Funções Cognitivas

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3 Funções Cognitivas: Bases Neuroanatômicas e Circuitarias O cérebro humano sempre despertou interesse nas mais diversas áreas científicas. Entretanto, foi apenas em 1891, a partir dos trabalhos de Ramón y Cajal (1889), que tomamos conhecimento da unidade básica do cérebro: o neurônio (Rapport, 2005). Desde então, podemos observar um crescente acúmulo de conhecimento acerca da composição e funcionamento do cérebro, principalmente em questões relacionadas à localização das funções mentais surgiam através do debate entre os localizacionistas e os holistas (Cosenza et al 2008). Segundo o localizacionismo, o cérebro atua de forma fragmentada, onde cada uma das regiões seria responsável por uma função mental e comportamental específica. Esta visão deriva da frenologia elaborada por Franz Joseph Gall no início do século XIX. Gall acreditava que ao analisar a superfície do crânio, seria possível saber se uma faculdade mental era bem desenvolvida ou não. Os trabalhos de Paul Broca (em relação o centro do controle da fala) e Karl Wernicke (em relação à área de compreensão da fala) ofereceram evidências sólidas sobre essa questão. Entre os grandes opositores do localizacionismo, destaca-se o neurologista Hughlings Jackson. Para ele, os processos mentais deveriam ser associados ao cérebro não por sua localização em áreas específicas, mas sim através de uma compreensão hierárquica do sistema nervoso. A visão localizacionista foi superada por um novo conceito de função: o holismo. Para os holistas, não haveria uma especificidade regional no cérebro, o qual controlaria o comportamento atuando como um todo, mas todas as regiões colaborariam num determinado momento na execução de uma tarefa. Estudos como os de Ivan Pavlov, Lev Vygotsky e Aleksandr Luria auxiliaram no fortalecimento de uma visão que integrava os princípios localizacionistas e holistas. Por exemplo, Luria (1966) postula o conceito de

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Artigo acadêmico sobre Funções Cognitivas

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  • 3 Funes Cognitivas: Bases Neuroanatmicas e Circuitarias

    O crebro humano sempre despertou interesse nas mais diversas reas cientficas. Entretanto, foi apenas em 1891, a partir dos trabalhos de Ramn y Cajal (1889), que tomamos conhecimento da unidade bsica do crebro: o neurnio (Rapport, 2005). Desde ento, podemos observar um crescente acmulo de conhecimento acerca da composio e funcionamento do crebro, principalmente em questes relacionadas localizao das funes mentais surgiam atravs do debate entre os localizacionistas e os holistas (Cosenza et al 2008).

    Segundo o localizacionismo, o crebro atua de forma fragmentada, onde cada uma das regies seria responsvel por uma funo mental e comportamental especfica. Esta viso deriva da frenologia elaborada por Franz Joseph Gall no incio do sculo XIX. Gall acreditava que ao analisar a superfcie do crnio, seria

    possvel saber se uma faculdade mental era bem desenvolvida ou no. Os trabalhos de Paul Broca (em relao o centro do controle da fala) e Karl Wernicke (em relao rea de compreenso da fala) ofereceram evidncias slidas sobre essa questo.

    Entre os grandes opositores do localizacionismo, destaca-se o neurologista Hughlings Jackson. Para ele, os processos mentais deveriam ser associados ao crebro no por sua localizao em reas especficas, mas sim atravs de uma compreenso hierrquica do sistema nervoso. A viso localizacionista foi

    superada por um novo conceito de funo: o holismo. Para os holistas, no haveria uma especificidade regional no crebro, o qual controlaria o comportamento atuando como um todo, mas todas as regies colaborariam num determinado momento na execuo de uma tarefa.

    Estudos como os de Ivan Pavlov, Lev Vygotsky e Aleksandr Luria auxiliaram no fortalecimento de uma viso que integrava os princpios localizacionistas e holistas. Por exemplo, Luria (1966) postula o conceito de

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    sistemas funcionais. Em sua teoria, as funes mais elementares poderiam at

    ser localizadas, mas os processos mentais geralmente envolviam sistemas que atuavam em conjunto, situando-se em reas distintas do crebro.

