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ISSN 1980-2668 SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser Ensaios FEE Porto Alegre v. 27 n. 2 p. 275-560 2006 Ensaios FEE Ensaios FEE é uma publicação semestral da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser que tem por objetivo a divulgação de trabalhos, ensaios e artigos de caráter técnico-científico da área de economia e demais ciências sociais. Semestral CONSELHO EDITORIAL Maria Lucrécia Calandro Álvaro Antonio Louzada Garcia Achyles Barcelos da Costa Edward J. Amadeo Elmar Altvater François Chesnais José Vicente Tavares dos Santos Leonardo Guimarães Neto Luis Carlos Bresser Pereira Nelson Giordano Delgado Pascal Byé Pierre Salama Ricardo Tauile Roberto Camps de Moraes CONSELHO DE REDAÇÃO Maria Lucrécia Calandro Enéas Costa de Souza Luiz Augusto Estrella Faria Maria Domingues Benetti Raul Luís Assumpção Bastos Tanya Maria Macedo Barcellos EDITOR Maria Lucrécia Calandro SECRETÁRIA EXECUTIVA Lilia Pereira Sá

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ISSN 1980-2668

SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTOFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICASiegfried Emanuel Heuser

Ensaios FEE Porto Alegre v. 27 n. 2 p. 275-560 2006

Ensaios FEEEnsaios FEE é uma publicação semestral da Fundação de Economia e Estatística SiegfriedEmanuel Heuser que tem por objetivo a divulgação de trabalhos, ensaios e artigos de carátertécnico-científico da área de economia e demais ciências sociais.

Semestral

CONSELHO EDITORIALMaria Lucrécia CalandroÁlvaro Antonio Louzada GarciaAchyles Barcelos da CostaEdward J. AmadeoElmar AltvaterFrançois ChesnaisJosé Vicente Tavares dos SantosLeonardo Guimarães NetoLuis Carlos Bresser PereiraNelson Giordano DelgadoPascal ByéPierre SalamaRicardo TauileRoberto Camps de Moraes

CONSELHO DE REDAÇÃOMaria Lucrécia CalandroEnéas Costa de SouzaLuiz Augusto Estrella FariaMaria Domingues BenettiRaul Luís Assumpção BastosTanya Maria Macedo Barcellos

EDITOR

Maria Lucrécia Calandro

SECRETÁRIA EXECUTIVA

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SECRETARIA DA COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTOFUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel HeuserCONSELHO DE PLANEJAMENTO: Antonio Carlos C. Fraquelli (Presidente), André Luis Campos, ErnestoDornelles Saraiva, Leonardo Ely Schreiner, Nelson Machado Fagundes, Pedro Silveira Bandeira e ThômazNunnenkamp.CONSELHO CURADOR: Carla Giane Soares da Cunha, Flávio Pompermayer e Lauro Nestor Renck .DIRETORIA

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ENSAIOS FEE /Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser – v. 1, n. 1 (1980) - . - Porto Alegre: FEE, 1980 – . – v. - Semestral Do v. 17 ao v. 22, deixa de ter paginação continuada. Índices: v. 1 (1980) – 9 (1988) em v. 9, n. 2; v. 10 (1989) – 11 (1990) em v. 11, n. 2; v. 12 (1991) – 15 (1994) em v. 16, n. 2.

ISSN 0101-1723

1. Economia – periódicos. 2. Estatística – periódicos. I. Fundação de Economia e Esta- tística Siegfried Emanuel Heuser.

CDU 33(05)

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É permitida a reprodução dos artigos publicados pela revista, desde que citada a fonte. São proibidas asreproduções para fins comerciais.

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Sumário

A dimensão local e os arranjos produtivos locais: conceituações eimplicações em termos de políticas de desenvolvimento indus-trial e tecnológico — Ana Lúcia Tatsch ....................................

Economias externas e vantagens competitivas dos produtores emsistemas locais de produção: as visões de Marshall, Krugman ePorter — Renato Garcia ......................................................

A inserção externa da indústria de calçados brasileira — Marisados Reis A. Botelho e Clésio Lourenço Xavier ......................

Setor têxtil-vestuário do Rio Grande do Sul: impactos da inovaçãoe da flexibilização do trabalho — Valmiria Carolina Piccinini,Sidinei Rocha de Oliveira e Daniele dos Santos Fontoura ......

A evolução regional da produtividade da mão-de-obra no setoragropecuário do Rio Grande do Sul — Valter José Stülp ...........

Uma análise multivariada da população ocupada nas regiões me-tropolitanas brasileiras — Lucia Silva Kubrusly e João Saboia

Mutações do trabalho no Brasil — abordagens interpretativas —Míriam De Toni ......................................................................

Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária deBelo Horizonte — Rodrigo Ferreira Simões, Ana Maria HermetoCamilo de Oliveira e Pedro Vasconcelos Maia do Amaral .........

Transferências redistributivas e desequilíbrios regionais: uma aná-lise exploratória da gestão pública local — Tito Belchior S. Moreira,Carlos Eduardo Gasparini, Hélio Eduardo da Silva e RicardoCoelho de Faria ....................................................................

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543O papel de La Conquista del Desierto na construção do Estadoargentino, no século XIX — Maria Heloisa Lenz ...........................

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A dimensão local e os arranjos produtivoslocais: conceituações e implicações emtermos de políticas de desenvolvimento

industrial e tecnológico*

Ana Lúcia Tatsch Professora da Unisinos, Pesquisadora associada à RedeSist-IE da UFRJ, Doutora em Economia junto ao Instituto de Economia da UFRJ

ResumoO principal objetivo deste trabalho é discutir as contribuições da literatura noque tange à relevância da dimensão local para a inovação e, portanto, dos arranjoslocais, bem como examinar as possíveis políticas de promoção desse tipo deconformação industrial. Isso se justifica, na medida em que tais arranjos esistemas produtivos são considerados relevantes espaços de aprendizagem,nos quais os canais de comunicação presentes facilitam a difusão doconhecimento, trazendo às empresas ali localizadas vantagens em termos de“performance” inovativa. Assim, a proximidade geográfica não cria somentecondições institucionais e culturais particulares, mas permite, especialmente, atroca de conhecimentos entre os agentes, sobretudo aqueles tácitos. Para darconta dessa proposta, o artigo subdivide-se em seis seções.

Palavras-chaveAglomerações produtivas; desenvolvimento econômico e tecnológico;aprendizado interativo.

* Este texto foi escrito na fase de elaboração da tese de doutorado da autora, portanto,algumas idéias poderão receber nova reflexão.

Artigo recebido em maio 2004 e aceito para publicação em jul. 2006.Artigo recebido em maio 2004 e aceito para publicação em jul. 2006.

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AbstractThe aim of this article is to discuss the literature contributions about theimportance of the territorial dimensions in a scenario of competition in globalmarkets. It is justified on the basis that all arrangements and productive systemsconsist of relevant interactive learning spaces in which their particularcharacteristics allow the existing communication channels to facilitate the diffusionof knowledge, thus allowing companies located within to obtain advantagesconcerned with innovative performance. In this way, geographical closeness notonly creates private institutional and cultural conditions but also allows exchangeof knowledge — especially tacit knowledge, among agents. To carry out thisobjective the article is divided in six sections.

Key wordsLocal productive arrangements; interactive learning.

Classificação JEL: R11, O33.

1 Introdução

O principal objetivo deste trabalho é discutir as contribuições da literaturano que tange à relevância da dimensão local para a inovação e, portanto, dosarranjos locais, bem como examinar as possíveis políticas de promoção dessetipo de conformação industrial.

Para tanto, na seção 1, procurar-se-á construir um pano de fundo para talanálise, ou seja, buscar-se-á verificar as mudanças que as economias mundiaisvêm sofrendo, bem como realizar algumas considerações, a partir da abordagemneo-schumpeteriana evolucionista, sobre os processos de concorrência, geraçãoe difusão de inovações.

A partir dessas considerações, na seção 2, investigar-se-á a importânciado local no cenário crescentemente globalizado, assim como a relevância dasaglomerações produtivas para a promoção do desenvolvimento econômico etecnológico de uma região em particular. Em seguida, na seção 3, tratar-se-ámais especificamente das particularidades dos países em desenvolvimento frenteao novo contexto. Já na seção 4, procurar-se-á comentar as possíveis estratégias

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e políticas, tanto públicas quanto privadas, de promoção do desenvolvimentoindustrial e tecnológico. Por fim, na última seção, serão apresentadas asConsiderações finais.

2 Contextualização: as mudanças no cenário mundial e a abordagem neo- -schumpeteriana evolucionista

No final dos anos 60, o padrão industrial até então dominante começou aperder dinamismo. Esse padrão, estabelecido a partir do pós-guerra, assentava--se no complexo metal-mecânico e no setor petroquímico e alicerçava-se emuma estrutura de produção calcada na expansão de grandes unidades produtivase na fabricação em grande escala, com uma organização da produção e doprocesso de trabalho baseada nos métodos tayloristas/fordistas, cujascaracterísticas eram o parcelamento, a especialização e a intensificação dotrabalho. Tal perda de dinamismo evidenciou-se em nível mundial através dadiminuição do ritmo de crescimento da atividade econômica, da queda deprodutividade do trabalho, da redução das taxas de rentabilidade e da conseqüenteelevação dos níveis de capacidade ociosa e de desemprego.

Aos limites dados pelo esgotamento histórico das técnicas tayloristas//fordistas, como suporte de ganhos de produtividade, somaram a instabilidadedos mercados e as novas normas de consumo e de concorrência daí resultantes.

Embora o debate acerca do novo padrão de organização industrial sejacontroverso, há consenso entre os estudiosos de que, a partir do início dosanos 70, uma nova prática produtiva se estabeleceu, a qual se fundamenta nasinovações tecnológicas associadas à microeletrônica, à biotecnologia e àinformática, dentre outras, relacionadas às novas formas de gestão e organizaçãodo trabalho.

As chamadas Tecnologias da Informação (TIs), que compreendeminformática, telecomunicações, engenharia de sistemas e de softwares,caracterizam o novo paradigma tecno-econômico das tecnologias da informação.1

Tais tecnologias permitiram grandes reduções nos custos de armazenagem,

1 Dois interessantes quadros comparativos das principais características dos sucessivosparadigmas tecno-econômicos podem ser encontrados em Lastres e Ferraz (1999, p. 34 e37).

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processamento e disseminação de informação e impactaram diferentes atividadeseconômicas, embora de forma desigual. De todo modo, a difusão desse paradigmavem impondo às organizações novos formatos e novas estratégias, calcadas,cada vez mais, em informações e conhecimentos (Lastres; Ferraz, 1999).

Em outras palavras, esse novo paradigma se distingue pelas aceleradavelocidade e melhora da qualidade no processamento e na transmissão deinformações, pela possibilidade de manipulação e de armazenamento de grandesquantidades destas, bem como pela perspectiva de acesso a um significativovolume delas e, ainda, pela flexibilidade nas formas de organização do processoindustrial (Freeman; Soete, 1997).

Somam-se à adoção de novas tecnologias outras transformaçõesvivenciadas pelas diversas economias mundiais, nos últimos anos, como ainternacionalização dos mercados, a globalização e o conseqüente aumento daconcorrência internacional.

Esse processo de globalização, em sua dupla dimensão — produtiva efinanceira —,

[...] envolve mais que a difusão em nível mundial de tecnologias e processosprodutivos, padrões de consumo e correspondentes fluxos de capitalfinanceiros e de empresas transnacionais. Sua principal característica é oreforço dos vínculos de interdependência econômica entre empresase, por extensão, entre regiões e países, quer no âmbito produtivo —mediante a realização de alianças estratégicas, joint-ventures, parceriastecnológicas e várias formas de networking —, quer no financeiro —mediante diversificação de ativos, novos títulos securitizados,interpenetração patrimonial e movimentos especulativos instabilizadoresnos mercados de capitais de curto prazo e de câmbio (Possas, 1996,p. 95).

Assim, tal processo tem influência sobre o desempenho e sobre as opçõesestratégicas das firmas domésticas.

Nesse novo contexto, no qual se observa, como se viu, o advento doparadigma das tecnologias de informação e a aceleração da globalização, oconhecimento torna-se o principal ativo de competição. Nesse sentido, conformeLastres, Vargas e Lemos (2000, p. 6),

[...] o acesso a conhecimentos de vários níveis, particularmente aquelescientíficos e tecnológicos, assim como a capacidade de apreendê-los,acumulá-los e usá-los são vistos como definidores do grau de competitivida-de e desenvolvimento de nações, regiões, setores, empresas e indivíduos.

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Daí a denominação Economia do Conhecimento ou Economia Baseada noConhecimento, dada por alguns autores2, enfatizando a idéia de que a habilidadede aprender se torna crucial para o sucesso das economias atualmente.

Todo esse contexto levou, sem dúvida, os países, os setores e as empresasa buscar se reestruturarem, de modo a garantir uma inserção competitiva nessesnovos cenários que se delineiam. Assim, diversos estudos têm destacado oimpacto das transformações sofridas no cenário mundial e desse novo paradigmacalcado em tecnologias de informação e telecomunicações na estruturaorganizacional dos agentes, bem como nas relações que se estabelecem entreeles.

Para finalizar esta seção, vale ainda destacar alguns aspectos do enfoqueneo-schumpeteriano evolucionista, de modo a melhor construir o referencial neces-sário para as seções subseqüentes. Tal abordagem, ao colocar-se como alternativaao mainstream neoclássico, rompe com os dois pilares-chave do referencialortodoxo: a noção de equilíbrio de mercado e o pressuposto do comportamentomaximizador por parte das firmas, ou racionalidade substantiva. A primeira noçãoé refutada em prol dos desequilíbrios micro e macroeconômicos resultantes dosesforços inovativos dos agentes em concorrência. Nesse sentido, a trajetória dosistema econômico é vista como um processo evolutivo complexo, aberto enão determinístico, não ergódigo e não estacionário. Portanto, ao longo desseprocesso, as posições competitivas das empresas sofrem constantes ajustes,e os mercados, enquanto espaços desse processo, são ambientes seletivosque dão origem a assimetrias e a desigualdades e não são vistas comomecanismos de ajustamento que levam ao equilíbrio. Já o segundo pressupostoé substituído pela racionalidade limitada e processual, a qual é possível em umambiente complexo e marcado pela incerteza (Possas, 1996, p. 75).

Logo, a concorrência é vista como um processo de interação entre unidadeseconômicas voltadas à apropriação de lucros e à valorização dos ativos decapital, o que não pressupõe nem leva a algum equilíbrio; pelo contrário, vincula--se a desequilíbrios advindos da busca pela diferenciação e da criação devantagens competitivas pelas empresas. Tais empresas esforçam-se para reteressas vantagens na forma de ganhos monopolistas, mesmo que esses ganhossejam temporários e restritos a segmentos específicos de mercado.

Assim, esse lucro decorrente de um monopólio temporário de vantagens éobtido através de inovações, que podem assumir diferentes formas — novosprodutos, novos processos de produção, novos mercados, novas fontes dematérias-primas e novas organizações industriais. Com a difusão dessas

2 Ver, por exemplo, o trabalho de Johnson e Lundvall (2000).

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vantagens ao longo do processo de concorrência, ou com o aparecimento deoutras inovações, esse lucro temporário pode desaparecer.

Portanto, a noção evolucionista de concorrência, ao enfatizar seu caráterativo e desequilibrador, facilita a análise das estratégias competitivas. Dessemodo, a diferenciação entre as empresas apresenta-se, ao mesmo tempo, comopressuposto e como resultado do processo de concorrência e da evolução dosistema econômico; e tais firmas são capazes de interferir no ambiente (atravésde novas tecnologias, processos, produtos, etc.) e modificar as preferênciasdos consumidores, bem como podem buscar a cooperação entre elas, com ointuito de gerar inovações visando à eficiência dinâmica (Fagundes, 1997).

Ainda segundo essa abordagem evolucionista, o local, enquanto elementoativo no processo de criação e difusão de inovação, ganha relevância, pois, aoconsiderar-se que os processos de geração de conhecimento e de inovação sãointerativos e localizados, compreende-se que a interação que ocorre entre osagentes nesse espaço local favorece e potencializa tais processos. E, ainda,infere-se que o quadro institucional local específico, por meio de mecanismosespecíficos de aprendizagem, gera processos inovativos qualitativamentediferentes (Lastres; Cassiolato; Lemos, 1999).

3 A importância da dimensão local e os arranjos produtivos locais

A partir das considerações da seção anterior, parece ficar claro, levando--se em conta a análise evolucionista, o quanto a dimensão local é relevantepara a geração e a difusão de inovações, já que as capacidades de inovação ede aprendizado emergem das características locais, isto é, da estrutura social,institucional e produtiva de cada região.

No entanto, tal clareza não parece evidente, ao se analisarem as discussõesa respeito das mudanças recentes no cenário mundial, sobretudo daquelasreferentes ao crescente processo de globalização da economia. Alguns autoresargumentam que, com a globalização, os espaços nacionais ficam anulados,ressaltando a perda de importância da dimensão local na atual fase docapitalismo. Tal linha de pensamento acaba criando uma falsa dicotomia entre oglobal e o local, quando, na realidade, conforme Johnson e Lundvall (2000), sepode observar, isto sim, a combinação dos dois fenômenos — globalização elocalização. Assim, a partir desse outro conjunto de argumentos, acredita-seque a globalização pode até mesmo transformar os sistemas locais, mas nãoanula a importância desses contextos sociais e institucionais particulares. E

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ainda mais, dentro dessa ótica, “[...] a globalização e a especialização internacionalse baseiam no fortalecimento de distritos e networks regionais” (López; Lugones,1999, p. 86).

Para reforçar essa corrente de argumentação, vale também citar o trabalhode Benko (2002), no qual o autor enfatiza a coexistência de um processo deglobalização dos fluxos econômicos com a reaglomeração visível do território.De acordo com ele, a ressurgência da produção flexível reforça a dimensão daespecialização inter-regional. Da mesma forma, sublinha que, ao cabo dessaglobalização econômica, um meio regional inovador emerge, o qual não substituios meios locais, nem tampouco é a soma deles. Portanto, para esse autor, “[...]a territorialidade regional não se analisa como a justaposição dos territórioslocais, mas como uma realidade territorial nova, que nasce de suas inter-relações”(Ibid., p. 63). Por isso,

[...] o território regional pode ser caracterizado, em primeiro lugar, como umespaço de comunicações para a integração de know-how e produçãocultural. Ele se constitui, notadamente, a partir da inserção dos atoreslocais em redes de inovações e externalidades que associam diferentespapéis de excelência da região, assim como das práticas que desenvolvemaí (Ibid., p. 63).

Ainda conforme Benko, esse meio regional inovador é formado:

[...] de todos os atores que têm uma representação e uma concepçãoconvergente daquilo que a organização regional traz ao integrar ascapacidades dos sistemas locais e que a valorizam pela maior criatividadesocioeconômica que daí resulta. Essa racionalização procede da práticaacumulada nas redes anteriormente evocadas. O meio inovador regional éo conjunto das habilidades coletivas oriundas dessas práticas e suamobilização nos procedimentos mais ou menos informais que fazemavançar as problemáticas econômicas propriamente regionais, bem comosuas soluções. Ele se manifesta por meio da cultura que assim se constitui(2002, p. 63).

Dessa forma, existe um conjunto de teses que consideram a dimensãolocal como fator determinante da capacidade inovativa e que encaram os arranjoslocais como uma alternativa viável e relevante de desenvolvimento econômico.Nessa direção, uma série de pesquisas têm enfatizado a relação entreproximidade geográfica, dinamismo tecnológico e vantagens competitivas,através da análise de diversas experiências de arranjos produtivos locais. Assim,tais abordagens, ao perceberem que o aprendizado interativo é um aspecto--chave no novo contexto de desenvolvimento econômico e tecnológico, ressaltama proximidade geográfica como o melhor ambiente para promover o intercâmbiode conhecimentos tácitos. Portanto, destacam a importância crescente dasaglomerações industriais locais e regionais enquanto fator fundamental na busca

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de competitividade e de dinamismo tecnológico de firmas de diferentes setores.Além disso, um dos elementos-chave desses estudos compreende a percepçãode que os processos de inovação são gerados e sustentados por meio de relaçõesinterfirmas e, sobretudo, através de relações que se estabelecem entre os atoresintegrantes de circuitos inovativos em nível intra-regional (Lastres; Vargas; Lemos,2000).

Vale ainda acrescentar que os estudos e o debate acerca de aglomeraçõesprodutivas ganham também relevância em função do dinamismo, em termos degeração de emprego, de renda e de produtividade, que tais configuraçõesasseguram a determinadas regiões. Exemplos clássicos europeus podem sermencionados, com destaque para os casos da chamada Terceira Itália, deBaden-Württenberg e da Baviera, na Alemanha, e de Rhone-Alpes, na França.

O interesse em torno dessa temática que busca compreender as dinâmicaseconômica e tecnológica de uma aglomeração de firmas em um espaço geográficoespecífico tem produzido diversos estudos, gerando uma série deconceitualizações distintas: distritos industriais,clusters, arranjos produtivoslocais, sistemas produtivos locais, sistemas regionais de inovação, sistemaslocais de inovação, dentre outros.

De forma geral, entende-se que essas aglomerações se caracterizam pelaconcentração geográfica de determinado setor ou cadeia de produção, onde adesverticalização do processo produtivo permite o estabelecimento de redes decooperação e, portanto, uma especialização com complementaridade entre asempresas, o que não se estabelece apenas entre firmas, mas também entreessas e instituições de pesquisa e de capacitação, de coordenação local.

López e Lugones propõem uma distinção entre cluster, distrito industrial enetwork. Segundo os autores, o cluster pode ser entendido enquanto umaconcentração setorial e geográfica de firmas ou networking de pequenas e médiasempresas que não se encontram necessariamente no mesmo setor ou localidade.Já o distrito industrial emerge quando um cluster desenvolve não só padrões deespecialização interfirma, mas também formas implícitas e explícitas decolaboração entre agentes econômicos locais e associações setoriais. A network,por sua vez, não implica necessariamente a proximidade geográfica de pequenase médias empresas, uma vez que a cooperação entre firmas e o aprendizadocoletivo pode existir mesmo entre aquelas que não estão na mesma localidade(López; Lugones, 1999, p. 85).

De todo modo, um conceito-chave para a análise de aglomerações é oelaborado por Schmitz, de “eficiência coletiva”, entendido a partir da vantagemcompetitiva que se estabelece nos distritos industriais derivada de externalidadeslocais e da ação conjunta das empresas. Na visão desse autor, a concentração

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regional e setorial de pequenas e médias empresas proporciona maior facilidadepara a ação conjunta, permitindo ganhos para a aglomeração como um todo.

Segundo Rabelloti (1995), as aglomerações possibilitam ganhoscompetitivos às empresas, à medida que se caracterizam por compreender:

- um conjunto de pequenas e médias empresas, concentradas espacial-mente e especializadas setorialmente;

- uma série de articulações para frente e para trás, baseadas nas trocascomerciais e não comerciais de produtos (informações e pessoas);

- uma bagagem social e cultural comum, ligando os agentes econômicos ecriando um código de conduta e de comportamento, algumas vezes explí-cito, mas freqüentemente implícito;

- uma rede de instituições locais, públicas e privadas, dando suporte aosagentes econômicos que atuam na aglomeração.

Em síntese, os trabalhos que buscam examinar a dinâmica que seestabelece internamente às aglomerações procuram evidenciar que a necessidadede aumento da flexibilidade produtiva, a qual implica incremento da qualidade deprodutos, de velocidade e de flexibilidade de resposta a uma demandasegmentada, requisito das novas condições de concorrência internacional, podeser potencializada nesse tipo de organização industrial. A descentralização verticaltorna também fundamentais as relações interfirmas, no que diz respeito à geraçãoe à incorporação de inovações. Ou seja, as aglomerações aparecem como lócusde complementaridade entre as firmas, permitindo o estabelecimento de redesde empresas. Tal complementaridade não exclui a concorrência entre os atores,mas, sim, evidencia o binômio competição-cooperação. Assim, as análises sobreas aglomerações realçam os fatores locais como elementos importantes emum cenário de competição, em mercados globais.

Conforme Mytelka e Farinelli (2000, p.4), as aglomerações têm muitasformas, e cada uma tem uma trajetória de desenvolvimento única, princípiosorganizacionais e problemas específicos. Esses autores propõem duascategorias de aglomerações: aquelas que se originam espontaneamente deaglomerações de empresas e aquelas advindas da indução de políticas públicas.Já Lastres, Cassiolato e Lemos (1999, p. 62) apresentam dois formatos dearranjos que tenderiam, conforme a literatura, a sobreviver no novo contexto. Oscompostos de pequenos fornecedores estabelecidos, em uma rede, em tornode uma grande empresa líder do arranjo e aqueles formados de pequenasempresas que interagem entre si.

Há também aqueles estudos que privilegiam o entendimento da naturezasistêmica da inovação. Partem do entendimento da importância sine qua nondos processos específicos e cumulativos de aprendizado, do caráter tácito dasinovações e da dimensão localizada da inovação. Levando em conta a abordagem

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evolucionista, já comentada anteriormente, destacam, portanto, o papel do localno processo de criação e difusão de inovação, bem como enfatizam o caráterinterativo de tal processo.

Dentre esses trabalhos que se calcam no pensamento neo-schumpeterianoevolucionista, podem-se citar aqueles que propõem e se valem do conceito desistemas nacionais de inovação. Esse conceito nasceu nos anos 80 do séculopassado, especialmente a partir dos trabalhos de Freeman, Lundvall e DickNelson, e difundiu-se rapidamente, em anos recentes. Tal disseminação deu-se,talvez, em função da limitação das políticas e das teorias vinculadas aomainstream em compreender e controlar os fatores por detrás da competitividadeinternacional e do desenvolvimento econômico, ou, ainda, em razão danecessidade de se ter um conceito analítico que auxilie na implementação depolíticas. Já ao longo dos anos 60 e 70, organizações internacionais, como aOCDE, preocupavam-se em compreender por que as economias apresentavamtaxas de crescimento diversas, e uma das respostas estava vinculada àsdiferenças entre os sistemas de pesquisa dos diversos países. No entanto,parecia óbvio que os novos conhecimentos requeridos pelas inovações nãoadvinham exclusivamente das universidades, mas de outras tantas fontes. Aquestão era integrar essas diversas contribuições em um único conceito relativoao processo inovativo (Lundvall et al., 2002).3

Conforme Johnson e Lundvall (2000, p. 113), o conceito de sistema nacionalde inovação pode ser entendido como uma síntese de dois outros — NationalSystems of Production e National Business Systems —, pois coloca comocentro da análise a coevolução das estruturas econômicas e institucionais eprocura entender como essa co-evolução afeta a produção e o uso do “capitalintelectual”. É sistêmico, no sentido de que a performance da inovação dependenão só das capacidades inovativas das firmas individuais, mas também decomo estas interagem entre si e com o setor financeiro, com instituições de

3 Nesse interessante artigo, intitulado National Systems of Production, Innovation andCompetence Building, Lundvall e outros (2002) comentam o surgimento e a difusão doconceito de sistema nacional de inovação, bem como discutem os desafios tanto de umaprofundamento teórico do conceito quanto da adaptação deste para análises em países emdesenvolvimento. Freeman (1995), por sua vez, ressalta a influência de Friedrich List naconcepção do termo, uma vez que, segundo ele, esse autor analisa muitas das caracterís-ticas do sistema nacional de inovação que estão presentes nos estudos contemporâneos,como as instituições educacionais e de treinamento, os institutos de ciência e tecnologia, oaprendizado interativo produtor-usuário, e ainda enfatiza o importante papel do governo nacoordenação e na implementação de políticas de longo prazo para a indústria e para aeconomia; embora, é claro, não tenha antecipado outros tantos aspectos que estavam porvir e que também fazem parte do conceito.

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pesquisa e com o governo. A partir dessa visão, conclui-se que os desempenhosnacionais quanto à inovação estão atrelados ao desenho social e institucionalespecífico, bem como às características culturais e históricas particulares.

Com base nessa conceituação, emerge outra proposta conceitual, a desistema local de inovação, ou, ainda, de sistemas produtivos locais. Estes últimos,segundo as pesquisas desenvolvidas pela Rede de Pesquisa em ArranjosProdutivos e Inovativos Locais (RedeSist), coordenada por Cassiolato e Lastres4,referem-se a aglomerados de agentes econômicos, políticos e sociais,localizados em um mesmo território, que apresentam vínculos consistentes dearticulação, interação, cooperação e aprendizagem. Incluem não apenas empresase suas variadas formas de representação e associação, mas também diversasoutras instituições públicas e privadas, voltadas à formação e ao treinamentode recursos humanos, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, promoção efinanciamento.5

Conforme esses pesquisadores, tal conceituação parece melhor refletir ascaracterísticas dos países em desenvolvimento, os quais são justamente alvode seus estudos. Nesse sentido, objetivam investigar a experiência recente dosarranjos e sistemas produtivos e inovativos no Brasil e em outros países doMercosul.

Na seção subseqüente, procurar-se-á exatamente enfocar as análises queprivilegiam os países em desenvolvimento, uma vez que suas realidades possuemespecificidades próprias, que, na maioria das vezes, não se coadunam comaquelas vividas pelas economias mais avançadas.

4 A RedeSist conta com um conjunto de pesquisadores vinculados a instituições nacionais einternacionais e tem sua coordenação geral sediada no Instituto de Economia da UFRJ, soba responsabilidade dos Professores José Eduardo Cassiolato e Helena Lastres. Consultarhttp://www.redesist.ie.ufrj.br

5 Conforme consta em documento de trabalho da Rede, os “Arranjos produtivos locais sãoaglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais — com foco em umconjunto específico de atividades econômicas — que apresentam vínculos mesmo queincipientes. Geralmente envolvem a participação e a interação de empresas — que podemser desde produtoras de bens e serviços finais até fornecedoras de insumos e equipamen-tos, prestadoras de consultoria e serviços, comercializadoras, clientes, dentre outros — esuas variadas formas de representação e associação. Incluem também diversas outrasinstituições públicas e privadas voltadas para: formação e capacitação de recursos huma-nos, como escolas técnicas e universidades; pesquisa, desenvolvimento e engenharia;política, promoção e financiamento”. Já os “Sistemas produtivos e inovativos locaissão aqueles arranjos produtivos em que interdependência, articulação e vínculos consisten-tes resultam em interação, cooperação e aprendizagem, com potencial de gerar o incremen-to da capacidade inovativa endógena, da competitividade e do desenvolvimento local” (Albagli;Britto, 2003, p. 3-4).

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4 As especificidades dos países em desenvolvimento

Ao mesmo tempo em que o processo de globalização e de difusão do novoparadigma tecno-econômico das tecnologias de informação e de comunicaçãopropicia, aos países em desenvolvimento, novas oportunidades geradas pelapossibilidade de intercâmbio e de troca de informações, pode também aprofundaras disparidades entre essas economias e aquelas mais avançadas, já que muitosdos novos requisitos competitivos não estão presentes nas primeiras. Em outraspalavras, a oportunidade de troca de informações e de experiências oportunizao aprendizado, mas os processos de geração de conhecimento e de difusão deinovações e, portanto, a construção de vantagens competitivas só ocorrerão apartir do capital social e das estruturas institucionais próprias dessas economiasem desenvolvimento.

Assim, o processo de catching up, isto é, de convergência e deemparelhamento das economias em desenvolvimento com as mais avançadas,dar-se-á através da estrutura e das características do local das primeiras. Talconclusão é corroborada por autores como Bell, Pavitt e Amsden, pois esses,ao se contraporem à teoria gerschenkroniana6 de catch up, enfatizam a idéia deque a simples instalação de plantas grandes com tecnologia estrangeira nãopossibilita às economias em desenvolvimento a experiência da construção dacapacidade tecnológica, e, para esses autores, é necessário que as economiasvivenciem um processo de “aprendizado ativo” (Freeman, 1999, p. 125-126).

Assim, conforme Freeman (1999, p.128-129), a convergência, ou não, daseconomias atrasadas aos países desenvolvidos depende da capacidade socialpara a mudança tecnológica e institucional, ou seja, vincula-se aos sistemasnacionais de inovação e à natureza da nova onda tecnológica, bem como àconjuntura favorável das relações internacionais. Portanto, para esse autor, asdiferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento podem serexplicadas a partir de conceitos como o de sistemas nacionais de inovação(Ibid., 1999, p. 141).

Segundo Cassiolato e Lastres (1999, p. 787-789), os sistemas de inovaçãodos países em desenvolvimento, especialmente dos latino-americanos, durante

6 A teoria gerschenkroniana explica o processo de catching up como sendo revolucionário,através do qual os países atrasados promovem os ramos industriais nos quais o progressotecnológico tem sido particularmente rápido, realizando, portanto, saltos em direção à fron-teira tecnológica mundial.

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o período de substituição de importações, eram caracterizados por níveis baixosde gastos em C&T e P&D e pelo importante papel das empresas, dos laboratóriose das universidades públicas tanto na realização de atividades de P&D quantono processo de qualificação de mão-de-obra. Dessa forma, observou-se umaalta participação do setor público no desenvolvimento dos sistemas nacionaisde inovação desses países, nesse período. No entanto, a partir dos anos 90,esse cenário ganhou novos contornos nesses países, o que se deveu a umasérie de fatores que impactaram negativamente os seus sistemas nacionais deinovação, como: a redução do papel do Estado enquanto principal financiadordas atividades científico-tecnológicas e a não-ocupação desse papel por parteda iniciativa privada; a privatização parcial dos institutos tecnológicos públicos;a diminuição do custo dos bens de capital importados; a crescente utilização decomponentes importados; a descontinuidade de programas tecnológicos locaisdas subsidiárias das empresas transnacionais; e o obsoletismo de muitas dascapacitações acumuladas pelos recursos humanos desde o período desubstituição de importações.

Assim, as transformações ocorridas na última década impactaram aestrutura econômica e produtiva desses países em desenvolvimento, trazendonovos desafios ao ambiente local, sobretudo porque, nesses países, existemlimitações vinculadas à ineficiência de suas configurações institucionais,observadas particularmente na falta de interação entre os principais agentes dosistema de inovação e na carência de fontes de financiamento. Dessa forma,muitas vezes, os arranjos em economias em desenvolvimento, embora possamser um lócus importante de geração de vantagens competitivas oriundas doaproveitamento das suas sinergias coletivas, não têm suas potencialidadesmáximas aproveitadas e promovidas.

Por isso, valem as pesquisas que procuram investigar as especificidadese as características dos arranjos produtivos em países em desenvolvimento etambém as que procuram avaliar o impacto, sobre tais aglomerações produtivas,das reformas estruturais ocorridas nesses países, principalmente durante osanos 90. Do mesmo modo, cabe aos setores públicos e privados incentivarem apromoção e a evolução dessas configurações, especialmente daquelas formadaspor micro, pequenas e médias empresas, no sentido de que possam ultrapassaras conhecidas barreiras ao crescimento, produzir eficientemente e comercializarseus produtos em mercados nacionais e até internacionais.

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5 Políticas de desenvolvimento industrial e tecnológico

As estratégias e políticas, tanto públicas quanto privadas, dedesenvolvimento industrial e tecnológico devem levar em conta que o atualcenário mundial de acirramento e de internacionalização da competição tornacertos ativos estratégicos — o nível de conhecimento e de experiênciaacumulados, as capacidades e habilidades da força de trabalho, bem como aqualidade das instituições — fundamentais nesse novo contexto, assim como acapacidade de inovação, enquanto fator de criação de vantagens competitivas,se torna elemento-chave no desenvolvimento e na sobrevivência das firmas,das regiões e dos países.

Nessa direção, pode-se dizer que a política industrial, cuja base normativase assenta sobre a visão neo-schumpeteriana — a qual, por sua vez, privilegiaa dimensão firma como unidade de análise básica, torna endógenas as estruturasde mercado e dá destaque à natureza local e tácita do aprendizado —, deve secalcar na intervenção do Estado voltada para o âmbito sistêmico. Isto é, cabe aela promover a competitividade na sua dimensão sistêmica, a partir de açõesalicerçadas basicamente em três fatores: (a) os que estimulem a criação e aconsolidação de um ambiente competitivo, isto é, que promovam a seletividade;(b) os relativos às chamadas externalidades à competitividade empresarial, ouseja, que propiciem condições adequadas de educação, de infra-estrutura detransportes, energia e comunicações, dentre outras, as quais são predominan-temente subordinadas à ação pública; (c) os político-institucionais, que abrangempolíticas macroeconômicas, inerentemente horizontais, e as de fomento epromoção (Possas, 1996).

Em outras palavras, levando-se em conta os pressupostos neo--schumpeterianos, o enfoque de política industrial, dentro dessa perspectiva,tem um caráter pró-competitivo e não apenas protecionista e nem mesmo buscasimplesmente a correção de falhas de mercado, como na visão neoclássica,pois enfatiza a necessidade de promoção de competitividade em sua dimensãosistêmica, estimulando a conformação de um ambiente competitivo que gereconstante pressão sobre os agentes. Assim, as regras de política industrialdevem induzir e estimular a capacitação à maior eficiência produtiva e inovativa.Logo, somente a partir da promoção desse ambiente competitivo, o processo deconcorrência levará à incorporação e à difusão de inovações, as quais ampliarãoa eficiência econômica e, em conseqüência, o nível de bem-estar de umasociedade determinada. Afinal, vale ainda sublinhar a importância, dentro dessaperspectiva neo-schumpeteriana, de a política industrial influenciar as estratégias

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empresariais, seja justamente pela manutenção desse ambiente competitivo,seja pela indução à maior capacitação produtiva e tecnológica, seja, enfim, porfacilitar a cooperação entre os agentes.

Levando-se em conta esse referencial evolucionista, pode-se dizer queexiste convergência entre os estudiosos quanto às medidas estratégicas e àsações a serem seguidas. Johnson e Lundvall (2000, p.133), por exemplo,enfatizam que se deve dar prioridade “[...] às políticas que busquem desenvolveros recursos humanos, criando novas formas de organização, construindo redesinovativas, reorientando a política de inovação em direção aos setores de serviçose integrando as universidades neste processo inovativo”. E acrescentam: “Emnível nacional e regional, a alternativa [...] é incrementar tanto a capacidade deprovocar mudanças rápidas (política de inovação) quanto a capacidade deabsorção de tais mudanças (políticas regionais e políticas que visem aos recursoshumanos)”.

Os diversos autores concordam também sobre a necessidade de que hajacooperação entre o setor público e o privado, pois o primeiro ganha, cada vezmais, um papel regulatório. A disponibilidade de financiamento é também fator--chave, e os investimentos devem ser orientados para a inovação. Contudo osinvestimentos não devem apenas buscar o acesso às novas tecnologias, pois,como se viu, o conhecimento tem um forte caráter tácito, e o aprendizadopressupõe a interação entre os atores, envolvendo, portanto, qualificação ecapacitação da força de trabalho, de modo que os recursos devem privilegiar asações educacionais. No caso dos países em desenvolvimento, as políticas quevisam ao desenvolvimento dos recursos humanos se tornam ainda maisfundamentais, pois, nessas sociedades, os níveis de escolaridade e dequalificação da mão-de-obra são, na maioria das vezes, precários frente aosnovos desafios da economia do aprendizado.

Cassiolato e Lastres (1999), por sua vez, destacam três linhas de ação. Aprimeira enfatiza justamente a necessidade de se conformarem políticas dedesenvolvimento industrial e inovativo. A segunda ressalta a importância dehaver inter-relação entre os diversos níveis de política (sub, supra e nacional).Já a terceira linha atribui relevância às políticas de promoção de arranjos locaisde todo tipo. Esta última linha vai ao encontro da literatura já comentada, queentende que a promoção da consolidação de diferentes formas organizacionaisadaptadas aos espaços e ambientes específicos tem papel importante, quandoo local continua a ser um lócus relevante em um ambiente crescentementeglobalizado.

Assim, quanto às políticas de incentivo aos arranjos produtivos, a bibliografiapertinente é unânime ao entender como fundamental o papel do governo, emseus diferentes níveis, no processo de estímulo e de formação das redes de

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firmas. Isto porque os arranjos florescem não somente devido à especializaçãolocal e às instituições, mas também pelo incentivo das políticas. Vale, portanto,a promoção de redes de parcerias entre empresas — seja entre pequenas emédias, seja entre estas e as grandes firmas — e com instituições de pesquisae de ensino. Tais redes locais podem também buscar a colaboração de outrasorganizações em nível internacional.

Em síntese, pode-se afirmar que o governo possui um papel-chave naformação das redes de firma e deve atuar diretamente na sua constituição, sejaatravés da identificação, mobilização e conscientização de atores comcompetências complementares, seja pela elaboração de programas específicos,que garantam apoio e recursos financeiros à montagem de redes, seja, ainda,através da garantia de investimento em infra-estrutura indispensável àconsolidação de arranjos de cooperação, como é o caso da infra-estrutura detelecomunicações.

Mytelka e Farinelli (2000, p. 2), em síntese, sumarizam que “Sob aperspectiva política, o approach do sistema de inovação dá atenção aocomportamento dos atores locais no que diz respeito a três elementos-chave doprocesso inovativo: aprendizado, interação e investimento”.

Para finalizar, cabe ressaltar que os novos desafios trazidos pela economiado aprendizado impõem a necessidade de se coordenarem as políticas industriale tecnológica com outras que visem à distribuição de renda e de benefíciossociais, à educação e ao treinamento, à conservação do meio ambiente e aoaprimoramento do mercado de trabalho.

6 Considerações finais

O acirramento da competição, a emergência do paradigma das tecnologiasde informação e a aceleração do processo de globalização vêm impactando asformas como se realiza o desenvolvimento industrial e tecnológico.

Diante desse contexto, a discussão a respeito da perda, ou não, daimportância do local ganha espaço na literatura, embora as conclusões nãosejam, de forma alguma, consensuais. Há aqueles que entendem que, com aglobalização, a dimensão local perde relevância, já que, segundo essa visão, osespaços nacionais ficariam anulados na atual fase do capitalismo. No entanto,em contrapartida, outro conjunto de argumentos salienta a coexistência dosdois fenômenos: globalização e localização. Assim, conforme tal ótica, a dimensãolocal é vista como um fator determinante da capacidade inovativa, e os arranjoslocais, como uma alternativa viável e relevante de desenvolvimento econômico.

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Nessa direção, uma série de pesquisas focando diversas experiências deaglomerações produtivas têm enfatizado a relação entre proximidade geográfica,dinamismo tecnológico e vantagens competitivas. Dessa forma, tais abordagens,ao perceberem que o aprendizado interativo é um aspecto-chave no novo contextode desenvolvimento econômico e tecnológico, ressaltam a proximidade geográficacomo característica importante para a promoção do intercâmbio deconhecimentos tácitos. Assim, destacam a relevância das aglomeraçõesindustriais locais e regionais na busca de competitividade e de dinamismotecnológico de firmas de diferentes setores.

A partir desse quadro, pode-se observar que as estratégias corporativastêm uma importância fundamental no desenvolvimento da interação e dacooperação entre empresas e instituições. No entanto, os governos e suaspolíticas têm também um papel-chave no processo de fomento e consolidaçãodesses arranjos, uma vez que, nos seus diferentes níveis, podem atuardiretamente na direção de fomentar e estimular a formação de redes de empresas,bem como investir na infra-estrutura necessária à consolidação desses arranjos.Desse modo, a evolução da interação entre os agentes requer contínuoaperfeiçoamento dos códigos e dos canais de comunicação, bem como de umacoordenação eficiente, que garanta os benefícios potenciais desse tipo deestrutura organizacional aos seus participantes.

Por fim, pode-se ainda comentar que, embora a revisão da literatura pareçaindicar com nitidez a relevância que os sistemas produtivos locais adquirem noatual contexto, já que compreendem um espaço privilegiado de interação entrediferentes atores na busca de vantagens competitivas, há ainda uma série deaspectos a serem investigados. Nesse sentido, observa-se que a maioria dessesestudos analisa as características das configurações locais dos paísesdesenvolvidos e, portanto, pouco examina as peculiaridades desses arranjosnos países em desenvolvimento. Dessa forma, abre-se espaço para aquelaspesquisas que buscam melhor compreender as tipologias dos sistemas locaisdesses países, bem como analisar até que ponto os ambientes locais facilitama adaptação das empresas frente aos novos cenários que se desenham e, ainda,examinar os papéis que o setor público e o privado podem desempenhar para ofomento e para a consolidação desses arranjos.

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Economias externas e vantagenscompetitivas dos produtores em sistemas

locais de produção: as visões de Marshall,Krugman e Porter*

Renato Garcia** Economista e Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP

ResumoNos últimos anos, há um crescente interesse pela investigação de sistemaslocais de produção, também chamados de “clusters” e de arranjos produtivoslocais (APLs). Muitos desses estudos observaram a relação entre essasestruturas produtivas localizadas e a geração de vantagens competitivas paraas empresas, concluindo que as vantagens competitivas das mesmas decorremda existência de: (a) economias externas, que são geradas incidentalmente pelaconcentração geográfica e setorial dos produtores; e (b) maior escopo para oestabelecimento e a manutenção de ações conjuntas aos agentes. Este trabalhotem como objetivo examinar as contribuições de três autores importantes nessedebate, Marshall, Krugman e Porter, no que se refere aos ganhos decompetitividade gerados pelas economias externas incidentais, dado que elesnão consideram a possibilidade de construção conjunta de externalidades.Pretende-se, assim, apontar as contribuições de cada um deles e mostrar aslacunas e as insuficiências dessas análises, bem como as suas implicaçõespara a compreensão da dinâmica dos sistemas locais de produção.

O autor agradece ao CNPq pelo apoio, através do Apoio Financeiro a Projetos de Pesquisa(Processo nº 478786/2003-4). Agradece, ainda, pelos comentários a versões anterioresdeste trabalho, a Wilson Suzigan, Flávia Motta e a um parecerista anônimo. As incorreçõesremanescentes, como de praxe, são de responsabilidade exclusiva do autor.

* Artigo recebido em ago. 2005 e aceito para publicação em jul. 2006.** E-mail: [email protected]

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Palavras-chaveSistemas locais de produção; retornos crescentes; economias externas.

AbstractMain attention has been given recently to the research on local systems ofproduction, so called industrial clusters. Many of these investigations pointedout the relation between local systems and the competitive advantages of firms,concluding that the competitive advantages of firms emerge from the presenceof: (a) the incidental external economies generated by the agglomeration of firms;(b) the greater scope to the establishment and the maintenance of collectivejoint action among the producer. The aim of this paper is to discuss thecontributions of three important authors in this debate, Marshall, Krugman andPorter, in terms of the benefits created by the local incidental externalities, sincethat they do not consider the possibilities of the joint building of externalities. Inthis way, it is intended to point the contribuitions of these authors e show thegaps and insufficiencies of their analysis, as well as its implications for theunderstanding the dynamics of the local system.

Key wordsLocal systems; increasing returns; external economies.

Classificação JEL: L23; O14; O18.

1 Introdução

A investigação dos sistemas locais de produção vem ganhando importân-cia destacada, no debate recente, em diversas áreas da economia, como eco-nomia industrial, economia regional, administração e negócios e geografiaeconômica. Diversos autores passaram a se dedicar com mais ênfase ao estu-do de estruturas produtivas localizadas.

Essa forma de organização industrial, que ganhou maior visibilidade a partirdas experiências bem-sucedidas dos distritos industriais italianos e do Vale doSilício, nos Estados Unidos, é capaz de prover aos produtores vantagenscompetitivas, que não estariam disponíveis se eles estivessem atuando isolada-

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mente. A existência de economias locais externas à firma e internas à aglome-ração dos produtores é um dos elementos que justificam a importância da con-centração geográfica entre as firmas. Desse modo, a presença concentrada deempresas de um mesmo setor ou segmento industrial é capaz de gerarexternalidades positivas, que são apropriadas pelas firmas, incrementando suacapacidade competitiva.

As vantagens da aglomeração de produtores em termos do processo deconcorrência capitalista foram, inicialmente, apontadas por Marshall (1920), apartir da experiência dos distritos industriais da Inglaterra no século XIX. Utilizandoo conceito de retornos crescentes de escala, Marshall mostrou que as firmasaglomeradas são capazes de se apropriarem de economias externas geradaspela concentração dos produtores.

Depois de Marshall, diversos outros autores procuraram recuperar osprincipais elementos que justificam as vantagens competitivas das estruturasgeográfica e setorialmente concentradas. Quase todos esses autores partemdo trabalho pioneiro de Marshall para construir a análise das economias externasque são obtidas pelas empresas participantes do sistema local — e muitosdeles acrescentam novos elementos às suas análises.

Este artigo discute a abordagem de três autores, que, ao analisarem osbenefícios da aglomeração das empresas, focalizam apenas as economiasexternas que emergem espontaneamente da concentração dos produtores:Marshall, Krugman e Porter. O ponto comum entre eles, o que justifica a escolha,é que os três ressaltam a importância das economias externas que sãoincidentalmente criadas pela aglomeração dos produtores. Reconhece-se aqui,no entanto, que as economias externas incidentais não são a única forma degeração de vantagens competitivas nessas estruturas produtivas localizadas,já que o estabelecimento e a manutenção deliberada de ações conjuntas e derelações cooperativas entre os agentes são capazes de reforçar as economiasexternas que são geradas incidentalmente pelas aglomerações das empresas.Mesmo com essa ressalva, este trabalho discute as importantes contribuiçõesdesses autores para o debate, bem como as lacunas e as insuficiências quepodem ser verificadas em suas respectivas análises.

Cada uma das seções do trabalho discute a abordagem de um dos trêsautores selecionados. Inicialmente, são recuperados os principais pressupostosda análise pioneira de Marshall dos distritos industriais ingleses no século XIX(seção 2). Em seguida, é discutida a visão de Krugman acerca da importânciadas economias externas e da tendência à aglomeração da atividade produtiva(seção 3). Ainda, a partir da abordagem de Porter, é apresentada e discutida anoção de sistemas locais a partir do “diamante” forças competitivas, em quesão destacados o papel das indústrias correlatas e de apoio e os processos de

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aprendizado interativo que delas emerge (seção 4). Por fim, são traçadas algu-mas considerações finais, que apontam a importância dessas abordagens, masressaltam as insuficiências da análise, quando restrita às economias externasde caráter incidental, inclusive no que se refere aos espaços para implicaçõesde políticas de apoio aos produtores.

2 O ponto de partida: Marshall

Diversos autores, de diferentes tradições, observaram a importância dasexternalidades positivas para os produtores localizados em configuraçõesprodutivas geograficamente concentradas. Dentre eles, destacam-se Krugman(1991; 1998), Schmitz (1997), Foray (1991), Langlois e Robertson (1995),Markusen (1995), Scott (1998), Belussi e Gotardi (2000) e Lombardi (2003). Arecuperação dos pressupostos do trabalho pioneiro de Marshall é tarefa realizadapor quase todos os autores que trataram das vantagens da aglomeração dosprodutores. Isso significa que é amplamente reconhecida a importância dacontribuição de Marshall para a compreensão desses fenômenos.

Marshall (1920) foi pioneiro em observar, a partir da análise dos distritosindustriais da Inglaterra no final do século XIX, que a presença concentrada defirmas em uma mesma região pode prover ao conjunto dos produtores vantagenscompetitivas, que não seriam verificadas se eles estivessem atuandoisoladamente. A partir da recuperação desses pressupostos, os autores, mesmosob diferentes perspectivas, justificaram a importância das economias externaslocais para a geração de vantagens concorrenciais para o conjunto dos produtores.Por causa da existência dessas externalidades positivas, os produtores locaistenderiam a apresentar um desempenho competitivo superior, já que taisvantagens são específicas ao âmbito local.

Os retornos crescentes de escala emergem das condições deespecialização dos agentes participantes do processo de divisão social dotrabalho, proporcionando às unidades envolvidas ganhos de escala que sãoexternos à firma. A possibilidade de geração e apropriação desses retornos pelaconcentração geográfica e setorial das firmas está vinculada exatamente aoestímulo à presença de produtores especializados nessas aglomerações.

Dentre as causas originais para essa concentração, o autor aponta aexistência de condições naturais — como a disponibilidade de matéria-prima ede fontes de energia ou facilidades nos transportes — e a existência prévia dedemanda na região. É por isso que a concentração geográfica e setorial deprodutores é capaz de atrair outras empresas que atuam no mesmo setor ousegmento industrial ou em indústrias correlatas e de apoio.

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A capacidade de atração de novas empresas resulta na configuração deuma organização produtiva em que se destaca a presença de produtoresespecializados, o que contribui para a intensificação do processo de divisão dotrabalho entre eles. A partir desse extenso processo de divisão do trabalho, aseconomias externas são geradas e ampliadas, reforçando as possibilidades deincremento da capacidade competitiva dos produtores locais.

Para Marshall, as vantagens derivadas da concentração geográfica estãoassociadas não apenas ao aumento do volume de produção, mas também aosganhos de organização e desenvolvimento decorrentes da maior integração entreos agentes. Utilizando os termos do autor, pode-se dizer que a concentração deprodutores especializados estimula a promoção de formas de integração entreos agentes, o que faz com que os segredos da indústria deixem de ser secretose “pairem no ar”, de modo que até as crianças são capazes de absorvê-los(Igliori, 2001).

Diversos autores utilizaram o conceito de economias externas incidentais(ou puras) para justificar a tendência à localização da atividade econômica e asvantagens competitivas dos produtores. Entre eles está Foray (1991), que usa otermo “atmosfera industrial” para expressar a importância das externalidadespara a conformação dos sistemas locais de produção e para a suacompetitividade. Acompanhando a tradição de Marshall, Foray aponta que umdos elementos determinantes da vantagem competitiva das aglomerações deempresas, que caracteriza a “atmosfera industrial”, é o fato de que “os seussegredos estão no ar”, já que podem ser captados quase espontaneamentepelos agentes participantes do sistema.

A partir daí, configuram-se os três tipos básicos — apontados por Marshall(1920) — de economias oriundas da especialização dos agentes produtivoslocalizados. Primeiro, verifica-se a existência concentrada de mão-de-obraqualificada e com habilidades específicas ao setor ou segmento industrial emque as empresas locais são especializadas. Nesse sentido, algumas tarefas,como a qualificação e o treinamento de mão-de-obra, apresentam custosreduzidos para as empresas locais, as quais se apropriam de processos deaprendizado que são exógenos à firma, porém endógenos ao conjunto local deprodutores e a organismos de apoio e suporte à atividade das firmas.

Nesse sentido, deve-se destacar a existência de organismos especializadosno treinamento e na qualificação da mão-de-obra, muitas vezes voltados aosetor ou segmento em que as empresas locais são especializadas. Isso éparticularmente importante para o caso de aglomerações de empresas de setoresde alta tecnologia, que geralmente demandam trabalhadores qualificados,formados em universidades e instituições locais de ensino. Aliás, a experiênciaempírica mostra que a formação e a consolidação de clusters em setores de

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alta tecnologia estão fortemente associadas à presença de universidades e deorganismos locais de pesquisa científica e tecnológica.1

Já no caso de setores em que a base técnica é relativamente simplificada,como nas chamadas indústrias tradicionais (vestuário, calçados, móveis), ashabilidades são transferidas quase naturalmente, já que as capacitações sãoformadas e reproduzidas no próprio local de trabalho. Isso configura o que algunsautores chamariam de um típico processo de aprendizado do tipo learning-by--doing2, em que as habilidades e as capacitações são criadas e reproduzidas nolocal de trabalho. No caso de indústrias como a têxtil e a de calçados, esseprocesso pode ser verificado claramente. A simplicidade da base técnica doprocesso de produção permite que as habilidades dos trabalhadores sejamreproduzidas no local de trabalho, com custos extremamente reduzidos para asempresas. Isso significa que os trabalhadores “aprendem fazendo”, o que dispensagastos mais vultosos com formação, treinamento ou qualificação da mão-de--obra utilizada pelas empresas do setor. Além disso, a experiência empíricaressalta a importância de organismos voltados à formação da mão-de-obra,especialmente na área técnica, o que dispensa as empresas de realizarem gastosnessas áreas.3

O segundo fator apontado por Marshall (1920), que demonstra a importânciadas economias externas, é a presença de fornecedores especializados debens e serviços aos produtores locais. Essas empresas são atraídas aestabelecer unidades — produtivas, comerciais ou de prestação de serviços —nos sistemas locais. Por esse motivo, tais empresas especializadas contribuempara a geração de economias externas aos produtores locais, já que elesconseguem ter acesso a esses produtos e serviços a custos relativamentemais reduzidos.

Destaque especial deve ser dado à existência de agentes voltados àprestação de serviços especializados aos produtores, tanto na área organizacionalcomo na tecnológica. Pela presença desses agentes, as empresas locais têm

1 O caso paradigmático é o do Vale do Silício, nos Estados Unidos, onde a proximidade com aUniversidade de Stanford teve papel fundamental para a conformação do sistema produtivode empresas de alta tecnologia (Saxenian, 1994).

2 Deve-se apontar que a expressão learning-by-doing não foi utilizada por Marshall (1920)para expressar esse fenômeno. Todavia é uma expressão extensivamente usada em traba-lhos de autores mais recentes, como Nelson e Winter (1982), Dosi (1984) e Freeman (1987).

3 Dois casos empíricos da indústria de calçados corroboram essa importância: o caso daindústria calçadista italiana de Brenta e Marche (Rabelloti, 1997) e, no Brasil, o do Vale doSinos (Schmitz, 1999). Em ambos os casos, verifica-se a presença de diversos organismosde prestação de serviços ao conjunto dos produtores locais, inclusive na área de treinamen-to de mão-de-obra.

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acesso, a custos reduzidos, a alguns serviços fundamentais para a manuten-ção da atividade produtiva e para o incremento da competitividade. Dentre es-sas tarefas, podem-se destacar: provisão de informações técnicas e de merca-do; certificação da qualidade; assessoria técnica e organizacional; e serviçosque não são mantidos internamente nas empresas, mas são prestados por for-necedores especializados. Muitas vezes, ainda, a aglomeração é capaz deatrair produtores de insumos ou serviços diferenciados, que podem representarum elemento importante para o processo de geração de vantagens concorrenciaispara os produtores localizados.

O terceiro e último elemento que justifica a presença de economias externaslocais são as possibilidades de transbordamentos (spill-overs) tecnológicose de conhecimento. São bastante freqüentes os casos em que a formação e odesenvolvimento de aglomerações são resultados de processos detransbordamento de empresas locais, pioneiras, que acabam exercendo oimportante papel de formar um contingente de capacitações entre os agentes.Essas capacitações e habilidades, específicas ao âmbito local, geram efeitosde trancamento (lock-in) da aglomeração em determinada trajetória, o quecondiciona as possibilidades de desenvolvimento dos produtores locais.4

Além desse fator, a proximidade geográfica entre os produtores aglomeradosé capaz de facilitar o processo de circulação das informações e dosconhecimentos, por meio da construção de canais próprios de comunicação ede fontes específicas de informação. Esse elemento tem, ainda, o papel decontribuir para o desenvolvimento de novas capacidades organizacionais etecnológicas, o que leva ao fomento de um processo de aprendizado de caráterlocal. Na verdade, deve-se reconhecer que a proximidade geográfica contribuipara o fomento do processo de aprendizado, dadas as maiores facilidades decirculação das informações e de transmissão dos conhecimentos. Aliás, oprocesso de aprendizado como uma forma de externalidade positiva entre osprodutores locais não é apontado com muita freqüência pelos autores tradicionaisque trataram dessa questão. A própria análise de Marshall (1920), apesar dereconhecer a importância dos processos de transbordamentos de conhecimento,não enfatiza que a proximidade leva a um processo de aprendizado de caráterlocal.

4 Esses efeitos de trancamento (lock-in) acabam exercendo uma força poderosa no sentidodo reforço da especialização dos agentes — empresas, trabalhadores, prestadores deserviços e outros — e podem levar ao desenvolvimento do setor, por meio da geração e daacumulação de capacitações e habilidades específicas ao âmbito local.

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3 A visão de Krugman

Um autor que enfatiza a importância das externalidades positivas éKrugman, em diversos trabalhos (1991; 1993; 1995; 1998). Para esse autor, aanálise das aglomerações industriais está associada à preocupação primordialsobre os determinantes da participação dos países no comércio internacional.Nesse sentido, reconhece que um dos elementos fundamentais que explicamas vantagens competitivas das firmas é justamente a capacidade de seapropriarem de ganhos oriundos da aglomeração dos produtores.

O trabalho de Krugman propõe, de modo um tanto original, o deslocamentodo foco da análise dos elementos que condicionam o comércio internacional dopaís para regiões dentro do país. A principal razão para essa abordagem,segundo o autor, é o fato de que a concentração geográfica de produtores, emuma estrutura caracterizada por concorrência imperfeita, é capaz de proporcionaràs firmas retornos crescentes de escala. Desse modo, a importância da dimensãoregional é justificada pelo fato de que tais externalidades são apropriadas nãono âmbito nacional, mas, sim, nos níveis regional e local. Com base nessepressuposto, o autor admite a importância dos retornos crescentes para oconjunto dos produtores e, em conseqüência, para a análise dos determinantesdo comércio internacional.

A formação desses sistemas concentrados de empresas, como a indústriaautomotiva em Detroit e a microeletrônica no Vale do Silício (casos citados peloautor), é resultado de acidentes históricos que, a despeito de trazerem vantagenscompetitivas transitórias, geram efeitos de trancamento (lock-in) sobre a região,justamente por causa da presença dos retornos crescentes de escala e dosmecanismos de feedback positivo. Nesse sentido, Krugman (1991) apontou queos retornos crescentes de escala são uma das mais importantes forças queatraem os produtores para essas regiões, o que contribui para a conformação eo fortalecimento desses sistemas locais de produtores concentrados.5

Em outro trabalho, Krugman (1998) definiu as aglomerações industriaiscomo “[...] uma combinação peculiar entre processos de mão invisível que operamforças centrífugas e centrípetas”. A principal força centrípeta das aglomerações,que é capaz de atrair as empresas, é a existência dos retornos crescentes deescala, que permitem à firma a apropriação de economias externas. No caso desistemas locais, as forças centrípetas são predominantes, promovendo e

5 Essas forças foram chamadas por Krugman, em outros trabalhos, por exemplo, Krugman(1998), de forças centrípetas.

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estimulando o processo de concentração de produtores, que são atraídos pelaspossibilidades de apropriação das economias externas.

Todavia existem também forças centrífugas, de repulsão, que desestimulama concentração das empresas e as afastam da região. Quando as forçascentrífugas superam as centrípetas, há uma tendência à expulsão de atividadeseconômicas e de empreendimentos industriais, como é o caso de diversas regiõesmetropolitanas em todo o mundo (Scott, 2001). Isso significa que há um limitesuperior para a extração das externalidades positivas, a partir do reconhecimentoda existência de forças que desestimulam a concentração.6 Nesses casos, oautor aponta a importância das deseconomias de aglomeração, como os elevadoscustos de transporte, o preço e o aluguel de imóveis, dentre outros fatores quecontribuem para o desestímulo à manutenção do nível de atividade econômica.7

Portanto, para Krugman, a existência de condições favoráveis em termosdos retornos crescentes de escala é capaz de intensificar e reforçar aconcentração de empresas, em que as forças centrípetas se apresentam comgrande intensidade. Isso tende, além de aprofundar a concentração local deempresas, a aumentar a competitividade do sistema, já que as condições quegeram os retornos crescentes também tendem a ser intensificadas.

Vê-se, portanto, que o grande mérito do conjunto dos trabalhos de Krugmannessa área foi o de incorporar as economias externas, ou os retornos crescentesde escala, na discussão sobre a configuração do comércio internacional. Assim,para o autor, os principais determinantes do comércio internacional passam aser não as vantagens comparativas, mas, sim, os retornos crescentes de escaladecorrentes da aglomeração de produtores. Isso promoveu um deslocamentodo foco da análise para o processo de formação de aglomerações de produtores,que exerce efeitos importantes sobre a performance econômica da indústria deum país. Para Krugman, portanto, a análise da aglomeração de produtores estáassociada às vantagens competitivas que são promovidas e a seus efeitossobre o comércio internacional.

A despeito dos méritos apontados, a abordagem de Krugman tem algumasinsuficiências importantes, que foram observadas por diversos autores. Umadessas insuficiências, apontada por Schmitz (1997), é a de que, nos sistemas

6 Caso não houvesse um limite superior das externalidades positivas, provavelmente umaindústria estaria concentrada em apenas uma região, que seria “a contemplada”, em virtudede acidentes históricos passados, que estimularam o estabelecimento dos primeiros entrantese geraram efeitos de trancamento e de feedbacks positivos (Arthur, 1990; Suzigan, 2001).

