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Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI Universidade do Estado de Minas Gerais-UEMG Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais ENTRE O INDIVIDUALISMO E SOLIDARIEDADE: UM ESTUDO DE CASO EM COOPERATIVAS DO MUNICIPIO DE SALINAS-MG Edson Antunes Quaresma Júnior Divinópolis-MG 2009

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Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI

Universidade do Estado de Minas Gerais-UEMG

Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais

ENTRE O INDIVIDUALISMO E SOLIDARIEDADE: UM ESTUDO DE CASO EM

COOPERATIVAS DO MUNICIPIO DE SALINAS-MG

Edson Antunes Quaresma Júnior

Divinópolis-MG

2009

Edson Antunes Quaresma Júnior

ENTRE O INDIVIDUALISMO E SOLIDARIEDADE: UM ESTUDO DE CASO

EM COOPERATIVAS DO MUNICIPIO DE SALINAS-MG

Dissertação apresentada ao curso Mestrado em Educação,

Cultura e Organizações Sociais da FUNEDI/UEMG como

requisito para obtenção do título de Mestre em

Educação,Cultura e Organizações Sociais.

Área de concentração: Estudos Contemporâneos

Linha de Pesquisa: Cultura e Linguagem

Orientador: Prof. Dr. Leandro Pena Catão

Divinópolis-MG

2009

Quaresma júnior, Edson Antunes.

Q1e Entre o individualismo e solidariedade: um estudo de caso em

cooperativas do município de Salinas - MG / Edson Antunes Quaresma

Júnior. – Divinópolis - MG, 2009.

XX f., enc.

Orientador: Prof. Dr. Leandro Pena Catão

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado de Minas Gerais -

UEMG – FUNEDI.

Bibliografia: f. XX - XX

1. Sistemas produtivos . 2. Individualismo.

3. Capitalismo. 4. Coletivismo. 5 Cooperativismo.

I. Título.

CDD: 330.342

AUTORIZAÇÃO PARA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

DA DISSERTAÇÃO

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta

dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua exposição

integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG.

Edson Antunes Quaresma Júnior

Divinópolis, 27/11/2009

Dedico este trabalho acadêmico a todos os que contribuíram de alguma forma para sua construção,

principalmente aquela que me deu o estímulo e incentivo inicial para esta longa jornada

(literalmente).

Agradeço a Deus, como sempre, sem pedir.

Agradeço aos amigos encontrados no mestrado, em especial àqueles com quem pude conviver com

as discussões densas e pontuais, vindos de Belo Horizonte, Montes Claros, Itabira.

Agradeço aos parentes, familiares e ex-namorada, pelo estímulo e incentivo nesta longa jornada e

também pelo suporte, como hospedagem e abraços.

Agradeço aos professores, que ajudaram a construir e destruir o necessário, ou até mais...

Agradeço ao meu orientador, pelo esforço do auxílio, mesmo diante de tantas tormentas e

obstáculos do dia a dia.

Agradeço aos demais funcionários técnico-administrativos do centro de pós-graduação da UEMG-

FUNEDI, incrivelmente comprometidos com nossos resultados.

Agradeço aos cooperados que foram, como sempre, pessoas maravilhosas e muito corteses.

Nenhum homem é uma ilha inteiramente independente;

todo homem é uma parte do Continente,

uma parte do todo; se um torrão de terra é levado

pelo mar, a Europa fica menor, assim como se fosse um

Promontório, ou a casa de teus amigos ou de ti mesmo;

a morte de qualquer homem me diminui,

porque faço parte da espécie humana:

Portanto, nunca mandes saber por quem os sinos dobram;

Eles dobram por ti.

John Donne

ou

Quanto mais livre, mais preso ao que te torna livre.

Nietzsche

RESUMO

O foco da pesquisa deste trabalho acadêmico perpassa o individualismo e o capitalismo. Mas não

busca estas duas facetas da realidade contemporânea em um espaço coerente com estas mesmas

dimensões. Através de um estudo de caso descritivo, visa verificar suas possibilidades de existência

e influencia em entrevistas realizadas no interior de cooperativas, local conexo aos movimentos da

economia solidária, que pregam valores como o coletivismo e o cooperativismo. Como resultados,

conseguiu-se perceber que os indivíduos pesquisados mostram uma terceira dimensão entre as

matrizes individualismo-capitalismo e coletivismo-cooperativismo, um lócus onde se observam

enquanto diferentes mas devem buscar objetivos comuns e competem, mas por um crescimento

hierárquico coletivo, uma valorização comum, para o grupo. Indica amarrações entre as categorias

em alguma medida dicotômicas através da distorção que é realizada pela economia solidária num

continuum capitalista.

Palavras chaves: individualismo; capitalismo; coletivismo; cooperativismo; contemporaneidade.

ABSTRACT

The research focus of this academic work goes through the individualism and capitalism. But do not

search these two facets of contemporary reality in an area consistent with these same dimensions.

Through a descriptive case study, aims to verify their existence and influence on interviews within

cooperatives, local movements related to the solidarity economy, that preach values such as

collectivism and cooperative. As a result, were able to see that survey participants shows a third

dimension of the matrices capitalism-individualism and collectivism-cooperative, a locus where

they are observed as different but must seek common objectives and compete, but by a collective

hierarchical growth, a group common valorization. Indicates bindings between the categories in

some measure by the dichotomy distortion performed by the solidarity economy in the capitalist

continuum.

Key Words: individualism, capitalism, collectivism; cooperative; contemporaneity.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SALINAS NO ESTADO DE MINAS GERAIS .............. 80

LISTA DE TABELAS E QUADROS

RELEVÂNCIA DA COOPERATIVA .......................................................................................... 85

RELAÇÃO ENTRE COOPERATIVA E COOPERADO .............................................................. 87

PREPONDERÂNCIA INDIVIDUAL E COLETIVA ................................................................... 89

COMPORTAMENTOS COMPATÍVEIS OU NÃO COM VALORES DA COOPERATIVA ....... 91

NOÇÃO DE PARTICIPAÇÃO E PERTENCIMENTO DO COOPERADO ................................. 92

ARTIFÍCIOS E IMPORTÂNCIA DA LIGAÇÃO INDIVÍDUO - COOPERATIVA. .................... 95

NECESSIDADE DE CONTROLES SOBRE AS INTENÇÕES DOS COOPERADOS ................. 98

RELAÇÃO ENTRE COOPERADOS ......................................................................................... 101

NECESSIDADE DE TRATAMENTO IGUALITÁRIO .............................................................. 103

VALOR DO TRABALHO INDIVIDUAL E INTERESSE POR CRESCIMENTO ..................... 105

NECESSIDADE DA HIERARQUIA E SUBMISSÃO DO COOPERADO ................................ 107

EXISTENCIA E INTERESSE DOS COOPERADOS PELA COMPETIÇÃO. ........................... 111

ESTRATÉGIAS COOPERATIVISTAS...................................................................................... 114

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 13

2 O INDIVIDUALISMO : (DES)VINCULAÇÕES SOCIAIS E REFLEXOS ........................... 20

2.1 A Ética Protestante e o Indivíduo: Perspectiva e Centro ....................................................... 26

2.2 Racionalismo e Individualismo: Entrelaçamentos ............................................................... 35

2.3 A Gênese do Capitalismo e Conexões com a Burguesia e o Individualismo ......................... 38

3 A FRAGMENTAÇÃO ESPAÇO/TEMPORAL DA REFERÊNCIA AO LOCAL ................. 48

3.1 O Atrelamento do Estado à Fragmentação Social Através da Disciplina ............................... 52

3.2 Autocontrole: uma Alternativa para o Alinhamento das Ações ............................................ 56

3.3 A Complexidade da Referência à Classe de Trabalhadores.................................................. 59

4 AS COOPERATIVAS E O SISTEMA DE PRODUÇÃO CAPITALISTA ............................ 65

4. 1 Raízes do Cooperativismo no Mundo e Emergência no Brasil ............................................. 65

4.2 A Disparidade e Conexões do Continuum Cooperativista..................................................... 68

4.3 Entre Diversidade e Solidariedade ....................................................................................... 71

5 METODOLOGIA................................................................................................................... 75

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................... 79

6.1. Formação e características das Cooperativas ................................................................... 81

6.2. Analises das Entrevistas .................................................................................................. 84

7 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 119

BIBLIOGRAFIAS................................................................................................................... 122

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é resultado de viagens para Salinas, uma pequena cidade do norte do

estado de Minas Gerais, onde o pesquisador acessou, trabalhou e fomentou a formação de

instituições cooperativistas. Estas sempre se mostraram perpassadas pela força de vontade dos

indivíduos em se libertar de certa realidade de pobreza e exclusão, identificados por relatos dos

participantes sobre as parcas oportunidades de emprego e renda.

Naqueles momentos muitas coisas pareciam ser relevantes para o sucesso ou fracasso do

empreendimento, como condições ambientais favoráveis, a existência de recursos e fomentos

governamentais, distância de grandes centros de decisão ou mesmo interesses políticos. Mas uma

característica específica chamava a atenção e parecia ser comum em grande medida: o desinteresse

particular em se submeter a um paradigma diferente de organização. As cooperativas exigiam uma

dedicação muito grande para o grupo; um envolvimento radical de tempo e interesse, na maioria das

vezes, sem nenhum tipo de retorno pelo empenho no período de anos, uma mudança radical para

quem acredita dever ser “remunerado” por um trabalho prestado. Certos participantes se adaptaram

mais rapidamente, outros a seu próprio tempo, alguns não acreditaram naquela proposta quando a

enfrentaram face a face e saíram, outros não saíram.

Nesse ínterim, outra adaptação que chamava a atenção era que, até certo limite,

precisava-se da subordinação efetiva de interesses individuais dos participantes à uma realidade

grupal. As decisões não eram mais individuais, as pessoas eram tratas estritamente da mesma

forma, e não eram mais empregados, mas donos1, sem, no entanto, uma posição hierárquica de

comando, ou uma condição de decisão maior ou menor. Para a cooperativa, todos são iguais. Uma

sujeição a qual algumas pessoas poderiam ser muito individualistas para se adaptar.

Assim, se percebeu que o individualismo e o cooperativismo são dois pontos que

perpassam a sociedade ocidental contemporânea, mas que podem ter alguns pontos divergentes.

Para Velho (1999), o individualismo está presente por toda a sociedade e levaria o ser

humano a se perceber como uma unidade valorativa principal. Por meio desta observação do

homem enquanto centro, emergem certas contrariedades relacionadas aos grupos onde se encontra,

como competições internas e a tentativa de diferenciação, de distinção dos próximos.

1 Para Singer (2008a) a cooperativa é um local por excelência, onde capital e trabalho estão emaranhados entre si.

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O cooperativismo, em contrapartida, é cristalizado em organizações de cunho solidário

onde, para Bhowmik (2008) e Singer (2008a), se trabalha através de princípios como igualdade e

democracia, por meio de uma efetiva solidariedade entre parceiros. Denota-se assim, um ideário de

coletivismo na esfera cooperativista, que prega, ao invés de diferenciação e competição, igualdade e

solidariedade.

A caracterização desse contra-senso fica ainda mais evidente ao se analisar certa relação

proximal entre individualismo e capitalismo2: Silva (2004) percebe que algumas facetas da

realidade vivida nas organizações capitalistas amplificam a desconexão entre indivíduo e grupo,

como a competição entre trabalhadores, que é inerente a uma série de processos (e em algumas

oportunidades, estimulado pela organização) e a fragmentação do trabalhador, reduzido e dividido

em processos cada vez menores de trabalho. Arrighi (1996), também contribui para a aproximação

dos termos quando apreende no capitalismo, a existência de uma classe composta por grandes

predadores, onde vale a “lei da selva”, que justifica a competição e a desconexão dos indivíduos em

relação às demais esferas sociais. Propostas distantes do coletivismo e da solidariedade.

Destacam-se assim, quatro dimensões que se agrupam em dois conjuntos aglutinadores

iniciais (o primeiro grupo com o individualismo-capitalismo; o segundo com coletivismo-

cooperativismo) que tem pontos incoerentes, talvez até colidentes.

Mas as cooperativas parecem existir mesmo diante dessa contraditoriedade: é

perpassada diretamente por essas dimensões inconsistentes. E diante da possibilidade de

incoerência, sugere problematizações. As instituições cooperativistas se encontram dentro ou fora

do capitalismo? O quão distante ou puramente cristalizadas estão as quatro dimensões alvo do

estudo em seu interior? Até que ponto podem interferir na sua realidade? Existiriam pontos de

convergência entre dimensões tão contraditórias?

2 Lechat (2008) percebe o surgimento das cooperativas dentro do movimento do socialismo utópico, e que aparece como

resposta e reivindicação contra crises econômicas geradas pelo capitalismo. Nota-se assim que se o cooperativismo é

um movimento que tem raízes em ideais socialistas, contrários à grande parte das características do capitalismo. Na

medida em que este se aproxima do individualismo, contribui ainda mais para um “afastamento” entre individualismo

e cooperativismo.

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Assim, para responder às perguntas levantadas teceu-se um objetivo principal: Verificar

relações entre individualismo, capitalismo e coletivismo dentro de organismos cooperativistas do

município de Salinas, Minas Gerais.

Este trabalho se justifica, portanto, devido à possibilidade de geração de mais

embasamento sobre a conexão entre indivíduo e coletivo, já que sua análise acontece em uma escala

social específica, mas relevante. Além disso, pode esclarecer aspectos do funcionamento social

desses órgãos coletivistas (contribuindo para o seu funcionamento) e trazer características dos

formatos do individualismo, possivelmente visualizáveis em outros organismos e escalas sociais,

mas menos destacadas quanto demonstrado nessa esfera. Colabora desta forma para uma percepção

mais profunda e abrangente das possibilidades de existência de indivíduos e grupos.

Por se condensar em locais diferentes de um continuum capitalista, esta pesquisa torna-

se saliente também pelo foco, que detém poucas pesquisas específicas ao tema, o que colabora com

os estudos que porventura perpassarem a discussão. Somam-se assim, a possibilidade de

crescimento e contribuição para a sociedade, os movimentos solidários, a academia e o pesquisador,

pois podem crescer com as análises e resultados.

Na discussão teórica deste estudo de caso descritivo, visa-se analisar os eixos principais,

que por sua vez estão agrupados em duas matrizes3.

O primeiro eixo trata do individualismo em suas conotações contemporâneas, e

posteriormente realiza uma tentativa de compreensão de sua realidade embasada em características

anteriores, que teriam influenciado sua emergência ou formatação, sob a configuração em que se

encontra. Trata assim duplamente de sua gênese e das discussões contemporâneas, atualmente

ligadas a estudos antropológicos, sociológicos e psicológicos (estes estudos, principalmente pela via

da Psicologia Trans Cultural4, que também verifica relações entre individualismo e coletivismo).

3 Como definido anteriormente, individualismo e capitalismo como uma primeira matriz; coletivismo e cooperativismo

como a segunda. Estas discussões estão divididas nos diversos capítulos, em alguns momentos separados pelas linhas

ou matrizes e em outros paradoxalmente conectados, na busca de laços, ligaduras entre os elementos. 4 De acordo com Ribas(2006) a Psicologia Trans Cultural é uma vertente da abordagem sócio-cultural da psicologia. A

abordagem sócio cultural visa uma análise do desenvolvimento humano enquanto um processo que se dá nas

interações sociais. No entanto, a linha de pesquisas trans culturais se diferencia das demais no sentido em que acredita

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A próxima linha tratada é o capitalismo, sistema de produção atual que para Singer

(2008a), sobrepõe e direciona as relações econômicas, produtivas, legais e institucionais (inclusive

o próprio cooperativismo). Busca-se assim, através de autores como Dobb (1988), tratar sobre a

evolução desse sistema, na tentativa de encontrar características iniciais que influenciem na sua

realidade atual e seu conceito, discussão que culmina na sua cristalização em organizações privadas.

Antes, no entanto, de se avançar na discussão sobre as empresas capitalistas, é

importante fazer um pequeno movimento e, outra direção. Na tentativa de compreender o universo

das empresas capitalistas, se partiu para uma percepção do seu macro ambiente, através de algumas

ligações entre capitalismo e o Estado, como sua forma de sujeição e controle dos indivíduos a partir

de Miller (2000), Foucault (1977), Foucault (1979) e Bentham (1787), que tratam das novas

formatações do disciplinamento das ações individuais.

Essas possibilidades são importantes para a discussão teórica uma vez que para Bauman

(1999), a introjeção e representação do social não é mais realizada apenas no contexto da

comunidade, do pequeno espaço de convivência comum, mesmo que os indivíduos continuem

existindo em sociedade. O individuo se reporta também a outros espaços, mesmo deslocados do seu

espaço circunscrito, mesmo distantes da sua realidade imediata. Para Bauman (1999) e Arendt

(1989) existem muitos fatores que levam e amplificam a desconexão dos indivíduos com os grupos

onde se encontram espacialmente e momentaneamente circunscritos. E essa desconexão espaço

temporal exige novas modalidades de controle, de sujeição dos indivíduos.

Utilizando-se das observações de Silva (2004) são transportadas algumas facetas deste

“novo” controle para as organizações capitalistas e analisam-se algumas interferências deste

controle disciplinar no contexto de um ser humano particular, mas que trabalha em espaço coletivo.

As organizações capitalistas gerariam torções nas referências de coletivo e individuo,

exigindo trabalhos em grupo, mas com uma competitividade enorme, tentando se transformar na

na cultura como “(...) um conjunto de variáveis contextuais que afetam o comportamento individual, algo fora dos

indivíduos e basicamente entendido como um modo de vida compartilhado entre pessoas que interagem, e se

transmitiria por processos de aculturação e socialização (RIBAS, 2006, p.133). Assim, essa área da psicologia tenta

buscar embasamentos para os processos internos do individuo, mas tendo como base variáveis ambientais, como seus

processos de socialização e aculturação.

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referência principal, fragmentando, diversificando e individualizando ainda mais a existência

humana.

Pela via das análises realizadas inicialmente, pretendeu-se tecer ligaduras, conexões,

entrelaçamentos que assim compuseram uma primeira matriz direcionadora da discussão: as

relações entre o individualismo, e capitalismo na sociedade contemporânea. Dessas análises surgem

visões como a competição, o ideal de diferenciação, a fragmentação e alienação do indivíduo.

Numa tentativa de resposta ou contraposição a esse primeiro agrupamento, porém,

emerge a segunda linha de raciocínio. Esta trata de uma possibilidade paradigmática diversa, que

aborda neste sentido, o coletivismo e o cooperativismo (compreendidos aqui pela perspectiva da

economia solidária5).

O coletivismo é tratado através de conceitos relacionados a pesquisas contemporâneas e

posteriormente, em uma perspectiva de noção solidária, dividida para Durkheim (1999) em duas

formas de solidariedade: a mecânica, que liga o individuo diretamente ao grupo devido a

similaridades, e a orgânica, que cria uma relação de dependência do individuo com a sociedade

através da especialização e divisão do trabalho.

As considerações sobre a solidariedade são a principal conexão com o cooperativismo,

que é uma última linha direcionadora. Trata-se nesse trabalho, de realizar também uma investigação

sobre o cooperativismo através de sua gênese e aspectos atuais, suas ligações complexas com o

modo de produção capitalista e a ligação entre cooperados e o trabalho diante das observações de

Melman (2002), Lechat (2008), Heiden (2008), Singer (2008) e Durkheim (1999), para quem existe

uma noção diferenciada da coletivização, onde, em torno do trabalho e mesmo dentro do

capitalismo, observa-se novamente a solidariedade.

Pela via das discussões teóricas apresentadas, o trabalho foi dividido em cinco partes

principais.

5 Lechat (2008) considera a economia solidária como sendo a junção entre as dimensões do econômico, social e o

político, capaz de gerar um desenvolvimento solidário e comum entre todos os parceiros.

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Inicialmente se delineia a introdução, que trata das problematizações, objetivo e breve

demonstração do que será discutido no trabalho. O referencial teórico que deu base para as analises

deste trabalho é a próxima etapa, e por sua vez, está subdividido em três capítulos.

No primeiro, trata-se da verificação e análise crítica de características do individualismo

a luz de autores contemporâneos: Velho (1999), Elias (1994), Gouveia (2003) e Dumont (1985) e

de períodos anteriores como Dukheim (1999) e Tocqueville (2000). Também se analisam as

conexões mais profundas da percepção do indivíduo enquanto centro de referências, na tentativa de

delinear a gênese e conexão dessa percepção com movimentos como o protestantismo, racionalismo

e a ascensão da burguesia. São consideradas estas dimensões também em composição com

capitalismo e principalmente sob a luz de Weber (2001), Dumont (1985), Reis (2003) e Dobb

(1988).

Ainda no referencial teórico se discutem aspectos da contemporaneidade que podem

amplificar problematizações à noção de lugar comum inerente a uma comunidade, desconectando

ainda mais o particular do coletivo. O pesquisador se apóia para essa tarefa, das análises de Arendt

(1989), Bauman (1999), Steven (2001), Chartier (2002), sobre a fragmentação da comunidade

enquanto espaço social de influência e controle sobre o ser humano. Essa apreciação posteriormente

desemboca no estado capitalista e por meio dos trabalhos de Miller (2000), Foucault (1977),

Foucault (1979) e Bentham (1787), vêm à tona as novas formatações do disciplinamento das ações

individuais, uma vez que sua introjeção e representação do social não é mais realizada apenas no

contexto da comunidade, do pequeno espaço de convivência comum. Utilizando-se das observações

de Silva (2004) são ainda transportadas algumas facetas deste “novo” controle para as organizações

capitalistas e analisa-se a interferência deste controle disciplinar no contexto de um ser humano

particular, mas que trabalha em espaço coletivo, em grande medida.

A última parte da discussão teórica adentra ao universo cooperativista, que diante das

observações de Melman (2002), Lechat (2008), Heiden (2008), Singer (2008a) e Durkheim (1999),

faria parte de uma noção diferenciada da coletivização, onde, em torno do trabalho e mesmo dentro

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do capitalismo, observa-se novamente a solidariedade, a busca pelo bem comum apreendido tratado

em Tocqueville (2000). Analisa-se o conceito de economia solidária também devido a sua

possibilidade de torção entre coletivo e indivíduo, solidário e particular, entre capitalismo e

economia solidaria.

O Capítulo seguinte tece os fundamentos metodológicos e éticos utilizados para dar luz

à parte empírica deste trabalho, definindo procedimentos e ferramentas, bem como os passos de sua

utilização.

A penúltima parte do trabalho trata da tabulação e analises empíricas sobre os dados

recebidos dos sujeitos de pesquisa, demonstrando os resultados colhidos e sua conexão com o

referencial teórico.

E por fim é feita a conclusão, realizada a partir dos resultados obtidos na etapa anterior.

E assim as discussões teóricas foram condensadas na execução empírica deste trabalho

acadêmico, que teve como foco duas cooperativas da cidade de Salinas, na região norte do estado de

Minas Gerais, onde existem tentativas de organização do cooperativismo, na tentativa de trazer

novas luzes para essas contraditórias possibilidades contemporâneas.

2 O INDIVIDUALISMO : (DES)VINCULAÇÕES SOCIAIS E REFLEXOS

São perceptíveis características do individualismo em diversos aspectos do cotidiano, e

algo torna a analise sobre o tema extremamente relevante: sua capacidade de contrapor valores

coletivos a individuais, mesmo tendo recebido também influencias dos grupos. Algo observado

dentro da sociedade e que pode, em alguns momentos, induzir o sujeito a uma direção contrária ao

coletivo.

Além de estar presente, de acordo com Velho (1999) o individualismo encontra na

sociedade atual, o tempo-espaço em que aparecem com maior peso e ou dominância, as instâncias

que levam ao seu reforço. Talvez por ser em alguma medida evidente, alguns autores tentaram

delimitar seu conceito.

Enquanto conceito deste termo, Dukheim (1999) aponta a evidência do individuo em

detrimento da sociedade, denotando a sua ausência de vínculos nos grupos, através da demonstração

de uma personalidade individual diferenciada da coletiva. Giddens (1998) percebe uma distinção

clara e subjacente às primeiras obras de Durkheim como se referindo “a qualquer ramo da filosofia

social que conferisse ao „indivíduo‟ alguma forma de primazia sobre a sociedade” ( Giddens, 1998,

p. 148). Outro autor que tentou definir esta característica foi Tocqueville (2000), que delimita: “o

individualismo é um sentimento refletido e tranqüilo, que dispõe cada cidadão a se isolar da massa

de seus semelhantes (...).” (Tocqueville, 2000, p. 19). Ou ainda Dumont (1985), que afirma:

“Designa-se por individualista (...), uma ideologia que valoriza o indivíduo, (...) e negligencia ou

subordina a totalidade social” (Dumont, 1985, p. 279).

É perceptível, nas afirmativas de Tocqueville (2000) e Durkheim (1999), um conceito

que trata do individualismo, como um sentimento interno que traz uma forma de contraposição ou

desconexão do individuo em relação à sociedade.

21

O conceito tratado por Dumont (1985), no entanto, não define o individualismo desta

maneira. Este autor percebe que, antes de haver uma contraposição, ou alguma forma de

negligência, existe uma ideologia, uma formatação social coerente.

A visão de alguns autores contemporâneos também demonstra o individualismo não

como um valor que gera contraposição ferrenha entre individuo e sociedade. Vêem de maneira mais

complexa, como Velho (1999) que percebe o contexto individualizador como aquele em que se

focaliza o indivíduo biológico como unidade em torno da qual se desenvolve um sistema de

referencias e não um valor em detrimento a outros. Ou Elias (1994), que acredita no individualismo

enquanto a culminância de um processo de

autoconsciência de pessoas, que foram obrigadas a adotar um grau elevadíssimo de

refreamento, controle afetivo, renuncia e transformação dos instintos, e que estão

acostumadas a relegar grande número de funções, expressões instintivas e desejos a enclaves privativos de sigilo, afastados do olhar do „mundo externo‟, ou até aos

porões de seu psiquismo, ao semiconsciente ou inconsciente.(ELIAS, 1994, p. 32)

Para este autor, é a tensão entre duas esferas internas do individuo (por um lado ordens

e proibições sociais que a pessoa introjeta como se fossem seu autocontrole e por outro os instintos

ou inclinações recalcados ou não controlados) que levam o indivíduo a achar que existe

internamente, sem relações com os outros, do lado externo.

Ainda na perspectiva de Elias (1994), o reflexo teórico do intenso conflito que algumas

pessoas sentem internamente, é projetado pela sua consciência no mundo, como um abismo

existencial e um eterno conflito entre indivíduo e sociedade, que na verdade se trata de uma balança

entre as percepções “nós-eu” (particular e coletivo), e tende neste momento para uma centralização

maior do individuo, mesmo que a observação do “nós” seja também existente.

Já Gouveia (2003), analisa através de estudos realizados pela chamada “Psicologia

Trans-Cultural”, que o individualismo deve ser tratado por meio de escalas multifatoriais, existindo

tipos específicos de individualismo. Como exemplo, pode-se perceber o protoindividualismo, que

22

para Triandis (1995), se caracteriza através dos sujeitos “batalhadores”, típico em sociedades de

caçadores e pescadores e que realizam suas atividades com independência das demais. Na

atualidade, segundo o mesmo autor, seria importante para dimensionar culturas com claras

demarcações econômico-sociais. Outra possibilidade seria tratada em Parsons (1959-1976)6 apud

Gouveia (2003), que trata do individualismo expressivo: uma tendência a dar maior importância aos

relacionamentos pessoais, em detrimento das relações instrumentais, principalmente em se tratando

da família ou comunidade local do indivíduo.

