FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS AMÉRICO, Jonas Eduardo. Rio … · E como eu sou de Jaú e a minha...

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. AMÉRICO, Jonas Eduardo. Jonas Eduardo Américo (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC, 2012. 75 pg. JONAS EDUARDO AMÉRICO (depoimento, 2011) Rio de Janeiro 2012

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

AMÉRICO, Jonas Eduardo. Jonas Eduardo Américo (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC, 2012. 75 pg.

JONAS EDUARDO AMÉRICO (depoimento, 2011)

Rio de Janeiro 2012

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Nome do entrevistado: Jonas Eduardo Américo (Edu)

Local da entrevista: Santos, São Paulo

Data da entrevista: 22 de setembro de 2011

Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo

de entrevistas em História Oral.

Entrevistadores: Fernando Henrique Herculiani (CPDOC/FGV), Clarissa Batalha (Museu

do Futebol) e José Carlos Asbeg (Museu Do Futebol).

Transcrição: Fernanda de Souza Antunes

Data da transcrição: 16 de dezembro de 2011

Conferência da Transcrição: Maíra Poleto Mielli

Data da Conferência: 09 de abril de 2011 ** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Jonas Eduardo Américo em 22/09/2011. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.

F. H. – Edu, primeiro muito obrigado por você receber a gente realmente, receber

onde você mora, aceitar o nosso convite de depoimento. A gente fica muito feliz né, porque

é um projeto que visa entrevistar todo mundo que jogou Copa do Mundo, ter toda a

entrevista da história de vida de todas essas pessoas, então muito obrigado primeiramente.

J. A. – Eu é que agradeço a vocês né, por darem essa oportunidade, porque

realmente as coisas aqui nesse país, você sabe que o pessoal tem - dizem e eu acredito que

seja verdade né - memória curta, então com esses projetos, com essas coisas de vocês, com

certeza isso vai nos eternizar.

F. H. – Edu, inicialmente a gente pede que você fale o seu nome, onde você nasceu,

quando você nasceu, para a gente recuperar lá atrás.

J. A. – Nasci em Jaú, dia seis de agosto de 1949, tive, por exemplo, uma infância

assim tranqüila, graças a Deus. Meus pais ainda tinham um pouquinho de condições, e tive

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oportunidade de estudar em colégio de padre, então quer dizer, uma juventude, assim, mais

ou menos, uma juventude não, uma infância mais ou menos tranqüila.

F. H. – O que os seus pais faziam, eles trabalhavam?

J. A. – Meu pai jogava futebol, meu pai jogou futebol, era alfaiate e tal, agora minha

mãe já era professora, inclusive professora de piano, que naquela época é muito difícil uma

pessoa negra, professora de piano, então era meio complicado. Então, quer dizer, nós

tínhamos já uma condição um pouquinho melhor, temos até hoje um sitio. Então, quer dizer

que, papai ai se defendia, e mamãe também dava pra arrumar algum... .

F. H. – E a sua família então era sua mãe, seu pai, lá em Jaú, você...

J. A. – É então, nós somos uma família de seis, éramos seis, infelizmente o meu

irmão mais velho faleceu. Também jogou futebol, jogou no Guarani, teve uma rápida

passagem pelo Flamengo. Meu irmão, três irmãs, e mais um irmão, então papai trabalhou

bem. É um irmão, uma irmã, um irmão, uma irmã, eu e uma irmã. Um e um, um e um, um e

um. Mas foi legal, tranqüilo, minhas irmãs também todas elas formadas, como eu também.

Então, quer dizer, deu para a gente fazer uma coisa assim muito legal, por ser uma família

assim bem unida também, entendeu?

C. B. – Você falou que seu pai era alfaiate? E ele aprendeu isso com quem, o pai

dele era também?

F. H. – E sua mãe professora de piano, não é?

J. A. – É então, papai eu não sei com quem ele aprendeu, sei que ele aprendeu a

costurar, e fazia né, suas roupas, seus ternos, e além disso jogava, jogou no Quinze de Jaú,

e era ponta esquerda. Então, acho que eu herdei um pouquinho da característica dele,

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porque em Jaú ele é muito conhecido, todo mundo diz que ele jogou muita bola, então acho

que eu peguei um pouquinho dele.

F. H. – E você tem lembranças desse época de Jaú, você estudava, como que era,

onde vocês moravam? Como era a vida em Jaú?

J. A. – Tenho lembrança porque também vim para cá com quinze anos, passei mais

ou menos toda a minha infância lá. Então, ia para o colégio, estudava, depois do colégio às

vezes tinha aulas de inglês, porque mamãe queria que alguém falasse um outro idioma,

então nós éramos, por exemplo, uma classe de negros mais ou menos diferenciada,

entendeu? Papai tinha carro, naquela época era muito mais difícil, então já era uma coisa

assim bem diferente né. Eu tinha, inclusive, aula particular de inglês, onde aprendi alguma

coisa, estudava e jogava, e nesse meio tempo então tinha as olimpíadas estudantis, jogos

estudantis e tal, e eu sempre me destaquei no futsal. Isso me deu muita condição, muita

habilidade para que depois eu, no campo, pudesse executar com mais facilidade, só que eu

joguei futsal até os doze, treze anos, e depois parei, e já me dediquei mais ao campo, que é

a minha praia mesmo.

J. C. – A sua família, seu pai sendo alfaiate, sua mãe sendo professora de piano, eles

não vislumbravam uma outra carreira para você, ou eles aceitaram bem o futebol, embora

seu pai jogasse, seu irmão mais velho jogasse, eles fizeram alguma restrição?

J. A. – Com certeza, qualquer mãe faria na época, até porque na época jogador de

futebol era tido como um marginal, um vagabundo, que não gostava de trabalhar, então não

entendiam bem o que era a profissão de jogador de futebol, então teve esse problema sim.

Em casa, eu me lembro, apesar do meu pai ter jogado, então eu me lembro das brigas entre

papai e mamãe por eu querer jogar futebol, e ela achando que eu ia deixar os estudos, mas

não, eu continuei jogando e estudando. Quando eu vim para cá para o Santos, em 65,

Janeiro de 65, a promessa de que eu continuaria meus estudos, coisa que eu fiz, então ai

mais ou menos ela aceitou um pouquinho, mamãe aceitou um pouquinho. Agora o papai já

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queria, porque ele foi jogador de futebol e o sonho dele era que alguém da família chegasse

a jogar tão bem ou melhor do que ele, porque pelo que consta ele foi um grande ponta

esquerda.