7 No Brasil, o exemplo mais importante da ação das deseconomias de aglomeração é a RegiãoMetropolitana de São Paulo, que vem passando por um processo expressivo de redução desua participação na geração de emprego industrial. Ver Tinoco (2002).

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locais, as economias externas têm caráter exclusivamente incidental, o quesignifica o não-reconhecimento de que essas vantagens podem ser criadas pelosagentes. De fato, o autor assume que os agentes são incapazes, por meio deações conjuntas deliberadas públicas ou privadas, de incrementar acompetitividade do sistema local de produção.

Em oposição a essa abordagem, Schmitz (1997) destaca que os retornoscrescentes de escala, específicos ao âmbito local, são condição necessária,porém não suficiente, para a compreensão das formas de incremento dacompetitividade dos produtores aglomerados. Na verdade, a despeito daimportância das externalidades positivas incidentais, elas não são o únicoelemento que justifica a formação e o desenvolvimento de clusters de empresas,assim como seu desempenho competitivo. Desse modo, pode-se inferir que anoção de economias externas locais é apenas parte da explicação das vantagensconcorrenciais verificadas entre os produtores aglomerados.

Deve-se ressaltar que isso tem implicações importantes para acompreensão da dinâmica dos sistemas locais de produção. Se as economiasexternas são de caráter exclusivamente incidental, a organização dos agenteslocais e a intervenção, o apoio e o suporte do setor público sobre o conjunto deprodutores serão inócuos, já que serão incapazes de reforçar os benefícios daaglomeração das empresas e, por conseguinte, as vantagens competitivasassociadas à localização dos produtores. Até a existência de organismos deapoio e de prestação de serviços aos produtores, área em que se verificamdiversas experiências internacionais bem-sucedidas de suporte às atividadesprodutivas e inovativas das empresas, passa a ser objeto de questionamento, jáque suas ações possuem efeitos nulos para a competitividade dos produtores.

Outra crítica ao trabalho de Krugman, observada por David (1999), é que omodelo de Krugman simplesmente ignora a existência de eventos históricosespecíficos, que se tornam condições iniciais para a concentração de empresasem uma determinada região, reduzindo esses fenômenos a fatos estilizadosespecíficos, o que David (1999) chama de “factóides”. Desse modo, apesar dereconhecer que a ocorrência de acidentes históricos (historical accidents) é oprincipal elemento que explica a conformação de uma determinada aglomeraçãode empresas, o autor não os incorpora, ou sequer formaliza, em seu modelo,que se restringe aos retornos crescentes (Suzigan, 2001).

Mais uma vez, vale citar o exemplo do Vale do Silício, nos Estados Unidos.Nesse caso, a origem da concentração de empresas de alta tecnologia na regiãoesteve vinculada a uma política de captação de recursos da Universidade deStanford. No final da década de 40, os diretores da Universidade estavamprocurando uma maneira de levantar recursos para a contratação de professorescom grande reconhecimento acadêmico, para elevar o nível do quadro docente.

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A forma encontrada foi utilizar parte dos terrenos que pertenciam à Universida-de para arrendamento a empresas que tivessem interesse em construir ali suasplantas industriais. Dessa forma, em 1951, surgiu o Parque Industrial de Stanford,cujo objetivo original era levantar recursos para a Universidade. As empresasque, inicialmente, ali se instalaram buscavam apenas uma opção de localizaçãocom baixos custos.8 O resultado do processo, como é amplamente conhecido,foi a formação de um complexo concentrado de empresas atuando em setoresde alta tecnologia, notadamente na área de microeletrônica (Saxenian, 1994).

Outra crítica endereçada a Krugman é a de que o autor também nãoincorpora, no seu modelo, a possibilidade de as externalidades se manifestaremcomo transbordamentos (spill-overs) tecnológicos locais. Todavia um doselementos, como foi apontado por Marshall e por diversos outros autores (Foray,1991; Belussi; Gotardi, 2000; Lombardi, 2003), no qual as economias externasse manifestam, é justamente a possibilidade de que ocorram processos deaprendizado entre os agentes locais. Esses processos de aprendizado endógenosao sistema local são fundamentais para o fomento das atividades inovativasdos produtores, já que, por meio da interação, as empresas são capazes deencontrar novas soluções para os problemas por elas enfrentados.

Por fim, o autor não reconhece a importância de instituições locais, formaise informais. Não existem, nos trabalhos de Krugman, referências relevantesquanto à importância das instituições para o desenvolvimento dos sistemaslocais de produção, apesar de também terem um papel importante para aconformação da competitividade das empresas participantes do sistema.

4 O “diamante” de Porter

O último autor discutido neste trabalho é Porter, que publicou textos emque aplicava alguns instrumentos de análise à aglomeração de empresa. Pode--se perceber que a principal contribuição de Porter à discussão das vantagenscompetitivas de produtores em sistemas locais de produção se deu por meio daadaptação de seu esquema analítico conhecido como o “diamante competitivo”,apresentado, inicialmente, para a investigação das vantagens competitivas dasnações, a estruturas produtivas localizadas (Porter, 1990; 1998b). A utilização,

8 A primeira firma a assinar um contrato de arrendamento, a Varian Associates, pagou apenasUS$ 16.000 por uma área de quatro acres, por 99 anos. Atualmente, essa área deve valeralgumas centenas de milhares de dólares (Rogers; Larsen, 1984).

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pelo autor, do conceito de aglomeração de empresas (nas palavras do autor,clusters) promoveu um intenso uso desse aparato tanto como um arcabouçoanalítico como no que se refere ao papel-chave na definição de instrumentos depolíticas de apoio à competitividade das empresas.9

Para o autor, a capacidade competitiva dos produtores em sistemas locaisde produção é função de quatro conjuntos complementares de condiçõesverificadas no ambiente competitivo, que conformam os vértices do “diamante”:(a) condições de fatores, expressos por oferta, custo, qualidade e especializaçãodos fatores de produção utilizados pelos produtores locais; (b) condições dademanda, por meio do perfil dos compradores locais em face dos requisitos daconcorrência internacional; (c) contexto das estratégias, da estrutura e darivalidade das empresas; e (d) a presença de indústrias correlatas e de apoio eprovedoras de insumos e de serviços especializados. Quanto mais desenvolvidose intensos forem os fluxos entre os fatores de competitividade, maior será aprodutividade das empresas. A natureza sistêmica do “diamante competitivo”,segundo o autor, é capaz de estimular a concentração de empresas concorrentes,o que, por seu turno, intensifica as relações de rivalidade entre elas e promoveganhos ainda maiores de competitividade dos agentes. Nesse sentido, na análisede Porter, a competitividade dos produtores aglomerados é um resultado daconjugação de um conjunto de forças de mercado.

Vale ressaltar que esse ponto parece deveras contraditório. Por um lado,Porter ressalta e restringe sua análise dos sistemas locais à existência deexpressivas forças de rivalidade entre as empresas locais, que são movidas pormeio da interação entre as condições competitivas expressas no “diamante”.Por outro, essa abordagem foi extensamente utilizada como instrumento analíticopara a identificação de estruturas produtivas localizadas (clusters) e para aformulação de instrumentos e de medidas de apoio aos produtores locais (Martin;Sunley, 2003). Assim, a contradição fica latente quando se verifica que, a despeitode a abordagem de Porter não incorporar a capacidade de criação de vantagenscompetitivas por meio de políticas locais ativas de fomento aos produtores,esse arcabouço foi utilizado como guia para a implementação de ações pordiversos países e estados em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos e noBrasil.

Mais do que isso, o autor traz, em seus trabalhos, diversas proposições depolíticas. No entanto, as diretrizes apresentadas limitam-se a recomendações

9 Como relatam Martin e Sunley (2003), o próprio M. Porter tornou-se consultor de diversospaíses e também de estados norte-americanos, que procuravam identificar seus clustersmais importantes e implementar medidas de apoio às atividades do sistema local.

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gerais, como: garantir o suprimento de insumos e fatores de produção qualificados,como profissionais treinados, infra-estrutura física e informação; eliminarquaisquer tipos de barreiras e entraves à competição, como garantia de direitosde propriedade intelectual e leis antitruste; estimular a criação de normas epadrões de certificação de produtos e sistemas de produção; promover reuniõese feiras de negócios; estimular a atração de fornecedores de bens e serviçosespecializados. Assim, na abordagem de Porter, o principal objetivo de umapolítica voltada ao sistema local é reforçar o desenvolvimento das forçascompetitivas de mercado.

Esse ponto foi ressaltado por Berggren e Laestadius (2003), em sua análisesobre o que os autores chamaram de cluster da indústria de telecomunicaçõesdos países nórdicos, que apontaram a insuficiência da abordagem do “diamante”de Porter para a compreensão da dinâmica da indústria local de telecomunicações.A principal crítica diz respeito ao fato de que é negligenciado o papel exercidopelas instituições governamentais, que não fazem parte do “diamante” e sãoconsideradas elementos exógenos ao modelo. Na experiência investigada pelosautores, a importância do governo pode ser verificada não apenas na criação ena definição de padrões que estimularam o desenvolvimento de capacitaçõesindustriais locais, como também na criação de demanda qualificada por meiodas compras por parte da empresa estatal de serviços de telecomunicações.10

Em outro trabalho (Porter, 1998a), o autor ressalta a importância daaglomeração para o acirramento da competição entre os produtores, pois: (a) écapaz de incrementar a produtividade dos agentes locais; (b) determina a direçãoe a taxa da inovação e dos esforços inovativos, que impulsionam o crescimentofuturo da produtividade; e (c) estimula a formação de novos negócios, que expandee fortalece o sistema local. Nesse sentido, as relações de cooperaçãoestabelecidas pelas empresas locais são guiadas pelo suposto de que asinterações não interferem na rivalidade existente entre as empresas. Assim,podem ser verificadas relações cooperativas nas chamadas áreas pré--competitivas, como no treinamento da mão-de-obra e nas relações usuário--produtor. Todavia as empresas continuam atuando como competidoras porparcelas da demanda pelo mesmo produto.

10 A importância das compras governamentais no fomento de uma demanda qualificada aosprodutores foi apontada pelos autores nas relações entre a empresa finlandesa de equipa-mentos para telecomunicações, a Nokia, e a empresa pública de telefones e telégrafos dopaís, a PTT. A importância das compras governamentais no fomento de capacitaçõesindustriais pode ser verificada em outras experiências, como no famoso caso do Vale doSilício (Saxenian, 1994) e, no Brasil, no da Embraer (Bernardes; Pinho, 2003).

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Essa é outra insuficiência da abordagem de Porter. Mesmo admitindo aexistência e a importância da cooperação interfirma, o autor restringe aspossibilidades de cooperação a alguns campos específicos, acima mencionados.O autor, por exemplo, subestima as relações cooperativas de longo prazoestabelecidas entre os agentes, que podem ser um elemento importante dedinamismo do sistema local (Berggren; Laestadius, 2003). A manutenção dessasrelações de longo prazo é capaz de criar laços mais sólidos entre os agentes ede fomentar projetos conjuntos de investimento, especialmente na criação e nodesenvolvimento de novas capacitações. Esse ponto sequer é mencionado nostrabalhos do autor.

De todo modo, a despeito dessas insuficiências, um ponto que pode serderivado da análise de Porter, que representa uma das externalidades maisimportantes verificadas nos sistemas locais de produção, é a presença deindústrias correlatas e de apoio, uma das economias externas clássicasapresentadas por Marshall. Porém a abordagem de Porter, ao utilizar conceitospresentes, por exemplo, em Lundvall (1988) e Nelson e Rosenberg (1993), quetratam das interações usuário-produtor, incorpora a importância das relações decooperação com fornecedores de insumos especializados como um doselementos capazes de fortalecer a capacidade competitiva das empresas.

As indústrias correlatas e de apoio, termos utilizados pelo autor, contribuempara o incremento da competitividade dos produtores aglomerados por meio dofornecimento de máquinas e equipamentos, de matéria-prima, peças ecomponentes específicos, além da prestação de serviços especializados. Deve--se ressaltar não apenas a existência de forças de mercado capazes de atrairesses agentes, mas também a existência de processos de aprendizado interativo,que reforçam a capacidade competitiva dos produtores, ponto que está ausentena abordagem de Porter.

Nesse sentido, um destaque deve ser dado às indústrias correlatas e deapoio, um dos elementos que caracterizam uma aglomeração de produtores eque devem ser verificados na identificação de clusters.11 Deve-se destacar aexistência de agentes especializados na prestação de serviços diferenciados ede suporte às empresas, já que podem estar relacionados com atividades queconferem características e atributos especiais e diferenciados aos produtos das

11 Esse ponto é particularmente importante quando da realização de trabalhos empíricos sobresistemas locais de produção. Um entre os elementos que devem ser analisados e quecaracterizam um cluster de empresas é, justamente, a presença na aglomeração de indús-trias correlatas e de apoio, que contribuem para o processo de geração de vantagensconcorrenciais para os produtores locais.

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empresas. Entre esses serviços, podem-se relacionar a provisão de informa-ções técnicas e de mercado, serviços nas áreas de normatização e certificaçãoda qualidade, comercialização do produto em mercados distantes, consolida-ção de canais de distribuição e outros. Além desses, outros serviços menosespecializados também são verificados nessas estruturas, que são capazes deatender a demandas específicas dos produtores locais (como as assessoriasjurídica e organizacional).

A presença das indústrias correlatas e de apoio nas aglomerações deempresas representa um elemento que reforça a competitividade dos produtorespor promover acesso eficiente, rápido, precoce e, muitas vezes, preferencial ainsumos, máquinas e equipamentos especializados ou a serviços diferenciados.Mais do que isso, a proximidade geográfica entre os produtores e seusfornecedores estimula a manutenção de relações interativas entre eles, formandouma rede de relações que contribui para o processo de aperfeiçoamento dosprodutos e para o aprendizado industrial. Na verdade, fornecedores distantesraramente se configuram como um substituto completo.

Isso mostra que a presença das indústrias correlatas e de apoio tem papelimportante nos processos de aprendizado, aperfeiçoamento e inovação e contribuisignificativamente para a conformação de vantagens competitivas sustentáveispara os produtores locais. Tais vantagens concorrenciais surgem das estreitasrelações que são estabelecidas pelos produtores e por seus fornecedores debens e serviços. Esses fornecedores auxiliam as empresas no processo deprovisão de informações e de novidades nas áreas técnica e de mercado, dandoacesso mais facilitado às novas idéias, aos conhecimentos e às inovaçõesadotadas pelos provedores. Além disso, as empresas contribuem para osdesenvolvimentos técnicos e acabam servindo de laboratório de testes paraessas inovações. Forma-se, portanto, um processo de aprendizado interativoentre os diversos agentes participantes da cadeia produtiva, em que sãoconcebidas ações conjuntas deliberadas no sentido do aperfeiçoamento deprodutos e processos de produção.12

As relações com os produtores podem fomentar a competitividade dasindústrias correlatas e de apoio, que também se apropriam dos benefícios deprocessos de aprendizado interativo e, muitas vezes, passam a atender mercados

12 Vale uma referência, nesse ponto, a autores ligados à tradição evolucionária, especialmen-te à abordagem dos sistemas de inovação, como Freeman (1987; 1995), Lundvall (1988;1992), Nelson e Rosenberg (1993) e Edquist (1997).

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distantes, exógenos à aglomeração. Um caso interessante que ilustra esse pro-cesso é o de uma empresa produtora de máquinas para calçados de Franca,interior do Estado de São Paulo, onde se localiza a segunda mais importanteaglomeração de produtores de calçados do Brasil. Essa empresa, cuja origemestá associada ao atendimento da demanda por máquinas dos produtores locais,se expandiu e já tem participação expressiva no mercado nacional e exportaparte importante de sua produção (Suzigan et al., 2001).

Em alguns casos empíricos, observa-se, inclusive, a modificação daespecialização dos produtores em direção a setores industriais que foram atraídosà aglomeração em virtude da concentração de empresas. Um caso interessante,que ilustra esse fenômeno, é o da indústria calçadista da região de Montebelluna,na Itália, em que, a partir de uma base de produção de calçados de couro, osprodutores foram capazes de realizar um upgrade em direção à produção debotas de material sintético e, em seguida, à fabricação de botas para esportesde inverno, como esqui e alpinismo, extremamente especializadas e com elevadovalor agregado. Além do mais, as interações com os produtores permitiram odesenvolvimento da indústria produtora de máquinas especializadas paracalçados, que se tornaram competitivas internacionalmente (Porter, 1998a;Belussi; Arcangeli, 1998).

O caso da indústria de calçados é emblemático, pois é possível identificaros principais segmentos correlatos e de apoio à atividade produtiva no setor. Naverdade, por apresentar um processo produtivo fragmentado e descontínuo, naindústria calçadista é estimulado o aparecimento de produtores especializados.Destacam-se, desse modo, fornecedores de máquinas e equipamentos para osprodutores de calçados; fornecedores de matéria-prima, especialmente couro,componentes, como solados, adesivos, selantes, matérias químicas eembalagens; além de fornecedores de serviços especializados, como certificaçãoe controle de qualidade, manutenção de máquinas e equipamentos e agentes decomercialização e distribuição do produto (Figura 1).

Destaque especial deve ser dado aos serviços diferenciados, que podemrepresentar um elemento importante, gerador de vantagens competitivas aosprodutores locais. As empresas localizadas em aglomerações podem ter acessomais rápido e a custos mais reduzidos a serviços, como certificação e controlede qualidade, que podem lhes conferir vantagens diferenciais no processo deconcorrência capitalista. Na verdade, a estrutura produtiva das aglomeraçõesindustriais é capaz de atrair agentes especializados na prestação desse tipo deserviço.

Esse ponto levanta uma questão importante para a política local de apoioaos produtores. Um dos principais objetivos de políticas de caráter localizado éjustamente a provisão de infra-estrutura e de serviços para o conjunto dos

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produtores. Nesse sentido, parte dos serviços de apoio aos produtores locaisdeve ser provida por organismos criados pelas autoridades públicas locais,mesmo que em cooperação com associações privadas de empresas. Aexperiência empírica, inclusive, traz diversos exemplos de casos bem-sucedidos,em que a ação deliberada de agentes públicos e privados foi capaz de estabelecerorganismos importantes para a competitividade dos produtores locais.13

Vê-se, portanto, a importância de se incorporar, na análise das aglomeraçõesde empresas, as indústrias correlatas e de apoio. Em primeiro lugar, porque umdos elementos que caracterizam essas estruturas produtivas localizadas éjustamente a presença de indústrias correlatas e de apoio, que são atraídas àaglomeração de empresas. Em segundo lugar, os serviços de apoio e os insumosdiferenciados fornecidos por essas empresas têm o papel importante de conferirvantagens diferenciais aos produtores locais no processo de concorrência.

13 Um dos casos que ilustram a importância de centros de prestação de serviços especializadosàs empresas, que é freqüentemente apontado na literatura internacional, é o do CentroInformazione Tessile Emiglia Romagna (CITER), que se localiza na região italiana de Modena,que configura uma aglomeração de empresas têxteis e do vestuário. Nessa experiência, oestabelecimento do organismo de prestação de serviços contou com o apoio decisivo dasautoridades públicas locais, em cooperação com o conjunto das empresas (Schmitz; Musick,1994).

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5 Considerações finais

A análise empreendida neste trabalho mostra que as economias externasincidentais têm papel fundamental para a geração de vantagens competitivasaos produtores inseridos em sistemas locais de produção. A capacidade deapropriação de benefícios externos à firma, porém endógenos ao sistema local,resulta em importantes vantagens para as firmas aglomeradas no processo deconcorrência capitalista.

As abordagens dos três autores analisados neste trabalho apontam aimportância dessas externalidades positivas incidentais locais, que representam,para os produtores locais, acesso a um conjunto de conhecimentos, habilidadese serviços, redução dos custos para a realização de diversas tarefas e oconseqüente incremento na capacidade competitiva. Os elementos pelos quaisse manifestam as economias externas locais são a presença de mão-de-obraqualificada, a existência de indústrias fornecedoras de matéria-prima,componentes e equipamentos e a ocorrência de transbordamentos (spill-overs)de tecnologias, habilidades e conhecimentos. Esses três elementos são tambémchamados de Trindade Marshalliana, pois são oriundos da análise pioneira deMarshall e utilizados, de forma quase unânime, pelos mais diversos autores quetêm realizado trabalhos sobre o tema.

No entanto, embora se deva reconhecer a importância das economiasexternas incidentais para os produtores localizados, é preciso ressaltar que essasexternalidades são apenas uma parte dos benefícios que podem ser extraídospelas firmas da aglomeração de empresas. Outro elemento que contribui paraesse processo de geração de vantagens competitivas são as ações conjuntasdeliberadas entre os agentes, facilitadas pela proximidade geográfica e culturaldos produtores. Esse ponto, todavia, não é reconhecido por todos os autoresque trataram da investigação das aglomerações de empresas. Nos trabalhos deautores como Marshall, Krugman e Porter, percebe-se a ausência de umareferência mais explícita às externalidades que podem ser deliberadamentecriadas pelos produtores locais, especialmente por meio de ações conjuntas.

Porém o reconhecimento da importância dessas ações deliberadas comofonte de vantagem competitiva dos agentes exerce papel fundamental nessaanálise das experiências de estruturas produtivas localizadas. Assim, asimplicações de políticas locais só podem ser justificadas através doreconhecimento de que as economias externas não têm caráter puramenteincidental, ou seja, podem ser criadas pelas ações deliberadas de agentes lo-cais — sejam empresas privadas, sejam organizações de prestação de serviçosaos produtores — ou pelo poder público local.

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Portanto, são consideradas insuficientes as análises de aglomerações deempresas que centram seus argumentos nas possibilidades de extração deeconomias externas incidentais. Existe um espaço de atuação conjunta dosagentes locais, aí incluído o poder público, que pode contribuir, de modosignificativo, para o incremento das vantagens competitivas dos produtores.

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A inserção externa da indústriade calçados brasileira*

Marisa dos Reis A. Botelho Professora do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Doutora em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)Clésio Lourenço Xavier Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia e Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas

ResumoO presente trabalho analisa as principais alterações no comércio exterior dosetor de calçados no período recente, captando as mudanças estruturaisimplementadas na economia brasileira desde o início dos anos 90, bem comoos impactos das mudanças cambiais nas exportações setoriais desse produto.Para tanto, apresenta, em primeiro lugar, um breve histórico das exportaçõesbrasileiras de calçados, cobrindo o período compreendido entre os anos 70 e ofinal da década de 90 e, em segundo, analisa a inserção externa da indústriabrasileira de calçados, utilizando dados de comércio internacional das NaçõesUnidas, padronizados de acordo com a Standard International Trade Classification(SITC). A principal conclusão do trabalho é que a competitividade dessa indús-tria se fragilizou e se tornou instável no período recente.

Palavras-chaveExportações; competitividade; setor de calçados.

AbstractThis work analyzes the main changes in the foreign trade of the footwear sectorin the recent period, pointing out the structural modifications implemented in the

* Os autores agradecem à Bolsista de Iniciação Científica do PIBIC-CNPq Samantha Ferreira eCunha a intensa participação na elaboração deste artigo.

Artigo recebido em jul. 2005 e aceito para publicação em jul. 2006.

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Brazilian economy since the beginning of the 90’s, as well as the cambial changesin this product’s exportations. To accomplish this task, the paper begins with ahistorical briefing of the Brazilian footwear exportations, from the 70’s up to thelate 90’s. In the sequel, the role played by the Brazilian footwear industry in theforeign trade is analysed, with the help of related information systematized bythe United Nations and standardized according to the Standard InternationalTrade Classification (SITC). The paper ends up with the conclusion that the footwearindustry competitiveness has become weaker and more unstable in therecent period.

Key wordsExports; competitiveness; footwear sector.

Classificação JEL: F14, L60.

IntroduçãoAs mudanças implementadas na economia brasileira, nos anos 90, colo-

caram em destaque os temas relativos ao comércio exterior. A política de aber-tura comercial iniciada, em 1990, no Governo Collor e amplificada no GovernoFernando Henrique Cardoso, em conjunto com a política de sobrevalorizaçãocambial que vigorou entre os anos de 1994 e 1998, determinou mudanças signi-ficativas no comércio exterior brasileiro. Destaquem-se, em especial, o grandecrescimento das importações e as dificuldades por que passaram os setoresexportadores.

O setor de calçados não ficou imune a essas mudanças. As exportaçõesbrasileiras de calçados ampliaram-se de forma contínua, desde os anos 70,respondendo, no início dos anos 90, por cerca de 3,5% do saldo comercial. Aolongo desse período, o Brasil esteve entre os cinco maiores exportadores mun-diais desse produto. Entretanto, desde 1994, houve diminuição contínua dovalor exportado, elevação nas importações e, conseqüentemente, perda deposição do Brasil no comércio internacional de calçados.

O tema principal deste trabalho consiste na investigação das principaismudanças competitivas ocorridas no comércio exterior de calçados, no período1994-02, particularmente a inserção da indústria brasileira, diante de importan-tes alterações no mercado internacional. O período escolhido capta os efeitos

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das mudanças estruturais implementadas na economia brasileira, desde oinício dos anos 90, permitindo, inclusive, analisar a influência das oscilações dataxa de câmbio no comércio desse produto. Buscou-se, assim, destacar a evo-lução da indústria brasileira desse produto ao longo das últimas décadas emtermos de produção e exportação, considerando especialmente sua inserçãocompetitiva nos principais segmentos do setor de calçados (calçados esporti-vos, calçados de couro e calçados de baixo valor).

O trabalho está dividido em duas seções, além desta Introdução e dasConsiderações finais. Na seção 1, apresenta-se um breve histórico das expor-tações brasileiras de calçados, cobrindo o período compreendido entre os anos70 e o final da década de 90. Na seção 2, a análise da inserção externa daindústria brasileira de calçados é empreendida, utilizando dados de comérciointernacional da Organização das Nações Unidas (ONU), padronizados de acor-do com a Standard International Trade Classification (SITC). Tais dados sãoutilizados na elaboração de dois indicadores de desempenho competitivo daindústria brasileira de calçados, a saber: (a) market share (MS), expressando aproporção das exportações brasileiras de calçados relativamente às exporta-ções mundiais desse produto; e (b) vantagens comparativas reveladas (VCR),buscando captar a parcela de mercado das exportações brasileiras de calçadoscomparativamente à parcela de mercado do conjunto das exportações brasilei-ras em relação ao conjunto das exportações mundiais.

1 A evolução da inserção externa da indústria de calçados brasileira nas décadas de 70 e 801

Desde o final dos anos 60, no período do “milagre econômico”, o Governobrasileiro montou um forte esquema de estímulo às exportações, que envolveu,em diferentes graus, política cambial e apoio na forma de incentivos fiscais,tributários e creditícios. O objetivo era ampliar a participação brasileira nocomércio internacional, sobretudo a participação no comércio de produtosindustrializados.

Pode-se dizer que, em linhas gerais, tal estratégia foi bem-sucedida. Entreos anos 70 e 80, verificou-se uma expressiva ampliação da exportação de pro-dutos industrializados, que passou de 15,2% do total em 1970 para 44,8% em1980 e atingiu o patamar de 54,2% do total em 1990.

1 Esta seção baseia-se no trabalho de Reis (1992).

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Dentre os produtos industrializados, a indústria de calçados alcançou umaposição importante no comércio internacional desse produto. Desde o início dadécada de 70, a produção brasileira de calçados cresceu de 223 milhões depares para um pico de 695 milhões de pares em 1986. Em 1990, a produção caiupara 502 milhões de pares, na esteira da crise econômica que assolou o Paísnesse período (Tabela 1).

Assim, de 1975 a 1980, a produção em volume cresceu aproximadamente108%, em decorrência do aumento das vendas externas, que cresceram 117%,e também das vendas do mercado doméstico, que acompanharam o crescimen-to da produção. De 1980 a 1985, novamente, houve um aumento da quantidadeproduzida, agora da ordem de 29%, resultado, em grande medida, das exporta-ções, que cresceram 118% (implicando um salto considerável da relação expor-tações/produção, que passou de 13% para 22%), dado que as vendas domésti-cas cresceram apenas 15% no período. Finalmente, no período 1985-90, verifi-cou-se um decréscimo de cerca de 16% no volume de produção, em virtude deuma diminuição da ordem de 23% no mercado interno e de um pequeno aumen-to nas exportações de 7%. A relação exportações/produção passou de 22%para 28%.

Em suma, ocorreu um crescimento sistemático das exportações de calça-dos a partir da segunda metade da década de 70. Nos últimos anos da décadade 80, ocorreram pequenas oscilações no volume exportado, com uma relativaestabilização em torno de US$ 1,2 bilhão.

Em relação à posição brasileira na produção e no comércio mundiais decalçados, na segunda metade dos anos 80, o Brasil detinha aproximadamente7,4% do total da produção mundial de calçados, ocupando o quarto lugar entreos maiores produtores e o sexto entre os maiores exportadores mundiais, alémde o quarto lugar no ranking de valor exportado (Informex, 1988). Em 1986, aparticipação no comércio mundial desse produto situava-se em torno de 5%(Abaex, 1991).2

Em relação à participação das exportações de calçados no total das ex-portações brasileiras (Tabela 1), verifica-se que esse produto assumiu, entre osanos 70 e a primeira metade dos 80, uma importância crescente no total dasexportações brasileiras. Atingiu-se a participação de 4,3% em 1986, quandoesse percentual passou a declinar até o final da década.

Entre o final dos anos 70 e meados dos 80, a indústria de calçados passoupor mudanças importantes em sua localização, em nível internacional. Ospaíses que mais aumentaram a produção de calçados nesse período foram os

2 Esse indicador não foi calculado com metodologia igual à daqueles apresentados na seção 2,não sendo eles, portanto, diretamente comparáveis.

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em desenvolvimento — especialmente os newly industrializing countries (NICs)asiáticos e o Brasil —, enquanto alguns países desenvolvidos tiveram sua pro-dução continuamente diminuída ao longo desse período — EUA, França e Ingla-terra por exemplo (Prochnik, 1990).

Tais mudanças determinaram diferenças em termos dos diversos segmen-tos que compõem essa indústria. O segmento de calçados esportivos, domina-do por grandes marcas mundiais, tendeu a se estabelecer em locais abundan-tes em mão-de-obra barata, como o Sudeste Asiático. Estabeleceu-se, assim,uma dinâmica em que os detentores das marcas utilizam esses países comoplataformas de produção, sem perder o controle sobre a comercialização.

Já o segmento de calçados de couro encontra-se presente tanto empaíses desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento, como é o caso doBrasil. A utilização do couro como principal matéria-prima e a influência da modadeterminam um forte conteúdo artesanal nesse produto e fazem com que essesegmento seja importante em termos de geração de emprego e também emrenda, dada a presença das grifes, contribuindo para a ampliação das margensde comercialização. Dentro desse segmento, o Brasil ocupou parcela de merca-do referente a produtos de preço e qualidade intermediários, sem desenvolvi-mento próprio de design e marcas, estando estes a cargo dos grandes compra-dores internacionais.

Por último, coloca-se o segmento de calçados de menor valor agregado,para os quais são importantes tanto os baixos custos de mão-de-obra quanto autilização das matérias-primas de mais baixo custo (plástico, borracha, tecidos,etc.).

Em termos gerais, pode-se dizer que os custos de produção referentes àmão-de-obra são determinantes para a localização e a competitividade daindústria de calçados. Como argumenta Costa (2002, p. 4),

[...] o preço é a base do padrão de competição do setor, pois o custo deprodução continua sendo o determinante da geografia da produção decalçados e do sucesso competitivo. Os países que apresentam as melhorescondições em termos de custos — principalmente os de mão-de-obra —são aqueles que têm conquistado competitividade internacional. Contudopersistem ainda indústrias em países com salários relativamente eleva-dos — embora com dificuldades competitivas. Nesses casos, apermanência nos mercados tem como fundamento atributos de competiçãocomo marca, qualidade, design, dentre outros.

A partir das características da evolução da produção e do comércio mun-dial de calçados nos anos 70 e 80, a seção 2 analisa a inserção do Brasil nocomércio mundial desse produto, nos anos 90.

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Tabela 1

Produção e exportação de calçados no Brasil — 1975-1990

ANOS PRODUÇÃO

(pares) (A)

VALOR DA PRODUÇÃO

(US$ milhões) (B)

EXPORTAÇÕES (pares)

(C)

VALOR DAS EXPORTAÇÕES

(US$ milhões) (D)

1975 223 797 28 165 1980 465 1 947 61 464 1981 654 3 956 70 562 1982 642 4 236 61 501 1983 629 4 530 94 681 1984 570 4 857 144 948 1985 601 5 200 133 907 1986 695 5 569 142 960 1987 667 5 960 139 1 095 1988 625 6 385 139 1 114 1989 585 6 619 170 1 328 1990 502 6 136 143 1 107

ANOS

VALOR DAS EXPORTAÇÕES

TOTAIS (US$ milhões)

(E)

C/A D/B D/E

1975 8 700 12,6 20,7 1,9 1980 20 100 13,1 23,8 2,3 1981 23 300 10,7 14,2 2,4 1982 20 200 9,5 11,8 2,5 1983 21 900 14,9 15,0 3,1 1984 27 000 25,3 19,5 3,5 1985 25 600 22,1 17,4 3,5 1986 22 300 20,4 17,2 4,3 1987 26 200 20,8 18,4 4,2 1988 33 800 22,2 17,4 3,3 1989 34 400 29,1 20,1 3,8 1990 31 400 28,5 18,0 3,5

FONTE: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EXPORTADORES DE CALÇADOS — ABAEX. O calçado brasileiro. [S. l.: s. n.], 1991. (Mimeo).

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

2 A inserção externa da indústria de calçados brasileira nos anos 90, em um contexto de mudanças estruturais

Desde o início dos anos 90, no Governo Collor, o Brasil vem promovendotransformações estruturais em sua economia, com o avanço dos processos deabertura comercial e desregulamentação, especialmente no tocante à participa-ção do capital estrangeiro. Trata-se, em linhas gerais, de mudar o modelo decrescimento com base no processo de substituição de importações, que, histo-ricamente, orientou os rumos da industrialização da economia brasileira.

Em 1994, com a implementação do Plano Real, reafirmou-se a opção poruma estratégia de política econômica que privilegiava a ampliação dainternacionalização da economia brasileira. Objetivava-se, fundamentalmente,aumentar o grau de especialização da mesma. Para tanto, o aumento das impor-tações era esperado, dado o diagnóstico de que a ineficiência produtiva vigentenaquele momento podia ser tributada à excessiva proteção ao mercado interno,que vigorou durante o processo de substituição de importações.

Nesse contexto, esperava-se que determinados setores industriais nãotivessem problemas com a ampliação da abertura e com a política cambialadotada em 1994, por terem vantagens comparativas reveladas. O setor decalçados possivelmente fazia parte dessa expectativa, na medida em que tinhauma posição razoavelmente consolidada no comércio internacional e, ademais,se constituía em um setor no qual o País deveria especializar-se, dadas asvantagens comparativas brasileiras, em especial a abundância de mão-de-obrabarata (Moreira; Corrêa, 1997).

Entretanto as dificuldades dos setores exportadores nesse novo contextocompetitivo não foram pequenas. A valorização cambial vigente entre os anosde 1994 e 1998 significou dificuldades para praticamente todos os setoresexportadores, dificuldades estas amplificadas pelo aumento da carga tributáriaverificada no período e pela diminuição de incentivos e subsídios às exporta-ções desde o início dos anos 90. Somam-se a essas dificuldades as mudançasem curso no cenário externo da indústria de calçados, com a consolidação deuma tendência, evidente já nos anos 80, de acirramento da competição em doisâmbitos principais. O primeiro é aquele em que os atributos de qualidade, marcae design são determinantes da competitividade externa. O segundo privilegia osbaixos custos de produção, em especial os de mão-de-obra.

Conforme descrito na seção 1, a inserção do Brasil no comércio mundialde calçados, entre os anos 70 e 80, deu-se principalmente em função dosbaixos custos de mão-de-obra, conjugados a facilitações da política de comér-

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

cio exterior então vigente. Ocorre que essa indústria, nos anos 90, não galgoupatamares para adentrar no grupo de países que têm a sua competitividadeexterna decorrente de fatores mais nobres do ponto de vista da agregação devalor, como a inserção externa através de marca e designs próprios. A inserçãoexterna brasileira continua sendo importante em um segmento intermediário demercado, em que se apresenta com um produto de preço intermediário (entre oscalçados italianos e os chineses, grosso modo), e em cuja estrutura de produ-ção os baixos custos de mão-de-obra se apresentam como elemento importan-te da competitividade da indústria.

Os dados apresentados a seguir ilustram esse argumento, ao situarem ocomportamento do setor de calçados brasileiro nesse novo ambienteconcorrencial.

A Tabela 2 apresenta os dados de exportações de calçados na década de90 e no início dos anos 2000.

Tabela 2

Exportações totais e exportações de calçados no Brasil — 1990-02

ANOS

VALOR DAS EXPORTAÇÕES (US$ milhões)

(A)

VALOR DAS EXPORTAÇÕES

TOTAIS (US$ milhões)

(B)

A/B

1990 1 107 31 400 3,5 1991 1 177 31 600 3,7 1992 1 409 35 800 3,9 1993 1 846 38 600 4,8 1994 1 537 43 500 3,5 1995 1 414 46 500 3,0 1996 1 567 47 700 3,3 1997 1 523 53 000 2,9 1998 1 330 51 100 2,6 1999 1 342 48 000 2,8 2000 1 617 55 100 2,9 2001 1 684 58 200 2,9 2002 1 516 60 400 2,5

FONTE: Secex/DPLA.

333A inserção externa da indústria de calçados brasileira

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Os dados mostram que os principais avanços nas exportações de calça-dos ocorreram apenas nos anos iniciais da década de 90, quando as exporta-ções foram superiores a US$ 1,8 bilhão e representaram 4,8% das exportaçõestotais. Nos anos seguintes, as mudanças implementadas desde o início doGoverno Collor começaram a mostrar os seus efeitos. As exportações caíramcontinuamente até 1998, na esteira da valorização cambial vigente durante oPlano Real, apresentaram certa recuperação no triênio 1999-01, quando ocorreua desvalorização cambial, e caíram novamente em 2002. Destaque-se que nãose atingiu o patamar de exportações registrado em 1993, e, em 2002, foi registradaa menor relação exportação de calçados/exportações totais desde 1982.

A análise da queda significativa das exportações de calçados no períodoem análise não pode ser realizada sem que se considere a posição do Brasil nocomércio internacional desse produto. As Tabelas 3, 4 e 5 dão pistas importan-tes a esse respeito. Antes, porém, é necessária a apresentação metodológicados indicadores utilizados.

2.1 Notas metodológicasNa elaboração do trabalho, utilizou-se a base de dados da Organização

das Nações Unidas, da SITC, em um nível de desagregação de três dígitos,permitindo identificar o setor de calçados brasileiro, bem como o de outrospaíses.

A partir dessa base de dados, calcularam-se os indicadores de marketshare e VCR, com o objetivo de analisar a competitividade do setor de calçados(Balassa, 1977, p. 327).

O indicador de market share mostra quanto determinado produto participano comércio mundial daquele setor, sendo calculado da seguinte forma:

MS = Xij / Xionde

- os Xij representam as exportações do produto i pelo país j; e- os Xi representam as exportações do produto i pelo mundo.Em segundo lugar, foi calculado um outro indicador de comércio interna-

cional, a fim de averiguar a presença, ou não, de vantagens competitivas dosetor, a saber, o indicador tradicional de VCR.

VCR = (Xij / Xj) / (Xi / X)

onde

- os Xij representam as exportações do grupo setorial i pelo país j;- os Xi são as exportações mundiais do grupo setorial i;

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- os Xj são as exportações totais do país j; e- os X indicam as exportações mundiais totais.Nessa perspectiva, se o país j possuir uma vantagem comparativa no

grupo setorial i em relação à economia mundial, o indicador de VCR apresentaráum resultado superior à unidade (VCR > 1), demonstrando que esse país possuimarket share neste grupo setorial superior à sua participação no mercado mun-dial de todos os outros produtos; ou, ainda, que a participação desse gruposetorial nas exportações totais do país é superior à participação desse mesmogrupo setorial no total das exportações da economia mundial. Caso contrário,o país não apresentará vantagens comparativas (VCR < 1).

Na primeira definição de VCR, feita por Balassa (1965), adotou-se a supo-sição de que as diferentes dotações de fatores resultariam em uma estruturacaracterística (padronizada) de exportações, sendo, portanto, perfeitamentecompatível com as hipóteses da teoria clássica do comércio internacional. Emoutros termos, o indicador de VCR procuraria expressar, a posteriori, as vanta-gens relativas de custos de diferentes países a partir de suas especializaçõescomerciais.

Entretanto essa é apenas uma interpretação possível, mas não exclusiva.É preciso ressaltar que o indicador de VCR é apenas uma variável de resultado,a qual tenta captar, no âmbito do mercado, os efeitos finais do comércio interna-cional, sem que exista nenhuma interação compulsória entre oferta de fatores etais efeitos. Ao contrário, tais efeitos também devem ser interpretados comoresultado de assimetrias intra e intersetoriais entre os diferentes países, ondeos padrões de especialização expressam, de um lado, diferenças nasassimetrias tecnológicas e vantagens relativas de custos dos países e, de ou-tro, diferenças nas elasticidades-renda dos grupos setoriais (Dosi; Pavitt; Soete,1990).

À luz dessa problemática envolvendo as estruturas de VCRs, utilizam-se,neste trabalho, os dados de exportações para o período 1994-02. Para os anos2000-02, trabalhou-se com os dados disponibilizados pelo programa PersonalComputer Analysis System (PC-TAS), segundo a Standard International TradeClassification, Revisão 3. Adicionalmente, utilizou-se outro programacomputacional que disponibiliza dados de comércio, o Competitive Analysisof Nations (Trade-CAN), desenvolvido pela Comissão Econômica para a Améri-ca Latina (CEPAL), compreendendo o período 1985-00, segundo a SITC,Revisão 2.

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2.2 Análise dos indicadores de competitividade do setor de calçados

Para a análise da competitividade da indústria brasileira de calçados, oprimeiro elemento a destacar é o movimento do comércio internacional desseproduto no período em consideração. A Tabela 3 mostra que houve uma diminui-ção da participação das exportações de calçados no valor total do comérciomundial.

Tabela 3

Evolução do valor das importações totais e de calçados no mercado mundial — 1994-02

DISCRIMINAÇÃO 1994 1995 1996

A - Calçados (8510) (US$ milhões) 41.253 44.806 48.062

B - Todos os setores (US$ milhões) 3.882.098 4.626.663 4.860.027

C - Participação % A/B .................... 1,06 0,97 0,99

DISCRIMINAÇÃO 1997 1998 1999

A - Calçados (8510) (US$ milhões) 50.313 47.010 47.837

B - Todos os setores (US$ milhões) 5.048.565 5.014.620 5.306.516

C - Participação % A/B .................... 1,00 0,94 0,90

DISCRIMINAÇÃO 2000 2001 2002

A - Calçados (8510) (US$ milhões) 49.048 50.341 51.050

B - Todos os setores (US$ milhões) 6.000.209 5.757.224 5.701.708

C - Participação % A/B .................... 0,82 0,87 0,90

FONTE DOS DADOS BRUTOS: International Trade Center UNCTAD/WTO. Base de dados: Software PC-TAS (Personal Computer Trade Analysis Sistem) 1994-1998; 1996-2000; 1998-2002. Disponível em: http://www.intracen.gov/tradestad

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Entre os anos de 1994 e 2002, a participação passou de 1,00% em 1997para 0,82% em 2000, verificando-se uma leve recuperação em 2002, para 0,90%,porém não atingindo o percentual de 1,06% observado em 1994. Essa queda departicipação, apesar do aumento dos valores comercializados no período, estárelacionada a um aumento mais que proporcional da participação do conjunto detodos os demais setores.

O segundo fato a destacar é a mudança de posições relativas no comérciode calçados, como revela o indicador de market share para países selecionados(Tabela 4).

Entre os anos de 1994 e 2002, o Brasil perdeu, praticamente de formacontínua, participação no valor comercializado — de 5,11% em 1994 para 4,21%em 2002. No caso do Brasil, a piora na inserção internacional foi intensificada,na segunda metade da década de 90, pela política de sobrevalorização cambialdo período 1994-98, dado que, como mostra a Tabela 4, a tendência de queda foiinterrompida em 1999 (ano em que a moeda se desvalorizou). Em 2002, nova-mente se verificou queda na participação, refletindo uma dificuldade em melho-rar a inserção externa do setor em um ambiente de acirramento de posiçõescompetitivas no mercado mundial.

Entretanto, ao longo desse período, o Brasil passou de sexto maior expor-tador mundial para o quinto lugar. Esse ganho de posição, na verdade, decorreude mudanças verificadas entre os demais concorrentes, onde se destaca umaumento na concentração das exportações mundiais. A Itália, maior exportadormundial em 1994 (22,47% do total), perdeu essa posição para a China em 2002,quando este país aumentou seu market share e passou a responder por mais de30% do total. Nesse ano, esses dois países passaram a responder por 51,6%do total comercializado (contra 41,5% em 1994).

Nos últimos anos, o fato mais significativo no mercado mundial de calça-dos é, portanto, a presença de um novo concorrente bastante agressivo emtermos de ocupação de posições competitivas — a China. Esse país, tradicio-nalmente fabricante de produtos de baixo valor agregado, tem migrado paraoutros segmentos de mercado, tornando-se, assim, forte concorrente do Brasil.3

É conhecida a estratégia chinesa de agregação de valor às exportações, para oque tem, inclusive, importado mão-de-obra qualificada do Brasil.

3 De acordo com Garcia (2001), em 1990 o preço médio do calçado exportado pela China erade US$ 5,00 e, em 1998, de US$ 7,50. Além desse aumento, é possível, segundo o autor, queparte do crescimento de exportações de maior valor fique obscurecida pelo enorme volumede produtos de menor valor.

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Tabela 4

Indicadores market share do setor de calçados (851) em países selecionados — 1994-02

(%)

PAÍSES 1994 1995 1996 1997 1998

Itália ................... 22,47 23,35 24,73 22,22 22,24

China ................. 18,99 19,21 19,58 23,35 24,02

Coréia ................ 5,60 4,34 3,41 2,68 2,32

Espanha ............ 5,42 5,65 5,70 6,08 6,26

Portugal ............. 5,35 5,32 5,13 4,96 4,94

Brasil ................. 5,11 4,32 4,55 4,36 3,97

Tailândia ............ 4,91 6,22 3,65 3,11 2,66

Alemanha .......... 4,20 4,18 3,90 3,79 4,21

França ............... 3,25 3,27 2,91 2,75 2,98

TOTAL ............... 75,29 75,87 73,56 73,30 73,60

PAÍSES 1999 2000 2001 2002

Itália ................... 22,05 21,18 21,89 20,79

China ................. 26,23 29,16 29,19 30,81

Coréia ................ 2,41 2,36 2,03 1,56

Espanha ............ 6,05 5,58 5,74 5,90

Portugal ............. 5,10 4,38 4,38 4,16

Brasil ................. 4,06 4,81 4,87 4,21

Tailândia ............ 2,58 2,47 2,43 -

Alemanha .......... 4,30 3,84 3,97 4,58

França ............... 3,18 2,80 2,76 2,97

TOTAL ............... 75,96 76,57 77,27 74,99

FONTE DOS DADOS BRUTOS: International Trade Center UNCTAD/WTO. Base de dados: Software PC-TAS (Personal Computer Trade Analysis Sistem) 1994-1998; 1996-2000; 1998-2002. Disponível em: http://www.intracen.gov/tradestad

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Os dados desagregados por segmentos de mercado4 são uma demonstra-ção do sucesso da estratégia chinesa. Como pode ser observado, a Chinaaumentou o seu market share, no período analisado, em todos os segmentos demercado, inclusive no de calçados esportivos e no de calçados de couro (códi-gos 8512 e 8514 respectivamente). No conjunto dos segmentos de calçadosesportivos (código 8512), de materiais como borracha e plástico (código 8513) ede têxteis (código 8515), a China detinha mais de 50% de market share em2002. No segmento de calçados de couro (código 8514), aquele em que o Brasiltem maior participação, a China aumentou seu market share em cerca de 50%,no período em consideração.

Entretanto os efeitos da elevação da participação da China não se fizeramequivalentes entre os maiores exportadores. Prova disso é que a Espanhaconseguiu, nesse período, aumentar a sua participação — de 5,42% em 1994para 5,90% em 2002 — e, ao mesmo tempo, ganhar posições no ranking, dadoque passou de quarto para terceiro lugar. Movimento equivalente e ainda maisacentuado ocorreu com a Alemanha, que passou de oitavo exportador para oquarto posto em 2002.

Nos casos da Espanha e da Alemanha, os dados desagregados porsegmentos de mercado mostram que esses dois países também ganharam,embora em menor proporção, participação em praticamente todos os segmen-tos de mercado (dentre sete segmentos analisados, a Espanha teve ganhos emseis e a Alemanha, em cinco, conforme dados do Apêndice). Nos dois casos,houve ainda ganho de participação no segmento de calçados de couro, o quetambém ocorreu com a França. A ampliação da participação da Espanha e daAlemanha é importante, porque mostra reversão de uma tendência verificadanas décadas anteriores, qual seja, a perda de participação dos países desen-volvidos (exceção feita à Itália) na produção e no comércio internacional desseproduto.

A Tabela 5 apresenta os dados do indicador de vantagem comparativarevelada.

Os dados desse indicador, quando contrapostos aos de market share, dei-xam claro que a situação do Brasil perante seus competidores é precária. Hou-ve, no período em consideração, uma diminuição acentuada desse indicadorpara os calçados brasileiros (cerca de 20%). Somente a China apresentou redu-ção também acentuada, embora menor que a do Brasil. Entretanto, como aChina ampliou significativamente a sua participação no mercado mundial, nes-se período, pode-se inferir que a queda se deveu principalmente a uma impor-

4 Ver Apêndice.

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tância reduzida das exportações de calçados perante o total das exportaçõesdesse país. A Espanha também apresentou redução nesse indicador, emboramenor que a do Brasil, enquanto a Alemanha apresentou aumento.

As informações dos indicadores de VCR, contrapostas às variações dasimportações mundiais de calçados, podem ser consolidadas em uma matriz decompetitividade, apresentada no Quadro 1.

Como aspecto geral da matriz de competitividade, destaque-se que o setorem análise pode ser caracterizado como pouco dinâmico no comércio interna-cional. No período em análise, as situações de setor em retrocesso e setor emdeclínio apresentam-se com certa freqüência.

Para o Brasil, o setor somente apresentou situação ótima no período 1995--96, quando o País ganhou competitividade em um momento em que o setorcrescia acima da média mundial. No período 1998-00, o setor de calçados brasi-leiro apresentou certa melhora em relação aos seus competidores, na medidaem que ganhou competitividade, quando houve um crescimento do setor abaixoda média mundial. Nos anos subseqüentes, houve, de novo, piora na inserçãoexterna, dado que o País perdeu competitividade, quando o setor crescia acimada média mundial.

Para China, Itália e Alemanha, a matriz de competitividade mostra situa-ções melhores que a do Brasil, pois esses países apresentam as pioressituações — oportunidades perdidas e setor em retrocesso — em um númeromenor de anos.

Nos dois últimos anos em análise, a predominância da situação de oportu-nidades perdidas para todos os países selecionados leva a inferir que novoscompetidores estão ganhando espaço no mercado mundial de calçados. A veri-ficação de que o crescimento do setor ocorre em um ritmo acima do da médiado comércio mundial, concomitantemente a uma diminuição relativa da partici-pação dos países tradicionalmente importantes no comércio mundial desse pro-duto, é uma indicação importante de que se delineia um novo quadro com novoscompetidores, situados, provavelmente, nos países do Sudeste Asiático da “se-gunda fileira” (Indonésia e Filipinas, dentre outros). Esses países tiveram suasexportações ampliadas em segmentos que os países da “primeira fileira”,notadamente a Coréia, abandonaram ou relegaram a segundo plano, na esteirade um processo de agregação de valor e de inserção em segmentos mais no-bres da indústria. Podem-se citar, a título de exemplos, as importantes partici-pações no comércio externo de calçados da Indonésia — terceiro maior expor-tador de calçados para os EUA em 1998 — e da Índia — terceiro maior exporta-dor de calçados para o Reino Unido em 1999.5

5 Dados extraídos de Garcia (2001).

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Tabela 5

Vantagem comparativa revelada do setor de calçados (851) em países selecionados — 1994-02

PAÍSES 1994 1995 1996 1997 1998

Portugal ............. 10,9878 10,2990 10,2898 10,0432 9,7848

China ................. 5,7931 5,7030 5,9056 6,0811 6,1916

Itália ................... 4,4307 4,4352 4,4688 4,4403 4,3966

Brasil ................. 4,3259 4,0831 4,3402 3,9164 3,6807

Tailândia ............ 4,0110 4,8504 2,9855 2,5470 2,3531

Espanha ............ 2,7317 2,8095 2,5577 2,7257 2,7163

Coréia ................ 2,1880 1,5540 1,2310 0,9749 0,8309

França ............... 0,5143 0,5057 0,4675 0,4625 0,4693

Alemanha .......... 0,3670 0,3548 0,3427 0,3554 0,3682

PAÍSES 1999 2000 2001 2002

Portugal ............. 10,2179 9,9066 9,2253 8,3775

China ................. 6,5174 6,3255 5,6479 5,0083

Itália ................... 4,5458 4,7596 4,6151 4,4211

Brasil ................. 4,0926 4,7049 4,3065 3,7406

Tailândia ............ 2,1407 1,9379 1,9187 -

Espanha ............ 2,6304 2,6618 2,5451 2,5117

Coréia ................ 0,8140 0,7418 0,7321 0,5310

França ............... 0,5205 0,4999 0,4915 0,5187

Alemanha .......... 0,3840 0,3776 0,3576 0,4084

FONTE DOS DADOS BRUTOS: International Trade Center UNCTAD/WTO. Base de dados: Software PC-TAS (Personal Computer Trade Analysis Sistem) 1994-1998; 1996-2000;

1998-2002. Disponível em: http://www.intracen.gov/tradestad

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

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1994

-95

1995

-96

1996

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1997

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e.

342 Marisa dos Reis A. Botelho; Clésio Lourenço Xavier

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

3 Considerações finaisO presente trabalho mostrou a importância crescente assumida pela

indústria de calçados nas exportações brasileiras a partir dos anos 70. Os in-centivos à atividade exportadora incrementados a partir de final dos anos 60,em especial a uma diversificação da pauta na direção de uma maior participa-ção de produtos industrializados, lograram resultados importantes, sendo aindústria de calçados um caso exemplar.

O Brasil assumiu, ao longo dos anos 80, uma posição importante na pro-dução e no comércio internacional desse produto, colocando-se entre os cincomaiores produtores e exportadores mundiais na segunda metade dessa década.Nesse período, o País alcançou um market share de 5% no comércio interna-cional calçadista.

Embora esse dado não seja diretamente comparável com os dados apre-sentados neste trabalho para os anos 90, é possível afirmar que o Brasil vemperdendo posições no comércio exterior de calçados, no período em considera-ção. Isso tem ocorrido em um ambiente de acirramento concorrencial em que severifica, inclusive, uma certa reversão na divisão internacional do trabalho rela-tiva a essa indústria — alguns países desenvolvidos estão voltando a terparticipação relevante no comércio desse produto, casos da Espanha e daAlemanha.

Nesse novo ambiente de intensificação da concorrência internacional nosetor de calçados, constatou-se também o crescimento exponencial das expor-tações de calçados da China em todos os segmentos de mercado, inclusivenaqueles considerados de maior valor agregado, como os calçados esportivos eos de couro.

Pode-se tomar os acontecimentos relativos a essa indústria comoemblemáticos da situação mais geral do comércio exterior brasileiro nos anos90 e no início da presente década. A valorização cambial do período 1994-98, aausência de uma política consistente de ampliação e agregação de valor àsexportações e a diminuição de incentivos e subsídios no bojo da crise fiscaltiveram implicações relevantes, mesmo naqueles setores que eram considera-dos já consolidados em termos de participação no comércio internacional e comsignificativas “vantagens comparativas reveladas”. Não é por menos que umdos temas em discussão é o de uma possível tendência de “reprimarização” dasexportações brasileiras após a desvalorização do câmbio em 1999.

Os dados apresentados indicam que, ao longo dos anos 90, a indústria decalçados brasileira perdeu posições importantes frente aos seus parceiros, dadoque não foi capaz de se firmar nos segmentos onde o peso dos custos de mão--de-obra é mais relevante. Assim, perdeu-as principalmente para a China, e

343A inserção externa da indústria de calçados brasileira

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

também não as galgou nos segmentos onde atributos como marca e design sãodeterminantes da competitividade, perdendo-as, ainda, em relação a paíseseuropeus.

344 Marisa dos Reis A. Botelho; Clésio Lourenço Xavier

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

Apêndice

Tabela A.1

Indicador de market share do setor de calçados (quatro dígitos) em países selecionados — 1994-02

a) Tailândia

(%)

CÓDIGOS E PRODUTOS 1994 1995 1996 1997 1998

8511 Calçados com biqueira de metal 1,97 1,44 1,22 1,00 0,47

8512 Calçados esportivos .................... 13,16 13,82 9,96 10,06 9,37

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

16,09

23,84

10,16

4,40

2,55

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

0,75

0,66

0,79

0,81

0,86

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

2,12

1,77

1,24

1,47

0,97

8517 Calçados não especificados ....... 1,33 1,25 0,87 1,22 0,99

8519 Partes de calçados, etc. .............. 2,55 2,09 2,24 2,43 2,39

CÓDIGOS E PRODUTOS 1999 2000 2001 2002

8511 Calçados com biqueira de metal 0,84 1,67 1,32 -

8512 Calçados esportivos .................... 8,44 7,75 7,80 -

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

2,58

2,44

2,35 -

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

1,05

1,01

1,01 -

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

1,25

2,10

1,22 -

8517 Calçados não especificados ....... 0,86 0,79 0,95 -

8519 Partes de calçados, etc. .............. 2,39 1,50 1,53 -

345A inserção externa da indústria de calçados brasileira

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

Tabela A.1

Indicador de market share do setor de calçados (quatro dígitos) em países selecionados — 1994-02

b) França

(%)

CÓDIGOS E PRODUTOS 1994 1995 1996 1997 1998

8511 Calçados com biqueira de metal 17,58 17,74 13,98 14,81 14,34

8512 Calçados esportivos .................... 4,19 3,78 3,15 2,60 2,81

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

1,60

1,45

1,45

1,45

1,62

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

2,58

2,75

2,44

2,38

2,65

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

6,91

6,89

6,37

5,87

5,71

8517 Calçados não especificados ....... 2,56 2,66 2,20 1,61 1,55

8519 Partes de calçados, etc. .............. 2,54 2,87 2,87 2,97 3,10

CÓDIGOS E PRODUTOS 1999 2000 2001 2002

8511 Calçados com biqueira de metal 13,39 12,41 10,87 9,84

8512 Calçados esportivos .................... 3,26 2,70 2,45 2,57

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

1,73

1,47

1,40

1,40

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

2,96

2,80

2,78

3,06

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

4,67

3,20

3,18

3,41

8517 Calçados não especificados ....... 2,55 1,46 1,28 1,93

8519 Partes de calçados, etc. .............. 3,33 3,07 3,58 4,17

346 Marisa dos Reis A. Botelho; Clésio Lourenço Xavier

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

Tabela A.1

Indicador de market share do setor de calçados (quatro dígitos) em países selecionados — 1994-02

c) Alemanha

(%)

CÓDIGOS E PRODUTOS 1994 1995 1996 1997 1998

8511 Calçados com biqueira de metal 6,92 7,20 6,46 6,85 8,07

8512 Calçados esportivos .................... 2,43 2,18 2,07 1,90 2,51

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

2,05

1,90

2,02

1,95

2,36

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

4,89

5,10

4,57

4,53

4,98

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

2,66

2,66

2,69

2,51

2,93

8517 Calçados não especificados ....... 1,37 1,07 0,99 0,46 0,56

8519 Partes de calçados, etc. .............. 7,37 7,16 6,57 6,30 6,08

CÓDIGOS E PRODUTOS 1999 2000 2001 2002

8511 Calçados com biqueira de metal 7,49 7,44 8,11 8,41

8512 Calçados esportivos .................... 2,40 2,14 2,29 2,86

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

2,73

2,70

3,21

3,56

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

5,08

4,45

4,51

5,33

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

3,46

3,43

3,38

4,01

8517 Calçados não especificados ....... 0,72 0,66 0,47 0,81

8519 Partes de calçados, etc. .............. 5,84 5,26 5,21 5,37

347A inserção externa da indústria de calçados brasileira

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

Tabela A.1

Indicador de market share do setor de calçados (quatro dígitos) em países selecionados — 1994-02

d) Portugal

(%)

CÓDIGOS E PRODUTOS 1994 1995 1996 1997 1998

8511 Calçados com biqueira de metal 2,02 2,24 3,28 3,65 4,09

8512 Calçados esportivos .................... 0,49 0,34 0,42 0,25 0,24

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

0,26

0,29

0,44

0,53

0,69

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

8,66

8,99

8,37

8,25

8,23

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

1,53

1,29

1,18

1,25

1,21

8517 Calçados não especificados ....... 7,66 10,49 10,07 11,36 8,54

8519 Partes de calçados, etc. .............. 4,99 4,74 4,13 3,80 3,33

CÓDIGOS E PRODUTOS 1999 2000 2001 2002

8511 Calçados com biqueira de metal 4,29 4,60 4,42 3,99

8512 Calçados esportivos .................... 0,24 0,19 0,24 0,23

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

0,57

0,46

0,58

0,68

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

8,65

7,58

7,55

7,03

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

1,22

1,68

1,55

1,44

8517 Calçados não especificados ....... 8,84 6,44 7,01 7,46

8519 Partes de calçados, etc. .............. 3,04 2,40 2,35 2,40

348 Marisa dos Reis A. Botelho; Clésio Lourenço Xavier

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

Tabela A.1

Indicador de market share do setor de calçados (quatro dígitos) em países selecionados — 1994-02

e) Brasil

(%)

CÓDIGOS E PRODUTOS 1994 1995 1996 1997 1998

8511 Calçados com biqueira de metal 0,38 0,19 0,10 0,14 0,05

8512 Calçados esportivos .................... 0,30 0,28 0,31 0,34 0,28

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

0,71

0,76

1,18

1,50

2,02

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

8,72

7,59

7,75

7,34

6,54

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

1,29

1,30

1,46

2,66

2,37

8517 Calçados não especificados ....... 1,91 0,93 1,54 2,23 1,22

8519 Partes de calçados, etc. .............. 2,94 2,57 2,28 1,90 1,59

CÓDIGOS E PRODUTOS 1999 2000 2001 2002

8511 Calçados com biqueira de metal 0,11 0,16 0,22 0,09

8512 Calçados esportivos .................... 0,25 0,36 0,48 0,37

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

2,11

2,92

3,62

2,51

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

6,68

8,03

7,97

6,94

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

2,00

2,29

1,86

1,52

8517 Calçados não especificados ....... 1,10 1,02 0,71 0,85

8519 Partes de calçados, etc. .............. 1,86 2,01 1,93 2,03

349A inserção externa da indústria de calçados brasileira

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

Tabela A.1

Indicador de market share do setor de calçados (quatro dígitos) em países selecionados — 1994-02

f) China

(%)

CÓDIGOS E PRODUTOS 1994 1995 1996 1997 1998

8511 Calçados com biqueira de metal 8,57 7,62 9,15 8,85 10,73

8512 Calçados esportivos .................... 16,45 18,26 20,79 29,61 33,52

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

46,44

43,14

50,34

57,61

57,33

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

12,57

11,82

11,54

13,72

14,19

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

41,73

42,51

42,17

43,46

42,40

8517 Calçados não especificados ....... 14,98 12,51 9,36 10,59 13,67

8519 Partes de calçados, etc. .............. 11,35 11,71 10,94 10,40 9,43

CÓDIGOS E PRODUTOS 1999 2000 2001 2002

8511 Calçados com biqueira de metal 12,04 12,92 13,92 13,51

8512 Calçados esportivos .................... 35,51 39,77 44,14 46,91

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

61,31

61,81

59,93

59,43

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

16,39

18,41

17,46

18,96

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

43,03

47,70

49,53

50,07

8517 Calçados não especificados ....... 20,10 33,85 24,11 34,68

8519 Partes de calçados, etc. .............. 9,31 10,95 11,72 12,29

350 Marisa dos Reis A. Botelho; Clésio Lourenço Xavier

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

Tabela A.1

Indicador de market share do setor de calçados (quatro dígitos) em países selecionados — 1994-02

g) Espanha

(%)

CÓDIGOS E PRODUTOS 1994 1995 1996 1997 1998

8511 Calçados com biqueira de metal 1,81 1,95 1,79 1,90 2,25

8512 Calçados esportivos .................... 1,46 1,63 1,55 1,88 2,43

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

1,04

1,47

2,00

2,28

2,86

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

7,76

8,41

8,50

9,05

8,86

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

9,35

8,59

7,97

9,35

9,44

8517 Calçados não especificados ....... 3,76 3,87 2,50 3,24 5,59

8519 Partes de calçados, etc. .............. 2,51 2,70 2,28 2,20 2,36

CÓDIGOS E PRODUTOS 1999 2000 2001 2002

8511 Calçados com biqueira de metal 2,02 2,08 1,76 0,94

8512 Calçados esportivos .................... 3,09 2,29 2,06 2,17

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

2,80

2,65

2,13

2,08

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

8,20

7,99

8,38

8,47

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

9,41

8,02

8,85

10,11

8517 Calçados não especificados ....... 5,50 3,79 6,03 4,49

8519 Partes de calçados, etc. .............. 2,45 2,28 2,52 3,02

351A inserção externa da indústria de calçados brasileira

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 325-354, out. 2006

Tabela A.1

Indicador de market share do setor de calçados (quatro dígitos) em países selecionados — 1994-02

h) Itália

(%)

CÓDIGOS E PRODUTOS 1994 1995 1996 1997 1998

8511 Calçados com biqueira de metal 18,64 22,48 18,97 20,52 22,43

8512 Calçados esportivos .................... 14,71 14,25 12,99 11,26 11,20

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

8,06

7,17

8,82

7,82

8,54

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

29,78

32,09

33,62

30,30

29,41

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

9,01

11,30

12,86

12,38

13,35

8517 Calçados não especificados ....... 29,03 33,24 35,85 30,63 26,22

8519 Partes de calçados, etc. .............. 23,13 23,97 24,74 23,66 26,12

CÓDIGOS E PRODUTOS 1999 2000 2001 2002

8511 Calçados com biqueira de metal 23,35 24,11 27,73 31,28

8512 Calçados esportivos .................... 11,37 10,29 9,34 9,25

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

9,12

8,06

8,54

7,23

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

28,75

28,58

29,72

27,41

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

13,35

10,25

9,03

9,84

8517 Calçados não especificados ....... 25,80 22,01 22,86 18,48

8519 Partes de calçados, etc. .............. 26,64 27,08 29,09 32,05

352 Marisa dos Reis A. Botelho; Clésio Lourenço Xavier

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Tabela A.1

Indicador de market share do setor de calçados (quatro dígitos) em países selecionados — 1994-02

i) Coréia

(%)

CÓDIGOS E PRODUTOS 1994 1995 1996 1997 1998

8511 Calçados com biqueira de metal 5,81 6,32 4,42 3,37 3,53

8512 Calçados esportivos .................... 6,02 5,40 3,53 1,92 1,75

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

7,21

6,35

4,95

3,62

1,97

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

4,97

2,87

1,93

1,38

1,33

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

2,48

2,22

2,09

1,23

1,01

8517 Calçados não especificados ....... 15,29 11,12 4,97 3,27 2,53

8519 Partes de calçados, etc. .............. 7,57 7,85 9,48 9,97 9,30

CÓDIGOS E PRODUTOS 1999 2000 2001 2002

8511 Calçados com biqueira de metal 1,83 1,39 0,40 0,19

8512 Calçados esportivos .................... 1,97 1,63 1,07 0,40

8513 Calçados (borracha, plásticos e

não especificados) ...............................