E uma terceira possibilidade (que tem sido utilizada como enfoque principal para

diversas pesquisas), no entanto, não só aprofunda a percepção sobre o individualismo, como

também, relaciona individualismo e coletivismo, denotando duas categorias em comum para ambas

dimensões: a horizontal e a vertical. Na perspectiva horizontal as pessoas seriam similares na

maioria dos aspectos, sobretudo no status.

No caso do individualismo, em função da alta liberdade e igualdade que estas

experimentam, constrói-se um eu independente, mas não diferente dos demais membros da sua cultura. Em outras palavras, as pessoas que se orientam pelo

individualismo horizontal querem ser distintas dos grupos. Em relação ao

coletivismo, contempla-se uma baixa liberdade, porém alta igualdade, explicando o motivo de um eu interdependente e compartilhado com os demais membros da

sociedade. Assim, as pessoas se vêem como sendo similares às outras, enfatizam

objetivos comuns com os outros, mas, todavia, não são submetidas facilmente à

autoridade (GOUVEIA, 2003, p. 225).

No entanto, a observação vertical, em contraposição, enfatiza a aceitação da

desigualdade, além do privilégio a hierarquia. Para os individualistas,

6 Parsons, T. El sistema social. Madri: Revista de Occidente, 1976 (Original publicado em 1959).

23

(...) isto se reflete em um eu independente e diferente dos demais; aceita-se a baixa igualdade ao passo que é dada máxima importância ao sentido de liberdade,

definindo uma típica democracia de mercado. As pessoas que seguem esta

orientação querem ser distintas, adquirindo status social. Fazem isso geralmente em

competições com os outros. No caso dos coletivistas, traduz-se no sentido de servir aos outros, fazer sacrifícios em benefício do seu próprio grupo de pertença e

cumprir suas obrigações impostas como normas sociais. (GOUVEIA, 2003, p.

225).

Com base no exposto, se identifica a característica principal apresentada pela pessoa

que adota cada orientação: “Individualismo horizontal: Único; Individualismo vertical: Orientado

ao êxito; Coletivismo horizontal: Cooperativo; e Coletivismo vertical: Cumpridor” (Triandis7, 1995

apud Gouveia, 2003, p. 225).

O autor delimita também que apesar do individualismo horizontal significar se manter

afastado ou mesmo não se identificar com os endogrupos, no Brasil “os demais fatores do

individualismo não significam uma renuncia ao contato social, ou a identificação com endogrupos

secundários (amigos, companheiros e visinhos)” (Gouveia, 2002, p. 211)8.

Velho (1999) corrobora em parte com estas dimensões sobre o individualismo, quando

delineia suas duas principais modalidades: o prestigio e a ascensão. A primeira trata de uma

avaliação hierárquica, dentro de categorias bem definidas de um determinado modelo e a segunda

define a sua outra faceta, qual seja: a transformação e mudança do individuo, tanto em termos de

trajetória individual quanto de contexto social.

Existe, portanto, uma relação entre a atribuição vertical tratada por Gouveia (2003) e a

ascensão definida por Velho (1999): ambas tratam de uma mudança de atribuição de valor do

individuo na sociedade. Assim, o indivíduo poderia ascender socialmente e teria uma atribuição

hierárquica mais positiva que o posto ocupado anteriormente pelo mesmo. No mesmo sentido, a

pessoa pode ter uma atribuição hierárquica negativa, se decrescer para um degrau social

7 Triandis, H. C. Individualism and collectivism. Boulder, CO: Westview Press, 1995.

8 Como define ainda Gouveia (2002), a pessoa pode ser orientada principalmente pelo individualismo, mas sem

renunciar às relações sociais, principalmente aquelas que se encontram em âmbitos mais informais, como

companheiros de estudo e trabalho.

24

hierarquicamente inferior. Este critério denota uma dimensão “quantitativa” da posição individual.

Esclarece racionalmente quem ou qual posição é maior, ou menor.

É passível também uma relação entre as duas outras dimensões definidas pelos autores.

O prestigio depende de categorias bem definidas para demonstrar a transição do individuo sem

ascensão, sem uma atribuição valorativa de crescimento, mas uma mudança qualitativa. Assim

como o atributo horizontal, que precisa de similaridades para “conceituar” a diferença, que se torna

então, a meta individual. Seu foco é a mudança da dimensão “qualitativa”, mas não necessariamente

do nível hierárquico.

O individualismo demonstra relações muito fortes com a possibilidade de liberdade e

com a competição por crescimento e valorização social. Os quatro conceitos constituintes

(atribuição vertical ou horizontal e ascensão ou prestígio), no entanto, independentemente de raízes,

se cruzam ao demonstrar, diante do individualismo, o imperativo da diferenciação do individuo

(quantitativa ou qualitativamente), para gerar mais importância para ao o que foge à regra, ao

diferente.

Mas não se pode, neste momento, retirar a acuidade dos valores atribuídos pelo sistema

de relações, uma vez que existe a necessidade de unidades definidas pela sociedade, em alguma

medida fixas e comuns, para, a partir daí, pensar a diferenciação: não há diferença sem critérios que

definam o “diferente”. Além disso, a mudança do individuo acontece em grande medida, para lócus

que foram previamente definidos pela sociedade ou grupos específicos.

Ao que estas as evidências conceituais apontam, portanto, a diferenciação é uma faceta

importante da intenção dos indivíduos e para além desta afirmativa, a sociedade define e demonstra

particularidades do que é ser diferente, por critérios pré-definidos. Como afirma Velho (1999),

parece existir um arcabouço atual para facilitar e estimular a diferença.

Existem reflexos desta característica da sociedade no individuo, como percebe ainda

Velho (1999), “quanto mais exposto estiver o autor a experiências diversificadas, quanto mais tiver

que dar conta do ethos e visões de mundo contrastantes, quanto menos fechada for sua rede de

25

relação ao nível do seu cotidiano, mais marcada será sua auto percepção de individualidade

singular” (Velho, 1999 p. 32). Ao que tudo indica, a sociedade fortalece algo que pode ser contrário

a si, mas diferentemente da idéia de isolamento e ausência de vínculos abordada por

Tocqueville (2000) e Durkheim (1999), a massa de individualistas também está conectada à

sociedade. Demonstra uma alteração na própria sociedade, que devido a gama de posições a serem

tomadas, de possibilidades de caminhos diferentes a serem trilhados, levou o individuo a ser a

unidade valorativa principal, a partir do qual as referencias são realizadas. O individualismo é uma

elevação dos sujeitos à unidade de percepção principal, a partir da qual as referencias são feitas. O

individualismo é a elevação dos indivíduos ao centro a partir do qual as relações apontam.

É importante notar que, ao se entender como unidade central e participar de diferentes

grupos, os homens guiados pelo individualismo, em determinados momentos entenderiam que o

valor do grupo instantâneo é prioritário e em outros não. Por esta via, são os indivíduos quem

devem ser priorizados, não os diversos conjuntos, o que pode ser extrapolado a níveis em que se

represente ir contra a sociedade.

Ao analisar ponderadamente a questão da desconexão e da contrariedade em relação aos

grupos explorada enquanto conceito de individualismo por Tocqueville (2000) e Durkheim(1999)

compreende-se no entanto, que a não conexão e o ato de ir contra um determinado grupo, seriam

efeitos de uma maior percepção valorativa do ser humano, não um conceito central do termo.

Assim, chega-se no conceito que norteará este trabalho, pois individualismo não é a

desconexão ou contrariedade relativa ao grupo, mas a percepção da centralidade do individuo em

relação ao mesmo, atrelada assim à redução de valor dos vínculos com os diversos organismos

sociais. A realidade desta discussão denota uma espécie de fragmentação entre o todo e o particular,

uma independência entre indivíduo e grupo.

Diante desse conceito norteador, emerge a necessidade de mais investigações sobre as

características principais do individualismo, como sua conexão com a diferenciação horizontal e

vertical, ou certa percepção do individuo enquanto ente isolado. Ficam claras também necessidades

26

de esclarecimentos sobre os reflexos do individualismo na sociedade, como sua desconexão e a

contraposição. Uma investigação sobre a gênese do individualismo poderia esclarecer melhor essa

relação na sociedade atual.

2.1 A Ética Protestante e o Indivíduo: Perspectiva e Centro

Antes de alguma generalização a respeito da idéia de um individualismo pungente e

sempre existente, é importante tornar nítido que existem contrapontos este conceito, uma vez que

existem vestígios de que “algumas culturas valorizam altamente o individualismo, enquanto outras

podem colocar maior ênfase em necessidades em comum” (Giddens, 2005, p. 38), como na

perspectiva grega clássica, onde o individuo é subjugado em relação ao todo (essa afirmativa torna-

se observável numa concepção jusnaturalista, quando os indivíduos são vistos primeiramente como

membros de uma família, e posteriormente da sociedade enquanto evolução normal).

Velho (1999), percebe que nas modernas sociedades industriais individualistas, existem

possibilidades de alta conexão com grupos, como o valor atribuído à religião, ou carreira, a

participação em certas instituições, a família.

Portanto, a valorização dada a alguma característica não deve ser vista como algo

estanque. Como afirma Giddens (2005) os valores e as normas culturais mudam através do tempo e

o próprio conceito de cultura trata de aspectos da sociedade que são antes aprendidos do que

herdados. Existem exemplos, como as sociedades caçadoras e coletoras, oriundas de até 50.000

anos atrás, que tinham uma ênfase muito maior na cooperação do que no valor individual, ou o

exemplo grego ora citado que tende a apontar para uma sociedade que não vê no individuo uma

referencia maior do que na família ou na sociedade. Em alguma medida, portanto, o individualismo

não é uma das dimensões mais marcantes das primeiras sociedades humanas.

Neste contexto, torna-se possível pensar que o conjunto de valores dos indivíduos teve

uma mudança a ponto de trazer a tona características que provavelmente, inexistiam anteriormente.

27

Uma suposição que tornaria factível tal probabilidade, ainda segundo o autor, seria a dialética

inerente ao contato com os valores de outros indivíduos e da sociedade.

O fato de que, do nascimento até a morte estejamos em interação com outros certamente condiciona nossas personalidades, os valores que sustentamos e o

comportamento em que nos engajamos (GIDDENS, 2005, p. 43)

Seria então possível a emergência do individualismo, desde que a orientação da

sociedade, tenha, em algum momento da história, propiciado.

Tocqueville (2000) percebe o surgimento do individualismo enquanto um movimento

novo do século XIX, e delimita sua distinção clara do egoísmo:

O individualismo é uma expressão recente que uma nova idéia faz surgir. Nossos

pais só conhecem o egoísmo. O egoísmo é um amor apaixonado e exagerado, que

leva o homem a referir tudo a si mesmo e a se preferir a tudo mais.

(TOCQUEVILLE, 2000, p. 19).

Outra opinião acerca do surgimento do individualismo enquanto característica do

homem seria a percepção de Durkheim (1999), para quem o surgimento do individualismo é um

“fenômeno que não começa em lugar nenhum” (Durkheim, 1999, p. 154) sendo, assim, sempre

perceptível na humanidade.

Porém, novamente no caso de Tocqueville(2000) e Durkheim(1999), trata-se aqui, das

causas, não do efeito. O isolamento do individuo pode ter emergido como causa, no séc. XIX e,

possibilidades de alguns indivíduos estarem se valorizando em detrimento da sociedade podem ser

percebidas desde tempos remotos, talvez desde que um ancestral preferiu fugir de um predador a

enfrentá-lo com seus companheiros de tribo. Nesse sentido, os dois autores poderão estar, em

alguma medida, corretos. Mas o que se trata no caso do surgimento do individualismo é o momento

em que o conjunto de valores da sociedade começa a fazer dos indivíduos (e não de organismos ou

instituições sociais), o local central de referência, mesmo que dentro da sociedade.

28

Boa parte das teorias não concorda com o período em que teria surgido tal faceta do

mundo contemporâneo. Segundo Dumont (1985), alguns autores acreditam que o individualismo

esteve presente sempre por toda parte, outros autores crêem no surgimento deste traço na

renascença ou com a burguesia em sua ascensão e outros ainda, dão por certa sua primeira

representação como oriunda das heranças clássicas e judaico-cristãs ou no surgimento, na Grécia

Antiga, do “discurso coerente”.

De acordo com a tese de Dumont (1985), algo do individualismo moderno está presente

nos primeiros cristãos e no mundo que os cerca. No desenvolvimento de sua argumentação, o autor

verá em Calvino e na reforma protestante a partir do século XVIII a culminância de uma série de

fatores que faziam os homens se realizarem fora do mundo enquanto indivíduo, levando o ser

humano, à partir de então, a unificar os campos de visão “indivíduo-fora-do-mundo” e “indivíduo-

no-mundo”, buscando assim a realização terrena das ações que comprovarão, para si mesmo, a idéia

de que fora um dos escolhidos para a glória eterna. Pode-se observar que a partir da conjunção

momentânea, seguir os preceitos religiosos na vida mundana é uma forma de se encontrar em união

com o caminho divino para a glória eterna em Deus.

Para se caracterizar melhor a idéia de indivíduo-fora-do-mundo, pode-se utilizar o

exemplo indiano: “o homem que busca a verdade última abandona a vida social e suas restrições

para consagrar-se ao seu progresso e destino próprios” (Dumont, 1985, p.37) e também conceitos

contratualistas que, apesar de surgirem algum tempo depois enquanto idéia, remetem a períodos

anteriores e abarcam traços que ajudam a clarificar o conceito: “A noção de estado de natureza, de

fato, aponta aquilo que seria a condição do homem fora da sociedade civil (...)” (Duso, 2005, p.

113). Quanto à explicação do indivíduo-no-mundo, basta-se observar que o mesmo vive em

sociedade e busca na mesma as formas de se realizar pessoalmente. Cabe aqui no entanto, uma

investigação mais profunda sobre o que gerou a possibilidade de um maior reforço na esfera do

individuo-no-mundo, ponto importante para a emergência do individualismo.

29

Weber (2001), percebe que o individuo se afirmou fortemente no mundo sob influência

da religião, mais especificamente sob a luz do protestantismo. Na contemporaneidade, no entanto,

parece lógico o fato de que a igreja é apenas um grupo (dos diversos) com quem as pessoas mantêm

relações, ou mesmo que, como define o autor, as pessoas imbuídas do espírito do capitalismo

tendem hoje a ser indiferentes, senão hostis a igreja, recorrendo a estas ou a quem representam

somente em momentos que julgam necessários.

Mas uma gama de evidências reforça que, até determinado ponto a humanidade esteve

como que atrelada a referências que tangenciavam o individuo, mas não efetivamente o eram. Até

mesmo em um período não muito distante daquele onde emergiu o protestantismo, o centro de

influencias humano não era principalmente o ser, mas organismos socialmente construídos, como a

igreja.

Para um tempo em que o além significava tudo quando a posição social de um

cristão dependia de sua admissão à comunhão, os clérigos com seu mistério, a

disciplina da igreja e a pregação, exerciam uma influência (que pode ser apreciada nas coleções Consilia, Casus Conscientiae, etc.) que nós, homens modernos somos

totalmente incapazes de imaginar. (WEBER, 2001, p. 113).

Diante de tamanha influência, seria de relativa dificuldade a transição de um referencial

para outro, de um mundo baseado em “superstições” ou mesmo a religião, para um mundo onde o

individuo percebe nas pessoas particulares o principal sistema de valores. Ao analisar algumas

grandes seitas religiosas que influenciaram a concepção protestantista, no entanto, nota-se alguma

alteração no formato de certas referências subjetivas.

Nas seitas batistas, afirma Weber (2001), somente adultos que tivessem adquirido sua

própria fé poderiam tomar posse do seu dom da salvação através do batismo. Mas isso unicamente

ocorreria mediante revelação individual do espírito divino e viria somente diante da não resistência

do indivíduo a sua vida, com um apego pecaminoso ao mundo. Isso era traduzido com uma rígida

observância dos preceitos bíblicos e um repúdio absoluto à idolatria da carne. No limite, levou

mesmo a seita dos quakers a eliminação do batismo e da religião. Emerge nesta seita também a

idéia de consciência individual, e o papel da ação do individuo se torna tão relevante, que, “só a luz

30

interior da revelação contínua poderia capacitar alguém de fato até para as revelações bíblicas de

Deus” (Weber, 2001, p. 108). Este estado de perfeição, no entanto, não era uma regra, mas um

degrau que o individuo tinha que buscar obrigatoriamente, com a ajuda de sua consciência.

Torna-se evidente o papel central do indivíduo através de sua consciência individual.

Logicamente, também fica claro que a meta principal era o estado de graça religioso, que ilustra o

individuo fora do mundo, mas, “por outro lado, posto que os meios pelos quais era obtido diferiam

nas várias doutrinas, não poderia ser garantido por qualquer sacramento mágico, nem pelo alivio da

confissão ou pelas obras individuais” (Weber, 2001, p. 112). O autor ainda afirma que aos

seguidores do calvinismo surgiram duas questões principais para provar que eram predestinados a

graça de Deus: ou consideravam a si mesmos como escolhidos, combatendo qualquer dúvida e

tentação ou realizavam intensa atividade como recomendação para obter a auto confiança.

Até mesmo a perca da certeza de que era um predestinado, poderia se caracterizar sinal

de que o individuo não era um prometido ao reino dos céus. Em parte deve-se a isso o fato dos

protestantistas se deterem com tamanho vigor na sua prática. E uma das questões que torna mais

lúcida a transição do individuo para a vida mundana é exatamente a sua prática, ou ascetismo

religioso, que era paradoxalmente contra a vida mundana.

O calvinismo exigia de seus crentes não boas ações isoladas, como no caso dos

católicos, mas uma vida de boas ações combinadas em um sistema unificado.

O Calvinista criava por si a própria salvação (ou sua convicção disso), através de

atos positivos, constantes, sistemáticos, que o ajudavam a se livrar do medo da

condenação. Mas esta salvação não poderia, como no catolicismo, consistir em um grande acúmulo de boas ações individuais para crédito pessoal, e sim num

autocontrole sistemático que a qualquer momento se defrontaria com a alternativa

inexorável – escolhido ou condenado. (WEBER, 2001, p. 86)

Assim, como no calvinismo e outras seitas protestantes, para o metodismo, aquele que

não realizasse as obras não seria um verdadeiro crente e, para além dessa afirmativa, as obras do

31

individuo não eram a causa, mas o meio de se perceber seu estado de graça. Enquanto obras, pode-

se inclusive perceber o trabalho, que atrelado à idéia de vocação, elemento importante da ideologia

protestante, engajou ainda mais o ser humano na vida terrena.

De acordo com Weber (2001), Aliado a idéia de vocação, o trabalho veio a ser

considerado em si a própria finalidade da vida ordenada por Deus. Era condenável, no entanto, a

utilização da acumulação para a perda de tempo na vida social, em conversas ociosas, em luxos e

mesmo em dormir mais que o necessário. Sobrava então ao individuo trabalhar na sua vocação, para

a glória de Deus. Na ética quaker9, a vida do homem na sua vocação é um exercício da virtude

ascética e uma prova do seu estado de graça diretamente para sua consciência10

. Na percepção

luterana,

o único modo de vida aceitável por Deus não era o superar a moralidade mundana pelo ascetismo monástico, mas unicamente, o cumprimento das obrigações

impostas ao individuo pela posição no mundo. Esta era sua vocação. O

cumprimento dos deveres mundanos é, em todas as circunstâncias, o único modo de vida aceitável por Deus. (WEBER, 2001, p. 65).

Na ideologia do luteranismo ainda de acordo com Weber (2001), a busca pelo individuo

da profissão correta era um mandamento divino até mesmo de caráter impositivo. Em se tratando do

pietismo, apesar do mesmo ter um elemento emocional, era ainda portador de certo racionalismo, e

seu ascetismo também fortalecia o trabalho. Diante disso, “o desenvolvimento metódico do estado

de graça para graus sempre mais altos de certeza e perfeição era um sinal de graça” (Weber, 2001,

p. 98) e a providencia divina trabalhava em função dos que estivessem no estado da perfeição, o

que, aliado à idéia de vocação, demonstrava que aqueles que tinham sucesso no trabalho, eram

eleitos e abençoados. Já no calvinismo, como define o autor,

9 Uma das diversas seitas protestantes definidas por Weber(2001), assim como o pietismo, o luteranismo, entre outras

citadas neste texto. 10 Nessa medida, o trabalho do sujeito era a comprovação de seu estado de graça e sua subserviência a Deus para si

mesmo.

32

o amor fraternal, uma vez que só poderia ser praticado pela glória de Deus e não a serviço da carne, é expresso em primeiro lugar no cumprimento das tarefas diárias,

dadas pela Lex naturae; e no processo, esta obediência assume um caráter

peculiarmente objetivo e impessoal, a serviço do interesse da organização racional

do nosso meio social (WEBER, 2001, p. 82).

Portanto, apesar de ter como objetivo principal o reino dos céus, algumas características

das seitas protestantes trouxeram o ser humano a cada vez mais para o plano mundano.Weber

(2001), percebe ainda, que mesmo entre os círculos dos protestantes, existe uma tendência, com o

aumento do numero de ricos, ao aumento do orgulho, da cólera e da mundanidade. E esta afirmativa

denota um ponto central da característica do individualismo: o ser humano passou a ter limites

definidos sobremaneira por uma consciência individual.

Logicamente, em se tratando da vida terrena, fica nítida uma tentativa de relação

harmoniosa na sociedade, não se trata ainda de uma desconexão (que como foi tratado

anteriormente pode ser um dos efeitos do individualismo). Segundo Velho (1999), por mais que

haja um projeto de decisão individual, este é permeado por regras e meios que são definidos pela

sociedade, que ainda realiza determinada pressão pela escolha. Isso torna-se perceptível por

exemplo, no fato de que apesar de contrários a todo tipo de cultura que não tivesse um valor

objetivo conectado à religião, de acordo com Weber (2001), os puritanos eram formais e favoráveis

ao ato de seguir a lei.

A influência exercida sobre as pessoas por parte da igreja e do estado, é ainda mais

relevante ao se analisar que as duas entidades tentaram por muito tempo se tornar o centro de

referencia para o individuo. Para Weber (2001), o próprio Calvino sempre deu prioridade e foco à

igreja em detrimento ao estado, propondo inclusive que a mesma estivesse em uma posição

superposta, ou seja, que fosse hierarquicamente superior. Mas diante das duas intenções, entre

igreja e estado, o indivíduo, é ressaltado: através da predestinação (inerente à sua teoria, segundo a

qual, os escolhidos irão para o céu) o indivíduo suplanta a igreja, não precisando da mesma para

atingir sua graça, mas sim, de sua predestinação à glória, provada pelos atos terrenos. Por esta via,

33

um estado enquanto referencia principal sob o qual todos estariam subjugados torna-se também

incoerente com o individualismo.

No entanto, pode-se dizer que, pela nova concepção das ações terrenas, como o trabalho

individual e a vocação, o individualismo se aproxima do ideal burguês.

Ainda nas comunidades pré-burguesas, a falta de interesse das classes proprietárias,

demonstrava que os mesmos, “antes de serem súditos numa monarquia ou cidadãos numa república,

eram essencialmente pessoas privadas” (Arendt, 1989, p. 168).

Os efeitos econômicos da ética protestante eram, também por este modo, antagônicos ao

protestantismo e manifestado o agudo entusiasmo inicial, puramente religioso, “as raízes religiosas

esvaem-se lentamente para dar lugar à mundanidade econômica” (Weber, 2001, p. 127).

O individuo torna-se o centro, em conexão com a manifestação burguesa, porém,

multifacetado, entre as realidades terrenas e celestiais. Deve-se ter certo cuidado, no entanto, em

relação às colocações feitas sobre as esferas mundana e divina, pois o plano fora-do-mundo perdeu

força sobre o individuo que, diante da nova realidade, entremeado em instituições, na vida terrena,

na sociedade e principalmente em si mesmo, tornou a vinculação da pessoa no espaço social ainda

mais complexa, contemplando também, a religião.

Uma das principais vinculações que agregam certa complexidade às relações sociais é o

que Weber (2001), percebe como surgimento de uma ética burguesa, a partir da qual, se o

empreendedor burguês, agisse corretamente e moralmente além de não utilizar sua riqueza para fins

questionáveis, poderia obter lucros se sentindo bem com o fato. Esta mesma ética gerava

trabalhadores sóbrios, conscientes e ativos, que acreditavam que seu trabalho glorificaria a Deus.

Esta visão favoreceu também a acumulação capitalista, já que os trabalhadores que recebiam baixos

salários, mas que eram fiéis ao trabalho, agradavam a Deus. A ética burguesa poderia ser uma

tentativa de solucionar o tormento desencadeado pelas duas referências: o lucro e a religião.

34

Diante da dúvida sobre qual a referência deve ser a prioritária, independentemente, é

possível afirmar que o atrelamento entre individualismo (que eleva e prevê o homem no centro) e a

ética burguesa (que tenta conciliar Deus e a vida mundana) tende a um efeito de incoerência com

qualquer forma de organização social que tente ser tratada como referência principal: hora o

indivíduo é orientado pela esfera divina, hora pela esfera mundana. Mas quem deve decidir em qual

momento cada um pode ou deve ser levado em consideração é prioritariamente, o indivíduo.

Este movimento contribui de maneira marcante, portanto, para a emergência do

individualismo. Na contemporaneidade, é saliente que para além dessa constatação:

Excluído da participação na gerencia dos negócios públicos que envolvem todos os

cidadãos, o indivíduo perde tanto o seu lugar a que tem direito na sociedade quanto

a conexão natural com seus semelhantes (ARENDT, 1989, p. 170).

Novamente fica clara, pela percepção da autora, que a desconexão com a comunidade

pode ter ligações umbilicais com o individualismo. Em conseqüência da afirmativa, torna-se uma

tarefa menos complexa conceber uma revolução burguesa nos moldes da revolução francesa, que

trouxe a tona uma nova formatação social.

Como afirma Reis (2003), entre os séculos XIII e XVI emerge “um novo personagem”:

o homem burguês e urbano, movido pelas frentes religiosa e mundana ao mesmo tempo.

Por continuar fiel a Deus e ser conquistador deste mundo, o burguês possui objetivos diferentes e incompatíveis: o lucro e a salvação! Ainda cristão, ele deseja

a eternidade, a salvação; burguês, deseja os prazeres múltiplos deste mundo (REIS,

2003, p. 23).

Entre realidades, o burguês se encontra dividido. Não seria, no entanto, coerente afirmar

que a divisão da humanidade em partes tencionadas teve início, ou só aconteceu com os mesmos: “a

vida grega era fragmentada em pequenos todos, divididos e em guerra” (Reis, 2003, p. 16). Mas

certamente, com o atrelamento do burguês que surge e o individuo que se torna o cerne dos

apontamentos, tenha ocorrido uma agudição do processo.

35

Haveria, portanto, uma tendência de organizar as consciências estilhaçadas do que era a

identidade humana durante a emergência da burguesia e do indivíduo e as pessoas se apoiaram em

um fundamento ainda greco-romano: a razão. “A racionalização geralmente ocorre quando há a

fragmentação da consciência” (REIS, 2003, p.23).

2.2 Racionalismo e Individualismo: Entrelaçamentos

A cultura ocidental contemporânea, que tem alicerce na cultura greco-romana e sua

posterior expansão aliada ao cristianismo, como delimita Reis (2003), começa a demonstrar certas

incoerências com a nova fase histórica representada principalmente por sua visão do tempo e da

história a partir do final do século XVI. A dualidade em que o individuo estava imerso, gerava

tensões com a perspectiva anterior baseada no universalismo cristão da salvação.