    Diferente de Luria, Norman e Shallice (1980) prope a idia de que mesmo os sistemas centrais tais como o Sistema Atencional Supervisor (SAS), possuem graus de modularidade diferenciados, uma modularidade em cascata. Assim, influenciado pela perspectiva de modularidade contempornea de Marr (1982), Shallice introduz questes de importncia terico-clnicas na Neuropsicologia. Essa ntima ligao entre a Neuropsicologia Cognitiva e

    Psicologia Cognitiva, que surge por volta das dcadas de 60 e 70, ir cada vez mais, contribuir para o estudo da cognio humana.

    Do mesmo modo, o dilogo entre a Psicologia do Desenvolvimento e a Neuropsicologia Cognitiva do Desenvolvimento vem se estreitando. De acordo

    com Cagnin (2009), os achados da Neuropsicologia infantil tm muito colaborado para a reestruturao de questes no mbito da Psicologia do Desenvolvimento Cognitivo. Um exemplo desse tipo de contribuio so as novas verses dadas perspectivas mais tradicionais como as de Piaget, que preconizam um

    desenvolvimento cognitivo de domnio geral. Aps 100 anos dos trabalhos de Ramn y Cajal, pudemos pela primeira

    vez observar, de forma no intrusiva, um crebro humano vivo e consciente em pleno funcionamento atravs do advento das tcnicas de neuroimagem.

    Atualmente, contamos no s com a Ressonncia Magntica funcional (fMRI), mas tambm com tomografia computadorizada por emisso de psitrons (PET Scan) ou por fton nico (SPECT), magnetoencefalografia (MEG) e traadores de atividade neuronal baseados em expresso gnica (c-Fos). Atravs dos inmeros mtodos de investigao, novas evidncias tm ampliado nosso conhecimento

    acerca das correlaes antomo-funcionais, bem como de localizaes mais precisas das atividades mentais.

    Desta forma, tanto a revoluo cognitiva quanto a revoluo tecnolgica

    vem reformulando questes sobre a relao mente-crebro. Ao mesmo tempo,

    aponta os prprios limites de se pensar isoladamente na localizao das funes cognitivas, mas sim, a importncia de se conhecer as conexes existentes entre elas como um todo (Capovilla, 2007).

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    O desenvolvimento de diversos estudos que investigam a localizao das

    funes cerebrais no campo da neurocincia tem contribudo em uma melhor compreenso dos substratos neurais do comportamento humano e seu funcionamento cerebral. Assim, possvel nesta seo apontar as principais reas e estruturas relacionadas aos processos cognitivos citados abaixo.

    3.1. Sensao e Percepo

    A sensao e a percepo constituem a base para a formao de todo nosso conhecimento acerca do mundo externo e interno, atravs dos rgos dos sentidos

    e as clulas. De acordo com Engelhardt, Laks e Rozenthal (1995), a seqncia de eventos resultantes na percepo de estmulos se inicia em clulas especializadas. Desde os receptores perifricos e as vias aferentes, at o crtex, passando pela medula, tronco cerebral e tlamo, o processamento se por diferentes nveis. Cada

    sistema sensorial apresenta uma modulao prpria para o reconhecimento consciente do estmulo aplicado. Posteriormente, os receptores sensoriais se encarregam de traduzir os estmulos, que so codificados e levados por vias complexas para os centros superiores, onde por fim, essas informaes so

    processadas. Os sistemas sensoriais apresentam uma organizao mista, hierrquica e em

    paralelo de acordo com a etapa de processamento. Um bom exemplo dessa organizao o sistema visual. Os olhos e suas estruturas desempenham um papel

    fundamental nesse processo. Eles captam as imagens, transformando-as em impulsos eltricos, que sero enviados atravs do nervo ptico, ao crebro. Os processos visuais so centralizados no lobo occipital, em especial no crtex visual primrio e no crtex visual de associao. Os inmeros aspectos de um estmulo visual esto vinculados atividade da rea visual primria (Grill-Spector e Malach, 2004).

    Grande parte das informaes para as reas especializadas provm da V1, que juntamente com a V2 que distribuem os diferentes sinais para as reas apropriadas. Assim, o crtex temporal medial (MT ou V5) est relacionada com o movimento e a profundidade, a rea V4 percepo de cor e forma, que alcana o crtex temporal inferior (IT). Desta forma, a percepo de forma e cor utiliza uma

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    via ventral (o que), relacionada com a identificao de um objeto. Enquanto a percepo de movimento e de profundidade depende de uma via dorsal (onde), envolvida na localizao espacial dos objetos (Milner e Goodale, 1995; Ungerleider e Mishkin, 1982).