1,77

1,41

1,33

0,89

8514 Outros calçados (parte superior

em couro) .............................................

1,39

1,37

1,07

0,79

8515 Outros calçados (parte superior

têxtil) ....................................................

1,04

1,39

1,45

0,84

8517 Calçados não especificados ....... 3,39 2,51 1,90 0,84

8519 Partes de calçados, etc. .............. 9,74 10,30 9,78 9,80

FONTE DOS DADOS BRUTOS: International Trade Center UNCTAD/WTO. Base de dados: Software PC-TAS (Personal Computer Trade Analysis Sistem) 1994-1998; 1996-2000;

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353A inserção externa da indústria de calçados brasileira

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Setor têxtil-vestuário do Rio Grande do Sul:impactos da inovação e da flexibilização

do trabalho*

Valmiria Carolina Piccinini** Professora Adjunta do PPGA-UFRGS

Sidinei Rocha de Oliveira*** Mestrando do PPGA-UFRGS

Daniele dos Santos Fontoura**** Acadêmica do Curso de Administração da UFRGS

ResumoA abertura econômica brasileira de 1990 representou uma ruptura para as orga-nizações do setor têxtil-vestuário, que, até então, desfrutavam de significativoprotecionismo do Estado. As empresas foram forçadas a se reestruturarem e adesenvolverem estratégias para sobreviverem no mercado. Sendo assim, esteestudo objetiva analisar os reflexos da adoção de inovações tecnológicas e deestratégias de flexibilização da força de trabalho por parte dessas organizações.Para isso, foi realizado um levantamento com 43 empresas gaúchas registradasno Cadastro Industrial da FIERGS. Dentre os resultados, destacam-se a difusãodas novas tecnologias no setor, principalmente no segmento têxtil, e o uso,ainda que incipiente, de inovações socioorganizacionais. Quanto às estratégiasde flexibilização do trabalho, as mais utilizadas são horas extras, terceirização,subcontratação, banco de horas e trabalho por turno.

Palavras-chaveSetor têxtil-vestuário; flexibilização do trabalho; inovação.

* Artigo recebido em ago. 2004 e aceito para publicação em jul. 2006.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected]

**** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected]

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AbstractThe economic opening in 1990 meant rupture for the organizations of theclothing-textile sector, which had profited until then from a great deal of stateprotectionism. The companies were forced to re-structure themselves and developstrategies to survive in the market. This study aims at analyzing the impacts ofthe adoption of technological innovations and workforce flexibilization strategieson these organizations. In order to achieve this goal, a survey involving 43Rio Grande do Sul companies from the Industrial Records at FIERGS wascarried out. The study’s main results include: the diffusion of new technologiesin the sector, mainly in the textile segment, and the use, yet incipient, ofsocio-organizational innovations. As for the work flexibilization strategies, themost utilized are overtime, outsourcing, sub-contracting, hour-bank and work inshifts.

Key wordsWork flexibilization; innovation; clothing-textile sector.

Classificação JEL: R11.

IntroduçãoA partir da década de 70, as pressões impostas pela nova ordem econômica

mundial forçaram as empresas a se reestruturarem, atualizando suas políticasna busca de um maior nível de competitividade. A instabilidade do mercado, oaumento de concorrência e o maior grau de exigência dos clientes colocaramem questão a organização do trabalho taylorista-fordista, que, de forma cres-cente, vem dando lugar à automatização flexível.

Muitas empresas, ao optarem pela estratégia da flexibilidade, adquiremnovas tecnologias, que permitem ampliar as quantidades produzidas e melhorara qualidade dos produtos. Segundo Gorini (2000), na indústria têxtil internacio-nal, as transformações no processo produtivo, introduzidas a partir das inova-ções em máquinas e produtos, levaram ao desenvolvimento de um parquetecnológico para que o setor pudesse se manter no mercado. A automação depraticamente todas as fases do processo produtivo resultou em significativosacréscimos de produtividade, porém contribuiu para diminuição acentuada da

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relação trabalhador/produto, reduzindo custos com mão-de-obra e ampliando aflexibilidade do processo. Na indústria do vestuário, as inovações tecnológicasmostram-se mais avançadas nas etapas anteriores à montagem, que envolvemcriação, modelagem e corte. A redução do tempo, da mão-de-obra e do desper-dício de tecido e o aumento da flexibilidade são as principais vantagens decor-rentes da incorporação desses equipamentos. Contudo manteve-se a reduçãode mão-de-obra no ramo, que migrou para as etapas posteriores do processo,como a montagem das peças (Gorini, 2000). Mesmo que tenha havido umaredução do número de postos de trabalho nas etapas de modelagem e de cortepela incorporação de novas tecnologias, estas possibilitaram a ampliação dovolume de produção, aumentando os postos na área de montagem de peças.Deve ser destacado que, embora não tenha ocorrido redução quantitativa,houve uma redução na qualidade dos empregos ofertados, visto que as etapasde modelagem e de corte exigem maior qualificação que as etapas posteriores.

O setor têxtil é tradicional na economia mundial. No Brasil, foi o precursorda industrialização. Atualmente, a indústria têxtil nacional ocupa o sétimo lugarna produção mundial de fios e tecidos e o terceiro no que se refere aos produtosde malha. No entanto, no comércio internacional, o Brasil situa-se em vigésimolugar. Em 2000, a participação do complexo têxtil no PIB industrial foi de 13,5%e representou cerca de 13,4% dos empregos na indústria (IEMI, 2001).

No Rio Grande do Sul, como ocorre no restante do Brasil, a necessidadede agilizar e flexibilizar etapas dos diversos processos envolvidos na produçãotem levado a consecutivas mudanças no processo produtivo. Neste estudo,pretende-se traçar um panorama do setor têxtil-vestuário do Estado, verifi-cando quais as estratégias de flexibilização e de inovação que estão sendoempreendidas pelas organizações na busca de sobrevivência e competitividadee como essas estratégias têm repercutido nas relações e nas condições detrabalho.

1 Reestruturação produtiva e flexibilização do trabalho

Na década de 70 do século XX, o padrão fabril da indústria de transforma-ção dos países desenvolvidos passou por um processo de ajuste às novasdemandas do mercado. A redução do ritmo de crescimento da produtividade eda lucratividade das atividades industriais, a ruptura das regras institucionaisvigentes durante o pós-guerra e a mudança no padrão de demanda de produtose serviços desencadearam um processo mundial de reestruturação dasorganizações.

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No Brasil, a abertura comercial teve início, ainda que incipiente, na décadade 80, em resposta à necessidade de ajustamento aos padrões internacionaisde produtividade e de qualidade, elemento básico de competitividade no novocenário. Mas foi a partir do início da década de 90, com a abertura às importa-ções promovida pelo Governo Collor, que a readequação aos padrões interna-cionais se tornou fundamental, implicando a difusão de práticas de flexibilizaçãoe de inovações tecnológicas e organizacionais. Essa abertura econômica reper-cutiu sobre todos os setores da economia brasileira, porém de forma diferencia-da, dependendo do grau de modernização existente. Em muitos setores, asalíquotas de importação foram reduzidas e até mesmo retiradas, o que impôsuma nova realidade competitiva ao País, para a qual muitas organizações nãoestavam preparadas. Em razão disso, o maior desafio para as empresas passoua ser a adaptação por meio da flexibilização produtiva.

Segundo Sansur et alii (2002), a busca de estruturas mais enxutas e flexí-veis e de otimização de fluxos internos e externos surge como resultado diretoda procura pela racionalização de custos das empresas. Visando a essa flexibi-lidade, as empresas passaram a investir mais fortemente em inovaçõestecnológicas e organizacionais, acompanhando os modelos internacionais eincentivadas pelas baixas alíquotas de importação de máquinas e equipamen-tos. Essa nova organização do trabalho revelou-se, posteriormente, extrema-mente poupadora de mão-de-obra, implicando uma necessidade cada vezmenor de trabalhadores.

Souto e Sá (2002) destacam que a tecnologia e as modernas técnicas deadministração têm levado ao crescimento do desemprego em nível nacional.A implantação de novas tecnologias aumentou o tempo de duração do desem-prego, em virtude dos novos requisitos de seleção para contratações, commaiores exigências de escolaridade e de adaptação ao trabalho, o que Singer(1999) denomina desemprego tecnológico.

Correa, Pimenta e Dias (2002) salientam que, diante dessas mudanças, sepercebe uma alteração da significação do trabalho industrial, em que a atividadehumana no processo de transformação consiste, cada vez mais, na vigilânciade equipamentos automatizados microeletronicamente, reduzindo-se a atividadecriadora do trabalhador.

Na tentativa de alcançar maiores níveis de competitividade, fortalecem-seas formas de flexibilização da força de trabalho constatadas nos diversos estu-dos realizados nas indústrias que se destacam pelo nível de evolução tecnológica.Os resultados apontam uma heterogeneidade de práticas de produção, que seiniciam pela incorporação de um novo padrão tecnológico e se refletem sobre aparte institucional e laboral da organização.

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Numa concepção ampla, Boyer (1987) destaca que “[...] a flexibilidade égeralmente definida como a aptidão de um sistema ou subsistema de reagir àsdiversas perturbações”. Numa linha semelhante, outros autores tratam a flexibi-lidade como o ponto de convergência de evoluções particulares e distintas, queatingem, com maior ou menor força, elementos do sistema de produção.

Tendo em vista que a flexibilidade está sendo aplicada a todos os compo-nentes da relação laboral, inúmeros autores questionam as estratégias desen-volvidas pelas empresas para organizem o trabalho e gerirem a mão-de-obra,visando a uma melhor adaptação às flutuações do mercado.

Alguns autores buscam distinguir as diferentes dimensões da flexibilidade,classificando-a em categorias que permitem identificar as formas múltiplas quetêm sido utilizadas nas organizações (Salerno, 1994; Cerdeira, 2001). SegundoCourault (1983 apud Piccinini, 1998), podem-se identificar três grandes tipos deflexibilidade:

- flexibilidade técnica - capacidade de regulação da produção na dependên-cia de fatores técnicos que orientam a organização;

- flexibilidade social - grau de flexibilidade na gestão dos homens, compa-tível com as exigências da organização técnica e econômica da produ-ção;

- flexibilidade econômica - grau de adaptação ou flexibilidade de evoluçãoe de reação ao sistema produtivo da empresa face aos desafios da con-corrência e às bruscas oscilações da demanda. Implica a rápida adapta-ção do programa de produção da empresa e a modulação da produção.

Tais formas de flexibilidade estão articuladas entre si. Se a flexibilidadeinterna permite a mobilidade profissional e a mobilidade funcional no interior daempresa ou do grupo, a flexibilidade externa permite o ajustamento imediato emfunção das necessidades da empresa, em momentos de alta, por meio da cria-ção de emprego e, em momentos de baixa, através das demissões (Cerdeira,2001). O trabalho em part-time, o trabalho a domicílio, o trabalho independente,o teletrabalho, o trabalho temporário, o uso de consultorias, a subcontrataçãosubjazem às tantas modalidades de trabalho que se distanciam, nos seuscontornos e conteúdos, das formas de emprego convencional, constituindo cons-tantemente uma alternativa ao emprego tradicional (Cerdeira, 2001).

Essas formas atípicas de trabalho têm repercussões diretas sobre os quetrabalham. A instabilidade torna-se a realidade do emprego, e o trabalhador pre-cisa conviver sob um cenário de insegurança e de equilíbrio fugaz.

Sendo assim, pretende-se verificar como ocorreu e como está atualmentea reestruturação produtiva no setor, enfatizando a busca pela flexibilidade e pelainovação.

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2 O setor têxtil-vestuário na economia brasileira

A cadeia produtiva têxtil1 é formada, basicamente, por três categorias:fibras e filamentos, que podem ser naturais ou químicos; manufaturadostêxteis, que são a fiação, a tecelagem, a malharia e o beneficiamento; e confec-cionados têxteis, formados pela linha de vestuário e acessórios e a linha lar etécnicos. Constitui-se numa cadeia de produção relativamente linear, onde oproduto de uma etapa é insumo da próxima (Campos; Scherer, 1996).

O setor é um dos mais tradicionais no segmento industrial mundial. NoBrasil, a fabricação de têxteis precede a chegada dos portugueses, existindofortes indícios de confecção de vestuário pelos povos indígenas. Foi o segmen-to que deu início ao processo de industrialização do País, desempenhandoimportante papel na economia nas décadas de 60 e 70 (IEMI, 2001).

A partir da década de 80, os principais países produtores de têxteis inicia-ram um amplo processo de reestruturação tecnológica, visando ganharcompetitividade dentro do mercado mais globalizado e concorrido. Como no Bra-sil a indústria têxtil era detentora de um mercado interno cativo e em expansão,protegido da concorrência externa, não houve estímulo para que acompanhasseos padrões tecnológicos internacionais.

As conseqüências dessa acomodação foram sentidas na década seguin-te, quando da abertura da economia ao mercado internacional. Estavam legal-mente amparadas as importações tanto de bens acabados quanto de máquinase equipamentos. Essa época foi um período difícil para as organizações dediversos segmentos, sobretudo para setores com grande defasagem tecnológica,como o têxtil. Em contrapartida, ocorreu um grande esforço de modernizaçãodas empresas têxteis na tentativa de sobreviverem no mercado.

Os impactos da abertura econômica foram diferenciados segundo o portee o estágio de atualização tecnológica das empresas. De acordo com Gorini eSiqueira (1997), houve, nesse período, uma queda vertiginosa no número deempresas têxteis. Nos segmentos fiação e tecelagem, a queda acumulada foide 50% a 40% entre 1989 e 1995, respectivamente. Porém não refletiu na mes-ma proporção no volume de produção, tendo a de tecidos declinado 7%, e a defios, 17% nesse período. Na produção de confeccionados, cresceu a uma taxaacumulada de 50% entre 1989 e 1995, com incremento acumulado de 10% nonúmero de empresas formais, porém houve uma completa modificação no

1 Para efeitos de estudo, neste artigo, estão sendo considerados apenas os segmentos têxtile vestuário, não sendo contempladas as organizações produtoras de fibras e filamentos.

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tamanho médio das firmas, surgindo muitas com pequeno número de emprega-dos. É provável que tal fato se deva aos baixos investimentos em capital neces-sários para se operar no segmento de confeccionados, enquanto, nos demaisramos têxteis, essas despesas com investimentos são mais significativas.

O porte médio das organizações do setor têxtil diminui exponencialmentena medida em que se encaminha para a ponta da cadeia. No Brasil, numa ponta,estão as empresas produtoras de fibras e filamentos químicos (excluídas dolevantamento no Estado), que se apresentam em número restrito, porém comgrande número de funcionários (média de 600 por empresa), e são, em boaparte, sociedades anônimas e de origem internacional. No lado oposto, estão asempresas de confeccionados, tendo por média 66 funcionários por empresa esendo preponderantemente de capital nacional.

As mudanças no quadro econômico e a concorrência dos importados leva-ram a uma forte concentração industrial nos segmentos de fios e tecidos, comgrande redução no número de unidades produtoras e de empregos e aumento dapulverização de indústrias (informais) no segmento confeccionista, mantendo onível de empregos. As indústrias de fios e tecidos, para se tornarem competitivas,estão cada vez mais dependentes de investimentos em equipamentos e tecnologia,enquanto as confecções dependem basicamente da disponibilidade dematérias-primas e de mão-de-obra abundante, treinada e de baixo custo.

A situação de desemprego é mais visível no segmento têxtil,onde os investimentos na modernização do processo produtivo e emprodutos, como novas fibras químicas, levaram à automação de pratica-mente todo o processo produtivo e resultaram em grande acréscimo deprodutividade. O trabalhador deixa de fazer o fio ou o tecido, deixa detingir, alvejar ou estampar. Esses serviços passam a ser realizados por umconjunto de equipamentos sofisticados, extremamente velozes, robotizadosou em processo contínuo, operados por sistemas pré-programados einformatizados.

A fraqueza estrutural do setor requereu das empresas uma reflexão sobreas estratégias a serem adotadas para sobreviverem e se tornarem competitivasno mercado. Uma estratégia de redução de custos largamente adotada pelasorganizações foi (e têm sido) a flexibilização do trabalho. A modernização doparque fabril, a partir de 1990, acarretou altos índices de demissões e estimulouo uso de formas de flexibilização da força de trabalho, como a terceirização, asubcontratação, o contrato de trabalho por prazo determinado, etc.

Dados de 1996 apontam que o nível de emprego no setor flutuou entre1985 e 1995, acompanhando o contingente geral de pessoas ocupadas. Nova-mente, foi na indústria têxtil que houve uma redução mais acentuada, uma vezque, além da diminuição do nível de atividade e do aumento da produtividade do

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trabalho, foram terceirizadas algumas atividades não ligadas diretamente àprodução (Campos; Scherer, 1996).

Nas pequenas e médias empresas, sobretudo do setor de vestuário, asempresas intensificam o uso de formas de subcontratação, inclusive com imen-sa utilização do trabalho a domicílio, levando à evasão de impostos e de encar-gos sociais e à precarização das condições de trabalho.

Na década de 90, a busca pela redução de custos impulsionou, também,um considerável aumento de participação da Região Nordeste, especialmentena produção de fios e tecidos, com grandes investimentos na produção, em altaescala, de commodities de algodão, em plantas com operação verticalizada,desde a abertura do algodão, passando pela fiação até o acabamento, produzin-do tecidos planos (Scherer; Campos, 1996). Além do fato de que o salário médioverificado nessas regiões receptoras de investimento é relativamente maisbaixo, as empresas têm-se utilizado de outros artifícios para reforçar a reduçãodos custos da mão-de-obra, principalmente pela subcontratação de pessoal paraalgumas etapas do processo produtivo, o que leva à precarização das relaçõesde trabalho nesses postos.

3 Os passos da pesquisaO trabalho desenvolvido caracteriza-se como exploratório-descritivo, privi-

legiando tanto os métodos qualitativos quanto os quantitativos de levantamentoe tratamento das informações (Triviños, 1987).

Na primeira etapa, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas compesquisadores e especialistas no assunto e com sindicatos patronais e de tra-balhadores, dentre outros. Na etapa seguinte, foi feito contato com as empre-sas. Inicialmente, houve dificuldade para obtenção de informações relativas aonúmero, à localização e aos principais produtos fabricados pelas organizações,devido à falta de atualização dos cadastros dos sindicatos patronais. Em fun-ção disso, foi utilizado como base de dados o Cadastro Industrial da Federaçãodas Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) de 2001, onde estãocatalogadas 181 empresas com mais de 20 funcionários e pertencentes àsindústrias têxtil e do vestuário do Estado.

Buscou-se, então, contato telefônico com as empresas para atualizaçãodas informações, verificando a possibilidade e a disponibilidade destas em cola-borarem com a realização da pesquisa. Dessa forma, o universo de 181 empre-sas reduziu-se para 122, pois 25 tinham diminuído o número de funcionáriospara menos de 20; 19 estavam com telefone cortado ou número inexistente; e15 estavam para fechar ou não passaram as informações necessárias para aprimeira etapa da pesquisa.

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Em dezembro de 2002, começaram a ser enviados questionários para as122 empresas, dos quais foram obtidas 43 respostas (35,2% do total). Os ques-tionários foram enviados via correio, FAX ou e-mail, de acordo com a preferên-cia da empresa e dos meios de que dispunha. Em maio de 2003, deu-se porencerrado o levantamento e procedeu-se à análise dos dados obtidos.

Partindo dos dois principais segmentos do complexo têxtil-vestuário:indústria têxtil e indústria do vestuário, as 43 empresas foram classificadas emquatro grupos: têxtil, vestuário, têxtil-vestuário e malharias2. Essa divisão dacadeia têxtil possibilitou a análise de como a inovação e as estratégias de flexi-bilidade se refletem em cada grupo de organizações. Do mesmo modo, dentrode cada segmento, as organizações foram agrupadas em pequenas, médias egrandes,3 buscando-se contemplar as possíveis diferenças existentes emfunção do porte das empresas.

4 Resultados do estudo no setor

4.1 Caracterização das organizações respondentes

Entre as 43 empresas respondentes, predominaram as do setor de ves-tuário, com 22 empresas (51,2%), seguido pelo setor têxtil, com 11 (25,6%), eas malharias, com oito (18,6%); apenas duas (4,7%) atuam tanto no setor têxtilquanto no de vestuário.

Das 43 organizações, 10 foram fundadas antes de 1970; nove, na décadade 70; 14, na década de 80; quatro, entre 1991 e 1995; e apenas uma, depois de1995. Como se viu, a maior parte foi fundada na década de 80, quando aeconomia do País começava a entrar em recessão, porém ainda sob o efeito

2 Têxtil, composto pelas empresas que atuam na fiação e na tecelagem; vestuário, formado porempresas que têm como atividades principais o corte e a montagem; têxtil-vestuário, empre-sas que atuam em todos os processos da cadeia, da fiação à montagem da peça; e malha-rias, empresas que apresentam características que não as classificam nem essencialmentecomo têxtil (fiação, tecelagem), nem como essencialmente de vestuário (criação, montageme acabamento).

3 Para determinação do tamanho das empresas, podem ser utilizados critérios como: faturamento,número de funcionários ou a combinação de ambos. Neste estudo, foi utilizado o critério denúmero de funcionários, sendo consideradas pequenas as empresas que possuíam entre20 e 100 funcionários, médias as que tinham entre 101 e 500, e grandes as que possuíammais de 500 funcionários. As de menos de 20 empregados não foram abrangidas peloestudo, por se considerar que não disporiam das informações solicitadas no questionário.

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multiplicador proporcionado pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND)4

de 1974. Salienta-se que foi na década de 90 que surgiu o menor número deempresas (5). Esse fato reflete, provavelmente, a problemática, já discutidaanteriormente, da abrupta abertura econômica do País nesse período.

A maior parte das empresas com mais de 100 funcionários foi fundada atéa década de 70. A partir de 1980, o crescimento do setor deu-se, principalmen-te, pelo surgimento de pequenas unidades, com menos de 100 funcionários,sendo ainda mais representativo o número de organizações com 20 a 50 fun-cionários. Essa tendência manteve-se nos anos seguintes.

A maioria dessas empresas está situada na região da Serra (17 delas) e naRegião Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) (13). Avaliando por segmento,verifica-se que as indústrias têxteis se localizam, em sua maioria, na RMPA,enquanto as malharias se concentram, predominantemente, na Serra (Caxiasdo Sul e Bento Gonçalves), que constitui um pólo regional de produção deroupas de malha próprias para temperaturas mais baixas, características daregião. O setor de vestuário, por sua vez, distribui-se por todo o Estado, sendoque a maior parte das empresas da amostra se localiza na Serra, no Norte//Nordeste e na RMPA. Comparando-as, nota-se que há significativa diversifica-ção de mercados, com produção de itens diferenciados entre si. A maioria estáfocada em um único segmento, produzindo apenas dois ou três produtos,direcionando seus recursos e reduzindo custos, a fim de se tornarem mais com-petitivas. A exceção foi uma organização pertencente ao setor têxtil-vestuário,que apresenta uma grande variedade de produtos.

Por abrangerem vários segmentos de produtos, as organizações do com-plexo têxtil gaúcho desenvolvem processos produtivos e estratégias de atuaçãodistintas. Esse fato, em princípio, torna-as mais competitivas, ao se direcionarempara um segmento específico, contudo dificulta a integração interfirmas e aformação de pólos industriais (Castillos, 1998). São compostas, essencialmen-te, por capital nacional, tendo somente uma de capital estrangeiro e uma decapital misto, produzindo para o mercado interno; apenas 11 exportam. SegundoCampos e Scherer (1996), a predominância de capital nacional e a poucarepresentatividade das exportações são atribuídas ao amplo mercado interno eà pouca competitividade da cadeia produtiva têxtil brasileira e gaúcha, quedesestimula investimentos internacionais. Para agravar ainda mais esse qua-dro, na década de 90, devido aos elevados retornos proporcionados pelos ativos

4 O II PND consistiu numa decisão de manter o crescimento econômico, com base em transfor-mações estruturais do parque industrial brasileiro. Embora tenha sido uma estratégia adota-da em 1974, por uma série de fatores, os investimentos foram concluídos na década de 80,gerando resultados positivos em termos de estímulos na cadeia produtiva.

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financeiros em função da alta taxa de juros, os recursos externos migraram parainvestimentos no setor financeiro, em detrimento do setor produtivo em geral.

Quanto à distribuição da amostra por número de empregados e setor,observa-se a predominância das empresas de menor porte, sobretudo no setorvestuário, onde 13 (59%) delas têm menos de 50 funcionários, o que confirma atendência de redução do tamanho das empresas do setor que já era observadano estudo de Campos e Scherer (1996).

No têxtil, a automação de processos produtivos reduziu significativamenteo número de funcionários, tornando as empresas mais enxutas (Gorini, 2000).Contudo, pela amostra, observa-se que ainda existem empresas com um núme-ro expressivo de trabalhadores, pois quatro delas afirmaram ter entre 101 e 500funcionários.

A maior parte das empresas (26) diz possuir um setor próprio de pesquisae desenvolvimento de produtos. Porém, ao se observarem os segmentos indivi-dualmente, nota-se que isso não ocorre no setor vestuário, onde 55% das orga-nizações não fazem pesquisa, e, se o fazem, são estudos de desenvolvimentode novos produtos, matérias-primas, modelagem, técnicas de produção, etc. Nosegmento têxtil, foram citadas pesquisas de novos fios e tecidos, através dodesenvolvimento de matérias-primas, das pesquisas de tendência de moda, dacombinação de características e técnicas. Também é o setor responsável pelaatualização do portfólio de produtos (incluindo sua criação), através da pesqui-sa das tendências da moda e do mercado.

Para atualização quanto às novas técnicas produtivas, as principais fontessão os congressos, as feiras nacionais e as revistas especializadas, meios querepresentam menores custos para a empresa. Quanto à inovação nos produtos,são ressaltadas as pesquisas próprias. No setor de vestuário, são bastanteutilizadas revistas especializadas. Segundo a Pesquisadora Sílvia Campos5, autilização de revistas de moda sempre foi bastante expressiva entre as empre-sas de vestuário do Estado, que têm sua produção voltada principalmente paraas classes C, D e E. A utilização de revistas de moda é vista como uma formade atualização de baixo custo, além de ser o principal meio de divulgação damoda popular, amplamente influenciada por personagens de televisão e, namaioria das vezes, distante das passarelas internacionais.

Algumas empresas afirmaram realizar estudos junto a fornecedores, sobrenovos materiais e tendências, baseados nas solicitações de seus clientes. Issodemonstra uma tentativa de integrar a cadeia têxtil, mas se revelou bastanteincipiente, ocorrendo apenas em casos isolados.

5 Dados da entrevista.

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Das empresas da amostra, 32 informaram realizar controle de qualidadeem todas as etapas do processo produtivo, seis realizam somente nos produtosacabados, uma realiza apenas em algumas etapas, e quatro não realizam ounão informaram. Porém constatou-se que, na maioria dos casos, é um controleinformal.

A observância de padrões de qualidade constitui-se num dos requisitoscada vez mais importantes para atingir e ampliar mercados, principalmenteinternacionais, trazendo ganhos de competitividade para toda a cadeia têxtil.Contudo parte das empresas do complexo têxtil gaúcho, sobretudo as de menorporte, não manifesta grande preocupação com a qualidade de seus produtos, oque resulta em perda de mercado e fragilidade frente aos concorrentes.

Apenas duas empresas têm certificação ISO 9000, e nove estão “em fasede implantação”, enquanto 28 das 43 empresas não pretendem implantar ou nãoconhecem a norma. A falta de interesse pela busca de certificação demonstramais um dos aspectos de fragilidade da cadeia têxtil-vestuário, uma vez que,sem a certificação, as empresas do setor perdem competitividade no mercadonacional e aumentam suas dificuldades para buscarem novos mercados noexterior.

4.2 Inovações técnicas e socioorganizacionaisA tecnologia predominante no setor é a nacional, exceto nas malharias,

onde predomina a importada (em seis das oito empresas respondentes). Nosegmento têxtil, a tecnologia nacional é, em parte, adquirida, e, em parte,desenvolvida; apenas uma empresa informou que 100% de sua tecnologia éimportada, sendo que esta é a única empresa da amostra com predominânciade capital estrangeiro.

As tecnologias e os equipamentos mais utilizados pelo setor são o ComputerAided Design (CAD) — projeto assistido por computador —, principalmente nosegmento de vestuário, e o Controlador Lógico Programável (CLP), principal-mente no setor têxtil. No entanto, muitas empresas, sobretudo no segmento devestuário, não responderam à questão, apesar de afirmarem buscar inovaçõesde tecnologia para o processo produtivo.

Um número significativo de empresas afirma trabalhar na busca de inova-ções de produto (37), processo produtivo (37), tecnologia (32) e matéria-prima(30). Em menor número, apareceram as inovações socioorganizacionais, dasquais apenas 23 empresas afirmaram utilizar alguma técnica. Entre as que nãobuscam inovações, notam-se particularidades de cada setor: no caso do ves-tuário, encontra-se o maior número de empresas que não buscam inovações de

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produto (3), matéria-prima (5) e tecnologia (3). Entre as malharias, estão as quemenos introduziram inovações socioorganizacionais (4), e, no setor têxtil, duasempresas responderam não procurar inovar quanto ao material que utilizam.

Dentre os resultados da implantação de novas tecnologias, são ressalta-dos o aumento da produtividade (35), a melhoria na qualidade dos produtos(33) e a maior qualificação de pessoal (23), o que possibilitou às empresasoferecerem preços mais competitivos e ganharem novos mercados. Com amelhoria da qualidade dos produtos e preços de mercado, as empresas dacadeia têxtil-vestuário tornaram-se mais competitivas, podendo concorrer comos produtos estrangeiros, que entraram fortemente na economia a partir da dé-cada de 90, apresentando preços inferiores e qualidade superior.

Também é destacada, como resultado da implantação de inovaçõestecnológicas, a redução da mão-de-obra na produção (em 19), à semelhança doque tem ocorrido em outros setores da economia. A implantação de novastécnicas de produção permite a redução de custos e a maior flexibilidade doprocesso produtivo, com extrema redução de mão-de-obra.

Cabe destacar que, no estudo de Campos e Scherer (1996), as empresasapresentavam forte resistência à utilização dessas inovações sob o argumentode que estas não se aplicavam aos processos produtivos utilizados ou à produ-ção mutável exigida pela moda. Há, ainda, a dificuldade de implementar novastécnicas, apontando como principal empecilho a falta de polivalência dos traba-lhadores.

Chamam atenção, nas empresas da amostra, a mudança na cultura dosetor e a implementação de novas técnicas, tornando-as mais competitivas.Em pesquisas anteriores (Castillos, 1998), a implantação de técnicas de gestãoera vista como um investimento que não estava adequado à realidade do setor,dadas a necessidade de flexibilidade e a sazonalidade da produção.

As filosofias de gestão adotadas pelas empresas são o 5S (em 15 delas),o trabalho multifuncional (em 15) e a gestão participativa (em 13), sendo os doisúltimos mais significativos no segmento do vestuário. Como resultados daimplementação dessas inovações, ressaltam-se o aumento da produtividade(em 18), a melhoria na qualidade dos produtos (em 18), o maior comprometi-mento dos funcionários com as metas da organização (em 17) e a melhoria nasrelações de trabalho (em 16). Há, ainda, uma maior participação dos funcioná-rios, que passam a conhecer melhor o processo produtivo e o produto. Comisso, aumentam o sentimento de valorização e a responsabilidade dos trabalha-dores, contribuindo para a redução do desperdício de matéria-prima e dasperdas na produção.

Para a maior parte das empresas da amostra, tanto as inovaçõestecnológicas quanto as socioorganizacionais trouxeram reflexos positivos para

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a mão-de-obra, pois a implementação de novas técnicas e equipamentos facili-ta o trabalho do operário, possibilitando maior cuidado com a qualidade do pro-duto. Os funcionários sentem-se valorizados e estimulados a aprenderem novastécnicas de trabalho, aumentando sua participação no processo produtivo.

A necessidade de qualificação também é um dos reflexos diretos sobre ostrabalhadores para a melhor utilização das novas tecnologias implantadas.Algumas organizações destacaram que, com o aumento da exigência de quali-ficação, houve acréscimos na despesa com treinamento, mas este pôde sercompensado pela maior produtividade, que permitiu que a empresa melhorasseseu faturamento, possibilitando, inclusive, ganhos financeiros aos funcionários.

Apenas duas empresas declararam que não tiveram melhorias com aimplantação de novas técnicas de gestão: uma atribuiu ao aumento da concor-rência, que oferece cada vez menores preços e maior qualidade; e outra, porqueos trabalhadores não se adaptaram à tentativa de implantar células de produ-ção, e, conseqüentemente, não conseguiu atingir os resultados esperados.

Segundo uma das empresas, houve resistência por parte dos trabalhado-res ao novo sistema. Mas, com o passar do tempo e com a obtenção de melho-res resultados, mais eficiência e lucratividade, a resistência foi reduzida, epuderam ampliar seu quadro funcional.

Para três empresas, a implantação de novas tecnologias resultou emterceirização de mão-de-obra, principalmente no que se refere à manutençãodos equipamentos, pois se trata de tecnologia que exige conhecimentos espe-cíficos. Foi salientado por duas dessas organizações que a implantação denovas tecnologias levou à redução do número de trabalhadores na produção eao aumento da terceirização desses.

Também foi destacado que a qualificação possibilitou aos trabalhadoresampliarem suas tarefas, não ficando restritos à produção, tornado-os responsá-veis pela qualidade dos produtos e, em alguns casos, pela limpeza e manuten-ção das máquinas, estimulando a polivalência.

Entretanto um maior grau de exigência de qualificação para a mão-de--obra do setor têxtil-vestuário deixou muitos trabalhadores fora desse mercado.Antes, as atividades do setor eram bastante simples, exigindo um baixo nívelde preparo para a execução. Atualmente, com a difusão da microeletrônica, asempresas necessitam habilidades mais complexas de seus trabalhadores, emuitos não estariam qualificados para atuar nesse novo contexto.

4.3 Mão-de-obra do setorA maior parte das empresas pesquisadas disse realizar treinamento (26);

contudo parte desses treinamentos é a cada seis meses. Os tipos de treina-

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mentos realizados são variados, sendo que uma parcela significativa é voltadapara o aperfeiçoamento: utilização de novas tecnologias (em 21 delas), reciclageme/ou atualização (em 20) e conhecimento do produto (em 19). Isso aponta apreocupação das empresas com a qualificação técnica dos funcionários. Tam-bém é expressiva a utilização de treinamento motivacional (em 23) ecomportamental (em 19). Quando questionadas sobre o número de horas detreinamento por funcionário em 2001, 2002 e 2003, verifica-se um alto númerode não-respostas (respectivamente, 25, 23 e 29), o que pode apontar ausênciade planejamento ou de controle sobre o treinamento.

O uso de formas de flexibilização da força de trabalho revelou-se bastantedifundido no setor como meio de redução de custos. Das 43 empresas, 39 afir-maram utilizar alguma forma de flexibilização, sendo as mais comuns: utiliza-ção de horas extras (em 30), terceirização (em 23), trabalho por turno (em 16),banco de horas (em 14) e estágios (em 12). Esse resultado vem confirmar eilustrar o exposto por muitos autores (Souto; Sá, 2002; Singer, 1999), como atendência do mercado pós-abertura comercial para tornar-se mais ágil e maiscompetitivo nacional e internacionalmente.

A utilização de horas extras e do banco de horas é devida, em grandemedida, à sazonalidade do setor, que obriga as empresas a rearranjarem suamão-de-obra em determinados períodos do ano. Para o trabalhador, a opçãomais lucrativa é o pagamento do tempo que excede a jornada normal de trabalhopor horas extras, porém observa-se uma tendência mundial e em todos os setoresdo uso cada vez mais difundido do banco de horas.

A terceirização e os contratos temporários são formas de flexibilizaçãocaracterísticas da cadeia têxtil, sobretudo no setor do vestuário. Desde osurgimento da indústria nacional, a contratação de costureiras a domicílio paraa realização de algumas etapas do processo produtivo, como a montagem e oacabamento, era prática comum, dada a existência de mão-de-obra qualificada.Atualmente, com as mudanças culturais, as tarefas doméstico-artesanais, comocorte e costura, deixaram de ser um conhecimento passado através de gera-ções, e o ingresso da mulher no mercado de trabalho tem-se refletido naredução da mão-de-obra habilitada que realiza essas atividades. O trabalho porfacção (a domicílio) continua sendo uma das estratégias para atender àsazonalidade de seus contratos, porém, na região estudada, não está entre asmais utilizadas. Tais formas de trabalho indicam que o movimento de flexibilizaçãono setor têxtil está na busca por uma flexibilidade econômica a partir da flexibi-lidade social, ou seja, as estratégias empreendidas pelas empresas pesquisadasestão voltadas, principalmente, para o atendimento de exigências decorrentesda sazonalidade da produção via externalização de parte das encomendas(subcontratação). Dessa forma, a estrutura organizacional mantém-se “enxuta”,

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uma vez que os gastos com pessoal são administrados de acordo com asnecessidades da demanda.

Embora as atividades mais terceirizadas no setor sejam aquelas não liga-das diretamente à produção, como serviços de transporte (em 18), informática(em 16), vigilância/segurança (em 13), manutenção (em 13) e alimentação (em12), ocorrem também em atividades que fazem parte do processo produtivo,como atividades ligadas à produção (em 12), ao acabamento (em 11) e à mon-tagem (em 10), principalmente no setor de vestuário. Para atender à sazonalidadede seus contratos, é comum a contratação de mão-de-obra para a realização departes do processo produtivo. Também os segmentos têxtil e de malharias con-tratam mão-de-obra terceirizada nas atividades ligadas ao processo produtivo.

Quanto ao número de funcionários e de terceirizados das empresas daamostra, pode-se dizer que, na média, está estável, tendo aumentado em algu-mas e diminuído em outras. As empresas que reduziram seu quadro funcionalatribuíram a queda tanto à estratégia de redução do volume de estoques adotadapor clientes (varejistas e atacadistas), quanto à redução do mercado, como é ocaso de uma indústria que produz roupas de lã e tem se ressentido da ausênciade invernos mais rigorosos. Além disso, a instabilidade econômica dos últimosanos atingiu o consumidor, que costuma fazer cortes no orçamento, principal-mente no que se refere a vestuário.

As empresas que aumentaram o número de funcionários relacionaram aexpansão com o aumento do número de pedidos e do mercado de atuação ecom a operação em novos mercados, sendo que algumas tiveram um incremen-to significativo na produção.

Duas empresas apontaram que, apesar do aumento da demanda e do con-seqüente crescimento da produção, optaram pela contratação de mão-de-obraterceirizada para a área de produção, buscando redução de custos e maior flexi-bilidade, para trabalhar com as oscilações características do mercado consumi-dor têxtil-vestuário.

5 Considerações finaisEste levantamento, mesmo que não represente a totalidade do setor, per-

mite fazer importantes inferências sobre a atual situação da cadeia têxtil-ves-tuário do Rio Grande do Sul a partir das respostas de 35% das empresas, querepresentaram seu universo.

A década de 90 representou, para o setor têxtil-vestuário, uma ruptura compadrões estabelecidos, assim como para os demais setores industriais.As empresas da indústria têxtil, antes detentoras de um mercado interno cativo,

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foram lançadas num mercado altamente competitivo. Devido ao protecionismogovernamental e à restrição às importações, o setor estava defasadotecnologicamente, passando, então, a deparar-se com a necessidade de inves-timentos elevados em inovações técnicas.

Os primeiros anos dessa década moldaram o perfil do setor, de acordocom o que se conhece hoje. Os segmentos que necessitavam de altos investi-mentos em capital, para se tornarem competitivos, ficaram cada vez maisrestritos nas mãos de poucos. O segmento têxtil, por ser mais intensivo emcapital, sofreu uma drástica redução no número de estabelecimentos e deixou,como conseqüência da modernização, um contingente de trabalhadores desem-pregados, seja pela diminuição dos postos de trabalho, seja pela necessidadede trabalhadores mais qualificados.

O segmento do vestuário não reagiu da mesma forma. Nesse mesmoperíodo, observou-se um grande número de pequenos empreendimentos, fatoque se deve, em grande medida, à tentativa de recolocação e de sobrevivênciados trabalhadores dispensados das empresas têxteis, permitida pela baixanecessidade de capital para as empresas desse segmento.

As inovações técnicas encontram-se relativamente difundidas no setor,porém o nível de inovação ainda não possibilitou às organizações gaúchas van-tagens competitivas no mercado internacional, estando, em sua maioria, restri-tas a atenderem às demandas do mercado interno.

Como conseqüência direta da implementação das tecnologias inovadoras,tem-se a necessidade de capacitação da mão-de-obra para o desempenho dasnovas atividades; contudo se observa a falta de um plano de treinamento paraos funcionários, haja vista que são poucas as empresas que souberam informaro quanto investem nessa área. Isso demonstra, mais uma vez, a falta de inves-timentos contínuos, nesse caso, em capacitação da mão-de-obra, que teriamresultados de médio e longo prazos, principalmente na qualidade dos produtos epara melhoria contínua de processos.

A partir da abertura econômica, as empresas brasileiras começaram a tercontato, também, com novas filosofias organizacionais. No setor têxtil-vestuá-rio gaúcho, observou-se que as inovações socioorganizacionais ainda estãosendo timidamente utilizadas, porém houve um avanço em comparação ao últi-mo estudo disponível sobre o tema (Campos; Scherer, 1996). Na época, ostrabalhadores apresentavam fortes resistências às novidades advindas do mer-cado globalizado. As empresas gaúchas que têm se utilizado dessas técnicassalientam resultados positivos da implementação, como aumento de produtivi-dade, melhoria da qualidade do produto, melhoria do ambiente de trabalho, den-tre outras.

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No segmento de fiação, as inovações de produtos concentram-se emnovas técnicas e matérias-primas para a produção de fios. No de tecelagem, ainovação está no desenvolvimento de novas texturas e no design dos tecidosproduzidos. Já no segmento de vestuário, a inovação está nas técnicas de cortee acabamento dos produtos, buscando atender às mudanças de tendência, deestilo e de cores para cada estação.

Para atualização quanto às novas técnicas produtivas, as principais fontessão os congressos, as feiras nacionais e as revistas especializadas, meios querepresentam menores custos para as empresas. Quanto à inovação nos produ-tos, são ressaltadas as pesquisas próprias. No setor de vestuário, são bastanteutilizadas revistas especializadas.

De modo geral, quando analisada a partir dos esforços das empresas nabusca de estratégias competitivas, a cadeia produtiva têxtil-vestuário tem apre-sentado deficiências, apesar da evolução nos últimos anos. O deslocamento daprodução para regiões que oferecem incentivos fiscais, a obsolescência do par-que fabril instalado, sobretudo no setor de confecções, e a variedade desegmentos que compõem a cadeia fazem com que as organizações apresen-tem estratégias distintas, o que contribui para o enfraquecimento da cadeia.

Devido à ampla variedade de produtos, não há integração entre essasempresas, ficando a maior parte delas focada em um único segmento,direcionando seus esforços de produção para um pequeno grupo de produtos.Dessa forma, buscam manter-se competitivas num mercado específico, parareduzirem o número de concorrentes diretos. Por outro lado, isso leva ao desen-volvimento de estratégias organizacionais isoladas, o que dificulta o surgimentode parcerias entre empresas da cadeia produtiva e a adoção de estratégiasconjuntas.

Caso houvesse maior integração, seria possível o desenvolvimento decentros regionais de pesquisa, que permitiriam a atualização constante quantoàs inovações técnicas e socioorganizacionais. Como na cadeia produtivatêxtil-vestuário o produto de um segmento é a matéria-prima do próximo (fiospara tecelagem, tecidos para confecções), a criação de pólos regionais (ou aunião das empresas dos já existentes) também facilitaria as negociações comfornecedores, fortalecendo a cadeia como um todo.

Observa-se que a maior parte das empresas ainda está voltada para asobrevivência imediata frente às oscilações do mercado e à instabilidadeeconômica, sendo seu planejamento voltado para resultados de curto prazo.Essa situação dificulta a adoção de estratégias, como a incorporação de novastecnologias, que requer altos investimentos e tem retorno a longo prazo.

A flexibilização do trabalho está presente em todos os segmentos da ca-deia e tem como característica histórica a contratação de pessoas para realizar

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parte da produção, a fim de atender às encomendas nos períodos de maiordemanda (Garcia, 2000). Atualmente, destacam-se, dentre as formas deflexibilização, o uso de horas extras, o banco de horas, a terceirização e oscontratos temporários de trabalho, o que confirma o evidenciado por muitosautores acerca do tema da flexibilidade do trabalho.

A flexibilidade de mão-de-obra e da produção é a estratégia mais comumenteutilizada pelas empresas da cadeia têxtil-vestuário como forma de se tornaremmais competitivas para concorrerem com a entrada de produtos estrangeiros.A necessidade de ser flexível está associada às oscilações do volume de pro-dução ao longo do ano. Para atender aos contratos dos clientes, as empresasbuscam meios para ampliar a jornada de trabalho dos funcionários (horasextras, banco de horas e trabalho por turnos) ou para aumentar a mão-de-obra(contratos temporários e terceirização). Tais medidas permitem um incrementoda produção sem elevação dos custos fixos.

A terceirização no setor é utilizada tanto nas atividades meio quanto nasligadas diretamente à produção. Atividades não ligadas ao negócio da empresa,como vigilância, alimentação, transporte e limpeza são as mais comumenteterceirizadas. Nos segmentos têxtil e de malharia, destaca-se a terceirizaçãodos serviços de técnicos e de manutenção, devido ao tipo de máquinas utiliza-das, que requerem manutenção constante. No setor do vestuário, é expressivaa terceirização de atividades ligadas diretamente à produção, principalmentenas etapas de montagem e acabamento, o que permite às empresas dosegmento flexibilizar a quantidade de trabalhadores na produção e dimensionara capacidade produtiva de acordo com o volume de pedidos.

A flexibilização técnica, apontada por Courault e Rerat (1983) como umaforma de desenvolvimento dos trabalhadores pela incorporação de novasatividades de trabalho à rotina diária e a rotação de tarefas a partir da introduçãode novas tecnologias, ainda é pouco expressiva no setor, sendo apontada porapenas quatro empresas da amostra. Os Presidentes dos Sindicatos Patronal ede Trabalhadores do Vestuário concordam que a falta de incentivos à qualifica-ção dos trabalhadores é conseqüência do baixo nível de instrução e dabaixa capacidade técnica da mão-de-obra do setor. Segundo os entrevistados,as atividades de produção do setor do vestuário ainda são consideradas tarefassimples, de baixo valor agregado, que não exigem qualificação técnica. Os tra-balhadores estáveis que recebem treinamento, mesmo que de forma precária,conseguem manter um certo nível de atualização, o que permite, pelo menos,sua manutenção no mercado. Já para os trabalhadores temporários, responsá-veis pela produção gerada pela demanda sazonal, a capacitação é praticamentenula, não contribuindo para sua empregabilidade.

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Em síntese, o segmento apresenta uma problemática que se assemelhaà de outros setores, demonstrando forte tendência à utilização de inova-ções tecnológicas e sociorganizacionais e à implementação de estratégiasde flexibilização do trabalho. Estas têm reflexos diretos sobre a mão-de-obra, noque se refere tanto à qualidade dos postos oferecidos e à exigência de qualifica-ção quanto ao número de empregos oferecidos. A tendência da externalizaçãodo processo produtivo via subcontratação indica a busca pelo ajustamento doscustos de mão-de-obra, de acordo com as necessidades da demanda.

A partir deste estudo, espera-se ter trazido elementos que permitam ummelhor conhecimento do setor, para que o Governo, empresas e instituições depesquisa possam buscar caminhos mais promissores para o mesmo.

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376 Valmiria Carolina Piccinini; Sidinei Rocha de Oliveira; Daniele dos Santos Fontoura

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A evolução regional da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário

do Rio Grande do Sul*

Valter José Stülp PhD em Economia Agrícola e Professor do Departamento de Economia e do PPGE da Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia da PUCRS

ResumoEste estudo analisa e projeta a evolução futura da produtividade regional damão-de-obra da agropecuária do Estado com base em dados de 1985 e 2000. Ométodo de análise é o de Matriz de Markov. Há tendência de elevação daprodutividade da mão-de-obra, aumentando a participação das regiões situadasacima da média estadual de 30,72% para 45,98%. Devido à abertura comercial,a uva para vinho e o trigo, que passaram a competir com os produtos importados,tiveram que aumentar a sua produtividade e a qualidade do produto, influenciandoa produtividade da mão-de-obra. A soja, que já competia no mercado internacional,teve um impacto menor sobre a produtividade da mão-de-obra. A substituiçãodo homem pela máquina, com a conseqüente migração rural urbana da população,apresenta o maior impacto sobre a produtividade regional da mão-de-obra.

Palavras-chaveEvolução da produtividade da mão-de-obra; agropecuária do RioGrande do Sul; Matriz de Markov.

* Projeto financiado pelo CNPQ através de Bolsa de Iniciação Científica.Artigo recebido em nov. 2005 e aceito para publicação em jul. 2006.

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AbstractThe study analyses and projects the future evolution of the regional productivityof labor in the agricultural sector of the state of Rio Grande do Sul based on dataof the years 1985 and 2000. The methodology of the analysis is based on aMarkov matrix. There is a tendency of a future increase in labor productivity witha rise in the participation of the regions above the state average from 30.72% to45.98%. Due to the Brazilian market opening, grapes for wine and wheat, whichhad to compete with the imported products, had to increase their productivityand product quality, influencing the productivity of labor. The soybeans, whichalready were competing in international markets, had a minor impact on laborproductivity. The substitution of labor by machinery, resulting in the rural to urbanmigration, has a great impact on the regional labor productivity.

Key wordsEvolution of labor productivity; agricultural sector of the state of RioGrande do Sul; Markov matrix.

Classificação JEL: O13, R11 e R23.

1 Introdução

Dentre as muitas transformações que ocorreram na economia brasileiradesde o final da década de 80 e durante a de 90 do século XX, uma das maisimportantes foi, sem dúvida, a abertura ao mercado internacional.

Soares, Servo e Arbache (2001, p. 6) afirmam:

No início da década de 90, a economia brasileira passou por um processode liberalização comercial sem igual na sua história. Foram eliminadasbarreiras tarifárias e não tarifárias, o que resultou, dentre outras coisas,em aumento da participação das exportações e importações no ProdutoInterno Bruto. Segundo Kume, Piani e Souza (2000), a média da tarifaefetiva ponderada pelo valor adicionado passou de 67,8%, em 1987, para37%, em 1990, e, finalmente, para 10,4%, em 1995.

Helfand e Rezende (2001, p. 250), referindo-se à agricultura, afirmam: “Aliberalização alterou preços relativos dos insumos, aumentou o acesso a insumosimportados de alta qualidade e levou a produção doméstica à maior

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competitividade. Estes fatores fomentaram ganhos na produtividade e reduçãodos custos”.

Segundo o teorema de Heckscher e Ohlin (HO), os impactos da aberturaeconômica de um país ao mercado internacional sobre a mão-de-obra podemdiferir, dependendo se a mesma é qualificada ou não. Um país emdesenvolvimento produziria bens que utilizassem intensamente a mão-de-obrade baixa qualificação, se esse fosse o fator relativamente mais abundante; benscujos processos de produção fossem intensivos em capital e mão-de-obraqualificada seriam produzidos pelos países desenvolvidos. Portanto, a aberturaeconômica deslocaria a demanda da mão-de-obra qualificada para a nãoqualificada, nos países em desenvolvimento.

Porém a liberalização comercial não foi o único fato econômico marcanteque ocorreu durante a década de 90. Outros fatos também podem ter afetado oemprego e a produtividade da mão-de-obra. Soares, Servo e Arbache (2001, p.11) afirmam que: “A partir do Plano Real, o Brasil seguiu um regime cambialquase fixo, e, de 1996 até o início de 1999, a moeda brasileira estevesobrevalorizada, levando a mudanças nos preços relativos entre tradables enon-tradables”. No início de 1999, ocorreu a grande desvalorização do real.

Outro acontecimento que influenciou especificamente o desempenho daagricultura, do final da década de 80 até o ano 2000, foi a drástica redução nadisponibilidade de crédito. Em 1985, o total de crédito alocado no setor agrícolado Brasil era de R$ 30.298 milhões (em reais de 1998), e de R$ 11.134 milhõesem 1998 (Helfand; Rezende, 2001, p. 254).

Stülp e Binz (2002), com base nos dados dos Censos Agropecuários de1985 e de 1995/96, verificaram que o volume de financiamentos obtido pelosprodutores agropecuários do Rio Grande do Sul, em 1985, era de R$ 1.534milhão e, no período de 01.08.95 a 31.07.96, foi de somente R$ 751 milhões.Esses valores são expressos em reais equivalentes a maio de 2001. Portanto, aredução no valor real dos financiamentos foi de 50%.

Outra medida adotada pelo Governo em relação à agricultura foi o abandonodos preços mínimos como referência para a garantia de preços. Comoconseqüência, o preço mínimo do milho, que seria representativo dos preçosmínimos de outros produtos, caiu 27%, em termos reais, desde 1995 (Helfand;Rezende, 2001, p. 259).

Stülp e Binz (2002) constataram que, no Rio Grande do Sul, houve umaredução da ordem de 40% a 60% nos preços reais dos principais produtosagropecuários pagos ao produtor, de 1986-87 a 1994-96. Os insumos tambémtiveram uma redução nos seus preços reais, no mesmo período, embora essaredução tenha sido menor do que a dos preços dos produtos.

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Especificamente em relação aos produtos das lavouras do Rio Grande doSul, verifica-se que houve queda acentuada nos seus preços de 1985 a 2000,com exceção dos preços do fumo e da uva para vinho (Tabela 1).

Tabela 1

Valores e variações percentuais de área, rendimento, produção e preço do produto das principais culturas do RS — 1985 e 2000

DISCRIMINAÇÃO ARROZ (1)

FEIJÃO (1)

FUMO (2)

MILHO (1)

Valores de 1985 (3)

Área colhida (ha) ........ 687 984 204 344 106 404 1 744 881

Rendimento (kg/ha) ... 4 597 676 1 549 2 039

Produção (t) ............... 3 162 662 138 137 164 824 3 557 812

Preço (R$/t) ................ 756 1 569 2 802 437

Valor (R$ 1 000) ......... 2 390 973 216 713 461 837 1 555 950

Valores de 2000

Área colhida (ha) ........ 933 263 181 830 145 320 1 487 037

Rendimento (kg/ha) .... 5 321 802 2 029 2 647

Produção (t) ............... 4 965 892 145 828 294 873 3 936 187

Preço (R$/t) ................ 240 436 1 710 191

Valor (R$ 1 000) ......... 1 193 801 63 532 504 233 751 812

Variações percentuais

Área colhida ............... 35,65 -11,02 36,57 -14,78

Rendimento ................ 15,75 18,64 30,99 29,82

Produção .................... 57,02 5,57 78,90 10,64

Preço .......................... -68,20 -72,23 -38,97 -56,33

Valor da produção ...... -50,07 -70,68 9,18 -51,68

(continua)

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Tabela 1

Valores e variações percentuais de área, rendimento, produção e preço do produto das principais culturas do RS — 1985 e 2000

DISCRIMINAÇÃO SOJA (1)

TRIGO (1)

UVA PARA VINHO (2)

Valores de 1985 (3)

Área colhida (ha) ............. 3 637 173 970 804 38 200

Rendimento (kg/ha) ......... 1 570 1 032 14 397

Produção (t) ..................... 5 710 362 1 001 870 549 982

Preço (R$/t) ..................... 702 926 318

Valor (R$ 1 000) .............. 4 009 626 927 898 174 894

Valores de 2000

Área colhida (ha) ............. 2 976 498 554 932 34 140

Rendimento (kg/ha) ......... 1 593 1 593 15 599

Produção (t) ..................... 4 741 561 884 007 532 553

Preço (R$/t) ..................... 289 204 468

Valor (R$ 1 000) .............. 1 368 731 180 485 249 235

Variações percentuais

Área colhida ..................... -18,16 -42,84 -10,63

Rendimento ..................... 1,46 54,36 8,35

Produção ......................... -16,97 -11,76 -3,17

Preço ............................... -58,89 -77,96 47,17

Valor da produção ........... -65,86 -80,55 42,51 FONTE: IBGE. Emater-RS. (1) Os preços dos produtos têm como fonte a Emater-RS. (2) O preço do fumo e da uva é o resultado da divisão do valor estadual da respectiva cultura pela quantida-de produzida. (3) Preços inflacionados no nível dos preços de 2000 pelo IGP-DI da FGV.

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Dado esse contexto econômico no período que vai da segunda metade dadécada de 80 até o final da de 90, pergunta-se como a produtividade da mão-de--obra ocupada na agropecuária do Rio Grande do Sul se comportou, em nível deregiões, nesse período. E qual é a projeção do seu desempenho regional para ofuturo? Que lavouras influenciaram essa variação da produtividade da mão-de--obra?

O crescimento da produtividade da mão de obra do setor agropecuário éimportante para que o mesmo gere mais renda, aumentando a poupança, aoferta de alimentos e as exportações, através de uma mão-de-obra que seencontra em declínio. A mão-de-obra ocupada no setor agropecuário do Estadoapresentou uma redução de 49%, de 1985 a 2000 (Tabela 2).

O objetivo deste estudo é analisar a evolução da produtividade da mão-de--obra ocupada no setor agropecuário do Rio Grande do Sul, de 1985 a 2000,considerando os efeitos regionais, e fazer projeções sobre a sua evolução futura.Também é analisado o efeito das lavouras sobre essa variação da produtividade,quer por seus efeitos rendimento e escala, quer pelo substituição.

Tabela 2

VAB e mão-de-obra ocupada no setor agropecuário do Rio Grande do Sul — 1985 e 2000

ANOS DISCRIMINAÇÃO

1985 2000

VAB do setor agropecuário a preço de

2000 (R$ milhão) ................................... 10 044 9 532

Mão-de-obra ocupada na agropecuária 1 732 794 878 557

VAB/mão-de-obra ocupada (R$/pessoa) 5 796 10 850 FONTE: FEE-RS. IBGE.

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2 Informações preliminares

Esta seção apresenta comentários de autores sobre os efeitos econômicosda abertura comercial brasileira e algumas características relacionadas àevolução do setor agropecuário do Rio Grande do Sul de 1985 a 2000, no seuconjunto.

Helfand e Rezende (2001, p. 252-253) comentam que:

A liberalização do comércio exterior para o setor agrícola ocorreu nocontexto das reformas econômicas do final da década de 80. O setor sebeneficiou com a drástica queda da proteção industrial e com a eliminaçãode impostos e restrições quantitativas nas exportações agrícolas. [...] Aomesmo tempo em que ocorriam as reformas para exportáveis, osimportáveis perderam sua proteção tarifária e não tarifária. Em casos comoo do trigo, a proteção que existia antes chegou a tornar os preços dosprodutores praticamente o dobro dos preços internacionais. Para a maiorparte dos importáveis, as tarifas caíram de 35%-55% antes de 1988 paraaproximadamente 10% em 1999.

Devido ao fato de os exportáveis já competirem no mercado internacional,por ocasião da abertura comercial não houve necessidade de grandes incrementosde produtividade para continuarem competindo. Porém os importáveis, com aabertura comercial, passaram a enfrentar uma situação nova de competição,necessitando aumentar a sua produtividade a taxas maiores que as dosexportáveis.

Helfand e Rezende (2001, p. 283) observam que os produtos agrícolasimportáveis tiveram, em nível de Brasil, entre 1985 e 1989 e entre 1995 e 1998,um acréscimo na produtividade da terra de 24%; e os exportáveis, de somente16%.

A Tabela 1 apresenta informações sobre área colhida, rendimento, produção,preço do produto e valor monetário da produção das culturas, no do Rio Grandedo Sul, referentes aos anos de 1985 e 2000. Ela mostra que, nesse período, aprodutividade da terra (rendimento por hectare) na produção de soja (produto deexportação) aumentou apenas 1,46%, enquanto o rendimento do trigo (produtode importação) aumentou 54,36%.

Todas as culturas constantes na Tabela 1 apresentaram aumento derendimento, sendo maior, contudo, o do trigo. A maioria delas sofreu redução deárea, com exceção de arroz e fumo. As produções físicas das culturas de arroz,feijão, fumo e milho aumentaram, e as de soja, trigo e uva diminuíram, de 1985a 2000.

Gasques e Conceição (2001, p. 40) mostram que, no Rio Grande do Sul, de1985 a 1995, as taxas anuais de crescimento da produtividade total dos fatores,

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da produtividade da terra e da mão-de-obra no setor agropecuário foram,respectivamente, 1,96%, 1,67% e 2,45%. Em nível de Brasil, para o mesmoperíodo, essas taxas anuais de crescimento da produtividade foram,respectivamente, 2,27%, 1,61% e 1,91%. Portanto, a produtividade da mão-de--obra no setor agropecuário cresceu a uma taxa superior no Estado, se comparadaà sua taxa de crescimento em nível nacional.

