar se esvazia semanticamente, apresentando novas funções e
significados. Não podemos, portanto, preconizar o verbo dar como se ele
possuísse apenas a categoria de verbo pleno como o fazem gramáticas e
dicionários portugueses.
O processo de gramaticalização, como não ignoramos, é um
fenômeno linguístico que pode ser vinculado à visão funcionalista de
linguagem. Tal processo pode ser motivado pela frequência de uso de
itens linguísticos. Segundo Bybee (2003), a gramaticalização, fenômeno
linguístico que se mostra unidirecional, além de ser motivada pela
frequência, também origina esta.
76
O uso de uma língua deve ser analisado conforme seu contexto
social, pois devemos considerar os falantes e suas intenções. A
gramaticalização que tem a ver com o uso de formas linguísticas
O artigo objetiva mostrar os resultados de uma pesquisa feita
acerca do verbo dar. Como sabemos, esse verbo apresenta, em diversos
contextos sociais, polifuncionalidade muito relevante para o estudo do
processo da gramaticalização. Procuramos, neste trabalho de âmbito
acadêmico, orientar-nos pela concepção funcionalista de linguagem.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Este trabalho pauta-se na óptica funcionalista (Cunha, Oliveira e
Martelotta, 2003), já que esta acredita que a linguagem é instrumento de
comunicação social. Cremos que é necessário analisar o uso das formas
linguísticas em contextos sociais, isto é, em situações comunicativas. Para
o funcionalismo, corrente linguística que se opõe ao formalismo, o
principal escopo da língua é estabelecer relações comunicativas entre os
falantes.
Como as formas linguísticas podem passar pelo processo de
gramaticalização de acordo com as necessidades de uso da língua,
podemos vincular o estudo de tal processo à visão funcionalista de
linguagem.
Segundo Heine et alii (1991), a gramaticalização é um processo de
transferência de itens lexicais à categoria de elementos gramaticais ou
como um fenômeno de mudança de itens menos gramaticais a itens mais
gramaticais. Muitos autores estão de acordo de que a frequência não é
somente fator motivador para o fenômeno da gramaticalização, mas
também é resultado desta.
METODOLOGIA
Ao escrever este artigo, procuramos, primeiramente, coletar
ocorrências de frases com o verbo dar em dois corpora. Um de Natal e
outro do Rio de Janeiro. Houve textos escritos e falados. Depois,
77
precisamos identificar cada ocorrência coletada. Ao todo, coletamos 50
ocorrências que foram categorizadas conforme as cinco variáveis
seguintes:
1. Tempo verbal 2. Modo verbal 3. Codificação 4. Tipos de dar 5. Formas Nominais do Verbo
ANÁLISE DOS DADOS
Quanto às frequências simples de cada grupo de fatores, elas
foram calculadas para que fosse possível relacionar os fatores entre si.
Analisamos o contexto em que apareceram. O resultado foi organizado em
tabelas.
Os quadros a seguir demonstram a porcentagem dos fatores da pesquisa.
Frequências simples de cada grupo de fatores
(total de ocorrências de dar: 50)
1. Tempo Verbal Ocorrência Porcentagem
1.1. Presente 18 9%
1.2. Pret. perfeito 12 6%
1.3. P. +-q-perfeito 2 1%
1.4. Imperfeito 8 4%
1.5. Fut. Presente 2 1%
1.6. Fut. Pretérito 0 0%
Tabela 1: Fator tempo verbal
2. Modo Verbal Ocorrência Porcentagem
2.1. Indicativo 37 18,5%
2.2. Subjuntivo 6 3%
2.3. Imperativo 0 0%
Tabela 2: Fator modo verbal
78
3. Codificação Ocorrência Porcentagem
3.1. DAR + ORAÇÃO INF 1 0,5%
3.2. DAR UMA + ___-ADA 0 0%
3.3. DAR + SN 38 19%
3.4. DAR + SN ZERO 11 5,5%
Tabela 3: Fator codificação
4. Tipo de DAR Ocorrência Porcentagem
4.1. dar lexical
(=transferência de posse)
14 7%
4.2. dar modal (dar +
oração INF)
1 0,5%
4.3. dar aspectual (dar
uma __ada)
0 0%
4.4. dar discursivo (dar a
SN= expressão fixa)
33 16,5%
4.5. outro 2 1%
Tabela 4: Fator tipos de dar
Formas Nominais do Verbo
Ocorrência Porcentagem
Infinitivo 3 1,5% Gerúndio 4 2%
Tabela 5: Fator Formas Nominais do Verbo
Na tabela 1, percebemos que o tempo verbal que se sobressaiu foi
o presente do indicativo, antecedendo o pretérito perfeito. Quanto ao
futuro do presente e futuro do pretérito, somente o primeiro apareceu nos
dois corpora. Entre pretérito imperfeito e o mais-que-perfeito, este
ocorreu menos que aquele. O pretérito perfeito sobressaiu-se com 3% do
total, enquanto o pretérito mais-que-perfeito teve somente 1% do total
das ocorrências.
79
Pode ser que o destaque do presente seja por causa de uma
análise sincrônica dos corpora. Se a análise fosse diacrônica, talvez outro
tempo verbal se sobressairia.
Na tabela 2, como vemos, o modo indicativo destacou-se com 17%
das ocorrências. Em seguida, sobressaiu-se o modo subjuntivo. O modo
imperativo não apareceu nos corpora.
Apesar de uma análise sincrônica, o modo imperativo não
apareceu nos corpora. A explicação, para tal acontecimento, talvez seja o
fato de termos escolhido mais textos narrativos para nossa investigação.
Como sabemos, o modo indicativo aparece com muita frequência em
textos de caráter narrativo.
Já na tabela 3, percebemos que a maior ocorrência da categoria do
fator codificação dos corpora foi a de DAR + SN com 16,5% do total das
ocorrências. Depois desse resultado, sobressaiu-se DAR + SN ZERO com
5,5%. A categoria DAR + ORAÇÃO INF ocorre somente uma vez,
ocupando 0,5% das ocorrências. A menor ocorrência foi a categoria DAR
UMA + ___-ADA com 0%.
Quanto aos tipos de dar, o dar discursivo se destacou dos outros
com 16,5% do total. O dar lexical ocupou segundo lugar com 7% do total
das ocorrências. Ele foi seguido de um dar que classificamos como outro.
O destaque desse verbo foi de 1%. Depois desse tipo de dar, sobressaiu-
se o dar modal com 0,5% do total. O dar aspectual não demonstrou
nenhuma porcentagem.
Podemos inferir que o dar discursivo ocupou destaque nas
ocorrências por fazer parte da categoria de item gramaticalizado.
Como sabemos, quanto gramaticalizado for um item maior sua ocorrência.
Também sabemos que, segundo Bybee (2003), a frequência é elemento
motivador do processo de gramaticalização verbal.
Na tabela 5, quanto às formas nominais do verbo analisadas, duas
apareceram. Destas, a que teve maior destaque foi a de gerúndio com 2%
das ocorrências, enquanto a forma menos destacada apresentou apenas
1,5% do total.
80
Comparação geral dos fatores entre si
1. Tempo Verbal Ocorrência Porcentagem
1.1. Presente 18 34,5%
1.2. Pret. perfeito 12 23%
1.3. P. +-q-perfeito 2 3,8%
1.4. Imperfeito 8 15,3%
1.5. Fut. Presente 2 3,8%
1.6. Fut. Pretérito 0 0%
Tabela 6: Fator tempo verbal
2. Modo Verbal Ocorrência Porcentagem
2.1. Indicativo 37 71%
2.2. Subjuntivo 6 11,5%
2.3. Imperativo 0 0%
Tabela 7: Fator modo verbal
3. Codificação Ocorrência Porcentagem
3.1. DAR +ORAÇÃO INF 1 1,9%
3.2. DAR UMA + ___ ADA 0 0%
3.3. DAR + SN 38 72,9%%
3.4. DAR + SN ZERO 11 21,1%
Tabela 8: Fator codificação
4. Tipo de DAR Ocorrência Porcentagem
4.1. dar lexical
(=transferência de posse)
14 26,8%
4.2. dar modal (dar +
oração INF)
1 1,9%
4.3. dar aspectual (dar
uma __ada)
0 0%
4.4. dar discursivo (dar a
SN= expressão fixa)
33 63,3%
4.5. Outro 2 3,8%
81
Tabela 9: Fator tipos de dar
Formas Nominais do Verbo
Ocorrência Porcentagem
Infinitivo 3 5,7% Gerúndio 4 7,6%
Tabela 10: Fator Formas Nominais do Verbo
As tabelas 6,7,8,9 e 10 são uma comparação geral dos fatores
entre si. Os resultados dessas tabelas apresentaram igualdade em relação
às tabelas anteriores, visto que os destaques dos fatores permanecem em
sua ordem de hierarquia. Somamos as ocorrências dos fatores entre si. O
resultado da soma obtido foi 192. Depois de somarmos as ocorrências,
tiramos a porcentagem de cada fator e chegamos à conclusão de que não
houve mudança, de modo algum, no destaque dos fatores.
Modalidades escrita e oral dos dados
Modalidade Escrita
1. Tempo Verbal Ocorrência Porcentagem
1.1. Presente 1 0,5%
1.2. Pret. perfeito 2 1%
1.3. P. +-q-perfeito 0 0%
1.4. Imperfeito 0 0%
1.5. Fut. Presente 0 0%
1.6. Fut. Pretérito 0 0%
Tabela 11: Fator tempo verbal
2. Modo Verbal Ocorrência Porcentagem
2.1. Indicativo 3 1,5%
2.2. Subjuntivo 0 0%
2.3. Imperativo 0 0%
Tabela 12: Fator modo verbal
3. Codificação Ocorrência Porcentagem
3.1. DAR +ORAÇÃO INF 0 0%
82
3.2. DAR UMA +___ADA 0 0%
3.3. DAR + SN 5 2,5%
3.4. DAR + SN ZERO 0 0%
Tabela 13: Fator codificação
4. Tipo de DAR Ocorrência Porcentagem
4.1. Dar lexical
(=transferência de posse)
4 2%
4.2. Dar modal (dar +
oração INF)
0 0%
4.3. Dar aspectual (dar
uma __ada)
0 0%
4.4. Dar discursivo (dar a
SN= expressão fixa)
1 0,5%
4.5. Outro 0 0%
Tabela 14: Fator tipos de dar
Formas Nominais do Verbo
Ocorrência Porcentagem
Infinitivo 2 1% Gerúndio 0 0%
Tabela 15: Fator Formas Nominais do Verbo
As tabelas 11,12,13,14 e 15 apresentam os resultados da
modalidade escrita dos corpora. As próximas tabelas apresentarão os
resultados da modalidade oral, modalidade também analisada por nós.
Na tabela 11, observamos que o tempo verbal que se destaca é o
pretérito perfeito. Esse resultado se distingue do resultado da tabela 1 em
que o tempo que se sobressai é o presente. Em relação a este tempo, ele
ocorre em segundo lugar. Outros tempos verbais não possuem ocorrência
na tabela 11. Quanto ao tempo verbal em destaque, encontramos a
seguinte frase:
(1). “Ela foi até a mesa e me deu outra prova”.
83
Na tabela 12, o modo indicativo é destaque. Os outros modos não
aparecem. Como foi dito antes acerca do modo indicativo, pode ser que
esse resultado se deva ao fato de nos corpora existirem textos narrativos.
Podemos exemplificar o que foi dito com a seguinte frase dos corpora:
(2). “Chegando na escola, a professora começou a dar a prova
para todos”.