A nova possibilidade religiosa, baseada no protestantismo, não era diferente do

cristianismo somente devido a dogmas religiosos, mas sim por um formato de conduta, baseado em

racionalismo11

, planejamento e sistematização. Para Weber (2001), o Deus dos calvinistas exigia de

seus crentes não boas ações isoladas, como no caso dos católicos, mas uma vida de boas ações

combinadas em um sistema unificado. O calvinismo se mostrou racional e baseado em fatos reais,

não somente dogmas ou crenças. Objetivava livrar o homem do poder dos impulsos irracionais e de

sua dependência do mundo e da natureza, colocando o seu agir sob constante e meticuloso

autocontrole. Para o autor, até mesmo o método para induzir o arrependimento para obtenção da

graça divina tornou-se objeto da atividade humana sistematizada.

11

Trata-se do racionalismo a partir da perspectiva de Kant (2003), que atribui a este, um meio de conhecimento dos

objetos da realidade não por meio de dogmas pré-fabricados ou percepções sem crítica, mas sim em um empirismo

calcado na necessidade de discernimento objetivo, que busque a universalidade efetiva da causa/efeito (causalidade).

36

Só era possível um tipo de comportamento: o racional. “Seguiu-se disso um incentivo

para que o individuo supervisionasse metodicamente seu estado de graça em sua própria conduta, e

nela introduzisse o ascetismo” (WEBER, 2001, p. 112). O que levou a um planejamento racional da

vida individual como um todo, de acordo com a vontade de Deus. Essa vida religiosa vivida então,

em meio ao mundo e suas instituições levou à racionalização da conduta no mundo, moldando-a

também à perspectiva laica.

Na modernidade houve inicialmente uma busca da afirmação racional e prática humana

(e este processo não pode ser afirmado como terminado). Neste espaço, a visão anterior, apoiada em

uma concepção de magia e religião, a vida humana não teria um respaldo suficientemente forte para

levar à realização da continuidade de expansionismo europeu ocidental, uma vez que, ainda

segundo Reis (2003), teve início a partir do século XVIII uma nova organização política, econômica

e social, onde o mundo material até mesmo desafiava a religião.

O homem moderno se engajava na procura da razão e do lucro, uma vez que, de acordo

com Reis (2003), a vida baseada apenas em fundamentos religiosos, levaria ao fracasso terreno.

Para o autor, estas constatações levariam ao derretimento da metafísica entre os séculos XIII e XVI.

Nesse período ocorreriam fraturas na identidade universal com o homem como que atado pelos

braços a forças opostas: as dicotomias razão-religião e lucro-salvação.

Segundo Reis (2003), pelas fraturas, havia um esforço de racionalização, já que os

sentimentos contraditórios tendem a ser organizados de forma racional para que assim ocorra de

certa forma uma legitimação de tão contraditória, e neste momento, fragmentada existência. Esse

processo de racionalização se laicizou, e as sociedades passaram a ser movimentadas também pelo

estado burocrático e pela empresa capitalista. Para Weber (2001), o processo de racionalização no

campo da organização econômica e técnica determina boa parte dos ideais de vida da sociedade

burguesa. Trabalhar a serviço de uma organização racional para suprir a humanidade de bens

37

materiais certamente representou para o espírito capitalista um dos mais importantes propósitos da

vida profissional.

É uma das características fundamentais de uma economia individualista capitalista, racionalizada com base no rigor do cálculo, dirigida com previsão e cautela para o

sucesso econômico almejado e está em agudo contraste com a existência simples

do camponês e com a do tradicionalismo privilegiado do artesão corporativista e do

capitalismo aventureiro, orientado para a exploração das oportunidades políticas e da especulação irracional (WEBER, 2001, p. 62).

Através do modelo de estado burocrático e pela empresa capitalista, torna-se mais

factível que o individuo entre em contradição consigo e com os preceitos religiosos anteriores, se

aliando ao racionalismo em uma jornada eminente e, possivelmente, reforçadora das duas

dimensões: o racionalismo e o individualismo.

É perceptível a conexão entre individualismo e racionalismo através das dimensões

qualitativa e quantitativa: no aspecto qualitativo, relativo a um mesmo nível hierárquico, em que o

individualismo é uma noção contraditória de engajamento e não pertencimento do ser humano a

determinado grupo e onde busca sua diferenciação, o indivíduo encontraria na racionalidade uma

grande aliada para a sua diferenciação, já que ainda segundo Reis (2003), pelas fraturas, existe a

possibilidade de um esforço de racionalização, pois os sentimentos contraditórios tendem a ser

organizados de forma racional para que assim ocorra de certa forma uma legitimação.

Na dimensão quantitativa, que é vertical e definida pela possibilidade de ascensão para

níveis sociais mais valorativos, aceitar a desigualdade e privilegiar a hierarquia descreve em alguma

medida questões relativas às organizações capitalistas atuais, que podem conter diversos níveis

hierárquicos e uma competição ferrenha em mercado global, racional e coerente com um ideal de

liberdade.

38

As organizações capitalistas atuais podem ser vistas, inclusive, como reforçadoras de

alguns efeitos do individualismo, como a desconexão das pessoas de seus grupos anteriores, o

exacerbamento da competição.

Percebe-se assim, o individuo burguês e multifacetado, dividido entre tensões e

tentando se recompor através de uma racionalidade fortemente arraigada nas novas relações sociais,

mas que fortalece o individualismo, o racionalismo e o capitalismo.

2.3 A Gênese do Capitalismo e Conexões com a Burguesia e o Individualismo

Antes de afirmar que o individualismo e o capitalismo estão conectados de alguma

forma, se faz importante um estudo sobre algumas perspectivas que podem ser utilizadas para tratar

das particularidades do capitalismo. Para Arrighi (1996), por exemplo, trata-se de um modelo de

estrutura que sobrepõe e depende de duas outras camadas12

, e molda os mercados e as vidas do

mundo inteiro. Para este autor, que corrobora com a perspectiva de Braudel (1982), o capitalismo, é

uma classe antimercadológica, composta por grandes predadores, e onde vale a “lei da selva”.

Percebe-se o capitalismo como uma dimensão acima da economia de mercado, à qual esta está

sujeita, recebendo os contornos pelos quais tratará de funcionar.

De acordo com Arrighi (1996), devido a esta característica, é condição fundamental

para a existência e funcionamento do sistema que o mesmo esteja intrinsecamente conectado ao

estado – e este é o aspecto mais importante de uma série de etapas e transformações que levou o

“poder” capitalista de uma forma dispersa para uma formatação concentrada, que tem a capacidade

de exercer forte influencia na vida das pessoas. De acordo com o autor, aconteceram quatro etapas

12 As duas camadas iniciais, tratadas primeiramente por Braudel (1982) se compõem de uma economia extremamente

elementar e auto-suficiente, tratada como “vida material”, seguida da segunda parte, chamada de economia de

mercado, onde através das diversas comunicações entre os diferentes comércios, acontece a regulação pela oferta e

procura. Nesse sentido, o capitalismo depende, mas está acima destas duas camadas.

39

ou ciclos principais de acumulação: o genovês, o holandês, o britânico e por fim o norte-americano,

mas todos decorreram do atrelamento do estado e da acumulação financeira derivada de variáveis

específicas do momento vivido em cada uma dessas etapas.

O que impulsionou a prodigiosa expansão da economia mundial capitalista dos últimos 500 anos, em outras palavras, não foi a concorrência entre Estados como

tal, mas essa concorrência aliada a uma concentração cada vez maior do poder

capitalista no sistema mundial como um todo (ARRIGHI, 1996, p. 13).

Tanto Arrighi (1996) quanto Dobb (1988) acreditam em um profundo enlace (e até

mesmo certa dependência) entre o sistema capitalista e o estado. Mas suas convergências não

ultrapassam em muito este ponto principal.

Para Dobb (1988), existem diversos autores que tentam delimitar o capitalismo, através

de diversos matizes. Uma primeira abordagem seria aquela em que se observa o sistema enquanto

uma totalidade de características representadas pelo “espírito” que tem inspirado a vida de

determinada época. Por esta via, em diversos momentos da história se observaria um conjunto de

atitudes econômicas diferentes, e um “espírito” específico13

criou a atitude e o sistema econômico

em questão. Concordariam com esta linha: Sombart (1928)14

e Weber (2001), entre outros.

A segunda possibilidade tratada pelo autor, referente às abordagens que tentam definir o

capitalismo, é aquela em que se contrapõem o regime da antiga guilda artesanal, onde o artesão

vendia seus produtos a varejo no mercado da cidade e uma organização da produção para mercados

distantes, donde já se encontram presentes atacadistas e a perseguição a um lucro presumivelmente

irrestrito. Assim, o capitalismo estaria presente já quando os atos de produção e venda a varejo se

separam em tempo e espaço pela intervenção de um grande negociante que adiantava dinheiro no

13

De acordo com o autor “tal espírito é uma síntese do espírito de empreendimento ou aventura entremisturado com o

„espírito burguês‟ de prudência e racionalidade”(Dobb, 1988, p. 6). 14 SOMBART. Der Moderne Kapitalismus. 1928.

40

intuito de obter lucro. Alguns partidários desta abordagem para o autor seriam: Schmoller (1929)15

e Pirene (1914)16

.

Porém, quanto a estas duas primeiras linhas de análise sobre o capitalismo, existe uma

séria crítica:

Tanto a concepção (...) do espírito capitalista quanto uma concepção de capitalismo

como sendo primariamente um sistema comercial compartilham o defeito, em

comum com as concepções que focalizam a atenção no fato de uma inversão lucrativa de dinheiro, de serem insuficientemente restritivas para confinar o termo a

qualquer época da História, e de parecerem levar inexoravelmente à conclusão de

que quase todos os períodos da História foram capitalistas, pelo menos em certo

grau (DOBB, 1988, p.8).

A terceira linha, à qual se integra o próprio autor citado, fugiria dessa possibilidade

problemática (mesmo que, paradoxalmente, o autor perceba que os sistemas não se encontrem em

sua forma pura em nenhum momento da história). Esta corrente defende “um sistema sob o qual a

própria força de trabalho „se tornara uma mercadoria‟ e era comprada e vendida no mercado como

qualquer outro objeto de troca” (DOBB, 1988, p.7).

No desenvolvimento de sua argumentação, se percebe o feudalismo enquanto sistema de

produção e antecessor do capitalismo, sendo que, este emerge depois de uma série de movimentos

onde personagens como os senhores feudais, servos e reis transitam pelas cidades em crescimento

ou mesmo em territórios feudais, numa luta que culmina no declínio do feudalismo. É definida

também, e decorrente deste movimento, a formatação onde o Estado finalmente se conecta

fortemente aos grandes proprietários de capital17

.

Obviamente, para alcançar esta situação, questões diversas aconteceram, e a própria

composição que levou ao fim ou declínio do feudalismo dependeu de um longo e demorado

crescimento do mercado, entre outros pontos. O assunto torna-se de tal forma complexo que Dobb

15 SCHMOLLER. Principes d’Économie Politique. Passim. In: Economica: 1929. 16 PIRENE. American Historical Review. 1914. 17

Ocorre atrelada a esta dinâmica e também em decorrência da mesma, a expansão do mercantilismo e o início da

burguesia, o surgimento do capital industrial e os problemas oriundos da acumulação de capital, as exportações e o

comercio colonial do século XIX, além do crescimento do proletariado.

41

(1988), delimita a existência de evidencias de que o crescimento da economia monetária levou tanto

ao declínio quanto ao aumento da servidão e também do feudalismo em determinados momentos.

Independentemente, para o autor, tanto o crescimento do mercado quanto a alteração do

modelo de produção – de servo para trabalhador assalariado – exerceram grande influencia para a

transição ao capitalismo. E sua conclusão com relação a isso é que “ineficiência do feudalismo

como sistema de produção, conjugada às necessidades crescentes de renda por parte da classe

dominante, foi fundamentalmente responsável por seu declínio (...)” (DOBB, 1988, p.32) já que o

tempo dedicado pelo servo ao senhor feudal e a renda deste tinham ligação diretamente positiva, ao

passo que o tempo dedicado pelo servo à cultura de terra para a própria subsistência e a renda do

senhor feudal tinham uma ligação diretamente negativa. Ou seja, quanto mais era exigido do servo,

menos condição este teria para sua própria subsistência. E isso teria chegado a um limite.

Ainda agregava pressão à relação o fato do servo, em diversos locais, ter por obrigação

se manter na terra do senhor feudal (mas que, diante de tamanha pressão por produção levou a uma

deserção em massa dos feudos para as cidades em diversas regiões). Segundo Dobb (1988), os

fatores que devem ter exercido maior relevância na formatação da produção foram a abundância ou

escassez, o preço alto ou baixo da mão de obra.

A influência exercida pela formatação descrita contribuiu tanto para a constituição das

cidades, devido à deserção dos servos, quanto para a formação da burguesia. Mas, mesmo no

interior das cidades e com certo contato com os burgueses, resquícios do feudo poderiam ser

percebidos, através de membros da aristocracia, donos de terra na cidade e em seu contorno. Este

fator é assas importante para a constatação delimitada por Dobb (1988): existiam camadas

hierárquicas no interior das cidades. E o poder político se encontrava, em grande parte dos casos,

conectado à classe mais alta, definindo as relações de troca de mercado, como preços e monopólios.

As associações de burgueses ou artesãos também exerciam este tipo de poder, no intuito

de limitar a concorrência entre os próprios associados, o que demonstraria uma nítida relação com o

42

coletivismo horizontal e seu espírito de cooperação tratado em Gouveia (2003), mas essas

associações logo começaram a pender sempre para uma parcela mais influente. Os dois casos,

entretanto (das associações comerciais e da aristocracia), demonstram a existência de uma minoria

dominante, que, posteriormente, conseguiu limitar os ganhos da grande maioria da população.

Para Dobb (1988), a partir da segunda metade do século XVI, os salários reais mostram

uma queda catastrófica e acontece uma inflação dos lucros, devido à existência de uma nova

burguesia mercantil, caracterizada pelo ganho através da redução dos salários dos trabalhadores e

seu enraizamento profundo18

com a sociedade feudal/aristocrática.

Se antes seria mais complexo observar traços do individualismo, a partir desse

momento, é perceptível a composição de orientação ao êxito ou crescimento hierárquico vertical,

característica marcante do individualismo vertical de acordo com Gouveia (2003). Também fica

clara a noção de “autoconsciência de pessoas, que foram obrigadas a adotar um grau elevadíssimo

de refreamento, controle afetivo, renuncia e transformação dos instintos” (ELIAS, 1994, p. 32) uma

vez que a classe do novo burguês mercador:

Floresceu como intermediário, cujo sucesso dependia de sua habilidade insinuante,

de sua facilidade de adaptação e dos favores políticos que conseguisse(...). Esses novos homens tinham que ser agradáveis e astuciosos: tinham de temperar extorsão

com bajulação, combinar avareza com lisonja, e encobrir a dureza do usurário com

as vestes do cavalheiro. (DOBB, 1988, p. 87)

A aliança gerou resultados muito importantes para os burgueses mercantis, que

obtiveram controles monopolistas do comércio local e posteriormente de exportações. Além disso, a

união retratada reflete-se na acumulação de capital juntamente com diversas outras questões, (como

lucros inesperados, arrendamentos elevados e ganhos da usura) necessárias a alguns movimentos

18

Fato conquistado através de aquisição de terras, sociedades com a aristocracia, recebimento dos membros e filhos da

pequena nobreza em suas associações, matrimônios, aquisições de títulos, coalizões políticas e aceite de cargos

ministeriais ou na corte.

43

econômicos posteriores19

, como o próprio amadurecimento do capitalismo e sua constituição como

política de Estado, e não mais de cidades isoladas. Percebe-se, todavia, que questões como o

monopólio (que limitam investimentos) e a redução de valores salariais (que limitam a quantidade

de pessoas interessadas no trabalho e o próprio tamanho do mercado) são condições contrárias ao

capitalismo. Como seria possível o florescimento de uma revolução industrial, diante dessas

condicionantes ao seu desenvolvimento?

Para Dobb (1988) a resposta repousa no fato de que estas movimentações contribuíram

para a criação do proletariado, e da acumulação de capital para investimento: o acúmulo gerado se

revertia também em terras, estas “digeriam” os pequenos loteamentos que geravam as condições de

subsistência dos servos ou de uma classe de pequenos proprietários. Outros fatores que

contribuíram para a criação da classe dos proletários foram o crescimento da população, a dívida e o

próprio monopólio (que fixava valores dos produtos ou outras condições, que beneficiavam os

grandes burgueses), mesmo em locais de terra livre. Nascia um enorme contingente de

desempossados. No limite, pode-se afirmar que

(...) nos séculos anteriores, o crescimento da indústria capitalista foi dificultado pela estreiteza do mercado e sua expansão ameaçada pela baixa produtividade

imposta pelos métodos de produção do período, sendo estes obstáculos reforçados

de quando em vez pela escassez de trabalho. Na revolução industrial, essas barreiras foram simultaneamente banidas e, em vez disso, a acumulação e o

investimento do capital se viram, a cada ponto do quadrante econômico, diante de

horizontes cada vez mais amplos para incitá-los (DOBB, 1988, p. 184)

Para Dobb (1988), o conjunto de fatores que culminou na Revolução Industrial, deixou

diversas marcas na sociedade e nos indivíduos:

19 Mas é importante que se perceba o monopólio excessivo como um empecilho ao próprio capitalismo, que também se

alimenta, no ponto de vista do autor, do livre comércio. Assim, o capitalismo estava ao mesmo tempo em franca

evolução e limitado pela sua forma até o inicio do século XVII, onde existem os primeiros indícios de uma mudança.

44

(...) no século XIX o ritmo da modificação econômica, no que diz respeito à estrutura da indústria e das relações sociais, ao volume de produção e à extensão e

variedade do comércio, mostrou-se inteiramente anormal (...) a ponto de

transformar radicalmente as idéias do homem sobre a sociedade de uma concepção

mais ou menos estática de um mundo onde, de uma geração para outra, os homens estavam fadados a permanecer na posição que lhes fora conferida ao nascer, e onde

o rompimento com a tradição era contrária à natureza, para uma concepção do

progresso como lei da vida e do aperfeiçoamento constante como estado normal de qualquer sociedade sadia (DOBB, 1988, p. 184).

Concepções estreitamente conectadas ao individualismo. Percebe-se também como

conectada às esferas do individualismo a enorme expansão da divisão do trabalho, demonstrada

também em Smith (1996) e Durkheim (1999), além da necessidade de conformação do indivíduo à

velocidade das máquinas, “uma mudança técnica de equilíbrio que teve seu reflexo sócio-

econômico na crescente dependência do trabalho em relação ao capital e no papel cada vez maior

desempenhado pelo capitalista como força disciplinadora e coatora do produtor humano em suas

operações detalhadas” (DOBB, 1988, p. 186).

Se percebe assim, uma estreita relação entre individualismo ao capitalismo, onde cinco

fatores principais se destacaram: a sujeição da pessoa a um novo formato de indivíduo: o

trabalhador operário; a possibilidade de ascensão social; a possibilidade de diferenciação dentro de

uma mesma escala; a divisão do trabalho e a questão da mobilidade. Então:

Com relação à emersão do trabalhador operário, é importante não subestimar este

efeito: exige do indivíduo uma atenção especial sobre suas necessidades particulares, sobre o com o

faz, o como se adaptar. Um novo tipo de conhecimento sobre objetivos que não do sujeito, mas sim

da produção. Também uma nova relação de poder. Exige do indivíduo um novo olhar e sobre si e

acima disso, uma nova forma de ação, uma nova subjetivação baseada em um continuum

constitutivo que se volta para si e seu autocontrole. É uma nova ética introjetada, voltada para a

adaptação do ser em um profundo nível. Demonstra claras ligações com a perspectiva de Elias

(1994), que acredita em um processo onde a evolução da autoconsciência das pessoas culminou no

individualismo.

45

Enquanto se trata de ascensão ou crescimento social, pode-se analisar como

relacionadas a um ideário de “progresso como lei da vida e do aperfeiçoamento constante como

estado normal de qualquer sociedade sadia” (DOBB, 1988, p. 184) nesta medida, o indivíduo não

somente deve poder crescer, o crescimento é o ideal quimérico buscado pelos que estão envolvidos

na sociedade pelo capitalismo. Há aqui a conexão direta com o individualismo quantitativo, tratado

por Triands (1995) como vertical e por Velho (1999) como um individualismo voltado para a

ascensão;

A possibilidade de diferenciação gera ligaduras por meio das diversas profissões que

perpassadas pelo ideal de trabalhador padronizado, são meios de tornarem os indivíduos

qualitativamente diferentes, se tornarem específicos, únicos. A pergunta que o trabalhador faz,

parece sempre dizer respeito a qual profissão deve seguir. Encontra-se imanente a idéia de trabalhar,

mas existem profissões de melhor ou pior conceito, mesmo diante de recompensas iguais. São

tratadas por Triands (1995) e Velho (1999) respectivamente como individualismo horizontal e

prestígio.

A divisão do trabalho se torna relevante à medida que demanda do indivíduo

velocidade certa para acompanhar as máquinas e um tipo de ação peculiar para corresponder às

necessidades daquele trabalho específico. Leva o indivíduo a uma fragmentação ainda maior de sua

interioridade, agora alienada, pois se antes, enquanto artesão ou servo tinha uma noção de todo em

relação ao processo de produção, conhecendo etapas e resultados finais, agora não conhece o

porquê de suas ações, estando subordinado a necessidades que esvaziam seu próprio devir;

Com relação à última característica, retratada pela necessidade de mobilidade do

indivíduo, que se torna traço fundamental ao capitalismo, seu papel é extremamente relevante na

desconexão e fragmentação do indivíduo, antes conectado a terra e tradição, mas agora obrigado a

se mover para acompanhar a dinâmica do capital. Por esta via se percebe novamente o

multifacetamento do indivíduo, entre ideais burgueses e capitalistas, tradicionais e racionais;

46

A questão da localidade do trabalhador se tornou extremamente relevante e sumamente

importante a sua mobilidade. “A mercadoria „força de trabalho‟ não tinha apenas que existir,

precisava mostrar-se disponível em quantidades adequadas nos lugares onde mais fosse

necessária(...)” ( DOBB, 1988, p.196). Para este autor, existem exemplos como o da Rússia, Prússia

e Alemanha, onde, por determinada restrição à mobilidade do capital, a produção da indústria fabril

se manteve reprimida.

Na Inglaterra, país berço da Revolução Industrial, chegou-se a revogar leis que

favoreciam o assentamento das pessoas em áreas rurais, demonstrando ainda mais a proximidade

entre o Estado e o capital e a necessidade de mobilidade, que contribuía para o individualismo pela

via da desconexão dos sujeitos com os grupos.

Paradoxalmente, no entanto, a Revolução Industrial e o capitalismo se conectam

também com o coletivismo horizontal, na medida em que à partir do século XIX fez com que a

classe trabalhadora começasse a ter um caráter homogêneo de proletariado, onde

contempla-se uma baixa liberdade, porém alta igualdade, explicando o motivo de

um eu interdependente e compartilhado com os demais membros da sociedade. Assim, as pessoas se vêem como sendo similares às outras, enfatizam objetivos

comuns com os outros, mas, todavia, não são submetidas facilmente à autoridade

(GOUVEIA, 2003, p. 225).

Dessa forma, não seria uma coincidência tão grande perceber movimentos como o

ludismo20

, sindicalismo e o cooperativismo tão logo a revolução chega ao ápice, ou até mesmo

pouco antes. Como define Foucault (1988), as relações de poder são intencionais, mas pelas

mesmas linhas de força que perpassa o poder, caminha a resistência. Os trabalhadores teriam

características comuns, o que os agregava, ao mesmo tempo em que não se submeteram com

tamanha facilidade à autoridade. Dessa forma, realizaram lutas e criaram reivindicações,

demonstrando-se como uma faceta também relevante para o processo, e principalmente, tornaram

20 Compreendido como o movimento que levou a quebra de máquinas uma vez que estas levavam a substituição de

trabalhadores.

47

claro que tinham seu ponto de vista para ser colocado. Para tal, se aproveitaram da mesma arma

utilizada para sua sujeição: seu trabalho, fragmentado, dividido e subordinado. Mas sem eles,

grande parte do trabalho não aconteceria. Assim, o coletivo também tem voz no campo capitalista.

Entretanto, não se deve exasperar as considerações sobre o coletivismo nessa esfera.

Como define Singer (2008a) o capitalismo é um modo de produção que subordina subsistemas

legais e institucionais e as ligaduras do individualismo com o capitalismo prevêem conexões em

maior quantidade de dimensões, e todas podem ser vistas como incoerentes com o coletivismo: a

emersão do trabalhador operário gera sujeitos cada vez mais voltados para si; a possibilidade de

ascensão social divide o grupo em castas hierarquizadas, o que reduz a noção de igualdade; a

possibilidade de diferenciação dentro de uma mesma escala também fragmenta o grupo de acordo

com suas nomenclaturas de cargos, demonstrando nitidamente quem é diferente de quem; a divisão

do trabalho fragmenta o próprio cargo, alienando o individuo do todo; e a necessidade de

mobilidade do individuo, retira o sujeito das comunidades de onde estira subscrito, desconectando-o

de valores e crenças construídas socialmente.

Todos os pontos parecem contribuir sobremaneira para o individualismo, mas três dos

cinco destacados tem algo em comum: sugerem uma quebra de vínculos, uma desconexão do

espaço grupal ao qual estivera subscrito. Inclusive, em diversos momentos da investigação sobre o

individualismo, encontra-se,a questão da fragmentação e desvinculação dos indivíduos com grupos,

que sugere mesmo uma outra questão: de que grupos/locais as pessoas estão sendo desconectadas?

Todavia, mais importante do que responder a essa questão é buscar o limite e condições

de interferência dessas duas esferas (a fragmentação e a desconexão individual do local). Emerge de

tal demanda, a necessidade de uma investigação mais aprofundada, que leve em consideração

também aspectos que foram reflexos capitalismo, sobre um prisma ampliado na sociedade.

3 A FRAGMENTAÇÃO ESPAÇO/TEMPORAL DA REFERÊNCIA AO LOCAL

Alguns pontos da fragmentação social parecem ser reforçados devido à burocracia e a

perspectiva capitalista de acumulação, mas talvez nenhum seja tão perceptível quanto a existência

da elite e, utilizando o termo de Arendt, (1989) da ralé.

Segundo a autora, a classe dos extremamente pobres é um subproduto da sociedade

burguesa, mas sequer têm conexão com a mesma e, ainda segundo a autora, se a ralé não tem

conexão com a sociedade da qual teve origem, os donos de capital excedente confirmam que são

alienados do corpo social desde quando, durante o período anterior ao imperialismo, investem em

terras fora das fronteiras da sua nação, fato incoerente em relação à perspectiva mercantilista. Os

donos do capital supérfluo foram os primeiros a desejar lucros sem exercer qualquer função social

verdadeira no espaço das fronteiras da comunidade onde estavam subscritos.

É importante notar que o individualismo é coerente com o capitalismo, pois pode prever

a liberdade individual de escolhas, sob determinado conjunto de valores. No entanto, a avareza o

libera de regras, define o individuo acumulando riqueza em detrimento de tudo e todos e

independentemente, resulta em um utilitarismo21

que para Weber (2001), estaria longe do espírito

capitalista, que prega a acumulação de capital, mas pela via da coerência e legalidade. Para este

autor, este utilitarismo é repreensível, mas, inevitável.

Se antes as pessoas com dinheiro disponível para investir tinham apenas o interesse em

extrair o produto excedente, para Bauman (1999), na contemporaneidade, mais do que desconexão

com os valores da sociedade, aqueles não se prendem de maneira alguma inclusive no espaço.