Considerando o Valor Adicionado Bruto/mão-de-obra ocupada (VAB/MO)como a produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário, pode-se observar,na Tabela 2, que a mesma aumentou, no Estado, entre 1985 e 2000, de R$5.796,00 para R$ 10.850,00, ou seja, um incremento de 87%, isto é, de 4,17%ao ano. No entanto, esse aumento deve-se à redução de 49% na populaçãoocupada no setor agropecuário e não à elevação do VAB, já que este apresentouuma redução no período.

Portanto, apesar de o teorema de Heckscher e Ohlin afirmar que, na aberturaeconômica, haveria um aumento na demanda por fatores de produçãorelativamente mais abundantes, verifica-se que, no caso do setor agropecuáriodo Estado, continua predominando a tendência de acentuada redução da mão--de-obra ocupada, apesar de ser um fator relativamente abundante.

Arbache (2001, p. 11) afirma que, de modo geral, a evidência mostra, tantonos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, que a liberalizaçãocomercial favoreceria a mão-de-obra qualificada em detrimento da não qualificada,o que contraria a hipótese do teorema de HO. A abertura econômica seriaacompanhada pela introdução de novas tecnologias, de novas práticas deadministração de recursos humanos, de processos mais eficientes de produçãoe da incorporação de novas e mais avançadas máquinas e equipamentos, o quefavoreceria a mão-de-obra qualificada.

Arbache (2001, p. 17) conclui afirmando que haveria duas classes demodelos para explicar os impactos da liberalização comercial sobre a mão-de--obra nos países em desenvolvimento. Uma englobaria os modelos que têm porbase o teorema de Heckscher e Ohlin e também o de Stolper e Samuelson (estereferente à distribuição da renda, dentre outros fatores, como resultado dolivre-comércio). A outra classe de modelos se basearia nas mudançastecnológicas resultantes da liberalização comercial.

A abertura comercial deve ter contribuído para mudanças tecnológicas naagricultura, pela importação e pela redução interna de preços de insumos. Helfande Rezende (2001, p. 287) afirmam que:

A liberalização do comércio externo e a redução da proteção à indústria,além da valorização da taxa de câmbio real, devem ter reduzido os preçosrelativos de insumos, como fertilizantes, pesticidas e tratores. Isso, porsua vez, deve ter levado à maior utilização de técnicas que usam esses

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insumos de forma intensiva e que economizam insumos nãocomercializáveis, como terra e mão-de-obra.

Stülp e Binz (2002), comparando os dados do Censo Agropecuário de1985 com os do Censo Agropecuário de 1995/96, verificaram que, no setoragropecuário do Rio Grande do Sul, houve uma substituição da mão-de-obra portratores na proporção de 25 homens por cada trator de 100HP incorporado aoprocesso produtivo.

Verifica-se que, de 1985 a 2000, o setor agropecuário do Estado não foicapaz de gerar mais empregos e, ao mesmo tempo, aumentar o valor de suaprodução, o que permitiria maiores níveis de renda para essa mão-de-obraadicional. O resultado foi que grande parcela da mão-de-obra desse setor foiobrigada a migrar para os centros urbanos. Aquela que não encontrou colocaçãonos mercados formais da indústria e do Setor Terciário foi forçada às ocupaçõesna economia informal, principalmente no Setor Terciário.

Com a acentuada redução da mão-de-obra ocupada na agropecuária doRio Grande do Sul, o ganho de produtividade daquela que permanece atuandonesse setor certamente continuará. É importante analisar em que áreas esseaumento de produtividade tende a ser maior e por que e qual a sua convergênciafutura, se para um mesmo nível, ou não.

3 Metodologia

3.1 Fontes de dados

Neste estudo, a produtividade da mão-de-obra do setor agropecuário éexpressa como o Valor Adicionado Bruto dividido pela mão-de-obra ocupada nosetor.

Os dados referentes ao VAB do setor agropecuário em nível municipal, nosanos de 1985 e 2000, foram fornecidos pela Fundação de Economia e Estatística(FEE).

A informação sobre a mão-de-obra ocupada em 1985, no setor agropecuáriodo Rio Grande do Sul, no nível dos municípios, foi retirada do CensoAgropecuário de 1985, do IBGE. A informação sobre a mão-de-obra ocupadaem 2000, no setor agropecuário do Rio Grande do Sul, em nível dos municípios,está disponível no Censo Demográfico 2000 do IBGE.

Portanto, os dados sobre a mão-de-obra ocupada no setor agropecuário doRio Grande do Sul provêm de duas fontes distintas (Censo Agropecuário eCenso Demográfico), porém ambas são da mesma instituição, que é o IBGE

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(1985; 2001). Essas são as únicas fontes disponíveis de dados sobre a mão-de--obra ocupada no setor agropecuário do Rio Grande do Sul, em nível municipal,para esses dois anos. Embora essa distinção entre as fontes possa influenciarnos resultados encontrados na análise pela consistência dos mesmos, não seacredita que essa influência seja significativa.

As informações sobre a área e a produção municipal das lavouras em1985 estão disponíveis no Censo Agropecuário de 1985, enquanto os mesmosdados referentes a 2000 são fornecidos pelo IBGE (2002).

3.2 Procedimento de análise

Há muitos estudos na literatura sobre a análise de convergência de níveisde produtividade ou de renda entre países ou regiões. A questão que se colocaé se as economias tendem a convergir para os mesmos níveis de produtividadeou renda per capita, isto é, se há um mecanismo que permita que as economiasmenos desenvolvidas alcancem os níveis das mais desenvolvidas (Baumol,1986; Barro; Sala-i-Martin, 1991, 1992, 1995; Le Gallo, 2001; Magrini, 1999).

O método de análise utilizado neste estudo é o de Matriz de Markov. Essemétodo permite não só analisar se está havendo convergência entre as regiões,mas também a sua dinâmica em termos do número de regiões que se encontramnos vários níveis ao longo do tempo, assim como o tempo necessário paraalcançar o equilíbrio final.

Para utilizar o método de Matriz de Markov, é necessário obter duasdistribuições de VAB/mão-de-obra ocupada: uma referente ao ano de 1985 eoutra para o ano 2000. Para isso, é necessário, em primeiro lugar, que as regiõessejam comparáveis nesses dois períodos.

Devido ao grande número de emancipações municipais ocorridas entre1985 e 2000, muitos municípios não são geograficamente comparáveis entreesses dois períodos, ou porque não existiam em 1985, ou porque sofreramredução devido à emancipação de uma parte de sua área. Assim, os municípiosdo Rio Grande do Sul, quando necessário, são agregados em conjuntos queformam regiões geograficamente idênticas às de 1985 a 2000.

Referente a cada um desses dois anos, determina-se, para cada região, arelação VAB do setor agropecuário por unidade de mão-de-obra ocupada. Têm--se, assim, duas distribuições de VAB por unidade de mão-de-obra, uma para1985 e outra para 2000. Os valores de cada distribuição são ponderados emrelação à média estadual do respectivo ano, que é considerada igual a 1,00.

Cada distribuição é dividida em uma mesma estrutura de classes. Combase na migração das regiões de uma classe para outra ou na permanência na

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mesma classe de 1985 a 2000, estabelece-se uma matriz de probabilidades detransição denominada de Markov.

Sendo Ft a distribuição regional do VAB/mão-de-obra ocupada no tempo t,

e utilizando-se a Matriz de Transição de Markov, é possível construir um sistemade equações de diferenças que expressa a evolução da distribuição ao longo dotempo. Esse sistema é representado por:

onde s é o desvio padrão da distribuição, e n, o número de observações. Segundoos autores, essa expressão para encontrar o valor de h seria adequada, mesmonos casos em que as observações não seguissem uma distribuição normal.

Determina-se se cada uma das duas distribuições de VAB por mão-de--obra ocupada segue uma distribuição normal através do teste de Kolmogorov--Smirnov. Para isso, compara-se a distribuição de freqüência acumulada observada

Ft+1 = M Ft

onde M é a Matriz de Transição de Markov, indicando a probabilidade de cadamunicípio da classe de VAB/mão-de-obra ocupada i no tempo t estar na classej no tempo t+1. A hipótese básica associada a esse procedimento é a de queas probabilidades de transição sejam estacionárias, isto é, que a probabilidadede passagem de uma classe para outra seja invariável no tempo. No entanto,apesar de um município permanecer na mesma classe, ele pode evoluir, se amédia do Estado, ao final do período, representar um valor mais elevado deVAB/mão-de-obra ocupada.

Com a utilização do método de Matriz de Markov, pode-se avaliar nãosomente se haverá uma tendência de as regiões convergirem, ou não, no futuro,para um mesmo nível de VAB/pessoa ocupada no setor, preferencialmente omais alto, mas também a velocidade dessa convergência (Simon; Blume, 1994,cap. 23).

Porém há ainda a questão de como determinar a dimensão do intervalo dasclasses de VAB/mão-de-obra ocupada nas duas distribuições. A dimensão h dointervalo de classe é importante, pois um h muito grande faz com que haja umelevado número de observações em cada intervalo, diminuindo a variância daestimativa, mas levando a um formato de histograma menos adequado, poisaumenta o viés da estimativa. Com um h pequeno, ocorre o contrário: reduz-seo viés, mas aumenta a variância. Portanto, o valor de h deve ser escolhido demodo a resultar em um trade-off ótimo entre viés e variância da estimativa(Pagan; Ullah, 1999).

Devroye e Györfi (apud Magrini, 1999, p. 264) afirmam que, se a distribuiçãoé normal, o valor ótimo do intervalo de classe seria dado por:

(1)

h = 2,72 s n -1/3 (2)

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com a acumulada teórica esperada na hipótese de normalidade. O valor absolutoda diferença máxima entre as duas constitui o valor D para o teste deKolmogorov-Smirnov (Siegel, 1956).

Além da convergência, ou não, entre as regiões, analisam-se tambémvariáveis relacionadas com as culturas que possam explicá-la. A questão quese coloca aqui é se a expansão de alguma cultura, através do efeito escala oudo efeito substituição, ou o aumento no seu rendimento têm contribuído para aevolução da produtividade da mão-de-obra.

O estudo analisa a variação na área cultivada de uma cultura, dividindo-aem efeito escala e em efeito substituição. O efeito escala mede a variação naárea da cultura em função da mudança no tamanho do conjunto de cultivos. Oefeito substituição é positivo, quando a cultura em questão substitui outrasculturas, ou é negativo, quando ela é substituída por outras culturas (Santos;Faria; Teixeira, 2001).

Conforme Santos, Faria e Teixeira (2001, p. 109), esses efeitos sãoanalisados através da expressão:

em queA

i2 - A

i1 é a variação na área cultivada de uma cultura específica i do

período 1 ao 2

(αAi1 - A

i1) é o efeito escala

(Ai2 - αA

i1) é o efeito substituição

Nessas expressões, Ai é a área cultivada com a i-ésima cultura; A

t1 é a

área total do conjunto das culturas no período 1; At2

é a área total do conjuntodas culturas no período 2; α mede a variação na área total das culturas entre osperíodos 1 e 2.

Os valores encontrados no efeito escala para cada produto mostram comoseria o comportamento de cada cultura se a ampliação ou a contração da

α = At2/At1

At1 = ∑iAi1

At2 = ∑iAi2

Ai2 - Ai1 = (αAi1 - Ai1) + (Ai2 - αAi1) (3)

389A evolução regional da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 377-410, out. 2006

área total fosse distribuída de modo uniforme entre elas. O efeito substituiçãomostra a variação da participação dentro do sistema, ou seja, refere-se àdiferença entre a variação real da área cultivada, entre os períodos emanálise, e o efeito escala. (Santos; Faria; Teixeira, p. 110).

4 Resultados

São 166 as regiões que permaneceram geograficamente homogêneas entreos anos de 1985 e 2000. Essas regiões estão especificadas na Tabela A.1 e noQuadro A.1 do Apêndice.

Analisa-se a convergência, ou não, dessas regiões em termos do ValorAdicionado Bruto a preços básicos do setor agropecuário por unidade de mão--de-obra ocupada nesse setor. Examina-se também o efeito das culturas maisimportantes do Estado sobre a convergência regional.

4.1 Convergência regional

Os VABs a preços básicos do setor agropecuário, por unidade de mão-de--obra ocupada, das 166 regiões relacionados ao valor médio do Estado para osanos 1985 e 2000 encontram-se na Tabela A.1 do Apêndice. No teste denormalidade de Kolmogorov-Smirnov, em relação às duas distribuições dessavariável foram encontrados um valor de D = 0,217 para a de 1985 e um deD = 0,157 referente à de 2000. O valor crítico do teste, para uma amostra de 166observações e a 1% de significância estatística, é igual a 0,127 — ver Tabela Eem Siegel (1956, p. 251). Sendo cada um dos valores D observados maior que ovalor crítico, rejeita-se a hipótese de normalidade no nível de 1% de significância,em relação a cada uma das duas distribuições.

Mesmo assim, para determinar a dimensão h do intervalo de classe, utilizou--se a fórmula , com base na afirmação de Devroye e Györfi(apud Magrini 1999, p. 264) de que a expressão seria adequada também no casode uma distribuição não normal. O valor s é o desvio padrão da distribuição, e né o número de observações.

Para a distribuição de 1985, obteve-se h = 0,365, e, para a de 2000,h = 0,355. Optou-se pelo valor médio de 0,360, estabelecendo-se intervalos declasse idênticos para cada uma das duas distribuições. As regiões foramclassificadas em cinco classes, com os seguintes intervalos: (a) abaixo de 0,640;(b) de 0,640 a 1,000; (c) de 1,001 a 1,360; (d) de 1,361 a 1,720; e (e) superior a1,720.

h = 2,72 sn-1/3

390 Valter José Stülp

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 377-410, out. 2006

Com base nessas cinco classes, foi construída a Matriz de Transição deMarkov, base para o sistema de equações de diferenças. A Matriz de Markov eo correspondente sistema de equações de diferenças, obtidos com base nosdados da Tabela A.1 do Apêndice, são como segue:

As raízes características ou os autovalores desse sistema de equaçõessão:ção geral desse sistema de equações é:

r1 = 1; r2 = 0,6925; r3 = 0,4904; r4 = 0,1763; e r5 = 0,0436. A solu-

t

t

t

t

t

FFFFF

54321

= c1

1473,01072,02053,02881,02521,0

(r1)t + c2

−−−

0332,10813,00974,05547,04621,0

(r2)t + c3

−−

3379,03342,04808,0

0554,04218,0

(r3)t +

c4

−−

1139,04869,01919,08183,0

6371,0

(r4)t + c5

1848,03791,04558,0

5585,02970,0

(r5) (5)

+

+

+

+

+

1

1

1

1

1

54321

t

t

t

t

t

FFFFF

=

7083,02308,00000,00633,00000,00833,03077,02143,00380,00278,00833,03077,04286,01772,00833,00417,00769,02857,04304,03611,00833,00769,00714,02911,05278,0

t

t

t

t

t

FFFFF

54321

(4)

391A evolução regional da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 377-410, out. 2006

A distribuição de probabilidades do início do período (1985) apresenta osseguintes valores:

Com base nas informações da expressão (6), nos valores das raízes ca-racterísticas e utilizando a expressão (5), determinam-se os valores dos c

i e, a

partir desses, a solução particular do sistema de equações, que é dada por:

(6)

0

0

0

0

0

5

4

3

2

1

F

F

F

F

F

=

1446,0

0783,0

0843,0

4759,0

2169,0

A solução de equilíbrio de longo prazo é dada por:

Verifica-se que a classe de regiões com a produtividade mais baixa (abaixodos 64% em relação à média do Estado) tem a sua participação aumentada de21,69% para 25,21% no longo prazo (expressões 6 e 8). A classe de regiõessituadas no nível que vai de 64% até a média do Estado tem a sua participaçãoreduzida de 47,59% para 28,81%. Há uma evolução favorável na produtividadeda mão-de-obra, considerando-se que o percentual das regiões situadas acimada média do Estado aumenta de 30,72% para 45,98%.

A segunda raiz característica, em valor absoluto, fornece uma medida davelocidade com que esse equilíbrio de longo prazo é alcançado. Essa velocidade

(7)

t

t

t

t

t

F

F

F

F

F

5

4

3

2

1

=

−−−−−

−−

−−

0304,00101,00462,00286,01473,0

0624,00434,00457,00023,01072,0

0751,00171,00657,00027,02053,0

0920,00729,00076,00154,02881,0

0489,00568,00576,00128,02521,0

t

t

t

t

t

)0436,0(

)1763,0(

)4904,0(

)6925,0(

)1(

t

t

t

t

t

F

F

F

F

F

5

4

3

2

1

=

1473,0

1072,0

2053,0

2881,0

2521,0

(8)

392 Valter José Stülp

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 377-410, out. 2006

é entendida como o tempo necessário para percorrer a metade da distânciaentre a posição inicial e a de equilíbrio de longo prazo (dm). Ela é dada por:dm = - log 2 / log |0,6925) = 1,89 períodos.

Portanto, multiplicando-se 1,89 por 15 anos (1985 a 2000), obtém-se otempo necessário (28 anos) para percorrer a metade da distância entre a posiçãoinicial e a de equilíbrio de longo prazo.

A Tabela 3 mostra a evolução da participação percentual das regiões nasdiferentes classes de produtividade da mão-de-obra. Em quatro períodos de 15anos (ao final de 60 anos), a distribuição das regiões entre as várias classesestaria muito próxima da situação final de equilíbrio, embora esta só sejaalcançada integralmente após 18 períodos. As regiões situadas na classe inferiorà média do Estado estariam evoluindo aceleradamente para a classe superior àmédia estadual. Já as mudanças nas demais classes seriam menos acentuadase mais lentas.

Tabela 3

Convergência das regiões, em termos de VAB/mão-de-obra ocupada no setor agropecuário, em direção ao equilíbrio de

longo prazo, do RS em períodos de 15 anos (%)

PERÍODOS DE 15 ANOS VAB/MÃO-DE-OBRA EM RELAÇÃO À MÉDIA

ESTADUAL P0 P1 P2 P3

Abaixo de 0,640 .................... 0,2169 0,2771 0,2702 0,2628 De 0,640 a 1,000 ................... 0,4759 0,3194 0,2998 0,2945 De 1,001 a 1,360 ................... 0,0843 0,1747 0,1912 0,1985 De 1,361 a 1,720 ................... 0,0783 0,0783 0,0939 0,1008 Acima de 1,720 ..................... 0,1446 0,1506 0,1450 0,1433

PERÍODOS DE 15 ANOS VAB/MÃO-DE-OBRA EM RELAÇÃO À MÉDIA

ESTADUAL P4 P5 P18

Abaixo de 0,640 .................... 0,2583 0,2558 0,2521 De 0,640 a 1,000 .................. 0,2922 0,2908 0,2881 De 1,001 a 1,360 .................. 0,2021 0,2039 0,2053 De 1,361 a 1,720 .................. 0,1040 0,1055 0,1072 Acima de 1,720 ..................... 0,1434 0,1441 0,1473 FONTE DOS DADOS BRUTOS: FEE-RS. NOTA: P0 = data inicial; P1 = 15 anos; P2 = 30 anos; ....... P5 = 75 anos; e P18 = = 270 anos.

393A evolução regional da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário...

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4.2 O efeito das culturas sobre a convergência regional

O estudo analisa também se a expansão de alguma cultura via efeito escalaou efeito substituição, ou o aumento no seu rendimento, tem contribuído para aevolução da produtividade da mão-de-obra, através da elevação do ValorAdicionado Bruto da agropecuária. As culturas consideradas na análise são:arroz, feijão, fumo, milho, soja, trigo e uva para vinho.

Verificou-se, inicialmente, a variação percentual do VAB do setoragropecuário, entre 1985 e 2000, em cada conjunto de regiões em que a culturaem questão é importante. Selecionou-se, em relação a cada cultura, o conjuntodas principais regiões em função da sua área. Assim, em relação ao arroz,selecionaram-se as regiões em que a área era superior a 1.000 hectares. Omesmo limite inferior de área foi considerado para o milho. Para a soja e para otrigo, o critério foi selecionar as regiões em que a área de qualquer uma dasduas culturas fosse superior a 1.000 hectares.

Em relação ao feijão, o limite inferior de área considerada para a seleçãoda região foi de 500 hectares; para o fumo, foi de 100 hectares; e, para a uva, de50 hectares. Esses limites foram estabelecidos em função do fato de a culturaser característica de grandes ou pequenos estabelecimentos rurais e do númeromínimo de regiões que integrariam cada conjunto.

A Tabela 4 apresenta a variação percentual do VAB do setor agropecuárioem cada conjunto de regiões importantes em termos de área cultivada, paracada uma das culturas. A soja e o trigo são analisados em conjunto, porque háuma alta correlação entre as áreas regionais dessas duas culturas, indicandoque suas regiões de cultivo são as mesmas. É analisada também a variaçãopercentual da população ocupada no setor agropecuário, em cada um dessesconjuntos de regiões.

Verifica-se que, em todas as regiões, houve redução do VAB agropecuário,com exceção das produtoras de uva. A redução da população ocupada no setoragropecuário foi maior que a do VAB, indicando tendência de aumento do VABpor unidade de mão-de-obra ocupada no setor. Essa redução percentual dapopulação ocupada foi aproximadamente idêntica em todas as regiões, quernaquelas com culturas mecanizadas, como arroz, soja e trigo, quer nas comculturas que utilizam mais mão-de-obra por hectare, como fumo e uva.

Analisaram-se os impactos da mudança do rendimento e da área das culturasem termos de efeitos escala e substituição sobre a variação percentual do VABagropecuário. A variável rendimento expressa a variação percentual da produçãoda cultura devida à elevação ou à redução no rendimento. Para essa finalidade,

394 Valter José Stülp

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 377-410, out. 2006

comparou-se, em termos de variação percentual, a produção regional da culturaem 2000 com a produção que resultaria da área colhida em 2000, mas sendo orendimento por hectare o de 1985. O efeito escala e o efeito substituição damudança de área já foram definidos anteriormente.

Tabela 4

Variação percentual do VAB e da população ocupada no setor agropecuário, em cada conjunto de principais regiões produtoras dos mais importantes

produtos agrícolas, do Rio Grande do Sul — 1985-00

VARIAÇÃO PERCENTUAL PRODUTOS E TOTAL

DO ESTADO NÚMERO DE

REGIÕES VAB Agropecuário População

Arroz ....................................... 60 -11,93 -50,40

Feijão ...................................... 60 -3,75 -48,28

Fumo ....................................... 56 -0,97 -47,88

Milho ....................................... 130 -2,70 -49,38

Soja e trigo .............................. 89 -5,43 -48,95

Uva para vinho ........................ 48 5,08 -47,62

Total do Estado ....................... 166 -5,10 -49,30 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. FEE-RS.

As regressões foram realizadas tendo por base as regiões consideradasimportantes na exploração de cada cultura. Assim, o número de observações,para o arroz, é 60; para o feijão, é 60; para o fumo, é 56; para o milho, é 130; paraa soja e o trigo, é 89; e, para a uva, é 48.

A Tabela 5 apresenta os resultados das regressões estatísticas da variaçãopercentual do VAB agropecuário regional sobre o efeito do rendimento e damudança de área das culturas via efeito escala e efeito substituição.

As culturas da soja e do trigo foram incluídas em uma única regressão,tendo em vista que as regiões que são importantes em relação a ambas sãopraticamente as mesmas. Considerando as 89 regiões importantes para essasduas culturas, tem-se um coeficiente de correlação entre a área regional da sojae a do trigo de 0,99.

395A evolução regional da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 377-410, out. 2006

Verifica-se, pela Tabela 5, que as únicas culturas que influenciaram a vari-ação do VAB agropecuário regional são o milho, a soja, o trigo e a uva. Asregressões referentes a elas apresentam coeficientes estatisticamentesignificantes a 5% ou a 1%. No entanto, o valor do R2 dessas regressões ébaixo, com exceção do R2 da regressão referente à uva. Assim, essa culturainfluenciou mais as mudanças no VAB agropecuário.

Tabela 5

Resultados das regressões da variação percentual regional do VAB Agropecuário sobre os efeitos do rendimento,

da escala e da substituição

EFEITOS DAS VARIÁVEIS CULTURAS

E ITENS CONS-TANTE Rendi-

mento Escala Substi-tuição

R2 DA REGRES-SÃO

-3,0962

0,0001

0,0010

-0,0004

Arroz Coeficientes ................. Significância estatística 0,77 0,80 0,31 0,48

0,01

-2,1584

0,0022

0,0036

0,0024

Feijão Coeficientes ................. Significância estatística 0,52 0,34 0,24 0,08

0,07

1,4407

0,0006

0,0042

0,0009

Fumo Coeficientes ................. Significância estatística 0,72 0,79 0,31 0,83

0,02

-0,6077

0,0002

-0,0012

-0,0006

Milho Coeficientes ................. Significância estatística 0,85 0,01 0,03 0,16

0,01

-0,7467

0,0001

0,0011

0,0001

Soja (1) Coeficientes ................. Significância estatística 0,82 0,14 0,001 0,60

Trigo (1) Coeficientes ................. Significância estatística

- -

0,0015 0,0001

-0,0035 0,03

0,0014

0,001

0,16

0,16

1,3067

0,0046

-0,1211

-0,1067

Uva para vinho Coeficientes ................. Significância estatística 0,75 0,003 0,0001 0,002

0,52 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. (1) As variáveis referentes a soja e trigo foram incluídas em uma única regressão, por isso há somente uma constante.

396 Valter José Stülp

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A Tabela 1 ajuda a entender alguns dos resultados da Tabela 5. O efeito domilho sobre a variação do VAB agropecuário via rendimento foi positivo e viaárea (efeito escala) foi negativo (Tabela 5). A Tabela 1 mostra que, de 1985 a2000, o rendimento do milho aumentou 29,82%, e a área diminuiu 14,78%.

O efeito rendimento do trigo foi positivo (Tabela 5), com um aumento de54,36% (Tabela 1). Tanto o trigo como a soja tiveram redução de área entre 1985e 2000 (Tabela 1). Mas, pela Tabela 5, esse efeito de mudança de área sobre oVAB agropecuário somente foi negativo em relação ao trigo, via efeito escala. Ocoeficiente desse efeito (-0,0035) foi, contudo, superior, em valor absoluto, àsoma do coeficiente do efeito substituição do trigo (0,0014) com o do efeitoescala da soja (0,0011). Isso confirma o impacto negativo da variação da áreadessas duas culturas sobre o VAB agropecuário.

A uva apresentou uma elevação de rendimento e uma redução de área(Tabela 1). A Tabela 5 mostra que o coeficiente do efeito rendimento dessa culturasobre o VAB agropecuário regional foi positivo e estatisticamente significante.Os coeficientes dos efeitos de escala e de substituição da redução da áreaforam negativos e também significantes.

5 Conclusões

Este artigo analisou a evolução das regiões do Rio Grande do Sul emtermos de nível do Valor Adicionado Bruto da agropecuária por unidade de mão--de-obra ocupada nesse setor. Para tanto, cada região do Estado foi classificadaem uma de cinco classes, conforme o seu VAB/MO relativo ao valor médioestadual.

Verifica-se que as regiões situadas na classe mais baixa de VAB/MO nãoparecem evoluir para níveis mais elevados. A participação relativa dessas regiõesno total das regiões do Estado, que inicialmente era de 21,69%, aumenta, nofuturo, para 25,21%. Examinando a Tabela A.1 e o Quadro A.1, constata-se quemuitas das regiões que se encontram nesse nível de VAB/MO são as que atraemmigrantes, como as situadas perto da Região Metropolitana de Porto Alegre ouos municípios mais desenvolvidos industrialmente no interior do Estado. Assim,uma parcela dos imigrantes poderia residir na área rural dessas regiões, comalgum familiar assumindo um emprego urbano, enquanto os demais elementosda família aumentariam a população ocupada no meio rural. Sem grande elevaçãodo VAB agropecuário regional, esse aumento da população reduziria o VAB/MO.

As regiões situadas na classe mais alta de VAB/MO (acima de 72% damédia estadual) não alteram muito a sua participação relativa, a qual passariade 14,46% para 14,73% no futuro. Na Tabela A.1 e no Quadro A.1, verifica-se

397A evolução regional da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 377-410, out. 2006

que a principal atividade agropecuária de várias dessas regiões é a pecuária, ea de outras é a produção de uva vinífera. Como as regiões produtoras de pecuárianão apresentam altas taxas de imigração de mão-de-obra, características dasregiões industrializadas, o nível do VAB/MO permanece estável ou, então, eleva--se, se a produção aumentar. No caso das regiões produtoras de uva, o valor daprodução é que pode aumentar, pois, conforme se observou, houve um impactopositivo do rendimento dessa cultura sobre a variação do VAB.

A maior migração das regiões entre classes de níveis de VAB/MO ocorrena classe logo abaixo da média estadual, cuja participação diminuiu de 47,59%para 28,81%, e na classe logo acima da média estadual, cuja participaçãoaumentou de 8,43% para 20,53%. Assim, parece que muitas das regiões que seencontram abaixo da média estadual conseguiriam evoluir para um nível superior,quer pela redução da mão-de-obra ocupada no setor agropecuário, quer viaaumento no valor do produto. Examinando a Tabela A.1 e o Quadro A.1, verifica--se que, entre as regiões que, de 1985 a 2000, evoluíram de um nível de VAB//MO inferior à média do Estado para um nível superior, se encontram as produtorasde uva (como, por exemplo, Caxias do Sul e Farroupilha) e as produtoras degado (Caçapava do Sul, São Francisco de Paula, Bom Jesus, etc.).

De modo geral, pode-se afirmar que houve uma evolução favorável naprodutividade da mão-de-obra, considerando-se que o percentual das regiõessituadas abaixo da média do Estado se reduziu de 69,28% para 54,02%.

Avaliou-se a influência das culturas sobre a evolução das regiões em termosde VAB/MO, examinando-se o impacto de variações no rendimento e na áreadas culturas sobre o percentual do VAB agropecuário regional entre 1985 e 2000.A influência de mudanças na área foi analisada através dos seus efeitos escalae substituição entre culturas. De modo geral, o impacto dessas variáveis sobrea variação percentual do VAB — e, portanto, do VAB/MO — é muito pequena.

A variação do rendimento da uva para vinho teve um efeito positivo sobrea variação percentual do VAB. Já a variação da área dessa cultura apresentouum impacto negativo sobre o VAB via efeito escala e efeito substituição.

Com a abertura da economia brasileira ao mercado internacional, o setorvinícola teve que aumentar a sua produtividade e o valor do produto via qualidade(passando das variedades americanas para as européias), para competir comos vinhos importados. Da mesma forma, a redução de área pode significar oabandono daquelas com clima e solos menos apropriados ao seu cultivo e que,portanto, resultavam em menor rendimento e em produtos de qualidade inferior.

Outra cultura que teve que competir com o produto importado devido àabertura comercial foi o trigo. O aumento no seu rendimento, de 1985 a 2000, foio maior dentre as principais culturas do Estado, causando um efeito positivosobre o VAB do setor agropecuário. Do mesmo modo que a uva, o trigo teve a

398 Valter José Stülp

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 377-410, out. 2006

sua área reduzida, adequando-se a outras mais favoráveis ao seu cultivo, visan-do a uma maior produtividade. Essa redução de área teve, sobre o VAB, umimpacto negativo via efeito escala e um impacto positivo via efeito substituição,sendo, contudo, negativa a soma desses dois efeitos.

A soja, que já competia no mercado internacional por ocasião da aberturaeconômica, não apresentou impactos representativos via rendimento. O seuefeito sobre o VAB agropecuário foi significante e positivo apenas via mudançana escala de produção.

Dentre as demais culturas, somente o milho teve impactos sobre o VAB,sendo o da mudança no rendimento positivo e o da mudança de área via efeitoescala negativos. Devido à queda no preço interno desse cereal, o produtorreduziu a área (resultando o efeito negativo), procurando maior rendimento (efeitopositivo), para reduzir custos de produção e competir no mercado.

A influência nula ou menor das demais culturas sobre a variação do VABpode ser conseqüência do fato de que os preços reais dos seus produtos tiveramuma grande queda de 1985 a 2000. Assim, apesar de o rendimento físico detodas as culturas analisadas ter aumentado no período considerado, a reduçãoacentuada nos preços reais dos produtos fez cair o valor de todos eles, comexceção do fumo e da uva para vinho.

Em princípio, o que poderia mudar a produtividade da mão-de-obra no setoragropecuário, em termos de VAB/MO, seriam mudanças na estrutura de produção,avanços tecnológicos e a substituição de parte da mão-de-obra por máquinas.

A mudança na estrutura de produção consistiria em expandir a geração deprodutos de maior valor agregado, que, juntamente com os avanços tecnológicos,resultaria em rendimentos mais elevados e, portanto, em Valor Adicionado Brutomais alto para o setor. No entanto, os dados do período 1985-00 mostram que,em relação às culturas, essas duas alternativas, com poucas exceções, nãoforam eficazes para alterar o VAB agropecuário. Isso talvez seja devido às quedasacentuadas nos preços reais dos produtos ocorridas nesse período.

Ao se compararem as variações percentuais do VAB agropecuário com asvariações percentuais na população ocupada nesse setor, nas principais regiõesprodutoras de cada cultura, verifica-se que a população apresentou granderedução, enquanto o VAB variou muito menos. Isso indica que, na mudança doVAB/MO, o efeito do denominador é muito maior do que o do numerador. Portanto,a convergência das regiões na direção de um mesmo nível de VAB/MO, noEstado, seria muito mais em função da migração da mão-de-obra do que demudanças em áreas ou rendimentos das culturas. Nesse caso, ter-se-ia asubstituição de parte da mão-de-obra que emigra por máquinas, as quaispossibilitariam maior produtividade para o trabalhador que permanece produzindono setor agropecuário.

399A evolução regional da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 377-410, out. 2006

Porém é necessário que o trabalhador que emigra encontre oportunidadesde emprego em outros setores da economia. Nesse caso, as regiões poderiamconvergir para níveis mais elevados de produtividade da mão-de-obra do setorrural em termos de VAB/MO, na medida em que, nos outros setores, houvesseessas oportunidades de emprego perceptíveis aos trabalhadores rurais.

Apêndice

Quadro A.1

Municípios integrantes das regiões geograficamente idênticas de 1985 a 2000 e constituídas por mais de um município — 2000

REGIÕES MUNICÍPIOS

1 Antônio Prado e Nova Roma do Sul

2 Amaral Ferrador e Encruzilhada do Sul

3 Fagundes Varela, Veranópolis e Vila Flores

4 Fontoura Xavier e São José do Herval

5 Frederico Westphalen, Taquaruçu do Sul e Vista Alegre 6 Glorinha e Gravataí.

7 Doutor Maurício Cardoso e Horizontina

8 Jaguari e Nova Esperança do Sul 9 Guabiju, Nova Prata, Protásio Alves, São Jorge e Vista Alegre do

Prata

10 Paim Filho e São João da Urtiga 11 Riozinho e Rolante

12 Colorado, Saldanha Marinho e Santa Bárbara do Sul

13 Jaquirana e São Francisco de Paula

14 São José do Hortêncio e São Sebastião do Caí

15 Ajuricaba e Nova Ramada

16 Aratiba e Barra do Rio Azul

17 Anta Gorda, Arroio do Meio, Capitão, Coqueiro Baixo, Doutor Ricardo, Encantado, Nova Bréscia, Pouso Novo, Relvado e Travesseiro

18 Arroio do Tigre e Estrela Velha

19 Arvorezinha, Itapuca e Nova Alvorada

(continua)

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Quadro A.1

Municípios integrantes das regiões geograficamente idênticas de 1985 a 2000 e constituídas por mais de um município — 2000

REGIÕES MUNICÍPIOS

20 Aceguá, Bagé, Candiota, Herval, Hulha Negra, Pedras Altas e Pinheiro Machado

21 Barão, Barros Cassal, Bento Gonçalves, Boa Vista do Sul, Bom Princípio, Boqueirão do Leão, Brochier, Canudos do Vale, Carlos Barbosa, Colinas, Coronel Pilar, Estrela, Forquetinha, Garibaldi, Imigrante, Harmonia, Lajeado, Maratá, Marques de Souza, Monte Belo do Sul, Montenegro, Pareci Novo, Poço das Antas, Progresso, Roca Sales, Salvador do Sul, Santa Clara do Sul, Santa Tereza, São José do Sul, São Pedro da Serra, São Vendelino, Sério, Teutônia, Tupandi e Westfália

22 Boa Vista do Buricá e Nova Candelária

23 Bom Jesus e São José dos Ausentes

24 Bom Retiro do Sul e Fazenda Vilanova

25 Butiá e Minas do Leão

26 Cachoeira do Sul, Cerro Branco, Novos Cabrais e Paraíso do Sul

27 Caibaté e Mato Queimado

28 Arambaré, Barra do Ribeiro, Barrão do Triunfo, Camaquã, Cerro Grande do Sul, Chuvisca, Cristal, Eldorado do Sul, Guaíba, Mariana Pimentel, São Jerônimo, Sentinela do Sul, Sertão Santana e Tapes

29 Campinas do Sul e Cruzaltense

30 Bom Progresso, Campo Novo, Esperança do Sul, Humaitá, Sede Nova, Tiradentes do Sul e Três Passos

31 Gramado dos Loureiros, Liberato Salzano, Nonoai, Rio dos Índios e Trindade do Sul

32 Canoas, Capela de Santana, Nova Santa Rita e Portão

33 Capão da Canoa e Xangrilá (continua)

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Quadro A.1

Municípios integrantes das regiões geograficamente idênticas de 1985 a 2000 e constituídas por mais de um município — 2000

REGIÕES MUNICÍPIOS

34 Água Santa, Almirante Tamandaré do Sul, André da Rocha, Barra Funda, Camargo, Campestre da Serra, Capão Bonito do Sul, Carazinho, Caseiros, Casca, Chapada, Charrua, Ciríaco, Coqueiros do Sul, Coxilha, David Canabarro, Erebango, Ernestina, Esmeralda, Estação, Floriano Peixoto, Gentil, Getúlio Vargas, Ibiaçá, Ibiraiaras, Ibirapuitã, Ipê, Ipiranga do Sul, Lagoão, Lagoa Vermelha, Lagoa dos Três Cantos, Marau, Mato Castelhano, Monte Alegre dos Campos, Mormaço, Muitos Capões, Muliterno, Não-Me-Toque, Nicolau Vergueiro, Nova Boa Vista, Passo Fundo, Pinhal da Serra, Pontão, Ronda Alta, Santa Cecília do Sul, Santo Antônio do Palma, Santo Antônio do Planalto, Sarandi, São Domingos do Sul, Sertão, Soledade, Tapejara, Tapera, Três Palmeiras, Tio Hugo, Tunas, Vacaria, Vanini, Vila Lângaro, Vila Maria e Victor Graeff

35 Cerro Largo, Salvador das Missões e São Pedro do Butiá 36 Catuípe, Chiapeta e Inhacorá 37 Balneário Pinhal, Cidreira, Imbé,Tramandaí 38 Constantina, Engenho Velho e Novo Xingu 39 Augusto Pestana, Boa Vista do Incra, Boa Vista do Cadeado,

Bozano, Coronel Barros, Cruz Alta, Fortaleza dos Valos, Ibirubá, Ijuí e Quinze de Novembro

40 Áurea, Barão de Cotegipe, Centenário, Erechim, Gaurama, Jacutinga, Mariano Moro, Quatro Irmãos, Paulo Bento, Ponte Preta, Severiano de Almeida e Três Arroios

41 Dois Irmãos das Missões e Erval Seco 42 Faxinal do Soturno e São João do Polêsine 43 Alto Feliz, Feliz, Linha Nova e Vale Real 44 Flores da Cunha e Nova Pádua 45 General Câmara e Vale Verde 46 Campina das Missões, Giruá, Guarani das Missões, Senador

Salgado Filho, Sete de Setembro e Ubiretama 47 Dois Lajeados, Guaporé, Montauri, São Valentim do Sul,

Serafina Correa e União da Serra 48 Itaqui e Maçambará

(continua)

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Quadro A.1

Municípios integrantes das regiões geograficamente idênticas de 1985 a 2000 e constituídas por mais de um município — 2000

REGIÕES MUNICÍPIOS

49 Dois Irmãos, Ivoti, Lindolfo Collor, Morro Reuter, Nova Petrópolis, Picada Café, Presidente Lucena e Santa Maria do Herval

50 Ivorá, Júlio de Castilhos, Nova Palma, Pinhal Grande e Quevedos

51 Muçum e Vespasiano Correa 52 Capivari do Sul e Palmares do Sul 53 Palmitinho e Pinheirinho do Vale

54 Cerrito e Pedro Osório

55 Arroio do Padre, Morro Redondo, Pelotas, São Lourenço do Sul e Turuçu

56 Ametista do Sul, Boa Vista das Missões, Cerro Grande, Cristal do Sul, Iraí, Jaboticaba, Lajeado do Bugre, Novo Tiradentes, Novo Barreiro, Palmeira das Missões, Pinhal, Planalto, Rodeio Bonito, Sagrada Família, São José das Missões, São Pedro das Missões e Seberi

57 Alecrim, Porto Lucena, Porto Vera Cruz e Santo Cristo 58 Pântano Grande, Passo do Sobrado e Rio Pardo

59 Alto Alegre, Campos Borges, Espumoso, Jacuizinho e Salto do Jacuí 60 Candelária, Gramado Xavier, Herveiras, Santa Cruz do Sul,

Sinimbú, Vale do Sol

61 Dilermando de Aguiar, Itaara, Santa Maria, São Martinho da Serra e Silveira Martins

62 Chuí e Santa Vitória do Palmar

63 Capão do Cipó, Dezesseis de Novembro, Entre-Ijuís, Eugênio de Castro, Jari, Pirapó, Rolador, Santiago, Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga, São Miguel das Missões, São Nicolau, Tupanciretã, Unistalda e Vitória das Missões

64 Caraá e Santo Antônio da Patrulha

65 Santo Augusto e São Valério do Sul 66 Garruchos, Itacurubi e São Borja 67 Alegrete, Manoel Viana e São Francisco de Assis 68 Santa Margarida do Sul, São Gabriel, São Sepé e Vila Nova do Sul

(continua)

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Quadro A.1

Municípios integrantes das regiões geograficamente idênticas de 1985 a 2000 e constituídas por mais de um município — 2000

REGIÕES MUNICÍPIOS

69 Cacique Doble, Santo Expedito do Sul, São José do Ouro e Tupanci do Sul

70 São Pedro do Sul e Toropi 71 Benjamin Constant do Sul, Entre Rios do Sul, Faxinalzinho e São

Valentim

72 Araricá, Nova Hartz e Sapiranga 73 Ibarama, Lagoa Bonita do Sul, Passa Sete, Segredo e Sobradinho

74 Paverama, Tabaí e Taquari 75 Barra do Guarita, Derrubadas, Tenente Portela e Vista Gaúcha

76 Itati, Maquiné, Osório e Terra de Areia 77 Arroio do Sal, Dom Pedro de Alcântara, Mampituba, Morrinhos

do Sul, Torres, Três Cachoeiras e Três Forquilhas 78 Alegria, São José do Inhacorá e Três de Maio 79 Novo Machado, Porto Mauá, Tucunduva e Tuparendi 80 Barra do Quaraí e Uruguaiana 81 Cruzeiro do Sul, Mato Leitão e Venâncio Aires

82 Carlos Gomes e Viadutos FONTE DOS DADOS BRUTOS: FEE-RS.

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Tabela A.1

Índice da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário das regiões ou municípios geograficamente idênticos

em relação à produtividade do RS — 1985-00

ANOS REGIÕES OU MUNICÍPIOS

1985 2000

1 0,74 1,30 2 0,54 0,78 3 0,83 1,40 4 0,32 0,62 5 0,73 0,90 6 0,72 0,62 7 0,69 0,64 8 0,69 0,58 9 0,80 1,35 10 0,93 0,65 11 0,60 0,62 12 2,56 2,11 13 0,54 1,30 14 0,98 1,02 15 1,01 0,88 16 0,94 0,92 17 0,74 1,22 18 0,55 0,71 19 0,69 0,70 20 1,67 1,62 21 0,83 0,98 22 0,87 0,95 23 0,75 1,86 24 0,55 1,13 25 1,21 1,03 26 1,26 0,87 27 1,00 1,15 28 1,14 0,83 29 1,52 1,16 30 0,87 0,58 31 0,54 0,54

(continua)

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Tabela A.1

Índice da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário das regiões ou municípios geograficamente idênticos

em relação à produtividade do RS — 1985-00

ANOS REGIÕES OU MUNICÍPIOS

1985 2000

1 0,74 1,30 2 0,54 0,78 3 0,83 1,40 4 0,32 0,62 5 0,73 0,90 6 0,72 0,62 7 0,69 0,64 8 0,69 0,58 9 0,80 1,35 10 0,93 0,65 11 0,60 0,62 12 2,56 2,11 13 0,54 1,30 14 0,98 1,02 15 1,01 0,88 16 0,94 0,92 17 0,74 1,22 18 0,55 0,71 19 0,69 0,70 20 1,67 1,62 21 0,83 0,98 22 0,87 0,95 23 0,75 1,86 24 0,55 1,13 25 1,21 1,03 26 1,26 0,87 27 1,00 1,15 28 1,14 0,83 29 1,52 1,16 30 0,87 0,58 31 0,54 0,54

(continua)

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Tabela A.1

Índice da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário das regiões ou municípios geograficamente idênticos

em relação à produtividade do RS — 1985-00

ANOS REGIÕES OU MUNICÍPIOS

1985 2000

68 3,78 1,99 69 0,41 1,04 70 0,65 0,76 71 0,67 0,62 72 0,69 0,58 73 0,54 0,49 74 0,50 0,58 75 0,81 0,59 76 0,72 0,36 77 0,46 0,34 78 0,84 0,57 79 0,84 0,64 80 4,95 2,76 81 0,90 0,62 82 0,94 0,65

Agudo ............................................ 0,75 0,75 Alpestre ......................................... 0,55 0,48 Alvorada ........................................ 0,97 0,13 Arroio dos Ratos ............................ 0,75 1,20 Arroio Grande ................................ 3,40 2,82 Barracão ........................................ 0,47 1,44 Bossoroca ...................................... 1,71 1,75 Braga ............................................. 0,40 0,84 Caçapava do Sul ........................... 0,99 1,08 Cacequi ......................................... 2,45 2,36 Cachoeirinha ................................. 0,90 0,11 Caiçara .......................................... 0,58 0,80 Cambará do Sul ............................. 0,95 1,04 Campo Bom ................................... 0,92 0,38 Cândido Godói ............................... 0,81 0,68 Canela ........................................... 0,44 0,74 Canguçu ........................................ 0,49 0,38 Capão do Leão .............................. 1,54 1,56 Caxias do Sul ................................ 0,65 1,80 Charqueadas ................................. 1,89 1,46 Condor ........................................... 1,46 1,33

(continua)

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Tabela A.1

Índice da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário das regiões ou municípios geograficamente idênticos

em relação à produtividade do RS — 1985-00

ANOS REGIÕES OU MUNICÍPIOS

1985 2000

Coronel Bicaco .............................. 1,12 1,26 Cotiporã ......................................... 0,83 0,82 Crissiumal ...................................... 0,77 0,83 Dom Feliciano ................................ 0,36 0,42 Dom Pedrito ................................... 2,74 3,08 Dona Francisca ............................. 0,97 0,88 Erval Grande ................................. 0,55 0,46 Estância Velha ............................... 0,79 0,43 Esteio ............................................. 2,50 0,23 Farroupilha .................................... 0,96 1,69 Formigueiro ................................... 0,98 1,39 Gramado ........................................ 0,44 0,53 Igrejinha ......................................... 0,69 2,22 Ilópolis ........................................... 0,65 0,47 Independência ............................... 0,91 0,84 Itatiba do Sul .................................. 0,58 0,47 Jaguarão ........................................ 2,76 2,78 Jóia ................................................ 1,28 1,24 Lavras do Sul ................................. 1,75 3,18 Machadinho ................................... 0,75 0,79 Marcelino Ramos ........................... 0,74 0,76 Mata ............................................... 0,71 0,55 Maximiliano de Almeida ................. 0,71 0,96 Miraguaí ......................................... 0,62 0,41 Mostardas ...................................... 1,88 3,06 Nova Araçá .................................... 1,31 1,65 Nova Bassano ............................... 1,94 1,75 Novo Hamburgo ............................ 0,78 0,53 Panambi ........................................ 0,98 0,98 Paraí .............................................. 1,03 1,19 Parobé ........................................... 0,37 0,76 Pejuçara ........................................ 2,13 1,24 Piratini ............................................ 0,88 0,88 Porto Alegre ................................... 2,14 0,30 Porto Xavier ................................... 0,44 0,54 Putinga .......................................... 0,60 0,60

(continua)

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Tabela A.1

Índice da produtividade da mão-de-obra no setor agropecuário das regiões ou municípios geograficamente idênticos

em relação à produtividade do RS — 1985-00

ANOS REGIÕES OU MUNICÍPIOS

1985 2000

Quaraí ............................................ 2,48 2,61 Redentora ...................................... 0,46 0,49 Restinga Seca ............................... 1,71 1,47 Rio Grande .................................... 1,45 0,85 Rondinha ....................................... 0,92 0,86 Roque Gonzales ............................ 0,47 0,81 Rosário do Sul ............................... 1,59 2,56 Sananduva .................................... 0,89 0,87 Santa Rosa .................................... 0,98 1,00 Santana da Boa Vista .................... 0,41 0,86 Santana do Livramento ................. 1,77 1,92 Santo Antônio das Missões ........... 1,41 1,45 São José do Norte ......................... 0,55 0,29 São Leopoldo ................................ 0,72 0,17 São Marcos ................................... 1,81 2,23 São Martinho ................................. 0,85 0,98 São Paulo das Missões ................. 0,49 0,79 São Vicente do Sul ........................ 2,15 1,79 Sapucaia do Sul ............................ 0,77 0,14 Selbach .......................................... 1,81 1,47 Taquara ......................................... 1,63 0,60 Tavares .......................................... 0,48 0,64 Três Coroas ................................... 0,64 0,77 Triunfo ........................................... 0,84 1,03 Vera Cruz ...................................... 0,59 0,62 Viamão .......................................... 1,41 1,80 Vicente Dutra ................................. 0,46 0,64 FONTE DOS DADOS BRUTOS: FEE-RS. NOTA: As regiões, indicadas por números, são definidas no Quadro A.1.

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411Uma análise multivariada da população ocupada nas regiões metropolitanas brasileiras

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Uma análise multivariada da populaçãoocupada nas regiões metropolitanas

brasileiras*

Lucia Silva Kubrusly Professora Adjunta do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de JaneiroJoão Saboia Professor Titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

ResumoEste artigo apresenta uma análise das características da população ocupadanas regiões metropolitanas brasileiras através do estudo das associações entreas variáveis escolhidas e as semelhanças entre essas regiões. São utilizadosmétodos de análise estatística multivariada, que permitem uma visão de conjuntotanto do ponto de vista das variáveis envolvidas quanto do das regiõesmetropolitanas. Alguns resultados eram esperados, confirmando as semelhançasentre as regiões metropolitanas das Regiões Sul e Sudeste, por um lado, e entreas das Regiões Norte e Nordeste, por outro. Outros, entretanto, sãosurpreendentes, apontando uma certa proximidade entre a Região Metropolitanade Fortaleza e algumas regiões metropolitanas das Regiões Sul e Sudeste eentre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e algumas regiões metropolitanasdas Regiões Norte e Nordeste. Em termos gerais, o artigo confirma os desníveisregionais existentes no País.

Palavras-chaveEstatística econômica; ocupação nas regiões metropolitanas; análisemultivariada.

* Artigo recebido em nov. 2004 e aceito em jul. 2006.

412 Lucia Silvia Kubrusly; João Saboia

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 411-436, out. 2006

AbstractThis paper analyzes occupation in brazilian metropolitan regions based onsocial-economics variables. Methods of multivariate statistical analysis are usedto show associations among the variables and regional similarities. Althoughsome results were unexpected, in general, brazilian regional differences areconfirmed.

Key wordsEconomics statistics; occupation in brazilian metropolitan regions;multivariate statistical analysis.

Classificação JEL: J21, O18, C4.

Este artigo está motivado pela quantidade relativamente pequena de estudosdirigidos à análise do mercado de trabalho metropolitano do País que levem emconsideração as diferenças existentes entre as várias metrópoles. Emboraexistam muitos estudos sobre as regiões metropolitanas, eles se limitam, emgeral, à análise agregada do conjunto de regiões, ou ao estudo individual de umadeterminada região.1

Recentemente, foi levantada a hipótese de que o mercado de trabalho nasregiões metropolitanas estaria apresentando comportamento diferenciadorelativamente ao que ocorre no interior do País. Tal discussão tem como referênciaa diferença de resultados encontrados pela Pesquisa Mensal de Emprego(PME) do IBGE e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged)do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM). Enquanto os dados do IBGE apontamdificuldades na geração de emprego nas principais metrópoles do País, o Cagedmostra forte geração de empregos formais no interior.2

1 Para um exemplo do primeiro tipo de análise, ver Ramos e Britto (2004). Um exemplo dosegundo tipo de análise é Toni (2004).

2 Para uma discussão sobre as mudanças espaciais no mercado de trabalho brasileiro, ver,por exemplo, Ramos e Ferreira (2005). Sobre a interiorização do emprego industrial, ver, porexemplo, Saboia (2001).

413Uma análise multivariada da população ocupada nas regiões metropolitanas brasileiras

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O principal objetivo deste artigo é aprofundar o estudo sobre o mercado detrabalho metropolitano, diferenciando os resultados encontrados nas diversasregiões do País. Em outras palavras, não se pretende discutir os diferenciaisexistentes entre as regiões metropolitanas e o interior, mas entre as diferentesregiões metropolitanas. A hipótese básica que se deseja testar é a existência degrandes diferenciais entre as regiões, de modo que seria possível separá-lasem grupos com características semelhantes. Tal resultado é muito maisinteressante e estimulante do que a tradicional divisão do País entre as regiõesmetropolitanas menos desenvolvidas, das Regiões Norte e Nordeste, de umlado, e as mais desenvolvidas das Regiões Sul e Sudeste, de outro, podendo,inclusive, confirmar, ou não, tal corte regional.

Este trabalho apresenta uma análise das características da populaçãoocupada nas regiões metropolitanas brasileiras, no que se refere à renda, àescolaridade, às condições de trabalho e à distribuição das ocupações nosdiferentes setores da economia. Para tal, são realizadas análises estatísticasprocurando identificar associações entre as variáveis escolhidas e semelhançase diferenças entre as regiões metropolitanas. As primeiras estatísticasapresentadas possibilitam uma visão detalhada de cada variável e de cada regiãometropolitana. Posteriormente, são utilizados métodos de análise estatísticamultivariada, os quais permitem uma visão de conjunto do ponto de vista tantodas variáveis envolvidas quanto das regiões metropolitanas.

A análise estatística realizada neste trabalho tem como base dados daPesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE. Essapesquisa é realizada anualmente (exceto naqueles em que há CensoDemográfico), em todas as unidades da Federação brasileira, incluindo as noveregiões metropolitanas. Apenas as áreas rurais da Região Norte não são cobertaspela PNAD. O mesmo tipo de metodologia deste artigo já foi utilizado antes,com base nos dados da PNAD do ano de 1999, a partir de um amplo conjunto devariáveis sobre as condições de vida da população — trabalho, rendimento,educação, infra-estrutura e condições de moradia — considerando-se as regiõesmetropolitanas e as unidades da Federação.3 O presente estudo realiza umaanálise focalizada na questão da mão-de-obra e da ocupação nos diferentessetores da economia, considerando 10 regiões — as nove regiões metropolitanase o Distrito Federal (DF) — e utilizando a base de dados de 2001.

O artigo consiste de cinco seções. Na primeira, está a descrição dasvariáveis selecionadas para análise. A seguir, estão as análises estatísticas

3 Ver Kubrusly e Barros (2003) e Corrêa e Kubrusly (2002).

414 Lucia Silvia Kubrusly; João Saboia

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 411-436, out. 2006

preliminares, incluindo, aí, a análise das correlações e alguns diagramas dedispersão. Na terceira e na quarta seções, apresentam-se os métodos de análisemultivariada e seus resultados. Nessa ocasião, pode-se ver que as análisespreliminares têm um importante papel na interpretação dos resultados. Parafinalizar, na seção 5, apresentam-se as principais conclusões do trabalho.

1 Base de dadosCom o objetivo de analisar as condições de trabalho e a atuação dos setores

econômicos nas regiões metropolitanas, foram selecionadas 11 variáveis, setedelas descrevendo as características de mão-de-obra e das condições detrabalho, e quatro descrevendo a distribuição das ocupações por setores daeconomia. Os objetos de observação foram as Regiões Metropolitanas de Belém(RMB), Fortaleza (RMF), Recife (RMR), Salvador (RMS), Belo Horizonte (RMBH),Rio de Janeiro (RMRJ), São Paulo (RMSP), Curitiba (RMC), Porto Alegre (RMPA)e o Distrito Federal. Todas as informações utilizadas foram extraídas da PNAD--2001 (2002).

Abaixo estão definidas as variáveis selecionadas para análise.4

1.1 Conjunto 1 — características da população ocupada

Proporção dos trabalhadores por conta própria (prcp)

É fato conhecido que, ao longo da última década, houve aumento naproporção de trabalhadores por conta própria, devido às dificuldades do mercadode trabalho com a redução da oferta de emprego. Assim, esse é um importanteindicador de fragilidade nas condições de trabalho e da importância do setorinformal.

prcp = (pop10 + prcp) / (pop10 + ocupada)

onde:

pop10 + prcp é a população com 10 anos ou mais de idade que traba- lha por conta própria;

pop10 + ocupada é a população com 10 anos ou mais de idade ocupa- da.

4 Além das variáveis incluídas na análise, outras foram testadas e descartadas, por nãoincorporarem informação adicional relevante em termos estatísticos.

415Uma análise multivariada da população ocupada nas regiões metropolitanas brasileiras

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 411-436, out. 2006

Proporção de empregados (prem)

Esse é o indicador da oferta global de emprego.prem = (pop10 + empregada) / (pop10 + ocupada)

onde:

pop10 + empregada é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada, cuja posição no trabalho é a de empregado;

pop10 + ocupada é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada.

Proporção de empregados com carteira de trabalhoassinada (precc)

precc = (pop10 + empr.c.cart) / (pop10 + ocupada)

onde:

pop10 + empr.c.cart é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada, cuja posição no trabalho é a de empregado, com carteira assinada;

pop10 + ocupada é a população com 10 anos ou mais de idade ocupa- da.

Proporção de empregados sem carteira de trabalhoassinada (presc)

presc = (pop10 + empr.s.cart) / (pop10 + ocupada)

onde:

pop10 + empr.s.cart é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada, cuja posição no trabalho é a de empregado, sem carteira assinada;

pop10 + ocupada é a população, com 10 anos ou mais de idade ocupada.

Renda média mensal em salários mínimos, de todos ostrabalhos, das pessoas ocupadas com 10 anos ou mais deidade (renda)

Inquestionavelmente, trata-se de um dos principais indicadores do mercadode trabalho.

416 Lucia Silvia Kubrusly; João Saboia

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Média do número de anos de estudo (mest)

Esse é o indicador da escolaridade da população de cada região metro-politana.

Taxa de desocupação (txdes)

O desemprego vem apresentando tendência de crescimento desde os anos90. A variável txdes é o principal indicador para o fenômeno de desemprego,calculada conforme a definição abaixo.

txdes = 1 - [(pop10 + ocupada) / (pop10 + econ.ativa)]

onde:

pop10 + ocupada é a população com 10 anos ou mais de idade ocupa- da;

pop10 + econ.ativa é a população com 10 anos ou mais de idade eco- nomicamente ativa.

1.2 Conjunto 2 — distribuição das ocupações nos setores econômicosProporção dos trabalhadores na indústria (exceto constru-ção civil) (prind)

prind = (pop10 + ind) / (pop10 + ocup)

onde:

pop10 + indus é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada na indústria, excluindo trabalhadores da construção civil;5

pop10 + ocupada é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada.

Proporção dos trabalhadores na indústria de construçãocivil (prcnst)

prcnst = (pop10 + const) / (pop10 + ocup)

onde:

5 Foi excluída a construção civil por suas características distintas do restante da indústria.

417Uma análise multivariada da população ocupada nas regiões metropolitanas brasileiras

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 411-436, out. 2006

pop10 + const é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada na indústria da construção civil;

pop10 + ocupada é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada.

Proporção dos trabalhadores no Setor Terciário (serviços ecomércio) (prsrc)

prsrc = (pop10 + sercom) / (pop10 + ocupada)

onde:

pop10 + sercom é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada nos serviços ou no comércio;

pop10 + ocupada é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada.

Proporção dos trabalhadores na administração pública(pradm)

pradm = (pop10 + admpubl)/ (pop10+ocupada)

onde:

pop10 + admpubl é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada na administração pública;

pop10 + ocupada é a população com 10 anos ou mais de idade ocupada.

2 Análise preliminarNesta seção, são apresentadas algumas estatísticas descritivas e a análise

das correlações. A Tabela 1 mostra as variáveis observadas individualmentepara as regiões metropolitanas, as quais constituem a base de dados destetrabalho.

A Tabela 2 apresenta os valores mínimos, máximos, médios e também osdesvios padrões das variáveis escolhidas. Ao lado de cada valor mínimo oumáximo, está indicada a região metropolitana correspondente.

418 Lucia Silvia Kubrusly; João Saboia

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 411-436, out. 2006

Tabela 1

Variáveis observadas nas regiões metropolitanas e no DF — 2001

REGIÕES METROPOLITANAS

E DISTRITO FEDERAL

prcp prem precc presc renda mest

RMB ………………… 0,290 0,540 0,277 0,176 2,916 6,971 RMF ………………… 0,233 0,572 0,296 0,219 2,617 6,208 RMR ………..…….… 0,238 0,604 0,318 0,196 2,956 6,637 RMS ……………,….. 0,247 0,580 0,350 0,166 3,083 6,976 RMBH ……………… 0,187 0,631 0,405 0,159 3,378 7,066 RMRJ …………….… 0,232 0,612 0,385 0,137 4,239 7,353 RMSP …………….… 0,183 0,674 0,446 0,174 5,144 7,418 RMC ………………… 0,218 0,601 0,404 0,138 3,978 7,161 RMPA ...................... 0,197 0,623 0,406 0,154 4,017 7,273 DF ............................ 0,136 0,696 0,357 0,177 5,683 7,698

REGIÕES METROPOLITANAS

E DISTRITO FEDERAL

txdes prind prcnst prsrc pradm

RMB ………………… 0,141 0,090 0,090 0,714 0,065 RMF …………..……. 0,119 0,162 0,068 0,654 0,047 RMR ………..………. 0,140 0,106 0,069 0,704 0,067 RMS ………………... 0,156 0,098 0,089 0,714 0,053 RMBH ………………. 0,126 0,159 0,089 0,647 0,046 RMRJ ………………. 0,127 0,108 0,072 0,715 0,062 RMSP ………………. 0,132 0,196 0,059 0,662 0,036 RMC ………………… 0,094 0,160 0,079 0,608 0,050 RMPA ...................... 0,087 0,202 0,068 0,608 0,048 DF ............................ 0,145 0,069 0,060 0,678 0,139

FONTE: PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIO 2001: Regiões Metropolitanas — PNAD. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.

419Uma análise multivariada da população ocupada nas regiões metropolitanas brasileiras

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 411-436, out. 2006

Tabela 2

Valores mínimo, máximo, médio e desvio padrão das variáveis observadas nas regiões metropolitanas e no DF — 2001

VARIÁVEIS VALOR MÍNIMO VALOR MÁXIMO MÉDIA DESVIO PADRÃO

prcp ……….… (1) 0,136 (2) 0,290 0,216 0,042 prem ………… (2) 0,540 (1) 0,696 0,613 0,046 precc ……….. (2) 0,277 (3) 0,446 0,364 0,055 presc ……..…. (4) 0,137 (5) 0,219 0,169 0,025 renda ............. (5) 2,617 (1) 5,683 3,801 1,011 mest ………… (5) 6,208 (1) 7,698 7,076 0,420 txdes ............. (6) 0,087 (7) 0,156 0,127 0,022 prind ……….. (1) 0,069 (6) 0,202 0,135 0,046 prcnst ……..… (3) 0,059 (8) 0,090 0,075 0,012 prsrc ……..…. (9) 0,608 (4) 0,715 0,671 0,042 pradm ………. (3) 0,036 (1) 0,139 0,061 0,029

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Tabela 1. (1) DF. (2) RMB. (3) RMSP. (4) RMRJ. (5) RMF. (6) RMPA. (7) RMS. (8) RMBH. (9) RMC e RMPA.