    Figura 3 Esquema das vias dorsal e ventral (adaptado de Milner e Goodale, 1995).

    O processamento auditivo centralizado no lobo temporal, principalmente no crtex auditivo primrio. As informaes da cclea apresentam conexes complexas ao nvel do tronco cerebral (Phillips, 1995). Os estmulos auditivos so processados por vias paralelas ascendentes, diretas e cruzadas, a partir dos ncleos

    cocleares. Neles, as vias binaural e monaural formam o lemnisco lateral, que terminam no colculo superior, projetado para o corpo geniculado medial.

    As informaes acsticas ascendem ao crtex auditivo atravs de vias paralelas e terminam em regies especficas para o processamento do tempo,

    intensidade e freqncia do som. Dessa forma, as diferentes regies funcionais do crtex decompem a informao auditiva em componentes menores para gerar a percepo da localizao, altura e volume. Finalmente, so direcionadas para as reas de associao onde os sons so apreciados de acordo com seu tipo (Celesia, 1976).

    A gustao tem seu processamento a partir da estimulao de clulas receptoras que esto agrupadas nas papilas gustativas. Kinnamon e Cummings (1992) ressaltam os diferentes mtodos para converter a informao da estrutura

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    qumica dos estmulos gustativos em sinais eltricos. Estmulos salgados e azedos,

    por exemplo, agem diretamente sobre os canais inicos especficos localizados nas membranas das clulas receptoras. No entanto, os estmulos doce, amargo e umami apresentam converso mediada por receptores acoplados a G-Proteinas.

    Em todos os casos, os sinais eltricos produzidos so enviados ao sistema

    nervoso central atravs dos nervos cranianos. Os sinais eltricos so enviados at a medula, onde fibras aferentes as projetam diretamente para o ncleo ventral pstero-medial do tlamo. Alm disso, foram observadas projees adicionais para o crtex somatosensorial primrio, possvel regio que integra os aspectos

    quimo e somatosensrios dos estmulos gustativos (Arajo, 2003). Em comparao aos outros mamferos, o olfato do ser humano pouco

    desenvolvido. Combinado com a gustao, o olfato nos ajuda a identificar os alimentos e alertar sobre alguma substncia nociva. Os receptores olfativos

    projetam seus axnios para o interior dos bulbos olfatrios, onde convergem para formar estruturas sinpticas chamadas glomrulos. Estas se conectam em grupos que convergem para as clulas mitrais. Posteriormente, os axnios de sada dos bulbos, estendem-se pelos tractos olfativos, projetando diretamente para regies primitivas do crtex. Ento, a informao vai para o tlamo e depois, para o nocrtex (Bear, Connors e Paradiso, 2002). As percepes conscientes do cheiro podem ser mediadas por uma via que vai do tubrculo olfatrio ao ncleo medial dorsal do tlamo, e por fim, para o crtex orbitofrontal.

    3.2. Ateno

    Devido sua complexidade, a ateno um produto do funcionamento integrado de inmeras estruturas corticais e sub-corticais, alm de sistemas de redes neurais, que constituem a neuroanatomia da ateno. O estado de alerta d

    incio recepo de estmulos provenientes dos rgos sensoriais. No tronco enceflico, mais especificamente na formao reticular, ocorre ento a regulao

    da tenacidade (Brando, 1995). Porm, so as projees do sistema ativador reticular ascendente (SARA) que possibilitam a ativao cortical, a manuteno do alerta e viglia e a escolha das respostas comportamentais. A ativao inicial do crtex parietal na recepo de informaes sensoriais, os ncleos da base e do

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    colculo superior com as informaes motoras, alm das informaes lmbicas

    advindas do giro do cngulo e da amgdala so reguladas atravs de aferncias da formao reticular (Lima, 2005).

    As habilidades de seleo de estmulos relevantes e inibio de estmulos distratores so fatores essenciais para a cognio e processo de aprendizagem.

    Para Mesulam (1999), trs estruturas esto relacionadas ateno seletiva: o crtex parietal superior, relacionado com a representao espacial exterior; o crtex pr-motor lateral, responsvel pela orientao e movimentos de explorao; e o giro do cngulo anterior, associado com a monitorao da resposta.