21

O utilitarismo é compreendido neste trabalho com a definição que Bentham (1787) trabalha em sua teoria panoptista:

deve haver uma utilidade servil para tudo e todos. Neste sentido, só deve existir o que é útil e a utilidade das coisas e

pessoas deve ser levada ao seu extremo, em detrimento que qualquer outro valor.

49

A terra, enquanto local de investimento em seus primórdios era ainda que ligeiramente

aprisionador do investimento em uma perspectiva de longo prazo, uma vez que o solo podia

diminuir sua produção se fosse explorado sem a devida responsabilidade. Existia ainda, a

impossibilidade de a propriedade fundiária ser trocada.

Para o autor, estes fatores geravam limites para a desvinculação com os grupos e mais

ainda, levavam ao encontro com a alteridade, com o diferente. Contraditoriamente, o que está em

vigor atualmente é “uma desconexão do poder face a obrigações (...), em suma, liberdade face ao

dever de contribuir para a vida cotidiana, e a perpetuação da comunidade” (BAUMAN, 1999, p.16).

Portanto, a classe citada não têm conexões com qualquer que seja a “coisa” ali existente, a não ser

pela via do utilitarismo, do que lhes é útil, preferencialmente capital e poder.

Em continuidade com o seu raciocínio, o autor percebe que em todas as épocas, os ricos

sempre tenderam a criar uma cultura própria de desprezo às fronteiras que confinam as classes

inferiores. E isso pode ser atribuído também a sua ausência na comunidade local: os mesmos não

têm um entrelaçamento suficiente para ter conhecimento e proximidade. Ou talvez simplesmente,

não queiram ter.

Em alguma medida, a melhor maneira de descrever a discrepância das elites com a

localidade em que se encontram não é pensar na sua não inserção naquela totalidade de

características. Ou ainda, na sua hibridação com valores externos, devido ao seu desprendimento

com o espaço físico do local.

A possibilidade de locomoção e acesso a outros valores teria um grande ícone a seu

favor: a tecnologia. Por esta via, a hibridação de valores pode ainda ser agravada, pois, enquanto

portadores de características estrangeiras pode-se pensar não apenas em elites, mas, na perspectiva

representada pela mobilidade, os valores locais têm encontrado em uma grande massa de indivíduos

moldados pelas relações com outros ambientes, um ativo instrumento para o desgaste de sua

comunidade.

50

Foi antes de mais nada a disponibilidade de meios de viagem rápidos que desencadeou o processo tipicamente moderno de erosão e solapamento das

„totalidades‟ sociais e culturais localmente arraigadas (BAUMAN, 1999, p. 21)

Na contemporaneidade, no entanto, não se trata mais de pensar somente em conduções

por meio de viagens físicas. Navegações, sítios, endereços e correios eletrônicos, são vocábulos que

mostram que, intrínsecas às técnicas de condução, se manifestam também a difusão e acesso à

informação e um grande ícone, o computador.

Como esclarece Steven (2001), agora conectados à internet, os computadores são mais

representativos de um ambiente do que de uma máquina. Outros valores tornam-se mais acessíveis,

mesmo que dissonantes dos da comunidade local. Podendo-se estar em diversas plataformas em um

curtíssimo período de tempo, as pessoas podem, a cada momento, se tornar mais desconexos do

espaço e principalmente, do tempo local.

Outro fator que demonstra a capacidade de fragmentação do indivíduo representada

pelo computador é o que Chartier (2002), considera como a capacidade dos dispositivos formais, de

inscreverem em suas estruturas as expectativas e as competências do público que pretendem

alcançar ou ainda, de produzir uma área social de recepção. Em um espaço onde a acessibilidade é

cada vez mais alta, o individuo pode se cercar efetivamente daquilo que considera importante para

si, sem a necessidade de se sujeitar a aquilo que não lhe interessa. O individuo é a cada momento

mais cercado de si mesmo, suas idéias, aquilo no que acredita e no que acredita ser importante.

Torna-se mais embasado em sua realidade.

As alterações oriundas da tecnologia, porém, devem ser ponderadas. Não podem ser

consideradas enquanto ocupantes da realidade para todos os seres humanos, pois, como define

Bauman (1999) o resultado que se obtém com a anulação tecnológica das distâncias

temporais/espaciais é a polarização da condição humana: alguns conquistam a liberdade frente às

51

restrições territoriais e outros são confinados ao seu significado e da sua capacidade de doar

identidade.

No momento atual, os detentores do poder podem ser vistos como extraterritoriais e

ainda mais capazes de alterações no territorialmente definido. As elites escolheram o isolamento e

impediram os outros seres humanos de acesso ao que lhes interessa e são capazes de defender com

o seu poder (e com o seu poder carregaram também os espaços normatizadores, ou seja, os locais de

onde se pode influenciar nas decisões). Isso gera o que Bauman (1999) chama de guerra pelo

espaço, a partir do momento em que existem as resistências a esta movimentação.

O território urbano torna-se o campo de batalha de contínua guerra espacial, que às

vezes irrompe no espetáculo público de motins internos, escaramuças rituais com a polícia, ocasionais tropelias de torcidas de futebol, mas travadas diariamente logo

abaixo da superfície de versão oficial da pública (publicada) da ordem urbana

rotineira. (BAUMAN, 1999, p. 29)

Tem-se, portanto, nas comunidades, uma aproximação de um estado de oposição, não

em uma continuidade que preencha todo o tempo do indivíduo, mas que em alguns momentos

emerge como que não sendo mais suportado no interior das intrincadas relações que formam a

sociedade. Surge nesse ínterim, novamente a incoerência entre o individualismo e o espaço

comunitário, em uma possibilidade que não abrange a totalidade do tempo cotidiano, mas que, em

alguns momentos se torna nítido.

Aliado ao racionalismo, o individualismo tende a origem de ações baseadas no que é

útil à intenção do individuo: em alguns momentos é interessante ir a favor do grupo, em outros,

contra. Através desta perspectiva, denota uma fragmentação não somente espacial, mas também

temporal do sujeito ao local.

Mas qual seria esse local? É importante, inicialmente, destacar que existem diversas

referencias, posto que diversos locais servem de matiz.

52

Para responder se os organismos sociais seriam incapazes de criar artifícios que

abrandariam a desconexão entre individuo e grupo, deve-se antes, pensar na possibilidade de

diferentes locais. Aqui, tentar-se-á analisar dois principais: as pequenas comunidades, inicialmente

agrupadoras de individuos e sua posterior transição para o estado capitalista.

3.1 O Atrelamento do Estado à Fragmentação Social Através da Disciplina

As relações sociais, ao definirem possibilidades positivamente, determinam também

condutas que não devem ser executadas pelas pessoas. É factível esta percepção a partir da notória

influência das valorações socialmente atribuídas nas decisões individuais.

Para Elias (1994), em um tempo onde as pessoas estiveram ligadas umas às outras pelas

pequenas comunidades, a criação de valores seria subordinada a uma vida no cotidiano grupal, com

uma grande carga levada para as decisões da comunidade e pouco espaço para o individuo.

Porém, sem as conexões específicas dos grupos anteriores, o controle exercido

prioritariamente pelas comunidades (assim como grande parte de todo o sistema de relações sociais)

passa a ser em grande medida uma composição individual.

É possível que, quanto menos conectadas ao espaço e tempo de um sistema de relações

específico, menos sejam planificadas e homogêneas as ações particulares.

As pessoas passam a ser menos coesas com os grupos anteriores e aqui entra o papel do

estado, substituindo práticas locais pelas suas normatizações, tentando tornar-se o “único ponto de

referencia universalmente impositivo para todas as medidas e divisões do espaço” (Bauman, 1999

p. 36) o que culminou em uma subordinação funcional de todas as soluções arquitetônicas às

necessidades da cidade e sua separação de partes por função ou por qualidade de seus habitantes.

53

Isso, além de tornar ainda mais singularizado o cidadão urbano, contribuiu sobremaneira para a

continuidade do rompimento de seus laços com o espaço.

Elias (1994) percebe que na medida em que a transferência de funções relativas à

proteção e controle do indivíduo vão sendo transferidas de pequenos grupos (como guildas, tribos,

paróquias, feudos e pequenos Estados) para Estados altamente centralizados e urbanizados, as

pessoas adultas quebram laços com grupos locais próximos, baseados na consangüinidade, e há o

rompimento da coesão de grupos.

Ainda de acordo com Elias (1994), os indivíduos eram controlados pela presença

constante dos outros, o saber-se ligado a eles pelo resto da vida e o medo direto. Assim, para o

autor, os sujeitos se vêem a cada vez mais autônomos quanto às decisões antes envolvidas durante a

vida inteira pelas comunidades locais. Nesse sentido, ampliam-se consideravelmente as opções, que

impelem a uma particularização crescente. E esta alteração levaria também a uma maior

diversificação dos comportamentos humanos, agora menos controlados pelos pequenos grupos.

No entanto, a análise realizada por este autor é contrabalanceada por Foucault (1979).

Este não acredita que uma “ausência” de controle impeliu a uma individualização (que por sua vez

seria contrária aos mecanismos do poder), mas sim, que estes mecanismos do controle disciplinar

têm sua força máxima na particularização22

, nos corpos e suas relações, através de uma subjetivação

específica. Os mecanismos da disciplina estatais demandam, reforçam e utilizam-se da

individualização.

Ou seja, o indivíduo não é o outro do poder: é um de seus primeiros efeitos. O indivíduo é um efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um

efeito, é seu centro de transmissão, o poder passa através do indivíduo que ele

constitui (FOUCAULT, 1979, p. 183).

22 Nas palavras do autor: “as disciplinas funcionam cada vez mais como técnicas que fabricam indivíduos úteis”

(FOUCAULT, 1977, p. 185).

54

Percebe-se a relevância extremada dada ao indivíduo e o Estado precisou muito dos

mesmos na sua intenção de governamentalidade das populações. Suas táticas se cristalizam nas

idéias de justiça, administração e governabilidade.

Em primeiro lugar o Estado de justiça, nascido em uma territorialidade de tipo feudal e que corresponderia grosso modo a uma sociedade da lei; em segundo

lugar, o Estado administrativo, nascido em uma territorialidade de tipo fronteiriço

nos séculos XV – XVI e que corresponderia a uma sociedade de regulamento e disciplina; finalmente, um Estado de governo que não é mais essencialmente

definido por sua territorialidade, pela superfície ocupada, mas pela massa da

população, com seu volume, sua densidade, e em que o território que ela ocupa é

apenas um componente. Este Estado de governo que tem essencialmente como alvo a população e utiliza a instrumentalização do saber econômico, corresponderia a

uma sociedade controlada pelos dispositivos de segurança (FOUCAULT, 1979, p.

292).

É importante destacar que os pontos fundamentais destas três estratégias da

governamentalidade são individualizantes. O Estado: de justiça pela analise e observação de cada

pessoa diante da lei, que pode resultar em punição, mas individual; o administrativo, pela

emergência da ciência do governo, pois passou a observar a família e própria população como

instrumento, sendo seu objetivo final a continuidade da existência do Estado23

; o de governo, que,

diante da problemática da gestão da população lança mão de dispositivos de segurança, como seus

mecanismos essenciais. Há uma forte tendência ao uso dos engenhos disciplinadores, apoiados em

grande medida na individualidade que, crescente e estimulada, levam a particularização, a

diferenciação.

A sociedade tem, portanto, através de certo conhecimento racional construído,

possibilidades e forças de aglomeração, mesmo diante da problemática do esfacelamento das

comunidades e pequenos grupos. Seus efeitos mesmo em face dos mais diversos mecanismos,

resultam em um individuo que é muito mais relevante do que fora anteriormente. Agora é a vida

que é levada em consideração. Como define Foucault (1988), se antes o soberano poderia definir

23 Emerge aqui a disciplina.

55

sobre a morte das pessoas, agora é a sua vida que é extremamente importante para os processos do

poder.

E isso pode significar momentos em que se leva mais em consideração a parte que o

todo, a pessoa que a sociedade. No entanto, seria essa capacidade de governo tendo como base o

indivíduo suficiente? Para Arendt (1989), Elias (1993) e Bauman (1999), o resultado final da

exasperação das ações individuais é o caos, que o poder sempre tentaria fugir, pois seu ideal é de

controle racional.

Alguns exemplos da utilização do conhecimento racional para a eliminação das relações

caóticas da sociedade, pode-se observar a construção das cidades utopistas que, segundo Bauman

(1999), têm todas uma preocupação comum com um certo ideal de racionalidade feliz em sua fuga

da multiplicidade de ordens existentes, sintoma do caos. Também são claros a situação da

transparência e da legibilidade como uma meta necessária a todas as relações dos indivíduos. A

interferência que o indivíduo enquanto referencia principal tem sobre o todo, ajuda a justificar ainda

mais a tentativa de precisar e planejar racionalmente os espaços e o controle na intenção de obter

resultados futuros mais distantes do caos.

No entanto, para Foucault (1977), a resposta para o alinhamento das ações individuais,

passa não somente por planejamentos e racionalizações do espaço onde os cidadãos se encontrarão,

mas também, pelo planejamento do próprio sujeito, pela tentativa de fazer da pessoa, o principal

espaço do poder. Para Foucault (1988), o poder emana da subjetivação dos indivíduos, de suas

atividades e sua subjetivação: se exerce através de diversos pontos; é imanente e produtor de uma

subjetividade; reside no mesmo local de onde emana a resistência.

De acordo com o autor, gera-se assim uma linha de força que pode se originar de

heterogeneidades, mas tem no fundo um efeito homogeneizador. O poder precisaria portanto, que as

pessoas sejam, em sua diversidade, capazes de se mover de acordo com ilações de efeitos

hegemônicos. O individuo assim, não é o outro do poder, é sim, sua maior força, na medida em que

introjeta e reflete as construções nas quais está submetido.

56

3.2 Autocontrole: uma Alternativa para o Alinhamento das Ações

A exasperação da tentativa de controle do caos, associada ao racionalismo instrumental,

geram uma nova possibilidade, o controle onipresente, exasperado. De acordo com Miller, (2000),

“o axioma que suporta o dispositivo Panóptico (...) é que as circunstancias fazem o homem. Já que

aqui se trata de transformá-lo, é preciso dominar, banir o acaso. O Panóptico será o espaço do

controle totalitário” (Miller, 2000, p. 79). A máquina definida por este dispositivo segundo o

mesmo autor é uma tentativa de produzir uma imitação de Deus, de elevar o controle ao nível

máximo, trazendo através de uma gama enorme de artifícios de extremo detalhamento a noção de

que o indivíduo está constantemente sob controle.

Para Foucault (1977), o processo de disciplinamento justificado pela peste em

determinado momento da história demonstra de alguma forma o processo: demandava uma divisão

maciça e binária entre uns e outros, e para além dessa afirmativa, separações múltiplas,

distribuições individualizantes. Era organizado profundamente pela vigilância e pelo controle, como

uma forma de ramificação do poder e objetivava, assim, evitar a mistura, a não adaptação dos

indivíduos às restrições. Procurava individualizar para controlar.

Emergem de contextos como esses, um conjunto de técnicas e de instituições que

assumem como tarefa medir, controlar e corrigir os anormais, fazendo funcionar os dispositivos

disciplinares que o medo da peste justificava.

No caso específico da peste, o sistema funcionava através de um policiamento espacial

restritivo, onde famílias foram reduzidas as suas casas e supervisionadas por um inspetor geral e por

um síndico da rua (ou outros responsáveis, desde que já pré-determinados). Esse “supervisor” se

informava constantemente sobre o estado de saúde dos ocupantes e alimentava o sistema de

informações como nome, idade e sexo. O interesse do sistema, representado na pessoa do guardião,

era o de impedir a movimentação não pré-definida, a multiplicação do que não está sob controle

disciplinar; a continuidade da peste, a força da natureza e do não previsto.

57

Apesar de, na maior parte das organizações o panóptico ser aplicável, a análise em uma

penitenciária mostra com muita nitidez um dos seus pontos mais importantes: todo o sistema

utiliza-se de uma forma de visibilidade que serve de armadilha, onde, além da divisão e da ordem o

preso está sujeito a simplesmente, não ver o que ou quem o vigia.

A multidão, massa compacta, local de múltiplas trocas, individualidades que se fundem,

efeito coletivo, é abolida em proveito de uma coleção de individualidades separadas. Do ponto de

vista do guardião, é substituída por uma multiplicidade enumerável e controlável; do ponto de vista

dos detentos, por uma solidão seqüestrada e olhada. Daí o efeito mais importante do Panóptico:

“induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o

funcionamento automático do poder.” (FOUCAULT, 1977, p. 177).

Portanto, como afirma Bentham (1787), quanto mais tempo as pessoas estiverem sobre

vigilância melhor e, se em todos os momentos, isso não for possível, o indivíduo deve sempre

pensar que está sob esta condição. Esta particularidade induz no indivíduo uma concepção de

onipresença do controle. A idéia é ter o controle total de mente sobre a mente, todo o tempo, ou de

que as concepções e valores coletivos, mesmo que investidos em algumas peças, sejam levadas a

cabo sobre a sociedade individualmente. O controle torna-se assim, atemporal e intangível.

Tem-se aqui uma extrema condição de dominação: o controle elevado ao seu máximo

nível é a possibilidade de, dentro de todas as lógicas, melhor dominar o indivíduo e a natureza da

qual sempre pode irromper uma pulsão ou uma atitude fora da intencionalidade do interesse do

poder.

A idéia disciplinar de controle é utilizada na sociedade para dominar a natureza presente

no individualismo irrefreado, ou se não isso, seus efeitos. Além dessa questão, com a laicisação da

racionalidade através do utilitarismo, tenta-se mais que controlar, usar a forma de domínio a favor

do sistema no qual o indivíduo se encontra. Assim, emergem idéias sobre trabalho enquanto se está

58

sobre vigília, sobre a utilização de artífices do sistema para reforçar outros artífices, etc. tudo

meticulosamente calculado, milimetrado capilarmente, adaptado ao dispositivo e a seu alvo.

Como define Miller (2000) o ideal panóptico é a servilização integral da natureza ao

útil. As necessidades mais elementares dever-se ia chegar a capturá-las no dispositivo para gerar

mais rendimento, mais produtividade futura. O Panóptico funciona conseqüentemente, como um

dispositivo que almeja a onipresença, ao ser relembrado constantemente, introjetando no próprio

individuo o controle e a disciplina, que passam a ser representados no seu ambiente. E a

possibilidade culminante de controle sobre a natureza do individuo foi realizada utilizando-se uma

característica da própria natureza: o fato da mesma ser constantemente rememorada e assim,

estando em todo o lugar, praticamente não esquecida ou ignorada.

Assim, a percepção de constância do controle, emaranhada nas cadeias de ramificações

da sociedade atual, recebeu também uma utilidade: dar suporte à tentativa do domínio do homem

sobre sua natureza inconstante. A utilização do controle torna-se também coerente com o

capitalismo e o individualismo e gera sua faceta mais laicizante: o autocontrole24

.

O autocontrole, como pode ser percebido na contemporaneidade, é em alguma medida

reforçado pelo próprio sistema de relações e demonstra fortes vínculos com o mesmo. Nessa

dimensão disciplinadora do poder podem-se notar aspectos que o transformam em uma rede forte e

extremamente presente, o que Foucault (1977) define como sendo sua microfísica: a existência de

um ponto central de vigilância, de onde emana o poder, demanda uma articulação capilarizada com

o espaço, minuciosamente orquestrada em detalhes que envolvem o sistema de relações sociais.

Como define o autor, a idéia de utilização do ser humano como um estandarte do poder

foi amplamente difundida na sociedade, através de diversos artifícios, como as escolas e as

penitenciárias. Talvez, no entanto, crer que este ideário se cristalizou em todas as partículas da

24

O autocontrole pode ser percebido através do trabalho de Foucault (1977), na medida em que se dão os treinamentos

minuciosos e concretos das forças úteis. Na perspectiva da disciplina, o investimento nos corpos visa a fabricação do

indivíduo, tornando-o uma engrenagem repetidora e renovadora dos efeitos do poder.

59

sociedade igualmente seja um erro. Durkheim (1999) percebia que uma dessas partículas tende a

substituição das outras, sugere e objetiva a si em detrimento das demais escalas sociais: a empresa

capitalista.

Esta fração da sociedade pode ser percebida com certa carga de relevância. No caso

deste trabalho, deve-se focar este fragmento também devido às propostas das linhas de discussão,

que já demonstrou certa quantidade de ligaduras entre o capitalismo e o individualismo. É

importante lançar luz sobre a relação entre o individuo e esta partícula específica, onde o imperativo

do lucro e da racionalização são levados a extremos. Nelas o atrelamento ao utilitarismo e

individualismo, são não só perceptíveis, mas estimulados.

3.3 A Complexidade da Referência à Classe de Trabalhadores

As empresas da atualidade demonstram uma capacidade relativamente alta de controle

sobre seus processos. Baseados em uma perspectiva racionalista, em que tudo o que existe deve ser

útil, e através de um complexo acompanhamento das etapas de produção e processos, estas

organizações têm, nitidamente, um poder de alinhamento de recursos e pessoas com seus objetivos,

em níveis extremados. E um foco é nitidamente perceptível: a máxima produtividade.

Segundo Silva (2004), é considerado hoje um dos grandes objetivos das empresas a

“produção enxuta” ou lean production. Esta por sua vez é conquistada através da maximização da

capacidade instalada, o corte dos tempos de ociosidade dos processos e a extração máxima da força

de trabalho, o que aproxima em muito a empresa do seu “ideal” almejado. Muito próximo também

do imaginário taylorista/fordista25

, (que visava à máxima produção através de redução de “tempos

25 Tratado aqui também através do intento utilitarista, mas por meio de certa manipulação atrelada nesse momento ao

dinheiro e divisão das funções, separação entre mãos e cérebro.

60

mortos” de operação e alto controle sobre os indivíduos, submetidos a uma velocidade ditada pela

empresa), mas com uma sofisticação maior.

Além disso, levar o indivíduo a um trabalho com produtividade máxima, tensionando ao

limite, transmite razoavelmente a exasperação utilitarista compreendida ainda no panóptico, de

Bentham (1787). “Apenas, o máximo. Quer dizer, o útil pelo útil: não é esta a lei que vimos, ao

longo de tudo, reinar sobre as construções benthamianas? Tudo deve ser útil, relacionar-se com

outra coisa além de si mesma, servir” (MILLER, 2000, p. 98).

Visa-se racionalizar, utilizar os recursos de forma que contribuam ao nível mais

culminante possível. Outro artifício benthamiano que pode ser percebido é a fragmentação da classe

de trabalhadores em grupos, com a intenção de conhecer melhor os detalhes, de utilizar e reutilizar

suas forças. Individualiza-se e cataloga-se o desempenho (conhecimentos, habilidades, atitudes,

resultados anteriores) e características de todos (sexo, cor, idade, estado civil, etc.) tudo

minuciosamente guardado em bancos de dados. “É o poder de individualização que tem o exame26

como instrumento fundamental” (FOUCAULT, 1979, p. 107) e leva a individualidade a se tornar

elemento pertinente para o exercício do poder.

Entre o ideal de produtividade e a realidade, as empresas tentam fugir da possibilidade

de alteração dos seus planos devido à interação com o “fator humano”, através de um sistema

complexo, que visa um controle fino das pessoas, ou como delimita Silva (2004), o controle

individualizado dos operadores, através de fichas dos desempenhos particulares. “O

acompanhamento da performance do trabalho segue de perto todos e cada um” (SILVA, 2004, p.

22).

Por esta via, fica claro que as empresas na atualidade têm mais uma conexão com o

ideal panóptico: a visibilidade. O propósito é a comparação entre o indivíduo particular e os grupos,

26 De acordo com as análises de Foucault (1979) o exame é observado como a vigilância permanente, classificatória,

que permite distribuir os indivíduos, julgá-los, medi-los, localizá-los e, por conseguinte, utilizá-los ao máximo.

61

fazendo com que se tornem conhecidos os mais produtivos e também os de menor performance para

a organização. Dessa maneira, se instala na organização um ideal de competitividade e de valoração

dos melhores, mas não somente entre empresas, e sim entre os próprios membros do grupo,

agregando pressão ao sistema.

O controle a partir desta premissa reforça a individualização através da competição e da

visibilidade. Pela dimensão da visibilidade, o ideal de controle onipresente induz o ser humano a se

perceber no espaço trabalhando em grupo, mas controlado individual e minuciosamente pela

empresa. Isola-se, pela necessidade de controlar-se, de voltar-se a si, de saber como está em relação

ao desejado pela organização que conhece a realidade de seu desempenho.

Na dimensão da competição, percebe-se que um sujeito tolhido pelo paradoxo da

realidade organizacional: pode ser ajudado e ajudar colegas, que a um mesmo tempo são

concorrentes. A cada momento é compelido à realização de resultados grupais cujo seu resultado

pode ser importante ou até preponderante (o que aumenta sua culpabilidade, já que é responsável

pela meta também do grupo), a cada momento dependente mais de um conjunto que pode estar

repleto de oponentes. Isola-se, o indivíduo, pela frugalidade das relações com o grupo.

A questão entre coletivo e individuo se distorce, trazendo mais uma vantagem à

empresa: a adequação à sua estrutura, como preponderante. Silva (2004), entende que, através das

tendências de trabalhos em grupo, em equipes, times ou células de produção, que demonstram uma

tentativa de quebra das solidariedades civis clássicas, consagradas pelo antagonismo de classes,

acontece uma construção de solidariedades baseadas na empresa. E neste mesmo movimento, a

relação do operador com o trabalho tem sido muito mais valorizada.

Para o autor, se pode identificar a transformação em curso, que consiste na substituição

da referência coletiva da classe de trabalhadores pela referência individual do trabalhador dentro da

organização e, para além disso: uma tendência de separação entre o mundo do trabalho e o mundo

fora dos muros da fábrica, reproduzindo modalidades de privatização do público dentro da empresa,

62

que poderiam ser percebidas somente em uma esfera social mais ampliada. Já Durkheim, (1999),

entendia o meio profissional como preponderante e não coincidente com o meio territorial ou

familiar. Ao contrário, notava Durkheim (1999), tende a substituição dos outros, à valorização da

empresa em detrimento das demais escalas sociais. A organização visaria simplesmente o

envolvimento total do trabalhador, sua dedicação à empresa preponderantemente.

Nesse sentido, para Silva (2004), o envolvimento do individuo com a organização será

negociado, e dependerá do formato e sentido das negociações dos diversos espaços privados deste

tipo, como o ramo de atividade, empresas, funções, características dos funcionários, etc. A

perspectiva da negociação e do envolvimento com a organização, denotam certa porosidade das

fronteiras entre coletivo e individual.

Enquanto a negociação pressupõe diferenças entre as partes, a noção de envolvimento

pressupõe certo pendor comunitarista:

a negociação caminha no sentido de que as partes conflitantes encontrem um

parâmetro coletivo que sirva de referência para categorias inteiras de representados; o envolvimento é individualizante e fluido, por causa do arbitrário

que informa seu conteúdo: qual é a margem para que alguém defina a si mesmo

como „envolvido‟ ou para que o proponente sinta-se satisfeito com o „envolvimento‟ oferecido pela contraparte?(...) Diremos que a negociação está

dentro do campo semântico do contratualismo, enquanto o envolvimento está

dentro do campo semântico da pessoalização e do arranjo ad hoc, em vez do direito

(SILVA, 2004, p. 11).