Na leitura das colunas referentes aos valores mínimos e máximos da Tabe-la 2, chama atenção o Distrito Federal, para o qual ocorrem quatro valores má-ximos e dois valores mínimos. Dentre esses, destacam-se a maior média deanos de estudo e o maior nível de renda, além da elevada participação na admi-nistração pública. Observa-se também que RMPA apresenta o menor valor parataxa de desocupação, enquanto a RMS possui a taxa mais alta. A RMSP desta-ca-se pelo maior percentual de empregados com carteira assinada e pela pe-quena parcela do emprego na administração pública. A RMRJ possui a maiselevada taxa de ocupação no Setor Terciário e apresenta o menor percentual deempregados sem carteira assinada. A RMB possui o maior percentual detrabalhadores por conta própria e o menor percentual de empregados com carteirade trabalho assinada. Acrescentando-se o fato de que essa região também detémo maior percentual de empregos no setor da construção civil (um dos maisatrasados da economia), completa-se o quadro precário das suas condições detrabalho. Precária também é a situação da população da RMF, com a menorrenda mensal, a menor escolaridade, e o maior percentual de empregos semcarteira de trabalho assinada.

Quanto aos valores médios, observa-se que a proporção de trabalhadorespor conta própria é pouco mais de um terço da proporção de empregados e que

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o percentual de empregos sem carteira de trabalho assinada é pouco menos dametade do percentual de empregos com carteira de trabalho assinada. A médiados anos de estudo revela pouca variação entre as regiões estudadas (desviopadrão em torno de 6% do valor médio), ao contrário da renda, que apresentaum desvio padrão de, aproximadamente, 25% do valor médio, evidenciando asdisparidades regionais quanto aos rendimentos mensais. Observa-se tambémque a proporção média da ocupação no setor serviços é mais que o triplo daobservada no setor indústria (indústria mais construção civil). E, finalmente, naadministração pública, são baixas as proporções de ocupação, exceto,obviamente, no Distrito Federal, conforme mencionado acima.

A fim de identificar associações entre as variáveis, apresentam-se, naTabela 3, os coeficientes de correlação entre as 11 variáveis escolhidas.

Fazendo a leitura da matriz da esquerda para direita, vê-se, conforme oesperado, forte associação inversa (correlação negativa) entre a proporção deempregados e a proporção de trabalhadores por conta própria. Observam-se aassociação direta do emprego com carteira assinada e o emprego e a associaçãoinversa do emprego sem carteira com o emprego com carteira de trabalhoassinada. Analisando a variável renda, constata-se a tendência de as regiõescom maior renda média apresentarem menor proporção de trabalhadores porconta própria e maior proporção de empregados. Nota-se também, em menorgrau, a associação direta da renda com o emprego com carteira assinada einversa com emprego sem carteira assinada. Essa é uma evidência da fragilidadedas condições de trabalho representadas pela ausência de vínculo formal detrabalho e pela baixa renda. No sentido de detalhar melhor essas informações,apresentam-se, na Figura 1, dois diagramas de dispersão: um com as variáveisrenda média e proporção de empregados e outro com as variáveis renda médiae trabalhadores por conta própria.

A informação adicional do diagrama (Figura 1) está na posição relativa dasregiões metropolitanas no que se refere aos valores da renda (eixo vertical, emsalários mínimos) e à proporção de trabalhadores empregados e trabalhadorespor conta própria. As maiores rendas estão no Distrito Federal e na RMSP,seguidos pelas RMRJ, RMC e RMPA, e as menores rendas ocorrem na RMBH,na RMS, na RMR, na RMB e, por último, na RMF. A região com maior proporçãode empregados é o Distrito Federal, e é lá também que ocorre a menor proporçãode trabalhadores por conta própria. Por outro lado, a região que apresenta maiorproporção de trabalhadores por conta própria é a na RMB, onde também seencontra a menor proporção de empregados. A oposição entre empregados etrabalhadores por conta própria está nitidamente mostrada na Figura 1, sendoum diagrama quase o espelho perfeito do outro.

421Uma análise multivariada da população ocupada nas regiões metropolitanas brasileiras

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 411-436, out. 2006

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423Uma análise multivariada da população ocupada nas regiões metropolitanas brasileiras

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 411-436, out. 2006

As próximas correlações significativas da Tabela 3 associam renda, em-prego e emprego com carteira assinada diretamente com a escolaridade dotrabalhador. Assinala-se também a associação inversa da escolaridade com opercentual de trabalhadores empregados sem carteira assinada. A próxima va-riável, a taxa de desocupação, apresenta correlação negativa com a ocupaçãona indústria e correlação positiva com ocupação em serviços e comércio, isto é,as regiões com maior peso na ocupação industrial são as que apresentam me-nor taxa de desemprego e, por outro lado, há uma tendência de ocorrer maiordesocupação onde predominam as ocupações no comércio e em serviços. Por-tanto a queda das ocupações industriais e o crescimento das ocupações nocomércio e em serviços ocorridos nos últimos anos parecem ter deixado umsaldo negativo de ocupações. A visualização das associações entre a taxa dedesocupação (eixo vertical) e a proporção da ocupação nos dois setores estárepresentada, na Figura 2,pelos respectivos diagramas de dispersão.

As maiores taxas de desocupação estão no Distrito Federal e nasmetrópoles da Região Nordeste, enquanto as menores estão na Região Sul. Asregiões metropolitanas com maior peso de ocupações industriais são RMPA,RMC, RMBH e RMSP. Por outro lado, as ocupações em serviços e no comérciotêm mais peso na RMS, na RMR, na RMB e na RMRJ.

Outro resultado importante é a correlação negativa entre a proporção deocupados na construção civil e o nível de renda e de escolaridade. Tal fatojustifica plenamente a separação desse setor do restante da indústria.

Fechando a matriz de correlação, podem-se analisar as associações entreas ocupações nos setores da indústria (exceto construção civil), serviços ecomércio e administração pública.Observa-se a tendência de as regiões queocupam mais pessoas na indústria ocuparem menos em serviços e comércio ena administração pública. Esse resultado era esperado e aponta uma possívelclassificação das regiões metropolitanas quanto à sua atuação em setoreseconômicos, indicando a existência de regiões voltadas para a indústria e outrascom predomínio de ocupações nos serviços e na administração pública.

Na seção 3, serão apresentados os modelos de análise estatísticamultivariada empregados neste trabalho.

424 Lucia Silvia Kubrusly; João Saboia

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425Uma análise multivariada da população ocupada nas regiões metropolitanas brasileiras

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6 Ver Johnson e Wichern (1992).

3 Metodologia — os modelos de análise estatística multivariada

A utilização de técnicas de análise multivariada tem-se mostrado eficienteem diversas áreas do conhecimento, pois permite uma visão mais global dosfenômenos estudados. Neste trabalho, usam-se dois métodos de análisemultivariada: um focalizando as variáveis e o outro focalizando os objetos. Oprimeiro método empregado é a Análise de Componentes Principais (ACP), quese baseia na matriz de correlações. O segundo é a Análise de Grupamento,baseado na matriz de distâncias (no espaço das variáveis) entre os objetos (asregiões metropolitanas).

3.1 O modelo de Análise de Componentes Principais

A Análise de Componentes Principais tem como objetivo criar novasvariáveis, formadas por combinações lineares das variáveis iniciais, de forma aobter uma descrição mais sucinta dos dados. Para isso, essas combinaçõeslineares (componentes) são escolhidas de forma que contenham a maior parteda variância total dos dados. Muitas vezes, com apenas poucos componentes,consegue-se descrever uma grande proporção da variância total. O modelo deAnálise de Componentes Principais pode ser descrito da seguinte forma:6

Seja um conjunto de variáveis observadas sobre nobjetos.

Os componentes principais são definidas como:

sujeito a:

),...,( 1 pXXX =

iC

∑=j

jiji XaC

var( iC ) = máxima

12 =∑j

ija

corr 0),( ' =ii CC para ,ii ≠ , i = 1,...p

426 Lucia Silvia Kubrusly; João Saboia

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A solução desse modelo é dada pela decomposição da matriz de correla-ção (ou covariância) em seus autovalores e autovetores. Note-se que, devido àrestrição de não-correlação entre os componentes, as variâncias sãodecrescentes com a ordem do componente. Assim, o primeiro componente tema maior variância, seguida do segundo componente, etc. Freqüentemente, grandeparte da variância total é descrita com os primeiros componentes principais.Como a variância do conjunto depende das correlações entre as variáveisoriginais, quanto mais forte for a estrutura das correlações, tanto menoscomponentes serão necessários para descrever grande parte da variância total.

A aplicação dessa técnica possibilita identificar grupos de variáveiscorrelacionadas, e, muitas vezes, pela interpretação dos resultados, é possívelreconhecer as principais dimensões do conjunto de dados analisado.

3.2 O modelo de Análise de GrupamentoA Análise de Grupamento é uma técnica de análise estatística multivariada

que procura agrupar objetos semelhantes, segundo um critério definido, a partirdo conjunto de variáveis observadas. O modelo de Análise de Grupamento podeser descrito da forma como segue.7

srisir OOgOgO e e ⇒∈∈

7 Ver Lucas (1982).8 Para mais detalhes sobre a escolha das métricas e sobre a escolha de métodos para análise

de grupamento, ver Anderberg (1973).

se são semelhantes,

Para a solução desse problema, é necessário calcular as distâncias entreos objetos no espaço das variáveis. Essas distâncias fornecem as medidas desimilaridade entre os objetos. No presente trabalho, os objetos são as regiõesmetropolitanas, e o objetivo da análise é agrupar regiões semelhantes segundoo critério definido pelo conjunto de variáveis selecionadas. A solução da Análisede Grupamento é apresentada em um diagrama em árvore chamado dendrograma.Nesse diagrama, é possível identificar (quando existem) os grupos de objetossemelhantes entre si, associados a uma medida de distância ou similaridade.8

se são distintos.srjsir OOgOgO e e ⇒∈∈

Sejam um conjunto de variáveis e o conjunto de ob-jetos que se deseja agrupar.

Com base no conjunto X, determinar uma partição de O em subconjun-tos ig tal que:

}pXXX ,...,{ 1=

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4 ResultadosApresentam-se, a seguir, os resultados das duas técnicas de análise

multivariada. Os resultados da ACP permitiram a identificação de dois conjuntosdistintos de variáveis, enquanto a Análise de Grupamento apontou semelhançase diferenças entre as regiões metropolitanas. Os resultados foram obtidos usando--se o software SPSS v. 11, com os programas FACTOR/ACP e HIERARCHICALCLUSTER/WARD.

4.1 Resultados da Análise de Componentes Principais

O método foi aplicado considerando nove das 11 variáveis observadas nasregiões metropolitanas. Isto porque, dentre as três variáveis medindo percentualde emprego (emprego global, emprego com carteira assinada e emprego semcarteira assinada), se optou pela variável que mede o emprego global, pois essaé a que apresenta maiores correlações com as demais variáveis, sendo, porisso, a mais indicada na composição da base de dados para Análise deComponentes Principais. Os primeiros resultados estão na Tabela 4, onde sãomostradas as variâncias de cada componente, bem como a sua contribuiçãopercentual para a variância total dos dados.

A terceira coluna da Tabela 4 informa que os dois primeiros componentesdescrevem cerca de 79,8% da variância total das variáveis, indicando que ainformação contida nos dados originais pode ser bem representada com as duasdimensões fornecidas por C1 e C2. Além disso, observa-se que os demaiscomponentes apresentam variância menor que 1 e que ocorre também umaforte queda nos valores da variância (ou do percentual da variância) entre osegundo e o terceiro componentes. Todos esses resultados indicam que doiscomponentes são suficientes para descrever adequadamente os dados.9

A Tabela 5 fornece as correlações entre as variáveis e os dois primeiroscomponentes principais. Examinando esses valores, é possível interpretar oscomponentes de acordo com as variáveis que apresentam maiores correlações.

9 Para tratar da questão do número de componentes mantidas na análise, ver Jolliffe (1986).

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Tabela 4

Variância dos componentes e sua participação percentual sobre a variância total dos dados das variáveis observadas

nas regiões metropolitanas e no DF — 2001

COMPONENTES VARIÂNCIA DE CI % DA VARIÂNCIA TOTAL

% ACUMULADO

C1 4,217 46,857 46,857

C2 2,964 32,934 79,791

C3 0,749 8,326 88,117

C4 0,594 6,602 94,720

C5 0,388 4,307 99,027

C6 0,053 0,586 99,613

C7 0,021 0,234 99,847

C8 0,011 0,132 99,979

C9 0,002 0,021 100,000

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Tabela 1.

Tabela 5

Correlação entre a matriz dos componentes e as variáveis observadas nas regiões metropolitanas e no DF — 2001

VARIÁVEIS C1 C2

prcpr ................................... -0,931 0,045

prem ................................... 0,955 0,084

renda .................................. 0,944 0,164

mest …………………………. 0,766 0,236

txdes ……………..…….…… -0,196 0,869

prind …………………..……. 0,175 -0,939

prconst ……………………… -0,725 0,076

prserc ................................. -0,382 0,843

pradm ................................. 0,467 0,721

FONTE DOS DADOS BRUTOS: Tabela 1. NOTA: Em negrito, estão as variáveis fortemente correlacionadas com os com-ponentes C1 e C2.

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O resultado apresentado na Tabela 5 permite associar o primeiro compo-nente a quatro variáveis que caracterizam a população ocupada e a uma variá-vel que descreve a ocupação no setor da construção civil. Analisando os sinaisdos coeficientes dessas cinco variáveis, vê-se que C1 separa as regiões metro-politanas com maiores percentuais de empregados, maiores rendas e mais anosde estudo daquelas com maiores percentuais de trabalho por conta própria emaiores percentuais de ocupação na construção civil. Considerando que esteúltimo é um dos setores mais atrasados da economia brasileira, pode-se afirmarque C1 se apresenta como um componente de desenvolvimento, diferenciandoas regiões mais desenvolvidas daquelas menos desenvolvidas.

O segundo componente será chamado de componente setorial, já queestá fortemente correlacionado com quatro variáveis, sendo que três descrevema ocupação nos setores econômicos: indústria (exceto construção civil), serviçose comércio e administração pública. A quarta variável desse componente fornecea taxa de desocupação. O sinal negativo para a ocupação da indústria indica aoposição desta com os outros dois setores e também com a taxa de desocupação.Esses resultados confirmam a análise das correlações (Tabela 3 e Figura 2),que aponta forte associação positiva entre a desocupação e o setor serviços ecomércio e, por outro lado, forte associação negativa entre a indústria e asoutras três variáveis que compõem C2.

4.2. Resultados parciais da Análise de Grupamento

Pelos resultados da Análise de Componentes Principais, pode-se afirmarque dois conjuntos de variáveis fornecem as duas principais dimensões (C1 eC2) da base de dados analisada: o primeiro, formado pelo percentual de trabalha-dores por conta própria, percentual de empregados, renda mensal, anos de estudoe ocupação na construção civil, compõe o componente de desenvolvimento;o segundo conjunto de variáveis é formado por aquelas compõem o componentesetorial — ocupação na indústria, ocupação nos serviços e comércio, ocupaçãona administração pública e taxa de desocupação. Portanto, mantendo essaseparação na aplicação do método de Análise de Grupamento, dois resultadosserão obtidos, cada um usando um conjunto de variáveis. Assim, na primeiraanálise, o resultado fornece regiões semelhantes quanto ao desenvolvimento,enquanto a segunda análise fornece grupos de regiões semelhantes no que serefere, principalmente, à distribuição das ocupações pelos setores econômicos.As soluções das duas análises estão apresentadas nas Figuras 3 e 4. O eixohorizontal fornece as distâncias, que são interpretadas como medida desimilaridade entre as regiões metropolitanas.

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Análise 1 — variáveis de desenvolvimento

A Figura 3 apresenta o dendrograma correspondente às variáveis dedesenvolvimento.

O dendrograma mostra a forte distinção da dupla RMSP/DF das demaisregiões metropolitanas, no que se refere ao desenvolvimento. No restante dasregiões, percebe-se um grupo bastante homogêneo formado pelas RMRJ, RMC,RMPA e RMBH. O outro grupo, não tão homogêneo, contém as regiões metropoli-tanas das Regiões Norte e Nordeste. Neste último grupo, percebe-se uma distinçãoentre as duplas RMB/RMS e RMF/RMR. Essa solução é coerente com a Figura1, onde são apresentadas as rendas das regiões metropolitanas. As principaiscaracterísticas dessa estrutura de grupos já se esboçavam na Figura 1, mostran-do o destaque da RMSP e do DF, com maiores rendas, e o mesmo grupo de re-giões metropolitanas das Regiões Sul e Sudeste, que aqui também se apresentamjuntas. Quanto às regiões metropolitanas das Regiões Norte e Nordeste, a Análisede Grupamento mostra uma diferença entre RMB/RMS e RMF/RMR, que não édevida à renda, mas a outras variáveis presentes nessa análise.

Análise 2 — variáveis setoriais

A Figura 4 apresenta o resultado da Análise de Grupamento tendo comocritério de semelhança as variáveis que fornecem informações sobre a distribuiçãodas ocupações nos setores econômicos (indústria, serviços e comércio,administração pública) e a taxa de desocupação.

Esse resultado apresenta dois grandes grupos, um agregando a RMF, aRMBH, a RMSP, a RMC e a RMPA, e outro contendo a RMB, a RMR, a RMJ ea RMS e, um pouco diferenciado, o DF. De fato, esse resultado, embora pareçaestranho, está de acordo com a Figura 2, onde são apresentadas as proporçõesdas ocupações na indústria, em serviços e comércio e a taxa de desocupação.Com auxílio daquelas informações, pode-se afirmar que a RMB, a RMR, a RMRJ,a RMS e o DF são as regiões onde há predominância do setor serviços ecomércio e também onde ocorrem as maiores taxas de desocupação (exceçãofeita à RMRJ). O afastamento do Distrito Federal no grupo de regiõescaracterizadas pelas ocupações em serviços e comércio deve-se, provavelmente,às ocupações na administração pública, que, como se sabe (Tabela 1), é máximanessa metrópole. Por outro lado, a RMF, a RMBH, a RMC, a RMSP e a RMPAsão as regiões onde o setor industrial prevalece, e, ainda, onde ocorrem asmenores taxas de desocupação (com exceção de São Paulo). Assim, a Análisede Grupamento permite a classificação das regiões metropolitanas em doisgrupos, segundo a predominância do setor industrial ou de serviços e comércio.

433Uma análise multivariada da população ocupada nas regiões metropolitanas brasileiras

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4.3 Interpretação dos resultados globaisOs resultados encontrados na Análise de Grupamento são coerentes com

os apresentados em Saboia (2000). Segundo esse estudo, que utilizou estatísticasda Pesquisa Mensal de Emprego de seis regiões metropolitanas no período1991-99, existiriam dois grupos de regiões. De um lado, a RMSP, a RMRJ, aRMPA e a RMBH, onde as condições do mercado de trabalho são bem maisfavoráveis; de outro, a RMR e a RMS, onde os resultados são bem piores.10

Os grupos encontrados neste trabalho apontam a mesma direção. Naprimeira análise (componente desenvolvimento), a RMRJ, a RMPA e a RMBHjuntam-se com a RMC para formar um grupo relativamente homogêneo, enquantoa RMR e a RMS se agregam à RMR e à RMF para formar um segundo grupo,com menores níveis de rendimento, de escolaridade e de proporção deempregados e com maior participação de trabalhadores por conta própria. Nestaanálise, a RMSP cria um terceiro grupo, juntamente com o DF, por conta desuas semelhanças nas variáveis utilizadas.11

Na segunda análise (componente setorial), a principal surpresa é o fato dea RMRJ juntar-se às regiões menos desenvolvidas da Região Nordeste. Tal fato,entretanto, explica-se facilmente, devido à semelhança de suas distribuiçõessetoriais do emprego. Por outro lado, as demais regiões metropolitanas dasRegiões Sul e Sudeste permanecem juntas no mesmo grupo. A surpresa, nessecaso, é a RMF fazer parte do grupo das regiões mais desenvolvidas, podendoser explicado pela mesma razão acima.

Apesar de alguns resultados inesperados na Análise de Grupamento, emlinhas gerais, eles confirmam os desequilíbrios regionais do País. A figura daBelíndia continua sendo uma representação satisfatória para o Brasil. Se, porum lado, algumas regiões metropolitanas se encontram relativamente avançadas,especialmente aquelas das Regiões Sul e Sudeste, as das Regiões Norte eNordeste continuam apresentando resultados bastante desfavoráveis.

O caso da RMF é ilustrativo. Embora possua, atualmente, uma distribuiçãosetorial do emprego semelhante à encontrada nas regiões metropolitanas maisdesenvolvidas, resultante de uma política, do Governo local, de atração de novosinvestimentos, quando consideradas as variáveis de desenvolvimento domercado de trabalho, como nível de renda, escolaridade e posição na ocupaçãodos trabalhadores, mostra resultados bastante insatisfatórios, semelhantes aos

10 Diferentemente da PNAD, a PME cobre apenas seis regiões metropolitanas.11 Conforme mencionado acima, o Distrito Federal não pode ser analisado com as estatísticas

da PME.

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encontrados nas demais capitais da Região Nordeste. Esse fato aponta emdireção aos limites de uma política realizada apenas em nível local, sugerindo anecessidade de complementação, através de políticas nacionais dedesenvolvimento.

5 ConclusãoA utilização dos modelos Análise de Componentes Principais e Análise de

Grupamento em um conjunto de variáveis do mercado de trabalho das regiõesmetropolitanas brasileiras mostrou seu potencial, confirmando alguns resultadosesperados e trazendo outros, até certo ponto, surpreendentes.

A Análise de Componentes Principais permitiu a separação das variáveisselecionadas em dois componentes. O primeiro, incluindo renda, escolaridade,proporção de empregados e de trabalhadores por conta própria, além daimportância da ocupação na construção civil, foi denominado componente dedesenvolvimento. O segundo, incluindo a participação da ocupação na indústria(exceto construção civil), no Terciário (comércio e serviços) e na administraçãopública, além da taxa de desemprego, foi denominado componente setorial.

A Análise de Grupamento foi realizada separadamente para as variáveisdos dois componentes acima, permitindo o agrupamento das regiõesmetropolitanas segundo as características dos respectivos mercados de trabalho.

Quando analisadas as variáveis associadas ao componente dedesenvolvimento, formaram-se vários pares de regiões, destacando-se a RMSPe o DF, com comportamento claramente diferenciado das demais. A RMF mostraforte semelhança com a RMR, a RMB, com a RMS, a RMRJ, a RMC, a RMPAe a RMBH, nesta análise, formam um grupo bastante homogêneo.

Quando analisadas as variáveis associadas ao componente setorial, surgemalgumas surpresas. Formam-se dois grandes grupos. O primeiro composto porRMF, RMBH, RMSP, RMC e RMPA; o segundo, pelas demais regiões. O fato dea RMF participar do primeiro grupo pode ser explicado pela importância daocupação industrial local, semelhante à encontrada nas outras quatro regiõesmetropolitanas do primeiro grupo. Embora com um mercado de trabalho maisdesenvolvido, a RMRJ, junta-se à RMB, à RMR e à RMS no segundo grupo, porsua elevada ocupação no Setor Terciário. O DF também faz parte desse grupo,embora um pouco diferenciado, pela importância da administração pública.

Em termos gerais, o artigo confirma os desníveis regionais existentes noPaís e a limitação de iniciativas locais de desenvolvimento baseadas em políticasde atração de novos investimentos, através de incentivos de diversos tipos,desenvolvidas pelos governos dos diferentes estados nos últimos anos. O País

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continua dividido entre as Regiões Sul e Sudeste, relativamente desenvolvidas,e as Regiões Norte e Nordeste, onde predomina o atraso econômico e social.De qualquer forma, foi possível diferenciar situações no interior dos dois grandesgrupos, além de verificar os casos das Regiões Metropolitanas de Fortaleza edo Rio de Janeiro, que se deslocam de seu grupo original, quando consideradasalgumas variáveis de seus mercados de trabalho.

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Mutações do trabalho no Brasil —abordagens interpretativas*

Míriam De Toni Socióloga da Fundação de Economia e Estatística; Doutora em Sociologia pela UFRGS

Quando enfrentam o que seu passado não aspreparou para enfrentar, as pessoas tateiam em buscade palavras para dar nome ao desconhecido, mesmoquando não podem defini-lo nem entendê-lo.

Eric Hobsbawm (1995)

ResumoNo Brasil, as mutações no trabalho, associadas às transformações do sistemacapitalista, aprofundaram-se a partir dos anos 90, sendo alvo de diferentes inter-pretações e ensejando esforços de construção teórico-conceitual visando à suaapreensão. Inserindo-se nesse debate, neste artigo, realiza-se uma discussãoda literatura sobre o tema, analisando-se a adequação, os alcances e os limitesdas abordagens correntes. Inicia-se com os enfoques críticos às teses do fimdo trabalho, seguindo-se com estudos que avaliam a qualidade do emprego e oemprego atípico e encerra-se com as abordagens calcadas no enfoque sobre osetor informal, seja incorporando-o, seja ampliando seu significado. Conclui-seque os enfoques que se apropriam da noção de informalidade e de precarizaçãomelhor apreendem as questões contemporâneas do trabalho, aportandoavanços para a pesquisa social nesse âmbito.

* Este artigo resultou de estudos desenvolvidos pela autora para a tese de Doutorado emSociologia. A autora agradece à Professora Doutora Elida Rubini Liedke, orientadora da tese,por seus valiosos comentários e sugestões à versão preliminar do texto, e à Thais FerreiraPersson, bolsista da FAPERGS, pelo auxílio na edição final. Versões anteriores deste artigoforam apresentadas no XXV Congresso da Associação Latino-Americana de Sociologia(ALAS) — versão parcial, restrita à discussão sobre informalidade — e no IX EncontroNacional da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET). O texto integra o projetoDimensões da Precarização do Mercado de Trabalho na Região Metropolitana de PortoAlegre, que conta com apoio do CNPq e da FAPERGS.

Artigo recebido em dez. 2005 e aceito para publicação em jul. 2006.

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Palavras-chave

Precarização do trabalho; Sociologia do Trabalho; informalidade.

AbstractIn the Brazilian society the changes in work organization, following thetransformations in the capitalist system, deepened during the nineties and weresubject to different types of interpretation. The understanding of the emergingsituations required a new theoretical framework. This paper aims at discussingthe recent literature in this field and analyses the distinct approaches. We startcritically focusing the theses about the end of work, then we turn to the studiesthat assess the quality of work and the spread of non-standard labour relations,and finally we discuss the studies that view the informal sector as a key variablefor the understanding of the current trends at work. We conclude that theapproaches that use the concepts of informality and precariousness are themost suitable for the analysis of the new forms of labour relations since theyprovide alternative insights for social research in this field.

Key words

Precarious work; changes at work; Labour Sociology.

Classificação JEL: J20; O17.

IntroduçãoNo Brasil, as mutações no trabalho, associadas às transformações que

vêm ocorrendo no sistema capitalista desde o último quartel do século XX,aprofundaram-se a partir dos anos 90, reconfigurando as relações de trabalhoem processos que têm provocado tanto uma ampliação da heterogeneidade dotrabalho quanto uma maior precarização das relações de trabalho.

Acompanhando essas mudanças, estudos na área das Ciências Humanastêm investigado velhas e novas questões, buscando construir novas teorizaçõesque abarquem a diversidade, a singularidade e a novidade desses fenômenos

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recentes. No contexto mundial, as visões emanadas englobam desde as tesesque propugnam o fim do trabalho como elemento de construção identitária efundante das relações sociais até abordagens que reforçam a permanência dacentralidade do trabalho, apesar das mudanças de que tem sido alvo. Outrosolhares, mais dirigidos para as sociedades latino-americanas — e para a brasi-leira em particular —, a par de endereçarem críticas às teses do fim do trabalho,resgatando os sentidos do trabalho e a sua centralidade, voltam-se para ainvestigação empírica das formas atípicas de emprego — sua expansão e suasconseqüências — e, no plano teórico, têm aportado contribuições originais àcompreensão das questões contemporâneas do trabalho, sinalizando novosrumos de pesquisa, que possam abrir caminhos para uma reflexão que orienteações no nível da sociedade.

Como ponto de partida dessa discussão, há que se reconhecer que asquestões relativas ao trabalho fazem parte de um intenso debate, que estálonge de ser concluído e tampouco se circunscreve ao meio acadêmico. De fato,quanto à sua disseminação, observa-se que discussões em torno do trabalho —ou da falta dele — se têm alastrado pela sociedade, permeando tanto os discur-sos de diferentes atores sociais, quanto o cotidiano de homens e mulheres,sejam eles trabalhadores, ou não.1

Inserindo-se nesse debate, realiza-se, neste artigo, uma sistematizaçãoda literatura sobre o tema — com ênfase em autores brasileiros —, contemplan-do a diversidade dos enfoques correntes e analisando sua adequação, seusalcances e limites face à realidade brasileira. A exposição a seguir contemplaautores representativos de cada abordagem, sendo demarcada por duas seções:

1 Quanto ao sentimento da população brasileira no que respeita ao trabalho — ou melhor, àausência deste —, sua importância tem sido recorrentemente captada por estudos e pesqui-sas de opinião. Em termos de impactos individuais e subjetivos do desemprego, estudo deduas jornalistas, baseado em depoimentos e estatísticas sobre a realidade brasileira, chegaà contundente conclusão de que “[...] a demissão [é] a terceira maior dor da vida de umapessoa (superada apenas pela perda de um filho ou do cônjuge)” (Valor, 2003). Um outroresultado interessante foi constatado por pesquisas realizadas no Rio Grande do Sul, em1989 e 2002, no sentido de revelar mudanças nas preocupações citadas pela população. Em1989, assuntos relacionados a aspectos econômicos ocupavam os cinco primeiros lugares(inflação, crise econômica, preços altos/custo de vida, miséria e salário). O desemprego erauma preocupação para apenas 2,5% dos entrevistados. Já em 2002, o desemprego encabe-çava a lista de preocupações, citado por 26,3% dos entrevistados, seguido dos itenscorrupção, segurança, miséria e saúde (Zero Hora, 2002). Para o País, levantamentos doInstituto de Pesquisas Datafolha, realizados entre 1996 e 2002, a respeito do principalproblema do Brasil, conforme a população, revelam que o desemprego foi sempre o proble-ma mais citado, com parcelas variando entre um terço e a metade dos entrevistados. Segun-do a mesma fonte, desde o início do governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003,até junho de 2005 (dado mais recente), o desemprego segue sendo o principal problema doPaís, citado por, pelo menos, um terço dos entrevistados (Desemprego é ..., 2005).

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na primeira, o nível de abrangência é mais amplo, e discutem-se questões refe-rentes à centralidade do trabalho e à persistência da condição de subordinaçãodo trabalho; na segunda, reunem-se abordagens mais diretamente vinculadas àrealidade do trabalho no Brasil, destacando-se tanto estudos voltados a investi-gar aspectos relacionados à qualidade do emprego, ao trabalho atípico e àterceirização, quanto aqueles que tratam de interpretar as mudanças, discutindosuas interfaces com a questão da informalidade presente no mercado de traba-lho brasileiro, na busca de novos conceitos para apreender os fenômenosrecentes.

1 Centralidade do trabalho e formas contem- porâneas de subordinação

No que concerne ao debate sobre a centralidade do trabalho, umaconstatação geral a ser feita é a de que as teses que propugnam o fim dotrabalho, tais como as avançadas por Offe (1989) e Gorz (1987),2 não têmencontrado grande respaldo nos meios acadêmicos brasileiros, nem naquelesde seu entorno mais imediato, a América Latina. Ao contrário, quando menciona-das, o são, fundamentalmente, no sentido de criticá-las ou refutá-las. Taisposicionamentos podem estar ligados a diversas razões, que, por sua vez, es-tão referidas à própria história de cada sociedade. Ou seja, diferentemente dospaíses capitalistas avançados, nas sociedades latino-americanas, a regulaçãodo trabalho e as proteções sociais construídas ficaram a meio caminho, seja emtermos do conteúdo ou da extensão das regulações propriamente ditas, sejaquanto ao contingente de trabalhadores abrangidos. Como resultado, o trabalhoassalariado não se universalizou, e perdurou, como característica, uma relativaheterogeneidade na produção e no mercado de trabalho (nas formas de inserção

2 Teses relacionadas ao fim do trabalho ganharam destaque especialmente no contexto euro-peu do início dos anos 80, buscando interpretar o sentido, a profundidade e a natureza dasmudanças que se processavam no âmbito do trabalho, a partir da identificação de tendên-cias de redução do emprego industrial, de proliferação das atividades de serviços e dediminuição da jornada de trabalho. Contrapunham-se, assim, à visão dos autores clássicosda Sociologia, especialmente Marx, para quem a sociedade moderna e sua dinâmica centralconstroem-se como uma “sociedade do trabalho”. Nesse debate, sobressaem os estudosde Gorz (1987) e Offe (1989), que buscaram interpretar tais mudanças pela via da perda decentralidade do trabalho como elemento fundante das relações sociais e da construçãoidentitária dos indivíduos. Uma análise crítica desses enfoques foi desenvolvida por De LaGarza (2000b).

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laboral, nos rendimentos, nas jornadas de trabalho, nas condições de trabalhoe na organização política dos trabalhadores).

Portanto, inserções laborais alternativas — ou atípicas, como nomeadasna literatura recentemente —, que se vêm expandindo de modo crescente, nãorepresentam propriamente uma novidade na região latino-americana, em con-traste com o “mal-estar” que suscitam nas sociedades capitalistas avançadas,onde, ao padrão clássico de assalariamento da mão-de-obra e a estados debem-estar social consolidados, se contrapõe, hoje, o que Beck (2000) chamoude “brasilianização do ocidente”. Não obstante, o impacto da reversão da ten-dência pró-assalariamento é tão mais grave em sociedades como a brasileirajustamente pelo caráter incompleto e restrito das regulações construídas emtorno do trabalho, impacto este amenizado nos países avançados, nos quaisocorreu uma “precarização após proteções”, conforme a perspicaz análise deCastel (1998). Ademais, mecanismos institucionais que poderiam embasaralternativas de sobrevivência fora da esfera do trabalho — do tipo programas derenda mínima, ou mesmo o Seguro-Desemprego — são focados em gruposespecíficos ou restritos em termos de abrangência, o que tende a reforçar aimportância da esfera do trabalho.

Nessa direção, uma análise elucidativa e representativa em termos latino--americanos foi realizada por De la Garza (2000a; 2000b), na qual, ao discorrersobre o papel do conceito de trabalho na teoria social do século XX, o autorrefuta as teses acerca do fim do trabalho, reafirmando sua importância comoespaço de experiências e de reconstituição de subjetividades e identidades.

Contesta, assim, a tese por ele classificada como sendo “a mais teórica”,qual seja, a da marginalização do mundo do trabalho relativamente a outrosmundos de vida dos trabalhadores na constituição de suas identidades. Paraele, a identidade é uma configuração subjetiva complexa, que depende dosdiversos mundos da vida — incluindo a ocupação —, estejam eles articulados,ou não, na prática.

Não obstante tal reconhecimento, o autor coloca ênfase no fato de queinvestigações concretas têm reafirmado a importância e a centralidade do tra-balho para o conjunto das relações sociais e, em particular, para a conformaçãode identidades coletivas. Não validam, portanto,

[...] o otimismo de Gorz, e em parte de Offe, acerca da possibilidade deuma sociedade satisfeita com o não-trabalho [uma vez que este teria sido]substituído nos anos 90, vinculado ao pessimismo das longas jornadas detrabalho para uma parte da população e à extensão dos empregos atípicospara outra (De la Garza, 2000b, p. 765).

Um posicionamento igualmente contrário às teses do “desaparecimento dotrabalho” é defendido pelo mais importante organismo voltado para a área do

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trabalho em âmbito internacional — a Organização Internacional do Trabalho(OIT). A leitura de documentos da Organização revela proximidade entre suasanálises acerca da centralidade do trabalho, da precarização das relações detrabalho e da necessidade de uma postura ativa do Estado na regulação dotrabalho, ainda que considere imperativa a elaboração de um contrato de traba-lho mais inclusivo, que incorpore as várias formas de trabalho alternativas aoassalariamento clássico.

Os principais pontos evocados pela OIT permitem concluir que a institui-ção atribui importância decisiva ao trabalho e à existência de legislação laboralenquanto fatores cruciais para a proteção social, a segurança no emprego, bemcomo para a redução da pobreza. Tomando uma postura crítica em relação aospartidários de um Estado mínimo e da liberalização do mercado de trabalho — emesmo reconhecendo que certos elementos da legislação laboral devam serreformados em determinados países —, afirma ser “[...] infundado dar porsuposto que, em geral, essa regulamentação seja sempre um fator de rigidez eque a liberalização seja automaticamente a solução ótima” (OIT, 1996, p. xix).

Considerando a segurança social em sentido amplo,3 a OIT ressalta ainterligação estreita entre trabalho, rendimento e segurança social, afirmandoque a estratégia nacional de segurança social deve estar “[...] diretamente liga-da com a estratégia adotada em matéria de emprego [...]” (OIT, 2002, p. 12) e tercomo base o conceito de trabalho digno, que é a melhor forma de obter umrendimento seguro.

Essa avaliação da OIT encontra respaldo em parte considerável de estu-dos e pesquisas sobre a região latino-americana, cujas análises pendem para aconclusão de que o mercado de trabalho caminha em direção oposta à imagina-da pelos defensores da desregulamentação e da liberalização. Isto é, adesregulação e a flexibilidade têm beneficiado muitos poucos, uma vez que,para a maioria, a verdadeira sociedade do não trabalho se tem apresentadocomo desemprego, subemprego e sobretrabalho para subsistir, traduzindo-seem perda de seguridades, em incerteza e em redução de salário e benefícios(De la Garza, 2000a).

No Brasil, o tema da centralidade do trabalho tem recebido atenção espe-cial de alguns autores, dentre os quais se destaca Ricardo Antunes (1995; 1999),cujo enfoque se volta para o tema em apreço de modo abrangente. Aparente-mente, parodiando André Gorz (1987), o livro de Antunes — Adeus ao Traba-

3 “A segurança social abrange os cuidados de saúde e auxílios a famílias e garante a seguran-ça do rendimento em caso de quaisquer eventualidades, como doença, desemprego, velhi-ce, invalidez, acidentes de trabalho e doenças profissionais, maternidade e perda do sus-tento familiar.” (OIT, 2002, p. 12).

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lho? (1995) — prenuncia, já no ponto de interrogação, a diferença no tratamentodispensado à questão da centralidade do trabalho. Dentre as teses defendidaspelo autor, a mais inclusiva é precisamente aquela em que ele se posicionacontra os que defendem a perda de centralidade da categoria trabalho em nos-sas sociedades, postulando que

[...] as tendências em curso, quer em direção a uma maior intelectualizaçãodo trabalho fabril ou ao incremento de trabalho qualificado, quer em direçãoà desqualificação ou à sua sub-proletarização, não permitem concluir pelaperda desta centralidade no universo de uma sociedade produtora demercadorias (Antunes, 1995, p. 75).

Para Antunes, o trabalho abstrato, ainda que em declínio, reduz, mas nãoelimina, o papel do trabalho coletivo na produção de valores de troca, mesmoem um processo produtivo tecnologicamente avançado, dado que há que seconsiderar o sistema produtor de mercadorias em escala global. Como funda-mentação para seus argumentos, Antunes sustenta ser necessário recuperar adistinção marxiana feita entre trabalho concreto — produtor de valores de uso —e trabalho abstrato — que cria o valor das mercadorias, seu valor de troca.A partir daí, há que se qualificar de que dimensão do trabalho se está tratando,quando se fala da crise da sociedade do trabalho, a fim de que não fique expres-sa a possibilidade de que “[...] a crise da sociedade do trabalho abstrato sejaentendida equivocadamente como crise da sociedade do trabalho concreto”(Antunes, 1995, p. 80).

Propondo o conceito de “classe-que-vive-do-trabalho”,4 o autor apresenta atese de acordo com a qual a “[...] heterogeneização, complexificação e fragmen-tação da classe-que-vive-do-trabalho não caminha no sentido de sua extinção”(Antunes, 1995, p. 88); tampouco lhe retira o papel de sujeito potencialmentecapaz, objetiva e subjetivamente, de caminhar para além do capital. Ou seja,enquanto perdurar o modo de produção capitalista, o trabalho permanecerá comofonte criadora de valor, ainda que possam ocorrer mudanças no processo detrabalho, decorrentes do avanço científico e tecnológico, configuradas, hoje,pelo peso crescente da dimensão mais qualificada do trabalho, pelaintelectualização do trabalho social, de que os modelos japonês, sueco e simi-lares constituem exemplos.

4 Para Antunes (1995, p. 88), essa classe inclui desde “[...] aqueles que se beneficiaram como avanço tecnológico e que vivenciaram uma maior intelectualização do seu trabalho, atéaqueles que fazem parte do trabalho precário, parcial, ‘terceirizado’, participantes da ‘econo-mia informal’, da ‘subclasse dos trabalhadores’, incluindo-se, ainda, os que vivenciam asconseqüências do desemprego estrutural”.

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Em uma linha não muito distante da abordagem de Antunes, é possívelidentificar um conjunto de estudos cuja análise põe ênfase na permanência derelações de subordinação do trabalho ao capital, nas inserções laborais alterna-tivas ao assalariamento clássico. Voltando sua preocupação para investigar oque há de realmente novo nas formas transmutadas de trabalho, seus autores,também críticos às teses do fim do trabalho, ancoram-se no entendimento deque o capitalismo pode envolver relações de produção ambíguas e múltiplas, asquais existem em paralelo e inter-relacionadas com o novo foco dinâmico.

Bastante elucidativos nessa direção são os posicionamentos de Rojas ePalacio (1987) e de Neffa (1999), que identificam a existência de elementosnovos na reestruturação capitalista em curso, o que lhes permite afirmar que omomento vigente é de transição. Estar-se-ia gestando um novo regime de acu-mulação, “[...] cujos perfis ainda não se expressam com clareza” (Neffa, 1999,p. 69). A respeito deste último aspecto, Rojas e Palacio desenvolvem o argu-mento de que as tecnologias da informação devem ser entendidas como uma“nova” estratégia capitalista de subordinação dos trabalhadores, ao invés deuma ferramenta capitalista para uma “maior” subordinação dos trabalhadores.Tal escolha de termos não é aleatória, pois, como afirmam eles, “[...] falar denova em lugar de maior subordinação dos trabalhadores dá a idéia de ruptura enão de continuidade” (Rojas; Palacio, 1987, p. 19). Nessa nova fase, portanto, osmecanismos de controle seriam diversos daqueles existentes anteriormente.Ou seja,

[...] na fase prévia, chamada de “operário-massa”, os mecanismos própriosdo Taylorismo (particularmente a divisão do trabalho ao infinito e a exploraçãodo saber operário) e do Fordismo (imposição do ritmo de trabalho pelaimposição da esteira de montagem), combinados com mecanismosrelacionados ao sindicalismo (consenso obreiro e concertação empregado--patrão), são substituídos parcialmente por outros mecanismos da novafase, associados à automatização e à descentralização (Rojas; Palacio,1987, p. 19).

É nesse cenário que emergem as novas formas de inserção laboral, inclu-ídas nas estratégias empresariais de reestruturação e de busca de maior flexibi-lidade do trabalho, de que o trabalho em tempo parcial, o trabalho temporário e otrabalho autônomo — notadamente o vinculado a empresas — são exemplosnotórios. Tais práticas, associadas às possibilidades abertas pelas novastecnologias — de reorganizar a produção e aumentar a produtividade — institu-em novas formas de controle do trabalho, à medida que dividem e separam ostrabalhadores, erodindo sua base material de associação e dificultando estraté-gias de resistência, provocam demissões de trabalhadores, elevando largamen-te o desemprego, e aumentam a competitividade entre os próprios trabalha-dores.

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Nesses processos de trabalho descentralizados, nos quais é comum apresença de trabalhadores autônomos e de pequenos empregadores, tendem aprevalecer situações de subordinação, ainda que manifestas por outras vias quenão a clássica, do trabalho assalariado, na qual o trabalhador é despojado dosmeios produtivos. Os produtores diretos, não obstante terem geralmente a pro-priedade dos equipamentos com os quais trabalham, estão submetidos àsdependências comercial, tecnológica e financeira (Abreu; Sorj, 1994).

No interior das empresas, por sua vez, as táticas de valorização do traba-lho podem encobrir traços de subordinação, os quais se manifestariam tantopela coerção, disseminada entre os próprios trabalhadores, para a execução detarefas quanto pela competição entre os trabalhadores na manutenção doemprego. Por fim, o desemprego elevado e a permanente ameaça de perda doemprego potencializam tais elementos, erigindo-se como fatores importantesna aceitação das atuais condições de trabalho (Meneleu Neto, 1996).

2 Descortinando as mudanças no trabalho, no Brasil

O exame da literatura brasileira que trata das transformações no trabalho,especialmente aquela voltada à realidade que se inicia nos anos 90, revela umagrande quantidade de estudos nos quais, apesar dos diferentes matizesanalíticos, se prioriza a apreensão das características das novas formas detrabalho, avaliando sua ampliação e buscando averiguar as conseqüências so-ciais desses fenômenos sobre grupos específicos de indivíduos ou sobre aorganização mais ampla da sociedade. Em tais estudos, prevalecem análisescríticas a respeito das transformações no trabalho, em que se sobressai a no-ção de precarização, seja de modo mais restrito, para indicar a degradação dasrelações e condições de trabalho, seja de forma ampliada, para dar conta desituações mais abrangentes, como a da “precarização social”5.

Analisando o percurso seguido por essa literatura, é possível identificaruma certa evolução nas formas de apreender e de conceituar os fenômenos empauta, não obstante permanecer a convivência de distintos enfoques. Ou seja,em um primeiro momento, as análises visualizavam as mudanças no trabalho

5 Neste último caso, as abordagens revelam proximidade aos estudos desenvolvidos porCastel (1998), conforme atesta a afirmação de Ramalho e Santana de que “[...] as noções derisco, instabilidade e precariedade foram estendidas para o corpo social, cobrindo mesmoaqueles que estariam supostamente no centro da sociedade, em posições, profissões erelações antes pensadas seguras, protegidas e estáveis” (2003, p. 21). Sobre precarizaçãodo trabalho, ver, ainda, Toni (2005).

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predominantemente como expansão do chamado setor informal — paralelamen-te à ampliação do desemprego —, face ao recuo de inserções laborais caracte-rísticas do mercado de trabalho formal. Para um outro grupo de pesquisadores,as questões relevantes estariam relacionadas à qualidade do emprego e àexpansão dos chamados empregos atípicos e de práticas de terceirização deatividades. O foco é direcionado para captar a diversidade de formas empíricasque as inserções laborais vêm assumindo, buscando apreender suas caracte-rísticas, sua qualidade e a deterioração das situações de trabalho que geral-mente as acompanha. Mais ao final dos anos 90, a preocupação dos estudiososvoltou-se para a busca de interpretações que distam daquelas mais conheci-das, geralmente associadas às relações entre os setores formal e informal.Chama-se atenção para a necessidade de novas construções conceituais,sugerindo que os fenômenos em curso, no âmbito do trabalho, estariam areconfigurar a realidade, ensejando mudanças mais profundas do que as imagi-nadas previamente.

A discussão dessas abordagens, realizada a seguir, tem por objetivoprecípuo acompanhar a diversidade de dimensões analíticas, abrangendo, atra-vés da escolha de autores representativos, os diferentes enfoques acimareferidos.

2.1 Caracterizando novas formas de inserção2.1 laboral: qualidade dos postos de trabalho,2.1 emprego atípico e terceirização

Estudos a respeito da qualidade dos postos de trabalho gerados, em espe-cial a partir do início dos anos 90, propõem-se a ampliar a análise da evoluçãodo mercado de trabalho brasileiro, não se restringindo ao exame de mudançasou de redução na quantidade de postos e à conseqüente ampliação do desem-prego. Eles partem do pressuposto de que a qualidade do emprego é um concei-to cunhado tanto para abarcar outras dimensões do trabalho, cuja importância édecisiva para o bem-estar dos trabalhadores, quanto para obter uma melhorcompreensão do mercado de trabalho.

Tendo como indicador principal o rendimento do trabalho, Miller (1999), porexemplo, analisou a qualidade do emprego no Brasil, nos anos 90 (período1989-96), definindo qualidade do emprego “[...] como uma função direta do salá-rio ou renda obtida pelo trabalho e do acesso à proteção social, incluindo aproteção legal do contrato e a previdência social, que vão qualificar um estatutoconstitutivo da identidade social do trabalhador” (Miller, 1999, p. 60). Examinan-

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do a evolução do emprego nos diversos setores e subsetores da atividadeeconômica a partir dos indicadores de qualidade (renda, status contratual eproteção social), Miller conclui que o ajustamento do mercado de trabalho brasi-leiro não ocorreu apenas em termos de mudanças na quantidade de empregototal, mas também, em grande extensão, através da deterioração da qualidadedo emprego, principalmente pela diminuição do assalariamento formal e do salá-rio real na maioria dos subsetores do núcleo capitalista da economia.

Conclusões semelhantes às de Miller são aportadas por Reinecke (1999),ao propor o exame da qualidade do emprego no País, no período 1990-96. Par-tindo de uma lista mais ampla de variáveis que estariam associadas à qualidadedos postos de trabalho, o autor analisa a evolução do que denomina “formasatípicas de emprego”, definidas “[...] como todas aquelas que, por uma ou maiscaracterísticas, diferem do emprego ‘padrão’” (Reinecke, 1999, p. 121). Concluique as conseqüências do ajuste do mercado de trabalho tomam mais a direçãoda precarização e da informalização do que a da redução dos postos de traba-lho, pois as intervenções provenientes do ajuste, ao alterarem regulações traba-lhistas ou outros aspectos institucionais do mercado de trabalho, tendem ainterferir fortemente na qualidade do emprego. O autor destaca que houve cres-cimento do emprego sem carteira de trabalho assinada, do trabalho autônomo edo emprego doméstico, categorias em que a qualidade do emprego é muitodébil em várias dimensões, notadamente pelos mais baixos rendimentos, nãoobstante se ter registrado aumento real mais expressivo nessas inserçõesocupacionais.6

Sob um outro ângulo, a qualidade do trabalho aparece associada à qualifi-cação da força de trabalho, tendo o grau de escolaridade como indicador princi-pal (Rosandiski; Silva, 1999). Nesse particular, ao lado do consenso quanto aum aumento generalizado e expressivo da escolaridade da força de trabalho,contrapõem-se argumentações com vistas a uma explicação do fenômeno: umascreditam essa melhor qualificação a exigências advindas do processo de mo-dernização da estrutura produtiva; outras atribuem esse resultado a uma condu-ta seletiva das empresas na contratação de pessoal, em um ambientede encolhimento da demanda por trabalho e de abundante oferta demão-de-obra mais escolarizada do que a média.

Tais argumentos não são excludentes, porquanto as características doajustamento do setor produtivo brasileiro convergem, em certa medida, paraambas as hipóteses. Isto é, ao lado da exigência de maior qualificação, a consi-

6 Dentre outros autores que têm explorado a análise da qualidade do emprego, podem-se citar,ainda, Sabóia (1999), Freguglia, Teles e Rodrigues (2002).

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derável elevação do nível de escolaridade dos trabalhadores está associadaà seletividade empresarial no momento de contratação, a qual resulta

[...] menos de uma necessidade técnica da produção e mais do processoorganizacional, que incita a concorrência entre trabalhadores por umavaga, e da estrutura de regulação das relações de trabalho, que permiteque o ajuste do emprego possua tais características (Rosandiski; Silva,1999, p. 166).

Além de constatar o declínio da qualidade do emprego, passam a proliferartentativas de captar melhor a heterogeneidade de que se revestem as novasformas de trabalho, criando-se classificações adicionais aos pares mais conhe-cidos (mercados de trabalho formal/informal, estruturado/não estruturado, orga-nizado/não organizado). Torna-se bastante freqüente, a partir desse momento, autilização de expressões tais como emprego atípico, trabalho atípico, formasalternativas de inserção, para se referir a inserções ocupacionais em francaampliação, geralmente mais instáveis e menos protegidas e mais diretamenteassociadas aos movimentos de reestruturação produtiva. Tais formas tambémforam reconhecidas através de expressões como contratação flexibilizada ougrupo terceirizado, categorias estas geralmente compostas por assalariados semcarteira de trabalho assinada, assalariados subcontratados e autônomos quetrabalham para uma empresa (Dieese, 2001; Fundação SEADE; IPEA, 1997).Interpretações dessa natureza tomam como padrão de referência as formasassalariadas legalizadas, acompanhadas de mecanismos de proteção social,as quais passam a receber denominações tais como contratação padrão, em-prego padrão ou grupo formal, incorporando os assalariados contratadosdiretamente, com carteira de trabalho assinada, nos setores privado e públicoe os estatutários.

Reinecke (1999), conforme já referido, juntamente com a qualidade doemprego, analisa as “formas atípicas de emprego”. Tais formas, afirma o autor,geralmente implicam níveis mais baixos de cobertura legal e de incorporação deconquistas trabalhistas, via de regra ligadas a lutas sindicais históricas. Essasformas atípicas, pela multiplicidade de situações empíricas, podem assumirdiferentes significados, tais como: uma nova forma de empreendedorismo,novas formas de trabalho assalariado (trabalho temporário ou em tempo parcial)e um processo de precarização, que parece ser o resultado mais freqüentementeobservado, notadamente quando se examina o conjunto da força de trabalho.

Reinecke (1999) propõe, ainda, uma subdivisão da categoria de trabalha-dores autônomos no sentido de clarear sua inserção ocupacional, conforme asestratégias empresariais de terceirização e subcontratação, qual seja: (a)autônomos “falsos” — considerada uma forma de subcontratação, pois, apesarde os indivíduos serem formalmente independentes, eles trabalham sob a

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supervisão de uma empresa usuária — e (b) autônomos “verdadeiros” — com-preendem a categoria que abarca os trabalhadores por conta própria que traba-lham para mais de uma empresa ou para o público em geral.

Avançando nessa discussão, estão estudos sobre o trabalho domiciliar,geralmente imbricado com o trabalho autônomo. Essa forma de atividade, hoje,não se limita a ramos em que, desde há bastante tempo, é dominante — emespecial as indústrias tradicionais, notadamente as de vestuário e calçados —,estendendo-se para ramos de atividade em que aparece recentemente, como éo caso do setor de software e da metalúrgica. É interessante notar que, mesmonaqueles setores em que esse tipo de trabalho já constituía prática corrente,hoje ele adquire novos contornos. Estudos de caso nesse campo atestam amultiplicidade de situações empíricas de que se revestem essas formasocupacionais e revelam as ambigüidades que cercam questões relativas àautonomia e/ou à subordinação desses trabalhadores nas relações que se esta-belecem com os empregadores.

De fato, dentre as estratégias empresariais de reestruturação de modos deproduzir, de organização do trabalho e de flexibilização das relações de trabalho,talvez a mais difundida e utilizada seja a de terceirização ou subcontratação7.Essa modalidade, provavelmente pela sua rápida expansão, tem-se tornado objetode inúmeras pesquisas empíricas, que visam conhecer esse fenômeno, averi-guar o que há de novo nessas práticas vis-à-vis às práticas similares maisantigas, bem como analisar seus impactos sobre o trabalho. Tais estudos geral-mente focam a questão da subordinação versus autonomia nas relações entre ocapital e o trabalho, buscando verificar em que medida os achados empíricossustentariam hipóteses de que, em práticas dessa natureza, haveria a prevalênciade uma via virtuosa, ou, inversamente, a precarização do trabalho é que estariaem expansão.

7 A subcontratação, aqui, é entendida conforme conceito proposto pela OIT, que também podeser ampliado para situações de terceirização. Assim, “O conceito de subcontratação parecedizer respeito principalmente a relações (sejam relações diretas entre trabalhador e empre-sa, sejam relações indiretas, envolvendo um intermediário) nas quais (i) a forma da relaçãoentre a empresa usuária e os trabalhadores envolvidos é de independência e autonomia; (ii)o conteúdo da relação é, apesar de tudo, assimétrico por causa da dependência do trabalha-dor em relação à empresa usuária, resultado da organização dos trabalhadores e da subor-dinação técnica à empresa usuária. Assim, o termo ‘subcontratação’ é mais freqüentementeusado para se referir a situações em que o conteúdo da relação parece ser similar a umarelação de emprego, enquanto a forma é de tipo comercial, ou ao menos quando parecehaver algum tipo de combinação entre os aspectos comerciais e de emprego na relaçãoestabelecida” (OIT, 1995, p. 6, apud Reinecke, 1999, p. 135). De acordo com esse autor,seriam sinônimos os termos contract labour, subcontratação e, no Brasil, terceirização.

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No que tange à terceirização8, apesar de não haver consenso quanto à suaconceituação ou significado, o termo geralmente diz respeito a formas deestruturar relações entre empresas — ou entre empresa e trabalhadores — pelaadoção de práticas difundidas e inspiradas principalmente no modelo japonêsde redes de subcontratação, resultando em relação de complementaridade entreempresas de diferentes portes (Druck, 1999, p. 123 e segs.). Ademais, em estu-dos sobre esse tema, é comum a diferenciação tanto de tipos — subcontrataçãode trabalho, de produção de bens ou serviços e subcontratação interna ouexterna — quanto de padrões de terceirização. Neste último caso,identificam-se geralmente duas modalidades: uma associada a característicasvirtuosas na relação entre os parceiros, e outra em que predomina um caráterpredatório. Embora tais práticas não sejam novas na realidade brasileira, perce-be-se relativa concordância quanto ao aumento do uso de diferentes arranjos desubcontratação associado ao processo de reestruturação produtiva dos últimosanos, sendo igualmente recorrente a identificação da predominância do padrãopredatório de terceirização no País (Druck, 1999; Abreu, 1986; Colli, 2000;Reinecke, 1999; Macedo, 2002; Dieese, 1993; Ruas, 1993).

Esse viés é observado por Alves (1996), ao identificar, entre os principaisresultados da reestruturação da produção e da reorganização do trabalho noPaís, o predomínio de estratégias que visam fundamentalmente à diminuição decustos via redução de mão-de-obra. Assim, o movimento de terceirização se-gue, primordialmente, o que o autor designa de tipo “espúrio”, que busca reduzircustos via confronto e antagonismo com empregados e o movimento sindical —em um relacionamento tipo “ganha-perde”. Este implica, geralmente, instabilida-de, precarização das condições de emprego e maior intensidade do trabalho etem sido adotado por empresas mesmo que, por vezes, a qualidade do produto//serviço seja comprometida. Em contraste com essa forma, o autor contrapõe aterceirização “autêntica”, que integra uma estratégia relacional, buscando a par-ceria em todo o fluxo produtivo, no sentido de qualificar fornecedores, e quepoderia ser traduzida, em termos sociológicos, como uma relação tipo“ganha-ganha”.

Pesquisas nessa área têm proliferado tanto em ramos de atividadeeconômica em que a terceirização ou a subcontratação já era amplamente utili-zada, quanto em atividades novas ou nas quais essas práticas não eram costu-meiras até recentemente.

8 Segundo Alves (1996, p. 143), a terceirização é “[...] um modo de descentralização produtiva,voltado para a desverticalização das empresas, e de externalização das atividades, queexpressa a crescente importância das relações entre firmas, especialmente entre grandese pequenas empresas”.

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Como exemplos do primeiro caso, um marco importante na literatura foi oestudo de Abreu (1986) na indústria da confecção, no ramo do vestuário femini-no, examinando o trabalho industrial a domicílio realizado por mulheresoperárias. Mais recentemente, estudos sobre subcontratação industrial aborda-ram a ampliação dessa forma de organização da produção — notadamente otrabalho a domicílio — no contexto da reestruturação produtiva, podendo-sedestacar os de Abreu e Sorj (1994), enfocando a indústria do vestuário; de Colli(2000), no ramo da tecelagem; e de Ruas (1993), na indústria de calçados doRio Grande do Sul.

Nos vários casos enfocados, reconhece-se que relações de subcontrataçãoentre empresas e trabalhadores e, em especial, o trabalho a domicílio comouma forma de subcontratação têm uma longa história nas sociedades indus-triais, sendo este último, até há poucas décadas, considerado como sobrevi-vência de formas arcaicas, fadado ao desaparecimento. Todavia, considerando--se o contexto das novas formas de organização industrial e o desenvolvimentodas tecnologias microeletrônicas no período mais recente, é igualmente reco-nhecido que tais relações vêm sendo recuperadas, ampliando-se em setoresonde já figuravam e estendendo-se nas experiências das chamadas redes clien-tes-fornecedores (Colli, 2000). Os ramos industriais em pauta compartilham acaracterística de se basearem em uma concorrência predominantemente anco-rada em preços baixos, explorando, direta ou indiretamente, mão-de-obra bara-ta. Desse modo, as pressões e o interesse das empresas contratantes em redu-zir custos de produção face ao aumento da competição têm induzido estraté-gias de transferência para terceiros de vários custos implícitos na contrataçãodireta de trabalhadores, bem como de problemas de controle e disciplina damão-de-obra. Elucidativas nesse sentido são as colocações de Colli (2000),quando a autora, enquanto reconhece que o façonismo já é tradicional na indús-tria da tecelagem, afirma que, hoje, ele vem sendo reorganizado a partir de suasbases originais, como forma de tentar superar a crise do padrão taylorista-fordista.Assim, o grande capital encontra uma forma de centralizar o capital descentra-lizando a produção “[...] por meio da expulsão do capital fixo das empresas,com vistas a acelerar o tempo de rotação do capital, [...] investindo em novastecnologias e, assim, desvalorizando o antigo capital fixo, mediante suaobsolescência frente às novas máquinas e equipamentos mais produtivos” (Colli,2000, p. 123). Em sua feição contemporânea, portanto, a fação, de uma formade produção complementar à da grande empresa, tornar-se-ia a sua própriaprodução “externalizada”.

Nessas práticas, a flexibilização do uso da mão-de-obra tem-se pautadopor relações sobretudo predatórias, prevalecendo baixa remuneração do traba-lho, instabilidade, vínculos informais, trabalho manual e tecnologia rudimentar,

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envolvendo níveis diferenciados de dependência da parte contratada perante acontratante. Entre suas conclusões, estudos nessa área convergem para a ava-liação de que o inter-relacionamento de formas produtivas (trabalho assalariadofabril e trabalho autônomo a domicílio ou no interior das empresas) conduz acaracterísticas contraditórias em relação ao produtor direto: ao mesmo tempoem que ele detém parte dos meios de produção (a máquina de costura porexemplo), trabalha sobre matéria-prima que não é sua; exerce controle sobre oprocesso de trabalho nas fases que executa, mas, em outros aspectos, estáamplamente subordinado a decisões tomadas no âmbito da empresa — no querespeita ao controle da matéria-prima, da quantidade e da qualidade do trabalhoe do preço “por peça” ou pelo serviço prestado —, o que restringe, sobremanei-ra, o espaço para a negociação; além disso, a empresa determina quais asoperações que serão executadas pelos trabalhadores subcontratados, e estassão, via de regra, aquelas institucionalmente menos qualificadas.

Cabe destacar ainda que o uso intensivo de trabalho feminino é caracterís-tica marcante do trabalho a domicílio em setores de atividade como os acimareferidos, registrando-se, entretanto, diferenças sob o recorte de gênero, quefavorecem a mão-de-obra masculina (Abreu; Sorj, 1994; Ruas, 1993).

Em atividades industriais de ponta, que utilizam, em larga escala, novastecnologias, de base microeletrônica, a terceirização coloca-se como caracte-rística recente, mas avança a passos largos. Pesquisas abrangentes ou estu-dos de caso em áreas dessa natureza permitem não apenas que se constate talexpansão, como revelam resultados distintos, associados a tais práticas, paraos trabalhadores. De fato, estudos como os de Lavinas et al. (2000) e de Macedo(2002), por exemplo, partindo de pesquisas em empresas de diferentes portes ereportando-se às novas formas de contratualidade, que se acentuaram, nosanos 90, na esteira da expansão de formas atípicas de relações de trabalho e dadescentralização da produção, são emblemáticos para demonstrar como osimpactos da terceirização estão marcados pela diversidade.

Lavinas et al. (2000), focalizando seu estudo no trabalho a domicílio,evidenciaram trajetórias que podem ser classificadas como virtuosas para ostrabalhadores, pois têm aberto novas possibilidades de inserção no mercado,que as diferenciam das situações antes mencionadas, em que a flexibilizaçãodo trabalho e o trabalho a domicílio significam, geralmente, precarização, e nãoreconhecimento, de direitos básicos.