J. C. – Você tocava piano?

J. A. – Eu comecei a arranhar um pouquinho, mas eu escutava o barulho da bola lá

fora, afinal eu morava perto de uma praça, uma igreja e a praça, então tinha lá um terreno

ao lado da igreja, então eu ouvia o barulho da bola e largava tudo, não consegui me formar,

mas meu irmão tocava bem, minha irmã é professora também de piano, minha sobrinha,

minha outra irmã toca. Papai também, mesmo jogando futebol, aprendeu a tocar de ouvido,

agora para mim não foi possível, era só bola, bola e bola.

F. H. – Você tinha essa relação com o futebol então, jogava na escola, jogava na

praça, e a relação com o futebol profissional? Você ia no campo ver seu pai jogar, torcia

para o Quinze de Jaú? Para quem você torcia, você tem essas lembranças assim?

J. A. – Tenho. Bom, para o Quinze de Jaú eu não torcia, eu gostava de ir lá assistir

os jogos. Infelizmente eu não tive oportunidade de ver meu pai jogando, porque depois que

ele se casou ele parou de jogar, então nem meu irmão mais velho acho que chegou a vê-lo

jogar, entendeu? Mas eu sempre fui fã do futebol-arte, futebol-show, gostava de ver

espetáculo, então eu comecei a admirar duas equipes no Brasil, que era o Santos, que dava

espetáculo, e no Rio o Botafogo. Tinha o Garrincha, o Didi1, Quarentinha2, Amarildo, sei

lá, uma turma de grandes jogadores, e o Santos. Então quando eu comecei a me despertar

mesmo para o futebol, esses times é que davam espetáculo, então passei a gostar desses

dois times.

F. H. – Você lembra de ver algum grande time em Jaú, indo lá jogar? O Santos...

1 Waldir Pereira 2 Waldir Cardoso Lebrêgo

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J. A. – Fui ver, assisti vários jogos né, do Santos, do Corinthians, meu pai me levava

em todos os jogos, quase todos os jogos que tinha em Jaú, porque o meu irmão mais velho

até nessa época jogava no Quinze, então nós íamos assistir, o meu outro irmão também

depois começou a jogar no Quinze, mas aí eu já estava para vir para o Santos, então já não

tive mais essa oportunidade de vê-lo jogar.

J. C. – Em que momento você achou que podia seguir uma carreira profissional

mesmo de jogador?

J. A. – É uma história muito legal essa, porque no colégio nós tínhamos um time,

depois montamos um time para disputar o campeonato infantil em Jaú, e nós fomos

campeões. Eu tinha 11, 12 anos, e eu jogava, porque tinha naquela época primeiro quadro e

segundo quadro, então eu já era titular do primeiro quadro. Os rapazes que eu jogava já

tinham 17, quase 18 anos já, todos mais experientes, e eu me sai muito bem, me saia bem

nos jogos, fazia gols, driblava com facilidade, e através desse contato, quando nós fomos

campeões, saíram todos esses jogadores que disputaram esse campeonato infantil, nós

fomos para uma outra equipe, chama-se Palmeirinhas, o Palmeiras lá de Jaú. Nós fomos

para essa equipe, e começamos a disputar o campeonato amador. E eu na época tinha 13

anos, e tinha que pedir autorização para os meus pais, juizado de menor, um monte de coisa

para poder jogar. E como eu sou de Jaú e a minha família, a família do Pelé é de Bauru, a

minha irmã em visita a família dele, o Pelé perguntou para ela se tinha mais alguém na

família que jogava futebol. - “Tem um garoto lá, que é ponta-esquerda, dizem que joga”. E

o Pelé falou: “leva ele lá no Santos para treinar, eu apresento ele lá para treinar para o

treinador e de repente ele, quem sabe”. E foi interessante, porque quando eu cheguei o Pelé

falou assim: “não pense você que porque o Pelé que está te apresentando que você vai ficar,

você vai ter que apresentar alguma coisa”.

F. H. – Mas você já conhecia o Pelé desse tempo de Jaú?

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J. A. – Não, eu não o conhecia, eu o vi jogar no Santos e Quinze de Jaú, inclusive o

Quinze ganhou né, foi um a zero, gol do Sormani3, que depois veio para o Santos, e logo

depois o Santos negociou para a Itália, onde ele vive até hoje lá. Está sempre em Jaú

também.

F. H. – Porque uma coisa, por exemplo, na Copa de 58, você tinha...

J. C. – Nove anos.

F. H. – Nove anos. Você tem lembranças de ouvir falar do Pelé, ouvir o jogo no

rádio?

J. A. – Tenho, era ligado em futebol. Acho que a maioria dos brasileiros,

principalmente o pessoal do interior, eu acho que era muito mais ligado em futebol né.

Então o garoto quando nasce, acho que o primeiro presente, eu acho que eu recebi foi uma

bola. Então, eu já era ligado na Copa de 58, então já sabia quem era o Pelé. Entendeu? Só

que eu não tive a oportunidade de conhecê-lo, mesmo a família dele morando próximo a

Jaú, Bauru, e ele estava sempre nas férias lá. Minhas irmãs sim iam, meu irmão, que já

tinha mais amizade com ele, participavam das festas lá na casa, mas eu nunca tive essa

oportunidade, era bem garotinho.

J. C. – Você lembra do seu primeiro encontro com o Pelé, como foi?

J. A. – Me lembro, estou tremendo até hoje [risos]. Foi próximo aqui, próximo a

esse bairro, ele morava na Oswaldo Koga, que é uma quadra mais ou menos de onde nós

estamos, e nós aparecemos, ele morava ainda com aquele empresário dele, o Pepe Gordo, e

quando nós chegamos ele não estava, ai ficamos aguardando e tal, ai daqui a pouco ele

chega, quando eu vi aquele homem, - “meu deus!”. E ele já era bicampeão mundial, então

quando eu o vi, como eu falei a principio, estou tremendo até hoje, porque imagina você 3 Ângelo Sormani

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estar de repente ao lado do teu ídolo maior! Então para mim foi muita alegria, e sai depois

com ele no carro, ele nos levou para uma pensão, onde nós ficamos, a famosa a pensão da

dona Georgina, todos os jogadores ficavam lá e tal. No dia seguinte, ele passou para me

apanhar e para me levar no treino, agora imagina eu chegando no treino com o Pelé, em

uma Mercedes, “pô, esse cara deve ser....”, todo mundo imaginando: “deve ser fera!”

[risos]. Mas aí eu cheguei para treinar, treinei, e no primeiro treino já fui muito bem, e

treinei acho que uma duas vezes com o infantil né, que era minha categoria, porque eu tinha

15 anos e já me deixaram de lado, e falou “pera aí...”, porque foi nas férias de julho de 64

que eu vim para cá para fazer esses testes. Aí voltei para Jaú, para terminar o ano escolar e

tal, e mandaram que eu voltasse em janeiro de 65.

F. H. – E com quem que você vem para cá? Você falou que estava na casa do Pelé

com mais pessoas, você veio sozinho de Jaú, você já tinha saído de Jaú?