Silva (2004), nota ainda que, sempre houve processos que atrapalhavam a noção de

“classe de trabalhadores”: clivagens sociais operadas pelas diferenças de raça, gênero,

nacionalidade. Na contemporaneidade, porém, a classe trabalhadora experimentou uma relativa

estabilidade, de 1945 a 1975, onde emprego e salário somavam energias, levando os sindicatos a

conter as forças fragmentadoras da identidade coletiva da classe trabalhadora. Logicamente, porém,

este período representa uma pequena parcela dos acontecimentos político-econômicos da história da

humanidade e, mostra que “na verdade, ocorre o contrário: a identidade de classe é a exceção, pois

63

vigora durante poucos períodos, em geral aqueles períodos de „regulação‟, em vez de crise”

(SILVA, 2004, p. 15).

Além da problemática da referência a uma classe, as pessoas no interior das empresas se

vêem ainda mais fragmentadas, como percebe Silva (2004), pelo aumento do ritmo de trabalho,

conquistado através da redução do número de ajudantes e a “polivalência” dos que restaram, os

bônus por produtividade e o redesenho das células de produção (em formato de “U”, para facilitar o

deslocamento das pessoas entre os processos).

O aumento da velocidade de produção divide ainda mais os grupos entre melhores e

piores. A velocidade e a competição são ampliadas ainda, pelos prêmios e pela disputa entre turnos,

que agrega mais um fator de divisão: pessoas diferentes transitando constantemente no mesmo local

de trabalho.

Note-se que o sistema de células, cuja retórica enfatiza a necessidade de perenidade

nas relações sociais internas ao grupo, choca-se com o vai-e-vem mais ou menos

constante dos operários entre turnos, o que não seria saudável para a constituição de uma sociabilidade própria à célula (SILVA, 2004, p. 26).

Tem-se no ambiente de trabalho uma contradição: coletivo em competição, grupo em

fragmento. A diferenciação é preponderante, a competição e a fragmentação, ressaltadas.

O individuo ainda vive pressionado não apenas pela corporação capitalista, mas sim,

entre as contradições inerentes a esta (que não existe para gerar bem estar, mas sim, lucro) e a

arriscada questão de não estar trabalhando. “O que está na base do comportamento de competição e

de sua tendência subjacente de fragmentação – em vez de solidariedade – do coletivo operário é a

insegurança representada pelo mercado de trabalho” (SILVA, 2004, p. 22). Configura-se na

organização, a eterna vigilância e a prontidão permanente para não perder o seu lugar no mercado

de trabalho. Isso leva o trabalhador a perder ainda mais vínculos com os outros, fixando-se

sobremaneira à empresa.

64

Com relação ao mercado de trabalho e emprego, portanto, existem dois vetores

principais: aquele que impele o ser humano a fazer parte de alguma empresa, pois não trabalhar

recebe uma conotação negativa na sociedade, além de gerar conseqüências econômicas individuais

catastróficas (o que o arrebata em uma competição com os outros pelo emprego); e aquele que, uma

vez estando no quadro de funcionários, o leva a uma fragmentação e competição se não igual, ainda

maior, pois além dos desempregados, lutaria com os colegas de trabalho, cotidianamente. “Na

verdade, o que se observa a partir da marcha dos novos métodos de organização do trabalho é uma

tendência forte na direção da diferenciação e da individualização” (SILVA, 2004, p. 11).

Portanto, se encontra o sujeito perpassado por muitas inconsistências, dicotomias entre

coletivo e grupo, entre satisfação e suas necessidades, entre seus desejos e sua realidade. Um fator

ainda mais complexante é a extremada força com a qual o sistema de produção capitalista leva as

pessoas a adentrarem em suas organizações: trabalho tem uma carga extremamente positiva na

sociedade, além de ser uma resposta para atendimento das necessidades monetárias. A grande parte

das pessoas encontra-se, desta forma, entre possibilidades de decisão que só pode levar a um

caminho.

Mas, apesar de uma imensa maioria sujeita a esta relação, existiriam alternativas?

4 AS COOPERATIVAS E O SISTEMA DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

Na contemporaneidade é possível a perceber organismos sociais que buscam uma

alternativa para a problemática inerente ao sistema de produção cristalizado nas empresas

capitalistas.

Melman, (2002), nota que “de fato, o controle do pessoal e dos fluxos financeiros

tornou-se peça importante da atividade gerencial no capitalismo (...) (MELMAN, 2002, p. 538),

porém, o mesmo autor, localiza movimentos que conseguem em alguma medida, trazer respostas

diferenciadas à necessidade de trabalho imposta pelo sistema atual. “Em cooperativas e semelhantes

iniciativas de trabalho comunitário, a desalienação por projeto desafia a busca convencional de

lucros e poder por meio da concorrência predatória e da hierarquia” (MELMAN, 2002, p. 481).

Diante da possibilidade, algumas dúvidas centrais se descortinam, como: qual a

efetividade destas respostas distintas no sentido de uma nova noção de grupo solidário, o quanto

elas são diferentes das organizações capitalistas, mesmo estando em um mesmo sistema e sendo

obrigadas a se manter, por assim dizer, vivas, ou ainda, se são mesmo capazes de minimizar no seu

interior, os efeitos do individualismo e da competição exacerbados. Torna-se importante uma

investigação maior a respeito das cooperativas, organizações sobre as quais estará o maior enfoque

deste trabalho.

4. 1 Raízes do Cooperativismo no Mundo e Emergência no Brasil

Lechat (2008) percebe o surgimento das cooperativas dentro do movimento do

socialismo utópico, e aparece como resposta a crises econômicas. Para a autora, durante o séc. XIX

varias comunidades ou aldeias cooperativas foram criadas nos Estados Unidos e na Inglaterra, de

66

onde se tem um exemplo de cooperativa de consumo importante, denominada de Pioneiros

Equitativos de Rochedale, que criou uma carta de princípios conhecida e utilizada mundialmente

como parâmetro até os dias atuais. Estas Cooperativas, no entanto, receberam forte pressão, sendo

fechadas devido às influencias da classe patronal e dos interesses do governo daquele período,

declaradamente hostil à idéia.

O movimento cooperativista seguiu de 1830 a 1840, por meio de

sociedades de socorro mútuo, balcões alimentícios e cooperativas de produção. Criadas por operários ou por artesãos que se negavam a tornar-se proletários essas

iniciativas tentavam amenizar os sofrimentos trazidos pelos acidentes, pelas

doenças e pela morte. A partir de 1848, no entanto, a repressão se abateu sobre estas associações (LECHAT, 2008, p. 5).

Para Lechat (2008) novas oscilações positivas no número de cooperativas emergem com

força, durante a grande crise dos anos 1873 a 1895, compostas por entidades agrícolas e de

poupança, como forma de soluções de sobrevivência encontradas pelos pequenos produtores.

Em momento posterior, as cooperativas também já haviam se tornado uma solução

apresentada pelos operários: durante a grande crise de 1929, antes mesmo da intervenção do

Estado.

Como movimento mais recente, a autora percebe que houve outra crise e o decorrente

fechamento de empresas e desemprego a partir de 1970. Novamente, no entanto, as cooperativas se

mostraram como alternativa para a solução.

Floresceu então, a partir de 1977 e até 84, uma série de iniciativas para salvar ou criar empregos, através de empresas autogeridas pelos próprios trabalhadores e isto

com o apoio de alguns sindicatos progressistas. Entre 1980 e 85 foram criadas em

massa cooperativas de trabalhadores em toda a Europa (Defourny, 2001)27

. Por

outro lado, os inúmeros movimentos sociais e étnicos trouxeram uma nova visão do social, da sua relação com o econômico e da relação do homem com o meio

ambiente (LECHAT, 2008, p. 6).

27 DEFOURNY, Jacques. Entrevista concedida a Noëlle Lechat pelo Diretor do Centre d’Études Sociales. Liège, 15

jun. 2001.

67

Com relação a este movimento no país, Heiden, (2008) acredita na cooperativa “como

um sistema organizacional que vem atuando desde 1969 com sucesso no Brasil no segmento de

prestação de serviços, constituindo-se num novo mercado que está gerando muitos postos de

trabalho” (HEIDEN, 2008, p.51). Porém, o cooperativismo neste país é um movimento anterior,

mesmo em uma forma primitiva.

o cooperativismo teve uma forma inicial “primitiva” quando os jesuítas se uniram no trabalho coletivo voltado para a “persuasão” de povos indígenas nas práticas do

amor e auxílio mútuo cristãos em meados do século XVII. As primeiras

cooperativas implantadas no Brasil foram as de consumo, cujo objetivo é distribuir produtos/serviços aos seus sócios, buscando as melhores condições de preços e de

qualidade (GALLO, 2008, p. 47).

Eid (1998)28

, apud. Gallo (2008) também localizou uma colônia organizada nessas

bases, fundada por um grupo de europeus, em 1847, mas:

Posteriormente a esse fenômeno, somente no final do século XIX e início do século XX retomou-se a criação de cooperativas de consumo. As primeiras foram na

região Sudeste e depois na região Sul do país. No entanto, a partir da década de

1960, as cooperativas de consumo entraram em crise. Concomitante as cooperativas de consumo, foram criadas também as cooperativas agropecuárias e

de crédito rural principalmente na região Sul do país. Ao longo dos anos, outros

tipos de cooperativas foram sendo criadas como as de produção, de trabalho e

educacionais. Em 16/12/1971 com a lei 5.764, ainda em vigor, ficou definido o regime jurídico, a constituição e o funcionamento do sistema de representação das

cooperativas e os organismos de apoio. (GALLO, 2008, p. 48).

Percebe-se nessa afirmativa que, mesmo com uma linha de desenvolvimento, é factível

a interpretação, oriundo das movimentações cooperativistas, de diversas representações que o

intento cooperativista encerrara com o decorrer de sua história neste país, na tentativa de adaptação

28 EID, F. “COOPERATIVISMO”. Curso de Especialização Lato Sensu. Departamento de Engenharia de Produção,

UFSCar, 1998.

68

às realidades impostas pelo sistema de produção excludente. Em certa medida, ss cooperativas

tornaram-se uma alternativa importante.

4.2 A Disparidade e Conexões do Continuum Cooperativista

Mesmo oriundas de bases comuns, as cooperativas se tornaram organizações

diferenciadas, adaptadas em grande medida às necessidades dos cooperados e do ambiente em que

se encontravam. Nos relatos de Ide, (2005), as cooperativas podem ser compreendidas por uma

noção de doutrina moral, social e econômica, uma noção de lugar e outra de organização.

Tendo como foco a noção cooperativista enquanto doutrinária, foi observada a

possibilidade de construir uma “República Cooperativa”, idéia ainda inerente ao socialismo utópico,

mas em paralelo com o mesmo. Pregava que “o cidadão, como produtor, é antes um servidor ou

escravo da coletividade” (IDE, 2005, p. 72).

Com uma visão ainda aproximada à doutrinária, observa-se que as cooperativas eram

vistas também como lugar, enquanto construto simbólico onde pessoas se afirmavam membros

pertencentes de acordo com valores comuns. Como afirma Ide, (2005), um dos seus preceitos

reforçadores era o de que seria justo a venda de produtos de boa qualidade e na quantidade exata

por parte dos cooperados aos outros participantes (uma vez que à época, era comum a troca de

mercadorias e a venda de produtos em uma quantidade inconsistente).

Neste trabalho, a representação das cooperativas que será principalmente analisada é a

última possibilidade, verificada enquanto noção organizativa, que é uma conotação contemporânea,

prevista na legislação federal brasileira, caracterizada por forma jurídica própria e criada para

prestar serviços aos associados. Uma vez que, em se tratando dos cooperados “é para eles e por eles

que ela existe e vai trabalhar” (HEIDEN, 2008, p. 51), esta representação atual das cooperativas é

importante, pois, “Ao contrário da sabedoria popular, em que elas são geralmente apresentadas

como experimentos excepcionais, as cooperativas têm sido altamente bem sucedidas como grupos

69

de empresas” (MELMAN, 2002, p. 482). O autor se refere à cooperativa Mondragon que opera na

região basca do noroeste da Espanha como uma das mais importantes, com faturamento de mais de

seis bilhões de dólares já em 1996.

No Brasil, de acordo com Gallo (2008), em 1999, haviam 5.600 cooperativas

registradas na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) com 5,5 milhões de cooperados

registrados. E esta grande quantidade de organismos encerra em seu movimento características

extremamente diversificadas (mesmo ainda caracterizados enquanto noção organizativa):

(...)empresas autogeridas; pequenas e médias associações ou cooperativas de produção ou comercialização; cooperativas agropecuárias formadas pelo

Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); cooperativas de trabalho

e de serviços, formadas por Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares; cooperativas de serviços de diversos tamanhos, boa parte agrupadas nas Federações

de Cooperativas de Trabalho estaduais.(SINGER,199929

apud GALLO, 2008, p.

49).

As cooperativas podem ser percebidas, por meio de sua diferenciação, como uma

alternativa flexível, no contexto atual. Mas existem características que se mantiveram.

Como afirma Bhowmik (2008), os princípios básicos das cooperativas são baseados

ainda nos construtos desenvolvidos em Rochdale, e foram adaptados pelo movimento em todo o

mundo. São eles: “um voto por cada membro (...); as vendas são efectuadas de acordo com os

preços do mercado; a distribuição dos lucros entre os accionistas tem como base as acções detidas; e

a existência de um número limitado de acções por pessoa” (BHOWMIK, 2008, p. 40).

No entanto, Singer (2008), não acredita na forma de exposição de um destes fatores.

Para o autor, na empresa solidária não há lucro porque nenhuma parte de sua receita é distribuída

em proporção às cotas de capital e, para além dessa afirmativa, as chamadas “sobras anuais”, têm

uma destinação definida pelos próprios trabalhadores, o que deixa clara outra característica: a

autogestão da cooperativa.

29 SINGER. P. Cooperativismo e sindicatos no Brasil. Sindicalismo e Economia Solidária. 1999.

70

Os dois autores concordam, no entanto, sobre a intenção principal das cooperativas, que

seria trabalhar através de princípios de igualdade e democracia, por meio de uma efetiva

solidariedade entre parceiros30

.

Lechat (2008) considera a economia solidária como sendo a junção entre as dimensões

do econômico, social e o político, capaz de gerar um desenvolvimento solidário. De acordo com

estes princípios, Singer (2008a), define as empresas solidárias como a negação da separação entre

trabalho e posse dos meios de produção, ou seja, o trabalho e o capital “estão fundidos porque todos

os que trabalham são proprietários da empresa e não há proprietários que não trabalhem na empresa.

E a propriedade da empresa é dividida por igual entre todos os trabalhadores, para que todos tenham

o mesmo poder de decisão sobre ela” (SINGER, 2008a, p. 4).

A economia solidária seria, portanto, uma alternativa ao sistema capitalista de produção

– que para Singer (2008a), pressupõe a separação entre trabalho e posse dos meios de produção– ao

mesmo tempo em que se constitui numa parte dele.

A economia solidária constitui um modo de produção que, ao lado de diversos

outros modos de produção - o capitalismo, a pequena produção de mercadorias, a produção estatal de bens e serviços, a produção privada sem fins de lucro -,

compõe a formação social capitalista, que é capitalista porque o capitalismo não só

é o maior dos modos de produção mas molda a superestrutura legal e institucional

de acordo com os seus valores e interesses (SINGER, 2008a, p. 6).

A fragmentação das realidades vividas entre indivíduo e coletivo na contemporaneidade

é em alguma medida levada ao extremo nos cooperados, de onde culmina a separação marcante da

contradição entre competição e cooperação: dentro, deteriam um laço extremamente forte e comum:

são iguais e parceiros; fora, indivíduos suscetíveis a toda espécie de particularização e

diversificação, pois vivem em uma sociedade influenciada pelo capitalismo.

30

Os autores localizam as cooperativas dentro do conceito de economia solidária, que se mistura após determinado

momento, com o conceito de terceiro setor.

71

E o próprio capitalismo gera crises internas que levam ao surgimento de contradições

entre o particular e socializado, entre as referências de individualismo e solidariedade. E, por

conseguinte, gera também possibilidades do surgimento de movimentos da economia solidária.

A questão principal que emerge, trata do seguinte ponto: até onde os laços solidários

serviriam de referencia principal aos cooperados, diante de tamanha valorização do individual fora

das cooperativas?

4.3 Entre Diversidade e Solidariedade

A solidariedade é um dos pontos principais do intento cooperativista, que detém

também conceitos como igualdade e democracia. Para haver solidariedade, no entanto, pode-se

pensar primordial a existência de desigualdade, para que alguém ajude a outrem.

Lechat (2008), no entanto, não concorda com esta afirmativa, pois, a solidariedade só

denota que no momento de sua aplicação, há uma desigualdade entre que dá e quem recebe, mas

não indica uma desigualdade intrínseca. Para o autor, a solidariedade supõe um laço recíproco,

diferentemente da caridade, que teria como fator principal um dever unilateral. Tocqueville (2000)

percebe na solidariedade a doutrina do bem comum, que demandaria pequenos sacrifícios em prol

dos outros, cotidianamente.

Durkheim (1999) também desenvolve conceitos de relacionados à solidariedade, sendo

a mecânica aquela que liga o individuo diretamente ao grupo devido a similitudes, e a mecânica

outra, que cria relação de dependência do individuo com as partes que compõe a sociedade através

da especialização e divisão do trabalho. A primeira tende a ajudar a coletivização e a não

personificação do sujeito, a segunda à diferenciação para a tentativa do sujeito de conseguir

conquistar mais trabalho alheio, uma vez que as necessidades seguem uma escalada contínua. A

segunda possibilidade, no entanto, geraria uma vinculação mais forte devido a uma relação de

72

dependência, e denota certa aproximação à realidade do sistema capitalista. Segundo Smith (1778)

o aprimoramento do processo produtivo através da divisão do trabalho dos trabalhadores, levou a

sociedade até um processo de acumulação de riquezas para aquisição de mais trabalho alheio. Para

o autor, a especialização do individuo em um único trabalho agrega produtividade.

Este processo consolida algumas formatações individualistas: aumenta a relação de

interdependência, amplia a configuração da competição agora para aquisição de mais trabalho

alheio e, em outra faceta, cria a necessidade de maior liberdade individual e menor restrição por

parte de todos às movimentações de bens e riquezas. Para Smith (1778) até mesmo entre países,

pode-se observar uma tendência maior a movimentação, uma vez que tendem a depender

sobremaneira uns dos outros. A divisão do trabalho cria organismos internos que existem com o

intuito de atender necessidades diferentes, de pessoas diferentes, em momentos diferentes.

Confirmando isso, Durkheim (1999) percebe que as sociedades tendem a se assemelhar,

mas não os sujeitos de cada uma. Segundo o autor, “a divisão do trabalho une ao mesmo tempo que

opõe; faz convergir atividades que diferencia; aproxima aqueles que separa” (DURKHEIM, 1999,

p. 275). E para dividir as funções a comunicação deve ser constante. “Para que as unidades sociais

possam diferenciar-se, é necessário antes de mais nada que sejam atraídas ou agrupadas em virtude

das semelhanças que apresentam” (DURKHEIM, 1999, p. 278).

Através da solidariedade tem-se a diferenciação, um dos pontos principais do

individualismo. Segundo Durkheim, (1999), à medida que o trabalho se divide, a flexibilidade e a

liberdade se tornam maiores, pois os indivíduos precisam se adaptar. Além disso, a mobilidade do

capital exige que os trabalhadores estejam prontos para segui-lo e, por conseguinte, segui-lo nos

diferentes tipos de empregos. Quando a divisão do trabalho atinge um nível muito alto, o

trabalhador se isola em sua tarefa e não se sente mais parte de um todo, não tem mais a noção de

uma obra comum. A consciência coletiva diminui, à medida que a divisão do trabalho evolui, e sua

evolução leva a cada vez mais tendências centrífugas, que podem ser percebidas também como

conseqüências do individualismo.

73

Porém, ainda segundo o autor, “a sociedade consiste inteiramente na cooperação,(...)

não tem outro objetivo senão adaptar o individuo ao seu meio físico” (DURKHEIM, 1999, p. 355).

Portanto, a liberdade de ações individuais resulta das regulações sociais.

É o que percebe também Nietzsche (2007), quando delimita o que se descortina

inexoravelmente no horizonte: quanto mais livre, mais preso dos valores que o tornam livre. Quanto

mais individualista, mais suscetível aos valores do ambiente que servem de troca, que o torna

satisfeito em relação a algo. E à medida que os valores são mais cambiáveis, surge um novo fator:

para ser trocado, ou ser mais valorado em relação a outro, um valor não pode ter uma valoração

extrema, deve ser móvel.

A subjetividade do ser humano se transforma em uma frivolidade de subjetivações

contínuas, com o individuo em constante mutação. Neste arcabouço, as relações de solidariedade

orgânica levam à competição e individualização, ao mesmo tempo em que a solidariedade mecânica

vê-se no meio de um fluxo constante, ora sendo fator relevante, ora sendo mais um fator não

prioritário momentaneamente. Talvez Lechat (2008) esteja certa, pois aqui não se observa

desigualdade intrínseca, e sim instantânea. Mas em uma instantaneidade inerente.

Poderia parecer uma luta entre a referência aos laços de solidariedade da cooperativa, e

a referencia a algo maior, mas o problema que se descortina sobre a subjetividade contemporânea é

mais complexo.

O que se coloca para as subjetividades hoje não é a defesa de identidades locais

contra identidades globais, nem tampouco de identidade geral contra a

pulverização; é a própria referencia identitária que deve ser combatida, não em nome da pulverização (o fascínio niilista pelo caos) mas para dar lugar aos

processos de singularização, de criação existencial, movidos pelo vento dos

acontecimentos(LINS et al., 1997, p.23).

74

Dessa forma, pode ser que não existam efetivamente as referencias individuo e

sociedade, mas sim,

Tomando-se como referencia qualquer sociedade, poder-se-ia dizer que ela vive permanentemente a contradição entre as particularizações de experiências restritas

a certos segmentos, categorias, grupos e até indivíduos e a universalização de

outras experiências que se expressam culturalmente através de conjuntos de

símbolos homogeneizadores e paradigmas, temas, etc (VELHO, 1999 p. 18).

Portanto, individual e coletivo são referencias individuais construídas na coletividade

que, de acordo com Elias (1994), pendem em momentos específicos para um lado da balança e em

algumas ocasiões para o outro.

O individuo vive em constante processo de subjetivação devido às necessidades

percebidas na sociedade em que está inserido. A frivolidade das relações põe fim às subjetividades

estruturalistas essenciais, mas através de uma coerência caótica, interpreta a realidade a partir dos

diversos pontos de referência individuais, sejam eles coletivistas ou não.

5 METODOLOGIA

Esse trabalho acadêmico é eminentemente indutivo e teve como objetivo, após pesquisa

bibliográfica que lhe deu embasamento, analisar duas unidades, correspondentes às Cooperativas A

e B31

, no município de Salinas, Minas Gerais. Ambas têm um histórico de inicio com mais de 130

cooperados que posteriormente foram reduzidos para 22 e 15 cooperados. Foram escolhidas

exatamente por existirem ali, possibilidades de contradição entre individuo e grupo que pudessem

estar contribuindo para a evasão de pessoas.

Como a pesquisa analisou apenas 2 unidades, optou-se pela utilização de metodologia

baseada em um estudo de caso, pois, como descreve Greenwood (1973)32

, apud Lopes (2000, p.45),

o estudo de caso consiste em um exame intensivo de uma unidade de análise. Já Duarte; Furtado

(2002) percebem como uma fase ou a totalidade do processo social de uma unidade. Foi, portanto,

um meio de se organizar os dados, preservando o caráter unitário do projeto social estudado. Ainda

em conformidade com os objetivos, verificou-se a necessidade da formulação do estudo de caso do

tipo descritivo: conforme delimita Duarte; Furtado (2002) as pesquisas descritivas descrevem um

fenômeno ou situação mediante um estudo realizado em determinado contexto espacial ou

temporal.

Pode-se afirmar como colocado por Lopes (2000, p. 45), que o estudo de caso do tipo

descritivo teria como finalidade descrever um caso em toda a sua complexidade sem vislumbrar

obter a forma geral, mas apenas pistas, fragmentos ou possibilidades, uma vez que influenciado

pelo contexto do espaço tempo circunscrito.

O universo desta pesquisa compreendeu o grupo total de cooperados freqüentes às

cooperativas, num total de 14 na Cooperativa B e 8 na Cooperativa A, que serão as organizações

31 Nomes fictícios, utilizados para preservar a integridade das entidades. 32 GREENWOOD, E.Metodos principales de investigacion social empirica. Buenos Aires,Paidos, 1973.

76

estudadas. A amostra obteve um total de 12 cooperados, correspondendo a aproximadamente

55% da população.

O estudo de caso teve sua base eminentemente qualitativa devido aos aspectos a serem

estudados, que requerem métodos diferenciados para este caso. Como delimita Trujillo (2001), a

pesquisa qualitativa visa investigar se uma qualidade está presente, e não quantificar a presença da

mesma como seria a pesquisa quantitativa. A perspectiva qualitativa foi observada em todas as

etapas, desde entrevistas e observação a analise bibliográfica e documental.

- Pesquisa documental: como delimita Lakatos; Marconi (2003), é caracterizada pela fonte

de coleta de dados restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de

fontes primárias. À partir desta técnica, pôde-se analisar as características das empresas, bem

como particularidades de seu histórico, através de documentos como atas de reuniões e seu

estatuto, que denotam fundamentos básicos sobre a realidade vivida nesta escala social.

- Entrevista: definida neste trabalho como “um encontro entre duas pessoas, a fim de que

uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação

de natureza profissional”(LAKATOS; MARCONI, 2003, p.195). A modalidade de entrevista

utilizada é a não-estruturada, mas focalizada, que se caracteriza por liberdade do entrevistador

mediante um roteiro de tópicos relativos ao problema a ser analisado. Efetivou busca de

elementos que permitissem inferir sobre conexões com o tema abordado a partir das respostas,

e foi aplicada a todos os elementos da amostra. As respostas foram gravadas com auxilio de

equipamento de som e posteriormente transcritas para análise, por meio da digitação feita pelo

pesquisador.

- Observação: como evidencia Lakatos; Marconi (2003), é um método que utiliza os

sentidos na obtenção de certos aspectos da realidade. Por não ser realizada em situações

controladas, e nem ter determinado de antemão aspectos relevantes, caracteriza-se por uma

metodologia assistemática. Foi realizada durante as entrevistas, na tentativa de conseguir

77

informações não mencionadas pelos entrevistados, sendo que estas informações foram

assinaladas no bloco de anotações do pesquisador.

Finalizado o processo de levantamento dos dados, os mesmos foram selecionados,

codificados e transcritos, para que fossem então realizadas ilações sobre seu conteúdo: “(...)

produzir inferências em análise de conteúdo tem um significado bastante explícito e pressupõe a

comparação dos dados, obtidos mediante discursos e símbolos, com os pressupostos teóricos de

diferentes concepções de mundo, de indivíduo e sociedade” (FRANCO, 2008, p. 31). Para tanto, os

dados foram:

- Analisados na tentativa de evidenciar as relações existentes entre o fenômeno estudado e

outros fatores como define Lakatos; Marconi (2003);

- Interpretados, sendo esta a fase onde se procura dar um significado mais amplo às

respostas, vinculando-as a outros conhecimentos.

- Tabulados, objetivando assim obter uma maior organização e clareza na transmissão da

informação.

Assim, como delimitam Henry; Moscovici (1968)33

apud Franco (2008), trata-se de

procedimento fechado, uma vez que estes textos serão observados mediante referencial de

determinado quadro teórico pré-estabelecido e não modificado, para o qual as teorias estudadas são

primordiais. É importante ainda ressaltar que durante a analise e interpretação dos dados, na etapa

das entrevistas, as informações recebidas foram agrupadas em índices34

primários e posteriormente

em grupos maiores, onde podem estar reunidos a outros. Os conjuntos de índices primários foram

tratados com a nomenclatura de índices secundários, para facilitar a compreensão e denotar sua

profunda conexão com os primeiros.