Na tabela 13, aparece, somente, a categoria DAR + SN. Esse
resultado apenas demonstra a frequência de ocorrência que essa
categoria possui tanto em textos orais quanto em escritos. Os resultados
da análise que fizemos confirmam isso. Exemplificando, temos:
(3). “eu quero que você me dê... sua opinião sobre... ou namoro...
amizade... religião... né?”.
Os resultados da tabela 14 mostram somente dois tipos de dar, o
lexical, o mais destacado, e o discursivo. Este ocorre muito na fala. Por
isso, apresentou-se com pouca frequência na modalidade escrita.
Esse resultado revela que a modalidade é fator relevante para a
ocorrência ou não da frequência de um item. Tal resultado contrariou a
hipótese de que quanto mais gramaticalizado for um item maior sua
frequência de ocorrência em relação a itens lexicais (BYBEE, 2003).
Na fala, podemos dar o seguinte exemplo:
(4). “Eu acho que não estão dando prioridade à escola nenhuma
para os alunos.”
Exemplificando o dar lexical, temos:
84
(5). “E de repente, eu fiquei por último, e a professora não tinha
mais prova para me dar.”.
Na tabela 15, das formas nominais verbais analisadas, somente o
infinitivo apareceu. Esse resultado se diferencia do da tabela 5 em que a
forma nominal verbal gerúndio se sobrepõe à forma nominal verbal
infinitivo. O exemplo pode ser o que se segue: “E de repente, eu fiquei
por último, e a professora não tinha mais prova para me dar.”.
Modalidade Oral
1. Tempo Verbal Ocorrência Porcentagem
1.1. Presente 17 8,5%
1.2. Pret. perfeito 10 5%
1.3. P. +-q-perfeito 2 1%
1.4. Imperfeito 8 4%
1.5. Fut. Presente 2 1%
1.6. Fut. Pretérito 0 0%
Tabela 16: Fator tempo verbal
2. Modo Verbal Ocorrência Porcentagem
2.1. Indicativo 34 17%
2.2. Subjuntivo 6 3%
2.3. Imperativo 0 0%
Tabela 17: Fator modo verbal
3. Codificação Ocorrência Porcentagem
3.1. DAR + ORAÇÃO INF 1 0,5%
3.2. DAR UMA + ___ADA 0 0%
3.3. DAR + SN 33 16,5%
3.4. DAR + SN ZERO 11 5,5%
Tabela 18: Fator codificação
4. Tipo de DAR Ocorrência Porcentagem
85
4.1. Dar lexical
(=transferência de posse)
10 5%
4.2. Dar modal (dar +
oração INF)
1 0,5%
4.3. Dar aspectual (dar
uma __ada)
0 0%
4.4. Dar discursivo (dar a
SN= expressão fixa)
32 16%
4.5. Outro 2 1%
Tabela 19: Fator tipos de dar
Formas Nominais do
Verbo
Ocorrência Porcentagem
Infinitivo 1 0,5%
Gerúndio 4 2%
Tabela 20: Fator Formas Nominais do Verbo
Os resultados da tabela 16 opõem-se aos da tabela 11. Nesta, o
tempo verbal que se sobressai é o pretérito perfeito, enquanto naquela o
tempo verbal em destaque é o presente. Essa diferença pode ser por
causa das modalidades expressivas em análise.
Analisando dados escritos e falados de um corpus, percebemos que
sempre aparecem diferenças entre uma modalidade expressiva e outra.
Ao analisar os corpora para este artigo, tivemos que considerar o contexto
em que seus elementos apareceram, visto que o mesmo pode influenciar
nos resultados.
A tabela 16 também se diferencia da tabela 11 por apresentar
ocorrências em outros tempos verbais. Apesar disso, as tabelas 16 e 11 se
assemelham com relação aos tempos verbais presente e pretérito
perfeito, já que ambos os tempos se destacam em relação aos outros.
Na tabela 17, podemos observar a sobreposição do modo indicativo
ao modo subjuntivo. Talvez, isso aconteceu por ser o modo indicativo
preferido nas modalidades escrita e falada. O indicativo se destaca tanto
86
na análise dos corpora falados quanto na dos corpora escritos. No
entanto, ao analisar as duas modalidades, observamos que o indicativo da
modalidade oral se sobrepõe ao da modalidade escrita. Talvez, por serem
corpora distintos, a ocorrência não tenha sido quantativamente igual.
Devemos levar em conta a quantidade dos corpora escritos e falados se
quisermos analisar bem, visto que a diferença quantitativa pode
influenciar o resultado dos dados.
Na tabela 18, a categoria do fator codificação que se destaca é a de
DAR + SN, seguida da de DAR + SN ZERO. Essa categoria tem destaque
tanto na modalidade oral quanto na escrita. O seu destaque, nos corpora
em análise, pode ser pelo fato de ela sempre aparecer, no estudo da
gramaticalização, como forma prototípica. Sabemos que quanto mais
gramaticalizado é um item maior é sua frequência.
(6). “quando dou conta ele estava dando um maior show lá na
frente...”.
Esse exemplo apresenta a expressão “dou conta” que foi
classificada como DAR + SN.
Quanto a DAR + SN ZERO, sua ocorrência ocupou segundo lugar
nos corpora. Pudemos observar que os elementos que vêm depois do
verbo dar nessa categoria são subentendidos. Talvez, o uso excessivo de
expressões com dar explique esse acontecimento.
(7). “... era um namoro assim... muito... no dia que dava... dava...
no dia que num dava... num dava...”
Percebemos que o termo certo estava implícito nessa frase.
Os resultados na tabela 19 demonstram que o dar discursivo e o
dar lexical se assemelham em relação a destaque. No entanto, ao analisar
esses tipos de verbo, nas duas modalidades expressivas da língua,
87
podemos perceber que o primeiro ocorre mais que o segundo em relação
à modalidade oral. Isso se deve ao fato de o primeiro aparecer com maior
frequência nessa modalidade.
Na tabela 20, as formas nominais do verbo diferenciaram-se das da
tabela 15. Enquanto nesta o infinitivo se sobressaiu, naquela, o gerúndio
teve destaque maior. Ambas as tabelas não apresentaram o imperativo.
“dando o maior show... não vou sair com ele não...”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observamos que o verbo dar, em quase todas as suas categorias
fatoriais ocorreu com mais frequência na modalidade oral da língua.
Quanto à modalidade escrita, percebemos que o verbo dar como
discursivo apareceu pouco, já que ele é mais recorrente na modalidade
oral linguística. No entanto, notamos que, nas duas modalidades
analisadas, o modo imperativo não ocorreu de modo algum. Podemos
concluir, com esses resultados, que o contexto das ocorrências foi
relevante para nossa pesquisa. Concluímos também que a modalidade
também é fator importante para a ocorrência da frequência de um item.
A investigação das ocorrências do verbo dar possibilitou a
percepção do comportamento sintático-semântico desse verbo. Pudemos
observar que dar, ao ser usado muitas vezes com elemento que não
pertence à classe gramatical substantivo, aparece sozinho.
Outras pesquisas podem ser relevantes para o estudo do processo
da gramaticalização. A investigação não se exaure aqui. Ela deve ser
continuada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BYBEE, Joan. Mechanisms of change in grammaticization: the role of frequency. In: Joseph, Brian & Janda, Richard(eds). A handbook
88
of historical linguistics. Blackweel, 2003, p. 602-623. FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica; OLIVEIRA, Mariangela Rios de; MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Lingüística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. HEINE, Bernd et alii. Grammaticalization: a conceptual framework. Chicago: University of Chicago Press, 1991.
89
A GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR NO PRESENTE E
NO PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO
Leidimara Soares BATISTA15
Leila Mara Martins VIANA16
Resumo: A gramaticalização é um fenômeno que ocorre nas línguas naturais contribuindo para a variação e para a mudança lingüística. O presente trabalho tem por objetivo analisar a gramaticalização pela qual passa o verbo dar nos tempos presente e pretérito perfeito do indicativo. Para fundamentar nossa pesquisa utilizamos autores que caracterizaram e analisaram o processo de gramaticalização como: Mario Eduardo Martellota, Luis Carlos Travaglia; Giselle Aparecida Toledo Esteves. Ao analisarmos nosso corpus observamos que o verbo dar na maioria dos contextos, de fala, perdeu sua função inicial de designador do processo de transferência de posse para a função de verbo auxiliar, complementando o sentido funcional da sentença à qual está inserido. Este processo, entretanto, ocorreu de maneira mais frequente no pretérito perfeito. Palavras-chave: Gramaticalização, Dar, Presente, Pretérito Perfeito. Abstract: The grammaticalization is a phenomenon that occurs in natural languages contributing to the variation and linguistic change. This study aims to analyze the grammaticalization of the verb to give in the present and past perfect tenses.To support our research we used authors who characterize and analyze the process of grammaticalization as: Mario Eduardo Martellota, Luis Carlos Travaglia, and Giselle Aparecida Toledo Esteves. In analyzing our corpus to observe that the verb to give, in most of the speech contexts, lost its initial function of designator of the transferring process to the function of the auxiliary verb, complementing the functional sense of the sentence to which it belongs. This process, however, occurred more frequently in the past tense.
Keywords: Grammaticalization, To give, Present, Past Perfect.
Introdução
Saussure, em seu Curso de Linguística Geral (1916), afirma que a
língua é uma instituição social, ou seja, uma convenção adotada pelo
corpo social. Ao aceitarmos essa afirmação como um fato, podemos tecer
algumas considerações sobre a língua baseando-nos nas outras estruturas
15Graduanda em Letras-Espanhol da Universidade Federal do Ceará. Pacajus-Ce.
16Graduanda em Letras-Português da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-Ce.
90
sociais. As mais importantes delas seriam: as variações que as línguas
teriam, de sociedade para sociedade, e as mudanças que elas sofreriam
com a passagem do tempo, já que como organismos vivos as sociedades
tendem a evoluir levando essa evolução para todos os níveis de sua
organização.
O fenômeno de gramaticalização é, portanto, um dos processos
que manifestam esse aspecto não-estático da língua e, por conseguinte,
da gramática, entendida como o conjunto de regularidades encontradas
nas línguas naturais, decorrentes de seu uso. Esse processo ocorre de
duas maneiras: a primeira denominada stricto sensu, responsável pelas
mudanças discursivas do léxico para a gramática e a latu sensu, que
explica as mudanças que ocorrem dentro da própria gramática (FURTADO
DA CUNHA; OLIVEIRA; MARTELLOTA, 2003).
(1) Maria andou até sua casa.
(2) Maria anda muito triste ultimamente.
Ao analisarmos as sentenças acima observamos que na primeira
oração, o verbo andar está em sua forma plena, designando o
deslocamento espacial de alguém, Maria, para algum lugar, sua casa. Já
na segunda oração, o deslocamento apresentado pelo verbo refere-se ao
estado do sujeito. Esta acumulação de funções, deslocamento espacial e
de estado, ocorre primeiramente no discurso e devido a sua regularidade
e frequência se converte em norma e adentra a gramática.
Neste trabalho focaremos nossas pesquisas na gramaticalização do
verbo dar nos tempos presente e pretérito perfeito do indicativo, já que
este verbo, dependendo do contexto de fala, muda de verbo predicador
pleno, cuja função é designar transferência de posse, para verbo suporte
destituído de autonomia, já que a força semântica está no componente
não verbal.
91
Utilizaremos em nossa investigação amostras orais do Português,
do século vinte, das cidades de Recife e São Paulo retiradas do Corpus do
Português online.
Fundamentação Teórica
O estudo do fenômeno da gramaticalização não é algo novo dentro
dos estudos funcionalistas. Ao longo do tempo, diversos teóricos
empreenderam estudos acerca deste processo de variação e mudança
linguística. Nosso trabalho fundamenta-se nos estudos de alguns desses
teóricos.