Nessa direção, as pesquisas realizadas por Lavinas et al. (2000) — emuma microempresa de informática, que optou pelo virtual office, e junto a umaempresa de grande porte, especializada na fabricação de medidores de energiaeletroeletrônicos — mostraram modalidades de trabalho a domicilio em que ostrabalhadores continuaram a usufruir de certas condições inerentes aos que

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permaneceram nas empresas: todos têm contrato de trabalho assalariado, opadrão de produção exigido é semelhante ao que vigora na empresa, há treina-mento para os trabalhadores, sempre que necessário, e o empregador fornece oequipamento indispensável à realização da atividade.

Nos dois casos pesquisados, as autoras relataram a existência de vanta-gens tanto para empresários quanto para trabalhadores. Para os primeiros, asmais importantes foram: economia de custos com infra-estrutura, pagamentode horas-extras e outros benefícios adicionais e ganhos de produtividade. Paraos trabalhadores — não obstante o trabalho a domicílio tenha sido impostounilateralmente no caso da microempresa —, foi ressaltada a possibilidade demelhorar a qualidade de vida, pelo menor dispêndio de tempo e energia emdeslocamentos diários para o trabalho, e, entre as mulheres, também pela pos-sibilidade de combinação de tarefas domésticas com o trabalho. Porém osimbricamentos entre vida profissional e doméstica podem trazer efeitos contra-ditórios, à medida que expõem o trabalhador a situações tais como: perda deprivacidade; intensificação do tempo de trabalho, que pode chegar a 12 horaspor dia;9 dispersão no trabalho; queda de produtividade; uso demão-de-obra não declarada para cumprir demandas extras de produção, comutilização, inclusive, de trabalho infantil; não-pagamento de horas-extras; eambiente de trabalho inadequado, dentre outras.

Sob o recorte de gênero, as pesquisas continuam a revelar diferenças,pois, na modalidade de virtual office, em que os trabalhadores são altamentequalificados e praticamente dominam o processo de trabalho por inteiro, sóhavia homens trabalhando, enquanto, na empresa de medidores, o trabalho erarealizado basicamente por mulheres.

Não restam dúvidas, entretanto, de que, para alguns segmentos, o traba-lho a domicílio carrega vantagens, notadamente nesse período tão adverso paraos trabalhadores. Nos exemplos relatados, pode ter-se configurado como alter-nativa ao desemprego, uma vez que, no caso da grande empresa, a reestruturaçãoencetada provocou a demissão de cerca de metade dos 956 empregadosexistentes em 1995.

Outro caso emblemático na indústria brasileira é o da Companhia AçosEspeciais Itabira (Acesita S/A), pois denota como a reestruturação se expandiupara empresas de todos os tipos, incluindo as do setor público. Conforme

9 Embora pesquisando outro ramo de atividade, Colli observou resultado similar quanto àintensificação do trabalho. Escreve ela: “O trabalho exercido na residência do façonista, emhorários estipulados pelo mesmo, camufla, sob a aparência de uma maior ‘liberdade detrabalho’, os contínuos abusos de aumento da jornada de trabalho: na madrugada, aosdomingos e feriados, se preciso for” (Colli, 2000, p. 106-107).

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estudo feito por Macedo (2002), essa empresa pública passou por intensareestruturação produtiva e organizacional no decorrer dos anos 90, tendo sidoprivatizada em 1992. A empresa optou pela especialização produtiva, focandoseus recursos nas atividades-fim — produtos nobres —, descartando tudo oque estivesse fora de foco e buscando “[...] gerenciar os recursos de mão-de--obra de forma mais flexível, além de reduzir custos” (Macedo, 2002, p. 26). Daí,sucedeu-se uma série de mudanças: demissões, alterações patrimoniais,terceirização de muitas atividades e transferência de outras para novassubsidiárias.

A terceirização foi o instrumento central da empresa para atingir seusobjetivos, sendo um “[...] processo de ‘racionalização seletiva’ [...] elaborado,reflexivo, arquitetado e planejado” (Macedo, 2002, p. 21). Conforme o estudo, asterceirizações, inicialmente relacionadas a atividades auxiliares à produção emsi (limpeza, jardinagem, manutenção de serviços eventuais), foram ampliando--se para atividades cada vez menos periféricas, tais como caldeiraria, refratários,fundição, expedição e embalagem de produtos finais.

Considerados os operários em seu conjunto, a reestruturação associada àprivatização teve conseqüências nefastas para os trabalhadores. Além dasdemissões, “[...] o terceirizado é visto como uma categoria de trabalhador cujascondições de trabalho são extremamente ‘precárias’” (Macedo, 2002, p. 28), umavez que recebe salários cerca de 30% mais baixos e tem perda parcial ou totaldos direitos havidos enquanto funcionário da empresa.10

Corroborando a diversidade nos processos de terceirização, a pesquisarelata dois casos em que houve uma “terceirização positiva” — a fábrica deoxigênio e o centro de processamento de dados. Nestes, todos os profissionaisda Acesita foram absorvidos pelas subcontratadas, “[...] as condições salariaise de trabalho permaneceram as mesmas ou até melhoraram [...] e não hádúvida quanto à melhoria da qualidade dos serviços” (Macedo, 2002, p. 30).

A pesquisa efetuada por Druck (1999) pode ser considerada empiricamentemais abrangente do que as anteriores, pois engloba todo o complexo petroquímico

10 Mesmo a prática de recontratação de ex-funcionários pelas empresas terceiras não alteramuito o quadro de demissões. A título de exemplo, na terceirização do setor de refratários“[...] das 28 pessoas demitidas, cinco ‘profissionais-chave’ foram recontratados [...] demodo a manter a qualidade” (Macedo, 2002, p. 25). Já em 2000, dos 125 trabalhadores dafundição, 58 foram demitidos. Logo após, com a contratação de uma terceira, essa ativida-de passou a ocupar 28 trabalhadores, “com prioridade para os que saíram”. A autoraobservou que, nesses casos, geralmente fica garantida a “competência” da firma terceira,que, como vantagem adicional, não necessita de grandes aportes em treinamento depessoal. Ainda quanto às demissões, entre 1991 e 1996, o efetivo empregado caiu de8.428 para 3.980 trabalhadores, e a reestruturação seguiu seu curso.

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de Camaçari no Estado da Bahia. Os principais motivos declarados pelas em-presas para a terceirização de atividades são similares aos apontados noscasos anteriores, embora os resultados da investigação sejam menos matiza-dos do que os observados nas pesquisas antes referidas, prevalecendo, navisão da autora, efeitos adversos para o conjunto dos trabalhadores.

No momento da pesquisa, a terceirização estava em expansão em 60%das empresas consideradas, e seus resultados, segundo avaliação da autora,revelam com clareza que a estratégia que está no âmago da terceirização é aflexibilização do trabalho, conduzindo à precarização das inserções laborais(trabalho temporário, ausência de vínculo, rotatividade, desqualificação e baixosníveis salariais)11 e à redução do número de empregados. Este último, segundoa autora, é um dos resultados mais reveladores, uma vez que o número deempregados passou de 14.320 para 8.805 (-39%) no período 1988-93.

O estudo acerca do complexo petroquímico levou Druck (1999) a concluirque a terceirização tem implicado um processo de precarização intra e extrafabril.No interior das fábricas, ocorreu a dualização das categorias de trabalhadores:uma “elite” de efetivos, ainda fordista, e os subcontratados, precários e“desclassificados”. No plano extrafabril, observou-se expansão acelerada do mer-cado informal de trabalho, “[...] com a precarização dos vínculos empregatíciose com o aumento dos trabalhadores por conta própria, em grande parteprestadores de serviços terceirizados para as grandes empresas” (Druck, 1999,p. 11). Estes últimos, geralmente produto das demissões e do incentivo freqüentede proprietários ou gerentes das próprias empresas para que ex-funcionários setornem prestadores de serviços ou criem suas empresas, para atendê-las.Assim como no caso da Acesita, aqui também são ressaltados os aspectospositivos dessas práticas para as grandes empresas,

[...] pois, ao mesmo tempo que as desobrigam dos custos de mão-de-obrae da própria gestão, permitem-lhes continuar contando com empregadosexperientes, que já conhecem o trabalho e sabem das necessidades eexigências da empresa (Druck, 1999, p. 195).

Resumindo, os estudos enfocados neste item evidenciam que o processode reestruturação produtiva em curso no País se tem pautado pela diversidadede estratégias e práticas de uso e controle da mão-de-obra. Em se tratando daspráticas de terceirização, os resultados de pesquisa têm convergido no sentidode apontar a prevalência da “terceirização espúria”, calcada no corte de custoscom a mão-de-obra — através do enxugamento do quadro de pessoal das

11 Esses achados corroboram pesquisa mais extensa, realizada pelo DIEESE, cujos dadosmostram que, em 72,5% das empresas terceirizadas, os benefícios sociais dos trabalha-dores são menores que os vigentes nas empresas clientes. Ver Dieese (1993).

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empresas — e em uma relação antagônica com o movimento sindical. Taisprocessos criam e disseminam também a precarização e o desemprego emmassa, por meio da demissão de um contingente importante de empregados,especialmente no caso de empresas de maior porte, sendo que uma parcelapode ser subcontratada, outra se submeter a trabalhos temporários e outra,ainda, ser excluída do mercado de trabalho. No caso específico do trabalho adomicílio, as situações diferenciadas apresentam como ponto comum oreconhecimento de que essa forma de organização da produção foi considera-velmente ampliada na esteira das estratégias de terceirização. Tal modalidade“[...] deve ser entendida como uma das estratégias empresariais de extensãoda flexibilidade do trabalho” (Lavinas et al. 2000, p. 45), respaldada por umamesma lógica — a busca de maior flexibilidade horária e salarial, com reduçãode custos fixos e aumento da produtividade. Não sendo uma novidade no mer-cado de trabalho brasileiro, essa relação de trabalho vem sendo recuperada emmoldes novos, seja estendendo-se para setores de atividade em que não sefazia presente em tempos anteriores, seja porque passa a se constituir parteintegrante da produção principal das empresas e não mais como predominante-mente complementar. Para a maioria dos estudiosos, o trabalho a domicíliocarrega ainda, como marca de sua condição no passado, relações sobretudopredatórias. Aparentemente, sendo uma atividade que deveria ser exercida porum trabalhador autônomo, caracteriza-se geralmente por uma dependência daparte contratada perante a contratante. Tal dependência oculta, hoje, uma subor-dinação mais sutil e refinada, a qual, a um só tempo, individualiza a relaçãode trabalho, retira ou restringe direitos previstos em lei e fundamentalmentevinculados ao trabalho assalariado, aumentando a exposição do trabalhador aosriscos do mercado e da própria existência social, como bem colocou Castel(1998), e dispersa e fragiliza os trabalhadores, interpondo dificuldades e novosdesafios à sua organização coletiva.

Porém tem-se constatado também a emergência de aspectos constitutivosde novas relações de trabalho, conferindo a certas categorias de trabalhadoresum perfil distinto daquele que servia ao trabalhador a domicílio clássico.Ou seja, como perceberam Lavinas et al. (2000) e Macedo (2002), em certossetores de atividade, geralmente mais modernos, é possível encontrar trabalha-dores que, a par de permanecerem ocupados — o que é indubitavelmente umganho em um ambiente de elevado desemprego —, usufruem maior autonomiae contam com a possibilidade de utilizar e desenvolver suas aptidões e qualifi-cação profissional. Conforme já destacado, todavia, resultados mais favoráveisaos trabalhadores são poucos e pontuais, revelando mais um contraponto àprecarização dominante do que sugerindo a possibilidade de se colocar comotendência na reconfiguração das relações de trabalho.

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2.2 Expansão do setor informal ou para além da informalidade?

Dentre os autores que visualizam as transformações no trabalho se repor-tando à abordagem do setor informal, é possível constituirem-se dois grupos, osquais podem ser diferenciados com base no modo de apropriação dessa abor-dagem para a apreensão e a interpretação de formas alternativas de inserçãolaboral em expansão. Ainda assim, na maior parte das análises sobre o merca-do de trabalho brasileiro, reconhece-se que, entre essas formas de trabalho,prevalecem situações que guardam semelhança com aquelas característicasdo setor informal — trabalho por conta própria ou autônomo, não-legalização dovínculo assalariado, baixos rendimentos, proteção social restrita ou ausente,dentre outras. Para um primeiro conjunto de autores, na evolução recente domercado de trabalho, estar-se-ia em presença de uma ampliação do chamadosetor informal. O que une o outro conjunto é o esforço analítico na busca denovos conceitos com vistas a melhor apreender e interpretar situações atuaisdo mercado de trabalho.

Dentre os autores que visualizam as transformações no trabalho reportan-do-se à abordagem do setor informal, um primeiro conjunto interpreta a evolu-ção recente do mercado de trabalho como uma ampliação de atividades típicasdesse setor. Assim, os conceitos utilizados aproximam-se das definiçõesconsideradas clássicas, isto é, o setor informal compreenderia a pequena pro-dução urbana, desenvolvida nas brechas das atividades do núcleo capitalista,acompanhada, geralmente, de baixa ou inexistente formalização, seja da atividadeem si, seja das formas de inserção laboral.12 Na operacionalização estatística

12 A respeito da abordagem do setor informal, cabe referir, ainda, que ela surgiu no início dadécada de 70, buscando dar conta das peculiaridades do desenvolvimento capitalista emsociedades da periferia do sistema, da África e da América Latina. Segundo os principaisautores brasileiros voltados para essa questão — com destaque para Souza (1980; 1999)e Cacciamali (1983; 1988) —, essas sociedades caracterizam-se por grandeheterogeneidade estrutural — nas formas de produção, nas relações de trabalho, nadistribuição dos rendimentos —, ao contrário do ocorrido nas sociedades avançadas, docentro, em que o padrão de desenvolvimento tendeu a universalizar e a homogeneizar asrelações assalariadas e a proteção social, sob a égide do Estado de Bem-Estar Social oudo fordismo. Assim, não obstante o relativo êxito da industrialização, com a prevalência derelações capitalistas — o setor formal da economia —, permanecia um elevado excedentede mão-de-obra que recorria a formas de organização da produção não tipicamente capi-talistas para sobreviver, constituindo o chamado setor informal. Conforme aqueles auto-res, os setores formal e informal apresentam nexos estruturais, ambos encontrando-searticulados e subordinados à expansão do capital, exercendo, este último, tanto as fun-ções de reserva e de refúgio dessa mão-de-obra “sobrante”, quanto contribuindo para oenfraquecimento do poder de negociação dos trabalhadores e, assim, colocando limites auma verdadeira fordização das relações de trabalho e de renda (Coriat; Sabóia, 1989).

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dessa definição, a categoria central é a de trabalhador por conta própria, poden-do-se agregar outras, conforme as opções analíticas: os familiares (trabalhadorfamiliar sem remuneração), o assalariado sem carteira de trabalho assinada e oempregado doméstico.

A importância angariada por essa vertente analítica no estudo da socieda-de brasileira pode ser deduzida pelo desenvolvimento de pesquisas de grandeenvergadura, voltadas à produção de informações e a estatísticas sobre o deno-minado setor informal. Nesse sentido, ganha destaque a Pesquisa sobreEconomia Informal Urbana (Ecinf), realizada em meados dos anos 90, sob aresponsabilidade do IBGE, com a finalidade de produzir informações sobre osetor informal para o estudo e o planejamento do desenvolvimentosocioeconômico do País.13 Analisando os dados dessa pesquisa, Jorge e Valadão(2002) encontraram resultados que confirmam aspectos geralmente apontadosem estudos sobre o setor informal, quais sejam: prevalência de trabalhadorespor conta própria exercendo a atividade individualmente, baixa formalização daatividade, clientela variada e baixa escolaridade dos envolvidos.

Ainda na linha de interpretações calcadas no setor informal, estudo deBaltar e Dedecca (1996) focaliza a evolução do mercado de trabalho brasileirona primeira metade dos anos 90, concluindo que o aumento global da ocupaçãomaterializou maior informalização. Tal situação decorreu do fato de que, após aqueda do emprego formal total — da ordem de 14% —, no período de crise erecessão econômica, entre 1990 e 1992, a recuperação da economia, mesmoque intensa, gerou poucos empregos formais e diminuiu relativamente pouco odesemprego aberto.

Já mais recentemente, estudos realizados por Ramos (2002) e Ramos eBritto (2004), abrangendo o período 1991-01, exemplificam abordagem em que aocupação no setor informal vem associada claramente à falta de proteção legalao trabalhador, uma vez que, para compor os dados, os autores elegeram cate-gorias de trabalhadores sem vínculo formalizado ou com menor cobertura legal:os assalariados sem carteira assinada e os trabalhadores por conta própria.Considerando essas categorias, constataram o crescimento de postos de traba-lho “não protegidos” no decorrer do período, movimento este que apresentoutendência a se estabilizar a partir de 2000 (o percentual de informais passou de

13 Em artigo sobre a Pesquisa, Jorge (1997) informa que seu planejamento foi iniciado em1990, tendo a etapa final ocorrido em 1997, com a aplicação da pesquisa em todo oterritório nacional, permitindo, assim, caracterizar o setor informal urbano no País. Em linhaanalítica semelhante, cabe destacar pesquisa realizada na Região do Grande ABC paulista,levantando dados sobre a economia informal na mais importante área brasileira em termosde concentração industrial (Pamplona; Romeiro, 2003).

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41% em 1991 para 51% no início de 2000, estabilizando-se em torno de 50%em 2001).

2.2.1 Novos conceitos tangenciando a informalidade

Reunidas em um segundo grupo, encontram-se abordagens interpretativasque passaram a surgir especialmente a partir da segunda metade dos anos 90,cujos autores, ainda que retendo a noção de informalidade, se posicionaramcriticamente em relação ao enfoque do setor informal. Isto é,passou-se a problematizar tal abordagem questionando sua capacidade e ade-quação para apreender e captar situações de trabalho no período recente, bemcomo alertando para os limites de formulações explicativas forjadas em contex-tos históricos prévios — notadamente dos anos 60 e 70 —, para o entendimentoda realidade atual do trabalho.

Ainda que permaneça uma certa sobreposição de enfoques, percebe-seum gradativo afastamento de conceitos ligados à clássica dicotomia setor for-mal-setor informal ou seus correlatos e a proliferação de linhas analíticas que,partindo da realidade brasileira, mas buscando também dialogar com contribui-ções conceituais forjadas em outros contextos, tentam abarcar as transforma-ções do trabalho como integrantes de um momento histórico distinto e que,portanto, não se esgota no prolongamento de situações antes existentes e jáconhecidas.

Nessas novas linhas de pesquisa os termos informalidade e precarizaçãosão onipresentes, geralmente empregados para referir situações presentes, con-trapostas a contextos de inserção ocupacional e social mais protegidos. Obser-va-se, paralelamente, a emergência de novos conceitos, que buscam apreenderos fenômenos contemporâneos no mercado de trabalho, sugerindo a novidade ea enorme complexidade que os cercam e, ao mesmo tempo, denotandouma certa perplexidade face à grande e crescente diversidade que os acom-panha.

O ponto crucial dessa discussão remete ao problema de que o conceito desetor informal parece não mais poder abarcar a redefinição das relações deprodução e das formas de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho,associadas às diferentes manifestações dos processos de reformatação daeconomia e do trabalho em curso.

A insatisfação em relação ao uso daquela expressão pode ser inferida daquantidade de novos conceitos que vêm sendo criados, não obstante permane-ça uma certa aderência à noção de informal. Isto é, tal noção se tem constituídocomo referencial, seja acompanhada de prefixos, seja compondo noções eexpressões alusivas, o que sugere continuidades, ao mesmo tempo em que

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enseja rupturas. O sintoma desse novo estatuto foi bem apreendido por Silva(2002, p. 93), que identifica a tendência

[...] de reter a noção de informalidade, promovendo, porém, um duplodeslocamento: da análise dos processos econômicos para a esfera política,enfatizando a (des)regulação estatal das relações de trabalho [...]; e dacompreensão de um “setor” ou “economia” informal, para “processos”,“práticas” ou “atividades” informais diferenciadas.

Nesse sentido, Malaguti (2000), com base em estudos sobre o nordestebrasileiro, adota uma abordagem ainda próxima ao enfoque clássico de setorinformal e utiliza o termo informalidade para expressar uma realidade maisampla do que a circunscrita a esse setor, uma vez que esse abarcaria apenasum dentre vários aspectos da informalidade. Para ele, a informalidade tem umcaráter societário, sistêmico. Ou seja, os setores formal e informal coexistem,subsidiam-se, interpenetram-se e são indissociáveis, podendo, inclusive,coexistir na figura de um mesmo trabalhador.

Sáinz (1996; 1998) vale-se do termo neo-informalidade para referir novasformas de inserção de trabalhadores em setores econômicos emergentes (emespecial, exportação e turismo), fruto da reestruturação produtiva na AméricaCentral. O autor identifica diferentes grupos de trabalhadores, atribuindo a cadaum deles tipos diferentes de informalidade: de subsistência, referido ao setorinformal propriamente dito, e subordinada e dinâmica, inseridos no contextoda globalização. Exemplos destes últimos grupos são encontrados na indústriamaquiladora, que, em pesquisa realizada pelo autor, “[...] se apresenta como umâmbito de valorização do capital sustentado tanto na intensificação do trabalhocomo no prolongamento da jornada de trabalho” (Sáinz, 1996, p. 35).

Também procurando clarear os usos do termo informalidade e propondoalternativas adequadas a diferentes grupos de trabalhadores, Filgueiras, Drucke Amaral (2004) estabelecem três conceitos: (a) setor informal — recupera aabordagem tradicional na literatura com base na lógica de funcionamento dasatividades (tipicamente capitalistas ou não) —; (b) economia subterrânea —delimita as diferenças a partir da legalidade ou da ilegalidade das atividadeseconômicas, associando informalidade com ilegalidade —; e (c) atividades nãofordistas — considerado o conceito mais adequado enquanto expressão doprocesso de precarização do trabalho, busca a junção dos dois critérios anterio-res, abarcando os trabalhadores que têm uma inserção precária no mercado detrabalho, seja pela natureza da atividade, seja pela falta de cobertura legal dovínculo empragatício.

Retomando o uso do qualificativo novo, Silva (2003) emprega termos comonova informalidade ou novos informais para captar a nova realidade do mer-cado de trabalho na Região Metropolitana de Salvador. A autora constata a emer-

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gência de um “novo circuito da informalidade”, definidor de uma trajetória dife-renciada da realidade anterior — esta é denominada “circuito tradicional dainformalidade”, composto por trabalhadores menos qualificados, com baixa pro-dutividade e baixa renda. Não obstante registrar uma melhora relativa associadaa essa nova informalidade, a autora reconhece que, sua contraface — aprecarização do mercado de trabalho — é produto de um mesmo processo, qualseja, a expansão do capitalismo na periferia do sistema.

Lima e Soares (2002) também utilizam o conceito de nova informalidadepara representar uma realidade um pouco distinta daquela estudada porSilva (2003). Para eles, a “nova” informalidade encontra-se imbricada comos processos de produção, conforme sua (re)organização recente, erefere-se ao processo de “casualização” do trabalho (part-time, temporário, portarefa, trabalho industrial doméstico), implicando o retorno do ônus da reprodu-ção da força de trabalho na própria família e o enfraquecimento da regulaçãosobre o mercado de trabalho.

Por fim, nesse debate, há que se agregarem estudos de Cacciamali, queaportam uma contribuição — quiçá a mais significativa — para a compreensãodas mudanças em curso no mundo do trabalho. Reportando-se à realidade dospaíses da América Latina nos anos 90, Cacciamali (2000) cunha a expressãoprocesso de informalidade para designar

[...] a análise de um processo de mudanças estruturais na sociedade e naeconomia, que redefine as relações de produção, as formas de inserçãodos trabalhadores na estrutura produtiva, os processos de trabalho e asinstituições (Cacciamali, 2000, p. 103).

A autora afirma ser tal processo impulsionado pela liberalização do comér-cio, pela maior integração das economias à economia mundial e pela revoluçãotecnológica em andamento. Na dimensão do mercado, o processo de informalidaderevela-se através de destruição, adaptação e redefinição de um conjunto deinstituições, normas e regras, estabelecidas juridicamente ou por meio depráticas consuetudinárias, envolvendo os seguintes aspectos: as relaçõesentre as empresas para organizar a produção e sua distribuição; os processosde produção e de trabalho; as formas de inserção de trabalho; as relações detrabalho; e os conteúdos das ocupações. Essas alterações conformam doisfenômenos: (a) a reorganização do trabalho assalariado, reconfigurando as rela-ções de trabalho nas empresas capitalistas e aumentando a vulnerabilidade nassituações de trabalho; e (b) emprego por conta própria e outras estratégias desobrevivência, associadas ao setor informal, geralmente em atividades debaixa produtividade.

A expressão processo de informalidade procura apreender, então, essastransformações recentes, não se confundindo, portanto, com o conceito setor

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informal, embora possa incluir situações de inserção ocupacional abarcadas poressa noção. No período recente, tal processo, referido à dinâmica econômicacapitalista e aos seus condicionantes internacionais e macroeconômicos, setraduz nos diferentes espaços nacionais, criando articulações na estrutura pro-dutiva, que repercutem sobre as relações de trabalho, provocando efeitossociais e institucionais peculiares.

3 Considerações finaisConcluindo a análise dos estudos voltados à apreensão, ao entendimento

e à explicação das mudanças no trabalho e de seus impactos no período recen-te, é possível identificar-se uma certa evolução nas formas de apreender econceituar os fenômenos em pauta, não obstante permanecer a convivência dedistintos enfoques. Em um plano mais abrangente do ponto de vista teórico,agrupam-se enfoques críticos às teses do fim do trabalho, atribuindo papel pro-eminente ao trabalho na sociedade, e, ao mesmo tempo, enfatiza-se a perma-nência de relações de subordinação do trabalho ao capital nas “novas” relaçõesde trabalho que se estabelecem. Mesmo que reestruturado, o trabalho continuasendo a maneira de assegurar a vida material e de estruturar o tempo e o espa-ço; constitui o principal meio de distribuição dos rendimentos, da proteção e dasposições sociais e permanece como fator importante para a formação identitáriados indivíduos e para sua integração social.

Voltando-se para realidades particulares, em que se sobressai o caso bra-sileiro, tanto as estratégias adotadas nos processos de reestruturação produtivaquanto seus efeitos sobre os trabalhadores têm sido de várias ordens. No queconcerne à terceirização, algumas pesquisas têm revelado experiências pro-missoras, tais como as analisadas por Lavinas et al. (2000), que aportam bene-fícios para os trabalhadores. No entanto, nesses mesmos trabalhos reconhece--se que tais achados se encontram limitados a um número pequeno de casos,geralmente abarcando contingentes reduzidos de trabalhadores, não autorizan-do, portanto, que seus resultados sejam generalizados ou projetados comotendência para o futuro próximo.

De fato, como se observou, o que a maior parte dos estudos enfocadosretrata é que, no cerne dos processos de flexibilização do mercado de trabalho,se vem configurando o que Druck (1999, p. 11) qualificou como “[...] uma quá-drupla precarização: do trabalho, da saúde dos trabalhadores, do emprego e dasações coletivas”, a qual se erige como resultado prevalecente nos achadosempíricos, sendo tanto mais recorrente quanto maior a abrangência do estudoem termos de cadeias produtivas, segmentos ou número de trabalhadores.

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Na esteira dessas transformações associadas aos processos dereestruturação produtiva e de reorganização do mercado de trabalho, tem preva-lecido o corte de custos com a mão-de-obra, através do enxugamento do qua-dro de pessoal das empresas e de larga utilização de práticas de terceirização.Tais processos criam e disseminam também a precarização e o desempregoem massa, por meio da demissão de um contingente importante de emprega-dos, especialmente no caso de empresas de maior porte, sendo que uma parce-la pode ser subcontratada, outra se submete a trabalhos temporários, e outra,ainda, é excluída do mercado de trabalho.

Quanto ao debate no plano teórico conceitual, observa-se, no percursoseguido pela literatura, um certo deslizamento, que, partindo de conceitos maisconhecidos — notadamente o de setor informal —, avança para a formulação denovos conceitos que integrariam abordagens também inovadoras.

Na visão dos autores que se perfilam nesta última posição, estariaocorrendo um fenômeno em que “velha” e “nova” informalidade se entrelaçam deforma dinâmica e contraditória, passando a integrar diretamente a cadeia deprodução de empresas de diferentes portes e dos mais variados setores. Essa“nova” informalidade pode ser considerada sinônimo de flexibilidade nos novostempos, abarcando atividades que, diferentemente daquelas típicas do setorinformal, que se insertam nos interstícios das formas de produção capitalistas,decorrem de estratégias empresariais deliberadas, em um contexto de acirradaconcorrência intercapitalista, em nível globalizado. A subordinação dessasatividades no âmbito do sistema capitalista se, de um lado, aparenta ser maisdireta, vis-à-vis ao setor informal, paradoxalmente é difusa e pouco visível,quando comparada ao padrão fordista de produção, pois aparece como contratocomercial de produção de bens e prestação de serviços entre “iguais” — empre-sas e trabalhadores autônomos — e se desdobra em processos de subcontrataçãoem “cascata”, em empresas virtuais ou integradas em rede. Tais configuraçõesgeram uma organização das relações de trabalho que dificulta a identificação,seja dos empregadores ou patrões, seja até mesmo dos pares, entre trabalha-dores, uma vez que, não raro, estes, embora trabalhando para uma mesmaempresa, podem operar dentro ou fora de suas instalações, bem como perten-cer a categorias e a empresas diversas. Sendo assim, visualizar os processosrecentes como expansão do setor informal torna-se um modo simplista eequivocado de interpretar as mutações em curso.

Na verdade, o capital reestrutura-se, globaliza-se, impondo novas configu-rações às relações de trabalho, gerando uma “desordem do trabalho” (Mattoso,1995) frente à tradicional organização fordista. Tal contexto coloca novosdesafios aos movimentos dos trabalhadores, com destaque para a construçãode um novo contrato social, uma nova regulação das relações de trabalho, que

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abarque o polimorfismo do trabalho e que também esteja aberta para atuar emconjunto com outros movimentos sociais, tais como os movimentos dostrabalhadores desempregados e os movimentos ecológicos, cujas interfacescom as questões do trabalho são mais estreitas. Para essa construção, asnovas tecnologias, uma vez apropriadas no interesse dos trabalhadores, podemdesempenhar um papel importante, pois, enquanto do lado do capital têm permi-tido alavancar estratégias múltiplas de organizar a produção e gerir o trabalho,do lado dos trabalhadores abrem possibilidades para formas de organizaçãoinovadoras, as quais deverão operar em outras bases — em algumas instân-cias, inclusive, em âmbito global —, no sentido de (re)unir os trabalhadores emnível de cadeias produtivas, de redes de subcontratação, para uma atuaçãocoordenada e conjunta no enfrentamento da nova ofensiva do capital nareestruturação produtiva contemporânea.

Portanto, o que se pode extrair das mutações recentes e das análises aseu respeito é que, se, por um lado, as transformações no trabalho não foramtão radicais a ponto de referendar as teses sobre o fim do trabalho, de outro,foram suficientemente profundas, a ponto de não mais poderem ser interpreta-das meramente como expressão ampliada de realidades já conhecidas.Ademais, tampouco se trata de mera justaposição de realidades novas aantigas, o que exige uma ressignificação de noções correntes e demanda ainvenção de novos conceitos. Nessa senda, se o giro em torno do conceitosetor informal é quase inescapável, dadas as semelhanças entre as formasocupacionais, há que se ter presente que, no trabalho reestruturado, tende apredominar a precarização das relações de trabalho, noção esta mais reveladorae que deveria nortear abordagens inovadoras. Enfim, as mudanças no trabalho,conjugadas às inovações tecnológicas que fundam a “revolução microeletrônica”,devem ser entendidas como uma “nova estratégia capitalista de subordinaçãodos trabalhadores”, como observam Rojas e Palácio (1987), ou, no dizer deBourdieu (2000), constituem “um modo de dominação de tipo novo” nas relaçõesentre o capital e o trabalho.

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Rede urbana metropolitana: umaanálise da estrutura terciária

de Belo Horizonte*

Rodrigo Ferreira Simões** Doutor em Economia e Professor do Cedeplar-UFMGAna Maria Hermeto Camilo de Oliveira*** Doutora em Demografia e Professora do Cedeplar-UFMGPedro Vasconcelos Maia do Amaral**** Mestrando em Economia pelo Cedeplar-UFMG

ResumoSe, nos anos 70 e 80, o Setor Terciário da Região Metropolitana de Belo Horizon-te (RMBH) apresentou uma modernização sem paralelo no Brasil, com taxas decrescimento dos serviços avançados superiores às das demais RMs brasilei-ras, nos anos 90 esse movimento sofreu um refluxo. Cabe, então, tentar especi-ficar a dinâmica e os padrões das modificações experimentadas pelo SetorTerciário da RMBH na última década, destacando dimensões setoriais específi-cas — por exemplo, formalidade “versus” informalidade, serviços modernos“versus” tradicionais, crescimentos diferenciados, etc. —, identificando as es-pecializações territoriais e caracterizando a estrutura espacial e a rede urbanade Belo Horizonte e seu entorno metropolitano, através do método “fuzzy cluster”.

Palavras-chaveRede urbana metropolitana; Setor Terciário; Belo Horizonte-MG-Brasil.

AbstractAlthough in the past 70’s and 80’s the terciary sector from Belo HorizonteMetropolitan Region (RMBH) experienced a modernization without parallel in Brazil,

* Artigo recebido em set. 2005 e aceito para publicação em jul. 2006. ** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected] **** E-mail: [email protected]

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with growth rates of the modern services higher than the other Brazilianmetropolitan regions, in the 90’s this movement changes its way. Therefore, weshall try to specify the dynamics of the modifications experienced by the terciarysector from RMBH in the past decade, highlighting the specific dimensions ofthe service sectors — e.g. formality vs informality, modern services vs traditionalservices, differenced growth rates etc — identifying the territorial specializationsand the characterization of the spatial structure and the urban network of BeloHorizonte and its metropolitan neighborhood, using the fuzzy cluster analysis.

Key wordsMetropolitan Urban Structure; Terciary Sector; Belo Horizonte-MG-Brazil.

Classificação JEL: R12, R14.

IntroduçãoO setor serviços da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) expe-

rimentou importantes modificações na última década. Se, nos anos 70 e 80, aRMBH apresentou uma modernização de seu Terciário sem paralelo no Brasil,com taxas de crescimento dos serviços avançados superiores às demais RMsbrasileiras, nos anos 90, esse movimento sofreu um refluxo (Cerqueira; Simões,1997).

De um lado, as atividades da base exportadora industrial do Estado deMinas Gerais, particularmente de sua região central, polarizada por Belo Hori-zonte, por gerarem continuados efeitos aglomerativos e demandas derivadaspor serviços avançados — produtivos e distributivos principalmente —, apre-sentaram desempenho menos dinâmico do que nas décadas anteriores. Apesarda diversificação industrial e da redução das porosidades intersetoriais nacadeia minero-metal-mecânica (Simões, 2003), o quantum de crescimentoobteve resultados menos auspiciosos, particularmente nos últimos anos dadécada. Esse refreamento da dinâmica industrial, que é também vivido poroutras regiões metropolitanas brasileiras, fez com que a tendência à moderniza-ção do Terciário experimentada nos anos 70 e 80 fosse interrompida nos 90.A dimensão da escala e da densidade econômica de Belo Horizonte e de seuhinterland parece ter ditado o padrão de crescimento e de diversificação doTerciário na Região, indicando os limites do processo de modernização e carac-terizando a própria inserção da RMBH na hierarquia urbana brasileira.

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De outro lado, a estrutura de especialização e o comportamento menosdinâmico dessa base produtiva acabaram por não incorporar mão-de-obra namesma proporção do crescimento da População Economicamente Ativa (PEA),o que reforçou o crescimento dos chamados serviços tradicionais de baixa pro-dutividade no estudado fenômeno do “inchaço do Terciário”. Mais que isso,causou a elevação do número de ocupações informais — precárias, temporá-rias, conta-própria, etc. — e, obviamente, dos não-ocupados.

Como destacam Cerqueira e Simões (1997, p. 449),[...] tal caráter dual mostra-se presente em toda estrutura urbana periférica,sendo mais acentuado nas regiões que (i) perdem progressivamenteinserção econômica de sua base exportadora original; e/ou (ii) detêm umaespecialização produtiva em setores de baixa incorporação de mão-de--obra, o que parece ser o caso da estrutura industrial de Minas Gerais.

Dessa forma, cabe tentar especificar a dinâmica e os padrões das modifi-cações experimentadas pelo Setor Terciário da RMBH na última década, desta-cando dimensões setoriais específicas — exempli gratia formalidade versusinformalidade, serviços modernos versus tradicionais, crescimentos diferencia-dos, etc. —, identificando as especializações territoriais e caracterizando a es-trutura espacial e a rede urbana de Belo Horizonte e seu entorno metropolitano.

Além dessa pequena introdução, este trabalho é dividido em cinco seções.A primeira procura apresentar um breve relato sobre o papel e a importância dosetor serviços no capitalismo contemporâneo. A segunda fornece uma brevedescrição das formações econômica e urbana de Belo Horizonte. A terceiradescreve a dinâmica setorial do Terciário em Belo Horizonte e em sua regiãometropolitana. A quarta seção analisa a estrutura espacial e a rede urbana deBelo Horizonte e de seu entorno metropolitano. A parte final conclui o trabalho.

1 O setor serviçosA conceituação do setor e serviços é uma difícil tarefa, dada a

heterogeneidade de suas atividades. Inicialmente, era considerado serviço tudoaquilo que não fosse dos Setores Primário ou Secundário, configurando ao setora característica de residual. Fisher (1952) designou-o como sendo o conjunto deatividades econômicas que se caracterizam por não serem produtoras de bensmateriais.

O conceito evoluiu com o passar do tempo. Riddle (1986) propôs uma defi-nição a partir de três elementos: a natureza do produto, a natureza dos insumose o propósito do processo de produção. O produto das atividades terciáriasteria sua especificidade devido ao fato de ser “primariamente um processo ou

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atividade”, daí a característica de intangibilidade. Já no que diz respeito aosinsumos específicos, os serviços caracterizam-se por atuarem sobre “as pes-soas ou suas posses”. E quanto ao propósito do processo produtivo, os servi-ços seriam atividades que provêm utilidades de tempo, lugar e forma, ao causa-rem uma mudança no ou para o usuário do serviço. A fim de qualificar essasatividades tão peculiares, podem-se encontrar entre elas algumas característi-cas em comum, como a intangibilidade, a intransportabilidade, a inestocabilidadee a simultaneidade da produção e do consumo (Andrade, 1994).

Objetivando minimizar os problemas advindos da grande diversidade des-sas atividades, utiliza-se, neste trabalho, uma classificação do Setor Terciárioem cinco grupos distintos, de acordo com a orientação da demanda dos servi-ços: produtivos (demandados pelas empresas durante o processo produtivo);distributivos (demandados posteriormente ao processo produtivo); pessoais(demandados individualmente); públicos (demandados coletivamente); e de en-sino e saúde. Essa classificação (Quadro A.1 do Apêndice) é utilizada em todoo trabalho, embora, quando necessário, seja focalizada somente determinadaatividade. Entretanto, antes de se analisar a evolução recente do Setor Terciárioem Belo Horizonte e em sua região metropolitana, é necessário especificaralguns elementos da formação histórica do Município.

2 A evolução dos serviços em Belo HorizonteBelo Horizonte caracterizou-se, desde cedo, pela presença de uma

duplicidade básica em seu espaço: a convivência da evolução com a tradição,da mudança com a permanência. Pensada para exercer sua vocação de centroadministrativo de Minas Gerais, já em 1910, a Cidade detinha o segundo maiorparque têxtil do Estado. Em pouco mais de uma década desde sua criação,em 1897, Belo Horizonte já se destacava, sendo responsável por 30% da produ-ção industrial, concentrada, principalmente, na indústria leve de bens de consu-mo — têxteis, bebidas, alimentos e fumo (Cerqueira; Simões, 1997).

Com a Revolução de 30 e com o processo de industrialização dela advindo,a cidade viu-se em um entrave. Minas Gerais, como grande província mineral,despontava como espaço privilegiado para a instalação de indústrias de base,enquanto Belo Horizonte, afeita às indústrias leves de bens de consumo,detinha estrutura insuficiente para suportar os investimentos requeridos pelapolítica do nacional-desenvolvimentismo, principalmente em relação ao provi-mento de energia elétrica (Diniz, 1981). Foi, então, criada a Cemig e a CidadeIndustrial de Contagem (Cinco), iniciando o desenho da metrópole de maneirabastante tradicional: uma área eminentemente urbana, concentradora do SetorTerciário, e outra periférica e integrada, primordialmente industrial.

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Belo Horizonte evoluiu, assim, de cidade política, centro administrativo,para o maior centro econômico do Estado e um dos principais do País (Gough,1994), polarizando, por sua ampla oferta de serviços, a maior região industrialde Minas Gerais, constituída em Contagem. A partir dos anos 60, a Cidadeexperimentou uma diversificação de sua economia, consolidando sua posiçãode pólo econômico regional, ao desenvolver ainda mais a sua oferta de servi-ços, principalmente o setor comercial. Durante os anos 70, beneficiando-se doforte crescimento gerado pelo “milagre econômico”, a RMBH recebeu diversasempresas — como FIAT, FMB, Krupp, Demag, Isomonte, Poli-Heckel —, ini-ciando a construção de um complexo metal-mecânico no Estado. A Capitalreafirmou-se, então, como prestadora de serviços, aprimorando sua infra-estru-tura pública e o setor de serviços produtivos modernos, ligados, principalmente,à exportação minero-metalúrgica.

Deve-se, contudo, destacar que esse processo é acompanhado peladinâmica própria das atividades terciárias em países periféricos, em que asatividades da base exportadora geram um contínuo efeito aglomerativo, já quenão incorporam a mão-de-obra na mesma proporção com que a atraem, gerandoexcedente da mesma, incentivando o crescimento dos subempregados e refor-çando o crescimento dos serviços de baixa produtividade. Essa situação, nocaso do Brasil, foi agravada durante a década de 80, devido à recessãoeconômica. Inserida nesse contexto, Belo Horizonte experimentou, nessa déca-da, uma grande diversificação de seu Setor Terciário. Apesar de possuir, noperíodo, a menor produção industrial per capita dentre as capitais brasileiras, aCidade alcançou, pós 1980, o maior crescimento do setor de serviços modernosdentre elas (Andrade, 1994), fortalecendo ainda mais a polarização de seuentorno e tornando-se referência nacional em alguns serviços.

A concentração e a centralização dos serviços possuem uma estreita rela-ção com a urbanização. Dada a restrição espacial do setor, devido àintransportabilidade de suas atividades, à medida que os serviços se desenvol-vem, trazem, necessariamente, um movimento em direção à centralizaçãourbana. Assim, o processo de urbanização estrutura-se em função dos servi-ços (Lemos, 1988). Além dessa íntima ligação com a questão urbana, o SetorTerciário possui uma forte conexão com a atividade industrial, principalmenteapós a inserção da indústria microeletrônica. Presentes pré e pós-produção —serviços produtivos e distributivos respectivamente —, tem-se uma relação deinterdependência entre os serviços e a indústria. O Terciário seria, então, res-ponsável por uma distribuição hierárquica das cidades, uma vez que os centrosorientados para os serviços apresentariam tendência de maior crescimento queaqueles orientados para a produção e para o consumo, havendo, dessa forma,

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uma transferência de crescimento entre os centros urbanos (Noyelle apudAndrade, 1994).

Tendo isso em vista, a análise da evolução recente do setor serviços deBelo Horizonte e de sua região metropolitana fornece preciosas informaçõessobre a dinâmica urbana em que se insere a Cidade.

3 A dinâmica setorial dos serviços em Belo Horizonte

A análise da evolução recente do setor serviços em Belo Horizonte e nasua região metropolitana é feita com dados da Relação Anual de InformaçõesSociais (RAIS), devido à sua metodologia e à sua periodicidade. Entretanto, porcausa de sua característica de abranger somente o setor formal, cabe, antes,fazer-se breve caracterização da informalidade em Belo Horizonte.

3.1 A informalidade no setor serviços, em Belo Horizonte

As evidências mostram um crescimento significativo da informalidade nasrelações de trabalho, ao longo da última década, no Brasil, aparentemente con-firmando a noção de que o emprego vem se tornando mais precário em termosqualitativos. Entretanto devem ser considerados alguns aspectos para avaliar aqualidade do emprego, incluindo, além da ausência de proteção pela legislação,um controle pelo nível de renda auferido, o qual altera significativamente a ava-liação da tendência de evolução da precariedade do emprego. Nesse sentido, aconotação negativa atribuída ao crescimento do setor informal pode ser repen-sada. De fato, o segmento formal da economia sempre foi associado à oferta debons postos de trabalho, e, de forma complementar, o setor informal é associa-do a empregos de baixa qualidade. Essa caracterização simplista pode levar adistorções na análise do funcionamento do mercado de trabalho, já que o perfildos trabalhadores e as características dos postos de trabalho no segmentoinformal vêm se modificando e levando a uma heterogeneidade cada vez maior,sobretudo entre os trabalhadores por conta própria.

Avaliar o grau de informalidade como um indicador qualitativo do empregopressupõe a manutenção do perfil dos trabalhadores do setor informal, o que ébastante questionável no que diz respeito aos trabalhadores por conta própria.Nesse sentido, pressupõe-se que tenha ocorrido um deslocamento de profissio-nais qualificados para o setor informal, na condição de trabalhadores por conta

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própria, que mantêm níveis elevados de remuneração. Particularmente em BeloHorizonte, esse fenômeno tem sido observado, dados o peso do setor e servi-ços em sua estrutura ocupacional e o fato de que um maior grau de informalidadeé característico dos postos de trabalho nesse setor.

O setor informal, constituído de forma ampla por todos os trabalhadorespor conta própria e pelos assalariados sem carteira de trabalho assinada, res-ponde por cerca de 40% do emprego no setor serviços, em Belo Horizonte.O Gráfico 1 mostra o peso do setor informal dentro de cada segmento do setorserviços em Belo Horizonte: 50% nos serviços pessoais e de ensino e saúde,40% nos serviços distributivos e 35% nos serviços produtivos.

Contudo, se se considerar precário o emprego informal cuja remuneraçãoseja inferior a dois salários mínimos ou entre dois e cinco salários mínimos semcontribuição previdenciária, a perspectiva de análise modifica-se. Como podeser visto no Gráfico1, os serviços de ensino e saúde e produtivos apresentamum baixo nível de precariedade em Belo Horizonte, o que sugere uma maior

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Serviços pessoais

Serviços deensino e saúde

Serviçosdistributivos

Serviços produtivos

Informal Precário

Gráfico 1

Graus de informalidade e de precariedade nos serviços, em Belo Horizonte — 2000

FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: resultados preliminares. Rio de Ja- neiro, 2000.

Legenda:

60

50

40

30

20

10

0

(%)

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participação de profissionais qualificados nesses setores. Nesse sentido, ainformalidade não denota uma baixa qualidade do emprego. Em contraposição,os serviços pessoais são quase inteiramente constituídos por empregosprecários.

Refinando a análise do grau de informalidade no setor serviços, em BeloHorizonte, procede-se a uma desagregação em 30 setores de atividades deserviços mais detalhadas, conforme apresentado na seção 1. A Tabela 1 mostraum ranking desses setores, segundo o grau de informalidade, em Belo Horizon-te, em 2000. As outras atividades de serviços pessoais (compostas por servi-ços como reparação de objetos pessoais, embelezamento, lavanderias, dentreoutros) são constituídas por mais de 70% de ocupados no setor informal; damesma forma, mais da metade dos ocupados nos serviços de reparação deveículos, nas atividades de entretenimento e nos serviços de publicidade epropaganda estão no setor informal. Também apresentam altos graus deinformalidade, acima de 40%, os serviços domésticos, os de assessoria econsultoria, os de transportes terrestres, os prestados às empresas, o comér-cio em geral e os serviços de ensino e de saúde em geral. Nesse ponto, ficaclara a importância de se distinguir o emprego informal precário. Os outros ser-viços pessoais, os de reparação de veículos e os domésticos claramente têmum grau de precariedade muito elevado: acima de 47% do total de ocupadosnesses serviços encontram-se em empregos informais precários. Por outro lado,o emprego informal nos serviços de publicidade e propaganda, nos jurídicos,nos prestados às empresas e nos de saúde tem claramente uma natureza nãoprecária. Exatamente nesses setores estão inseridos os trabalhadores porconta própria mais qualificados.

Vale destacar, ainda, que, embora os serviços de vigilância e segurança eos supermercados e lojas de departamento apresentem baixos graus deinformalidade, os empregos precários constituem a quase-totalidade dosempregos informais nesses setores.

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Tabela 1

Grau de informalidade e de precariedade, por atividade no setor serviços, em Belo Horizonte — 2000

(%)

ATIVIDADES INFORMAL PRECÁRIO

Outros serviços pessoais ........................................ 0,728 0,549 Serviços de reparação de veículos ......................... 0,598 0,479 Organizações e atividades de entretenimento ........ 0,509 0,324 Serviços de publicidade e propaganda ................... 0,507 0,269 Serviços domésticos remunerados ......................... 0,484 0,471 Serviços de assessoria e consultoria ...................... 0,463 0,177 Transportes terrestres ............................................. 0,456 0,212 Outros serviços prestados às empresas ................. 0,451 0,173 Comércio em geral .................................................. 0,444 0,308 Ensino particular ..................................................... 0,425 0,191 Serviços de saúde ................................................... 0,403 0,091 Seguros privados .................................................... 0,344 0,187 Assistência e beneficência ...................................... 0,276 0,163 Serviços de correios, telecomunicações e auxilia- res de transportes ...................................................

0,256

0,164

Serviços de radiodifusão e televisão ....................... 0,255 0,156 Administração, comércio e incorporação de imó- veis ..........................................................................

0,247

0,15

Transportes aéreos ................................................. 0,144 0,09 Serviços de vigilância e segurança ......................... 0,129 0,102 Produção e distribuição de energia elétrica e gás 0,128 0,085 Bancos, financeiras e capitalização ........................ 0,113 0,072 Abastecimento de água .......................................... 0,111 0,069 Serviços de alojamento ........................................... 0,102 0,063 Supermercados e lojas de departamento ............... 0,101 0,084 FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: resultados preliminares. Rio de Janeiro, 2000. NOTA: São apresentadas aqui somente as atividades com mais de 10% de informa-lidade.

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3.2 O setor formalApesar do peso do setor informal em Belo Horizonte, acredita-se que ele

acompanha a mesma dinâmica do setor formal da economia. Analisando osdados de emprego formal e número de estabelecimentos fornecidos pela RAIS,pode-se perceber que o Setor Terciário sofreu importantes modificações entre1994 e 2002.1 Devido ao estágio de ocupação da Cidade, ocorreu um transbor-damento dos serviços da Capital para as cidades polarizadas de seu entorno,mantendo, a Capital, uma estrutura terciária com crescimento em determinadasatividades, crescimento este que, em grande parte do Setor, foi menor que o daRMBH como um todo. Para uma melhor análise da evolução do Setor Terciárioem Belo Horizonte, cada grupo de serviços é analisado separadamente.

3.2.1 Os serviços produtivosOs serviços produtivos são as atividades terciárias mais intimamente liga-

das ao processo de produção industrial. A demanda por esse tipo de serviço édeterminada principalmente pelas decisões de investimento das empresas,devido à sua característica de auxiliares do processo produtivo. Foram respon-sáveis, em 2002, por 20% do emprego formal e por 62% da arrecadação deISSQN do Setor Terciário em Belo Horizonte.

Dentre os serviços produtivos da capital mineira, somente uma atividadevem perdendo mão-de-obra, sistematicamente, ao longo do período de referên-cia. Bancos, financeiras e capitalização perdeu, ano a ano, 8% de sua mão-de--obra; contudo a redução de trabalhadores nessa atividade deve ser atribuídaprincipalmente à reestruturação produtiva enfrentada, nomeadamente ainformatização, que reduziu brutalmente os postos de trabalho no setor bancá-rio, em todo o País. Corroborando esse argumento, verificou-se, a despeito daredução do número de trabalhadores, o aumento de 8% no número de estabele-cimentos que exercem a atividade — 629 em 1994 e 681 em 2002. No entornode Belo Horizonte, por sua vez, passou-se de 151 para 190 estabelecimentos,um aumento de 20,5%, mas que ocorreu sobre uma base muito pequena, se se

1 Para a análise, foram utilizados dados de estabelecimentos e emprego extraídos da RAIS.O período de 1994 a 2002 foi o escolhido, por ser 1994 o primeiro ano em que umacategorização mais abrangente do setor serviço foi utilizada (CNAE) e por 2002 conter osdados mais recentes.

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levar em conta a quantidade de municípios e o tamanho da população dos mes-mos, como indica a Tabela 2.2

Dentre as atividades com tendência de crescimento do número de traba-lhadores, destacam-se administração, comércio e incorporação de imóveis eoutros serviços prestados às empresas, ambas com crescimento anual de 9%da força de trabalho.

A Tabela 3 apresenta os resultados encontrados na estimação de tendên-cia3 para o setor de serviços produtivos. Seus valores indicam o percentual devariação anual da quantidade de trabalhadores de cada área específica. Asatividades assinaladas com dados não significativos não apresentaram ten-dência significativa entre 1994 e 2002, o que sugere uma ausência de dinâmicadefinida desses setores.

2 A Tabela 1 pode ser considerada como a grande síntese da distribuição espacial e daconfiguração da rede urbana dos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Abrutal concentração espacial dos serviços bancários e financeiros na Capital reflete,indubitavelmente, a densidade produtiva e a centralidade do Município em relação ao seuentorno. Voltar-se-á a esse assunto adiante.

3 As tendências apresentadas neste trabalho foram calculadas a partir de regressões linearespelo método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), utilizando-se o logaritmo da quantida-de de trabalhadores como variável explicada — dependente — e o tempo em anos comovariável explicativa — independente —, formando . Dado o reduzidonúmero de observações, considerou-se como significância das tendências o nível de 10%.

Tabela 2

Percentual da população, de estabelecimentos bancários e de depósitos à vista

em Belo Horizonte e no seu entorno — 2000 e 2002

DISCRIMINAÇÃO POPULAÇÃO (1)

ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS (2)

DEPÓSITOS À VISTA (1)

Belo Horizonte ....... 51,46 78,19 84,14

Entorno .................. 48,54 21,81 15,86 FONTE: IBGE. Censo Demográfico 2000: resultados preliminares. Rio de Janeiro, 2000. IBGE. Base de Informações Municipais. Rio de Janeiro, 2000. [Cd-Rom].

RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS — RAIS. [S. l.: s. n.], 2002. (1) Os dados referem-se ao ano 2000. (2) Os dados referem-se ao ano de 2002.

εββ ++= tLnY 10

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Tabela 3

Tendência de variação anual do emprego nos serviços produtivos, em Belo Horizonte e na RMBH — 1994-02

BH RMBH

ATIVIDADES Valores de Tendência

(%)

p-Valor da Regresão

Valores de Tendência

(%)

p-Valor da Regresão

Administração, comércio e incorporação de imóveis ... 8,52

0,0001

9,01

0,0001

Bancos, financeiras e ca- pitalização ......................... -7,63

0,0001

-6,76

0,0001

Serviços de publicidade e de propaganda ................. 7,13

0,0003

7,18

0,0001

Serviços de reparação de veículos ............................ 6,48

0,0001

8,26

0,0001

Outros serviços prestados às empresas .....................

9,37

0,0930

10,54

0,0408

Informática ........................ (1)- 0,3042 (1)- 0,3338 Instituições científicas e tecnológicas ......................

(1)-

0,2344

(1)-

0,3115

Serviços de consultoria e assessoria ........................

(1)-

0,3385

(1)-

0,3638

Seguros privados (1)- 0,5064 (1)- 0,5350 Serviços de radiodifusão e televisão ...........................

(1)-

0,6285

(1)-

0,6329

Total ................................. (1)- 0,1304 7,03 0,0560 FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS — RAIS [s. l.: s. n.], 2002. (1) Dados não significativos.

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3.2.2 Os serviços distributivos4

Os serviços distributivos são compostos pelas atividades de transportes ecorrelacionadas, essenciais ao processo pós-produtivo. Foram responsáveis,em 2002, por 7% do emprego e por 9% da arrecadação de ISSQN do SetorTerciário de Belo Horizonte (Tabela 4).

4 Para o caso de Belo Horizonte e de seu entorno, será desconsiderada a atividade transpor-tes marítimos, fluviais e lacustres, devido à sua insignificância econômica na RMBH.

Tabela 4

Tendência de variação anual do emprego nos serviços distributivos, em Belo Horizonte e na RMBH — 1994-02

BH

RMBH

ATIVIDADES Valores de Tendência

(%)

p-Valor da Regressão

Valores de Tendência

(%)

p-Valor da Regressão

Transportes terrestres .. -3,04 0,0231 (1)- 0,7004 Transportes aéreos. ...... -4,28 0,0171 -3,8 0,0411 Serviços de correios, te- lecomunicações e auxi- liares de transportes .....

6,05

0,0064

5,59

0,0034 Total ............................. (1)- 0,5187 (1)- 0,1550 FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS — RAIS [s. l.: s. n.], 2002. (1) Dados não significativos.

O emprego nos serviços de correios, telecomunicações e auxiliares detransportes teve um aumento na Capital maior que o aumento da RMBH, comomostra a tendência anual de evolução do emprego nas atividades distributivas,entre 1994 e 2002 — Tabela 4. Com isso, a Cidade ganhou importância e partici-pação relativa no emprego do setor, consolidando sua qualidade de polarizadorada atividade na RMBH.

O mesmo não foi verificado para transportes terrestres e transportesaéreos. Ambas as atividades tiveram queda em seus níveis de emprego,enquanto a RMBH não apresentou tendência definida na primeira e teve quedamenor na segunda.

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Em transportes aéreos, a redução do nível de emprego fez com que aCidade, apesar de manter sua condição de primaz, perdesse 7,8 pontospercentuais de sua participação relativa na quantidade de mão-de-obra, sendoLagoa Santa, próxima ao Aeroporto de Confins e sede do Parque de MaterialAeronáutico de Lagoa Santa, a principal beneficiária, ao ter um aumento de206% no número de empregados do setor, elevando sua participação relativaem 6,6 pontos percentuais, apesar do desaquecimento geral da atividade.

Em transportes terrestres, a redução do emprego em Belo Horizonte foicompensada por uma expansão nas duas maiores concorrentes da Capital naatividade — Contagem e Betim. Enquanto Belo Horizonte teve uma redução de14,5% no número de trabalhadores desse setor, Contagem teve um aumento de24,4%, e Betim, de 59,2%.

É possível, então, perceber uma característica na evolução das atividadesdistributivas, na RMBH. Os serviços de correios, telecomunicações e auxiliaresde transportes, que possuem uma demanda menos específica, concentraram--se ainda mais em Belo Horizonte, centro urbano, enquanto as outras atividades,mais específicas, saíram da Capital rumo às cidades do entorno, aproximando--se mais ou de sua demanda, caso dos transportes terrestres, ou de seu objetoprincipal e equipamentos ou serviços relacionados, caso dos transportesaéreos.

3.2.3 Os serviços pessoaisOs serviços pessoais atendem basicamente a demandas individuais, daí

sua estreita ligação com o processo de povoamento e urbanização. À medidaque ocorre uma concentração populacional em determinado espaço geográfico,há também uma concentração espacial da oferta de serviços pessoais (Lemos,1988). Essas atividades foram responsáveis, em 2002, por 26% do emprego epor 14% da arrecadação de ISSQN em Belo Horizonte (Tabela 5).

Os serviços pessoais foram os únicos que apresentaram tendência anualde aumento do emprego, em todas suas atividades, entre 1994 e 2002. A atividadecom maior crescimento no setor e ocupando o quinto lugar em todo o Terciáriode Belo Horizonte foi serviços de vigilância e segurança. Além do acréscimoanual de 7,03% no emprego (Tabela 5), a atividade teve um aumento, em todo operíodo, de 66,7% no número de estabelecimentos, demonstrando claramente abusca da população por alternativas à segurança pública.

Já as atividades serviços de alojamento e serviços domésticos remunera-dos não apresentaram tendência significativa entre 1994 e 2002, o que indicauma ausência de dinâmica nesses setores.

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Destaque positivo teve outros serviços pessoais — composto por servi-ços mais genéricos, como reparação de objetos pessoais, serviços deembelezamento, lavanderias, dentre outros. Essa atividade teve uma expansãode emprego maior em Belo Horizonte que na média da RMBH. Tendencialmente,esse setor absorve anualmente 5,02% de mão-de-obra e obteve um crescimen-to, no período, de 67,6% no número de estabelecimentos, que passaram de1.087 para 1.822.

A perda de importância relativa de maior destaque na Capital foi em servi-ços de alojamento. O emprego no setor praticamente não teve alterações nosnove anos em questão. Apesar da abertura de três grandes hotéis de luxo, con-jugados a outros tantos hotéis executivos e de negócios (Tabela 6), atendendoao aumento do setor de turismo e negócios na Região Metropolitana de BeloHorizonte, a modificação do padrão de emprego fez com que o crescimento donúmero de estabelecimentos não fosse acompanhado proporcionalmente pelacriação de postos de trabalho. Mais que isso, o restante da RMBH experimen-tou, no mesmo período, um crescimento de, aproximadamente, 224% no núme-

Tabela 5

Tendência de variação anual do emprego, nos serviços pessoais, em Belo Horizonte e na RMBH — 1994-02

BH RMBH

ATIVIDADES Valores de Tendência

(%)

p-Valor da Regresão

Valores de Tendência

(%)

p-Valor da Regresão

Comércio em geral ............ 3,07 0,0001 4,06 0,0001 Organizações e atividades de entretenimento .............

5,70

0,0001

6,10

0,0001

Serviços de vigilância e se- gurança .............................

7,03

0,0130

6,57

0,0134

Supermercados e lojas de departamentos ..................

3,92

0,0008

5,97

0,0001

Outros serviços pessoais 5,02 0,0001 4,02 0,0001 Serviços de alojamento .... (1)- 0,9906 (1)- 0,1437 Serviços domésticos remu- nerados .............................

(1)-

0,2465

(1)-

0,5661

Total .................................. 3,84 0,0001 4,68 0,0001 FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS — RAIS [s. l.: s. n.], 2002. (1) Dados não significativos.

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ro de estabelecimentos de alojamento, com crescimento absoluto bem maiorque o experimentado pela Capital.

Tabela 6

Número de estabelecimentos de alojamento em Belo Horizonte,

no seu entorno e na RMBH — 1994 e 2002

REGIÕES 1994 2002 VARIAÇÃO %

Belo Horizonte ............................... 237 270 13,9

Entorno metropolitano de BH ........ 41 133 224,4

Região Metropolitana de BH ......... 278 403 45,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS — RAIS [s. l.: s. n.], 2002.

Esse aumento pode ser debitado à abertura de hotéis nos municípios doentorno imediato de Belo Horizonte, derivada tanto dos negócios associados àdinâmica industrial (Contagem e Betim), como — e principalmente — pela proxi-midade e pela facilidade de acesso aos aeroportos de Confins e da Pampulha,por intermédio do Anel Rodoviário e da MG-050, além da expansão recente domercado de hotéis-fazenda na RMBH.

3.2.4 Os serviços públicos e de ensino e saúde5

Os serviços públicos caracterizam-se, genericamente, por possuírem umademanda coletiva. Esse setor foi responsável, em 2002, por 39% do empregoterciário em Belo Horizonte (Tabela 7).

5 Por inconsistência de dados, a atividade organizações internacionais e representaçõesestrangeiras foi excluída desta análise.

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Atividade de importante crescimento, a assistência e beneficência contanão só com os investimentos governamentais, mas também com o chamadoTerceiro Setor. O crescimento do emprego formal na atividade, em Belo Horizon-te, veio acompanhado por uma forte queda em Betim, que teve reduzida em60% a força de trabalho ocupada formalmente no setor, contribuindo para que aCapital se tornasse pólo na RMBH.

É importante observar que os serviços públicos de Belo Horizonte com-põem o único setor em que a Capital não perdeu participação relativa na maiorparte das atividades, em relação às outras cidades da RMBH. Esse fato, crucialna relação política e institucional intrametropolitana, em todo o País, sugere queos poderes públicos dos municípios dos entornos metropolitanos brasileiros,acentuadamente no caso de Belo Horizonte, atuam como free-riders (caronas)no atendimento das demandas por serviços públicos de sua população, caben-do à Capital, cada vez mais, aumentar o peso governamental em sua economia,de forma a responder à demanda por esse tipo de serviço dentro de todaa Região.