    Alm dessas reas, autores como Muskat (2008) e Lima (2005) tambm relacionaram o crtex pr-frontal no controle voluntrio da ateno, o crtex fronto-parietal e os ncleos da base no acoplamento de novos estmulos e o ncleo pulvinar no filtro de informaes relevantes das irrelevantes, localizao do alvo

    visual, engajamento. De maneira inversa, a inibio de estmulos irrelevantes est ligada aos componentes do sistema lmbico com o foco dado pelos processos emocionais e motivacionais, o crtex parietal pela inibio do foco do estmulo e as reas frontais com a alocao dos processos inibitrios (Muskat; 2008).

    Nos processos atencionais, diversas regies cerebrais so acionadas, trabalhando de maneira integrada, mas para que todos componentes funcionem em harmonia necessrio um gerenciador de atividades. O controle e organizao executiva da ateno tm papel fundamental no s no na manuteno da

    disposio para agir e controle inibitrio como tambm no planejamento e execuo direcionados metas e auto-regulao da ao. Essa funo possui grande relao com as reas anteriores do crebro, sobretudo nas reas pr-frontais e rbito-frontais (Estvez-Gonzlez, Garca-Snchez e Junque, 1997).

    Por fim, outras duas funes importantes na ateno a ateno sustentada,

    que estaria envolvida com o tlamo e o crtex frontal anterior, e a ateno dividida, que seria ativada pelo crtex parietal anterior, crtex pr-frontal e pelo tlamo (Engelhardt et al 1996).

    3.3. Memria

    Considerveis avanos tm ocorrido, nas ultimas dcadas, em relao compreenso sobre o funcionamento da memria. Resultados apontam cada vez

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    mais que a memria no se localiza apenas em uma regio, tendo suas funes

    compartilhadas por mltiplas estruturas de acordo com sua especificidade (Fuster, 1995; Oliveira e Bueno, 1993, Weiskrantz, 1987).

    Acredita-se que a regio temporal medial, mais especificamente, o hipocampo seja uma das estruturas mais importantes na codificao e formao de novas memrias. Mais do que isso, Moscovitch (2003) acredita que sua funo seja de integrao e consolidao de informaes sensoriais separadas, alm da transferncia de informaes recm-sintetizadas para estruturas de longo prazo (Squire e Zola-Morgan, 1991; Zola-Morgan e Squire, 1990). Enquanto o hipocampo parece ser responsvel pela formao da memria declarativa, a amgdala estaria relacionada memria emocional, dando uma tonalidade afetiva ao material aprendido (Ledoux, 2001; Cahill et al., 1995). Da mesma forma, outras estruturas parecem ter relao com as memrias no-declarativas, demonstrado na

    figura 4.

    Figura 4 - Memria de longo prazo e suas estruturas associadas. Adaptado de Callegaro e Landeira-Fernandez (2007).

    A partir de estudo realizado por Mishkin e Petri (1984), foi observado um envolvimento dos ncleos da base, em especial o ncleo caudado, na memria de procedimentos. O cerebelo apresenta papel relevante no aprendizado condicionado

    de respostas motoras (Bugalho, Correa e Viana-Baptista, 2006; Thompson, 1987), enquanto a amgdala relaciona-se s respostas emocionais. Por outro lado, os

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    aprendizados no-associativos, esto envolvidos com as vias reflexas sensoriais.

    Estudos com neuroimagem apontam ativao da rea neocortical no que diz respeito ao efeito de pr-ativao ou priming (Squire e Knowlton, 1995; Tulving e Schacter, 1990).

    Assim como os diversos tipos de memria citadas anteriormente, as

    estruturas cerebrais envolvidas em cada componente da memria operacional abarcam amplas regies do sistema nervoso que pode ser observado na tabela 1. Contudo, o crtex pr-frontal desempenha um papel crucial no processamento desse tipo de memria (Izquierdo, 2002).

    Tipo de Memria reas Corticais Hemisfrio rea de Broadman

    Ala Fonolgica Armazenamento

    Reverberao

    Parietal Posterior rea de Broca, Crtex Pr-Motor e Motor Suplementar

    Esquerdo

    40 44, 6

    6

    Esboo Visuo-Espacial Armazenamento

    Reverberao

    Pr-Frontal Inferior Occipital Anterior, Parietal Posterior e Crtex Pr-Motor

    Direito

    47 19, 40

    6

    Executivo Central Processos Executivos

    Crtex Frontal Dorsolateral e o Crtex Pr-Frontal

    Esquerdo / Bilateral

    9, 10, 44, 45, 46

    Tabela 1 reas corticais relacionadas aos diferentes componentes da memria de trabalho. Adaptado de Gathercole (1999).