J. A. – Não, ai meu pai que me trouxe, papai pô, mais do que depressa falou: “nossa,

vamos embora, vamos aproveitar as férias de julho e você vai treinar!”. Ai falamos com ele,

que tinha muita amizade, e foi quando eu vim, cheguei com meu pai aqui, ele ficou até uns

dias aqui comigo, depois voltou e eu fiquei sozinho. Mas também, sentia saudades, mas o

que eu queria era muito mais forte do que a saudade.

J. C. – Quando você voltou para Jaú depois desses testes aqui, que você foi

aprovado, você já saiu daqui com algum contrato firmado, ou só volta e vamos conversar

de novo?

J. A. – Exatamente, só volta e vamos conversar novamente. Porque até então, nessa

época o meu irmão mais velho jogava no Guarani. E eu me lembro que o Guarani fez uma

excursão para a Colômbia, acho que Peru, e meu pai na época falou: “vamos esperar teu

irmão, porque eles estão chegando - chegava em Vira-copos - e vamos esperar o teu

irmão”. E nesse ínterim o cozinheiro do Guarani, na época, era muito amigo do meu irmão,

ele já tinha ido lá em casa em Jaú, e tudo, falou: “pô, você não quer treinar? O infantil vai

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treinar, você não quer treinar?”. “Treino, por que não? De repente...”. Só que eu já tinha

vindo aqui no Santos, e o treinador do Guarani, na época, seu Zé Duarte, falecido, e treinei,

fui razoavelmente bem. E ele falou: “não, você joga bem”, quando meu irmão chegou falou

pro meu irmão: “olha, teu irmão joga bem, mas ele é muito novinho e tal” – estava com 14

anos, ia completar 15 – “mas ele é muito novinho e tal”. Tudo bem, aí voltei para Jaú e tal,

meu irmão chegou de viagem, voltamos para Jaú. Nesse ano de 65, que eu já vim em

definitivo para o Santos, houve um jogo na época, tinha o campeonato de aspirantes, e eu

não joguei nem o infantil, nem o juvenil, eles me colocaram rápido para jogar nos

aspirantes, com 15 anos. E comecei aí a desenvolver, porque o campeonato de aspirantes é

muito legal, porque na época, jogadores profissionais, voltando de contusões, ou que às

vezes ficavam no banco, não queriam ficar no banco, queriam jogar para se manter em

forma, jogavam nos aspirantes.

F. H. – Aumentar o ritmo?

J. A. – É, e isso foi que me ajudou muito, então eu joguei vários jogos com o

Toninho, com Haroldo, Modesto, que foram campeões mundiais em 63, 62 e 63 com o

Santos, e nessa época o campeonato pegando fogo, nós fomos jogar em Campinas contra o

Guarani, e eu me lembro que nós jogávamos sempre na preliminar, e nós vencemos o

Guarani por dois a um e eu fiz os dois gols. O Zé Duarte depois conversando, meu irmão

perguntou: “seu Zé, como é que foi o jogo?”. -“Pô, tem um moleque ai, neguinho danado,

veio aqui e arrebentou com a gente!”. Aí foi quando meu irmão falou: “é aquele menino

que o senhor falou que era novo, que é o meu irmão”. Então, quer dizer, foi até uma boa

não ter ficado lá e ter vindo para o Santos, porque eu fiz esses jogos nos aspirantes e fui

convocado para uma seleção juvenil, em 65, e depois voltei a ser convocado para uma

seleção de novos, nós fizemos umas viagens para Trinidad e Tobago, Suriname... E eu me

destaquei muito nessa seleção, e isso já em janeiro de 66. Aí, quando eu voltei para o

Santos, o Lula4 falou: “olha, vou te utilizar com os profissionais”. Como eu já estava mais

ou menos familiarizado, porque ele tinha uma técnica de trabalho muito interessante, 4 Luís Alonso Pérez

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porque quando ele sentiu que eu estava me destacando na equipe de aspirantes do Santos,

ele me colocava para concentrar com os profissionais, então você fica mais ou menos um

garoto de “pô, traz um café, traz aquilo, traz aquilo e tal ”, só que você vai se

familiarizando né, e eu fui ficando à vontade junto com o pessoal. Quando ele me colocou

para jogar eu já estava bem, já estava com amizade com todos eles. O meu primeiro jogo

foi contra a Portuguesa. E o Santos com aquele time que tinha, e o Pelé estava machucado

nessa época, e o Santos com Dorval5, Mengálvio6, o Lima, não me lembro quem, eu sei que

eu entrei em 15 minutos, o Lula me colocou 15 minutos na ponta-direita, no lugar de

Dorval, quer dizer, eu jogava, só que canhoto, jogava na direita, então para você ver que

hoje os jogadores fazem isso, mas eu já fazia há muito mais tempo, então eu entrei na

ponta-direita. Aí entrei, fui bem, chutei umas bolas para o gol e tal, mas eu digo a

inteligência do treinador, que ele me colocou na direita, como eu era garoto, se eu fosse mal

ele iria dizer: “não, ele entrou fora da posição dele”, então eu fui bem, quer dizer, não

houve comentário. E na época o Santos tinha dois ponta-esquerda fantásticos, que havia

contratado o Abel, que veio do América, e o Pepe7, que é até hoje né, o dono da camisa 11,

eu o respeito muito, somos amicíssimos, como sou do Abel também, e o Pepe, o Abel

quando chegou, o Pepe se desinteressou, falou: “não vou jogar mais”, já estava quase final

de carreira, e não treinava como deveria, e o Abel chegou, quando ele pegava na bola o

pessoal, o público levantava, porque é incrível, e o Abel se machucou e entrou o Pepe, e

quando o Pepe entrou, entrou mal, não treinava né, entrou mal, e o Lula depois me colocou,

eu entrei, e fiz sete partidas, fomos campeões no torneio Rio-São Paulo, 66 e daí apareceu

até a convocação do Edu para...

C. B. – Edu, essa sua primeira contratação no Santos foi seu primeiro salário? Você

já recebia salário antes?

J. A. – Não, não. Do trabalho em Jaú...

5 Dorval Rodrigues 6 Mengálvio Pedro Figueiró 7 José Macia

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C. B. – Não, mas pelo futebol?

J. A. – Não, pelo futebol foi no Santos, o Santos é que abriu as portas para tudo na

minha vida, que eu tive condições depois de, inclusive, comprar casa aqui, apartamento né,

e trouxe a minha família para cá, para viver comigo, minhas irmãs principalmente, e como

meus pais não queriam vir porque nós tínhamos as terras lá, papai não quis vir, e minhas

irmãs vieram, ficaram comigo aqui, então foi o Santos que me deu tudo.