De acordo com Heine et al. (1991) apud Esteves (2008), o
fenômeno da gramaticalização pode ser compreendido como um processo
de transferência de itens lexicais à categoria de elementos gramaticais ou
como um fenômeno de mudança de itens menos gramaticais a itens mais
gramaticais.
Através desse processo, itens lexicais e construções sintáticas
passam a assumir funções referentes à organização interna do discurso ou
a estratégias comunicativas. Assim, identificamos o fenômeno da
mudança associado ao contexto comunicativo.
Ao centrarmos nossa pesquisa na gramaticalização do verbo dar,
um novo campo teórico se abre, uma vez que, outros pesquisadores
trataram desse tema especificamente. Travaglia (2003) apesar de não ter
se fixado no verbo em questão trouxe grandes contribuições com seus
estudos sobre as mudanças sofridas pelos verbos. Para ele os verbos
gramaticais são resultado de um processo de mudança lingüística, mais
amplo, chamado gramaticalização.
O referido autor, voltando atenção para a gramaticalização dos
verbos, chama de verbos gramaticais aqueles cuja função primeira não é
expressar situações (ações, fatos, fenômenos, estados, eventos, etc) e
sim marcar categorias verbais, exercendo funções ou papéis discursivo-
textuais determinados, indicando noções bastante gerais e abstratas tais
como resultatividade, cessamento, repetição, atribuição, etc.
92
Outra contribuição muito importante sobre o tema de nossa
pesquisa foi a de Esteves (2008), que estudou a gramaticalização do
verbo dar em seus artigos. Em um deles expôs quatro categorias do
verbo em questão: verbo predicador pleno, verbo predicador não-pleno,
verbo predicador a verbo-suporte e verbo suporte. Sendo a categoria
“verbo predicador pleno” a mais lexical e “verbo suporte” a mais
gramatical.
Nos contextos comunicativos, os verbos tanto podem manter seu
papel pleno ao expressar situações quanto, abandonando esse papel,
expressar novas funções, passando, portanto, pelo processo de
gramaticalização.
Gramaticalização do verbo dar: Verbo pleno a verbo suporte
O verbo dar originalmente em língua portuguesa é autônomo, ou
seja, independe de outros para apresentar um sentido completo. Também
apresenta por função a de marcador de transferência de posse. Essas
características podem ser percebidas facilmente no exemplo abaixo:
(3) uma roupa é - né? - ou que está faltando um pão e você dá
um um pão a ela? - é uma alegria bacana - a gente se (224
19Or:Br:LF:Recf).
Entretanto, na sentença abaixo observamos uma mudança na
função exercida pelo verbo:
(4) que chama -se - em português chama-se boldo parece é uma
planta que dá uma seiva açucarada - da qual se faz uma rapadura que
aliás é deliciosa e (493 19Or:Br:LF:SP).
Neste caso o verbo dar perde sua noção de transferência tornando-se apenas um suporte do elemento não-verbal que ele acompanha.
O “verbo-suporte” [...]. Partilha com o elemento não-verbal a função de atribuir papel temático ao(s) argumentos do predicado complexo, porém a força léxico-semântica do predicado complexo resultante dessa operação está no componente não-verbal. (ESTEVES, 2008. p. 11).
93
Metodologia
No intuito de verificar os valores e o grau de gramaticalização do
verbo dar, analisamos o corpus do Português online e selecionamos
ocorrências de fala de Recife e de São Paulo, totalizando 100 ocorrências.
Tais ocorrências apresentam o verbo dar conjugado no Pretérito Perfeito e
no Presente do Indicativo.
Na categorização dos dados, consideramos as seguintes variáveis:
tempo verbal; codificação do verbo dar e tipo de dar. A categoria modo
verbal foi desconsiderada, pois ambos os tempos utilizados em nossa
análise são do modo indicativo.
Examinamos nossas amostras separadamente: primeiro o pretérito
perfeito e depois o presente. Em seguida, criamos tabelas para mostrar
nossos resultados nas categorias codificação e tipo de dar.
Posteriormente, relacionamos essas categorias entre si, para então
cruzarmos os resultados dos dois tempos pesquisados.
Análise dos dados
Verbo dar no Pretérito Perfeito
Ao analisarmos as ocorrências, nas quais o verbo dar aparece no
pretérito perfeito do indicativo, nas variáveis codificação e tipo de dar,
conseguimos os seguintes resultados:
Análise da codificação
1. A estrutura DAR+SN foi predominante visto que apareceu em
quarenta e duas das cinqüenta ocorrências analisadas;
2. A estrutura Dar + Uma + ____ -ADA apresentou uma única
ocorrência no corpus selecionado;
3. 14% das orações apresentaram a codificação de Dar + Oração
Infinitiva.
Tabela 01: Codificação dos dados
PRETÉRITO PERFEITO DO
INDICATIVO
94
Dar + SN
84% 42/50
Dar + UMA + __-
ADA
2% 1/50
Dar + Oração
Infinitiva
14% 7/50
Observamos que tais estruturas influenciam na classificação do tipo
de dar e que a estrutura predominante (DAR+SN) relaciona-se com o
verbo dar quando este atua como verbo suporte e como verbo pleno.
Exemplos
(5) de cabeça muito intelectual - sabe? - com doze anos meu pai
me deu a coleção de Jorge Amado - sabe? esse lance de inglês meu
pai queria (146 19Or:Br:LF:Recf)
(6) do mundo - certo? mas esse por exemplo Todas as mulheres do
mundo já deu origem a uma série de filmes aí - infelizmente não
puderam acompanhar o mesmo padrão (188 19Or:Br:LF:SP)
Nos exemplos, a estrutura DAR+SN é identificada por “deu a
coleção de Jorge Amado” e “deu origem”. Na ocorrência 5 o verbo dar
mantém o significado de transferência de posse diferentemente da
ocorrência 6, na qual observamos um afastamento desse significado
pleno, resultando na estrutura DAR+SN com verbo suporte.
Análise dos Tipos do verbo Dar no Pretérito Perfeito do Indicativo
Ao analisarmos os Tipos de Dar no corpus utilizado para a
pesquisa, encontramos os seguintes resultados:
1. Das cinquenta amostras analisadas 58% são categorizadas como
dar discursivo;
2. O dar modal sobrepõe-se ao dar lexical aparecendo em 12% das 50
amostras;
3. O dar aspectual foi encontrado em apenas uma ocorrência,
representando 2% do total:
95
(7) pode ser criticado por todo mundo - uma criança que deu
uma risada é que ela gostou da peça você se sente feliz acabou –
(195 19Or:Br:LF:SP)
4. A porcentagem de 20% da categoria outro se refere as dez
ocorrências que não foram enquadradas nas variáveis determinadas
anteriormente.
Tabela 02: Tipo de Dar
Relações entre a Codificação e os Tipos de Dar no Pretérito Perfeito do
Indicativo
Tabela 3: Relação entre a estrutura Dar+ SN e Tipos de Dar
A partir dessa relação, observamos que a estrutura DAR+SN
favorece, principalmente, a existência do dar lexical e do dar discursivo.
Tabela 4: Relação entre a estrutura Dar+ Or. Infinitiva e Tipos de Dar
PRETÉRITO PERFEITO
DO INDICATIVO
Dar Lexical 8% 4/50
Dar Modal 12% 6/50
Dar
Aspectual
2% 1/50
Dar
Discursivo
58% 29/50
Outro 20% 10/50
Dar + SN
Dar Lexical 4/42
Dar Modal 0/42
Dar Aspectual 0/42
Dar Discursivo 28/42
Outro 10/42
Dar + Or. Infinitiva
Dar Lexical 0/7
Dar Modal 6/7
Dar Aspectual 0/7
96
Compreendemos que, nas situações comunicativas de fala do
pretérito perfeito, o verbo dar afasta-se do seu significado pleno, pois não
transmite a idéia de transferência de posse. Assim podemos observar no
seguinte exemplo:
Ex. – (8) dar saída que ele vai lá em cima mesmo - e o rapaz
simplesmente deu primeira no carro e foi embora - né? e fomos todos lá
dentro – (156 19Or:Br:LF:Recf).
É importante ressaltar que o dar discursivo pode ser substituído
por outra palavra. No caso do exemplo acima, poderíamos substituir deu
por “engatou”, o que nos mostra a ausência do significado pleno de
transferência de posse.
Verbo dar no Presente do Indicativo
Ao analisarmos as amostras das construções oracionais em que o
verbo dar aparece no presente do indicativo nas categorias de codificação
e tipo de dar, obtivemos os seguintes resultados:
Análise da codificação do verbo dar no presente do indicativo
1. Das cinquenta orações examinadas no presente do indicativo a
maior frequência, trinta e quatro delas, apresentaram a estrutura
Dar+SN.
(9)” - um dá uma conotação mais ativa e outra mais passiva
à participação - um fica muito mais”.(202 19Or:Br:LF:Recf)
2. A estrutura Dar + Uma + ____ -ADA não apresentou nenhuma
ocorrência no corpus selecionado;
Dar Discursivo 1/7
Outro 0/7
97
3. 32% das orações apresentaram uma estruturação de Dar + Oração
Infinitiva.
(10) “? - rosbife - presunto - embora eu goste muito de mortadela
- agora não dá mais pra comer muito nâo porque - fica é muito pesada
né? – mortadela.” ( 591 19Or:Br:LF:SP)
Tabela 5: Codificação do verbo Dar
Podemos inferir desses resultados que nos contextos comunicativos
os falantes dão prioridade à utilização da estrutura: Dar + SN. Sendo que,
nesta forma o verbo dar apresenta como função a de verbo suporte, já
que toda a carga semântica está concentrada no elemento posterior a ele.
(11)- que alguém já colocou em automóvel várias pessoas já
colocaram - e: dizem dá um bom rendimento - inclusive com economia
até superior a do álcool - é verdade(209 19Or:Br:LF:Recf)
Na oração acima o verbo dar destituído de sua noção de
transferência perde também sua autonomia, pois toda a força léxico-
semântica está no elemento não-verbal: “bom rendimento”.
Análise dos Tipos do verbo Dar no presente do Indicativo
Ao analisarmos os Tipos de Dar presente no corpus utilizado para a
pesquisa encontramos os seguintes resultados:
1. Das cinquenta amostras analisadas 48% são categorizadas como
dar discursivo;
2. O dar modal foi encontrado em apenas 16 ocorrências,
contabilizando 32% do total;
3. O dar lexical apareceu em 8 das 50 amostras;
4. O dar aspectual não foi categorizado em nenhuma das sentenças;
PRESENTE DO INDICATIVO
Dar + SN
68% 34/50
Dar + UMA + ____-
ADA
0% 0/50
Dar + Oração Infinitiva 32% 16/50
98
Tabela 6: Tipo de Dar
Nossos resultados demonstram uma preferência do falante na
utilização em seus contextos comunicativos da tipologia dar discursivo.
Essa frequência pode ser explicada pela ampliação semântica do referido
verbo, que essa categoria proporciona.
Observação:
Das amostras investigadas duas no presente e dez no pretérito
perfeito não puderam ser enquadradas nas categorias estudadas, já que o
verbo dar mantém nestas ocorrências sua noção de transferência, porém
relacionada com elementos abstratos que não estão de fato na posse do
falante. Vale ressaltar que todas estas ocorrências deram-se na estrutura
Dar+SN.
(12) porque mae trabalhando pai trabalhando os filhos ficam
entregue - a empregadas - é não dá aquele amor né? - exato então as
crianças a e a futura juventude futuros(214 19Or:Br:LF:Recf).
(13) ninguém - liga não - vai uma senhora com uma criança uma
senhora grávida ninguém dá mais o lugar não - cada um que se cuide -
é um por si (219 19Or:B r:LF:Recf).