    A ala fonolgica tem seus sub-componentes localizados no hemisfrio esquerdo, onde o armazenador estaria associado ao crtex parietal posterior,

    enquanto o mecanismo de reverberao se sobrepe rea de Broca e ao crtex pr-motor (Smith e Jonides, 1998). Ao mesmo tempo, o esboo visuo-espacial composto pelo armazenador visual, localizado no crtex pr-frontal inferior e pelo mecanismo espacial, ocupando o crtex occipital anterior, crtex parietal posterior

    e o crtex pr-motor, ambos no hemisfrio direito (OReilly, Braver e Cohen, 1999). Por fim, o executivo central tem representaes bilaterais no crtex cerebral, e est relacionado principalmente ao crtex frontal dorso-lateral e ao crtex pr-frontal (Collete e Linden, 2002; Gathercole, 1999).

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    3.4. Linguagem

    Durante muitas dcadas, grande nfase foi dada aos estudos sobre linguagem. Contribuies como as de Paul Broca e Karl Wernicke continuam sendo lembradas at hoje. O avano da tecnologia e a utilizao de tcnicas avanadas de neuroimagem permitiram uma importante evoluo a respeito do conhecimento de circuitos neurais relacionados linguagem (Vieira, Fay e Neiva-Silva, 2007).

    Atravs de tcnicas menos invasivas possvel observar como os processos

    se do em indivduos normais e no apenas em lesionados, como antigamente. Entretanto, sabe-se muito mais sobre as reas envolvidas na linguagem em adultos do que em crianas. O fato de estarem em constante desenvolvimento, torna-as mais susceptveis plasticidade e mudanas funcionais, podendo no ser as

    mesmas reas nas crianas (Muszkat e Mello, 2008). O processamento da linguagem bastante complexo, ocorrendo em

    estruturas especficas e localizaes determinadas. Desde Marc Dax (1865), inmeros estudos foram realizados envolvendo a questo da especializao

    hemisfrica da linguagem. Atualmente, h uma grande aceitao que alguns aspectos da linguagem seriam mediados por um hemisfrio dominante (Knecht et al., 2000). Em geral, o hemisfrio esquerdo que estaria relacionado articulao e compreenso da linguagem, assim como no reconhecimento da palavra; e o

    direito, com aspectos prosdicos e afetivo-emocionais da linguagem (Springer e Deutsch, 1998).

    Quanto aos aspectos neurais relacionados linguagem expressiva, temos o cerebelo, responsvel pelo seqenciamento dos movimentos na fala e pela monitorao da fonao; o crtex motor (poro posterior do lobo frontal), que estaria associado aos atos motores de fonao; os nervos motores, que controlam a motricidade dos msculos faciais e rgos fonoarticulatrios; e os ncleos da base, responsveis pelo controle do automatismo motor (Rocha, 1999). Alm dessas estruturas, temos a rea de Broca, situado no giro frontal ascendente

    esquerdo, com papel fundamental no planejamento motor da linguagem, na articulao e produo da fala (Machado, 2002). Os aspectos no-verbais como a

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    prosdia e pragmtica esto associados ao hemisfrio direito. No entanto, o

    aspecto motivacional da linguagem esta relacionado ao giro do cngulo e outras reas mais lmbicas do lobo frontal (Muszkat e Mello, 2008).

    As funes receptivas envolvem as reas auditivas, localizada no lobo temporal, e as reas visuais, predominantes no lobo occipital, alm dos nervos

    sensitivos e as reas motoras, assim como as relacionadas com os movimentos oculares e a rotao da cabea, movimentos presentes durante a leitura (Machado, 2002). A rea de Wernicke, localizada na poro medial e superior do lobo temporal esquerdo, responsvel pela compreenso da linguagem (Price, 2000). Outra estrutura importante o giro angular situado no lobo parietal, participa do processo de decodificao da linguagem escrita, processo de leitura e integrao de informaes sensoriais (Bookheimer et al., 1995).

    3.5. Habilidades Visuoconstrutivas

    A partir do estudo de pacientes com leses unilaterais, observa-se uma diferenciao entre os dois hemisfrios cerebrais quanto suas capacidades no processamento das informaes para a realizao de tarefas visuo-construtivas.