C. B. – E você lembra o que você fez com o seu primeiro salário pelo futebol? O

que você gastou, você comprou, você guardou?

J. A. – Não, por incrível que pareça eu me lembro que eu voltei para Jaú de férias,

eu guardei e nas férias eu voltando para Jaú, eu havia prometido para um amigo que eu

daria um relógio para ele, que eu iria trazer um relógio da viagem que nós fizemos lá para o

Suriname e tal. Quando eu peguei o salário, eu lembro que eu comprei um relógio para ele.

E aí tu compra sapato, uma calça, e aqui usa muita bermuda, comprei uma bermudinha e

tal, e já comecei a ficar mais alinhado [risos].

F. H. – Isso muda sua vida pessoal também? Suas irmãs vêm para cá, você

namorava já, para casar, etc, ou você era muito novo nesse momento?

J. A. – Não, nem pensava nisso, eu imaginava que eu nem fosse um dia casar,

porque eu não parava. Porque o Santos, naquela época, nós não parávamos aqui no Brasil.

Nós disputávamos o Campeonato Paulista, por exemplo, em 66, quando eu fui para a Copa

do Mundo, eu tinha 16 anos, então todo mundo queria saber quem era esse moleque ai de

16 anos que foi para a Copa do Mundo, praticamente quebrei, bati todos os recordes, pelo

tempo que eu cheguei no Santos e um ano depois eu fui para uma Copa do Mundo?! Então,

todo mundo naquela, queria conhecer e tal, então eu já não tinha mais tranqüilidade, então

quer dizer, eu não tive praticamente adolescência?! E o Santos viajando daqui, viajando

dali e tal, e teve a seqüência depois, 67, 68 e 69, onde o Santos foi tricampeão paulista. Eu

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me destaquei muito nesses três títulos, inclusive no supercampeonato que nós disputamos

contra o São Paulo, empatou em pontos, e nós fizemos um jogo, um supercampeonato

contra o São Paulo, um jogo extra com o São Paulo, e havia aposta, porque achavam que o

Santos era time do interior, não podia ser campeão paulista porque era time do interior e

não sei o que... E eu me lembro que em sete minutos de jogo estava dois a zero para nós, e

eu tinha feito um dos gols. Então quando eu fiz o gol, ninguém me segurou naquele

Pacaembu, porque é uma alegria, ainda fazer um gol em uma final, eu tinha o que 16, 17

anos.

J. C. – Edu, duas perguntas de uma vez só: qual era o teu time antes? Você já era

santista ou você torcia para algum outro grande time aqui de São Paulo?

J. A. – Minha família é toda corinthiana, mas depois foram virando [risos],

mudando para o Santos. Mas eu, como eu falei a principio, eu como sempre gostei do

futebol-arte, gostava de ver gol, e o Pelé me chamava muito a atenção, então me chamou

atenção a equipe do Santos. Eu como sempre fui um ponta, ponta e driblador e tal, então

adorava ver o Garrincha jogar. Naquela época não tinha televisão, não tinha nada, passava

o tape tal hora da noite, tarde às vezes da noite, mas mesmo assim só o Campeonato

Paulista, só os times de São Paulo. Mas eu ia ao cinema, garoto, ia ao cinema e ficava só

para ver o canal 100, para ver os jogos do Rio, ver o Garrincha jogando, Maracanã e tal, um

sonho. “Será que um dia eu vou pisar nesse gramado, né?!”. E de repente aconteceu, tudo

aconteceu.

J. C. – A segunda pergunta: como que era você ser o mais jovem, e muito mais

jovem, do que aquelas feras todas? Quer dizer, além de você trazer o cafézinho na

concentração, quando você entra no time e substitui ninguém menos do que o Pepe. Como

é que era a relação de vocês ali? Eles não olhavam mais para um menino, já não era mais o

menino do cafezinho, não é?

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J. A. – Não, não... inclusive foi interessante, que o meu primeiro jogo, eu iniciei

contra o Botafogo, nós jogamos contra a Portuguesa, depois jogamos contra o Flamengo,

que foi onde o Abel se machucou. Jogamos contra o Fluminense, que aí o Pepe começou,

inclusive no Parque Antártica esse jogo. E o Pepe entrou mal, foi quando eu entrei no

segundo tempo. Aí contra o Botafogo, no Rio, o Lula já me escalou. Então, eu entrei,

pegava a bola, fazia, estava acostumado a fazer nos treinos e tal, e saiu uma falta perto da

área ali, e eu fui e peguei a bola. E o Zito8 olhou e falou: “pô, esse moleque é abusado, não

é?” [risos]. “Eu vou cobrar essa falta”, batia forte na bola, e do outro lado, nada mais, nada

menos do que o Manga9. Aí eu vim, bati e tal, ele se esticou todo, espalmou a bola para

escanteio e tal, aí o Zito olhou para o Lima e fez assim: “pô, vamos deixar, né?!” [risos].

Então foi isso, aí depois veio o jogo contra o Bangu no Pacaembu, e esse jogo, para mim,

foi a minha consagração, porque eu já estava à vontade com eles e de novo saiu uma falta, e

eu fui e peguei a bola. O Zito: “deixa ele chutar”. Porque o Zito era o nosso capitão, né?,

Mandava mais que o presidente. Aí saiu a falta, eu fui, Ubirajara, o goleiro do Bangu, e eu

“pum”, gol. Aí, ninguém me segurou naquele Pacaembu. Quase que eu dei a volta olímpica

[risos], de alegria, né? Depois fiz mais um gol, e foi quando eu enfrentei o Fidélis10, que na

época Fidélis e Djalma Santos eram considerados os dois maiores laterais, porque um deles,

porque eram três né, um deles era do meu lado, era a meu favor, que era o Carlos Alberto.

Então, até depois começaram, onde apelidaram o Fidélis de “touro sentado”, porque deu os

dribles dele lá e tal... E depois veio o jogo contra o Palmeiras, e esse jogo para mim foi o

jogo chave, porque eu peguei o Djalma Santos, nós vencemos o jogo por três a zero, eu fiz

acho que um ou dois gols, e fiz um gol que eu driblei todo mundo da zaga do Palmeiras,

inclusive o Waldir, que era o treinador de goleiro, sempre foi treinador de goleiro da

Seleção, ai fiz o gol. Então, esses dois jogos para mim foram chave.

F. H. – E ai você é campeão do torneio Rio-São Paulo, que são esses jogos que você

está falando, né. O santos é campeão. Mas eu achei interessante essa passagem que você

8 José Ely de Miranda 9 Haílton Corrêa de Arruda 10 José Maria Fidélis dos Santos

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falou em uma seleção juvenil, que vocês viajaram, é uma seleção nacional? o que tinha

nesse time?