(14) mas - para mim o - que eu faço atingiu lógico está - me deu
visão ampla eu - hoje eu - leio um jornal eu sei o que eu (185
19Or:Br:LF:SP).
PRESENTE DO
INDICATIVO
Dar Lexical 16% 8/50
Dar Modal 32% 16/50
Dar
Aspectual
0% 0/50
Dar
Discursivo
48% 24/50
Outro 4% 2/50
99
(15) enorme - só que a gente não estudou - mas é um dom que
Deus deu - porque eu mesma - não seria capaz de passar bem uma
roupa – só (154 19Or:Br:LF:Recf).
Relações entre a Codificação e os Tipos de Dar no Presente do Indicativo
Ao relacionarmos a estrutura Dar+SN com os tipos de dar
observamos uma predominância da categoria dar discursivo sobre as
demais. Já que, vinte e quatro amostras das trinta e quatro desta
estrutura apresentaram esse tipo de verbo restando apenas dez
ocorrências para as demais categorias, como nos mostra a tabela abaixo:
Tabela 7: Relação entre a estrutura Dar+ SN e Tipos de Dar
Se nos detivermos na análise da estrutura Dar + Oração Infinitiva
obteremos um resultado completamente diferente. Esta estrutura não
apresenta variação nos tipos de dar presente nas sentenças, já que, ao
contrário da estrutura anterior essa codificação apresentou um único tipo
de dar nas 16 amostras analisadas: dar modal.
Tabela 8: Relação entre a estrutura Dar+ Oração Infinitiva e Tipos de Dar
Dar + SN
Dar Lexical 8/34
Dar Modal 0/34
Dar Aspectual 0/34
Dar Discursivo 24/34
Outro 2/34
Dar + Or. Infinitiva
Dar Lexical 0/16
Dar Modal 16/16
Dar Aspectual 0/16
Dar Discursivo 0/16
Outro 0/16
100
Podemos concluir então que a estrutura Dar+SN favorece o
aparecimento do dar discursivo, enquanto que a estrutura Dar+Or.
Infinitiva condiciona a presença da variação dar modal.
Relação entre o Presente e o Pretérito Perfeito do Indicativo
Ao compararmos os dados obtidos com as análises dos tempos
estudados constatamos os seguintes resultados:
1. Com relação à codificação a estrutura Dar+SN predomina nas
ocorrências dos dois tempos verbais. Sendo que a presença no
pretérito perfeito é superior a do presente como podemos observar
nas tabelas 1 e 5.
2. No que se refere ao tipo de dar encontramos as cinco categorias no
pretérito perfeito destacando-se a categoria dar discursivo, 58%
(tabela 2). Tal destaque ocorre também no presente do indicativo,
48% (tabela 6), porém nas ocorrências deste tempo a categoria dar
aspectual não foi encontrada.
3. Ao fazermos o cruzamento das variáveis “codificação e tipo de dar”,
constatamos que:
a. A estrutura Dar+Sn encontra-se mais relacionada ao dar discursivo
tanto no presente quanto pretérito perfeito do indicativo, tabelas 3 e
7.
b. A estrutura Dar+Oração Infinitiva está associada ao dar modal
sendo predominante tal relação nos dois tempos verbais uma vez
que há apenas uma ocorrência, no pretérito perfeito, com tal
estrutura relacionada ao dar discursivo.
Considerações Finais
O presente estudo nos possibilitou reafirmar e comprovar as
características do fenômeno da gramaticalização, principalmente, no que
se refere ao fato de tal fenômeno manifestar o caráter não-estático da
língua.
101
Observamos que o tipo de “dar lexical” está relacionado com o
conceito de verbo predicador pleno, visto que as ocorrências com o dar
lexical refletiam o significado de transferência posse.
Seguindo essa relação, constatamos que há um afastamento desse
significado pleno, quando identificamos, inicialmente, sentenças que
apresentavam o verbo dar com um significado de transferência de posse
de elementos abstratos.
Esse distanciamento foi totalmente constatado nas ocorrências que
apresentam o “dar discursivo”, uma vez que havia possibilidades de
substituição do verbo dar por outra expressão.
Relacionamos o dar discursivo, associado à estrutura DAR+SN,
com o conceito de verbo-suporte, pois nas sentenças com tal tipo de dar
verificamos a perda de autonomia desse verbo e uma concentração de
força léxico-semântica no elemento não-verbal.
É importante ressaltar que tais observações ocorrem nos contextos
de fala do Presente e do pretérito Perfeito do Indicativo. Podemos então
reafirmar uma das características do processo do processo de
gramaticalização: um processo de mudança que ocorre do discurso para a
gramática.
Convergimos assim com pesquisadores do assunto, citados no
presente trabalho, que também mostram a perda da autonomia do verbo
dar e reafirmam os aspectos da gramaticalização. Por isso, nossa
pesquisa contribui para dar continuidade ao estudo da gramaticalização do
verbo dar.
Reconhecemos que diante da análise de um corpus recortado, o
presente estudo, posteriormente, pode ser ampliado para aumentar as
contribuições ao assunto pesquisado.
REFERÊNCIAS
COSTA, Marcos Antonio; CEZARIO, Maria Maura. Pressupostos teóricos fundamentais. In: FURTADO DA CUNHA, M.A., OLIVEIRA, M.R., MARTELOTTA, M.E. Linguística Funcional:
teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. P89-121.
102
ESTEVES. Giselle Aparecida Toledo. A Gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo suporte. In: Cadernos do CNLF, vol. XI, n° 12. Rio de Janeiro: CIFEFIL, 2008. MARTELOTTA, M.E. A mudança lingüística. In: FURTADO DA CUNHA, M.A.,OLIVEIRA, M.R. MARTELOTTA, M.E. Linguística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. P57-71. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995. 279 p. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Gramaticalização de verbos. In: HENRIQUES, Claudio Cezar. (Org). Linguagem, conhecimento e aplicação: estudos de língua e linguística. 1ª ed. Rio de Janeiro: Europa, 2003. P.306-321
103
ANÁLISE SINCRÔNICA DA GRAMATICALIZAÇÃO DO
VERBO DAR
Janne Maria Carvalho MESQUITA17 Sayonara Bessa CIDRACK18
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de gramaticalização do verbo dar do Português falado no Brasil, de forma a verificar se a ocorrência do uso do verbo aqui em destaque se dá de maneira lexical, modal, aspectual ou discursiva. A metodologia nele desenvolvida utiliza como base os autores: Esteves (2008), Ferreira (2007), Furtado da Cunha (2008), Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003). Os resultados sinalizam para o fato de que a maior frequência do uso do verbo dar ocorre de modo discursivo. Concluímos, portanto, que o verbo aqui destacado perde a sua carga semântica principal e assume outros sentidos, passando a funcionar como verbo suporte para a expressão posterior. Palavras-chave: análise sincrônica, gramaticalização, verbo dar. Abstract: The following aims to analyze the grammaticalization process of the verb to give as it spoken in Brazil, verifying if the occurrence of its use takes so prominent lexical, modal, aspectual or discourse. The methodology developed uses the following authors as basis: Esteves (2008), Ferreira (2007), Furtado da Cunha (2008), Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003). The results points to the fact that verb to give uses more frequently the discourse form. We conclude that the verb to give loses its meaning semantic and admits others meanings, acting like a support verb. Keywords: synchronic analysis, grammaticalization, to give.
Introdução
O estudo funcionalista trata a língua como instrumento de
interação social, na qual a língua é fluida e flexível, ou seja, ela passa por
transformações ao decorrer do tempo, pois possui um caráter dinâmico,
heterogêneo e variável.
Um dos fenômenos estudados no Funcionalismo é a
gramaticalização dos verbos, processo que se dá quando um verbo perde
sua função primeira e passa a ser usado de forma fixa, ou seja, mais
gramatical.
Tal fenômeno é discutido no presente trabalho que tem por
objetivo analisar o processo de gramaticalização do verbo dar no
17 Graduanda do Curso de Letras com Habilitação em Português e Literaturas pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. [email protected]. 18 Graduanda do Curso de Letras com Habilitação em Português e Literaturas pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. [email protected].
104
Português falado nas capitais Recife e São Paulo, a partir de um estudo
sincrônico, verificado no século XX.
O verbo dar é frequentemente utilizado no Português falado
brasileiro com o significado de ceder, entregar ou oferecer algo a alguém.
No entanto, em outras ocasiões, ele perde o seu significado pleno e passa
a assumir outras funções menos lexicais e cada vez mais gramaticais.
As hipóteses sinalizam para o fato de que as maiores ocorrências
dos tipos do verbo dar manifestam-se de maneira lexical (transferência de
posse), modal (dar + oração infinitiva), aspectual (dar uma ___ada) e
discursiva (dar + sintagma nominal = expressão fixa).
Fundamentação Teórica
Em contextos de interação social é possível verificar a
polifuncionalidade do verbo dar no português falado e o surgimento de
novas categorias funcionais. Partindo do pressuposto de que o objetivo
essencial da língua é permitir relações comunicativas entre os falantes,
devemos explorar seu uso no plano discursivo (ESTEVES, 2008).
O verbo dar possui diferentes características, pois quanto mais
assume a forma gramaticalizada, maior será a frequência de ocorrência,
sendo que esta deve acontecer regularmente no sistema da língua
portuguesa (ESTEVES, 2008).
Ferreira (2007) cita em sua tese intitulada “Gramaticalização e
auxiliaridade: um estudo pancônico do verbo chegar” que Meillet (1912)
considera a expressividade e o uso como fatores responsáveis pela
mudança linguística;; destacando que o Autor define “o termo
‘gramaticalização’, como a ‘atribuição de característica gramatical a uma
palavra anteriormente autônoma’”. (MEILLET, 1912 apud FERREIRA,
2007, p. 46)
No âmbito funcional “a gramaticalização e a discursivização são
fenômenos associados aos processos de regularização do uso da língua.
Ou seja, relacionam-se à variação e à mudança lingüísticas” (FURTADO
DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003, p. 49-50).
105
O processo de gramaticalização segue o princípio de
unidirecionalidade, pois se direciona em um único sentido, não voltando a
sua ação inicial, ou seja, “segundo o qual itens lexicais e construções
sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções
gramaticais, e uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas
funções gramaticais” (FURTADO DA CUNHA, 2008, p. 173).
Outro princípio significativo para o estudo de gramaticalização é a
descategorização, Ferreira (2007) baseada em Hopper (1991) afirma que
este princípio refere-se à diminuição ou perda do estado categorial dos itens gramaticalizados. Por exemplo, um verbo, quando lexical, tem propriedades sintáticas e semânticas, como o número de argumentos implicados, a categoria morfossintática e a função semântica desses argumentos, além das restrições de seleção para sua realização lexical. Quando se gramaticalizam, os verbos assumem atributos das categorias secundárias e perdem a propriedade de, por exemplo, selecionar argumentos com os quais vão se combinar. (HOPPER, 1991 apud FERREIRA, 2007, p. 59)
Portanto, utilizaremos os conceitos aqui abordados como base para
a investigação das ocorrências mais frequentes em nossa análise.
Metodologia
A presente pesquisa é classificada como exploratória, cujo objetivo
de análise consiste na identificação da gramaticalização do verbo dar no
presente e no pretérito perfeito do modo indicativo do Português falado
em Recife e em São Paulo, durante o século XX.
Foram analisadas cem ocorrências, retiradas do Corpus do
Português Online, dos usos do verbo em questão, divididos da seguinte
forma: vinte e cinco no presente e vinte e cinco no pretérito perfeito,
ambos do modo indicativo em Recife, e as mesmas quantidades, nos
mesmos tempos e modo verbal em São Paulo.