Uma vez que “para grande parte das investigações, qualquer que seja o tema explicitado, o

mesmo passa a ter mais importância para a análise de dados quanto mais freqüentemente for

33

HENRY, P.; MOSCOVICI, S. Problemes de l’analyse de contenu. Langage, n II, Set. 1969. 34 Os índices são compreendidos em conformidade com a análise de Franco (2008): trata-se de menção, explícita ou

subjacente de certo tema em uma mensagem.

78

mencionado.” (FRANCO, 2008, p. 58), para findar o artifício metodológico utilizado, os índices

secundários foram quantificados para verificar sua freqüência em relação a outros temas igualmente

presentes.

6 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Antes de um trabalho mais rebuscado a respeito dos grupos de análises apreendidos pelos

resultados das inferências feitas a partir das respostas dos entrevistados, é importante ressaltar

alguns dados que informem a realidade sob a qual as cooperativas se encontram inseridas.

Segundo arquivos da Biblioteca do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,

2007a)35

, a descoberta de jazidas de sal na região contribuiu sobremaneira para seu povoamento,

uma vez que este produto era escasso e por isso tinha um alto valor. O nome inicial da cidade era

Santo Antonio de Salinas, muito em função da doação de terras para a construção de uma primeira

capela, batizada sob a proteção daquele santo. O povoamento teve inicio então, quando os

exploradores das jazidas se assentaram nos arredores da igreja.

Ainda segundo o IBGE (2007a), a região onde se deu esse primeiro povoamento era

pertencente a uma área onde se encontra o município de Rio Pardo de Minas, de onde surgiu o

distrito de Santo Antonio de Salinas se em 1855. O distrito foi emancipado e em 04 de outubro de

1887, recebeu a titulação de cidade já com o nome de Salinas.

De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,

2007b), o município de Salinas se encontra na região norte do do Estado de Minas Gerais, que, do

ponto de vista geopolítico, ocupa uma área de 120.701 Km², correspondente a 20,7% do território

do Estado. Engloba 92 municípios, com 1.416.334 habitantes. Predominam os municípios de

pequeno porte (80 municípios), que possuem infra-estrutura urbana deficiente e níveis mais baixos

de qualidade de vida, com economias locais baseadas nas atividades agropecuárias e extrativistas.

As características geofísicas da região, com seus ecossistemas de cerrado e caatinga, seu clima

semi-árido e as precárias condições de vida da maior parte da sua população, muito se assemelham

às características predominantes no Nordeste brasileiro.

35 http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/minasgerais/salinas.pdf

80

FIGURA 01- Localização do município de Salinas no Estado de Minas Gerais.

Fonte: IBGE, 2007.

Ainda de acordo com o IBGE (2007b), o município de Salinas, ao qual estão subscritas as

duas cooperativas pesquisadas, tem área total de 1.897 Km², população igual a 37.370 habitantes e

possui um PIB total de R$ 168.202.370,00 totalizando um valor per capta de R$ 4501,00. Seu PIB

tem um valor agregado de 7,2% pela agricultura, 14,81% pela indústria e 77,98% pelos serviços, ao

passo que o Estado de Minas Gerais agrega respectivamente 9,31%, 32,47% e 58,23%, nos mesmos

setores. Isso denota uma fraca afinidade do município com o segmento da indústria e assim uma

pequena capacidade de transformação de riquezas por esta via.

A geração de oportunidades por esse setor pode ser influenciador de outras análises, uma

vez que pelos dados do IBGE (2007b), é possível verificar que a população do município reduziu

entre os anos de 1991 e 2007 de 50.849 para 37.370 habitantes, o que totaliza um número negativo

de 13.479 pessoas, ou aproximadamente 26% do total. Em que pese que o município perdeu um de

seus distritos, denominado Santa Cruz de Salinas, com um total de 5.192, sua redução real é de

8.287 habitantes ou 16,3%.

81

Outro fator relevante para a analise da quantidade de oportunidades, é o vultuoso número de

pessoas com a idade de 20 a 24 anos que não permanecem da cidade. Entre 15 a 19 anos, a idade

média em que se formam as pessoas do ensino fundamental, existem 2223 indivíduos, enquanto são

1668 de 20 a 24 anos, uma perca de 24,97%. No estado de Minas Gerais, a relação destes números é

de 922.650 para as pessoas de 15 a 19 anos e 836.593 para a população de 20 a 24. Caracteriza uma

redução de 9,32%.

Demonstra-se assim um lócus onde movimentos de inserção das pessoas,

principalmente jovens, pode acontecer. E essa possibilidade tem chances de ocorrer com a formação

de cooperativas. Como define Durkheim (1999), “a sociedade consiste inteiramente na

cooperação,(...) não tem outro objetivo senão adaptar o individuo ao seu meio físico”

(DURKHEIM, 1999, p. 355). E especificamente, em se tratando deste movimento no país, Heiden,

(2008) acredita na cooperativa “como um sistema organizacional que vem atuando desde 1969 com

sucesso no Brasil no segmento de prestação de serviços, constituindo-se num novo mercado que

está gerando muitos postos de trabalho” (HEIDEN, 2008, p.51).

6.1. Formação e características das Cooperativas

A Cooperativa A, como define o Anuário do Cooperativismo Mineiro (2009), foi fundada

em 02 de outubro de 2003, e está localizada no segmento mineral. Trata-se de uma cooperativa

especializada na compra, lapidação e acabamento, além de venda de pedras preciosas.

Esta entidade teve início após palestra que tinha como objetivo fomentar a criação de

cooperativas, para inserção de jovens no mercado de trabalho. Foi realizada para tanto, em uma

escola estadual do município de Salinas, cidade situada no norte do Estado de Minas Gerais. Como

confirmam alguns cooperados:

82

(...)a importância da cooperativa desde quando nós começamos com aquele ideal, de formar a cooperativa,era de, levar uma estabilidade para muitos dos jovens que

estavam desempregados, né, a procura de um mercado e aí pintou essa idéia de

criar uma cooperativa, e como a região é rica em minérios né, e isso aconteceu

devida a uma palestra no colégio idalino ribeiro e aí pintou essa idéia, né, vamos formar uma cooperativa, e tudo(informação verbal)

36.

Os cooperados que se reuniram, em grande parte ex-alunos daquela ou de outras instituições

de ensino médio e fundamental, conseguiram aporte financeiro e de maquinário por meio de órgãos

de fomento a este tipo de atividade, que em alguma medida, ampararam seu início37

. Entretanto,

encontraram dificuldades financeiras e administrativas, na operacionalização e utilização das

máquinas com a propriedade que o mercado onde se encontravam exigia, e tiveram muitas baixas

nos seus quadros de cooperados, que esperavam também receber algum retorno financeiro:

tem sim pessoas que estavam participando e de repente até estão participando e

imaginavam a cooperativa como outra forma de obter rendimento e de repente

frustraram, de repente se afastaram da entidade porque não era aquilo o que a pessoa imaginava(informação verbal)

38.

Então hoje.. a importância dela é... veio somar, somar conhecimentos, somar

expectativas também de uma coisa melhor. Mas no momento é expectativa (informação verbal)

39.

Dos iniciais 132 cooperados, hoje a cooperativa conta com 15. Algo semelhante ocorreu

com a segunda entidade analisada que apesar de iniciar suas atividades com 127 cooperados,

atualmente tem 22 pessoas participantes.

A Cooperativa B foi formada por costureiras e bordadeiras em 2003 e produz peças de

vestuário masculino e feminino, e também acessórios para roupas. Seu inicio aconteceu com ajuda

de uma pessoa que foi mediadora, e que convidou as costureiras da cidade para participarem de um

projeto inicial.

36 Dados das entrevistas, 2009. 37 Documentos não disponibilizados pelas entidades para divulgação neste trabalho, por haverem informações sigilosas

e nomes de pessoas que ficariam expostos. 38 Dados das entrevistas, 2009. 39 Dados das entrevistas, 2009.

83

É a Patricia, né?... Ela corre atrás... A Patrícia é fundadora de cooperativa; de todas, todas, ela trabalha no banco, através do banco que eu conheço ela. Ela que corre

atrás pra nós (informação verbal)40

.

A cooperativa foi formada em grande medida por costureiras, mas teve também o aporte de

pessoas que não estavam atuando na região com este ofício. Durante certo tempo, conseguiu ajuda e

apoio de órgãos como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, desta forma

marcando presença em locais como o “7° Circuito Craft de Design”41

caracterizado por Keiko

(2005), e que aconteceu na cidade de São Paulo.

A instituição recebeu contribuição de maquinário e capital posteriores via doações, mas teve

no seu inicio um empréstimo bancário, que a cooperativa deve até os dias atuais, apesar da sua

redução até a quase liquidação da dívida. Teve muitas baixas nos seus quadros e inicialmente não

conseguia remunerar em nada seu corpo de cooperados. Teve problemas com a primeira diretoria,

que cometeu erros administrativos e financeiros, contribuindo ainda mais para o aprofundamento da

dívida da cooperativa. A entidade teve dificuldades e perdeu uma parcela dos colaboradores

iniciais.

ela já teve acabada, então as cooperadas... nós lutamos, ficamos, sofremos,

passamos vergonha, vindo cobrança... ainda tamo pagando. A primeira diretoria saiu... ficou devendo Salinas em peso... nos ficamos sofrendo, trabalhando sem

receber um centavo, pra pagar conta que nos não fizemos, então agente trabalhou,

sofrido e ta pagando ainda... a cooperativa continua com o nome sujo. A

cooperativa. Porque agente ainda deve seis mil reais, então agente trabalha pra... pagar esta dívida tal... pra cooperativa(informação verbal)

42.

Por meio das constatações obtidas pelas análises documentais43

, observação e entrevistas,

percebe-se algo comum às cooperativas: ambas buscavam alternativas de inserção de pessoas em

um projeto idealizado com cunho cooperativista; também tiveram um quadro inicial de mais de 100

40 Dados das entrevistas, 2009. 41 http://www2.uol.com.br/modabrasil/sp_link/artesanato_pauta/index.htm 42 Dados das entrevistas, 2009. 43

Documentos não disponibilizados pelas entidades para divulgação neste trabalho, por haverem informações sigilosas

e nomes de pessoas que ficariam expostos.

84

cooperados, como denotam os registros das atas de reuniões iniciais e documentos de registros de

freqüência44

; hoje contam com um quadro de menos de 25 cooperados, sendo que destes, nem todos

são freqüentes; as organizações tiveram problemas de gerenciamento de recursos e uma delas na

operacionalização de maquinários; as duas instituições mudaram de diretorias.

Logicamente, esta pequena noção a respeito das entidades pesquisadas, não é suficiente para

realizar os objetivos propostos pela pesquisa, mas, a partir destes, pode-se dar início a analise das

informações principais da investigação, que tratam das respostas dos entrevistados.

6.2. Analises das Entrevistas

A busca deste material se reflete em grande medida nas perguntas feitas aos cooperados, que

dão margem às considerações realizadas. O primeiro grupo de perguntas45

(de número 1 a 5) visa a

verificação da relevância da cooperativa diante do cooperado, bem como a participação dos mesmos

e sua possível “noção” de bem comum. Para tanto a questão inicial foi relativa à percepção da

importância da cooperativa diretamente sobre a vida do cooperado, ao que se obteve um quadro de

respostas, que, depois de analisadas, deram origem à tabela 01:

44 Documentos não disponibilizados pelas entidades para consulta neste trabalho, por haverem informações sigilosas e

nomes de pessoas que ficariam expostos. 45 Talvez o termo pergunta neste trabalho, fique em alguma medida incoerente. Uma vez que trata-se de entrevista semi

estruturada, pode-se observá-la também como forma de orientação ou direcionamento para algum assunto, (desde

que não seja influenciador das percepções dos entrevistados sobre a resposta ou tema em análise).

85

TABELA 01

RELEVÂNCIA DA COOPERATIVA

Cooperados

Importância definida

Atrelamento a aspectos financeiros

Possibilidade de ter rendimentos financeiros na cooperativa;

Se sustentar na região mesmo, sem precisar sair;

Expectativas de maior ganho;

Poderia ser melhor financeiramente;

Descrença em lucros excessivos.

08

Valorização e resultados obtidos do coletivo

Crescimento conjunto;

Realizar os outros;

Gosto por conviver em grupo;

Divisão do trabalho;

08

Aprendizado

Aprendizado sobre novos tipos de comportamento;

Aprendizado profissional;

Aprendizado relacionado a erros e crescimento;

05

Apego ao local

Trazer melhorias para a cidade e região;

Possibilidade de não sair da região;

Desenvolvimento da comunidade.

03

Associação à familiaridade

Levo como se fosse uma família;

Parte do princípio de entidade familiar;

Ter uma ajuda melhor: familiar.

03

Auto- Realização

Realização de um sonho;

Preenche muito, eu acho que realização;

Conquista que é nossa.

03

Interesse pelo tipo de trabalho específico

Gosto de fazer o que eu faço;

Meu objetivo é costurar;

Sou apaixonada pelas pedras.

03

Ausência de regras institucionais

Liberdade no trabalho 01

Forma de ocupar o tempo

Se sentindo enjoada, agoniada, a cooperativa foi uma ajuda. 01

Fonte: Dados da pesquisa

Através dos resultados da tabela, se percebe que os dois principais campos de resposta em

freqüência são as vinculações obtidas por aspectos financeiros com 08 indicações nas respostas e

também a valorização e resultados obtidos junto à coletividade com o mesmo valor absoluto. Em

seguida estão respostas relacionadas ao aprendizado, com 05 entradas, e associações a

86

familiaridade, auto-realização e apego ao local, com 03. Completa a lista 01 ligação das respostas

com alguma forma de ocupar o tempo ou a ausência de regras institucionais.

Neste escopo, se tornam perceptíveis respostas tanto próximas a noções coletivas quanto

individuais, mas sobremaneira, ao resultado financeiro individual que poderia ser obtido junto às

entidades e à realização de crescimento comum. São possibilidades em alguma medida, paradoxais,

mas que denotam alguns indícios sobre o que são as cooperativas: como define Singer (2008a)

alternativas inseridas, em um sistema capitalista, uma vez que este molda e sobrepõe as dimensões

legais e institucionais, mas ao mesmo tempo, baseada em valores solidários. Uma categoria que

representa determinado interstício entre o capitalismo e a economia solidaria é o aprendizado,

percebido como uma forma de crescimento profissional, portanto voltado para um profissionalismo

idealizado também pelo sistema capitalista, mas que associado a erros e acertos como a um novo

tipo de comportamento, promove uma melhor valorização do coletivo por meio do desenvolvimento

individualizado.

Existem também com base nas informações da tabela, valores conexos à solidariedade,

como o apego ao local e a noção de familiaridade, e conexos a um individualismo que isolaria ou

tornaria o indivíduo independente dos grupos46

como as características de auto-realização, interesse

pelo tipo de trabalho específico, ausência de regras institucionais, forma de ocupar o tempo. Estas

categorias contraditórias demonstram vínculos com o grupo por determinados meios e desconexões

por outros. Traz vestígios de um tecido que desamarra o indivíduo de liames capitalistas e liga a

outros, nem sempre coletivistas, mas de uma forma específica desse lócus, do espaço-tempo que é a

cooperativa. O inicio desta análise deixa algumas dúvidas sobre como estas ligaduras são

efetivadas, como é a relação entre cooperativa e cooperado, ou mesmo como ambos se conectam.

Para dar continuidade a esta análise, seria conveniente verificar as outras respostas

relacionadas às questões seguintes, de 02 a 05, que visam aprofundar ainda mais a investigação

46 Conceitos tratados por Durkheim (1999) e Tocqueville (2000) respectivamente.

87

sobre o grau de priorização da cooperativa e a participação, além de noção de bem comum, na vida

dos cooperados. A questão 02, que deu origem à tabela 02, argüiu ao entrevistado sobre a forma da

relação entre cooperativa e cooperado.

TABELA 02

RELAÇÃO ENTRE COOPERATIVA E COOPERADO

Cooperados

Relação definida

Desenvolvimento Coletivo

Objetivos comuns acima dos problemas;

Progresso coletivo;

Nós só temos nosso trabalho;

Sintonia no trabalho;

Participação coletiva no processo decisório.

07

Relações de Afetividade

Fico sentida pelas pessoas pensarem muito em si;

Cada um se preocupa com o outro;

O bom relacionamento é recíproco;

Agente criou tipo uma família.

06

Diversidade de perspectivas atual

Alguns se importam mais do que outros;

Grupos de pensamentos diferentes;

Não tem uma união forte, cada um pensa mais em si;

Respeito pela diversidade;

Hierarquia entre direção da cooperativa e cooperado.

06

Liberdade no trabalho

Não é uma empresa particular, tem mais liberdade;

O ritmo de trabalho depende do cooperado;

A diretoria não pega no pé.

04

Diversidade de perspectivas inicial

Os que não concordavam com a cooperativa evadiram;

Ninguém enxergava o outro.

03

Persistência

Os cooperados atuais são persistentes;

É difícil, mas agente faz o possível para unir.

02

Fonte: Dados da pesquisa

De acordo com a tabela anterior, as definições principais demonstradas pelas respostas dos

cooperados e pautadas às relações entre cooperativa e indivíduos se abre inicialmente com o

desenvolvimento coletivo, que está contido 07 vezes nas afirmativas, seguido de relações de

afetividade e diversidade de perspectivas atual, com 06. No continuum de análise se percebem ainda

liberdade no trabalho, diversidade de perspectivas inicial e persistência, com 04, 03 e 02 entradas.

88

Deste modo, os indivíduos se conectam à cooperativa por um ideal de crescimento coletivo,

delimitado por objetivos e sintonia comuns, e estes laços são definidos por objetivos que em alguma

medida, estão acima dos problemas. Outra dimensão da ligação entre cooperados e cooperativa é a

afetiva, que leva em consideração valores relatados por alguns membros pelo grupo, que se

preocupam uns com os outros ou com comportamentos mais voltados para si mesmos. Denotam

uma valoração positiva para os comportamentos coletivistas e contraditórios à afirmativa que trata

que o que está em vigor atualmente é “uma desconexão do poder face a obrigações (...), em suma,

liberdade face ao dever de contribuir para a vida cotidiana, e a perpetuação da comunidade”

(BAUMAN, 1999, p.16).

Entretanto, a próxima categoria encontrada demonstra que existem também valorações

contrárias, uma vez que a diversidade de perspectivas expõe valores individualistas, que tratam de

existência de diferenciação, que é um dos traços do individualismo horizontal abordado por

Triandis (1995) e Gouveia (2007) ou do prestígio, definido em Velho (1999). A diversidade de

perspectivas atinge também da hierarquia no trabalho, traços do individualismo vertical ou da

ascensão, discutido nos mesmos autores. A característica citada ainda permite conexões com outras,

como a diversidade inicial e a liberdade no trabalho.

Existem vestígios da existência de duas abordagens principais e distintas dentro das

entidades: uma coletivista, conectado ao desenvolvimento grupal e afetivamente interligada e outra,

mais individualista, diversa e hierarquizada. Estas duas abordagens se conectariam por meio da

persistência que se desenvolveu através dos estímulos relativos à diversidade inicial, quando muitos

colaboradores deixaram as cooperativas por não conseguirem adaptar aos objetivos solidários. A

maioria dos indivíduos que restaram estariam então mais próximos de um coletivismo do que do

individualismo. Mas esta suposição, só seria confirmada diante da predominância de algum dos

valores, sendo portanto, relevante compreender com mais objetividade qual o principal tipo de

interesse dos indivíduos, individual ou coletivo.

89

A questão seguinte, referente o predomínio de interesses coletivos e individuais, determinou

a tabela 03:

TABELA 03

PREPONDERÂNCIA INDIVIDUAL E COLETIVA

Cooperados

Preponderância Individual e Coletiva

Possível meio de subsistência

A cooperativa não é outra forma de obter rendimentos;

A cooperativa ainda não remunera muito, mas remunera;

Emprego é importante;

Eu e a cooperativa queremos ganhar o nosso...;

Nós terceirizamos e passamos um pouco para a cooperativa;

08

Preponderância individual e coletiva

Interesses pessoais e da cooperativa estão juntos;

Eu e a cooperativa queremos ganhar juntos;

Interesses individuais e da cooperativa têm o mesmo peso;

Quero ajudar os dois;

07

Preponderância individual

A cooperativa não dá rendimentos para uma prioridade maior;

Terceirizando ficou bom pra mim;

04

Diversidade de perspectivas atual

Pessoas que estavam ou estão pensando na cooperativa como

outra forma de obter rendimento;

Temos outra área, outro direcionamento;

Penso mais em mim, mas as outras pensam diferente.

03

Preponderância coletiva

É o interesse coletivo. 01

Aprendizado

Agente aprende, está por dentro de muita coisa. 01

Auto realização

Agente quer ser reconhecido em qualquer lugar. 01

Noção de familiaridade

Os interesses pessoais agente leva muito pelo lado da família. 01

Fonte: Dados da pesquisa

Percebe-se na tabela 03 que existe um número absoluto maior relativo aos valores

individuais com 04 respostas sobre os coletivos com 01 resposta. Entretanto, os dois principais

eixos estão nas respostas relativas ao possível meio de subsistência com 08 e a seguinte, com 07

respostas, correspondente à preponderância individual e coletiva ao mesmo tempo. Foram citadas

ainda as categorias: diversidade de perspectivas atual, o aprendizado, a auto-realização e as noções

de familiaridade com especificamente, a primeira com 04 respostas e as seguintes com 01.

90

Estas parecem denotar uma relação paradoxal entre preponderância individual e coletiva

em um mesmo tempo. Não existe dominação de uma sobre a outra, individual ou coletiva, mas sim

uma relação de necessidade e dependência, já que os cooperados tratam a cooperativa como um

meio de subsistência. Com foco então em um possível meio de subsistência, de conexão com o

sistema capitalista onde estão inseridos, são capazes de ponderar entre interesses pessoais e

coletivos, o que é perceptível claramente em meio à diversidade de posicionamentos. Os sujeitos

percebem as duas possibilidades, que subsistem no local. Corroborando Elias (1994) e Velho(1999),

pendem em momentos específicos para um lado da balança e em algumas ocasiões para o outro.

Mas este meio condicional poderia ser contraditório ao andamento do coletivo. Justifica-se

uma análise mais detalhada da compatibilidade dos comportamentos com os objetivos da

cooperativa.

Para tanto, perguntou-se aos cooperados se já haviam percebido comportamentos que seriam

incompatíveis com os valores da cooperativa, além de sua predominância.

91

TABELA 04

COMPORTAMENTOS COMPATÍVEIS OU NÃO COM VALORES DA COOPERATIVA

Cooperados

Preponderância de Comportamentos

Diversidade de perspectivas atual

Agente nota a diferença de valores entre os cooperados;

Eu olho mais o coletivo, mas elas olham mais a parte pessoal;

Tem os que vêm todos os dias e os que só vem quando quer;

Cada um que está aqui tem uma opinião e um objetivo diferente;

07

Preponderância coletiva

Quando as pessoas compreendem passam a pensar coletivamente;

Hoje a maioria pensa mais na cooperativa;

Temos que trabalhar juntos, ser parceiros;

06

Preponderância individual

Levam pelo lado pessoal, interesse próprio;

Querem as coisas pra ontem;

Devido às dificuldades da cooperativa, o particular primeiro;

Primeiro eles, depois a cooperativa;

05

Relações com aspectos financeiros

Lapidei, estou precisando de dinheiro;

O grupo perde espaço, quando o lado financeiro não é satisfatório;

Volta mais ao dinheiro, depois a cooperativa;

Talvez lá fora ganha mais;

04

Desenvolvimento coletivo

Pensam no bem da cooperativa, em vê-la crescendo;

Eu entrei para realizar as outras cooperadas.

03

Aprendizado

Hoje eu estou aprendendo 01

Fonte: Dados da pesquisa

A diversidade de perspectivas atual é o agrupamento com a maior freqüência na tabela 04,

com 07 afirmativas. Em certa medida, coerente com o fato de o segundo e o terceiro agrupamentos,

que demonstram ponderações de predominância coletiva com 06 e individual com 05 respostas,

uma vez que são perspectivas diferentes. Existem também afirmativas relacionadas a aspectos

financeiros com 04 entradas e, posteriormente desenvolvimento coletivo e aprendizado com os

valores de 03 e 01 respostas em seu total.

Estas informações expressam novamente o fato de que não existe uma dominância principal

coletiva ou individual, mas sim que os dois valores estão presentes e que são permeados por uma

alteridade significante, onde os próprios indivíduos se definem em contato com uma diversidade

92

efetiva, pungente. Existem também, ligações dos grupos aspectos financeiros com a preponderância

individual: as respostas demonstram certo demérito do grupo, uma ascendência do tempo espaço de

escolha utilitarista e individual quando se trata de dinheiro. Colabora com a preponderância

coletiva o desenvolvimento coletivo, que parece demonstrar algum sacrifício de indivíduos com

relação à coletividade, questão próxima do bem comum apreendido em Tocqueville (2000). Para

finalizar a série de questionamentos que buscavam analisar a relevância da cooperativa diante do

cooperado, bem como sua participação e noção de bem comum, os mesmos foram indagados sobre

sua percepção enquanto parte da cooperativa, gerando assim a tabela 05.

TABELA 05

NOÇÃO DE PARTICIPAÇÃO E PERTENCIMENTO DO COOPERADO

Cooperados

Noção de participação e pertencimento

Noção de participação

É uma união de forças;

Me sinto parte;

Eu sou a cooperativa;

Trabalhei muito pra estar aqui dentro;

09

Afetividade

Um amor que agente criou entre agente;

Eu gosto da cooperativa;

Eu sinto falta da cooperativa;

Defendo a cooperativa;

Sonho em ver esta cooperativa acontecendo;

Gosto de costurar

07

Noção de complementaridade

Se eu sair da cooperativa, vai ficar vago, vai faltar algo;

A cooperativa depende dos cooperados;

A cooperativa é os cooperados;

A cooperativa depende de mim;

06

Persistência

A cooperativa tem seu lugar, mesmo diante das dificuldades;

Lutei muito, trabalhei muito para continuar;

A primeira diretoria saiu e deixou tudo bagunçado, mas agente

ajudou muito, para o bem da cooperativa;

03

Noção de propriedade

Sou dona da cooperativa. 02

Possível meio de subsistência

Agente não teve o retorno esperado ainda. 01

Fonte: Dados da pesquisa

93

Com base nas afirmativas da tabela 05, fica nítido que as pessoas se avistam como parte de

um grupo unido, que chega a interferir nas percepções de realidade ou separação entre coletivo e

individual, pois existem pessoas que falam que são a cooperativa, demonstrando o quanto a noção

de participação é forte no grupo. Esta noção perfaz 09 das 12 possibilidades de respostas.

Os cooperados também são perpassados por sentimentos fortes, por uma conexão emotiva,

como demonstram a contagem de 07 respostas na categoria afetividade. As informações internas a

esta, permitem notar que as pessoas também estão ali porque gostam, porque têm vínculos

sentimentais com o que a cooperativa representa para os mesmos. Estas dimensões contrariam

Durkheim (1999), para quem a existem somente dois tipos de solidariedade: a mecânica, que liga o

individuo diretamente ao grupo devido a similitudes, e a mecânica que cria relação de dependência

do individuo com as partes que compõe a sociedade através da especialização e divisão do trabalho.

Aqui não se tratam somente de igualdades (como mostram a quantidade de respostas relativas à

diferenciação) ou ligações devido à divisão do trabalho. Essa é uma solidariedade afetiva,

emocional, uma possibilidade para além do que trata o autor.