J. A. – Foi uma seleção, praticamente seleção paulista, de novos jogadores, que

naquele time quase todos jogaram nos seus clubes depois dessa viagem, só que eu era o

mais novinho deles todos. O goleiro era o Donar, que jogou no Palmeiras, Ulisses, era o

lateral, jogou na Portuguesa, Fernando, jogou no São Paulo, depois ficou um tempão no

Ferroviária de Araraquara, Henrique Pereira, que era da Portuguesa, Júlio Amaral, que é pai

até desse que jogou no Vasco, centroavante que faz gol. Então, Luis Carlos, Alan, Nelson, a

maioria deles depois jogaram nos seus clubes, jogaram no time principal.

F. H. – E onde foi essa excursão que vocês fizeram?

J. A. – É então, nós fomos para Trinidad e Tobago e Suriname. E eu me lembro

[riso], até gozado, nunca vi um treinador falar isso... Mas o treinador, ele falava assim para

mim: “Edu, olha...faz graça, o pessoal gosta de ver graça...”. Porque eu nunca fui um

jogador de driblar e voltar para dar outro drible. Se eu passar por você o meu objetivo é o

gol, sempre foi. Ai ele dizia assim: “não, mas faz alguma coisa diferente, o pessoal gosta”.

E ele sabia, porque ele me via brincando com a bola.

F. H. – Quem era?

J. A. – Era o Antoninho, Antônio... não lembro o sobrenome dele. Antoninho. Então

ele dizia assim: “pô, dribla”, e eu fazia muito essa..., que o Damião fez.

F. H. – Ah, sim.

J. A. – Eu fazia isso também.

J. C. – Lambreta?

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J. A. – Lambreta. Então, e ele fazia: “pô, faz essas coisas aí que o pessoal adora

isso”. Então achei interessante [risos]. Nessa excursão, nós fomos muito bem, e nós

tínhamos um correspondente, na época da Gazeta Esportiva, que só mandava elogios para

cá para o Brasil, sobre o Edu, e eu acho que o Lula conversou com ele depois na nossa

chegada. Ele falou: “não, pode pôr que vai dar conta do recado”. Então foi muito boa essa

seleção de novos, apesar de eu não ter jogado assim na seleção juvenil. Aliás, não ter

jogado no juvenil do Santos, disputar campeonato juvenil, mas foi muito legal pela

oportunidade que me deram, e eu abracei.

F. H. – Eu fiquei com uma questão, que você falou que chegou no primeiro treino

do Santos com o Pelé e tal, e você falou: “não joguei no juvenil, não joguei o amador, e

subi direto para o aspirante”. Tinha um clima assim, você estava direto, no aspirante, o

clima do menino que chegou com o Pelé, então já está direto. Você ouviu alguma coisa

assim?

J. A. – Não, não podia ouvir porque eu cheguei e fiz o que...

F. H. – Apresentou.

J. A. – É, apresentei, os caras falaram assim: “pô, mas como que você vai de repente

para uma Seleção Brasileira, em menos de um ano você vai para uma Seleção Brasileira

disputar uma Copa do Mundo. O que você fez, o que você apresentou?”. Falei: “eu acho

que tudo né [risos]. Porque para você ser convocado em uma Seleção Brasileira naquela

época, onde tinha mil jogadores fantásticos, então é que você estava muito bem.”

F. H. – Em um ano, ou seja, jogou muito.

J. A. – Exatamente. Então, e como você frisou, foi muito boa essa tua colocação,

porque quando eu cheguei, eu treinei contra um dos laterais que era inclusive filho do

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treinador, e era uma das promessas do Lula. Aí o Carlos Alberto chegou né, e esse menino

era uma das promessas do Lula - Pardal era o nome dele. Então, eu comecei a treinar o

treino e tal, ele não me conhecia, ai me viu, “pô, neguinho baixinho ali, deve ser mole!”

[risos]. Dei uns três dribles nele que ele ficou atordoado, aí depois toda a bola que eu

pegava eu passava por ele. Ele não sabia, eu saia para cá, para lá, para todo o lado, ele ficou

perdido. Então quer dizer, não houve muito esse “oba oba” por eu ter chegado com o Pelé,

porque eu apresentei, tanto é que foi uma ascendência muito rápida.

J. C. – Fiquei com uma curiosidade, Edu, quando você falou que contra o Botafogo

e depois contra o Bangu você pega a bola para bater a falta. Só tinha fera do seu lado né.

Isso foi, você quis mostrar assim que você tinha personalidade, ou era uma coisa

completamente natural que você fazia nas tuas peladas, você fazia lá em Jaú, o que te

motivou a esse gesto?

J. A. – Não, é porque eu estava acostumado a fazer no time onde eu jogava em Jaú.

Era o cobrador de faltas, de repente desse ângulo para cá, do lado direito, eu que cobrava as

faltas. Então eu vi que, quando chegou aquela hora eu falei: “não, eu vou bater”, porque eu

treinava, então eu falei: “não, eu vou cobrar”, porque antes era o Pepe. Aí eu falei: “não, eu

vou pegar...” e peguei a bola, e fui. Eu não sei se eu desrespeitei alguém, mas eu falei:

“não, essa bola é para mim”, olhei não tinha nenhum canhoto ali, falei “essa bola é para

mim”, eu peguei a bola e fui, ai foi bom também porque demonstra um pouco de

personalidade também, porque eu estava no meio das feras, e o Santos vinha do bi

campeonato mundial, então só tinha fera ali. Não só do bicampeonato mundial como da

Seleção Brasileira. E eu tive no Santos dois jogadores, dois não, foram vários jogadores que

me ajudaram muito, um deles foi...os dois infelizmente faleceram, que foi o Mauro Ramos

de Oliveira e o Olavo. O Olavo para mim foi muito importante, porque ele sentiu que eu

tinha facilidade para drible, e ele dizia assim: “pô, aprenda a chutar com a direita, porque

você dribla bem para os dois lados”, só que eu driblava bem para cá, mas tocava a bola, não

chutava para o gol, porque eu não sabia bater com a direita, e eu comecei a treinar e

treinar,e fiz um muitos gols depois com a perna direita.

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J. C. – E o Mauro? Qual foi a influência do Mauro...