    Assim, considera-se o hemisfrio direito associado configurao global de um estmulo, enquanto o hemisfrio esquerdo estaria associado discriminao de suas partes constituintes (Zuccolo, Rzezak e Gis, 2010).

    Alm de uma diferenciao hemisfrica, as habilidades visuo-construtivas

    dependem de regies corticais posteriores, tais como o crtex occipital fundamental na anlise e integrao dos componentes visuais (formas, cores, tamanho) e crtex parietal (giro angular e supramarginal), relacionado aos componentes espaciais do estmulo e questes visuo-espaciais da grafia (Giannakopoulos et al, 1998; Roncato et al., 1987).

    Em relao elaborao da representao mental, as reas frontais so ativadas no planejamento da ao motora. Por fim, a execuo de qualquer tarefa visuo-construtivas exige a participao das reas do crtex motor seja para a cosntruo ou para reproduo de algum padro visual (Bushnell e Boudreau, 1993).

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    3.6. Funes Executivas

    Por muito tempo, acreditou-se que as funes executivas estavam relacionadas apenas ao lobo frontal, especificamente ao crtex pr-frontal. Atualmente, atravs dos mtodos de neuroimagem sabe-se que esse constructo

    est associado a diferentes regies dos lobos frontais (Stuss et al. 2002; Stuss e Alexander 2000; Koechlin et al. 2000), bem como distribudos em uma ampla rede cerebral, que inclui estruturas subcorticais e vias do tlamo (Monchi et al. 2006; Lewis et al. 2004). Presume-se que o crtex pr-frontal seja a regio mais relacionada ao funcionamento executivo e possui papel central na coordenao e integrao entre os diferentes processos cognitivos e emocionais. (Mitchell e Phillips, 2007). Alm disso, Weinberger (1993) ressalta seu alto grau de conectividade, compreendendo mais de trinta por cento do peso cerebral e sua

    superfcie.

    O crtex pr-frontal possui aspectos nicos que sugerem a mediao e o controle do funcionamento executivo, sendo a rea que possui mais regies cerebrais conectadas a elas, alm de receber diretamente entrada de outras reas

    heteromodais associativas. O crtex pr-frontal o maior alvo neocortical das informaes processada nos circuitos lmbicos e das projees dos circuitos (Royall et al., 2002). Deste modo, a nica regio cortical capaz de integrar informaes motivacionais, mnmicas, emocionais, somatosensoriais e sensaes

    externas, de maneira unificada e com metas direcionadas. (Anderson et al., 2001a).

    O crtex frontal pode estar organizado de acordo com a natureza do material a ser processado ou com o tipo de processamento requerido (Owen, 2000; Goldman-Rakic, 1996). Por exemplo, a manipulao de informao em tarefas complexas normalmente ativa o crtex pr-frontal inferior direito, enquanto o crtex frontal superior mais ativado quando a informao precisa ser renovada e mantida na memria (Wager e Smith, 2003). Stuss et al (2002) notaram que a rea frontal dorsolateral direita estaria envolvida no monitoramento do comportamento

    e a mesma rea s que do lado esquerdo estaria relacionada ao processamento verbal. De acordo com Fuster (2002) a regio pr-frontal medial e cingulado

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    anterior estariam envolvidos na reorganizao da ateno e na motivao, a regio

    pr-frontal lateral na memria de trabalho e definir, e a regio rbito-medial no controle inibitrio de impulsos e interferncia.

    Como visto anteriormente, o crtex pr-frontal est envolvido com muitos aspectos cognitivos e comportamentais especficos. Contudo, Royall e

    colaboradores (2002) identificaram trs importantes circuitos (sntese apresentada na figura 5) que esto mais relacionados ao desempenho das funes executivas, com origem no lobo frontal e enviando projees para os ncleos da base e para o tlamo.

    Figura 5 Circuitos do crtex pr-frontal e as funes executivas. Adaptado de Royall e colaboradores (2002).