Utilizamos como base para a nossa pesquisa os autores: Esteves
(2008), Ferreira (2007), Furtado da Cunha (2008), Furtado da Cunha,
Costa e Cezario (2003).
106
O exame dos dados observados no decorrer de nossa análise será
apontado na próxima seção, de modo a analisar as ocorrências do verbo
dar.
Análise do Corpus
Para cumprir com o nosso objetivo, no que diz respeito à
metodologia, utilizamos uma pesquisa exploratória e avaliamos a
gramaticalização do verbo dar no português falado no Brasil, destacando
as maiores ocorrências desse verbo, mostrando de que maneira (lexical,
modal, aspectual e discursiva) ele mais se manifesta.
A tabela abaixo exemplifica o modo selecionado para a divisão das
ocorrências analisadas, a fim de obter os resultados previstos na nossa
introdução.
Tabela 1: Divisão das ocorrências
Tempo Verbal Modo
Verbal
Local Ocorrências
Analisadas
Presente Indicativo Recife 25
São Paulo 25
Pretérito
Perfeito
Indicativo Recife 25
São Paulo 25
Total: 100
Podemos afirmar que o verbo dar é lexical quando apresenta
sentido pleno, transmitindo a ideia de transferência de posse. Possui carga
semântica equivalente a ceder, entregar ou oferecer algo a alguém, como
aponta os exemplos abaixo:
Exemplo 1: Assina por exemplo um cheque - e retira o dinheiro -
você mesmo - ou dá a uma pessoa que vai ao banco e retira diretamente.
107
Exemplo 2: Com doze anos meu pai me deu a coleção de Jorge
Amado.
O verbo dar modal expressa a atitude e a intenção do falante em
relação ao que fala, manifestando uma possibilidade ou um desejo. Veja
os exemplos a seguir:
Exemplo 3: Você conhece assim algum museu no exterior que
tenha lhe chamado atenção? – conheço - - dá para descrever (aqui) para
a gente?
Exemplo 4: Áh não tem problema deu vontade de perguntar se
deu tempo.
O referido verbo é aspectual quando traz na sua base o sentido de
duração, movimento ou pontualidade do evento, podendo transmitir uma
noção parcial.
Exemplo 5: Uma criança que deu uma risada é que ela gostou da
peça.
Além da hipótese estimada para a codificação (dar uma + ___ada)
obtivemos dados não esperados para o dar aspectual, pois encontramos
expressões que se enquadram no conceito, mas não possuem o mesmo
sufixo. Observemos os exemplos abaixo:
Exemplo 6: Bom a gente prepara essa as carnes – em panela
separada – então você dá uma – uma fervura nelas – pra tirar um pouco
da gordura.
Exemplo 7: Não sei se vocês já repararam que num caso desses o
funcionário do banco dá uma carimbadinha assim com duas linhas em
diagonal – ele cruza o cheque.
108
O verbo dar é discursivo quando este perde o seu sentido pleno
assumindo uma significação diferenciada dentro do discurso, pois sua
carga semântica irá ganhar outras conotações. Veja os casos:
Exemplo 8: Agora eu nunca levei – pra casa boa-noite que dá
muito aquela – roxa e branca – tem roxa e branca.
Exemplo 9: Minha mãe me deu com o machucador e o machucador
deu em mim.
1. Categorização dos dados em Recife
As tabelas abaixo demonstram as quantidades e o percentual da
codificação e dos tipos de dar observados durante o estudo dos usos
desse verbo na cidade de Recife, a partir do Corpus do Português Online.
1.1. Presente do Indicativo
Conforme os dados que as tabelas (2) e (3) apresentam, notamos
que a frequência maior do uso do verbo dar no presente do indicativo
ocorre na codificação DAR + SN, equivalendo a 88% das ocorrências, e o
tipo de dar é discursivo.
1.2. Pretérito Perfeito do Indicativo
CODIFICAÇÃO
Dar + Oração
Infinitiva
1/25 4%
Dar + UMA +
____ADA
0/25 0%
Dar + SN 22/25 88%
Outro 2/25 8%
TIPO DE DAR
Lexical 1/25
Modal 1/25
Aspectual 0/25
Discursivo 21/25
Outro 2/25
Tabela 3: Os tipos de dar no presente,
em Recife
Tabela 2: O uso do dá em Recife
109
Os resultados das tabelas (4) e (5) mostram que o uso do verbo
dar no pretérito perfeito do indicativo acontece com mais veemência na
codificação DAR + SN, equivalendo a 80% das ocorrências, e o tipo de dar
é discursivo.
A partir do exposto acima, observamos que no presente e no
pretérito perfeito do modo indicativo não foi possível categorizar 8%, de
cada tempo, em nenhuma codificação e em nenhum tipo de dar.
2. Categorização dos dados em São Paulo
As tabelas a seguir expõem quantitativamente e percentualmente o
modo como o verbo dar apresenta sua codificação e os seus tipos, a partir
da observação realizada durante o estudo dos usos desse verbo na cidade
de São Paulo.
2.1. Presente do Indicativo
CODIFICAÇÃO
Dar + Oração
Infinitiva
3/25 12%
Dar + UMA +
__ADA
0/25 0%
Dar + SN 20/25 80%
Outro 2/25 8%
TIPO DE DAR
Lexical 6/25
Modal 3/25
Aspectual 0/25
Discursivo 14/25
Outro 2/25
CODIFICAÇÃO
Dar + Oração
Infinitiva
6/25 24%
Dar + UMA +
____-ADA
0/25 0%
Dar + SN 18/25 72%
Outro 1/25 4%
TIPO DE DAR
Lexical 5/25
Modal 6/25
Aspectual 3/25
Discursivo 10/25
Outro 1/25
Tabela 2: D
Tabela 4: O uso do deu em Recife
Tabela 5: Os tipos de dar no pretérito,
em Recife
Tabela 6: O uso do dá em São Paulo
Tabela 7: Os tipos de dar no presente,
em São Paulo
110
Os dados apresentados nas tabelas (6) e (7) denotam uma maior
intensidade do uso do verbo dar no presente do indicativo na codificação
DAR + SN, correspondendo a 72% das ocorrências, e aponta para o tipo
de dar discursivo.
2.2. Pretérito Perfeito do Indicativo
O levantamento dos dados das tabelas (8) e (9) indicam que o uso
do verbo dar no pretérito perfeito do indicativo é mais frequente na
codificação DAR + SN, apresentando 72% das ocorrências, e o tipo de dar
sendo discursivo.
Em nossa análise não foi possível encaixarmos o aparecimento de
4% das ocorrências do presente e de 16% do pretérito perfeito do modo
indicativo nas categorias já expostas e nem indicarmos uma nova
categorização.
3. Relação total entre as codificações e os tipos de dar nas duas capitais
CODIFICAÇÃO
Dar + Oração
Infinitiva
0/25 0%
Dar + UMA + __-
ADA
3/25 12%
Dar + SN 18/25 72%
Outro 4/25 16%
Tipo de dar
Lexical 2/25
Modal 0/25
Aspectual 3/25
Discursivo 15/25
Outro 4/25
Dar + Or. Infinitiva
Lexical 0/10
Modal 10/10
Aspectual 0/10
Discursivo 0/10
Dar + UMA + ____ADA
Lexical 0/3
Modal 0/3
Aspectual 3/3
Discursivo 0/3
Tabela 10: Dar + or. Infinitiva e os tipos de dar
Tabela 8: O uso do deu em São Paulo
Tabela 9: Os tipos de dar no pretérito,
em São Paulo
Tabela 11: Dar + uma + ___ada e os tipos de dar
111
A relação total das ocorrências, como mostram as tabelas (10),
(11) e (12), aponta para o fato de que foi possível o cruzamento de
noventa e uma delas a partir da categorização exposta, não sendo
suficiente para categorizar nove.
É perceptível que a relação da codificação DAR + SN ligada ao tipo
de dar discursivo é a mais freqüente, comprovando, portanto, que a
gramaticalização do verbo em questão vai ocorrer quase igualitariamente
nas duas capitais, mostrando que o processo é contínuo e que o verbo dar
está perdendo o sentido pleno, assumindo expressões fixas.
A partir da análise de um corpus do português falado no Brasil,
verificamos que a modalidade fala influenciou o resultado, pois este
evidencia que o dar discursivo é o mais usual.
Considerações Finais
O artigo que aqui se conclui apresentou e explicou o processo de
gramaticalização do verbo dar com as codificações e os tipos mais
recorrentes, mas sem esgotar as possíveis análises desse fenômeno.
Percebemos, então, que no decorrer da análise, a maior frequência
dos usos do verbo aqui destacado perde a sua carga semântica principal e
assume outros sentidos, passando a funcionar como verbo suporte para a
expressão que vier a seguir.
O estudo minucioso das ocorrências, retiradas do Corpus do
Português Online, foi de grande relevância para a compreensão das várias
formas dos usos do verbo dar na modalidade fala. Portanto, chegamos ao
Dar + SN
Lexical 14/78
Modal 0/78
Aspectual 3/78
Discursivo 61/78
Tabela 12: Dar + SN e os tipos de dar
112
nosso objetivo, mas deixamos em aberto a análise desses e outros
aspectos.
REFERÊNCIAS
ESTEVES, Giselle Aparecida Toledo. A Gramaticalização de Dar: de Verbo-predicador a Verbo-suporte. In: Cadernos do CNLF, vol. XI, n° 12. Rio de Janeiro: CIFEFIL, 2008. FERREIRA, Ediene Pena. Gramaticalização e auxiliaridade: um estudo pancônico do verbo chegar. 2007. 270 f.: Tese (doutorado) - Universidade Federal do Ceará, Departamento de Linguística, Fortaleza-CE, 2007. FURTADO DA CUNHA, M. A. F. da. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, M. E. Manual de
Linguística. São Paulo: Contexto, 2008. FURTADO DA CUNHA, M. A. F. da, COSTA, M. A., CEZARIO, M. M. Pressupostos Teóricos Fundamentais. In: CUNHA, M. A. F. da, OLIVEIRA, M. R., MARTELOTTA, M. E. Linguística Funcional: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
113
SEÇÃO 6
A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO
114
A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO
Naéliton Souza Freitas19
Vitória Régia Santos Ferreira20
Resumo: A manifestação da avaliação em textos opinativos é algo constante, uma vez que o produtor do texto, por meio desse recurso, pode posicionar-se de maneira negativa ou positiva em relação ao que deseja transmitir ao leitor. Isso acontece devido ao caráter argumentativo dos gêneros, nos quais os textos que expressam opinião estão inseridos. Considerando esse recurso utilizado pelos produtores de textos opinativos, objetiva-se por meio deste trabalho, estudar e avaliar as manifestações da avaliação em textos de natureza opinativa, observando e registrando os recursos avaliativos utilizados com maior freqüência. Para isso, foram coletadas frases de um editorial do Jornal Diário do Nordeste e uma coluna da revista Época, os quais compõem o corpus desta pesquisa. As ocorrências foram recolhidas do referido corpus e organizadas em uma tabela contendo os seguintes fatores: tipo de julgamento, recurso do julgamento e a codificação do julgamento. Os dados, após serem coletados, foram analisados com base nos fatores mencionados. Centramos nossa fundamentação teórica no artigo de White (2004) intitulado Valoração - A linguagem da Avaliação e da perspectiva. Depois de avaliados, os dados foram relacionados entre si e tiveram suas freqüências devidamente calculadas. Dessa forma, pôde-se constatar quais recursos de avaliação foram mais utilizados nos textos analisados, coluna e editorial. Palavras-chave: Valoração, avaliação, textos opinativos.