J. A. – O Mauro foi porque eu fui para a Copa do Mundo e quando eu voltei da

Copa do Mundo, assédio e tal, então eu me deixei levar um pouco, sabe? O entusiasmo...

era garoto... E não estava rendendo, tanto é que eu fui para o banco. Aí, o Abel voltou e

voltou o Pepe. Depois teve uma excursão em 67, nós fomos inclusive para a Alemanha,

jogamos contra o Bayern de Munique, foi em Munique, um jogo maravilhoso que jamais

vou esquecer. Eu fui na reserva do ponta-direita para a excursão, quer dizer, então uma

coisa não tinha nada a ver comigo. E nessa excursão eu recuperei a posição, aí voltei depois

já como ponta-esquerda. Mas aí o Mauro falou: “tudo isso que você está vivendo, você vai

continuar vivendo, não vai acabar isso, só vai depender de você”. Uma dica que ele falou:

“não esqueça que você vai ter que treinar, que você vai ter que concentrar, que você vai ter

que se dedicar”, porque um garoto de 16 anos em uma Copa do Mundo a cabeça ficou meio

pesada, eu sou bem centrado, mas queira ou não você...o assédio, a procura. E eu nunca fui

de beber, de nada, mas só você ficar um pouquinho até mais tarde já é complicado.

J. C. – Antes de a gente entrar no assunto da Copa, você falou do futebol-arte

algumas vezes, que você gostava muito do futebol-arte, você é uma expressão do futebol-

arte. Quem te viu jogar naquela, enfim, sabe quem foi o Edu como driblador, como jogador

extraordinário, mas quem te antecedia eram dois pontas-esquerdas de diferentes matrizes,

um era o Zagalo e o outro era o Pepe.

J. A. – Exato.

J. C. – Quer dizer, um jogava recuado e o outro não era um driblador.

J. A. – Driblador.

J. C. – Um grande chutador, não é?

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J. A. – É, um velocista e um chute potentíssimo,né?

J. C. – Como é que...Eu fico pensando assim, você causou uma grande sensação

pela diferença, inclusive, porque você foi...

J. A. – Exatamente.

J. C. – Diziam que você era o Garrincha da ponta-esquerda.

J. A. – Exatamente.

F. H. – Só para comentar: tinha alguma inspiração assim que você olhava e falava:

talvez eu tenha que, já que o Pepe ...

J. A. – Não, eu já era assim, ai eu fui aprimorando. Esse filme “Garrincha, a alegria

do povo”, acho que eu assisti... fiquei até amarelo [risos]. Eu não saia do cinema para ver

aquilo, então eu fiquei aprimorando, aprimorando... Então, porque o Garrincha, ele faz

assim e toca a bola, mas eu faço isso aqui, toco para cá e levanto a bola. Então, às vezes, o

pessoal falava: “Pô, como ele passa naquele espaço curtinho?”. Porque normalmente o

zagueiro põe a perna e você passa por cima, e a canela não dobra, eu costumo dizer [riso]

“a canela não dobra”. Então, eu aprimorei isso através dos filmes do Garrincha, eu fui

aprimorando esse meu nível. Ficou fácil, porque normalmente o zagueiro...e querer que o

jogador só saia para o lado esquerdo. E eu às vezes saia uma para cá, uma para dentro,

entendeu? Então eles ficavam perdidos [risos].

J. C. – O drible do Garrincha era sempre o mesmo, né?! Era sempre o mesmo... ele

tombava o corpo, o zagueiro ia, ele voltava, quando o zagueiro voltava ele ia, porque ele

tinha um arranque fenomenal. E ele gostava de receber a bola parada.

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J. A. – Parada, exatamente.

J. C. – Como era você? Você gostava de receber...

J. A. – Bola no pé também.

J. C. – No pé? [riso]

J. A. – No pé também, eu nunca fui de receber lançamento, profundidade, eu

gostava mais de pegar no pé e ir em cima do zagueiro, porque aí você coloca como você

deseja, que era o que o Garrincha fazia, ele ia, ia, ia, balançava. Eu fazia isso também, faço

até hoje né, brincando nas minhas peladas ali. Porque eu aprendi uma outra coisa também

vendo o Garrincha e vendo o Pelé jogar, que no momento eles iam com a bola, e na hora

que o jogador apoiava esse pé, ele tocava aqui. Então fica difícil, até lembro certas jogadas

eles queriam agarrar o Pelé e não conseguiam, ele arrastava, estava apoiado, você não vai

conseguir segurá-lo. Então eu aprimorei isso, eu fiquei vendo, eu vi tudo isso, então eu

driblava, às vezes eu ia e esperava o cara apoiar e “pum”, tocava. Então aí foi onde eu

comecei a ter mais sucesso ainda.

F. H. – E nos treinamentos, você fazia algum treinamento específico, alguém te

ajudava, ou era...?

J. A. – Não, hoje você vai nos clubes é uma maravilha, tem 500 bolas, material

maravilhoso, mas na minha época eu treinava muito sozinho, com o Julio Mazzei, falecido

Julio Mazzei. Falava: “professor, vou treinar uns tirinhos curtos aqui”, então pegava, não

era nem o conezinho, era estaca de madeira no chão, mas eu ia pelas estacas, e depois fazia

umas quatro, cinco, assim, sozinho, com a bola, e depois colocava uma camisa na marca do

pênalti para ter uma visão maior de onde ia estar os atacantes, eu fazia isso e cruzava,

sempre fazendo assim e tirando do goleiro a bola, ela faz a curva, e nisso chegava no jogo

ficou bem fácil. E o Pelé, Toninho, o próprio Coutinho já sabiam, então às vezes eu nem

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driblava, eu ameaçava e já cruzava. Porque o lateral já pensava que eu ia para o fundo,

então dava aquele espaço por dentro, então eu já cruzava.

J. C. – Sempre na marca do pênalti? Naquela região?

J. A. – Naquela região ali.

J. C. – Para cada pequena área?

J. A. – É, pequena área. Então isso me ajudou muito também, porque nós não

tínhamos tanto recurso na época, em questão de material, então no máximo, no máximo,

três bolas. Então, cruzava lá tinha que ir lá embaixo buscar as bolas. Fazia tudo de novo,

quer dizer era uma força de vontade danada.

J. C. – E da onde veio o teu drible? Menino, como é que você começou a driblar?

Como é que era a tua relação com a bola, porque jogava com mais dez, tinha que passar, e

você era um grande driblador, como é que era [risos], ficar com a bola.

J. A. – É, mas foi com o futsal, com o futsal que eu aprendi, porque era rápido, eu

não sei de onde veio isso, desse balanço né, que eu fazia esse balanço e batia no futsal, e

depois no campo eu fiz muitos gols. Por exemplo, no campeonato de 68, eu acho que eu fui

o vice artilheiro do Campeonato Paulista, eu fiz 21 gols. Então eu joguei uma época de

centroavante junto com o Pelé, e na tabela ele tocava para mim, às vezes eu devolvia, e às

vezes o zagueiro tentava antecipar, e eu fazia isso aqui, e deixava passar, e às vezes eu fazia

esse drible do futsal, fiz muitos gols assim, rapidinho. O goleiro também nem espera, isso

nasceu, acho que nasci com isso, ou herdei do meu pai, não sei.