Tabela 7

Tendência de variação anual do emprego nos serviços públicos, em Belo Horizonte e na RMBH — 1994-02

BH RMBH

ATIVIDADES Valores de Tendência

(%)

p-Valor da Regresão

Valores de Tendência

(%)

p-Valor da Regresão

Assistência e beneficência 7,60 0,0108 7,22 0,0211 Abastecimento de água .... -3,3 0,0008 -2,03 0,0063 Produção e distribuição de energia elétrica e gás .......

-5,77

0,0006

-5,8

0,0007

Limpeza pública e remo- ção de lixo ........................

(1)-

0,7644

1,88

0,8360

Administração pública ...... (1)- 0,7186 (1)- 0,8901 Forças armadas ................ (1)- 0,6009 (1)- 0,7550 Previdência social pública (1)- 0,8438 (1)- 0,7631 Segurança pública ............ (1)- 0,1315 (1)- 0,1315 Total ................................. (1)- 0,9255 (1)- 0,8873 FONTE DOS DADOS BRUTOS: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS — RAIS [s. l.: s. n.], 2002. (1) Dados não significativos.

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Esse fato fica evidente para os setores de educação e, principalmente,saúde. Mesmo que a dimensão de escala na prestação de serviços requeira aconcentração espacial da oferta de serviços complexos, no sentido de benssuperiores e serviços christallerianos, o que acontece, grosso modo, é umacompleta inação do poder público dos municípios do entorno metropolitano fren-te ao fornecimento até mesmo de serviços simples, principalmente no campoda saúde. Como parte da distribuição das verbas do SUS é proporcional à popu-lação residente e administrada, em grande medida, em nível municipal, se seconsiderar a conurbação metropolitana, a demanda por saúde pública na Capitalé potencializada, fazendo com que os recursos per capita repassados sejamsubestimados.

Essa pode ser considerada uma das principais dimensões do grande desa-fio institucional para as áreas conurbadas, vale dizer, o equacionamento dadimensão metropolitana da oferta de serviços.

4 A estrutura espacial e a rede urbana de Belo Horizonte

Baseando-se na teoria do “lugar central” christalleriano (Christäller, 1933)e nos resultados obtidos com o método fuzzy clusters, partir-se-á para a identi-ficação e a análise da estrutura espacial e da rede urbana da RMBH. Mas,antes, na próxima seção procurar-se-á descrever, de forma sucinta, os elemen-tos conceituais desse método multivariado de classificação.

4.1 Métodos de classificação e fuzzy cluster analysis

Tal como presente em Kageyama e Leone (1999, p.20), o “[...] objetivo dosmétodos de classificação é dividir em subconjuntos (classes) o mais semelhan-tes possível um conjunto de elementos (indicadores) a partir de distâncias doisa dois”. Em outras palavras, métodos de aglomeração (clustering) podem sercaracterizados como qualquer procedimento estatístico que, utilizando um con-junto finito e multidimensional de informações, classifica seus elementos emgrupos restritos homogêneos internamente, permitindo gerar estruturas agrega-das significativas e desenvolver tipologias analíticas.

Assim, a classificação de indivíduos em grupos homogêneos — nos quaisos valores médios de cada classe representariam os indivíduos nela alocados,com variabilidade intraclasse mínima e variabilidade interclasse máxima — per-

489Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

mite criar taxonomias, tipologias, reduzindo a quantidade de dimensões aserem analisadas e possibilitando um entendimento mais direto das caracterís-ticas inerentes às informações.6

Contudo, como bem definem Harris, Consorte e Lang: “Análises de hardclusters padecem do problema de que um dado indivíduo, digamos x, devepertencer a um e somente um agrupamento, quando, de fato, x pode possuiratributos, características que o fariam pertencer a vários agrupamentos” (1993,p. 157, tradução nossa).

Vale dizer, os métodos de classificação usuais (hard cluster analysis) uti-lizam-se do conceito de conjuntos clássicos (crisp sets), caracterizados pelainequivocidade de sua função de pertinência (ou pertencimento). Intuitivamen-te, a teoria dos conjuntos traz consigo uma noção dicotômica fundamental: per-tencer ou não pertencer. Em outras palavras, definir um conjunto clássico impli-ca tomar uma decisão binária quanto à pertinência de determinado indivíduo(objeto, elemento) numa dada classe (grupo, categoria): aceitar (= 1) ou rejeitar(= 0) tal proposição. A função de pertinência de um conjunto A com relação a Xpode ser descrita como

6 Para este caso, a aglomeração de unidades espaciais — sejam municípios na análiseintrametropolitana, sejam unidades de planejamento na análise intra-urbana — de semelhan-tes características no tocante à oferta de serviços proporciona a própria caracterização dahierarquia e da rede urbana.

7 O termo fuzzy é de ampla utilização na literatura, mesmo em textos de língua que não ainglesa, sendo preferencial nas traduções para o português, isto é, “nebuloso” ou “difuso”.

( )

∉∈

=AxseAxse

XA,0,1

Assim, cada conjunto em que um elemento pode ser designado é assumi-do como possuindo únicas e distintas coordenadas, sendo que todos os seusmembros ocupam identicamente o mesmo ponto físico, não existindo a possibi-lidade de heterogeneidade interna.

Contudo, se o conjunto de informações — seja pelas peculiaridadesdo objeto a que representam, seja pela ambigüidade da própria estrutura dedados — possui uma fonte de imprecisões que não a aleatoriedade derivada deprocessos estocásticos, mas, sim, derivada da ausência de fronteiras abrupta-mente definidas entre as classes, deve-se voltar a atenção para a utilização daTeoria dos Conjuntos Nebulosos (Theory of Fuzzy Sets)7.

De acordo com Zadeh (1965), um subconjunto fuzzy de um conjunto Xqualquer é definido como uma função u : X [0,1]; para cada x X o valor de u(X)∈

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

é o grau de pertinência de x a um subconjunto u. Assim, se, em vez de assumirvalores no intervalo discreto {0,1}, a função de pertinência assumir valores nointervalo contínuo [0,1], então, o conjunto A denomina-se conjunto fuzzy, comcada indivíduo podendo vir a pertencer parcialmente a múltiplos conjuntos.O valor de u(X) é usualmente utilizado para representar o grau ou a extensão naqual X se associa à descrição semântica de u, sendo que u(X) não pode serinterpretado como a probabilidade de que X pertença à classe u, mas, sim, oquanto pertence.

Partindo dessa apresentação introdutória da lógica de conjuntos fuzzy,pode-se apresentar o algoritmo Fanny8 (fuzzy analysis) para estimação declusters9.

Assim, para cada elemento i e para cada cluster v, há uma pertinência uivque indica quão fortemente i pertence a v, se satisfeitas as condições:

kveniuiv ,...1,...,10 =∀=∀≥

nik

vivu ,...,11

1

=∀=∑=

As associações são definidas por intermédio da minimização da funçãoobjetivo:

( )∑

∑=

=

==k

vn

jjv

jv

n

jiiv

u

jiduuf

1

1

2

2

1,

2

2

,

8 Foi utilizado o software S-PLUS 2000 para a estimação dos fuzzy clusters. Para a apresen-tação integral não apenas do algoritmo de estimação das funções de pertinência comotambém das propriedades e características estatísticas do método Fanny, ver Kaufman eRousseeuw (1990).

9 Segundo Kaufman e Rousseeuw (1990), comparado a outros métodos de estimação defuzzy clusters — (Fuzzy-C Means, por exemplo, descrito em Bezdek, 1981) —, o Fanny tema vantagem de aceitar matrizes de dissimilaridade em todas as métricas para conjuntoscontínuos e de ser mais robusto que os demais.

(1)

(2)

491Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

A métrica de dissimilaridade d(i,j) é calculada a partir do conjunto de infor-mações, e a minimização da função objetivo pela qual se geram as estimativasdos clusters é realizada por meio de processos numéricos iterativos.

Os clusters resultantes podem ter sua fuzzyness avaliada pelo chamadoCoeficiente de Dunn (Fk)

10:

, sendo 1/k < Fk < 1∑∑= =

=n

i

k

v

ivk n

uF1 1

2

4.2 A estrutura espacial intrametropolitanaPara a análise espacial da rede urbana da Região Metropolitana de Belo

Horizonte, considerar-se-ão dois níveis, contendo, o primeiro, os municípios daRMBH propriamente dita, e o segundo, o chamado colar metropolitano, que in-corpora outros municípios próximos à Região, ambos definidos pelo IBGE. Comos dois níveis, pretende-se contextualizar e analisar a inserção de Belo Horizon-te não só junto aos municípios mais próximos, mas também a alguns geografi-camente mais distantes, de forma a facilitar a compreensão da força dacentralidade exercida pela Capital. Os dados obtidos para as análises são doCenso Demográfico 2000 (IBGE, 2000); dessa forma, tem-se aqui a abrangênciados setores formal e informal das economias analisadas. Os dados do Censo,excetuando a análise para o colar metropolitano, foram trabalhados de forma acontabilizar o local onde a pessoa trabalha.

A Figura 1 representa a distribuição dos municípios da Região Metropolita-na de Belo Horizonte entre quatro clusters de serviços gerais, que foram defini-dos pelo emprego total no setor serviços, conforme a metodologia de fuzzyclusters. A quantidade de clusters que melhor representa a estrutura da RMBHse baseia, além de nos estudos sobre a dinâmica intrametropolitana, no Coefici-ente de Dunn apresentado anteriormente. Dessa forma, cada cluster é compos-to por municípios com similaridades em sua estrutura de oferta de serviços(Tabela 8).

Caracterizando sozinha todo o Cluster 1, a centralização exercida pelaCapital sobre toda a RMBH é evidente. Belo Horizonte agrega, em seu entornopróximo, todos os municípios pertencentes aos clusters subseqüentes, demons-trando claramente a forte subordinação da Região à Capital. A sua estrutura de

10 Para dados normalizados, quando as escalas dos atributos de cada indivíduo apresentamgrande espectro de variabilidade — o que não é o caso —, a versão normalizada de Fk éFk

* = (Fk – 1/k)/(1 – 1/k) = kFk – 1/k-1, com 0 < Fk*< 1.

492 Rodrigo Ferreira Simões; Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira; Pedro Vasconcelos Maia do Amaral

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

serviços é tão complexa e única que nenhum município apresenta mais de 2%das características que compõem o Cluster 1, demonstrando, de forma inequí-voca, o quanto a Cidade se diferencia no espaço urbano da RMBH.

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demo- gráfico 2000: resul- tados preliminares. Rio de Janeiro, 2000.

Clusters de emprego no setor serviços da RMBH — 2002

Figura 1

O Cluster 2 também é formado por apenas um município — Contagem,vizinho da Capital —, fato que reforça ainda mais a idéia da centralidade daconurbação de Belo Horizonte. Apesar de somente Contagem caracterizar per-feitamente o Cluster 2, outros municípios também possuem, mesmo que empequena medida, características desse agrupamento, indicando que, apenasem um nível de centralidade secundária, as estruturas dos demais municípioscomeçam a, timidamente, reduzir suas dissimilaridades.

493Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Betim, Nova Lima, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Esmeraldas, Ibirité,Pedro Leopoldo, Vespasiano, Lagoa Santa, Sabará e Caeté formam o Cluster 3,que já não mais reflete totalmente as características de nenhum município es-pecífico. Uma vez que os quatro clusters foram ordenados de modo hierárquico,tem-se uma perda na força da centralidade que o município exerce sobre osdemais na medida em que se caminha para o Cluster 4, caracterizado por muni-cípios com a mais baixa hierarquia urbana, com centralidade somenteintramunicipal, isto é, em relação apenas ao seu entorno rural.

A grande vantagem dessa forma de representação da estrutura espacial éclaramente evidenciada pelo Município de Betim. O método fuzzy indica o quan-to essa cidade não possui uma estrutura de serviços bem caracterizada, umavez que se encontram nela atributos pertencentes desde o Cluster 1 até o Cluster4. Esse fato sugere uma não-caracterização terciária do Município, configuradofortemente pelo setor industrial. Assim, Betim possui uma estrutura de serviçosque remete do tradicional ao moderno, de forma a responder, mesmo que àsvezes precariamente, à demanda de sua população local (Figura 2).

Quando se insere na análise o colar metropolitano, mesmo que comobservações relativas ao local de moradia, obtém-se interessantes resultados.Com a inclusão de outros municípios com mais de 50 mil habitantes, como é ocaso de Sete Lagoas, Pará de Minas e Itaúna, a configuração das centralidadessofre grande alteração.

Tabela 8

Graus de pertencimento aos clusters de emprego total no setor serviços, em municípios selecionados da RMBH — 2002

MUNICÍPIOS CLUSTER 1 CLUSTER 2 CLUSTER 3 CLUSTER 4

Belo Horizonte ....... 1,00 0,00 0,00 0,00 Betim ..................... 0,02 0,23 0,44 0,31 Contagem .............. 0,00 1,00 0,00 0,00 Nova Lima ............. 0,00 0,02 0,76 0,22 Santa Luzia ........... 0,01 0,05 0,67 0,27 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: resultados preli- minares. Rio de Janeiro, 2000.

494 Rodrigo Ferreira Simões; Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira; Pedro Vasconcelos Maia do Amaral

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Graus de pertencimento dos municípios selecionados

MUNICÍPIOS CLUSTER 1 CLUSTER 2 CLUSTER 3 CLUSTER 4 CLUSTER 5

Belo Horizon- te ..................

1,00

0,00

0,00

0,00

0,00

Betim ............ 0,01 0,24 0,28 0,25 0,22 Contagem ..... 0,02 0,29 0,24 0,24 0,21 Lagoa Santa 0,03 0,26 0,25 0,23 0,23 Nova Lima .... 0,00 0,14 0,32 0,32 0,22 Santa Luzia ... 0,01 0,58 0,15 0,14 0,13 Sete Lagoas .. 0,00 0,75 0,09 0,09 0,08

Clusters de emprego no setor serviços do colar metropolitano de Belo Horizonte — 2000

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: resultados preliminares. Rio de Janeiro, 2000.

Figura 2

495Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Belo Horizonte continua a caracterizar, de modo absoluto, o Cluster 1, de-monstrando, mais uma vez, que a centralidade exercida pela Capital vai alémdos limites de sua região metropolitana. Contudo a centralidade secundária,que era característica exclusiva de Contagem, passou a ser também de SeteLagoas, Santa Luzia e Nova Lima. Esse fato indica que a centralização que éexercida por Contagem num contexto restrito da RMBH se enfraquece, quandoda inserção de outros municípios, mesmo que de menor porte, mas maisdistantes da Capital.

Vale dizer, a noção christalleriana de “alcance de um bem ou serviço” —análoga à idéia de economias de escala na oferta — aplica-se aqui, diretamente.Os serviços antes centralizados por Contagem parecem configurar-se comonão complexos, isto é, atendem a uma centralidade restrita ao entorno imediato.Quando da entrada de um novo município na análise com características simi-lares do ponto de vista do Terciário, pode-se considerar tal centralidade como“esvaziada”, ou seja, atinge alguns municípios somente pelo atributo do bem oudo serviço, que são, em grande medida, voltados às demandas pessoais, indivi-duais, fortemente relacionadas à subsistência.

Reforçando a idéia, quando se insere, seguindo a MG-040 e a BR-381,outro município com moderna estrutura terciária — Sete Lagoas —, a centralidadede Contagem, que era exercida, em grande medida, sobre essa região, é consi-deravelmente depreciada, elevando a importância espacial de estruturas comoas de Santa Luzia e, em menor medida, de Lagoa Santa, que centralizam, emnível secundário, os municípios próximos à BR-262. Entretanto supõe-se que acentralidade desses municípios também seja, em grande parte, “esvaziada”,uma vez que, se se inserisse nesse contexto de análise João Monlevade e oVale do Aço, provavelmente a estrutura terciária de Santa Luzia perderia umpouco de sua importância.

De modo a permitir uma análise mais específica do Setor Terciário, utilizar--se-á a mesma categorização apresentada na seção 1, que desagrega os servi-ços em cinco categorias. Como a configuração espacial, no contexto que abran-ge os municípios do colar metropolitano, não se altera significativamente paraos setores desagregados, analisar-se-á, a seguir, somente a RMBH.

4.2.1 Serviços produtivos e distributivosPor estarem intimamente relacionados, os serviços produtivos e distributivos

serão analisados em conjunto, nesta seção. A distribuição dos municípios entreos agrupamentos é bastante similar em ambas as atividades e também emcomparação aos serviços agregados (Figura 3).

496 Rodrigo Ferreira Simões; Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira; Pedro Vasconcelos Maia do Amaral

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Figura 3

Graus de pertencimento dos municípios selecionados

MUNICÍPIOS CLUSTER 1 CLUSTER 2 CLUSTER 3 CLUSTER 4

Belo Horizonte ....... 1,00 0,00 0,00 0,00

Betim ...................... 0,01 0,20 0,47 0,32

Contagem ............... 0,00 1,00 0,00 0,00

Nova Lima .............. 0,00 0,02 0,69 0,29

Santa Luzia ............ 0,00 0,04 0,74 0,22

Clusters de emprego no setor de serviços produtivos e distributivos,

a) serviços produtivos

Clusters de emprego no setor de serviços produtivos e distributivos, na RMBH — 2002

497Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Figura 3

Clusters de emprego no setor de serviços produtivos e distributivos, na RMBH — 2002

b) serviços distributivos

MUNICÍPIOS CLUSTER 1 CLUSTER 2 CLUSTER 3 CLUSTER 4

Belo Horizonte ........... 1,00 0,00 0,00 0,00

Betim ......................... 0,03 0,28 0,38 0,31

Contagem .................. 0,00 1,00 0,00 0,00

Nova Lima ................. 0,00 0,00 0,86 0,14

Santa Luzia ............... 0,01 0,05 0,63 0,31

Graus de pertencimento dos municípios selecionados

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: resultados preli- minares. Rio de Janeiro, 2000.

498 Rodrigo Ferreira Simões; Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira; Pedro Vasconcelos Maia do Amaral

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Destaca-se, somente no agrupamento de serviços distributivos, um ligeiroaumento do número de municípios pertencentes ao Cluster 3 em relação aosserviços como um todo e uma significativa redução no número de municípiosintermediários (Cluster 3) para os serviços produtivos. Esse fato parece indicarque, fora Belo Horizonte — nível 1 — e Contagem — nível 2 —, os serviçosprodutivos na RMBH, mesmo comparados aos serviços como um todo, apre-sentam uma prevalência centralizada, com poucos municípios obtendo umresultado superior na hierarquia urbana.

Essa diferença na composição da hierarquia, quando se analisam os servi-ços produtivos e distributivos, parece ser o resultado da relativa especializaçãode Betim e Ribeirão das Neves nos serviços distributivos. Vale dizer, isso se dápela grande especialização do primeiro município em atividades de transportecom fins industriais — recebimento de matéria-prima e escoamento de produ-ção — e do segundo com transporte de passageiros, uma vez que Ribeirão dasNeves é considerado a “grande garagem” da RMBH.

Já Santa Luzia e Nova Lima apresentam características opostas, manten-do suas centralidades em serviços produtivos e perdendo-as em serviçosdistributivos. Esse fato ocorre devido à participação relativa de ambas as cida-des nos serviços produtivos indiretos, conforme explicitado na seção 3.2.

4.2.2 Serviços pessoaisA configuração dos agrupamentos por quantidade de trabalhadores nos

serviços pessoais apresentou grandes diferenças em relação ao contexto deserviços agregados. A concentração de serviços pessoais mantém forte rela-ção com a dimensão demográfica na RMBH, portanto, tem-se maior ofertadesses serviços nos grandes centros populacionais (Figura 4).

Belo Horizonte e Contagem continuam caracterizando perfeitamente o pri-meiro e o segundo níveis respectivamente. No terceiro nível, aparecem os de-mais municípios da RMBH, que possuem alguma importância em termos detamanho populacional. Esses municípios do terceiro agrupamento, em diferen-tes escalas de quantidade de oferta, apresentam uma estrutura de serviçospessoais semelhante, estrutura esta que é um pouco mais diversificada que ado nível 4, cujas características se aproximam, basicamente, dos serviços pes-soais de subsistência.

499Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Graus de pertencimento dos municípios selecionados

MUNICÍPIOS CLUSTER 1 CLUSTER 2 CLUSTER 3 CLUSTER 4

Belo Horizonte ........ 1,00 0,00 0,00 0,00

Betim ...................... 0,02 0,21 0,45 0,32

Contagem ............... 0,00 1,00 0,00 0,00

Nova Lima .............. 0,00 0,02 0,76 0,22

Santa Luzia ............ 0,01 0,06 0,67 0,26

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: resultados preli- minares. Rio de Janeiro, 2000.

Clusters de emprego no setor de serviços pessoais, na RMBH — 2002

Figura 4

500 Rodrigo Ferreira Simões; Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira; Pedro Vasconcelos Maia do Amaral

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

4.2.3 Serviços públicos e de ensino e saúdeA configuração da dinâmica intrametropolitana de serviços públicos e de

ensino e saúde segue estritamente a questão da concentração populacional eda distribuição dos serviços como um todo. O único desvio perceptível dessefenômeno é a junção de Betim a Contagem no segundo nível. A distribuição dosdemais municípios não apresenta divergências em relação aos demais compo-nentes do Terciário (Figuras 5 e 6).

Graus de pertencimento dos municípios selecionados MUNICÍPIOS CLUSTER 1 CLUSTER 2 CLUSTER 3 CLUSTER 4

Belo Horizonte ........... 1,00 0,00 0,00 0,00 Betim ......................... 0,01 0,63 0,20 0,16 Contagem .................. 0,01 0,85 0,08 0,06 Nova Lima ................. 0,01 0,08 0,68 0,23 Santa Luzia ............... 0,01 0,15 0,57 0,27

Clusters de emprego no setor de serviços públicos, na RMBH — 2002

FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: resultados preli- minares. Rio de Janeiro, 2000.

Figura 5

501Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Graus de pertencimento dos municípios selecionados

MUNICÍPIOS CLUSTER 1 CLUSTER 2 CLUSTER 3 CLUSTER 4

Belo Horizonte ........... 1,00 0,00 0,00 0,00

Betim .......................... 0,01 0,54 0,26 0,19

Contagem .................. 0,00 0,94 0,03 0,03

Nova Lima ................. 0,00 0,07 0,68 0,25

Santa Luzia ............... 0,00 0,08 0,68 0,24 FONTE DOS DADOS BRUTOS: IBGE. Censo Demográfico 2000: resultados preli- minares. Rio de Janeiro.

Clusters de emprego no setor de serviços de ensino e saúde, na RMBH — 2002

Figura 6

502 Rodrigo Ferreira Simões; Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira; Pedro Vasconcelos Maia do Amaral

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

5 Considerações finaisComo se viu do ponto de vista econômico, Belo Horizonte caracteriza-se

fortemente por sua estrutura terciária. Se, nos anos 70 e 80, esse Terciárioexperimentou um comportamento dinâmico, precipuamente no sentido de suadiversificação, a década de 90 mostrou um refreamento desse processo. Comose poderia explicar, no sentido do movimento geral do capital no espaço e fugin-do das especificidades setoriais, esse movimento?

A base terciária é tanto indutora como resultado do dinamismo da baseprodutiva industrial. A diversificação experimentada pela base industrial do póloeconômico de Belo Horizonte a partir da segunda metade dos anos 70 — espe-cificamente a diversificação industrial derivada do adensamento da cadeia mínero-metal-mecânica (Simões, 2003) —, induziu à dinamização dos serviços naRMBH, sendo a diversificação experimentada por esta última o resultado de umprocesso que se pode introdutoriamente caracterizar como um catching up doSetor Terciário. Mais que isso, dadas as temporalidades da diversificação indus-trial e da modernização terciária, esse processo de catching up parece ter acon-tecido seguindo um lag temporal, que, para a RMBH, aparece como de, aproxi-madamente, uma década.

Esse processo pode ser explicado por dois movimentos conjugados.O primeiro diz respeito à pequena base de serviços avançados (produtivos edistributivos) presente na RMBH até o início dos anos 70, o que faz com que astaxas de crescimento sejam elevadas. Vale dizer, o grande crescimentopopulacional experimentado pelos municípios da RMBH nos anos 60, se foiacompanhado pela oferta de serviços pessoais e públicos, não requer umamodernização dos serviços produtivos e distributivos, que têm na dinâmica pro-dutiva — no caso, eminentemente industrial — sua demanda específica.Com uma base terciária afeita a uma estrutura econômica essencialmente pri-mária — com forte concentração em setores ligados às suas fontes de recursosnaturais e à base agropecuária —, Minas Gerais experimentou, nos últimos 30anos, uma diversificação relevante de sua estrutura produtiva. A diversificaçãoterciária experimentada pela RMBH, timidamente nos anos 70 e de forma clarana década de 80, parece acompanhar essa diversificação produtiva da baseindustrial, num processo de catching up com lag temporal. Contudo a diminui-ção do hiato de produtividade dos serviços da RMBH em relação às demaisregiões metropolitanas brasileiras, já identificada por Andrade (1994) para adécada de 80, arrefeceu na década de 90 — o PIB da RMBH sofreu, entre 1995e 2000, um decréscimo anual médio de 0,06%, segundo dados da FundaçãoJoão Pinheiro —, num claro esgotamento do citado processo de catching up.

503Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

No nível intrametropolitano, o que se viu foi um reforço da centralidade daCapital em relação aos demais municípios. A consistente especializaçãode Belo Horizonte nos setores mais diretamente vinculados à dinâmicaeconômica — serviços avançados, intermediação bancária e financeira, segu-ros, distributivos modernos, etc. — leva à caracterização da RMBH como umespaço urbano conurbado eminentemente especializado, distante da diversifi-cação preconizada por Jacobs (1969) como artífice principal de um processo decrescimento, modernização e diferenciação urbana.11

Como se viu, Belo Horizonte — malgrado algumas dinâmicas específicasde ramos do Terciário mais afeitos à dinâmica populacional (serviços pessoais ealguns serviços de utilidade pública) e a dimensões locacionais próprias (exempligratia, a localização de aeroporto) — ainda concentra a esmagadora maioria doTerciário moderno e até mesmo do tradicional da RMBH. Obviamente, a noçãode hierarquia intrametropolitana faria esperar tal resultado. O que surpreendenegativamente é a intensidade dessa concentração mesmo em setores vincula-dos à dinâmica produtiva geral de Minas Gerais. Mais que isso, grande partedos serviços públicos de maior complexidade — e mesmo alguns mais corri-queiros, no ramo da saúde — ainda tem, na Capital, seu maior foco de forneci-mento.

Resumidamente, o gap de diversificação terciária, derivado dadescontinuidade do processo de modernização e da sobreespecialização dopólo econômico de Belo Horizonte, repercute na capacidade de inserção doconjunto da RMBH na hierarquia urbana metropolitana brasileira e na própriadivisão inter-regional do trabalho, no País.

Isto leva à segunda característica da modernização terciária restringidaexperimentada pela RMBH. A oferta de serviços modernos e avançados res-ponde a uma dinâmica que ultrapassa os limites metropolitanos especificamen-te de uma região periférica no contexto nacional. Vale dizer, certos serviçosavançados necessitam de uma escala de operação nacional, isto é, o limitecrítico de operação para uma oferta terciária diversificada em todos os seusníveis requer uma densidade econômica inexistente em nível regional, no País.

Tal como instrui Jacobs (1969), a diversificação é o movimento desejávelque representaria o dinamismo metropolitano. Porém, como destaca Christäller

11 É Importante lembrar que a perda de dinamismo econômico e a conseqüente centralidadeurbana são tanto causa quanto efeito da não-continuidade do processo de modernizaçãodo Terciário. A capacidade dinamizadora dos serviços na atratividade locacional foi exaus-tivamente estudada, particularmente para o caso brasileiro (Lemos, 1988; Diniz; Lemos,1986; dentre outros). Contudo deve-se deixar claro que o processo de diversificaçãoterciária também sofre efeitos da perda de dinamismo econômico no sentido estrito, parti-cularmente em países periféricos.

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(1933), tal diversificação só é possível se acompanhada de um aumento dadensidade econômica que justifique não apenas a modernização derivada, como,principalmente, a própria oferta de serviços que caracterizaria uma rede urbanametropolitana. Dessa forma, a Região Metropolitana de São Paulo — regiãometropolitana primaz brasileira — ainda concentra a melhor parte da oferta dife-renciada de serviços modernos e avançados no País, com as demais metrópo-les atuando ou em nichos específicos, ou como centros de hierarquia inferior naconfiguração da rede urbana brasileira.

Atuar no sentido de recuperar o dinamismo do crescimento do Terciário,revertendo o movimento de paralisia da modernização, passa por atacar essasduas frentes.

Em primeiro lugar, cabe frisar que o dinamismo da atividade econômicacom um todo, isto é, o crescimento da economia brasileira, seria o principalmotor da retomada da modernização e da diversificação da base terciária deBelo Horizonte. Isso porque taxas de crescimento elevadas e perenes estimula-riam a retomada do processo de adensamento das principais cadeias produti-vas do pólo econômico de Belo Horizonte, induzindo, por conseguinte, à ofertade serviços produtivos e distributivos necessária ao funcionamento dos mes-mos. Não se fala, aqui, de serviços de escala de operações estritamente nacio-nais — e mesmo internacionais —, mas, sim, de um Terciário afeito ao funciona-mento de uma base produtiva cada vez mais adaptada aos mecanismos degestão da produção, nos quais a variável “tempo” — e, logo, a proximidade — éfundamental. Fala-se aqui de serviços diretamente ligados à produção e à distri-buição, tais como logística, assistência técnica, dentre outros.

Em segundo lugar, subordinadamente ao primeiro argumento, o aproveita-mento de oportunidades específicas, configurando nichos produtivos competiti-vos, parece ser a melhor indicação para uma política de bases municipais. Valedizer, se o crescimento da economia como um todo perpassa os limites de açãomunicipal (instrumentos, escala, etc.), o incentivo deliberado a alguns setoresque demonstram dinamismo diferenciado e uma possibilidade de crescimentoacima das médias nacionais pode vir a se mostrar uma boa estratégia de ação.Identificados nichos como a biotecnologia e a produção de softwares, para ficarem dois setores exaustivamente estudados na RMBH, a ação deliberada pode-rá proporcionar um reposicionamento setorial de Belo Horizonte na rede urbanabrasileira. Entretanto é necessário frisar, sempre, a condição sine qua non daretomada do crescimento econômico em nível nacional, a fim de elevar aprópria densidade econômica da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

505Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Apêndice

Quadro A.1

Atividades do Setor Terciário

CÓDIGOS SERVIÇOS PRODUTIVOS

1 Administração, comércio e incorporação de imóveis 2 Bancos, financeiras e capitalização 3 Informática 4 Instituições científicas e tecnológicas 5 Seguros privados 6 Serviços de assessoria e consultoria 7 Serviços de publicidade e propaganda 8 Serviços de radiodifusão e televisão 9 Serviços de reparação de veículos 10 Outros serviços prestados às empresas

CÓDIGOS SERVIÇOS DISTRIBUTIVOS

11 Transportes terrestres Transportes marítimos, fluviais e lacustres (1)

12 Transportes aéreos 13 Serviços de correios, telecomunicações e auxiliares de transpor-

tes

CÓDIGOS SERVIÇOS PESSOAIS

14 Comércio em geral 15 Organizações e atividades de entretenimento 16 Serviços de alojamento 17 Serviços de vigilância e segurança 18 Serviços domésticos remunerados 19 Supermercados e lojas de departamento 20 Outros serviços pessoais

(continua)

506 Rodrigo Ferreira Simões; Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira; Pedro Vasconcelos Maia do Amaral

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Quadro A.1 Atividades do Setor Terciário

CÓDIGOS SERVIÇOS PÚBLICOS

21 Abastecimento de água 22 Administração pública 23 Assitência e beneficência 24 Forças armadas 25 Limpeza pública e remoção de lixo

Organizações internacionais e representações estrangeiras (1) 26 Previdência social pública 27 Produção e distribuição de energia elétrica e gás 28 Segurança pública

CÓDIGOS SERVIÇOS DE ENSINO E SAÚDE

29 Serviços educacionais 30 Serviços de saúde

(1) Essas atividades não foram codificadas, pois inexistem na região analisada.

507Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

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Tabela A.1 Participação relativa do emprego formal dos municípios no total da RMBH — 2002

CÓDIGOS MUNICÍPIOS

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Baldim ...................... 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,03 0,00 0,00 0,00 0,00 Belo Horizonte ......... 91,43 87,09 88,08 57,96 91,64 84,51 95,01 95,92 74,71 76,80 Betim ........................ 0,56 2,02 0,70 0,00 1,05 1,80 0,11 1,74 4,75 4,92 Brumadinho .............. 0,39 0,18 0,04 0,00 0,00 0,39 0,11 0,00 1,52 0,02 Caeté ....................... 0,00 0,17 0,04 0,00 0,00 0,22 0,00 0,00 0,12 0,11 Capim Branco .......... 0,03 0,00 0,04 0,00 0,92 0,01 1,14 0,00 0,28 0,01 Confins ..................... 0,00 0,00 0,00 0,00 0,76 0,00 0,00 0,00 0,03 0,00 Contagem ................ 2,78 6,35 2,78 0,24 1,51 6,38 0,65 0,00 14,26 11,29 Esmeraldas .............. 0,55 0,14 0,41 0,00 0,03 0,22 0,00 0,00 0,23 0,05 Florestal ................... 0,00 0,03 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 Ibirité ........................ 0,08 0,23 0,00 0,00 0,00 0,12 0,16 0,00 0,22 0,79 Igarapé ..................... 0,23 0,11 0,04 0,00 0,03 0,04 0,00 0,00 0,11 0,14 Itaguara .................... 0,00 0,06 0,11 0,00 0,00 0,03 0,00 0,16 0,70 0,09 Jaboticatubas ........... 0,16 0,03 0,07 0,00 0,00 0,03 0,00 0,11 0,00 0,00 Juatuba .................... 0,04 0,05 0,03 0,00 0,00 0,03 0,00 0,00 0,03 0,01 Lagoa Santa ............. 0,60 0,35 0,01 0,00 0,03 0,51 0,38 0,11 0,23 0,25 Mário Campos .......... 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,04 0,00 0,00 0,00 0,03 Mateus Leme ........... 0,07 0,20 0,45 0,00 0,00 0,27 0,00 0,00 0,08 0,05 Matozinhos ............... 0,01 0,29 0,10 0,00 0,00 0,27 0,00 0,00 0,09 0,32 Nova Lima ................ 1,64 0,61 3,61 4,25 3,00 2,38 0,22 0,54 0,45 2,00 Pedro Leopoldo ........ 0,24 0,60 0,43 0,36 0,57 0,65 0,70 0,54 0,50 1,04 Raposos ................... 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,01 Ribeirão das Neves .. 0,20 0,23 0,08 0,00 0,00 0,51 0,00 0,00 0,22 0,13 Rio Acima ................. 0,42 0,01 2,11 0,00 0,03 0,04 0,27 0,00 0,08 0,70 Rio Manso ................ 0,00 0,00 0,03 0,00 0,00 0,01 0,00 0,00 0,00 0,00 Sabará ...................... 0,17 0,31 0,06 0,00 0,00 0,17 0,43 0,00 0,82 0,23 Santa Luzia .............. 0,19 0,47 0,11 37,18 0,00 0,68 0,76 0,00 0,19 0,62 São Joaquim de Bicas 0,00 0,02 0,00 0,00 0,00 0,00 0,05 0,00 0,03 0,02 São José da Lapa .... 0,00 0,02 0,01 0,00 0,00 0,06 0,00 0,00 0,11 0,04 Sarzedo .................... 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,01 Taquaraçu de Minas 0,00 0,01 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,02 Vespasiano .............. 0,19 0,42 0,66 0,00 0,43 0,59 0,00 0,87 0,25 0,29

(continua)

509Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Tabela A.1 Participação relativa do emprego formal dos municípios no total da RMBH — 2002

CÓDIGOS MUNICÍPIOS

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Baldim ...................... 0,25 0,00 0,01 0,01 0,01 0,00 0,00 0,00 0,04 0,00 Belo Horizonte ......... 54,93 92,11 87,69 72,82 85,69 77,72 95,00 61,20 64,04 85,50 Betim ........................ 9,58 0,00 1,34 3,99 4,96 3,94 0,19 7,65 3,65 2,50 Brumadinho .............. 0,44 0,00 0,18 0,27 0,12 0,03 0,00 2,19 0,46 0,03 Caeté ....................... 0,08 0,00 0,20 0,31 0,12 1,38 0,00 0,55 0,60 0,13 Capim Branco .......... 0,01 0,00 0,01 0,02 0,02 0,00 0,00 0,55 0,06 0,00 Confins ..................... 0,06 0,30 1,45 0,09 0,02 0,00 0,00 0,00 0,02 0,00 Contagem ................ 17,79 0,30 5,12 14,78 3,39 6,99 3,38 5,46 16,99 5,76 Esmeraldas .............. 0,81 0,00 0,04 0,20 0,30 0,05 0,00 3,83 0,41 0,19 Florestal ................... 0,00 0,00 0,06 0,05 0,03 0,46 0,00 0,00 0,10 0,07 Ibirité ........................ 0,98 0,00 0,14 0,44 0,42 0,00 0,04 1,09 1,04 0,65 Igarapé ..................... 0,15 0,00 0,21 0,50 0,11 0,05 0,00 0,55 0,34 0,09 Itaguara .................... 0,06 0,00 0,04 0,15 0,05 0,07 0,00 0,00 0,08 0,07 Jaboticatubas ........... 0,02 0,00 0,03 0,08 0,12 1,04 0,00 1,64 0,16 0,03 Juatuba .................... 0,07 0,00 0,01 0,14 0,08 0,07 0,00 3,28 0,20 0,01 Lagoa Santa ............. 0,80 6,57 0,35 0,64 0,16 0,53 1,36 0,00 1,02 0,32 Mário Campos .......... 0,01 0,00 0,02 0,03 0,00 0,05 0,00 0,00 0,07 0,00 Mateus Leme ........... 0,11 0,00 0,04 0,16 0,13 0,10 0,00 0,55 0,34 0,12 Matozinhos ............... 0,70 0,00 0,08 0,33 0,26 0,29 0,00 0,55 0,57 0,32 Nova Lima ................ 1,60 0,00 0,30 1,21 2,14 0,34 0,00 4,92 1,31 0,83 Pedro Leopoldo ........ 1,90 0,00 0,24 0,65 0,46 0,48 0,00 2,19 0,95 0,72 Raposos ................... 0,00 0,00 0,01 0,04 0,00 0,00 0,00 0,00 0,12 0,08 Ribeirão das Neves .. 4,44 0,71 0,30 0,92 0,21 0,05 0,00 1,09 2,29 0,27 Rio Acima ................. 0,09 0,00 0,28 0,07 0,02 0,00 0,00 0,55 0,09 0,33 Rio Manso ................ 0,00 0,00 0,01 0,01 0,00 0,00 0,00 0,55 0,02 0,00 Sabará ...................... 1,18 0,00 0,38 0,54 0,34 3,97 0,00 0,55 1,36 0,68 Santa Luzia .............. 3,00 0,00 0,42 0,92 0,48 1,04 0,03 1,09 2,27 1,01 São Joaquim de Bicas 0,02 0,00 0,02 0,11 0,02 0,00 0,00 0,00 0,13 0,03 São José da Lapa .... 0,02 0,00 0,13 0,07 0,00 0,00 0,01 0,00 0,24 0,04 Sarzedo .................... 0,13 0,00 0,10 0,05 0,13 0,10 0,00 0,00 0,11 0,01 Taquaraçu de Minas 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,02 Vespasiano .............. 0,77 0,00 0,77 0,38 0,22 1,23 0,00 0,00 0,93 0,20

(continua)

510 Rodrigo Ferreira Simões; Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira; Pedro Vasconcelos Maia do Amaral

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Tabela A.1 Participação relativa do emprego formal dos municípios no total da RMBH — 2002

CÓDIGOS MUNICÍPIOS

21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 Baldim ...................... 0,11 0,08 0,14 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 Belo Horizonte ......... 70,56 84,80 88,90 33,04 81,76 99,92 99,83 100,00 82,31 83,09 Betim ........................ 3,68 3,82 2,78 0,00 13,21 0,00 0,02 0,00 2,43 1,35 Brumadinho .............. 2,74 0,26 0,20 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,18 0,05 Caeté ....................... 0,00 0,33 0,26 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,19 0,25 Capim Branco .......... 0,13 0,05 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,04 0,10 Confins ..................... 0,00 0,08 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,02 Contagem ................ 4,59 2,30 4,41 0,00 1,79 0,00 0,00 0,00 7,54 8,75 Esmeraldas .............. 0,24 0,31 0,12 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,11 0,01 Florestal ................... 0,11 0,09 0,18 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 Ibirité ........................ 1,59 0,47 0,68 0,00 0,23 0,00 0,16 0,00 0,17 0,03 Igarapé ..................... 0,33 0,23 0,00 0,00 0,06 0,00 0,00 0,00 0,01 0,06 Itaguara .................... 0,53 0,06 0,58 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,02 0,09 Jaboticatubas ........... 0,13 0,12 0,32 0,00 0,11 0,00 0,00 0,00 0,04 0,26 Juatuba .................... 1,74 0,20 0,00 0,00 0,03 0,00 0,00 0,00 0,36 0,00 Lagoa Santa ............. 1,10 0,38 0,00 66,96 0,06 0,08 0,00 0,00 0,33 0,27 Mário Campos .......... 0,07 0,09 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 Mateus Leme ........... 0,20 0,24 0,06 0,00 2,39 0,00 0,00 0,00 0,06 0,18 Matozinhos ............... 0,60 0,39 0,20 0,00 0,37 0,00 0,00 0,00 0,10 0,07 Nova Lima ................ 3,22 0,87 0,20 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 2,70 3,21 Pedro Leopoldo ........ 0,90 0,76 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 1,06 0,33 Raposos ................... 0,29 0,14 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,01 0,00 Ribeirão das Neves .. 1,96 1,26 0,22 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,35 0,11 Rio Acima ................. 0,00 0,09 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,01 Rio Manso ................ 0,11 0,05 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 Sabará ...................... 0,93 0,56 0,02 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,70 0,53 Santa Luzia .............. 1,99 0,77 0,10 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,78 0,58 São Joaquim de Bicas 0,15 0,16 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,01 São José da Lapa .... 0,29 0,15 0,22 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,01 0,01 Sarzedo .................... 0,07 0,14 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 Taquaraçu de Minas 0,07 0,05 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 Vespasiano .............. 1,57 0,68 0,38 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,52 0,61

FONTE: RELAÇÃO ANUAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS — RAIS. [S. I.: s. n.], 2002.

511Rede urbana metropolitana: uma análise da estrutura terciária de Belo Horizonte

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 471-514, out. 2006

Referências

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Transferências redistributivas edesequilíbrios regionais: uma análiseexploratória da gestão pública local*

Tito Belchior S. Moreira** Professor Adjunto da Universidade Católica de Brasília, Doutor em Economia pela Universidade de BrasíliaCarlos Eduardo Gasparini*** Professor Adjunto da Universidade Católica de Brasília, Doutor em Economia pelo PIMES-UFPEHélio Eduardo da Silva**** Professor Adjunto da Universidade Católica de Brasília, Doutor em Sociologia pela Universidade de BrasíliaRicardo Coelho de Faria***** Professor Adjunto da Universidade Católica de Brasília, Doutor em Economia pela Universidade de Brasília

Resumo

Três tópicos são avaliados, com base numa análise de classificação e numaamostra de 4.263 municípios, para o ano 2000: eqüidade em serviços públicos,uso dos gastos públicos e eficiência arrecadadora. Os resultados revelam osmunicípios que apresentam déficit de oferta de serviços públicos, má gestão degastos públicos e ineficiência arrecadadora. Nesse contexto, tais informaçõespodem subsidiar as decisões dos formuladores de políticas públicas quanto àconveniência da implementação de transferências de recursos públicos para ocombate aos desequilíbrios regionais.

Artigo recebido em jun. 2005 e aceito para publicação em jul. 2006.

* Os autores agradecem aos pareceristas anônimos pelos pertinentes comentários.Qualquer erro porventura remanescente é de inteira responsabilidade dos autores.

** E-mail: [email protected]

*** E-mail: [email protected]

**** E-mail: [email protected]

***** E-mail: [email protected]

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Palavras-chaveDesequilíbrios regionais; eqüidade; transferências governamentais.

AbstractThree topics are evaluated based on classification analysis and on an sample of4,263 localities in 2000: equity of public services, inappropriate management ofpublic expenditures and efficiency in the collect of taxes. The results reveal thelocalities that present deficits of supply of public services, inadequatemanagement of public expenses, and inefficiency in the collect of taxes. In thiscontext, this information may help the policymakers to decide about theconvenience of the public transfers to reduce the regional unbalance.

Key wordsRegional unbalances; equity; governmental transfers.

Classificação JEL: H77.

1 IntroduçãoA responsabilidade de atuar sobre desigualdades pessoais ou regionais de

renda é uma das funções comumente atribuídas ao Estado. Uma das formasque os governos encontram para tentar aplacar diferenças econômicas e sociaisentre regiões é a distribuição espacial de sua própria atuação sobre a sociedade.Com base nesse raciocínio, áreas com menores níveis de desenvolvimentodeveriam receber atenção especial das políticas públicas compensatórias ou deprogramas específicos para promoção do desenvolvimento.

Há um amplo consenso de que a atuação governamental nesse campodeve envolver tanto a esfera nacional (União) como as esferas inferiores degoverno (estados e municípios).1 Devido às diferenças de capacidade de

1 Oates (1972) destaca que políticas compensatórias descentralizadas, conduzidas indivi-dualmente por estados ou municípios, tendem a ser pouco efetivas. Por outro lado, apenasa atuação centralizada tende a negligenciar especificidades locais que podem comprometerseriamente a eficiência da atuação pública.

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arrecadação entre governos subnacionais, que, em geral, acompanham as desi-gualdades econômicas, o processo de equalização, ou mesmo de reforço daatuação pública em áreas menos desenvolvidas, acaba por basear-se na con-cessão de transferências ou de repasses intergovernamentais (tanto verticaiscomo horizontais).

Visto sob essa ótica, o objetivo dessas transferências, de caráterredistributivo,2 seria a tentativa de equilibrar, ou reforçar, a atuação pública entreunidades federativas com capacidade de arrecadação diferenciada. Há, no entanto,uma crescente percepção de que essa intenção esbarra em ao menos doisproblemas relacionados a incentivos perversos no tocante à boa gestão pública.

Em primeiro lugar, a presença de transferências ocasionaria um incentivoà má gestão dos gastos públicos. Um dos principais argumentos a favor deuma estrutura de governo federativa mais descentralizada é que esta cria maiorconexão (e melhor visibilidade) entre a arrecadação tributária e as ações públicas.Isso favorece o processo de accountability3, na medida em que mobilizaria apopulação para exigir maior eficiência dos gestores no uso dos recursos públicos.O apelo excessivo às transferências, entretanto, romperia essa conexão, umavez que as ações públicas locais não mais seriam necessariamente financiadascom recursos arrecadados localmente. Afastados os olhos vigilantes dapopulação, os governantes estariam menos pressionados a agir segundo osmelhores interesses dos cidadãos.

Além disso, haveria também um incentivo à ineficiência na arrecadaçãoassociado à existência das transferências. Uma vez que qualquer incapacidadelocal de arrecadação (seja devido a bases tributárias restritas, seja devido àineficiência ou mesmo à simples negligência) tenderia a ser compensada peloaumento das transferências, os gestores locais teriam pouco incentivo paraempreender maiores esforços arrecadatórios. Se as unidades cedentes não têmcomo verificar qual o motivo da baixa arrecadação própria das unidades receptorasdas transferências, cria-se um incentivo perverso aos gestores locais: arrecadarrecursos próprios exige mais esforço do que simplesmente receber transferênciasarrecadadas em outras localidades.

2 Ver Prado (2001), para uma discussão dos diversos tipos de transferências.3 Campos (1990) analisa que uma burocracia responsável é conseqüência de um somatório de

dimensões contextuais da administração pública. O grau de accountability de uma determi-nada burocracia é explicado pelas dimensões do macroambiente da administração pública:a textura política e institucional da sociedade, os valores e os costumes partilhados nacultura e a história.

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Diante desse cenário, percebe-se que transferir recursos públicos não ne-cessariamente resolve os problemas, podendo até agravá-los. O presente estu-do pretende abordar a questão dos impactos da redistribuição de recursos públi-cos sobre a gestão pública dos municípios brasileiros. O foco nos municípiosjustifica-se devido ao processo de descentralização fiscal iniciado a partir dadécada de 80 e consolidado, definitivamente, com a Constituição Federal de1988. A partir desse processo, os municípios brasileiros ganharam não só maiorautonomia administrativa, como também obtiveram expressivo aumento dovolume de recursos sob sua responsabilidade.4

Para atingir o objetivo proposto, o artigo procura enfocar três aspectosrelacionados à elaboração de políticas públicas de caráter redistributivo. Emprimeiro lugar, busca-se identificar os municípios que deveriam, em princípio,ser o alvo prioritário das políticas públicas regionais, por apresentarem elevadasdefasagens econômicas e sociais e restrita cobertura de serviços públicosdisponíveis para atender às suas demandas. A partir disso, parte-se para aidentificação daquelas unidades que apresentem insuficiente desempenho tantoem termos do uso dos recursos quanto da sua arrecadação. A idéia a ser exploradaé a de que não adianta destinar recursos para localidades onde o resultado finalda transferência seja desperdício ou acomodação tributária. Em outras palavras,a redistribuição não deve servir para financiar ineficiência, principalmente quandose leva em conta que esses recursos poderiam estar gerando riqueza eprosperidade social em usos alternativos. Nesses casos, o foco das políticaspúblicas deve ser reavaliado no sentido de levar explicitamente em conta aquestão dos incentivos perversos anteriormente apontados.

O artigo está estruturado em quatro seções, incluindo esta Introdução. Asegunda seção apresenta a abordagem metodológica, bem como expõe e comentaa base de dados utilizada. A terceira analisa e discute os resultados obtidos. Naúltima seção, tecem-se algumas Considerações finais.

2 Aspectos metodológicosA disponibilidade de indicadores municipais de receitas e despesas

correntes, bem como de base tributária, necessidades e oferta de serviçospúblicos, leva, naturalmente, à investigação sobre a existência de grupos

4 Só para ilustrar esse ponto, destaca-se que a nova Constituição aumentou o percentual doFundo de Participação dos Municípios (FPM) de 17,0% para 22,5%. Mais informações sobreesse e outros aspectos da descentralização fiscal brasileira podem ser obtidos em Gomese MacDowell (2000).

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homogêneos, isto é, de conglomerados de municípios com características simi-lares. A presente abordagem, nesse aspecto, utiliza-se do método de classifica-ção de Ward (Everitt; Dunn, 2001) e da distância euclidiana como medidas deproximidade entre grupos. A técnica de Ward é um método de classificaçãohierárquico, que procura formar agrupamentos com a menor variabilidade possíveldentro dos grupos. O critério tem um princípio similar ao da análise de variânciamultivariada. A escolha formal do número de municípios baseia-se nas estatísticascomumente utilizadas na análise de agrupamentos — Critério de AgrupamentoCúbico e Quadrado de Correlação Múltipla, conforme Everitt e Der (1996). Aclassificação dicotômica gerada pelo processo pode ser validada com o uso deanálise discriminante (Everitt; Der, 1996). Nesses termos, o interesse reside naprobabilidade posterior de classificação dos municípios em cada grupo e naproporção de municípios erroneamente classificados. Destaque-se, ainda, quetodas as variáveis utilizadas na análise de classificação devem ser padronizadas,isto é, possuir média nula e desvio padrão unitário.

A base de dados considera informações sobre o conjunto dos municípiosbrasileiros relativas ao ano 2000. As informações foram filtradas de forma aeliminar municípios com base incompleta de dados e aqueles que apresentavamvalores contraditórios entre as variáveis. O resultado foi uma amostra com 4.263municípios, distribuídos nos 26 estados da Federação. A fonte dos dados provémda base de informações do IBGE de 1998 e 2000.

As variáveis utilizadas são as apresentadas a seguir:a) necessidades n1 = ALUNOS = população em idade escolar (5 a 19 anos); n2 = ANALF = número de analfabetos; n3 = IDOSOS = população com mais de 60 anos; n4 = DOENÇAS = número de óbitos por doenças parasitárias e infec-

ciosas; n5 = MORTINF = número de óbitos antes de completar um ano de vida; n6 = LNCOL = número de residências sem coleta de lixo. As variáveis escolhidas para compor o conjunto de necessidades de cadalocalidade procuraram identificar necessidades nas áreas de educação(n1 e n2), cuidados médicos e assistenciais (n3, n4 e n5) e serviços urba-nos (n6). Todas essas variáveis foram consideradas para o ano 2000,exceto n4 e n5, que foram consideradas para 1998, devido a dificuldadesna sua obtenção para aquele ano. Trata-se, no entanto, de uma defasa-gem pequena, em variáveis cujas transformações tendem a ser sentidasmuito lentamente;

b) oferta de serviços públicos y

1 = SA1 = internações;

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y2 = SA2 = pessoal ocupado na área de saúde e assistência social; y3 = ED1 = matrículas no pré-escolar; y4 = ED2 = matrículas no ensino fundamental; y5 = ED3 = docentes no pré-escolar; y6 = ED4 = docentes no ensino fundamental; y7 = LCOL = número de domicílios com lixo coletado.

Para apreender a disponibilidade local de serviços públicos, conside- raram-se variáveis representativas de serviços nas áreas de saúde (y1 e y2), educação (y3 a y6) e serviços urbanos diversos (y7);

c) base de arrecadação B1 = RENDA = renda total do município; B2 = COTA ICMS = cota-parte do ICMS recebida pelo município; B3 = PURB = população urbana do município; B4 = IMOB = massa salarial do pessoal ocupado em atividades imobiliárias e de prestação de serviços a empresas; B5 = ALOJ = massa salarial do pessoal ocupado em atividades relacionadas à alimentação e a alojamento.

As variáveis representativas da base tributária procuraram refletir o nível de atividade do município (B1 e B2), bem como as principais bases de incidência dos tributos municipais, ou seja, propriedade territorial urbana (B3 e B4) e prestação de serviços (B5);

d) receitas e despesas públicas RT = RECEITA = receitas tributárias próprias; C = CUSTO = despesas correntes. Para avaliar a arrecadação própria dos municípios, considerou-se o to-

tal de receitas tributárias arrecadadas no período. Para avaliar os cus-tos efetivamente incorridos pelos municípios para a prestação dos ser-viços, consideraram-se as despesas correntes. Excluíram-se as des-pesas de capital, devido à sua irregularidade e por não representarem ofinanciamento de atividades disponibilizadas no momento da avaliação.As informações foram obtidas em bases do IBGE (2003; 2001) e daSecretaria do Tesouro Nacional (STN). Todas as variáveis são pondera-das pelo total da população de cada município (POP).

A seguir, serão apresentados, de forma mais detalhada, os métodos deanálise de classificação utilizados neste trabalho.

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2.1 Análise de agrupamentoA análise de agrupamento (AA), também conhecida por análise de

conglomerados (cluster analysis), caracteriza-se como o conjunto de técnicasde classificação dos itens de uma amostra em grupos, os conglomerados, detal forma que os objetos pertencentes a cada grupo sejam altamente similares eque os conglomerados distintos sejam dissociados no mais alto grau possível.Por exemplo, pode-se desejar agrupar empresas de certa região segundo aqualidade de seus serviços. É desejável que as firmas classificadas num mesmogrupo ofereçam serviços com a mesma qualidade e que aquelas em gruposdistintos tenham serviços com qualidade diferenciada.

A busca por uma estrutura natural de grupos em um conjunto de dadosdepende da definição de medidas de similaridade ou de proximidade entre itens.A natureza e a escala das variáveis envolvidas, adicionadas ao conhecimentosubstantivo da área onde se pretende aplicar a AA, podem conduzir a diferentesdefinições.

2.1.1 Medidas de parecença

Aos indicadores de similaridade ou dissimilaridade entre unidades dá-se onome de medida de parecença. Há várias propostas de medidas de parecençaentre itens de uma amostra. O conceito mais simples de dissimilaridade estáassociado à noção de distância. Num espaço qualquer, dois pontos vão tornando--se menos parecidos entre si à medida que aumenta a distância entre eles.Assim, uma medida de disssimilaridade é dada pela distância em linha retaentre dois pontos, a distância euclidiana. Para facilitar a compreensão, considere--se um caso simples, como a distância entre dois pontos (A, B).

Os pontos A e B são definidos, respectivamente, pelas coordenadas(x

1, x

2) e (y

1, y

2). A distância euclidiana entre eles é dada por:

A distância euclidiana de um ponto qualquer P = (x1, x

2) à origem

O = (0,0) é, da mesma forma, dada por:

d(0,P) = 22

21 xx +

d(A,B) = 222

211 )()( yxyx −+−

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Todos os pontos P = (x1, x

2) satisfazendo

estão a uma distância constante, igual a c, da origem. Observe-se que essa é aequação do círculo com o centro na origem e raio c.

Estendendo essa idéia para o caso geral de pontos em um espaço p--dimensional, a distância euclidiana entre o ponto A, com coordenadas(x

1, x

2, ... , x

p) e o ponto B, com coordenadas (y

1, y

2, ... , y

p), é dada por:

d2(0,P) = x12 + x2

2 = c2

d(A,B) = 2222

211 )(...)()( pp yxyxyx −++−+−

onde é o quadradoda distância euclidiana.A distância euclidiana de A até a origem é:

Os pontos (x1, x

2, ... , x

p) eqüidistantes da origem obedecem à equação:

d(0,A) = 222

21 ... pxxx +++

2.1.2 Métodos de agrupamento

Vamos pensar em uma amostra de indivíduos com duas características:altura e peso. Imagine-se que as coordenadas de cada indivíduo (altura, peso)sejam distribuídas num plano cartesiano da seguinte forma:

Peso

Altura

d2(0,P) = x12 + x2

2 + ... + xp2 = c2

d(A,B)2 = (x1 – y1)2 + (x2 – y2)

2 + ... + (xp – yp)2

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onde, dentro de cada bola, existe uma porção de indivíduos, com característi-cas definidas pelo peso e pela altura, que formam dois grupos (clusters): osindivíduos mais leves e baixos estão concentrados dentro da bola à esquerda; eos indivíduos mais pesados e altos estão concentrados dentro da bola à direita.Quanto menores as distâncias dos indivíduos dentro de cada bola, isto é, quan-to mais coesos e similares forem os indivíduos, por um lado, e quanto maior fora distância entre as duas bolas, isto é, quanto maior for o isolamento externo ouquanto maior for a dissimilaridade entre os grupos, por outro lado, melhor será adefinição dos agrupamentos.

Todos os métodos de agrupamentos baseiam-se, simultaneamente, nacoesão interna dos objetos dentro de cada grupo e no isolamento externo entreos grupos. Apesar disso, há uma diversidade de conceitos nas definições de“coesão entre objetos” e de “isolamento externo”, daí o surgimento de diferentesmétodos com o mesmo objetivo de se agruparem dados, satisfazendo os critériosjá citados: coesão interna dos objetos dentro de cada grupo e isolamento externoentre os grupos.

Uma das técnicas de agrupamento mais usual na literatura é conhecidacomo técnica hierárquica, na qual os grupos são formados por fusões ou divisõessucessivas, de modo hierárquico, produzindo uma árvore de classificação.

Os métodos hierárquicos aglomerativos são aqueles que se iniciam comn grupos, cada um com um único elemento. Numa primeira etapa, são agrupa-dos os dois objetos mais similares, produzindo n - 1 grupos. Esses gruposiniciais vão fundindo-se até que, eventualmente, todos os subgrupos são fundi-dos num único grupo.

Uma das vantagens em se utilizarem os métodos hierárquicos é apossibilidade de apresentação dos resultados na forma de um gráfico chamadode dendrograma, que ilustra as fusões ou divisões feitas em cada etapa,permitindo uma visualização da parecença entre grupos. Os métodos hierárquicosaglomerativos costumam ser mais utilizados.

O isolamento externo entre grupos pode ser medido de várias maneirasdiferentes, cada uma delas originando um novo método de agrupamento. Algunsmétodos comumente utilizados são os seguintes: between-groups linkage,within-groups linkage, nearest neighbor, furthest neighbor, centroid clustering,median clustering e Ward’s method.

Estudos feitos por simulação mostram que o método de Ward é um dosmais resistentes e, portanto, deve ser preferido nas situações de dúvida sobre ofenômeno em estudo. Nesse caso, recomenda-se também a aplicação de doisou mais métodos ou, ainda, para um mesmo método, diferentes medidas desimilaridade, para verificação da estabilidade do agrupamento obtido. O método

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de Ward também é indicado para variáveis padronizadas (variância unitária), queé um procedimento utilizado para evitar problemas de escala das variáveis.

2.2 Análise discriminanteA análise discriminante (AD) é útil para situações onde se deseja aplicar

um modelo de previsão para membros (observações) filiados a grupos, combase nas características observadas de cada um dos membros. Uma vezdeterminados previamente os grupos aos quais cada um dos membros pertença,a AD verifica qual a probabilidade de cada um deles pertencer aos grupospreviamente definidos, com base nas suas características observadas.5

A AD é uma técnica estatística de classificação, tal qual a análise deagrupamento. As duas técnicas classificam os membros em seus respectivosgrupos, com base nas características de seus membros. A diferença é que aAA não possui os grupos previamente definidos e também não se trata de ummodelo probabilístico (modelo de previsão ou modelo preditivo). Portanto, quandose tem um problema de classificação para resolver e não se sabe previamenteos grupos, deve-se usar a AA. Uma vez definidos os grupos pela AA, pode-seaplicar a análise discriminante para confrontar os resultados. Com base na AD,sabe-se qual a probabilidade de cada um dos membros de sua amostra pertenceraos grupos previamente definidos pela AA.

3 Análise dos resultadosA presente análise exploratória baseia-se em critérios de classificação

com a utilização de análises de agrupamento e discriminante. Nesse contexto,foram avaliados três tópicos: eqüidade em serviços públicos, uso dos recursospúblicos e eficiência arrecadadora.

3.1 Eqüidade em serviços públicos: necessida- des e ofertas de serviços públicos

A idéia motivadora do princípio distributivo da eqüidade assevera queunidades com necessidades semelhantes devem ser atendidas por serviços

5 Um exemplo da utilização da AD foi aplicado por Moreira, Pinto e Souza (2004).

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públicos equivalentes.6 Assim, um município demonstrará eqüidade relativa paracada variável analisada (indicadores de saúde, educação, coleta de lixo), casouma maior (menor) oferta de serviços esteja associada a uma maior (menor)necessidade ou demanda pelo respectivo serviço.

Com base na análise de agrupamento, identificam-se dois grupos. Osresultados da Tabela 1 permitem verificar o perfil dos grupos quanto à oferta deserviços públicos. Os municípios que pertencem ao Grupo 1 detêm uma maioroferta de serviços públicos associados à educação, por possuírem maioresmédias, comparativamente ao Grupo 2, para cada uma das variáveis descritas.Especificamente, tais serviços referem-se às matrículas no pré-escolar (ED1),às matrículas no ensino fundamental (ED2), aos docentes no pré-escolar (ED3)e aos docentes no ensino fundamental (ED4). Por outro lado, o Grupo 2 destaca--se por uma maior oferta de serviços associados à saúde — internações (SA1)e pessoal ocupado na área de saúde e assistência social (SA2) — e ao númerode domicílios com lixo coletado (LCOL). O Grupo 1 é formado por 1.460municípios, enquanto o Grupo 2 é composto por 2.803.7

Tomando-se a variável de grupo (oferta de serviços públicos) como funçãodas variáveis associadas às necessidades, a análise discriminante permiteinterpretar os resultados apresentados nas Tabelas 2, 3 e 4.

A Tabela 2 mostra que os valores médios do Grupo 1 são inferiores aos doGrupo 2, no que se refere à população com mais de 60 anos (IDOSOS) e aonúmero de óbitos por doenças parasitárias e infecciosas (DOENÇAS). Nessecontexto, tais indicadores geram, em média, uma menor demanda por serviçospúblicos para os municípios do Grupo 1. Por outro lado, esses mesmos municípiospossuem, em média, os seguintes indicadores, que sugerem maior demandapor serviços públicos comparativamente aos municípios do Grupo 2: populaçãoem idade escolar entre cinco e 19 anos (ALUNOS), número de analfabetos(ANALF), número de óbitos antes de completar um ano de vida (MORTINF) enúmero de residências sem coleta de lixo (LNCOL).