Introdução
Pretende-se, mediante este trabalho, estudar e analisar a
manifestação da avaliação em textos de caráter opinativo, com a
finalidade de verificar os recursos utilizados com maior frequência pelos
produtores desses tipos de textos. Os elementos que compõem o corpus
desta pesquisa são do gênero jornalístico, a saber, uma coluna da revista
Época e um editorial do jornal Diário do Nordeste. Os referidos textos
foram escolhidos devido à presença constante da avaliação em seus
conteúdos e serão estudados com base na teoria da Valoração, a fim de
verificar as ocorrências da avaliação na superfície textual.
19 Graduando do Curso de Letras pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. [email protected].
20 Graduanda do Curso de Letras pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. [email protected].
115
A teoria da Valoração, segundo White (2004), é uma abordagem
utilizada para analisar a avaliação em textos escritos, que surgiu a partir
da Linguística sistêmica funcional. Tendo essa teoria como base teórica,
avaliaremos algumas frases que indicam uma noção de julgamento no
corpus anteriormente citado, pertencente a gêneros que têm como
característica a natureza argumentativa.
Geralmente, esses textos tratam de assuntos que tiveram grande
repercussão na sociedade e permitem que haja posicionamentos diversos
acerca desses acontecimentos. É importante enfatizar que não há uma
verdade absoluta em relação aos fatos abordados, por isso o autor do
texto argumenta com veemência para sustentar o ponto de vista que está
sendo defendido. Para isso, o agente textual vale-se de dados, provas e
evidências, na tentativa de justificar suas afirmações sobre o ponto de
vista defendido, demonstrando a veracidade e a credibilidade de sua
informação.
Assim, apoiados nessa teoria, avaliaremos as ocorrências, com o
objetivo de organizar as informações para atingir o objetivo desta
pesquisa. Através dessas análises, serão comparados os dois gêneros
textuais, coluna e editorial, com a finalidade de demonstrar quais são os
recursos mais frequentes nos dois textos, expondo as semelhanças e as
diferenças detectadas durante o estudo do corpus.
Metodologia
A metodologia deste trabalho pode ser dividida em três etapas. Na
primeira etapa, foram feitas pesquisas, nas quais foram selecionados
alguns textos sobre a abordagem da Valoração, que compõe a base
teórica da pesquisa. Em seguida, foram selecionados dois textos
jornalísticos, uma coluna da revista Época intitulada O mito e o trofeu,
que tem como tema a morte de Osama Bin Laden, e um editorial do Jornal
Diário do Nordeste intitulado Saneamento e gestão, que discute acerca
dos problemas referentes ao saneamento básico no Brasil.
116
Na segunda etapa, foram extraídas do corpus da pesquisa frases
que codificam expressões de opinião, sejam elas explícitas ou implícitas.
Depois de coletarmos as ocorrências, as frases foram organizadas em uma
lista e, em seguida, classificadas em uma tabela que continham os
seguintes fatores: ocorrência, referência, codificação, tipo de julgamento e
recurso do julgamento.
As ocorrências são as frases selecionadas e extraídas do corpus
que expressam ideias de opinião. Já a referência remete ao número da
linha do texto, na qual as frases podem ser encontradas. A codificação,
por sua vez, refere-se ao modo como o julgamento pode ser expresso, ou
seja, codificado em forma de substantivos, adjetivos, advérbios, verbos ou
expressões. O tipo de julgamento se refere à forma como o produtor do
texto expressa sua opinião, uma vez que ele pode declarar algo, como de
sua autoria, ou atribuir um ponto de vista a terceiros. Por último, temos o
recurso de julgamento, que pode ser expresso da seguinte forma:
capacidade, usualidade, tenacidade, veracidade e propriedade.
A terceira etapa da pesquisa consiste na comparação dos dados
extraídos do corpus, para que fosse alcançado o objetivo da pesquisa.
Cada fator, anteriormente citado, teve suas frequências simples
calculadas. Depois de calculados, os fatores foram relacionados entre si e
avaliados com base no contexto em que aparecem. Por fim, realizada a
análise, os dados foram novamente organizados em uma tabela, na qual
contém a porcentagem de cada fator em relação a sua frequência.
Fundamentação Teórica
Como já mencionamos, a teoria da Valoração originou-se a partir
da Linguística sistêmica funcional, tendo como objetivo principal analisar a
avaliação e a perspectiva em textos diversos. Essa abordagem oferece
estratégias para que o leitor possa observar e visualizar como a avaliação
e a perspectiva atuam em textos escritos de diferentes gêneros.
Segundo White (2004), a abordagem da Valoração propõe que os
significados atitudinais, que compreendem avaliações positivas e
117
negativas, podem ser agrupados em três grandes campos semânticos que
são:
1. Afeto: esse significado atitudinal está relacionado à emoção, uma
vez que os produtores do texto expressam, através de suas opiniões
emocionais, visões positivas ou negativas. Há a possibilidade
também de expressar a opinião de terceiros.
2. Julgamento: esse significado atitudinal implica em uma visão da
aceitabilidade do comportamento de indivíduos. O julgamento é
dividido em dois tipos: o de sanção social e o de estima social.
3. Apreciação: esse significado atitudinal faz avaliações de
fenômenos semióticos e naturais através de referências ao seu valor
estético.
Os significados atitudinais podem ser ativados de duas maneiras:
direta ou implícita. Na ativação direta, os significados são ativados,
mediante termos atitudinais que se encontram explícitos na superfície
textual. No caso da ativação implícita, os significados são ativados
mediante inferências feitas pelo leitor, que, de acordo com seus valores,
pode interpretar os dados apresentados pelo agente textual como
positivos ou negativos.
Ainda, segundo White (2004), as avaliações implícitas levantam
sérios problemas teóricos e analíticos. O leitor tem que levar em conta, na
análise das informações, a pragmática e o contexto social para ativar os
significados que operam no contexto. Isso ocorre pelo fato do julgamento
não estar explícito no corpo do texto, e, por essa razão, o leitor tenta
recuperar os significados atitudinais mediante diferentes estratégias.
Dessa maneira o leitor tem de sair do campo semântico, recorrendo à
pragmática, uma vez que os textos serão analisados dentro de seus
respectivos contextos.
118
A avaliação atitudinal tem como objetivo verificar os diversos
significados que operam no discurso. Dentre esses significados, está o
afeto que tem os seus valores codificados em formas de qualidades
(adjetivos), processo (verbos), comentários e entidades abstratas
nominalizadas.
Outro significado bastante importante é o Julgamento, pois através
dele podemos construir valores sobre o comportamento de uma pessoa,
de acordo com perspectivas e valores exigidos pela sociedade. O
julgamento, como já mencionamos, é dividido em sanção social e
aceitabilidade social. O primeiro implica questões de legalidade social e
moralidade, enquanto que o segundo não implica questões legais ou
morais, mas avaliações de aceitação social. O julgamento de sanção social
está ligado à veracidade e a propriedade. Já o julgamento de estima
social, por sua vez, está relacionado à normalidade, capacidade e
tenacidade.
A apreciação está ligada a significados utilizados normalmente para
construir avaliações sobre um determinado objeto ou edificações, os quais
são produtos do trabalho humano. Através da apreciação o agente textual
atribui valores negativos ou positivos em relação à estética de um objeto
que está sendo avaliado.
Por último, temos o engajamento que é uma estratégia que indica
o comprometimento do agente textual, ou seja, o quanto o indivíduo está
engajado em um determinado discurso. Assim, o produtor do texto
demonstra o seu comprometimento mediante as seguintes ações:
1. Declarar: o agente textual apresenta ao leitor um ponto de vista
como válido e confiável, na tentativa de tornar o seu relato verídico
e ganhar credibilidade com leitor. A voz textual não dá margem para
outros pontos de vista.
2. Refutar: o agente textual expressa sua opinião de forma
contrária, rejeitando um argumento.
119
3. Considerar: o agente textual apresenta várias posições
diferentes, consideradas alternativas dialógicas. Nesse caso,
Transmitem-se ao leitor outros pontos de vistas que se apresentam
como aceitáveis.
4. Atribuir: o agente textual atribui um ponto de vista a uma voz
externa ao texto, sendo que essa opinião é apenas uma dentre
várias opiniões existentes, que podem ser analisadas pelo leitor
como aceitáveis ou não.
Análise de Dados
Durante a análise dos dados, foi possível observar algumas
diferenças entre os textos estudados nesta pesquisa, coluna e editorial,
que serão mais bem explicadas a posteriori. Verificamos que, em relação
à coluna, há um alto grau de engajamento por parte do agente textual
quanto aos fatos transmitidos para os leitores, uma vez que o produtor do
texto apresenta sua opinião na tentativa de torná-la aceitável e verídica
aos olhos do leitor, enquanto no editorial, há um grande uso de
atribuições por parte do agente textual. Dessa maneira, o texto do
colunista demonstra um alto grau de persuasão.
No processo de construção dos textos, os autores demonstram sua
opinião, através de declarações diretas e implícitas. Podemos constatar
que, na coluna, a declaração direta foi utilizada com maior freqüência em
comparação com o uso de declarações implícitas, dessa maneira, entende-
se que o autor pretende expor sua opinião claramente. Outro fato
bastante expressivo, no que diz respeito ao julgamento, foi o pouco uso
de atribuições por parte do colunista, assim, entende-se que o autor tem
o interesse de explicitar ao máximo o seu engajamento, por essa razão
não atribui, com frequência, opiniões a terceiros. O número de
declarações foi muito mais expressivo, atingindo um percentual de
81,24% do total do tipo de julgamento usado pelo agente textual,
enquanto o recurso da atribuição atingiu um percentual de apenas
18,75%.
120
Fig.1 Tipos de julgamento encontrados na coluna
Um fato que se mostrou bastante significativo foi à codificação do
julgamento utilizado pelo colunista, que codificou a maioria de seus
julgamentos em forma de adjetivos (39,1%), seguido de verbos (18,8%),
substantivos (15,9%), expressões (15,9%) e, por último, advérbios
(10,1%) que foram utilizados em um menor número.
Fig.2. Codificação de julgamento retirados da coluna
Vejamos alguns exemplos de frases, nas quais os julgamentos
foram utilizados em forma de adjetivos:
(1) O povo americano é nacionalista, protecionista e imperialista
[...]
(2) Ele deixou de ser um líder tíbio, relutante.
(3) Seu ótimo slogan “Yes we can” era vago o bastante para ser
completado de maneira mais conveniente a cada um.
(4) O acerto de contas foi americano.
Atribuição
Declaração
AdjetivosVerbossubstantivosExpressõesAdvérbios
121
Em relação ao recurso de julgamento feito pelo autor do texto,
podemos observar um maior número de julgamento de normalidade que
atingiu um percentual de 28,3% do total. Esse tipo de julgamento,
caracterizado como sendo de estima social, refere-se ao costume, ou seja,
se o comportamento do indivíduo é usual ou não na sociedade em que ele
está inserido. Já o julgamento de propriedade atingiu um percentual de
28,3%. Esse tipo de julgamento, considerado de sanção social, refere-se à
ética do individuo diante da sociedade. O julgamento de capacidade, que
está classificado dentro do julgamento de estima social e referente à
capacidade do indivíduo, alcançou um percentual de 22,9%. O julgamento
de tenacidade, que é considerado de estima social, alcançou um
percentual de 10,8%. Esse tipo de julgamento refere-se à confiabilidade
ou a disposição do indivíduo. Por fim, temos o julgamento de veracidade
que é classificado como julgamento de sanção social e diz respeito à
honestidade do indivíduo, que obteve 9,7% do total.
Fig.3 Recurso de julgamentos encontrados na coluna
A seguir, temos alguns exemplos dos tipos de julgamento,
retirados da coluna:
(5) Essa foi a reação normal. Por um motivo simples: o terror e o
fanatismo distorcem o islã. (normalidade)
(6) Todos lembramos o que fazíamos quando, há quase dez anos,
um atentado bárbaro matou cerca de 3 mil inocentes nas torres
gêmeas. (propriedade)
Normalidade
Propriedade
Capacidade
Tenacidade
Veracidade
122
(7) [...] Ele poderia continuar um cadáver apresentável, não?