F. H. – Então, vamos lá, 66 viaja com a seleção de juvenis, volta, joga a estréia do

Santos, campeão Rio-São Paulo, e ai vem a convocação, como é, você lembra disso aí,

quem falou para você, como que foi, onde você estava?

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J. A. – Terminou o campeonato Rio-São Paulo, e nós fomos disputar, não sei se era

o Triangular, Quadrangular, não sei se estava o América também, ou não estava, em Minas.

Santos, Cruzeiro, Atlético e acho que América, e nós estávamos no aeroporto, e estava

dando a convocação da Seleção Brasileira, e o massagista na época, Uberaldo, chegou para

mim: “parabéns, parabéns, você foi convocado”, falei: “convocado para quê?”, eu não

estava sabendo da convocação da Seleção, se seria naquele dia. “É, você foi convocado

para a Seleção Brasileira”. Eu falei: “pô, não vem brincar comigo, pô tanto cara para você

tirar uma onda, vem tirar onda comigo”. Peguei quietinho assim e saí, aí tinha um senhor

com um radinho lá, ouvindo a escalação, aí eu perguntei: “o senhor sabe quais os jogadores

do Santos que foram convocados?”. Ele falou os nomes e tal, ele falou: “convocaram um

moleque, um tal de Edu, mas eu não conheço quem é” [risos]. Quando ele falou aquilo eu

fiquei parado, não conseguia andar, as pernas bambearam, né?!.

J. C. – Você falou para ele que você era o Edu?

J. A. – Não, eu não podia falar [risos], não podia falar porque também não saiu

nada, não saiu nada, fiquei parado assim. Falei obrigado só e não saiu mais nada, e fiquei

parado ali um tempão, “poxa, que legal, né?!”.Aí meu pensamento já vai para Jaú, de

repente o meu pai ouvindo isso, falo até me emociono. Desculpe.

J. C. – Você ligou para ele? Você ligou para a sua família?

J. A. – Não, eu fiquei imaginando...imaginando a alegria dele, porque ele me trouxe

e um ano depois eu dou todo esse presente para ele. Porque ele era fanático por futebol.

Não dá para descrever a minha alegria e eu acho que a dele mais ainda.

C. B. – Você nunca imaginou que você ia ser convocado para esse ano, para essa

Copa?

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J. A. – Não, eu nunca pensei assim, sabe, eu queria jogar futebol, meu lance era

jogar futebol, não pensava. Esperava, lógico, um dia jogar na Seleção Brasileira, isso é o

sonho de qualquer jogador, qualquer garoto que sonha com o futebol, é jogar em uma

grande equipe, e jogar com a Seleção Brasileira, mas não esperava assim tão rápido.

Quando veio nos treinamentos na Seleção, já estava mais à vontade, porque tinham vários

do Santos né, então eu ficava mais com eles e tal, e tinha que agüentar as gozações, garoto

[risos].

F. H. – Isso é interessante, né? Porque hoje um jogador que vai ser convocado já

para a preparação para a Copa, já existe uma expectativa, não tem jogador que é convocado

de surpresa assim, está na sua casa...

J. A. – Não.

J. C. – Hoje o sujeito é convocado, três minutos depois já está no twitter [risos]. Já

tem a comunidade dele que sabe, não sei o quê...

F. H. – E ele já não vai ficar esperando por isso.

J. A. – É, hoje está...

F. H. – Foi, e acho que o clube já deve até informar, a CBF11 já passa para os

clubes.

J. C. – Agora aquela convocação foi uma convocação curiosa né, foram 44?

J. A. – Quarenta e cinco jogadores.

J. C. – Quarenta e cinco! 11 Confederação Brasileira de Futebol

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J. A. – Quarenta e cinco, imagine só, a cada estágio né eles iam dispensando os

jogadores. Os colocavam em uma sala, parecia até sala de aula, e os nomes que eles iam

dizendo são os que continuariam. Tu imagine só que coisa ruim isso, já começou errado

isso aí, então eu me lembro que meu nome vinha sempre após o do Jairzinho né. Jair, ai tu

já fica, jota. Jonas Eduardo, ai eu lembro, e torcia para que o do Santos continuasse, que era

meu amigo, estava sempre junto, e a gente tinha jogado nos treinos. Formaram-se vários

times, de várias cores, grená, verde, amarelo, eu era do verde, era o mais fraquinho. O

grená a gente sabia que era o time titular, que estava Pelé, Garrincha, Gilmar, no gol, Pelé,

Garrincha, Djalma Santos [risos], nós sabíamos que era o time titular. Então, nessa falei:

“Ah, vamos embora, correr porque eu quero estar nessa... já que estou aqui, quero estar

nessa Copa do Mundo”.

J. C. – Quem eram os outros pontas-esquerdas com quem você disputava?

J. A. – Disputei com Paraná, que foi para a Copa, Rinaldo que era do Palmeiras,

Ivair, que não era ponta-esquerda, na Portuguesa ele jogava de ponta-esquerda, e depois

eles ainda trouxeram da Itália o Amarildo, trouxeram o Amarildo, e aí com a vinda do

Amarildo eu falei agora... Porque o Amarildo, em 62, praticamente levou o Brasil ao título,

com os gols que ele fez e tal, da maneira como jogou, substitui o Pelé super bem. Falei:

“não vou ter chance”. E o Paraná já treinava no time grená, então já era o ponta-esquerda

do time grená. Mas eu continuei treinando e fui, fui, fui...e o Amarildo depois, quando nós

saímos do Brasil ele se machucou. Aí quando ele se machucou, tinha que dar os nomes para

a Fifa12, e não podia dar o nome de um jogador machucado, porque primeiro que são

poucos jogos, e se você não for adiante... Aí eu entrei.

J. C. – [INAUDÍVEL]

12 Federação Internacional de Futebol

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J. A. – Não, estava na lista. Cortaram o Ivair, depois veio o Rinaldo, e ficou eu, o

Paraná e o Amarildo, nós viajamos para a Suécia, na Suécia que ele se machucou.

[FINAL DO ARQUIVO I]

F. H – Umas das críticas que é muito coloca por essa seleção de 66 ter dado errado

depois como deu, é essa super preparação com 44 jogadores e tal. Lá dentro você via assim

os problemas, além desse corte, como que era assim? Era difícil mesmo, você acha que isso

atrapalhou de fato?

J. A. – Não quero dizer que atrapalhou, mas você imagina, convocar 45 jogadores!

Para mim não afetou tanto porque eu era garoto, então eu não via essas coisas, não

entendia, e eu só queria fazer a minha parte, queria era jogar. E eu acho que o errado, por

exemplo, nós íamos para determinados locais, lógico que nós conhecemos as instâncias

balneárias, acho que todas elas de Minas, porque, aí uma seleção jogava no Mineirão, outra

jogava no Pacaembu, entendeu? Então, quer dizer, não dava pra se entrosar, então um

negócio muito errado, acho que não souberam contactar legal assim esse lado de

entrosamento.