A Tabela 3 revela que todas as variáveis associadas ao construto neces-sidades possuem médias estatisticamente diferentes. O teste F revela quetodas as variáveis são significantes a 5%. Isso quer dizer que todas elas discri-minam os grupos.

6 Ver Medeiros (1999), para uma discussão detalhada sobre o princípio da eqüidade no setorde saúde.

7 Tais números estão descritos na Tabela 4. Destaque-se que todas as variáveis estão ponde-radas pela população total de cada município.

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Tabela 1

Estatísticas descritivas dos grupos: oferta de serviços públicos

nos municípios brasileiros — 1998-00

GRUPOS NO MÉTODO DE WARD E VARIÁVEIS

MÉDIA (1) DESVIO PADRÃO

Grupo 1

SA1/POP .................................................. -0,370 0,771

SA2/POP .................................................. -0,212 0,199

ED1/POP .................................................. 0,152 1,280

ED2/POP .................................................. 0,983 0,921

ED3/POP .................................................. 0,339 1,408

ED4/POP …………………………………… 0,992 0,839

LCOL/POP …………………………………. -0,719 0,799

Grupo 2

SA1/POP .................................................. 0,193 1,050

SA2/POP .................................................. 0,110 1,210

ED1/POP …………………………………… -0,079 0,803

ED2/POP …………………………………… -0,512 0,559

ED3/POP …………………………………… -0,177 0,630

ED4/POP …………………………………… -0,516 0,612

LCOL/POP …………………………………. 0,374 0,882 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000. (1) Dados padronizados.

Tabela 2

Estatísticas descritivas dos grupos: necessidades de serviços públicos nos municípios brasileiros — 1998-00

GRUPOS NO MÉTODO DE WARD E VARIÁVEIS MÉDIA (1) DESVIO PADRÃO

Grupo 1

ALUNOS/POP ........................................... 0,686 0,944

ANALF/POP .............................................. 0,785 1,011

IDOSOS/POP ........................................... -0,113 1,003

DOENÇAS/POP ........................................ -0,118 1,095

MORTINF/POP ......................................... 0,041 1,288

LNCOL/POP ………………………………… 0,595 0,833

Grupo 2

ALUNOS/POP ........................................... -0,357 0,827

ANALF/POP .............................................. -0,409 0,707

IDOSOS/POP ........................................... 0,059 0,993

DOENÇAS/POP ........................................ 0,061 0,941

MORTINF/POP ......................................... -0,021 0,810

LNCOL/POP ………………………………… -0,310 0,938 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000. (1) Dados padronizados.

Transferências redistributivas e desequilíbrios regionais:... 13

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 515-542, out. 2006

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 515-542, out. 2006

Tabela 3

Testes de igualdade da média dos grupos: necessidades de serviços públicos nos municípios brasileiros — 1998-00

VARIÁVEIS INDEPENDENTES

WILKS' LAMBDA

TESTE F (1)

gl1 (2)

gl2 (2)

NÍVEL DE SIGNIFICÂNCIA

ALUNOS/POP ......... 0,755 1 383,869 1 4 261 0,000

ANALF/POP ............ 0,679 2 013,082 1 4 261 0,000

IDOSOS/POP .......... 0,993 28,669 1 4 261 0,000

DOENÇAS/POP ...... 0,993 30,955 1 4 261 0,000

MORTINF/POP ........ 0,999 3,734 1 4 261 0,050

LNCOL/POP ............ 0,816 963,194 1 4 261 0,000 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000. (1) O teste F, com base no Wilks' Lambda, mostra que todas as variáveis são significantes a 5%. (2) gl = graus de liberdade.

Tabela 4

Resultados de classificação dos municípios brasileiros nos grupos — 1998-00

PREVISÃO DOS GRUPOS GRUPOS NO

MÉTODO DE WARD Grupo 1 Grupo 2

TOTAL

Grupo 1 ....................... 1 092 368 1 460

Grupo 2 ....................... 537 2 266 2 803

Grupo 1 (%) ................ 74,8 25,2 100,0

Grupo 2 (%) ................ 19,2 80,8 100,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000. NOTA: Dos casos originalmente agrupados, 78,8% foram corretamente classifica- dos.

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Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 515-542, out. 2006

As variáveis associadas às necessidades são capazes de prever a alocaçãodos municípios nos seus respectivos grupos (1 ou 2), originalmente formadoscom base nas características de ofertas de serviços públicos. Cada um dosmunicípios possui variáveis associadas às necessidades e associadas à ofertade serviços públicos. A análise discriminante faz a seguinte pergunta: dado queum município qualquer foi originalmente classificado em um dos grupos (1 ou 2)com base nas suas características de oferta de serviços públicos, qual aprobabilidade de que esse mesmo município pertença realmente a esse grupocom base nas suas características associadas às necessidades?

Os resultados da classificação mostram que, de um total de 1.460 municípiosoriginalmente classificados no Grupo 1, 25,2% (368 municípios) foramreclassificados no Grupo 2. Da mesma forma, dos 2.803 municípios classificadosoriginalmente no Grupo 2, 19,2% (537 municípios) foram reclassificados no Grupo1. Em média, 78,8% dos municípios foram corretamente classificados nos grupospreviamente definidos. O fato de os municípios serem corretamente classificados,ou seja, serem classificados no grupo previamente definido, não implica,necessariamente, que haja uma eqüidade estrita, mas, sim, relativa, como seconstatará a seguir.

No que tange à eqüidade, os resultados sugerem que os municípioscorretamente classificados no Grupo 1 possuem maiores necessidades(demandas) de serviços educacionais e, da mesma forma, maiores ofertas deserviços públicos educacionais, comparativamente ao Grupo 2. Constata-se,ainda, que os municípios corretamente classificados no Grupo 2 possuem maioresofertas de serviços de saúde e de coleta de lixo e, da mesma forma, maioresnecessidades (demanda) de serviços públicos associados à saúde dosidosos e da população suscetível a doenças parasitárias e infecciosas, compa-rativamente ao Grupo 1. Entretanto observa-se que, para os programas relativosà mortalidade infantil e à coleta de lixo, existe uma menor oferta de serviçospúblicos frente às necessidades. Nesse contexto, pode-se inferir, grosso modo,que 78,8% dos municípios corretamente classificados possuem oferta de servi-ços públicos relativamente compatíveis com as suas respectivas necessida-des, exceto para os programas associados à mortalidade infantil e à coleta delixo. Ressalte-se que esse resultado sugere compatibilidade relativa entre ofertae demanda pelos respectivos serviços e necessidades públicas, por tratar-sede análise com base nas médias das variáveis. Nesse contexto, numa análisemunicípio a município, deve haver déficit ou superávit de necessidades, só quenão tão exagerados como nos casos em que há classificação errônea, comonos apresentados a seguir.

Os 368 municípios (25,2%) originalmente classificados no Grupo 1 combase nas características de ofertas de serviços públicos foram realocados para

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o Grupo 2, com base nas suas características de necessidades. Dessa forma,percebe-se que, em média, tais municípios possuem as mesmas característi-cas, quanto às necessidades de serviços públicos, dos municípios do Grupo 2.Nesse contexto, pode-se inferir que, em média, tais municípios possuemcaraterísticas de elevada oferta de serviços educacionais combinada com me-nores necessidades em educação; relativa compatibilidade entre menor oferta emenores necessidades de serviços públicos para coleta de lixo e mortalidadeinfantil; e um descasamento entre menor oferta de serviços de saúde e maioresnecessidades associadas à demanda por saúde dos idosos e à demanda dapopulação suscetível a doenças parasitárias e infecciosas.

Isto posto, o perfil desses 368 municípios revela que, em média, elespossuem uma oferta de serviços educacionais superior à demanda e,contrariamente, uma oferta de serviços de saúde (exceto mortalidade infantil)inferior à demanda. Tanto a coleta de lixo quanto a mortalidade infantil possuem,em média, uma oferta de serviços compatível com a demanda.

Percebe-se, também, que os 537 municípios (19,2%), originalmenteclassificados no Grupo 2, com base nas características de ofertas de serviçospúblicos, foram realocados para o Grupo 1, com base nas suas característicasde necessidades. Assim, pode-se inferir que, em média, tais municípios possuemas mesmas características, quanto às necessidades de serviços públicos, dosmunicípios do Grupo 1 e o mesmo perfil quanto à oferta de serviços públicos doGrupo 2. Nesse contexto, esses resultados sugerem que, em média,tais municípios apresentam caraterísticas de baixa oferta de serviços educa-cionais e elevada oferta de serviços públicos de saúde e de coleta de lixo com-parativamente ao Grupo 1. Esse é o perfil dos municípios do Grupo 2 quanto àoferta de serviços públicos. Por outro lado, esses mesmos municípios possuembaixas demandas (necessidades) por serviços de saúde (exceto mortalidadeinfantil), além de alta demanda por serviços educacionais e de coleta de lixo.Esse é o perfil dos municípios do Grupo 2 quanto às necessidades. Isto posto,o perfil desses 537 municípios revela que, em média, eles possuem uma ofertade serviços educacionais inferior à demanda, oferta e demanda de serviçospúblicos associados a programas de coleta de lixo e de mortalidade infantilcompatíveis e uma oferta de serviços de saúde (exceto os ligados à mortalidadeinfantil) superior à demanda.

Com base nos resultados acima, percebe-se que há um descasamentoentre necessidades e oferta de serviços públicos para aqueles municípios quenão foram corretamente classificados na análise discriminante. Isso não querdizer que, para aqueles municípios corretamente classificados, 78,8%, não hajaesse descasamento, uma vez que se está trabalhando com médias. Entretanto,para efeito de políticas públicas, ficam mapeados, para os formuladores de

531Transferências redistributivas e desequilíbrios regionais:...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 515-542, out. 2006

políticas, os municípios que possuem um descasamento mais acentuado entrea demanda e a oferta de serviços públicos.

3.2 Uso dos recursos públicos: despesas correntes e oferta de serviços públicos

No que toca ao emprego adequado dos recursos públicos, espera-se quemaior volume de gastos corresponda a uma oferta maior de serviços públicos.Para haver compatibilidade entre o uso dos recursos públicos (despesascorrentes) e a oferta de serviços públicos, denotando uma relativa eficiência,seria necessário que, para um dado município, uma maior (menor) oferta deserviços públicos seja custeada com um maior (menor) emprego dos recursos.O emprego de recursos públicos relativamente superior à sua oferta gera umindício de que está havendo má gestão do erário público. Na situação inversa,haveria um indício de que os recursos públicos estão sendo empregados deforma relativamente mais eficiente.8

Com base na análise de agrupamento, identificam-se dois grupos. Osresultados da Tabela 5 permitem verificar o perfil dos grupos. Os municípios doGrupo 2 possuem, em média, um maior volume de despesas correntes. O Grupo1 é formado por 3.384 municípios, enquanto o Grupo 2 é composto por 879.9

Tomando-se a variável de grupo (despesas correntes, como proxy para oscustos) como função das variáveis associadas à oferta de serviços públicos(proxies para os outputs), a análise discriminante permite interpretar os resultadosa seguir, tendo por base as Tabelas 6, 7 e 8.

A Tabela 6 mostra que os valores médios do Grupo 1 são inferiores aos doGrupo 2, exceto dos indicadores SA1/POP e ED2/POP. Dessa forma, pode-setraçar o perfil dos municípios pertencentes aos dois grupos no que tange àoferta de serviços públicos. Nesse contexto, observa-se que os municípios doGrupo 2 possuem relativamente maiores ofertas de serviços públicos per capitarelativas à educação, à saúde e à coleta de lixo, exceto para os indicadores deinternações hospitalares (SA1/POP) e de matrículas no ensino fundamental (ED2//POP).

8 É importante deixar claro que a análise de eficiência empregada neste trabalho precisa sersempre qualificada em termos de eficiência relativa. Isto porque o conceito de eficiênciaenvolve um processo de otimização, pelo qual se obtém o maior retorno com o menor custo.A análise de classificação só permite avaliar a questão da eficiência em termos relativos, ouseja, não se pode afirmar que os municípios corretamente classificados nos grupos estãootimizando a coleta de receita ou os gastos correntes para a provisão de bens públicos.

9 Ver Tabela 8.

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Tabela 6

Estatísticas descritivas dos grupos de municípios brasileiros: oferta de serviços públicos — 1998-00

GRUPOS NO MÉTODO DE WARD E VARIÁVEIS MÉDIA (1) DESVIO PADRÃO

Grupo 1

SA1/POP .................................................. 0,108 0,987

SA2/POP .................................................. -0,0106 0,394

ED1/POP .................................................. -0,084 0,975

ED2/POP .................................................. 0,048 1,037

ED3/POP .................................................. -0,069 0,969

ED4/POP …………………………………… -0,025 0,956

LCOL/POP …………………………………. -0,073 1,002

Grupo 2

SA1/POP .................................................. -0,417 0,938

SA2/POP .................................................. 0,041 2,063

ED1/POP …………………………………… 0,324 1,027

ED2/POP …………………………………… -0,186 0,817

ED3/POP …………………………………… 0,266 1,069

ED4/POP …………………………………… 0,096 1,150

LCOL/POP …………………………………. 0,280 0,942 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000. (1) Dados padronizados.

Tabela 5 Estatísticas descritivas dos grupos de municípios brasileiros:

despesas correntes — 1998-00

GRUPOS NO MÉTODO DE WARD VARIÁVEIS MÉDIA DESVIO

PADRÃO

Grupo 1 ............................ Despesas correntes/POP -0,383 0,435

Grupo 2 ............................ Despesas correntes/POP 1,476 1,173 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000.

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Tabela 7

Testes de igualdade da média dos grupos de municípios brasileiros: oferta de serviços públicos — 1998-00

VARIÁVEIS TESTE WILKS' LAMBDA

TESTE F

gl 1 (1)

gl 2 (1)

NÍVEL DE SIGNIFICÂNCIA

SA1/POP ....... 0,955 201,658 1 4 261 0,000

SA2/POP ....... 1,000 1,860 1 4 261 0,173

ED1/POP …… 0,973 119,316 1 4 261 0,000

ED2/POP …… 0,991 38,560 1 4 261 0,000

ED3/POP …… 0,982 80,038 1 4 261 0,000

ED4/POP …… 0,998 10,229 1 4 261 0,001

LCOL/POP ..... 0,980 88,712 1 4 261 0,000 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000. (1) gl = graus de liberdade.

Tabela 8

Resultados da classificação dos grupos de municípios brasileiros: despesas correntes e oferta de serviços públicos — 1998-00

PREVISÃO DOS GRUPOS GRUPOS NO MÉTODO DE WARD

Grupo 1 Grupo 2 TOTAL

Grupo 1 .............................. 2 409 975 3 384

Grupo 2 .............................. 250 629 879

Grupo 1 (%) ....................... 71,2 28,8 100,0

Grupo 2 (%) ....................... 28,4 71,6 100,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000. NOTA: Dos casos originalmente agrupados, 71,3% foram corretamente classificados.

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A Tabela 7 revela que há uma única variável associada à oferta de servi-ços públicos que não possui média estatisticamente diferente (nível designificância de 17,3%). Isso significa que o indicador de saúde per capita —SA2/POP, pessoal ocupado na área de saúde e assistência social/população —é o único que não discrimina os grupos.

Os resultados da classificação mostram que, de um total de 3.384 municípiosoriginalmente classificados no Grupo 1, 28,8% (975 municípios) foramreclassificados no Grupo 2. Da mesma forma, dos 879 municípios classificadosoriginalmente no Grupo 2, 28,4% (250 municípios) foram reclassificados no Grupo1. Em média, 71,3% dos municípios foram corretamente classificados.

No que tange à analise dos gastos, sabendo-se que os municípiospertencentes ao Grupo 2 possuem, em média, maiores despesas correntes,pode-se inferir, grosso modo, que os municípios corretamente classificados noGrupo 1 (2.409 ou 71,2%) possuem gastos relativamente compatíveis com assuas respectivas ofertas de serviços públicos para todas as variáveis, excetopara SA1/POP e ED2/POP. Comparativamente ao Grupo 2, menores gastosestão associados à menor oferta de serviços públicos10. Para as duas variáveisde exceção, menores gastos estão associados à maior oferta de serviços,comparando-se com o Grupo 2. Nesse contexto, o custo por serviços ofertadosé menor, o que pode significar que os recursos públicos estão sendo relativamentemelhor geridos para esses programas.

Por outro lado, pode-se inferir que o perfil dos 975 municípios (28,4%) quenão foram corretamente classificados no Grupo 1 é dado pela associação entremenores gastos, comparativamente ao Grupo 2, e maior oferta de serviçospúblicos, exceto para SA1/POP e ED2/POP. Numa análise similar à do parágrafoanterior, o custo por serviços ofertados é menor, o que pode significar que osrecursos públicos estão sendo relativamente melhor geridos nesses programas.Nesse contexto, pode-se inferir que tais municípios são mais eficientes no tratodos recursos públicos. Para os dois programas de exceção, a avaliação éjustamente o oposto: o custo por serviço ofertado é maior, em média, o quepode significar indícios de má gerência de recursos públicos.

Para a análise do Grupo 2, a interpretação é similar. Para os 629 municípioscorretamente classificados (71,6%), deduz-se que, em média, há relativacompatibilidade entre maiores gastos e maior oferta de serviços públicos, excetopara serviços de internações hospitalares e matrículas do ensino fundamental.

10 Para esses programas governamentais, existe uma compatibilidade, em média, entre ofertade serviços públicos e gastos. A idéia de compatibilidade está associada ao fato de quedeve haver uma relação direta entre maior oferta de serviços públicos e maiores gastos,pois maior oferta de serviços gera maiores gastos.

535Transferências redistributivas e desequilíbrios regionais:...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 515-542, out. 2006

Por outro lado, nos 250 municípios (28,4%) originalmente classificados no Gru-po 2 e realocados no Grupo 1, percebe-se que maiores gastos estão associadoscom menor oferta de serviços, exceto para SA1/PO e ED2/POP. Isso podesignificar má gestão dos recursos públicos.

Para os formuladores de políticas públicas, os resultados supracitadossugerem que é necessário analisar com cautela qualquer decisão de uma maiorinjeção de recursos públicos para aqueles municípios que apresentam custosrelativamente elevados de serviços ofertados, ou, mesmo, necessidade da atualprovisão dos correntes recursos.

3.3 Eficiência arrecadadoraNo tocante à performance de arrecadação, procura-se comparar o montante

arrecadado com indicadores de base tributária disponíveis em cada município.Espera-se que os municípios que apresentem maiores (menores) bases tributáriasconsigam levantar maiores (menores) receitas tributárias próprias. Maior basetributária associada com menor receita de impostos é um indício de ineficiênciaarrecadadora, e, inversamente, maior eficiência arrecadadora estaria associadaà grande arrecadação a partir de bases menores.11

Com base na análise de agrupamento, identificam-se dois grupos. Osresultados da Tabela 9 permitem identificar-se o perfil dos grupos. Os municípiosdo Grupo 2 possuem, em média, uma maior disponibilidade de receitas tributárias.O Grupo 1 é formado por 4.200 municípios, enquanto o Grupo 2 é composto por63.

Tomando-se a variável de grupo (receitas tributárias) como função dasvariáveis associadas à base tributária, a análise discriminante permite interpretaros seguintes resultados a partir das Tabelas 10, 11 e 12.

A Tabela 10 mostra que os valores médios do Grupo 1 são inferiores aos doGrupo 2. Dessa forma, pode-se traçar o perfil dos municípios pertencentes aosdois grupos no que tange à base tributária. Observa-se que os municípios doGrupo 2 possuem, relativamente, uma maior base tributária.

A Tabela 11 revela que todas as variáveis associadas à base tributáriapossuem médias estatisticamente diferentes. Isso significa que todas elasdiscriminam os grupos.

11 É importante destacar, também neste item, a observação sobre eficiência relativa, feita nanota de rodapé número 8, a que a análise de classificação permite chegar.

536 Tito Belchior S. Moreira; Carlos Eduardo Gasparini; Hélio Eduardo da Silva; Ricardo Coelho de Faria

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Tabela 9

Estatísticas descritivas dos grupos de municípios brasileiros: receitas tributárias — 1998-00

GRUPOS NO MÉTODO DE WARD

VARIÁVEIS MÉDIA DESVIO PADRÃO

Grupo 1 ............................ Receita tributária -0,093 0,518

Grupo 2 ............................ Receita tributária 6,190 3,322 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000.

Tabela 10

Estatísticas descritivas dos grupos de municípios brasileiros: base tributária — 1998-00

GRUPOS NO MÉTODO DE WARD E VARIÁVEIS

MÉDIA (1) DESVIO PADRÃO

Grupo 1

RENDA/POP ............................................. -0,031 0,950

COTA ICMS/POP ..................................... -0,014 0,929

PURB/POP ............................................... -0,017 0,993

ALOJ/POP ................................................ -0,035 0,205

IMOB/POP ................................................ -0,010 0,989

Grupo 2

RENDA/POP ............................................. 2,097 1,755

COTA ICMS/POP ..................................... 0,937 3,067

PURB/POP ............................................... 1,145 0,774

ALOJ/POP ................................................ 2,335 7,763

IMOB/POP ................................................ 0,646 1,438 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000. (1) Dados padronizados.

537Transferências redistributivas e desequilíbrios regionais:...

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Tabela 11

Testes de igualdade da média dos grupos de municípios brasileiros: base tributária — 1998-00

VARIÁVEIS TESTE WILKS'

LAMBDA

TESTE F

gl 1 (%)

gl 2 (%)

NÍVEL DE SIGNIFICÂNCIA

RENDA/POP ......... 0,934 300,998 1 4 261 0,000

COTA ICMS/POP... 0,987 56,846 1 4 261 0,000

PURB/POP ............ 0,980 85,523 1 4 261 0,000

ALOJ/POP ............. 0,918 379,581 1 4 261 0,000

IMOB/POP ............. 0,994 26,817 1 4 261 0,000 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000. (1) gl = graus de liberdade.

Tabela 12

Resultados da classificação dos grupos de municípios brasileiros: eficiência arrecadadora — 1998-00

PREVISÃO DOS GRUPOS GRUPOS NO MÉTODO WARD

Grupo 1 Grupo 2 TOTAL

Grupo 1 ....................... 4 086 114 4 200

Grupo 2 ....................... 30 33 63

Grupo 1 (%) ................ 97,3 2,7 100,0

Grupo 2 (%) ................ 47,6 52,4 100,0 FONTE DOS DADOS BRUTOS: Base de Informações Municipais do IBGE: 1998 e 2000. NOTA: Dos casos originalmente agrupados, 96,6% foram corretamente classifica- dos.

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Os resultados da classificação mostram que, de um total de 4.200 muni-cípios originalmente classificados no Grupo 1, 2,7% (114 municípios) foramreclassificados no Grupo 2. Da mesma forma, dos 63 municípios classificadosoriginalmente no Grupo 2, 47,6% (30 municípios) foram reclassificados no Grupo1. Em média, 96,6% dos municípios foram corretamente classificados.

No que tange à eficiência arrecadadora, sabendo-se que os municípiospertencentes ao Grupo 2 possuem maiores bases tributárias, pode-se inferir,grosso modo, que os corretamente classificados no Grupo 1 (4.086 ou 97,3%) eno Grupo 2 (33 ou 52,4%) possuem receitas tributárias relativamente compatíveiscom as suas respectivas bases tributárias

Os 114 municípios (2,7%) originalmente classificados no Grupo 1 combase nas características das receitas tributárias foram realocados para o Grupo2, com base nas suas características de bases tributárias. Isso quer dizer quetais municípios possuem caraterísticas de baixa arrecadação tributária e elevadabase. Nesse contexto, pode-se inferir que tais municípios são relativamenteineficientes no processo de arrecadação.

Os 30 municípios (47,6%) originalmente classificados no Grupo 2 combase nas características de bases tributárias foram realocados para o Grupo 1,com base nas suas características de arrecadação. Isso quer dizer que taismunicípios possuem como caraterísticas elevada arrecadação tributária e basetributária pequena. Nesse contexto, pode-se inferir que tais municípios sãorelativamente eficientes no processo de arrecadação.

Para os formuladores de políticas públicas, os resultados referentes aosmunicípios que são relativamente ineficientes no processo de arrecadaçãosugerem que é necessário se analisar com cautela qualquer decisão de umamaior injeção de recursos públicos para esses municípios. Caso contrário, poderiahaver um incentivo adverso. Nesse contexto, deve-se também ressaltar anecessidade de melhor avaliação no sentido de injetar recursos públicos mesmopara aqueles municípios que apresentem déficit das necessidades.

4 Considerações finaisA análise exploratória com base nas análises de agrupamento e

discriminante avaliou três tópicos: eqüidade em serviços públicos, uso dosrecursos públicos e eficiência arrecadadora.

No que tange à eqüidade, os principais resultados foram os seguintes: (a)em média, 78,8% dos municípios possuem oferta de serviços públicosrelativamente compatíveis com as suas respectivas necessidades, exceto paraos programas associados à mortalidade infantil e à coleta de lixo; (b) 368

539Transferências redistributivas e desequilíbrios regionais:...

Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 27, n. 2, p. 515-542, out. 2006

municípios (25,2%) originalmente classificados no Grupo 1 com base nas ca-racterísticas de ofertas de serviços públicos foram realocados para o Grupo 2,com base nas suas características de necessidades. O perfil desses municípi-os revela que, em média, eles possuem uma oferta de serviços educacionaissuperior à demanda e, contrariamente, uma oferta de serviços de saúde (excetomortalidade infantil) inferior à demanda. Tanto a coleta de lixo quanto a mortali-dade infantil possuem, em média, uma oferta de serviços compatível com ademanda; (c) 537 municípios (19,2%) originalmente classificados no Grupo 2com base nas características de ofertas de serviços públicos foram realocadospara o Grupo 1, com base nas suas características de necessidades. O perfildesses 537 municípios revela que, em média, eles possuem uma oferta deserviços educacionais inferior à demanda, oferta e demanda de serviços decoleta de lixo e associados a programas de controle da mortalidade infantilcompatíveis e uma oferta de serviços de saúde (exceto os associados à morta-lidade infantil) superior à demanda.

Os resultados relativos à análise da eqüidade mostram que há umdescasamento entre oferta de serviços públicos e necessidades da população,em princípio, para 905 municípios (21,2%). Para formuladores de políticas públicasdo Governo central, os resultados sugerem que é necessária a interferência dopoder público para sanar ou reduzir o hiato entre oferta de serviços e necessidades.A princípio, seria necessária uma realocação de recursos dos municípios comexcesso relativo de oferta de serviços públicos (municípios superavitários) paraaqueles que possuem insuficiência de serviços ofertados (municípios deficitários).Entretanto faz-se mister saber se tais municípios utilizam bem os recursospúblicos e se eles também são diligentes quanto à arrecadação de seus tributos.Trata-se de uma informação importante para subsidiar a decisão do formuladorde políticas quanto à implementação de transferências para os municípios comnecessidades superiores à oferta de serviços públicos ou quanto à decisão derealocar recursos dos municípios superavitários para os deficitários.

No que tange à analise dos gastos, pode-se inferir, grosso modo, o quesegue. Em 71,3% dos municípios, os gastos são compatíveis com sua respectivaoferta de serviços públicos, exceto para os serviços de internações hospitalarese de matrículas do ensino fundamental. Para estes, menores gastos estãoassociados à maior oferta de serviços. Nesse contexto, o custo dos serviçosofertados é menor, o que pode significar que os recursos públicos estão sendo,relativamente, melhor geridos. O perfil dos 975 municípios (28,4%) que nãoforam corretamente classificados no Grupo 1 é dado pela associação entremenores gastos comparativamente ao Grupo 2 e maior oferta de serviçospúblicos, exceto para os serviços de internações hospitalares e de matrículasdo ensino fundamental. Nesse caso, pode-se inferir que tais municípios são

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zelosos no trato dos recursos públicos. Para os dois programas de exceção, aavaliação é justamente o oposto: o custo por serviço ofertado é maior, em mé-dia, o que pode significar indícios de má gerência dos recursos públicos. Para aanálise do Grupo 2, a interpretação é similar. Com relação aos 629 municípioscorretamente classificados (71,6%), deduz-se que, em média, há relativacompatibilidade entre maiores gastos e maior oferta de serviços públicos, excetopara serviços de internações hospitalares e de matrículas do ensino fundamental.Por outro lado, nos 250 municípios (28,4%) originalmente classificados no Grupo2 e realocados no Grupo 1, percebe-se que maiores gastos estão associados amenor oferta de serviços (exceto para os serviços de internações hospitalares ede matrículas do ensino fundamental). Nesse contexto, pode-se inferir que taismunicípios apresentam indícios de má gestão dos recursos públicos.

Para os formuladores de políticas públicas, os resultados supracitadossugerem que é necessário analisar com cautela qualquer decisão de uma maiorinjeção de recursos públicos para aqueles municípios que apresentam custosrelativamente elevados de serviços ofertados, uma vez que os recursos jádisponíveis podem estar sendo incorretamente aplicados.

No que tange à eficiência arrecadadora, pode-se concluir, grosso modo,que: (a) os municípios corretamente classificados no Grupo 1 (4.086 ou 97,3%)e no Grupo 2 (33 ou 52,4%) possuem receitas tributárias relativamentecompatíveis com às suas respectivas bases tributárias; (b) os 114 municípios(2,7%) originalmente classificados no Grupo 1 com base nas característicasdas receitas tributárias foram realocados para o Grupo 2, com base nas suascaracterísticas de bases tributárias; isso quer dizer que tais municípios possu-em caraterísticas de baixa arrecadação tributária e elevada base; esse resulta-do sugere que tais municípios são relativamente ineficientes no processo dearrecadação; (c) os 30 municípios (47,6%) originalmente classificados no Grupo2 com base nas características de bases tributárias foram realocados para oGrupo 1, com base nas suas características de arrecadação. Esses municípiospossuem como característica elevada arrecadação tributária e pequena basetributária. Isso sugere que tais municípios são relativamente eficientes noprocesso de arrecadação.

O quadro descrito propõe alguma cautela quanto aos impactos adversosque as transferências redistributivas podem conter. Apesar de existir um grandenúmero de municípios com necessidades maiores do que a oferta disponível, oque fere o princípio da equidade federativa e ressalta a importância da existên-cia de transferências, a redistribuição de receitas não deve servir para financiarineficiência (seja na arrecadação, seja nos gastos). Em tais casos, queinfelizmente o presente estudo revelou serem numerosos, o foco das políticasredistributivas via transferências deve ser repensado, no sentido de levar

541Transferências redistributivas e desequilíbrios regionais:...

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explicitamente em conta a questão dos incentivos perversos associados a elas.Faz-se necessário conhecer quais municípios utilizam bem os recursos públi-cos e são diligentes quanto à arrecadação de seus tributos próprios. Trata-se,portanto, de uma informação importante para subsidiar a decisão do formuladorde políticas públicas quanto à oportunidade das transferências.12

Por fim, cabe ressaltar as limitações metodológicas do trabalho aquiapresentado. Um primeiro ponto refere-se aos indicadores para as análises deeqüidade em serviços públicos, uso dos gastos públicos e eficiência arrecadadora.Obviamente, quanto mais representativas forem as proxies para essesindicadores, mais acurada será a análise de classificação. Nesse sentido, osresultados poderiam ser melhorados com a disponibilidade de melhoresindicadores. Um segundo ponto decorre de limitações dos métodos estatísticosempregados. A maioria dos métodos de agrupamento consiste de abordagensrelativamente simples, que não têm o apoio de fundamentos estatísticosrigorosos. Ao contrário, a maioria dos métodos de conglomeração é heurística,baseada em algoritmos. A análise discriminante é um método probabilístico,que concorre com uma certa desvantagem com outros métodos probabilísticos,como o probit e o logit. Nesse contexto, enfatiza-se que este trabalho se baseianuma análise exploratória de dados, que pode servir para subsidiar osformuladores de políticas públicas em suas decisões. A Analise Envoltória deDados (DEA) e a análise de fronteira estocástica são métodos mais adequadospara análise de eficiência.13

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12 Convém destacar que a análise de classificação identifica cada município e, portanto,permite conhecer o perfil de cada município quanto à eqüidade, ao uso dos gastos e àeficiência arrecadadora.

13 Nesse contexto, ver trabalhos de Gasparini e Melo (2004) e Souza e Ramos (1999) porexemplo.

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O papel de La Conquista del Desierto na construção do Estado argentino, no século XIX

O papel de La Conquista del Desiertona construção do Estado argentino,

no século XIX*

Maria Heloisa Lenz Pesquisadora da Fundação de Economia e Estatística e Professora do Departamento de Economia e da Pós-Graduação em Economia da UFRGS

ResumoEste trabalho tem por objetivo examinar a relação entre a expansão de fronteiraocorrida na Argentina, no período de intenso crescimento econômico do final doséculo XIX, e a formação da nação. A expansão territorial, que implicou aincorporação de grandes contingentes de terras férteis às diversas atividadesagrícolas, constituiu-se em uma das principais alavancas que possibilitaram ocrescimento das exportações e a inserção da Argentina no cenário internacional,nesse período. A principal hipótese do artigo é que essa expansão foi um doseixos que possibilitaram, em 1880, a consolidação definitiva do Estado nacional,com a conseqüente unificação do País. O tema do artigo está desenvolvido emduas partes: na primeira, são discutidos os condicionantes históricos da formaçãodo Estado relacionados com a formação da fronteira argentina; na segunda, éapresentada a principal forma da conquista e da ocupação das terras férteis dopampa argentino, que consistiu nas operações militares, que entraram para aliteratura com a denominação de Campanha do Deserto. Houve duas campanhasdistintas, a de Alsina, de 1874, e a do General Roca, de 1878, sendo que ambastiveram o claro objetivo de resgatar o vasto território (o deserto) ocupado pelosindígenas e povoá-lo. Além disso, os movimentos militares necessitaram dedemarcações de fossas e de fortificações, o que levou, pela primeira vez, àdelimitação física da fronteira. Com as Campanhas de Alsina e do General Roca,foram incorporados 606.000km de território à Nação argentina.

* Trabalho apresentado no Segundo Congresso de História Econômica, na Cidade do México,México, em setembro de 2004. A autora faz os necessários agradecimentos à ProfessoraLigia Osório Silva, pela sugestão do tema do artigo, e à Professora Silvia Horst Campos,pelas valiosas sugestões à versão original. Evidentemente, os possíveis erros e incorre-ções existentes no trabalho são de inteira responsabilidade da autora.

Artigo recebido em nov. 2005 e aceito para publicação em jul. 2006.

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Palavras-chaveArgentina; fronteira; Estado.

AbstractThis article studies the relation between the border expansion of Argentina thatoccurred at the end of the 19th century, a period of high economic growth, andthe consolitated of Argentina nacion. This expansion incorporated large amountsof fertile land into several agricultural activities, and was one of the main factorsin the growth of exports and the insertion of Argentina in the international sceneat the this time. In the first part of this article we discuss the historical constraintof the started the Argentina State related with the formation of borderlinesArgentina. In the second part, we study the main form of conquer and occupationof new fertile land which took place in the Argentinean pampa, by means ofmilitary operations, and which is referred to in the literature as the DesertCampaign. There were two of these campaigns: the one known as Alsina, in1874, and the one by General Roca, in 1878. Both of them had the clear aim oftaking over the vast territory inhabited by the Indians and settle it. Besides that,the construction of fortifications and security checkpoints led, for the first time,to the physical demarcation of a frontier. Summing up, in these two campaigns600,000 square kilometers were incorporated into Argentinian territory.

Key wordsArgentina; frontier; State.

Classificação JEL: N16.

Introdução

A economia argentina experimentou um extraordinário crescimentoeconômico no final dos anos 70 do século XIX, a chamada Belle Époque, ondea característica mais marcante foi a sua integração ao mercado internacional,através de dois movimentos: o crescimento das exportações e o afluxo de capitale de trabalho externo.

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A intensidade do crescimento, nesse período, fez com que a Argentinadespontasse como o principal representante dos processos de crescimento quemarcaram o continente latino-americano nos séculos XIX e XX, valendo-lhetambém a comparação com os principais países ocidentais.

Dentre os aspectos mais peculiares desse período e que muito contribuírampara esse excelente resultado, destaca-se o deslocamento da fronteira argentina,que implicou a incorporação de grandes contingentes de terras férteis àsatividades agrícolas. Essa expansão territorial agregada ao território existente ea sua luta para mantê-lo unificado foram vitais para a formação do Estado nacionale da identidade da nação argentina. O deslocamento da fronteira do País foiviabilizado, principalmente, por uma série de operações militares, que entraramna literatura com a denominação A Campanha do Deserto ou La Conquista delDesierto. Essas ações buscaram, essencialmente, expulsar os índios da regiãolocalizada ao sul de Buenos Aires, de modo a incorporá-la às atividadesprodutivas de exportação.

O trabalho tem por tema o exame do papel que a incorporação de grandescontingentes de terras férteis, os instrumentos que a asseguraram e as lutaspela unidade almejada tiveram na formação do Estado argentino. O seupressuposto é de que as lutas denominadas La Conquista del Desierto foramuma das precondições para a consolidação definitiva da formação do Estadonacional argentino, com a conseqüente unificação territorial do País.

O artigo será desenvolvido em duas partes. Na primeira, serão resgatadose discutidos os conceitos de fronteira e de deserto relacionados com a construçãodo Estado nacional. Na segunda parte, será apresentada a principal forma deocupação das terras férteis do pampa argentino, a Campanha do Desertopropriamente dita: as campanhas militares de Alsina, de 1874, e do GeneralRoca, de 1878.

1 A formação do Estado argentino: a fronteira e o deserto

Um dos pontos iniciais do processo da formação inicial do Estado argentinofoi, sem dúvida, em 1853, quando, com a queda do ditador Rosas em 1852,assumiu o poder um governo que se constituía de um grupo dirigente decidido adesenvolver o País.1 Vários autores, dentre eles Lewis (1980), argumentam que

1 A queda de Rosas, em 1852, marcou o fim de um longo período político no País. Emdezembro de 1829, com o fim da luta civil entre unitários e federalistas pela vitória da facçãofederal, Rosas conquistou o poder de Governador da Província de Buenos Aires e, a partir

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as instituições modernas argentinas começaram a tomar forma depois de 1853,seguindo o golpe da retirada do poder de Rosas. Para ele, o arranjo encapsuladona Constituição de 1853 e o acordo de 1880 — que resultou na federalização deBuenos Aires — foram os elementos que conferiram a caracterização final dasinstituições do período subseqüente.

Durante esse período, houve um conflito permanente entre o setor de classemédia — contrário ao livre comércio, pois isso significaria a ruína da pequenaburguesia local, e a favor da entrada de camponeses, dando-lhes terra — e o deproprietários de terra, favoráveis ao livre-comércio e à imigração de camponesesassalariados. Este último grupo foi o que influenciou a aprovação da Lei deColonização, de 1876, que pôs fim às esperanças de uma colonização de classemédia no campo. Também foi decisiva a mudança nos rumos da políticaeconômica, definida pela Constituição de 1853, com o País organizando-se emum sistema federativo.

Finalmente, por volta do final dos anos 70 e início dos anos 80 do séculoXIX, a economia argentina começou um período de extraordinário crescimento,denominado, por muitos autores, como a Belle Époque2. Esse crescimentoresultou da incorporação de vastas extensões de terras férteis, pois a suautilização tornou-se economicamente viável, em razão de a diminuição dos custosde transportes ter aproximado o mercado dos países europeus à Argentina,criando um aumento de demanda para as exportações argentinas.

O início dos anos 80 do Século XIX também marcou o estabelecimentodefinitivo do Estado nacional argentino, referenciado por acontecimentos comoa federalização de Buenos Aires, com a conseqüente unificação da Argentina ea chegada de Roca à Presidência da República, em 12 de outubro de 1880.3

2 Sobre esse período e suas características, ver os trabalhos de Cortés Conde (1997), DiTella e Platt (1985), Díaz Alejandro (1970) e Lenz (2004).

3 Sobre a questão da formação do Estado nacional nessa época, é importante colocar-se aposição de Buchbinder (1994, p. 32), para quem toda a historiografia do século XIX sepreocupava em justificar a existência de nações preexistentes, anteriores a esse período.Ele faz referência aos autores Mitre e Lopes como os divulgadores da idéia de que a Naçãoargentina se encontrava prefigurada desde os tempos coloniais e “preexistia” nos Estadosprovinciais. Segundo o autor, embora o conjunto dessa obra tenha sido questionado emmuitos aspectos, essa idéia de nação preexistente foi disseminada pela maioria dos traba-lhos e se constituiu em um argumento nos debates sobre federalismo e sobre a intervençãodo poder central nas províncias.

de então, passou a detê-lo com caráter ditatorial, exercendo a representação externa daConfederação. Ele significou a subida ao poder do grupo econômico dos grandes proprietá-rios de terra, governando, primeiramente, de 1829 a 1832, com poder absoluto. Depois de uminterregno durante o qual a instabilidade em Buenos Aires e nas demais províncias ameaçourestabelecer a anarquia, ele retornou ao posto, em seus próprios termos, em março de 1835,e governou pelos 17 anos subseqüentes com total e ilimitado poder (Lynch, 1993, p. 22).

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Rapoport (1988, p. 173), por sua vez, entende que esse crescimento, naverdade descontínuo, só iniciou na década de 80 do Século XIX, denominando--o, inclusive, Proyeto del 80. Para ele, o período de transição, em que se estabe-leceram as bases políticas — nstitucionais e econômicas — do processo ini-ciado nessa década, estendeu-se de 1852 a 1880, desde Caseros a Roca. Osmarcos estabelecidos por ele são a Constituição de 1853 e o estabelecimentodos Códigos Civil e Comercial. Assim, em 1880, o País começou a estrutu-rar-se, apesar das crises políticas e militares, como os enfrentamentos entreBuenos Aires e o Governo nacional, os conflitos internacionais — guerra com oParaguai — e as expedições contra os índios, o marco institucional e a estruturapolítica própria de um Estado nacional, processo que se complementaria logo,sob o governo de Roca.

A grande criação de riqueza do período é caracterizada pelo início da criaçãode gado vacum, impulsionada pela possibilidade de expansão graças à existênciada disponibilidade de terras incorporadas pelas Campanhas do Deserto. Assim,essa fase foi o domínio da criação de gado nas áreas da fronteira, de onde veioa expressão que “povoar” no deserto era povoar com gado.

No início da década de 70 do século XIX, o território que é hoje denominadoArgentina estava encerrado entre duas linhas imaginárias que separavam aszonas povoadas de outros imensos espaços vazios, que ficavam no exteriordelas. Essas linhas de contato entre o espaço povoado e o espaço vazio eramchamadas de fronteiras; na verdade, uma linha móvel, flutuante, ainda querelativamente definida, que expressava o limite entre uma zona e outra.

Segundo Auza (1980, p. 61), o espaço exterior à zona ocupada, o assimdenominado deserto, compreendia amplos espaços geográficos, primordialmentegrandes extensões de planícies conhecidas como o pampa, localizadas no sul,no sudeste e a noroeste do País. Esse imenso espaço vazio constituía o maiordesafio a ser enfrentado por aqueles que aspiravam construir uma nação.

O caráter da fronteira territorial, vista como espaço de conflito, de disputaentre dois grupos ou duas culturas, é normalmente conceituado como um produtohistórico, resultante de forças de conflito. No caso argentino, o conceito de fronteiraé, algumas vezes, remetido ao trabalho de Frederick Jackson Turner, Thesignificance of the frontier in American History, de 1893, quando este serefere à ocupação do oeste norte-americano. Nesse trabalho, Turner (1940) definecomo fronteira a zona ainda não colonizada pelo europeu, a fronteira imagináriaque marcou o caminho dos pioneiros em direção ao oeste norte-americano,trazendo a idéia do limite extremo entre a terra colonizada e a terra não explorada.Essa referência provém do fato de, à primeira vista, existir muita correspondênciaentre o caso argentino e o norte-americano, pelo mesmo fenômeno daincorporação de território ocupado pelos índios e dos conflitos ocasionados por

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esse processo e, principalmente, pela forma de integração desses territórios ànação existente junto com a questão do Estado.

Silva (2003), por sua vez, faz ressalvas extremamente pertinentes ao usoturneriano para o caso argentino, pois, a seu ver, “[...] nas sociedades latino--americanas a experiência não contribuía apenas para a liberdade deoportunidades, mas para o estabelecimento de hierarquias duradouras”. A autoralembra também que o principal obstáculo na trajetória da formação da Naçãopara o Estado argentino era o perigo da fragmentação, o que levou à necessidadede uma forte presença do Estado. Isso tudo conduz a afirmar que: “Deste modo,encontramos, no século XIX, na Argentina, a experiência da fronteira gerando oinverso da tese turneriana, um mito negativo, na literatura acadêmica e na culturapopular” (Silva, 2003, p. 12).

O termo deserto está diretamente ligado a questão da fronteira e, por isso,adquiriu uma enorme importância na história argentina e para a própria identidadedo País. Segundo Vázquez-Rial (1996), todas as especulações dos argentinossobre o termo fundamentavam-se na observação da relação entre o número dehabitantes e a superfície, ou, no melhor dos casos, entre o número de habitantese os recursos existentes (potenciais). Entretanto nenhuma das relações seconstitui, em si mesma, num indicador válido, nem, como se costumava crer ecostumavam divulgar os políticos do rio da Prata, a modificação de um dostermos modifica, necessariamente, o outro, nem a própria equação.

Para Bandieri (2000, p.129), desde o contexto da Campanha do Deserto de1879, o termo “deserto” deve ser entendido como sinônimo de “barbárie” ou, oque é o mesmo, “vazio de civilização”. Essa forma de entender o deserto encontra-se também na obra épica Facundo, de Domingo Faustino Sarmiento. Ao realizaruma análise épica da Argentina, apresentando-a como uma luta entre a“civilização” e a “barbárie”, descreve a Argentina como “[...] uma região vasta[...]. Sua própria extensão é o mal de que a República argentina sofre; o desertocercando-o por todos os lados” (Sarmiento, 1986, p. 112).

Conforme ressalta Ogelsby (1985), se houve um viés daqueles queescreveram sobre os países novos como a Argentina, ele proveio do fato de queeles teriam sido afetados pela terra e pelo sentido de espaço. O fato de o pampaser maior do que a metade leste de Gales parece ter tido um grande impactosobre a mente dos argentinos, fazendo com que eles construíssem sua identidadesobre a vastidão.

Um outro exemplo de como a concepção de deserto está associada àhistória da Argentina é referida por Vázquez-Rial (1996), lembrando a idéia dafalta de população no País, da Argentina como deserto, imensa, inexplorada esem cultivar, que mobilizou a política argentina, ao menos desde 1880,

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convertendo o País em um dos maiores pólos de imigração do Ocidente aolongo de mais de meio século.

Da mesma forma, Mitre expressa a relação do deserto e sua ocupação emum discurso de encerramento presidencial: “[...] a necessidade de expansão e oinstinto salvador das necessidades sociais [...] com o auxilio das vacas e doscavalos que ocuparam o deserto e o povoaram expontaneamente” (Mitre apudHalperin Donghi, 1998, p. 153). 4

Finalmente, cabe lembrar Alberdi, sobre o deserto e sua relação com osindígenas, ao afirmar:

A guerra de conquista pressupõe civilizações rivais, Estados opostos: oselvagem e o europeu, por exemplo. Este antagonismo não existe: oselvagem está vencido: na América não tem domínio nem senhorio. Nós,europeus de raça e civilização, somos os donos da América (Alberdi,1994, p. 71-72).

Assim, a incorporação de novos territórios, na segunda metade do séculoXIX, desempenhou um papel especial na formação inicial da nação argentina. AArgentina, para poder competir no comércio externo, em vista da necessidadede buscar novos pastos para o seu crescente rebanho, passou a enfrentar abusca efetiva desses novos territórios através de uma série de campanhasmilitares.

2 Conquista e ocupação de novos territórios: La Conquista del Desierto

O crescimento das exportações e a abertura externa só foram possíveisdevido à grande expansão do território argentino e foram viabilizados, em grandemedida, por uma seqüência de operações militares, que resultaram na expulsãoda população indígena das terras férteis do pampa.

No século XIX, por volta dos anos 70 e 80, o sul da Província de BuenosAires estava ocupado pelos indígenas, e a sua expulsão e a conseqüenteapropriação dessas terras para atividades produtivas entraram para a literaturacom a denominação de Campanha do Deserto ou La Conquista del Desierto.

A falta de terra livre foi, conforme afirma Landes (1998, p. 347), uma daspiores heranças do regime colonial, quando vastos domínios argentinos foram

4 No original: “[...] la necessidad de expansión y el instinto salvador de las necesidadessociales [...] con el auxilio de las vacas y los caballos que ocuparon el desierto y lo poblarancomo Dios los ayudara” (Mitre apud Halperin Donghi, 1998, p. 153).

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dados de mão beijada à Igreja e a homens de respeito e poder. As sobras eramarrebatadas durante os distúrbios após a revolução da independência, e, a novosganhos territoriais, seguiam-se distribuições do mesmo quilate. Assim, “Acampanha de 1879 contra os índios (que os argentinos bizarramente descreveramcomo La Conquista del Desierto) foi precedida e financiada por vendas de terras,cerca de 8,5 milhões de hectares para 381 pessoas”. Segundo esse autor, oscompradores precisavam de toda a terra que pudessem adquirir, pois, à medidaque se avançava para o sul, o clima tornava-se árido, e o solo, estéril. A Patagôniapodia sustentar, talvez, um rebanho ovino por área, que correspondia a um décimodo da Província de Buenos Aires. Embora já tivesse havido deslocamento defronteira no século XVIII, especialmente em Buenos Aires, sem dúvida, os maisimportantes ocorreram no século XIX.5

A grande mudança de postura em relação à conquista de novos territóriosaconteceu com a consolidação do Estado nacional em 1880, quando o Governocentral passou a deter maior poder, contando — e pela primeira vez disponívelpara utilização guerreira — com um exército nacional, formado tanto em funçãoda Guerra do Paraguai quanto pelo temor do Chile como potência do sul. Superou-se, então, uma série de circunstâncias políticas, tais como o período conturbadode Rosas, as guerras civis e a do Paraguai, que, até o final da década de 70 doséculo XIX, produziram um retrocesso da fronteira na Argentina e tornaram osdireitos de propriedade menos seguros.

Di Tella e Platt (1985), ao compararem a economia argentina com a norte--americana, afirmam que um traço comum entre esses países foi odesenvolvimento da tecnologia e das táticas militares. Estas, junto com omelhoramento dos transportes, permitiram, com mais facilidade, o controle sobreas populações indígenas preexistentes. Na Argentina, as novas armas importadasem 1870 transformaram a guerra contra os índios de uma posição defensivasobre uma fronteira estacionária para uma fronteira ofensiva, que, em poucosanos, somou milhões de acres para a economia de mercado daquele país. Emtermos econômicos, a “pacificação” significou uma redução nos riscos e incertezae, conseqüentemente, uma redução em custos, em termos quase dramáticos.

Cuccorese (1966, p. 36) questiona a ocupação da seguinte forma: “E o quese passou com a terra conquistada? Foi entregue para ser trabalhada porargentinos nativos ou imigrantes? Não aconteceu assim. Não se povoou o deserto.

5 Segundo Cortés Conde (1997), houve movimentos de fronteira antes das famosas Campa-nhas de Alsina e Roca, datadas de períodos bem anteriores, nos anos de 1820 e 1833,sendo a mais famosa a Campanha do Deserto, de Rosa, em 1833, mas as suas soluções,como, por exemplo, os subornos a tribos indígenas, foram menos custosas do que aocupação militar.

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A terra foi entregue para poucas famílias. A terra já tinha sido outorgada aindaantes da conquista”6

A fronteira sul, que cobria cinco províncias — Buenos Aires, Santa Fé,Santiago del Estero, San Luis e Mendoza —, constituía, ao Avellaneda assumira Presidência em 1874, a linha mais vulnerável da fronteira interior, a que maisprejudicava a economia nacional e que maiores implicações possuía com asquestões de política internacional (Auza, 1980, p. 63).

A primeira grande campanha efetivamente conhecida foi a de Alsina, Ministroda Guerra do Presidente Avellaneda, e tinha o objetivo de recuperar a fronteirado rio Negro e, assim, incorporar enormes extensões de terra à produção. Nessecontexto, o Ministro Alsina propôs um plano de ação, que consistia em avançara linha de fronteira sul, ocupando lugares estratégicos e levantando fortificações.O avanço deveria realizar-se por linhas sucessivas, que se comunicariam comBuenos Aires por telégrafo, e as fortificações entrelaçar-se-iam com fundaçõesque tinham por objetivo impedir a passagem dos índios.

É importante, segundo Ortiz (1987, p. 174), notar que, no início daCampanha de Alsina, a fronteira era descrita como uma linha que partia dovértice noroeste da Província de Buenos Aires, avançando em direção ao sudestee dirigindo-se até a proximidade de Bahía Blanca, junto ao oceano Atlântico. Azona do gado representava, pois, um vasto setor, cuja superfície era de umas2.000 léguas e permitia algum desafogo aos criadores de ovelhas, mas estavadistante de resolver o problema real, que era perder a região da Patagônia, emboraeste não fosse um problema premente.

Com vistas à realização do seu plano de combate aos índios, em 25 deagosto de 1875 o Presidente Avellaneda (Argentina. Ministerio del Interior, 1979,p. 112) remeteu ao Congresso uma mensagem solicitando autorização parainvestir até 200.000 pesos fortes.

O plano de Alsina incluía, dentre outras, a construção de uma estrada deferro econômica entre Bahía Blanca e Salinas Grandes, assim como a ampliação,em 771km, das linhas telegráficas existentes na Província de Buenos Aires,como forma de unir a Capital com as outras regiões.

Embora a Campanha tenha se originado na questão estratégica deapropriação de terras, nessa época houve realmente o ressurgimento da ameaçaindígena, em virtude de problemas com os países limítrofes, a crise estruturaldo Estado argentino e as turbulências internas da sociedade indígena.

6 No original: “Y que se pasó con la tierra conquistada? ?Fue entregada para su lambranza aargentinos nativos y a los inmigrantes? No resultó así. No se pobló el desierto. La tierra fueentregada en propriedad a pocas familias. La tierra ya habia sido otorgada, aún antes deconquistada” (Cuccorese, 1966, p. 136).

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O imenso território indígena ia desde o rio Chubut ao Terceiro e da cordilhei-ra andina ao oceano Atlântico, e, segundo Ísola (1996), os índios não estavamsubmetidos ao controle estatal. Ao mesmo tempo, os índios tornaram-sefortalecidos por sua extrema habilidade com os cavalos e, por isso, logocomeçaram a competir com êxito pelo gado cimarrón, mas, depois,estabeleceram um importante tráfico de gado roubado, que transportavam ecomercializavam em Mendoza e no Chile.

Os índios também disputavam com a população local a água necessáriaao gado, sendo esse outro motivo para freqüentes invasões aos povoados epara ameaças importantes às populações, o que tornava muito difícil garantir asegurança e a crescente rentabilidade agropecuária na plana pampa7.

Todas essas causas combinaram-se para incentivar os índios a realizaremincursões mais audaciosas precisamente no período em que o Estado estavamenos preparado, ou capacitado, para consagrar seus recursos à defesa dafronteira interna. Evidentemente, não foi a audácia dos índios que operou amudança de atitude por parte do Estado. O que incitou as autoridades a mudaremde atitude foi a percepção agudizada de que, pela primeira vez, a insegurançada fronteira indígena começava a produzir um impacto profundo no ritmo dedesenvolvimento argentino. Importa esclarecer, novamente, o significado daexpressão fronteira indígena, utilizando-se a diferenciação feita por Lewis(1980), quando afirma que a mesma não implica uma divisão precisa, ouespecificamente reconhecida, entre zonas colonizadas e não colonizadas.

A fronteira interna argentina era, essencialmente, um termo vago empregadopara se referir a uma zona geral dos pampas: não era estática e tampouco tinhaum movimento unidirecional. Na verdade, era uma fronteira aberta e pouco rígida,que podia ser facilmente penetrada pelos índios, mas que também podia sertransposta pela população branca. Com efeito, durante os anos 60 do SéculoXIX e no princípio da década de 70 do mesmo, as autoridades argentinasestimulavam a colonização das zonas além da fronteira. E foi somente no decorrerda década de 70 citada que a fronteira começou a ser vista como uma barreirafirme entre zonas não civilizadas e cultivadas. Isso se deveu a mudançaseconômicas que estavam acontecendo na Argentina e, por isso mesmo, tambémfoi esse o momento em que o Governo começou a receber críticas sobre ainsegurança na fronteira. Nessa época, os ataques estavam preocupando a classedos proprietários de terra e passaram a adquirir um significado que não podiamais ser ignorado.

7 Segundo Silvestri (1999, p. 224), o nome pampa vem do quíchua — extensión llana —, que,em uma tradução livre, significa extensão plana, ou grande planície.

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Os ataques indígenas, independentemente de serem causa, ou não, daCampanha, produziram perdas importantes no período 1820-70. De acordo comLewis (1980, p. 475), as devastações maiores foram dentro da área central deBuenos Aires e resultaram na captura de 300.000 animais e de 500 pessoas,sendo que 400 brancos foram dados como mortos.

O triunfo dos índios, entretanto, não era decorrente de seu comportamento,mas, sim, resultado do crescimento e da diversificação da economia peloincremento do gado bovino e ovino, que tornou o saque das áreas colonizadasmais atrativo e remunerativo para os índios.

Nesse contexto, empreendeu-se a fase de consolidação fronteiriça de Alsinaem 1876. Essa campanha marcaria uma nova sistemática nas hostilidades contraos índios, mas, para que isso acontecesse, era necessário que as tropaspudessem alcançar as regiões mais distantes. A infra-estrutura e ascomunicações foram melhoradas ao longo da fronteira, assim como tambémhouve a melhora das fortificações, e foi cavada uma fossa através dos pampas.A fronteira assumiu uma forma física, existiria como uma linha claramentedefinida e não como a zona vaga descrita pelos geógrafos.

Em julho de 1877, Roca realizou uma verdadeira devastação militar, quedeixou como saldo caciques prisioneiros, milhares de índios mortos e outrostantos prisioneiros.

Além disso, o fato de o General Roca ser o comandante das fronteiras deCórdoba, San Luis e Mendoza deu-lhe a oportunidade para informar-seprofundamente sobre a realidade do problema da luta no deserto, chegando aoponto de saber detalhes dos costumes, da situação e da tática das principaistribos.

Os esforços de Alsina para dominar o deserto garantiram, no final de suacampanha, a incorporação de 56.000km2 de terras virgens e também a criaçãode novos territórios.

Durante esse período, a disputa entre Alsina, Ministro da Guerra, e JulioRoca passou a ser cada vez mais acirrada.

Em 29 de dezembro de 1877, com a morte de Alsina, o PresidenteAvellaneda designou Roca como sucessor, que então contou com a oportunidadede elaborar uma estratégia para a campanha final do deserto, e a etapa agoraseria a fronteira com o rio Negro. A chegada efetiva de Roca ao Ministério daGuerra, em junho de 1878, possibilitou que ele pusesse em prática suas trêslinhas de trabalho, que podem ser assim sintetizadas: (a) continuação das tarefasde abrandamento das tribos existentes ao sul e a sudeste da Província de BuenosAires e ao sul de San Luis, Córdoba e Mendoza; (b) execução de tarefassimultâneas de exploração de novos territórios; (c) preparação logística do avançopara chegar até o rio Negro.

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O plano de Roca, ao assumir, consistia, pois, em eliminar, primeiro, osíndios entre a fronteira e os rios Negro e Neuquén e, depois, avançar até acordilheira dos Andes e prolongar a ocupação real até as zonas austrais da Terrado Fogo (Walther, 1970, p. 430). Para isso, o Poder Executivo enviou umaminuciosa mensagem e um projeto ao Congresso, sobre a ação militar em 13 deagosto de 1878. No projeto, eram solicitados os recursos necessários para ocumprimento da ação militar até o avanço do rio Negro.

De acordo com Lewis (1980), se Roca possuía astúcia militar e suacampanha era mais sagaz e mais abarcadora que as expedições anteriores,também contava com melhores equipes. O exército que ele comandava em1878 era um contingente muito mais profissional que aquele em que ele mesmohavia servido muitos anos antes, e, em parte, isso se devia a seus própriosesforços. Além disso, o exército estava melhor financiado, armado e equipado,sendo constituído por aproximadamente 6.000 soldados e 7.000 cavalos(Argentina. Ministerio del Interior, 1979, p. 120).

A Figura 1 apresenta a Campanha de Rosas, de 1883, e a de Roca, de1879.

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Figura 1

Campanha de Rosas e Campanha de Roca na Argentina — 1833 e 1879

FONTE: SUAREZ, Cel Martin. Atlas histórico militar argentino: Biblioteca del Ofi- FONTE: cial. Buenos Aires: Circulo Militar, 1974. p. 5.

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O plano de Roca baseava-se, fundamentalmente, em dois elementos-cha-ve: a hostilização contínua dos índios durante a fase preliminar da guerra e oataque final e coordenado. O êxito de ambas as ações dependia de comunica-ções adequadas, para poder manter contato com os diversos setores da frente,e do suprimento adequado das tropas, o que foi garantido pela expansão da redede estradas de ferro na Argentina.

As expedições foram muito favoráveis e prepararam as condições paraque, em 1879, fosse alcançado, sem maiores dificuldades, o rio Negro. O resultadode todo esse processo foi a ocupação de mais de 550.000km de territórionacional.

É importante notar que o Governo nacional promulgou, em outubro de 1884,a organização de seus limites aos territórios nacionais, surgindo, assim, de suadivisão os Governos do Pampa, do Neuquén, do rio Negro, de Chubut, de SantaCruz e da Terra do Fogo. Na primeira década do Século XX, a Nação ocupoudefinitivamente a Patagônia, encerrando-se, assim, a última etapa da conquistade novos territórios.

Lewis (1980) reporta-se, com detalhes, à Campanha de Roca. No seuentender, esse é um dos temas mais recorrentes na historiografia econômicaargentina, pelo papel da geração dos anos 80 do Século XIX na determinaçãodo caráter e da substância do País durante a fase subseqüente de modernizaçãoe crescimento. Sua tese sobre as Campanhas de 1874 e 1878 é de que elasforam conseqüência de fenômenos que já apontavam para a modernização: avitória de Roca foi um resultado e não a causa do desenvolvimento econômico.Essa expansão econômica permitiu o fortalecimento da autoridade estatal e,principalmente, a aplicação dos projetos de infra-estrutura essenciais para aimplementação exitosa de sua estratégia militar.

3 Considerações finais

Conforme pôde ser constatado, a formidável e peculiar expansão territorialocorrida na década de 70 do Século XIX, que implicou a incorporação de grandescontingentes de terras férteis às diversas atividades agrícolas, constituiu-seem uma das principais alavancas que possibilitaram o crescimento dasexportações e a inserção positiva e crescente da Argentina no cenáriointernacional, nesse período. A utilização dessas terras tornou-seeconomicamente viável em razão de a diminuição dos custos de transportes teraproximado o mercado dos países europeus à Argentina, criando uma demandapara os seus produtos, como a carne e o trigo.

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Ao longo do trabalho, foi visto que o conceito de fronteira territorial, enten-dido como um espaço de conflito, é o mais adequado para o caso argentino eque a utilização do conceito de Turner (1940), construído para o caso específicodo oeste norte-americano, deve se dar com ressalvas, pois determinadas ca-racterísticas, tais como a forte presença do Estado e a idéia da agregação denovos territórios, são especificas do processo argentino.

A Campanha do Deserto representou, assim, a forma encontrada para aapropriação das terras férteis necessárias à produção agropecuária, definindoos limites centro-norte-oeste do atual território argentino. Ambas as Campanhas,a de Alsina, em 1874, e a do General Roca, em 1878, constituíram-se em umaseqüência de operações de cunho militar, respaldadas pela sociedade da época,com o claro objetivo, como foi visto nos documentos oficiais, de resgatar odeserto ocupado pelos indígenas e povoá-lo como forma de assegurar a suapropriedade. As duas campanhas garantiram a incorporação de 606.000/km deterritório à nação argentina.

Essas operações militares foram vitais para a formação e a consolidaçãodo Estado nacional argentino, pelo aspecto de unidade territorial, e, assim,possibilitaram que a economia do País desfrutasse das vantagens comparativasde seus produtos em nível internacional. A fronteira e a incorporação de terrasforam faces distintas do mesmo processo, embora com a ressalva de que aaspiração da construção do Estado nacional tenha induzido, em momentosanteriores, o esforço no sentido de viabilizar as condições políticas e materiaispara a realização das operações militares que definiram os novos contornos doPaís.

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