(capacidade)
(8) Ele deixou de ser um líder tíbio, relutante. (tenacidade)
(9) Podemos fingir que o mundo estará mais seguro e melhor a
partir de agora? Ninguém acredita nisso. (veracidade)
Os recursos de julgamento foram codificados de formas diferentes
na coluna. Variando bastante em número entre expressões e as seguintes
classes gramaticais: substantativos, advérbios, verbos e adjetivos, que,
como foi mostrado anteriormente, foi usado com maior freqüência.
Observamos esses dados na seguinte tabela:
Codificação Capacidade Normalidade Tenacidade Veracidade Propriedade
Substantivo 0% 27,2% 9,0% 0% 63,6%
Adjetivo 18,5% 33,3% 18,5% 7,4% 33,3%
Advérbio 0% 14,2% 0% 14,2% 71,4%
Expressão 36,3% 54,5% 9,0% 9,0% 0%
Verbo 61,5% 15,3% 7,6% 23,0% 0%
Codificação do recurso de julgamento (coluna)
Na análise de dados do editorial, podemos notar que o autor, que
geralmente fala por sua empresa ou equipe, não expôs sua opinião
diretamente, uma vez que o autor não demonstra um comprometimento
com o que está sendo abordado. Assim, podemos notar que não há um
alto grau de engajamento do agente textual com os fatos relatados. Uma
vez que o autor sempre expõe seu ponto de vista, se apoiando na
avaliação feita por terceiros. Como podemos ver na oração a seguir:
(10) no curto período de quatro anos, mais da metade das cidades
brasileiras terá sérios problemas com o abastecimento de água,
segundo levantamento divulgado pela Associação Nacional de Água
(ANA).
123
Podemos observar que o autor do texto, apóia sua afirmação nas
informações apresentadas pelo levantamento divulgado pela (ANA)
mostrando-se menos comprometido com a afirmação transmitida ao
leitor.
No processo de construção do texto, o autor demonstra sua
opinião, através de declarações diretas e implícitas, assim como na
coluna, mas com algumas diferenças. Podemos observar que a declaração
direta foi utilizada com maior freqüência em comparação com o uso de
declarações implícitas.
Em relação ao tipo de julgamento, foram utilizadas quase o mesmo
número de atribuições e de declarações por parte do autor. Assim,
entende-se que o autor tem o interesse de explicitar ao máximo o seu
engajamento, mas sem se comprometer totalmente com as informações
expostas na superfície textual, por essa razão atribui, frequentemente,
julgamentos a terceiros. O número de declarações não se mostrou muito
expressivo no editorial, se comparado com a coluna. Não houve muita
diferença entre o uso de declarações e atribuições. A declaração atingiu
um percentual de 57,1%, enquanto a atribuição atingiu um percentual de
42,8%.
Fig.4 Tipos de julgamento encontrados no editorial
Em relação à codificação do julgamento, podemos observar que o
agente textual codificou a maioria dos seus julgamentos na forma de
Atribuição
Declaração
124
adjetivos (45,2%), seguido de expressões (21,4%), advérbios (14,2%),
substantivos (11,9%) e, por último, verbos (7,14%).
Fig.5 Codificação do julgamento do editorial
Vejamos algumas frases, nas quais os julgamentos foram utilizados
em forma de adjetivos:
(11) Nesse valor total, não se encontram incluídos os recursos
imprescindíveis para resolver o crônico problema do saneamento
básico, com seus necessários sistemas de coleta de esgoto e
estações de proteção das fontes onde se faz a captação de água
para o consumo humano.
(12) [..] Ainda de acordo com o documento da ANA, será necessário
investir, com urgência, 22 bilhões de reais em obras de
infraestrutura, construção de sistemas de distribuição, novas
estações de tratamento e recuperação de antigas redes já
deterioradas com o passar do tempo.
Em relação ao recurso de julgamento, que já foi explicado
anteriormente, feito pelo autor do texto, podemos observar um maior
número de julgamento de normalidade e capacidade que atingiram um
percentual de 30,7%. Os recursos de julgamento, tenacidade e
propriedade, também alcançaram porcentagens similares, 7,6% do total.
O único recurso de julgamento que não foi utilizado pelo agente textual foi
à veracidade com 0%.
Adjetivos
Expressões
Advérbios
Substantivos
Verbos
125
Fig.6 Recursos de julgamento encontrados no editorial
A seguir, temos alguns exemplos dos recursos de julgamento
ultilizados no editorial:
(13) Apesar de muitos avanços ocorridos na área, nos últimos anos,
constata-se a lamentável evidência de que 13% dos brasileiros não
têm um banheiro em casa. (normalidade)
(14) O ministério do Meio Ambiente parece ter se conscientizado de
quão importante deve ser o desenvolvimento de estratégias
adequadas para garantir segurança no abastecimento. (propriedade)
(15) Estudiosos do problema asseguram que, especificamente no
caso brasileiro, a questão da água está muito mais ligada a
deficiências no campo da gestão do que quanto à escassez
propriamente considerada. (capacidade)
(16) [...] Promove campanhas no sentido de alertar a população
contra o desperdício e a má utilização da água, sobretudo nas
grandes cidades e zonas industriais. (tenacidade)
No editorial, os recursos de julgamento, assim como na coluna,
foram codificados de formas diferentes. Variando bastante em número
entre expressões e as seguintes classes gramaticais, como foi exposto
anteriormente. O adjetivo também foi utilizado com maior freqüência pelo
agente textual do editorial. Observamos esses dados na seguinte tabela:
Normalidade
Capacidade
Propriedade
Tenacidade
126
Capacidade Normalidade Tenacidade Veracidade Propriedade
Substantivo 20% 20% 20% 0% 40%
Adjetivo 21,0% 31,5% 0% 0% 47,3%
Advérbio 16,6% 66,6% 0% 0% 16,6%
Expressão 33,3% 22,2% 22,2% 0% 22,2%
Verbo 0% 33,3% 0% 0 66,6%
Codificação do recurso de julgamento (editorial)
Com base nos dados expostos na tabela, infere-se que o produtor
do texto, codificou seus julgamentos de acordo com elementos
pertencentes a uma determinada classe gramatical, de acordo com o a
sua intenção de expressar o seu ponto de vista com maior expressividade.
Por exemplo, para expressar capacidade, o autor codificou seus
julgamentos, na maioria das vezes, através de expressões, seguidas de
adjetivos, advérbios e, por último, substantivos.
Considerações Finais
Diante das informações apresentadas neste trabalho, podemos
constatar como a avaliação é algo importante para a produção dos
gêneros textuais destacados nesta pesquisa, pois esse recurso dá suporte
à argumentação do agente textual.
Os recursos avaliativos foram utilizados com frequências diferentes
nos dois textos, assim, constata-se que a utilização do recurso de
julgamento irá variar dependendo das necessidades do produtor do texto
de expressar sua opinião e torná-la crível diante do leitor.
Observamos que existem algumas diferenças entre os dois textos,
uma vez que, através da análise das avaliações, a colunista mostrou-se
mais engajada e demonstrou também um maior comprometimento em
relação às informações transmitidas aos leitores, através do texto.
Enquanto o autor do editorial apresenta sua opinião, na maioria das
vezes, apoiada em afirmações de terceiros. Dessa forma, se distanciando
da informação veiculada.
127
Algo que se mostrou bastante significativo, foi a forma como os
agentes textuais codificaram os seus julgamentos, pois ambos usam em
maior número adjetivos. Essa classe gramatical se apresentou de maior
utilidade para que os produtores textuais pudessem expressar as suas
ideias, concordando ou discordando dos fatos expostos na superfície
textual.
Esta pesquisa, não conseguiu abarcar os fatores relacionados ao
tema em sua totalidade, porém foram apresentados os dados e os
resultados básicos para que possamos entender como a avaliação opera
dentro dos textos opinativos, assim como as formas de julgamento são
codificadas pelos produtores do texto. É válido ressaltar que não podemos
afirmar que haja um padrão de uso do julgamento, bem como as suas
formas de codificação, pois a pesquisa foi feita com a utilização de um
pequeno corpus.
Esse estudo deixa lacunas que podem ser, possivelmente,
preenchidas com outras pesquisas sobre o tema, visto que a avaliação é
um assunto bastante rico e amplo e tem um grande campo a ser
explorado. Acreditamos que a avaliação é utilizada de acordo com as
necessidades do agente textual de expressar de forma mais conveniente e
contundente sua opinião, não havendo dessa maneira, um formula
especifica para a sua utilização em textos opinativos.
REFERÊNCIAS
CABRAL, Sara Scotta. A mídia e o julgamento com base na teoria da valoração. 2007. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Maria, 2007. WHITE, P. R.R. Valoração - A linguagem da Avaliação e da perspectiva, 2004.
128
SEÇÃO 7
OS PLANOS DISCURSIVOS NA OBRA DE ESOPO
129
OS PLANOS DISCURSIVOS FIGURA E FUNDO NA FÁBULA
“O BURRO QUE VESTIU A PELE DE UM LEÃO”, DE ESOPO
Jéssica Fontenele SALES21
Resumo: Este trabalho propõe-se a apresentar uma análise acerca dos planos discursivos de Figura e Fundo na fábula “O burro que vestiu a pele de um leão”, de Esopo, segundo as regras de classificação funcionalistas propostas por Paul Hopper e Sandra Thompson (1980), explicitando em que contextos narrativos se encontram presentes. De acordo com a referida teoria, a transitividade é vista como característica do conjunto oracional e não apenas da categoria dos verbos, é uma propriedade escalar e varia de acordo com certos parâmetros. Nossa hipótese era de que o plano discursivo Figura, que se caracteriza como principal devido a sua alta transitividade, estaria concentrado na complicação, na ação e na resolução; enquanto o Fundo, de baixa transitividade, constituiria o todo acessório do texto: orientação e moral.
Palavras-chave: Funcionalismo, figura, fundo, literatura, fábula.
Introdução
Dentre os elos teóricos que unem diversas correntes de estudos
linguísticos sob o título de Funcionalismo, o principal e mais basilar, sem
dúvida, é aquele que diz respeito à investigação da língua em seus usos
efetivos ou, em outras palavras, à língua situada em seus diversos
contextos comunicativos (CUNHA, 2008).
Diante disso, podemos deduzir que uma teoria funcionalista
somente deveria tomar como corpus ou referência dados linguísticos reais
(que podem ser de fala ou escrita), através dos quais possamos identificar
as funções extralinguísticas que os influenciam e condicionam.
É importante pontuar, no que concerne a esse aspecto, que as
correntes funcionalistas costumam ser classificadas de acordo com seu
extremismo ou não em relação à influência das funções externas sobre o
sistema linguístico propriamente dito.
De acordo com Cunha (2008), “Uma postura mais moderada
admite uma interação entre forma e função”, enquanto “A postura mais
21 Graduanda do Curso de Letras-Inglês pela Universidade Federal do Ceará.
130
radical propõe que as funções externas (tais como os propósitos
comunicativos dos interlocutores) definem as categorias gramaticais”.
Dá a entender ainda a autora que, se tomarmos uma posição
teórica extrema, chegaremos ao ponto de negação da sintaxe. Assim, não
haveria argumentos a favor da definição de categorias linguísticas, já que
elas apenas existiriam em relação aos vários contextos comunicativos,
tendo como característica primordial a fluidez.
É no trabalho intitulado Transitivity in Grammar and Discourse
(1980), dos americanos Hopper e Thompson, que podemos encontrar as
bases teóricas originais para análises funcionalistas do discurso com foco
nos planos discursivos de Figura e Fundo.