Claramente, no entanto, existe também a solidariedade orgânica, nítida pela noção de

complementaridade. Com 06 identificações no seu total, esta é composta por elementos que

exprimem certa dependência da cooperativa para com o cooperado, que percebem na entidade um

atrelamento das contribuições individuais e, para além disso, a necessidade de estar ali em função

de um objetivo maior que suas intenções pessoais. Essa afirmativa fica ainda mais clara com a

análise da categoria persistência, que demarca a vivência de esforços dos indivíduos em prol da

entidade e de um grupo coerentemente conectado. Permitem transparecer, mesmo com uma

freqüência de respostas de 03 (o que a torna relativamente pequena), que pessoas do grupo se

dedicam sobremaneira para a manutenção e continuidade da instituição, novamente em comum

acordo com a idéia de Tocqueville (2000): a doutrina do bem compreendido.

94

Fecham, com as freqüências de 01 e 02 declarações respectivamente, as categorias possível

meio de subsistência e noção de propriedade. Esta denota indícios de uma conexão com a

afetividade, participação e complementaridade dos cooperados por meio de sua responsabilidade.

Seriam assim, tão dedicados que se sentem donos da cooperativa. Esta afirmativa fica clara também

pelo tom de voz dos cooperados que fazem esta colocação. Traz evidencias de ir além de algum tipo

de contrato assinado, de uma simples relação formal: indica uma dedicação forte, que busca no seu

arrolamento cotidiano a manutenção de formatações solidárias, ao mesmo tempo em que procura

instituir um modo de conexão do individuo no sistema ao qual se encontra inserido.

Isso é contraditório com todas as noções individualistas fixas, como também as solidárias

homogêneas. Mas afirmações pautadas em noções estruturalistas, que buscariam uma “identidade

comum” ou um continuum linear, não traduziriam de melhor maneira a realidade deste estudo de

caso. Existem orientações coletivistas, permeadas por individualistas e vice-versa. Denota certa

proximidade com uma noção de bem comum, uma vez que “a doutrina do bem compreendido não

produz grandes devoções, mas sugere todos os dias pequenos sacrifícios” (TOCQUEVILLE, 2000,

p. 147). É o grupo sendo formado pela subjetivação cotidiana individual. Desta maneira, torna-se

importante analisar em profundidade a questão da ligação entre individuo e cooperativa, os

instrumentos que criam, mantém ou definem as interfaces desta relação. O próximo agrupamento de

indagações, numeradas de 06 a 07, procuram lançar luz sobre o tema. A questão 06 trata sobre a

manutenção das pessoas na cooperativa, procurando dispositivos, artífices e características dessa

ligação. Para tanto, foi desenvolvida a Tabela 06.

95

TABELA 06

ARTIFÍCIOS E IMPORTÂNCIA DA LIGAÇÃO INDIVÍDUO - COOPERATIVA.

(Continua)

Cooperados

Artifícios e importância da ligação

Desenvolvimento coletivo

Unidos, a concentração de esforços produz resultados;

Interesse por progresso, por ir em frente;

Vontade de vencer. Não sozinho, mas em conjunto;

O que segura agente é o projeto(...), tem vontade de realizar ele;

11

Atrelamento a aspectos financeiros

Ligadas, aqui... eu acho mais assim, que é o dinheiro;

Se você sair vai pegar mais dívida;

Pra ver se isso acontece, se um dia agente tem um salário bom;

Se agente tivesse dinheiro pra tocar aquilo, ia ganhar dinheiro.

07

Interesses comuns

A união e o desejo de todos que é igual... o sonho de ir pra frente;

Um conjunto de pessoas que faz tudo igual;

O interesse47

;

Então todas se sente assim: sente elas como um compromisso;

05

Medo de possível frustração

Cê quer sair?(...) Ninguém tem coragem... e o medo?

Sujou o nome(...) se você sair, quem vai resgatar?

Medo de perder aquela estrutura;

Estão porque pensam numa coisa melhor amanha.

05

Persistência

Vontade. Muita vontade;

E essas 20 é porque são persistente;

Ah... eu acho que, as que estão lá inda tem um fio de esperança.

04

Noção de complementaridade

Se cada um fosse fazer isso separado, não é o mesmo resultado;

Eu não posso fazer nada sem ninguém e ninguém(...) sem eu;

Num tem cooperativa é nós que somos a ferramenta dela, né?

03

Noção de participação

Desejo de união mesmo;

cooperativa, é um conjunto de pessoas que faz tudo igual;

02

Afetividade para com o grupo

Agente já se apegou muito;

O amor mesmo pela nossa união.

02

Apego ao local

Busca mutua de crescimento e desenvolvimento social da cidade;

conquistar um algo melhor né?... pra sociedade como um todo.

02

Fonte: Dados da pesquisa

47 Informação extraída do diário de anotações do pesquisador. A entrevistada verbalizou “interesso” ao mesmo tempo

em que fez um gesto de dinheiro com uma das mãos.

96

TABELA 06

ARTIFÍCIOS E IMPORTÂNCIA DA LIGAÇÃO INDIVÍDUO - COOPERATIVA.

(Conclusão)

Cooperados

Artifícios e importância da ligação

Interesse pelo tipo de trabalho específico

A maior parte, eu creio que é o amor mesmo por pedra;

Vem, por causa disso... quem costura, por causa da costura.

02

Noção de propriedade

Uma acha que assim... se eu sou dona, eu tenho que ta lá; 01

Noção de familiaridade

acho que gente já....já... vive como se fosse uma família. 01

Fonte: Dados da pesquisa

Os índices da tabela 06 demonstram uma hierarquia dos valores referentes à categoria do

desenvolvimento coletivo, seguido pelo atrelamento a aspectos financeiros, interesses comuns e

medo de possível frustração, com respectivamente 11, 07, 05 e 05 afirmações. Abaixo destes estão

indicadores de persistência e noção de complementaridade, com 04 e 03 respostas. Estes são

seguidos pelos apontadores da noção de participação, afetividade, apego ao local e interesse pelo

tipo de trabalho específico, todos com 02. E nas últimas posições das afirmações dos entrevistados

sobre o que conecta as pessoas às cooperativas estão a noção de propriedade e de familiaridade,

ambos com 01 títulos percebidos nas respostas dos sujeitos da pesquisa.

È possível perceber que a categoria medo de uma possível frustração tem importantes

ligações com outras, sendo um ponto intercessor da primeira, segunda, terceira e quinta categorias,

pois as pessoas se vêem enquanto alvos de uma possível frustração por perderem a oportunidade de

se desenvolverem coletivamente (uma vez que seus resultados coletivos podem realizar o projeto

tido como alvo idealizado) e assim realizarem os interesses comuns, sendo que um deles é receber

um retorno financeiro quando isso acontecer. Isso tende a fortalecer ainda mais a persistência de

membros do grupo, que enxergam uma esperança razoável e têm muita vontade de continuar.

97

As demais categorias demonstram outro tipo de conexão com as cooperativas. A

primeira deixa claro cooperados que se percebem enquanto complementares. Crêem que, além de

fazer parte de um grupo, existem relações de dependência e funcionalidade. Enquanto dentro dessa

relação de dependência, seus membros compõe o todo também pela sua diversificação, sabem que

podem fazer falta. Essa característica é coerente novamente com a analise de Durkheim (1999),

sobre a divisão do trabalho, para quem “a divisão do trabalho une ao mesmo tempo que opõe; faz

convergir atividades que diferencia; aproxima aqueles que separa” (DURKHEIM, 1999, p. 275).

Ainda para este autor, no entanto, as unidades sociais dependem também da

similaridade, antes mesmo de serem diferenciadas e “para que as unidades sociais possam

diferenciar-se, é necessário antes de mais nada que sejam atraídas ou agrupadas em virtude das

semelhanças que apresentam” (DURKHEIM, 1999, p. 278). E assim as concepções de

complementaridade e participação se ligam, uma vez que a segunda se mostra coerente com um

desejo de união e de igualdade.

As demais categorias demonstram nexos com sentimentos e emoções, de acordo com

determinados tipos, como a divisão identificada por meio da afetividade para com o grupo, que se

liga aos aspectos de interesses comuns assim como desenvolvimento coletivo por meio de um ideal

de união e por se gostar desta. Os sentimentos positivos relacionados à união são ainda coerentes

com as concepções anteriores de complementaridade e participação e com as posteriores de apego

ao local, interesse pelo tipo de trabalho específico e a noção de familiaridade: parece existir uma

rede de sentimentos positivos que circunda a noção de união do grupo. Mesmo diante destas

evidencias, entretanto, se torna, significante analisar se existem controles formais utilizados pela

organização, uma vez que esta poderia ter construído dispositivos para conectá-los, para além das

amarrações afetuosas. Para tanto, buscou-se na pergunta 07 uma análise mais densa sobre os

controles das instituições, no ponto de vista dos entrevistados.

98

TABELA 07

NECESSIDADE DE CONTROLES SOBRE AS INTENÇÕES DOS COOPERADOS

Cooperados

Necessidades sobre os cooperados

Controles

Todo grupo tem essa necessidade;

Sim, com certeza(...) Essa palavra é agressiva...(...);

Acho que deveria ter sim... no regimento;

Tem que ter uma pessoa ali pra controlar agente, né?;

Imporante;

09

Diversidade de controles

Já pensou, se num tivesse uma pessoa pra nos controlar, pra nos ta

falando, adiantando e ali, né?;

Se num tiver uma liderança forte, pra ta ó.. num é assim, e tal...

caba brigano;

Precisa assim ter um controle assim, ter um...coisa pra prender;

Tem que ter o acompanhamento, tem que perceber tudo isso;

Porque se não tiver assim o controle (...) ficava uma bagunça, né?

Tem que ter uma pessoa ali pra ta manobrando.

07

Liberdade

Eu acredito que as pessoas precisam ser livres;

a cooperativa não pode controlar 100% os cooperados, tem que

ser uma forma parcial, de comum...;

Que cooperativa ce num controla, né? Somos somos livres,

lutando por um sonho.

03

Auto-controle

Agente faz tudo pra num ser preciso ser chamado, ser corrigido;

Então elas precisam estar conscientes;

02

Diversidade de perspectivas

Deus foi tirando aquelas que acho que não era daqui...;

Todo mundo hoje tem suas diferença, e suas qualidade.

02

Confiança mútua

hoje eu sinto confiança nelas... 01

Desenvolvimento coletivo

E diz que se tiver espírito de cooperação, então e melhor. 01

Afetividade

Controla. Sempre, quando tem algum problema agente faz

reunião, e lava a roupa suja.; eu acho importante, porque tudo que agente sente agente tem que dispor. Porque ali agente num guarda

rancor, num é...

01

Insegurança Inicial

Nós queria por uma câmera pra gravar tudo e pra ver o que que

acontecia aqui. Era uma insegurança muito grande... 01

Fonte: Dados da pesquisa

Três características foram desmembradas a partir das respostas positivas. Uma delas, a

categoria controle, é afirmativa e define a real necessidade dos mesmos, sendo contrária à categoria

liberdade, que demonstra comunicações verbais contrárias ao imperativo destes domínios. Ocorre

99

uma predominância das respostas favoráveis à necessidade, pois existem 09 comunicações, contra

03 da categoria contrária.

A segunda trata da qualificação ou utilização da diversidade de controles, com uma

freqüência igual a 07. Trata dos motivos pelos quais os entrevistados crêem na sua importância, sob

seus diversos tipos. Nas opiniões colhidas, se percebem objetivos de liderança, comprometimento,

conhecimento e análise da realidade, definição de limites, organização e orientação. Como fica

claro, muitos e variados objetivos, mas com uma coisa em comum: todos validam a relação do

controle com uma certa manutenção da ordem instalada, para levar a cabo algo através dos

indivíduos, algo com o qual eles tendem a concordar em grande medida e que serviria de arcabouço

na luta contra uma dimensão que se representa pela diversidade de perspectivas, ou a insegurança

inicial, com, respectivamente 02 e 01 respostas.

Para Foucault (1988), o poder emana da subjetivação dos indivíduos, de suas atividades e

sua subjetivação. Desta forma, se descortinam amarrações da análise da necessidade de artifícios de

controle com alguns pontos principais do método de exame das relações de poder delimitadas pelo

autor:

O poder se exerce através de diversos pontos: visível e ressaltado na averiguação

das respostas dos cooperados, pois deixam claro que este serviria para liderar,

comprometer, conhecer e analisar a realidade, definir limites, organizar e orientar;

É imanente e produtor de uma subjetividade, pois faz parte do cotidiano dos

indivíduos;

Tem uma estreita relação com os próprios submetidos, uma vez é validado nas

diversas afirmações dos cooperados. Gera uma linha de força que pode se originar

de heterogeneidades, mas tem no fundo um efeito hegemônico e homogeneizador:

a percepção de um objetivo comum;

100

Onde habita o poder, ocorre a resistência, como se observa nos discursos dos

sujeitos que acreditam na não necessidade dos controles, mas sim na liberdade dos

cooperados;

O controle perpassa toda uma série de formatos de ação, que desembocam na

subjetivação mais completa e anexa ao mesmo. O controle tende à disciplina, formato da última

classe obtida das respostas positivas, com 02 ilações: o autocontrole, que define uma possível

introjeção dos controles, sua percepção enquanto ideal: um disciplinamento em prol

desenvolvimento coletivo, com 01 afirmativa. Mas não seria esse o objetivo do controle? A

disciplina?

Essas organizações sociais são perpassadas por relações de dominação e controle de

comportamentos. Entretanto, é importante ressaltar que a submissão não denota uma relação

simplista do tipo “dominador dominado”, não apela para diferenciação dos indivíduos ou mesmo

seu crescimento em termos de valor social. A sujeição a determinados artifícios institucionais não é

um traço do individualismo e sim do coletivismo horizontal, pois como define Gouveia (2003), a

horizontalidade da orientação, “no caso dos coletivistas, traduz-se no sentido de servir aos outros,

fazer sacrifícios em benefício do seu próprio grupo de pertença e cumprir suas obrigações impostas

como normas sociais. (GOUVEIA, 2003, p. 225).

Uma vez que o poder acontece nas relações entre os sujeitos da cooperativa, se torna

relevante o aprofundamento das análises. Isso foi objetivado na tabela 08:

101

TABELA 08

RELAÇÃO ENTRE COOPERADOS

Cooperados

Relação entre cooperados

Bom relacionamento

É boa sim;

Tá muito bem relacionado hoje;

06

Afetividade

Uma relação amistosa, amigável;

Todo mundo olha na cara a cara...;

É bastante amigo, uma preocupa com a outra;

Eu gosto muito das cooperadas.

04

Diversidade de perspectivas atual

Todo o grupo tem alguns (...) mais juntos, outros(...) mais

afastados;

É só uma, assim, no caso, assim... que agente num se dá bem;

existe alguns... umas discussãozinha;

É mentira falar que é 100%... é mentira;

04

Diversidade de perspectivas inicial

No primeiro momento dá aquele impacto de concorrência;

40% dos cooperados estão muito bem... os demais evadiram;

hoje, não. Antes tinha. (...)Por causa da diretoria.

Os outros 10% é interesse próprio; é boa.

04

Noção de participação

Nós deixamos essa parte da, da concorrência e passamos a ver o

cooperado como um aliado, como um companheiro;

90% cooperativismo mesmo, cooperando um com o outro;

Todo mundo unido, todo mundo trabalhando...;

Quando se identificam, (...)deixamos essa parte da,concorrência;

04

Noção de familiaridade

Alguns momentos até agente sente até de uma certa irmandade;

já ta mais com um tipo de irmandade...;

eu me sinto numa família...

03

Preponderância coletiva

Eu não sou nada... então eu tenho que inspirar no outro;

Nós procuramos fazer assim, entender todo mundo;

02

Fonte: Dados da pesquisa

As relações entre os indivíduos, como denotado pela recorrência de 06 respostas, é boa.

Mas nem sempre foi assim, como mostram as 04 afirmativas da diversidade de perspectivas inicial

e, em alguma medida, é perpassada por diversidades atuais, como deixam claro os 04 respondentes

que apontaram esta categoria. Os cooperados conectam de forma nítida, uma possível má relação

com as diversidades entre as pessoas.

102

Independentemente, porém, as relações são transcorridas em grande medida pela

afetividade, noção de participação e familiaridade, com 04, 04 e 03 afirmativas respectivamente.

Definem, portanto uma preponderância coletiva das relações, mesmo que esta categoria tenha

diretamente 02 inclusões apontadas.

Para além de uma discussão dicotômica entre preponderâncias individuais e coletivas,

observa-se nessas análises o atributo horizontal, uma vez que

No caso do individualismo, em função da alta liberdade e igualdade que estas

experimentam, constrói-se um eu independente, mas não diferente dos demais membros da sua cultura. Em outras palavras, as pessoas que se orientam pelo

individualismo horizontal querem ser distintas dos grupos. Em relação ao

coletivismo, contempla-se uma baixa liberdade, porém alta igualdade, explicando o

motivo de um eu interdependente e compartilhado com os demais membros da sociedade. Assim, as pessoas se vêem como sendo similares às outras, enfatizam

objetivos comuns com os outros, mas, todavia, não são submetidas facilmente à

autoridade (GOUVEIA, 2003, p. 225).

Esta afirmativa foi melhor ponderada pelas afirmações colhidas no ponto seguinte, que

realizou uma investigação direta sobre a necessidade de todos os cooperados receberem um

tratamento igualitário.

Considera-se para esta, a questão 09, que gerou a tabela com a mesma numeração.

103

TABELA 09

NECESSIDADE DE TRATAMENTO IGUALITÁRIO

Cooperados

Necessidades de tratamento igualitário

Necessidade de tratamento igualitário

Devem, com certeza;

Independentemente (...) todos tratados de maneira igual;

a presidente não que é a dona... é só a presidente e a tesoureira é

só a tesoureira;

sim, porque se não receber igual acaba criando diafazença;

por ser ser humano... todo mundo tem que ser respeitado;

num to pra falar assim 100%, mas deve ser;

11

Diversidade de perspectivas atual

Agente manda os comunicados e não comparecem;

Não existe ninguém igualmente igual, pensamento igual(...);

Só que não ganha igual (...) cada um tem um ritmo de trabalho;

Nem sempre assim acontece assim por geral;

área nenhuma que eu falar eu to mentino, que... sempre tem um

atrito né...;

05

Efetividade do tratamento igualitário

Eu acredito que acontece;

É eu acredito que é todo mundo igual;

E é tanto que até a questão de pagamento (...), o valor é o mesmo;

Todos são tratados de uma forma legal;

05

Ajustes do grupo para a preponderância coletiva

sempre tem um rerezim, agente (...)procura por no lugar certo;

sempre tem um atrito né... que desde que seja recuperado né.

02

Autocontrole

a responsabilidade eu jogo na mão de todo mundo;

então todo mundo tem que trabalhar legal.

02

Noção de compartilhamento

tudo o que acontece dentro da cooperativa é levado ao

conhecimento de todos;

falo vocês são os donos, se vira...

02

Noção de propriedade

Vocês são dono;

todo mundo é mesmo dono, né?

02

Interesse comum

Todo mundo ta trabalhando no mesmo sentido; 01

Fonte: Dados da pesquisa

11 respostas deixam clara a necessidade de tratamento igualitário. Ressaltam essa alta

relevância, mesmo diante das hierarquias funcionais, para não acontecerem conflitos ou mesmo

para que sejam respeitados por serem pessoas. Esta categoria é conectada com a efetividade do

104

tratamento igualitário, que com 05 afirmativas, mostra a prática de um ideal solidário,

exemplificada pelos valores financeiros recebidos.

Existem ligações ainda, entre as duas categorias perceptíveis na tabela 09 e citadas

anteriormente, com as posteriores de: autocontrole, que define a existência não só de direitos como

de deveres comuns para com os bens da cooperativa; noção de compartilhamento, que demonstra

determinado esforço em partilhar informações e deveres; interesse comum, definidor de uma

orientação única, um ideal construído entre os indivíduos. Estas categorias tiveram uma após a

outra, 02, 02 e 01 entradas.

Contraditoriamente, entretanto, a categoria diversidade de perspectivas atual demonstra

comportamentos dos cooperados que se mostram diferenciados mesmo diante de tratamentos

igualitários. Com 05 afirmativas mostra diferenciações em relação a ritmo de trabalho, pensamentos

e comportamentos, e ligações com conflitos. Seriam mediados então pelas características de ajustes

coletivos para a preponderância coletiva, que tratam dos métodos utilizados para contornar os

conflitos; o autocontrole, noção de compartilhamento e propriedade, que evidenciam a necessidade

de responsabilidade para atingir as expectativas do grupo.

Todos se mostram valores horizontalizados, como demonstra Gouveia (2003).

Diferenciam no grupo, mas sem hierarquizar os indivíduos. Entretanto, antes de declarar a

inexistência ou mesmo a sujeição dos aspectos verticais, que são presentes também nas análises do

autor, é importante verificar a pergunta seguinte, que analisa o valor do trabalho, além do interesse

de crescimento dos sujeitos da pesquisa. Investiga seu interesse um prestígio perceptível como

delimita Velho (1999) ou por alguma ascensão, como define Gouveia(2003).

105

TABELA 10

VALOR DO TRABALHO INDIVIDUAL E INTERESSE POR CRESCIMENTO

(Continua)

Cooperados

Valor do trabalho e interesse por crescimento

Efetividade do tratamento igualitário

O trabalho de cada um? É igual. Tem o mesmo valor;

Tem que distinguir áreas, mas o valor comum dentro da

cooperativa é único;

Por parte da cooperativa sim;

Tem, apesar de que agente espera que eles trabalhassem mais;

Dos que trabalham direito na cooperativa, sim;

Da presidente ante a pregadeira de Butão pra mim é...

08

Desinteresse pelo crescimento hierárquico

Ah.. não, não, não;

De exercer outro cargo, não;

Uma porque eu não tenho leitura, outra que eu não sou de falar...;

querem me por na presidência, mas eu que não quis;

05

Efetividade do tratamento diferenciado

É lógico que você tem que distinguir áreas;

Quem faz coisa mais difícil, é mais valorizado;

Nem tudo...;

Nem sempre, porque uns tem assim, mais dificuldade;

04

Necessidade de tratamento igualitário

Até certa altura você tem que considerar valores iguais;

Elas cobra muito, que quer ser tratada igual;

Tem sim;

03

Diversidade de perspectivas

Talvez os próprios cooperados podem até não dar um ao outro o

mesmo tratamento devido;

agente espera que (...) trabalhassem mais e eles num trabalha, né?;

uns tem assim, mais dificuldade,(..). outros sabe mais, (...)

03

Interesse pelo crescimento da valoração individual

A intenção é ta crescendo...;

Eu não posso ser presente, mas futuramente(...);

Quem faz coisa mais difícil, é mais valorizado;

03

Aprendizado

eu sempre procuro assim, aprender coisas novas e assim...

aprender mais... na minha parte;

Eu quero aprender mais (...) eu quero conhecer mais inovação;

02

Interesse pelo tipo de trabalho específico

Satisfeito com a posição, pelo fato de estar em um posto ali...;

Eu quero lapidar mais(...) eu gosto da área de (...)captar contatos;

02

Noção de complementaridade

Cada um na sua função, na sua área;

Porque um depende do outro.

02

Desenvolvimento coletivo

Eu quero que a cooperativa cresça em termos de venda, em

termos de contatos, parcerias, cursos;

Buscando melhores... para a cooperativa.

02

Fonte: Dados da pesquisa

106

TABELA 10

VALOR DO TRABALHO INDIVIDUAL E INTERESSE POR CRESCIMENTO

(Conclusão)

Cooperados

Valor do trabalho e interesse por crescimento

Noção de familiaridade

a cooperativa, agente fala sempre que é formada de pessoas, de

seres humanos, né, de famílias.

01

Noção de participação

Etão tem que ter a união de todos, senão... 01

Fonte: Dados da pesquisa

Por meio da tabela 10, se percebe inicialmente um reforço no valor coletivista horizontal,

que, como define Triandis (1995)48

apud Gouveia (2003), é cooperativo. Pois como se percebe são

08 respostas tratando da efetividade de um tratamento igualitário e 03 tratando de uma necessidade

desse tratamento. Além da definição de uma necessidade (clara por categorias como a noção de

familiaridade e participação com 01 resposta e outras com 02 declarações como o desenvolvimento

coletivo e noção de complementaridade) uma efetividade, ilustrada pelas 05 ilações a respeito do

desinteresse pelo crescimento hierárquico.

Uma idealização e seu cumprimento, todavia, que não podem ser vistas como

perspectivas únicas, pois demonstram esta diferenciação através de 03 respostas referentes a

diversidades de perspectivas, claras para alguns no trato ou no comportamento dos mesmos.

Ocorrem ainda 03 interessados diretamente no próprio crescimento ou ascenção, que definem uma

clara verticalização, definida na relação entre a atribuição vertical tratada por Gouveia (2003) e a

ascensão definida por Velho (1999): ambas tratam de uma mudança de atribuição de valor do

individuo na sociedade. Assim, o indivíduo poderia ascender socialmente e teria uma atribuição

hierárquica mais positiva que o posto ocupado anteriormente pelo mesmo. No mesmo sentido, a

pessoa pode ter uma atribuição hierárquica negativa, se decrescer para um degrau social

hierarquicamente inferior. Este critério denota uma dimensão “quantitativa” da posição individual.

Nesta medida, as pessoas podem crescer individualmente, recobrindo-se de prestígio ou

48 Triandis, H. C. Individualism and collectivism. Boulder, CO: Westview Press, 1995.

107

ascendência: valores que estão nitidamente conectados ao labor, quem trabalha melhor, quem faz

mais, que está em um cargo mais alto. Nesta medida, o aprendizado, representado também pela sua

ligação ao trabalho, contribui para o individualismo.

Neste sentido fica evidenciada a existência de valores individualistas verticais.

Entretanto, não deixa clara a possibilidade de um coletivismo vertical, definido por um sujeito

cumpridor por Triandis49

(1995) apud Gouveia (2003). Para tanto, foi perguntado aos entrevistados

sobre a necessidade de pessoas hierarquicamente superiores e além dessa possibilidade, se diante da

mesma, os cooperados se submeteriam com tranqüilidade. Os resultados podem ser observados pela

tabela 11.

TABELA 11

NECESSIDADE DA HIERARQUIA E SUBMISSÃO DO COOPERADO

(Continua)

Cooperados

Necessidade da hierarquia e submissão

Funcionalização da liderança

Nesse momento a secretária tão correndo atrás de nosso interesso;

E eles fala é ce fez bem, e tal em ter feito aquilo;

Tem que ter uma pessoa responsável, né, pela conta... tem que ter

é... ele tem que ter responsabilidade de ir pras feira buscar cursos,

né...;

Não é um processo de ditadura, mas é um processo de

organização, de ter alguém para orientar a definição dos

objetivos;

Não pra dominar, isso não é intenção;

Uma que é lei, outra que é necessário;

Porque tem uma conta bancária que num pode qualquer um

assinar;

Tem a necessidade de um corpo diretivo, né, para direcionar;

O ser humano, ele olha muito pra si próprio. E se agente não tiver

um direcionamento, uma concordância, um pouco...;

Presidente. Isso aí só quer dizer que você tem mais

responsabilidade, mais compromissos;

Precisa, pra, coordenar;

12

Fonte: Dados da pesquisa

49 Triandis, H. C. Individualism and collectivism. Boulder, CO: Westview Press, 1995.

108

TABELA 11

NECESSIDADE DA HIERARQUIA E SUBMISSÃO DO COOPERADO

(Continua)

Cooperados

Necessidade da hierarquia e submissão

Necessidade de hierarquia ou liderança

Tem que ter. Porque sem cabeça, né, órgão nenhum vai pra frente;

Sim. A hierarquia deve existir em todo e qualquer lugar;

Hoje se você não tem hierarquia, vira uma anarquia;

Esta semana mesmo eu tive necessidade de uma pessoa assim;

Eu acredito que sim;

11

Características da liderança

Então isso num é dizer que vai por pressão;

É uma pessoa de comando que, tudo ela resolve;

Tem mais responsabilidade, mais compromissos, mas estando na

igualidade com todos os cooperados;

Compreende as pessoas;

tem uns que chega assim querendo... num tem assim, forma de

falar, então a pessoa num quer aceitar;

É bom até fazer um rodízio.