    O primeiro o circuito crtex pr-frontal dorsolateral que se projeta para parte dorsolateral do ncleo caudado e tambm recebe informaes do crtex parietal e da rea pr-motora. Esta regio pr-frontal dorsolateral uma rea de convergncia multimodal e parece ter relao com o planejamento,

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    estabelecimento de metas, flexibilidade cognitiva, fluncia, memria de trabalho

    verbal e visuo-espacial, auto-regulao e tomada de deciso. Em seguida, o circuito rbito-frontal lateral tm origem no crtex pr-

    frontal lateral inferior e ventral anterior, projeta-se para o ncleo caudado ventromedial e recebe informaes de outras reas corticais. Esta regio tambm

    recebe entrada de informao das reas de processamento visual e auditivo dos lobos occipital e temporal. No crtex orbitofrontal, h uma forte interconexo com as reas de processamento cognitivo e emocional. Portanto, estaria envolvido em alguns aspectos de comportamento social como controle inibitrio, empatia e

    cumprimento de regras sociais. Por fim, o circuito do cngulo anterior/crtex pr-frontal medial se projeta

    para o estriado ventral, recebe sinais do crtex de associao paralmbico, continuando at o ncleo talmico dorsomedial. Este circuito teria relao com o

    monitoramento do comportamento, motivao, controle executivo da ateno, seleo e controle de respostas, recebendo informao de regies como o hipocampo e a amgdala.

    De fato, os aspectos multifacetados das funes executivas e os mltiplos

    componentes das tarefas, dificultam a investigao e o controle das variveis. Assim, no permitem o isolamento de uma habilidade executiva especfica, o que provoca certo questionamento sobre as localizaes cerebrais relacionadas ao funcionamento executivo (Collete et al., 2005). Ao mesmo tempo, a grande quantidade de conexes com diversas regies do crebro demonstra sua importncia no controle da funo executiva e no funcionamento de outras funes cognitivas.

    Essa perspectiva mais abrangente e "holista" das funes executivas pode ser lida no trabalho de Faw (2003). Nele, o autor lana a idia do lobo pr-frontal servir como um "comit executivo" composto de cinco membros ou cinco sistemas sub-corticais-e-posteriores: o apreendedor, o verbalizador, o motivador, o atentivo e o coordenador. Cada membro desse comit estaria relacionado a um sistema pr-frontal e habilidades cognitivas especficas. Segue descrio abaixo.

    No caso do apreendedor, via pre-frontal ventro lateral, recebe informaes bem bsicas sobre objetos e o ambiente de cada um dos cinco sistemas exteroceptivos. Esse sistema utiliza essas informaes para discriminar e identificar objetos e situaes. O sistema verbalizador, via ventro lateral, tambm

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    recebe informaes sobre objetos e o ambiente, mas se utiliza das informaes relacionadas comunicao. J o sistema motivador, via ventro medial orbital, recebe informaes diretamente da parte perceptual, aprimorando as informaes do sistema apreendedor e verbaizador. Ele tambm recebe informaes interoceptivas, sensaes do corpo, respostas emocionais. O sistema atentivo, via

    dorso medial, est intimamente ligado ao foco atencional, recebe e processa informaes bsicas dos objetos e do ambiente, assim como fo sistema apreendedor, motivador e coordenador. Por fim, o coordenador, via dorso lateral, recebe informaes espaciais e de todo os outros sistemas.

    Segundo Faw (2003), todos esses sistemas e vias pr-frontais relacionam-se com vrias funes cognitivas tais como a percepo, ateno, memria, controle

    motor, pensamento, entre outras. De certa forma, esse comit executivo proposto

    pelo autor tem um papel relevante no s para o estudo dos circuitos neurais, mas

    tambm, para a maneira de pensar o funcionamento e desenvolvimento das funes cognitivas como um todo. Certas reas podem ter relao com certas habilidades cognitivas, assim como as funes executivas podem coordenador todas elas, por que no? Ou quem sabe, as funes executivas sejam habilidades mais avanadas de cada funo cognitiva, possuindo assim circuitos comuns?

    Enfim, explicar os modelos de cognio normal e suas respectivas reas

    cerebrais e circuitarias tm sido um constante desafio. Devido complexidade do processamento cognitivo, as funes complexas precisam ser divididas em processos mais simples e gerais, assim como serem localizadas anatomicamente de maneira isolada. possvel ter um olhar abrangente sobre o funcionamento cerebral e ao mesmo tempo, compreender mais facilmente os aspectos cognitivos

    e comportamentais do ser humano. A neurocincia e a neuropsicologia cognitiva, as novas descobertas sobre a

    circuitaria cerebral e as respectivas relaes com funes complexas do crebro tm gerado muitas explicaes e aplicaes. Esses fatos nos convencem cada vez

    mais da importncia que a pesquisa e o conhecimento produzido pelas Cincias cognitivas possuem, em especial na grande contribuio para o desenvolvimento humano.

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