Os referidos autores pertencem à linha mais radical do
Funcionalismo, sobre a qual já falamos há pouco, e fornecem o aparato
teórico para a presente análise.
Fundamentação teórica
Para que se compreenda a caracterização dos planos discursivos de
Figura e Fundo proposta por Hopper e Thompson, é necessário que se
tenha em mente o conceito de transitividade segundo os mesmos.
Para facilitar a apreensão deste conceito, é comum que se trace
um paralelo entre a referida transitividade, funcionalista, e a
transitividade que nos é apresentada pela Gramática Tradicional.
Segundo a GT, a transitividade é uma característica exclusiva da
categoria dos verbos. Podem eles, de acordo com o complemento que
exigem, serem classificados como transitivos diretos (complemento não-
preposicionado; amar alguém ou algo), transitivos indiretos (complemento
preposicionado; gostar de alguém ou de algo) ou bitransitivos
(complementos preposicionado e não-preposicionado; dar algo a alguém).
Os verbos chamados de intransitivos não exigiriam nenhum complemento,
sustentando-se semanticamente por si (morrer).
Embora alguns gramáticos tradicionais admitam existir relatividade
quanto à transitividade dos verbos (assim, o emprego de cada um em
131
dada situação é que determinaria seu tipo de transitividade), ela continua
sendo uma característica definida de forma absoluta na GT: não se pode
conceber um verbo “mais” ou “menos” transitivo de acordo com tal visão.
Já para Hopper & Thompson (1980), a transitividade “é entendida
como uma propriedade contínua, escalar, não inerente ao verbo, mas
manifestada na totalidade da oração.” (NASCIMENTO, 2010, p. 4).
Podemos imaginar, por exemplo, que exista um agente que, por
meio de uma ação, se torna causador de uma mudança; ou um estado,
que não envolve mudanças de nenhuma forma.
O nível de transitividade de uma oração é determinado a partir de
dez parâmetros, os quais Silva (2007) dispõe em forma de tabela. São
eles:
Componentes Alta transitividade Baixa transitividade
Participantes 2 ou mais (Agente e
Objeto) Um
Cinese Ação Não-ação (estado)
Aspecto Télico Atélico
Punctualidade Pontual Não-pontual
Volitividade Proposital Não-proposital
Polaridade Afirmativa Negativa
Modalidade Realis Irrealis
Agentividade Mais agente Menos agente
Afastamento do objeto Objeto totalmente
afetado
Objeto parcialmente
afetado
132
Individualização do
objeto
Objeto muito
individualizado
Objeto pouco
individualizado
O plano narrativo Figura, por possuir alta transitividade, é
considerado o centro da narrativa. É ele que constitui o enredo e as ações
essenciais.
O plano do Fundo, ao contrário, possui baixa transitividade e,
dessa forma, constituiria, por assim dizer, os adornos, os acessórios da
narração.
Utilizamo-nos, neste estudo, de dois dos parâmetros
recomendados pelos autores para a classificação das cláusulas
componentes do corpus: aspecto verbal e modalidade.
O parâmetro aspecto diz respeito às classificações do verbo de
acordo com o tempo em que se encontra: será perfectivo se o verbo
estiver no pretérito perfeito ou mais-que-perfeito; será imperfectivo se o
verbo se encontrar no infinitivo, presente, pretérito imperfeito ou futuro.
A modalidade está relacionada com a intensidade da assertividade
(CONCEIÇÃO, 2010) e com a efetividade da ação (SILVA, 2010): verbos
no modo indicativo e na forma afirmativa são marcas da modalidade
realis, e, portanto, tendem a expressar concretude. A modalidade irrealis,
por sua vez, possui como marcas o modo subjuntivo e a negação de ações
ou estados. Assim, temos:
Tabela 1: Planos discursivos e suas marcas fundamentais
Figura Fundo
Aspecto verbal perfectivo Aspecto verbal imperfectivo
Modalidade realis Modalidade irrealis
133
Metodologia
O objeto de nossa análise consiste na fábula “O burro que vestiu a
pele de um leão”, de Esopo, que teve sua estrutura narrativa dividida em
quatro porções que se sucedem temporalmente.
Essas porções não são encontradas em todas as narrativas em sua
totalidade. No texto em questão, porém, podemos constatar a presença
de todas. São elas: orientação, na qual o personagem e o cenário nos são
apresentados; complicação, na qual os conflitos da narrativa são
semeados; ação, na qual esses conflitos se intensificam e o clímax se dá;
resolução, na qual os conflitos são pacificados; e moral, a porção-
ensinamento canônica do gênero fábula.
Sendo uma narrativa curta, a fábula em questão é composta por
apenas 8 frases. Estas, por sua vez, totalizam 27 cláusulas. Uma vez
isoladas, as cláusulas foram organizadas em uma tabela e classificadas
segundo os seguintes parâmetros: localização na estrutura narrativa,
aspecto e modalidade e, por fim, plano discursivo.
Nossa hipótese era a de que as porções narrativas “complicação”,
“ação” e “resolução” seriam, no referido texto, compostas essencialmente
por cláusulas-figura, já que formam o enredo propriamente dito e
possuem notável relevo discursivo. Já as porções “orientação” e “moral”,
por constituírem o todo acessório do texto, seriam marcadamente
compostas por cláusulas-fundo.
Resultados e discussão
Ao fim de nossa pesquisa, chegamos aos seguintes resultados: das
27 cláusulas que compõe a fábula, 14 se apresentam como cláusulas-
figura e 13 como cláusulas-fundo.
Esse aparente equilíbrio entre os planos narrativos pode ser
explicado, em parte, pelo tamanho reduzido do texto. Ao examinarmos os
134
resultados mais detalhadamente, tivemos condições de compará-los à
hipótese aqui apresentada.
Os resultados detalhados de nossa pesquisa encontram-se
condensados na tabela seguinte, que relaciona a quantidade de cláusulas-
figura e cláusulas-fundo com suas respectivas localizações na estrutura
narrativa do texto:
Tabela 2: Porções narrativas e respectivas composições
Porção
narrativa
Número total
de cláusulas
Cláusulas-
figura
Cláusulas-
fundo
Orientação 2 2 0
Complicação 7 2 5
Ação 12 9 3
Resolução 3 1 2
Moral 3 0 3
Quanto à porção “orientação”, na qual esperávamos encontrar
cláusulas-fundo em maioria justamente por ser a porção introdutória e de
apresentação de personagens e cenário, constatamos que apresentou
unicamente cláusulas-figura, com verbos perfectivos e na modalidade
realis:
(1) “Um burro encontrou uma pele de leão que um caçador tinha
deixado na floresta.” (ESOPO, 1994, p. 70)
Os resultados relativos às porções “complicação” e “ação”
corroboraram com a hipótese inicial de que apresentariam, em sua
135
maioria, cláusulas-figura, por sustentarem o enredo da fábula e
concentrarem a essência da narrativa:
(2) “Na mesma hora o burro vestiu a pele (...)” (ESOPO, 1994, p.
70)
(3) “Ouvindo aquilo, uma raposa que ia fugindo com os outros
parou, virou-se e se aproximou do burro rindo (...)” (ESOPO, 1994, p.
70)
Entretanto, aqui, nos deparamos com uma revelação inesperada: A
frase inicial do parágrafo da ação, que se constitui num período composto,
tem suas orações subordinadas servindo como cláusulas-figura, e não
cláusulas-fundo, como era esperado:
(4) “O burro estava gostando tanto de ver a bicharada fugir dele
correndo que começou a se sentir o rei leão em pessoa e não conseguiu
segurar um belo zurro de satisfação.” (ESOPO, 1994, p. 70)
Os resultados relativos à porção narrativa “resolução” nos
permitem constatar uma maioria de cláusulas-fundo, ao contrário do que
prevemos em nossa hipótese.
Ainda que em muitas narrativas seja a resolução composta de
ações efetivadas pelos personagens, em nosso caso ela se desenrola em
forma de uma fala-lição da raposa, que faz uma suposição acerca do
comportamento do burro:
(5) “– Se você tivesse ficado quieto, talvez eu também tivesse
levado um susto. Mas aquele zurro bobo estragou sua brincadeira!”
(ESOPO, 1994, p. 70)
Ao observarmos os resultados relacionados à porção “moral”,
constatamos uma confirmação parcial de nossa hipótese inicial, já que,
136
neste caso, a moral apresenta uma composição absoluta de cláusulas-
fundo.
Por sustentar um ensinamento, um aconselhamento de acordo com
a situação mostrada pela fábula é que a moral é, naturalmente, composta
de verbos imperfectivos na modalidade irrealis: não há ações efetivas,
realizadas, mas apenas considerações.
(6) “Um tolo pode enganar os outros com o traje e a aparência,
mas suas palavras logo irão mostrar quem ele é de fato.” (ESOPO, 1994,
p. 70)
Além das conclusões essenciais, julgamos pertinente dar
publicidade, ao findar de nossa análise, a outras observações. A primeira
delas diz respeito à relação entre aspecto verbal e modalidade.
Na grande maioria das cláusulas, aspecto verbal perfectivo e
modalidade realis, assim como aspecto imperfectivo e modalidade irrealis,
são propriedades coincidentes.
No entanto, em 3 das cláusulas constatamos haver verbos de
aspecto imperfectivo e modalidade realis, como no exemplo seguinte:
(7) “O burro estava gostando tanto de ver a bicharada fugir dele
correndo (...)” (ESOPO, 1994, p. 70)
Nesse caso, o verbo destacado, apesar de estar no infinitivo e,
consequentemente, classificar-se como imperfectivo, denota uma ação
plena no enredo da história.
Tal classificação se justifica pelo fato de os animais estarem
realmente fugindo do burro, praticando uma ação, razão pela qual se
encontra presente a modalidade realis.
Considerações finais
137
Prontificamo-nos, neste trabalho, a explicitar, segundo a visão
funcionalista de Hopper e Thompson, a relação entre os planos discursivos
Figura e Fundo e porções narrativas na fábula “O burro que vestiu a pele
de um leão”, de Esopo.
Tal objetivo cumpre-se na constatação de que cláusulas-figura são
maioria nas porções “orientação” e “ação”, enquanto cláusulas-fundo são
mais recorrentes na “complicação”, “resolução” e “moral”.
Devido ao tamanho reduzido da fábula e até mesmo às suas
peculiaridades textuais, temos plena consciência de que nossas conclusões
não devem ser generalizadas nem representar um modelo teórico para
análises de todo tipo de narrativa.
Esperamos, com este trabalho, contribuir para o crescimento do
interesse em pesquisas que tomem como base a teoria da transitividade
do discurso, estabelecendo um paralelo entre a ciência lingüística e a arte
literária.
REFERÊNCIAS
CONCEIÇÃO, Priscila Thaiss. Planos Discursivos em Diferentes Níveis de
Escolaridade: Estudo de Recontagem de Figura e Fundo. 2010. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010. ESOPO. O burro que vestiu a pele de um leão. In: ASH, Russel; HIGTON, Bernard (Comp.). Fábulas de Esopo. Tradução de Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1994. FURTADO DA CUNHA, Angélica. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (Org.). Manual de lingüística. São Paulo: Contexto, 2008. NASCIMENTO, Simone Maria Barbosa Nery. Planos Discursivos e Estatuto
Informacional em Combinações Hipotáticas Adverbiais Causais de Elocuções
Formais. Anais do 4º Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários. UEM, Maringá: 2010. SILVA, Anderson Godinho. Transitividade e os Planos Discursivos Figura e Fundo
nas Orações Subordinadas Adverbiais Modais. Cadernos do CNLF, Série X, nº10, s/d.