07

Diversidade de perspectivas entre líder e liderados

Há pessoas que discordam, né, inclusive das, da maioria;

Se essa aceitação de liderança acontecesse 100% entre os

cooperados, eles estariam hoje na cooperativa;

Nem tudo... nem todas questões que elas...50

;

Num tem assim, forma de falar, então a pessoa num quer aceitar.

Tem umas pessoas que num aceita. Ai começa a discutir, então.

Eu não gosto de líder, mas uma pessoa assim, normal, que atende

tudo e faz...

06

Submissão à autoridade

Acho que mesmo na cooperativa, (...), até uma certa obediência;

Mas elas obedece (...) mas ela aceita;

Aceita, porque eles não dão conta;

Eles tem assim... tem mais respeito com agente e num questiona;

Aceita. Todo mundo concorda.

05

Diversidade de perspectivas atual

para 25 associados você tem 5 que discordam 20 que

concordam...;

de vez em quando aparece uma coisa que nem todos tem a mesma

aceitação.

03

Aprendizado enquanto líder

Aprendi coisa que eu jamais imaginaria que iria aprender. 01

Afetividade

Mas só... só naquela hora também. Passou, todo mundo é amigo...

que num gosta de ser mandado, num gosta de ser repreendido.

01

Fonte: Dados da pesquisa

50 Entrevistada nervosa e com receio de responder à questão. Gestualmente indicou a sua contrariedade à liderança

atual, o que foi anotado no caderno de observações do pesquisador.

109

TABELA 11

NECESSIDADE DA HIERARQUIA E SUBMISSÃO DO COOPERADO

(Conclusão)

Cooperados

Necessidade da hierarquia e submissão

Noção de propriedade

eu e Liete, nós num é dono de nada, se nós num tiver aqui, aí nada

resolve? Será que é assim, sendo que todas são donas?

01

Necessidade de reuniões

ce fizer qualquer coisa aqui e não avisar em reunião o pau

moi...ah... cês fica fazendo as coisa por conta sua...

01

Fonte: Dados da pesquisa

Como é possível observar na tabela 11, o tema relativo à liderança ou hierarquia é

rebuscado de perspectivas. A tabela inicia-se com a necessidade de hierar quia ou liderança e sua

funcionalização da liderança, com respectivamente 11 e 12 respostas. A primeira indica a

quantidade de afirmativas positivas para um imperativo da liderança ou hierarquia e a segunda,

quais funções os cooperados acreditam que deve existir para a liderança.

Além dos sujeitos de pesquisa afirmarem a necessidade da liderança, demonstraram

muitas de suas funções tornadas reais através de uma divisão do trabalho, que definiria quais papeis

são representados pelos indivíduos diante de cada posição, como as idéias de representação da

cooperativa e do grupo, de sua organização e direcionamento, além do atendimento a aspectos

normativos, definidos pelas regras da legislação à qual a entidade é subordinada. Mas alguns

aspectos da característica vão além de uma funcionalização do trabalho. Tratam de outras duas

dimensões: inicialmente, de como o líder deve manter uma coesão grupal, interferindo em conflitos

e reduzindo os interesses individuais. Em uma segunda abordagem, define quais são os métodos

legitimados pela coletividade, pelos quais deve exercer sua liderança. Torna-se clara a conexão das

características da liderança, com 07 respostas e sua funcionalização e necessidade.

Os cooperados legitimam a hierarquia, mas como demonstram suas alegações, não de

todas as formas. Os cooperados querem um líder que se perceba em vias de igualdade com os

110

demais, saiba que sua posição é passageira e que deve tentar compreender os interesses dos outros e

ainda, que se expresse de forma a manter o respeito que deve habitar a instituição.

Parece tênue o equilíbrio entre os agrupamentos da submissão dos cooperados e da

diversidade de perspectivas que têm com a liderança, uma vez que esta não é bem acolhida se não

validada pelo conjunto. A freqüência de ambas também é muito próxima, de 05 inferências da

primeira contra 06 da segunda. Transforma-se em algo ainda mais complexo analisar que entre os

próprios cooperados existe certa diversidade de perspectivas, demonstradas pelas 03 entradas dessa

categoria. O papel do líder para ser corroborado perpassa uma série de posturas flexíveis, pois

demandam adaptação, posto que têm métodos específicos de atuação.

Essas considerações abrem possibilidades para as outras categorias nas quais a tabela se

divide: afetividade; noção de propriedade; aprendizado; necessidade de reuniões, cada qual com 01

resposta constante. O líder deve ser capaz de aprender, envolver os indivíduos na perspectiva de que

são os verdadeiros donos da estrutura, conseguir se manter como amigo e realizar diversas reuniões

para dividir seu poder de decisão com os demais cooperados. Muitas e talvez contraditórias são as

posições necessárias para validação de uma posição hierarquizada nas instituições.

Uma dimensão emotiva transparece nessa relação complexa. Mas como demonstra Reis

(2003), em outros momentos da história, pelas fraturas, pode haver um esforço de racionalização, já

que os sentimentos contraditórios tendem a ser organizados de forma racional para que assim ocorra

de certa forma uma legitimação. Independentemente, fica nítida assim a existência de uma

dimensão coletivista verticalizada na análise. “(...)No caso dos coletivistas, traduz-se no sentido de

servir aos outros, fazer sacrifícios em benefício do seu próprio grupo de pertença e cumprir suas

obrigações impostas como normas sociais.” (GOUVEIA, 2003, p. 225).

Mas deixa claras as ligações concretas com uma dimensão horizontalizada do

coletivismo, já que a liderança é aceita, mas dentro de uma situação rebuscada, onde o próprio líder

deve se observar enquanto igual, ou seja,

111

contempla-se uma baixa liberdade, porém alta igualdade, explicando o motivo de um eu interdependente e compartilhado com os demais membros da sociedade.

Assim, as pessoas se vêem como sendo similares às outras, enfatizam objetivos

comuns com os outros, mas, todavia, não são submetidas facilmente à autoridade

(GOUVEIA, 2003, p. 225).

Assim emerge a figura do líder na cooperativa, mas dentro de um grupo de valorações às

quais deve se submeter. É importante perceber que valorações positivas para a liderança, também

podem ser visto em um contexto vertical de individualismo, onde as pessoas competiriam pelo

crescimento. E este foi o intuito da questão de número 12: verificar uma possível competição

interna à cooperativa para, a partir dali, criar ilações com uma possível verticalidade também

individualista. As respostas a esta questão deram origem a tabela 12.

TABELA 12

EXISTENCIA E INTERESSE DOS COOPERADOS PELA COMPETIÇÃO.

(Continua)

Cooperados

Existência e interesse pela competição

Características da competição

Ai, era mais gente, era um... vixe... era uma competição mesmo;

Quando tinha um número maior, então...;

Ficou muito pouca gente, então num dá pra eles querer competir;

Quer ser assim, melhor que a outra, quer fazer melhor que a outra;

Tinha aquela competitividade, quem fazia mais, quem fazia mais

rápido, quem ia ta... mas agente tinha aquela influência de ganhar, né...;

é por causa mesmo da forma de trabalho, porque pagava pelo...;

umas que competir, quer ser assim, melhor que a outra, quer fazer

melhor que a outra, mas existe;

achar que o dele é sempre melhor que do outro, né;

Até certo ponto, não é, parcialmente, tudo na vida tem que ter

competição, mas é como eu disse: com respeito;

pra o bem da cooperativa eu procuro competir;

que num é 100% que quer competir pra fazer a coisa assim, igual

assim...as vezes, mes que que, mas tem vez que discuida;

era só uma briga...;

sempre há uma competição mas de forma sadia;

15

Fonte: Dados da pesquisa

112

TABELA 12

EXISTENCIA E INTERESSE DOS COOPERADOS PELA COMPETIÇÃO.

(Conclusão)

Cooperados

Existência e interesse pela competição

Inexistência de competição

Não. Acredito que não. Inicialmente sim né;

Hoje não temos nenhum tipo de competição interna por parte de

nenhum dos cooperados, mais ligados diretamente, intimamente

Eu acho que aqui nessa cooperativa não...;

Pelo menos no grupo que está aqui, ainda não;

Já competiu muito, hoje, não;

Aqui tem muita poucas pessoas...num tem competição aqui não;

Não. Hoje não;

Não. Hoje não. Tudo trabalha assim, numa boa;

Ah, ultimamente não... assim, antes tinha;

Ó... agora, no momento, eu acho que não tem.

11

Existência de competição

Compete. Com certeza, não é...;

Existe.Eu vou falar por mim...é...;

Inda tem um pouquinho ainda;

Existe. Existe. É o que mais tem.

04

Tentativa de eliminação da competição

Tem visão de pessoas que faz, agente quer tirar, mas a pessoa já é

velha...;

Então agente sempre tentou trabalhar isso aí, é, tirar essa idéia da

cabeça dos meninos.

02

Valorização do coletivo

Sei que eu desenvolvo um papel melhor, mas eu não me sinto,

que eu sempre eu to ajudando (...) pra elas ficá igualzinha a eu;

O meu companheiro pode ganhar, mas o trabalho que vai sair lá

fora é o trabalho da entidade, e não meu trabalho pessoal.

02

Auto-realização

Já era um sonho, então na primeira reunião eu já fui. 01

Fonte: Dados da pesquisa

Por meio da tabela 12, fica clara uma dimensão temporal da competição. 11 relatos

somam afirmativas nesse sentido. Demonstram que existiu uma competição muito grande nas fases

iniciais da cooperativa, e que esta competição encontra resistências relacionadas à quantidade de

pessoas como também sua proximidade. Os indivíduos se encontrariam conectados agora de forma

mais íntima. Estas afirmativas são contrárias ao que seria “em suma, liberdade face ao dever de

contribuir para a vida cotidiana, e a perpetuação da comunidade” (BAUMAN, 1999, p.16). Dessa

maneira, enquanto intimamente conexos, os indivíduos se perceberiam em um lócus onde se

113

encontram diferentemente das definições de Velho (1999), como instancias de individualização, já

que, “quanto mais exposto estiver o autor a experiências diversificadas, quanto mais tiver que dar

conta do ethos e visões de mundo contrastantes, quanto menos fechada for sua rede de relação ao

nível do seu cotidiano, mais marcada será sua auto percepção de individualidade singular” (Velho,

1999 p. 32).

Os cooperados se percebem próximos, pois tem uma rede de relações que é forte, que

desestimula a competição. Paradoxalmente, entretanto (e mesmo que a categoria tentativa de

eliminação da competição demonstre 02 colocações nesse sentido), ela não foi eliminada ainda. E

04 colocações sobre a existência da competição corroboram esta afirmativa que fica mais

compreensível com as suas características, que com 15 ilações nas respostas dos cooperados,

demonstra que as pessoas podem se descuidar e se observarem com atitudes de concorrência.

A competição é conectada diretamente ao trabalho, quanto ao número de pessoas, sendo

que quanto mais pessoas maior a concorrência; ao próprio trabalho, no sentido de se fazer algo

melhor do que o outro; aspectos financeiros, para se obter ganhos maiores.

É também conectada a padrões negativos de comportamento, como a falta de respeito

pelo outro e alguma diferença existente entre pessoas, o que geraria um mau relacionamento. Mas

ambas as percepções são recobertas de atribuições negativas, o que fica mais evidente pela não

intenção de crescimento hierárquico da maior parte dos cooperados. O grupo demonstra pelas suas

relações e valores, quais os tipos de atitudes são interessantes. Funciona como uma bússola, que

orienta as pessoas em relação a quais caminhos trilhar.

As valorações negativas afirmam, portanto, uma desconexão com o individualismo

vertical, já que neste sentido, seria

(...)dada máxima importância ao sentido de liberdade, definindo uma típica

democracia de mercado. As pessoas que seguem esta orientação querem ser distintas, adquirindo status social. Fazem isso geralmente em competições com os

outros.(GOUVEIA, 2003, p. 225).

114

Paradoxalmente, no entanto, existem competições, mesmo que frutos de algum descuido

ou quando estão orientadas para um bem comum. Assim mostra-se preponderante o papel do grupo

na orientação, na definição, na demonstração das escalas, caminhos e esferas que o individuo deve

passar.

Mas quais são as táticas do grupo para se manter coeso e unido, diante de sua realidade?

Como se manter em meio a uma sociedade capitalista, que parece reforçar elementos contrários?

Qual é a estratégia para se manter cooperativista? Estas são as respostas buscadas na questão 13,

que deu base para a tabela 13.

TABELA 13

ESTRATÉGIAS COOPERATIVISTAS

(Continua)

Cooperados

Estratégias cooperativistas

Sacrifício e persistência

Insistência demais... o povo é insistente;

Outros afastaram(...) tamos aqui, na marretinha oh51

...Batalhando;

Lutou por ela... os cooperados;

Nós lutamos, ficamos, sofremos, passamos vergonha;

Eu acredito que nós fomos guerreiras;

ficamos lá no fundo do poço, mas pelejamos, lutamos, lutamos

até saímos.

Eu acho que todo mundo gosta de ser desafiado,cê num acha?;

Já engolimos muita coisa (...) tamo preparado pra enfrentar mais;

10

Aspectos financeiros

Você consegue agariar recursos, fundos, trabalhando junto;

Trabalhando sem receber um centavo, pra pagar conta que nos não fizemos;

Um ponto certo, pra gente ficar sem pagar o aluguel;

Cada uma juntasse uma porção de dinheiro pra gente tentar com

um capital de giro;

04

Valorização do coletivo

Acho que temos que dar as mãos mesmo e seguir juntos;

Tem que ter muita união;

Pra que desse pra todas é... conseguir aquilo que deseja;

Primeiro, trabalhar a coletividade.

04

Fonte: Dados da pesquisa

51 Foi anotada no caderno de observações do pesquisador uma comunicação não verbal, realizada através de gestos de

golpes e batidas das mãos do sujeito de pesquisa, com intensidade, reforçando a relevância da informação.

115

TABELA 13

ESTRATÉGIAS COOPERATIVISTAS

(Conclusão)

Cooperados

Estratégias cooperativistas

Desenvolvimento coletivo

É pensar no desenvolvimento, no crescimento de forma integrada,

de forma sustentável;

Temos que dar as mãos mesmo e seguir juntos. Par com par;

Junto a força é maior.

03

Órganismos governamentais

E pelo menos uma ajuda assim do prefeito...;

Um apoio dos próprios governantes, mas, agente faz parte de uma

cooperativa, por mais que agente vê muito incentivo, muito

projeto, mas há uma burocracia, uma dificuldade;

Um sonho (...)também é desvincular a cooperativa de prefeitura.

03

Interesse comum

Ela tem que ter um único objetivo, né...;

A cooperativa tem que fazer um grupo de mulheres e todas querer

a mesma coisa;

02

Necessidade de bases

Eu aconselharia pra ter pé no chão (...) quando começar;

Uma cooperativa, pra ela existir, eu acho que ela tem que... agente

tem que começar com os pés no chão.

02

Divisão do trabalho

Ter duas ou três cortadeira que eu acho que agente nunca pode ter

um só... nós precisamos de ter várias costureiras... e cada uma

com a sua habilidade...;

Tal cooperado poderia desenvolver muito mais pra essa área,

específica.

02

Atrelamento ao gênero feminino

Muier é chata...hum... se fosse homem já tinha chutado o balde!;

A cooperativa tem que fazer um grupo de mulheres e todas querer

a mesma coisa.

02

Diversidade de perspectivas

Tem os “suga” aqueles que quer sugar... os que quer podar...;

E isso é difícil, porque cada um tem o objetivo diferente.

02

Aprendizado

Todos tem que ter qualificação, né... 01

Centralização do ser humano

ter o ser humano como principal foco da atividade. Porque as

outras empresas não é o ser humano é como o principal foco. O

principal foco ali é a continuidade daquele lucro que é projetado.

01

Necessidade de humildade

Eu acho que cooperativa é mais as pessoa mais humilde;(...) nem

questão de riqueza pobreza. Antigamente as competições era em

questão disso mesmo.

01

Noção de propriedade

Poque cooperativa é como se fosse uma empresa, um empresa de

vários donos.

01

Fonte: Dados da pesquisa

116

Fundamentado no exposto pela tabela 13, se percebem estratégias cooperativistas.

Podem-se citar conexões com organismos governamentais, e uma estruturação inicial, uma busca

por bases antes de começar com a cooperativa, com 03 e 02 respondentes.

A primeira categoria em freqüência no entanto, não trata destes dois agrupamentos, mas

sim de uma clara necessidade de sacrifício e persistência, mesmo diante de adversidades para uma

continuidade do intento cooperativista. Este agrupamento, com 10 respostas, mostra a conexão do

desígnio coletivista com uma realidade que, nas definições de alguns cooperados, “(...) tudo é

competitivo, concorrente (...)”(informação verbal). O escopo de uma guerra fica também nítido nos

formatos de expressão utilizados pelos indivíduos que precisam lutar, se sacrificar, serem guerreiros

para dar continuidade ao seu desígnio.

Contrariamente, ainda por meio das comunicações realizadas pelos entrevistados, esta

batalha é travada com um fito de desafio e de superação diante dos obstáculos. Portanto, as

percepções acontecem sob ângulos positivos e negativos, mas percebem para um futuro uma

tendência positiva. São ainda perpassadas por visões distintas em relação ao outro da disputa:

podem se referir a aspectos ambientais ou interiores, ou seja, a luta acontece entre cooperados e

tanto em ambiente externo quanto interno. A disputa poderia assim ser travada consigo e com o

outro, como elucidam as categorias diversidade de perspectivas e necessidade de humildade (02 e

01 entradas), uma vez que as pessoas deverão se adaptar aos interesses coletivos. Mas a percepção

de uma luta, também pode ser travada com sistema em que estão todos inseridos, como deixa clara

a afirmação relacionada a centralização do ser humano, que mostra a necessidade de uma mudança

de foco: do lucro para o ser humano.

Relevante perceber que uma centralização do individuo seria uma definição aproximada

de individualismo, mas o objetivo é a continuidade, a manutenção da cooperativa, - que insere os

indivíduos no sistema capitalista. A economia solidária seria, portanto, uma alternativa ao sistema

capitalista de produção – que para Singer (2008a), pressupõe a separação entre trabalho e posse dos

117

meios de produção– ao mesmo tempo em que se constitui numa parte dele. Busca a inserção dos

indivíduos e da cooperativa neste sistema, como evidenciam os aspectos financeiros, com 04

afirmativas. Nesse sentido, a ilação concernente à noção de propriedade, que define uma

cooperativa como “empresa de vários donos” (informação verbal), demonstra certa distorção que

esta cria dentro do capitalismo, mesmo estando no seu interior: se para a existência do capitalismo,

foi necessária a separação entre trabalho e capital, Singer (2008a), define as empresas solidárias

como a negação da separação entre trabalho e posse dos meios de produção, ou seja, o trabalho e o

capital “estão fundidos porque todos os que trabalham são proprietários da empresa e não há

proprietários que não trabalhem na empresa. E a propriedade da empresa é dividida por igual entre

todos os trabalhadores, para que todos tenham o mesmo poder de decisão sobre ela” (SINGER,

2008a, p. 4).

As definições da batalha têm ainda conexões com as valorizações coletivas e o interesse

comum (respectivamente com 04 e 02 afirmações), uma vez que estas categorias demonstram para

onde os objetivos apontam, bem como, quais os métodos deve se atribuir mais valor na intenção de

alcançá-los. Indica um esforço no sentido de orientar as pessoas por um intuito coletivo, que

subordinaria os interesses pessoais em preponderância. Uma estratégia de orientação dos indivíduos

como percebe Tocqueville (2000), corresponde à realização de boas ações sem interesse de receber

algo em troca diretamente, imediatamente. Assim, subordinando a necessidade imediata dos

indivíduos ao grupo, “a doutrina do bem compreendido não produz grandes devoções, mas sugere

todos os dias pequenos sacrifícios” (TOCQUEVILLE, 2000, p. 147).

É significante também perceber que pela leitura evidenciada, existe uma competição,

que é uma das extensões do individualismo vertical, conforme percebe Gouveia (2003), mas por

esta via, se alinha com uma noção de desenvolvimento coletivo, evidenciada pelas 03 respostas

coletadas, num intuito coletivista. O grupo não parece se encaixar em alguma categoria coletivista,

uma vez que não busca uma simples equalização dos membros, muito menos em uma dimensão

118

individualista, pois perpassada de uma doutrina de bem compreendido, que tem que ser concebida

coletivamente.

Essa “não adequação” fica ainda mais clara com sua conexão com o aprendizado, pois

deixa claro que todos devem se qualificar para buscar um bem comum ao mesmo tempo que se

diferenciam pela divisão do trabalho requerida para o desenvolvimento individual, em áreas

específicas. Conceitos trabalhados por Durkheim (1999) como de solidariedade, sendo a mecânica

aquela que liga o individuo diretamente ao grupo devido a similitudes, e a mecânica outra, que cria

relação de dependência do individuo com as partes que compõe a sociedade através da

especialização e divisão do trabalho.

Mas denota um entre termos, uma terceira dimensão além das análises horizontais ou

verticais. São diferentes, mas devem buscar objetivos comuns, competem por um crescimento

hierárquico, uma valorização comum, para o grupo. Indica amarrações entre as categorias em

alguma medida dicotômicas: individualismo e coletivismo. Mas o realiza através da distorção que é

realizada pela economia solidária no continuum capitalista.

7 CONCLUSÃO

As relações entre individualismo, capitalismo e coletivismo dentro de organismos

cooperativistas do município de Salinas, Minas Gerais se mostraram complexas.

As cooperativas se traduzem efetivamente enquanto uma possibilidade de inserção das

pessoas em um sistema contrário. Refletem-se e recebem muita importância por parte dos

cooperados individualmente, em função das muitas considerações a respeito da importância

financeira que representam.

Entretanto, a perspectiva monetária, também clara nessa apresentação, não é a única. Os

indivíduos nas cooperativas são perpassados por uma gama de outros valores, como o apego ao

local, a afetividade que sentem pelos parceiros. São ainda, nitidamente interessados em um ideal de

crescimento coletivo, fato ligado ao apego pelo local. Demonstra que as perspectivas tratadas por

autores como Bauman (1999) e Arendt (1989), que versam uma desconexão face a deveres e

obrigações grupais ou mesmo a locais específicos, neste caso se torna incoerente. Os indivíduos

participantes são sim, ligados às cooperativas, a ponto de serem capazes de suportar a ausência de

repasses financeiros pelo seu trabalho, em prol de um interesse coletivo. Esse ponto mostra cortes

no continuum capitalista. A necessidade de capital existe, mas simplesmente, não é o único ponto a

ser considerado. Existe aqui, em determinados momentos, o bem comum apreendido definido em

Tocqueville (2000).

Também seria um erro, todavia, considerar os valores coletivistas como preponderantes

nesse caso. Não se pode chegar a uma definição simplista como essa, pelo fato de não se

apresentarem preponderâncias absolutas do coletivismo. Se houvesse realmente uma linha de onde

se percebem coletivismo e individualismo enquanto opostos, nesse caso a linha representaria uma

incoerente grafia de idas e vindas, entradas e retornos, onde suas pontas estão a uma distancia em

120

alguns momentos e outra em outros. Existe a hierarquia, mas a noção de igualdade, a diferenciação,

mas todo um arcabouço para conexão e aproximação dos indivíduos. Indica também uma dedicação

forte, que busca no seu arrolamento cotidiano a manutenção de formatações solidárias, ao mesmo

tempo em que procura instituir um modo de conexão do individuo no sistema ao qual se encontra

inserido.

As pessoas se avistam como parte de um grupo unido, que chega a interferir nas

percepções de realidade ou separação entre coletivo e individual, pois existem pessoas que falam

que são a cooperativa. É interessante perceber também que, por mais que os indivíduos estejam

ligados por fatores como um ideal comum, um crescimento coletivo, algum tipo de nexo pode ser

analisado pelo medo de se frustrar se saírem da instituição. Os indivíduos buscam uma realização

comum aos outros, ao mesmo tempo em que buscam sua auto-realização, seus objetivos pessoais.

Outros dois fatores demonstram a complexidade do tema: os artifícios de mediação das

diferentes perspectivas (claro também pela existência de competição, mesmo não tão fortes) e

interesse pelo crescimento (além da necessidade existência de líderes).

O primeiro mostra que não existem instrumentos de controle explicitamente definidos

como na empresa capitalista. Eles acontecem na interação entre os indivíduos e essa é estimulada

constantemente, pelas reuniões, o cotidiano próximo, onde os ideais de familiaridade, coletividade,

igualdade são constantemente reforçados.

O segundo mostra uma necessidade da existência de líderes, mas ao mesmo tempo, um

controle relativamente grande sobre suas ações. O papel do líder para ser corroborado perpassa uma

série de posturas flexíveis, pois demandam adaptação, posto que tenha métodos específicos de

atuação, que são validados pelo grupo. É claro também o quanto que este deve interferir na

construção do ideal coletivo, enquanto mediador: o líder, ser individual e hierarquicamente

superior, deve reforçar o coletivismo nas cooperativas.

121

E assim se encontram os cooperados: indivíduos que lutam interna e externamente por

uma valorização maior, mas inicialmente do coletivo, para conseguir chegar na seu objetivo

pessoal.

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ANEXOS

Entrevista Pesquisa de Mestrado

I – Questões que orientarão a entrevista:

As questões de 1 a 5 visam a verificação da relevância da cooperativa diante do

cooperado, bem como a participação dos mesmos e sua noção de bem comum.

1) Qual a importância da cooperativa na sua vida? Por quê?

2) Como é a relação entre cooperativa e cooperado?

3) Entre interesses da cooperativa e individuais, quais têm sido preponderantes na sua vida?

4) Você já percebeu comportamentos dos cooperados que seriam incompatíveis com os valores

da cooperativa? Qual tipo de comportamento é mais freqüente: aqueles que levam primeiro

em consideração o individuo ou os que levam primeiro em consideração o grupo? Poderia

citar algum exemplo?

5) Você se sente parte da cooperativa? Porque?

As questões 6 e 7 visa a verificação dos valores ou instrumentos que levam a conexões

entre cooperados e cooperativa.

6) O que mantêm as pessoas ligadas à cooperativa? A cooperativa tem artifícios para conectar

as pessoas aos seus valores e interesses? Caso positivo, estes instrumentos são importantes?

7) É necessário algum controle sobre as intenções dos cooperados? Este controle é muito

importante?

A partir da questão 8 visa-se verificar valorização ou interesse dos cooperados em

cooperar ou serem similares aos outros e em se diferenciar e ser melhor que os outros.

8) Como é a relação entre cooperados?

9) Você acredita que todos os cooperados devem receber um tratamento igualitário?

10) O trabalho de todos os cooperados tem o mesmo valor para a cooperativa? Caso negativo:

você deseja crescer na cooperativa?

11) Existe a necessidade de pessoas hierarquicamente superiores? Diante da necessidade, os

cooperados se submeteriam com tranqüilidade à autoridade dos mesmos?

12) Existe alguma competição interna à cooperativa? Você compete por alguma coisa? E os

outros cooperados?

13) Como você definiria a estratégia para ser cooperativista?