J. C. – Mas eu acho que convocar 45 jogadores você não forma uma seleção, você

convoca 22, 23, e acabou a história. Se alguém machuca... você passa o ano inteiro vendo

ali quem joga, convocar 44 [inaudível]

J. A. – É difícil.

F. H. – E a relação com o Feola, você lembra, conversava bastante com vocês?

J. A. – Lembro, eu me lembro bem, mas ele não era muito assim, não conversava

muito. E a gente tinha aquela certa distância de treinador, de comissão técnica e eu como

era garoto, de vez em quando eu conversava, e teve alguns jogos na Suécia, antes de nós

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irmos para a Inglaterra, e eu ficava no banco e teve um jogo que eu entrei de cara. O ataque

foi: Garrincha, Servilho, que depois cortaram, Pelé e Edu, capitão de esquerda. E eu fui

bem nesse jogo, nós ficávamos treinando lá na Facit13, e eu estava super bem no ano, só que

chegou nesse jogo eu tive um problema de cãibras, problema de cãibras, e logo depois o

Brasil iria estrear na Copa do Mundo. Eu me lembro que me deram, doutor me deu um

remédio, eu tomei, me deu febre, me deu tudo, que depois, infelizmente o Paraná estava

machucado, não podia jogar, então eu iria jogar, também não joguei, jogou até Jairzinho na

ponta-esquerda em 66. Foi Garrincha na direita e Jairzinho na esquerda, então quer dizer,

eu não sei se era para mim jogar ou não entendeu, eu sei que eu tomei esse remédio e

tremia de frio.

F. H. – Você lembra o primeiro jogo seu com a camisa de Seleção nessa preparação,

quando foi?

J. A. – Ah eu não lembro, não me lembro, eu não tenho idéia, que inclusive até um

historiador que me falou que eu sou o jogador também mais jovem a fazer um gol com a

camisa da Seleção Brasileira, e eu não sabia disso.

F. H. – Então, pelo que a gente tem, a sua primeira atuação é contra a Polônia,

quatro a um.

J. A. – Fiz gol?

F. H. – Não, marca seu primeiro jogo contra o Peru, três a um. Nessa preparação

para a Copa...

J. A. – Acho que foi então...

13 Facit AB foi uma empresa multinacional fabricante de produtos de escritório. Sua sede estava localizada em Åtvidaberg, Suécia

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F. H. – Foi seu primeiro gol, você tinha 16 anos.

J. A. – É, então é isso mesmo...

F. H. – Possivelmente é a mesma jogada.

J. A. – É, eu queria saber o adversário. Esse cara está bem informado [risos].

F. H. – Mas outro fato também é que você é o jogador mais jovem a ir para uma

Copa do Mundo

J. A. – A Copa do mundo, exatamente, 66. Quebrei o recorde do cara que me trouxe

[risos].

C. B. – Nada mais justo.

J. C. – Você ia contar alguma coisa da Suécia, antes da gente parar pra trocar a fita.

J. A. – É, então, nós treinávamos ali nos gramados lá da fábrica né, da Facit, uns

campos maravilhosos, ficamos treinando ali direto e saiamos pra fazer os jogos, jogos

amistosos contra equipes das cidades, e estava muito bem o time só que, por exemplo,

deixaram jogadores no Brasil que deveriam ter ido para a Copa do Mundo, eles cortaram

Carlos Alberto, Djalma Dias, o próprio Roberto Dias, não me desfazendo dos que foram,

mas, poxa, tinha lugar pra esse pessoal nessa Seleção.

J. C. – Fizeram falta, não é?

J. A. – Fizeram falta, com certeza.

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F. H. – Começando esse Copa lá né, então tem toda essa preparação vai tendo os

cortes, as pessoas vão ficando pelo caminho, forma o grupo que vai começar a Copa e o

primeiro jogo do Brasil é contra a Bulgária. Como é que era, você chegou a ficar no banco

de reserva ou não?

J. A. – Não, veja bem, foi interessante essa pergunta porque nessa época entrava os

11 e acho que só ficava no banco o goleiro, não tinha bancos de reserva. Então nós

ficávamos todos lá em cima, sociais lá com o pessoal, lugar reservado para os jogadores,

mas não tinha substituição, tanto é que contra Portugal o Pelé levou aquela pancada lá e

teve que ficar em campo porque não tinha como substituí-lo.

J. C. – Qual era o espírito do grupo, quando vocês saíram, pra Copa do Mundo? Eu

te pergunto isso pelo seguinte, a Seleção de 58 saiu muito desacreditada, a Seleção de 62 já

saiu muito confiante, a Seleção de 66 foi essa convocação tumultuada.

J. A. – É.

J. C. – Esses cortes geravam muita tensão, muito desgastes dos jogadores e

obviamente que a Europa tava cansada do Brasil ser campeão já, não é?

J. A. – É.

J. C. – Então os ingleses montaram um bom esquema pra Copa não vir para o

Brasil.

J. A. – Exato.

J. C. – E em jogos seguintes, que a gente ainda vai falar deles, vamos mostrar isso

direitinho. Mas qual era a sensação de vocês? O Garrincha envelheceu, o Pelé estava ali

também...

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J. A. – Não, mas o ambiente era bom, o clima era bom, o clima de vontade de

vencer. Como você frisou, para alguns seria a última Copa, então queriam ganhar. Lógico

que de repente conquistar o tricampeonato para eles seria maravilhoso, mas como houve

esse desgaste muito grande aqui nessa convocação de 45 jogadores. É muito difícil, então

você todo mês, de 15 em 15 dias sei lá, mais ou menos, entrar numa sala lá e ficar naquela

expectativa, saber se você vai continuar ou não, é um negócio muito...é desgastante isso,

você está sempre ali na corda bamba e um clima que não é bom pra ninguém. Isso eu

acredito que tenha prejudicado também muito. E muito. E houve também cortes lá na

Suécia...o Servilho, ele treino todo esse tempo no time grená e chegou lá e foi cortado.

J. C. – Ele se machucou?

J. A. – Não.

F. H. – São cinco que ainda são cortados na Suécia.

J. A. – É, são cinco.

F. H. – Dino Sani que também é cortado na volta da Suécia.

J. A. – Dino Sani, Waldir, o goleiro foi cortado também lá.

F. H. – E aí tem esse dois a zero, Brasil e Bulgária, vocês assistiam outros jogos

além desses?

J. A. – Não, nós víamos nosso jogo e já voltávamos para o hotel. Nós ficamos

próximos a Liverpool, em uma cidadezinha chamada Lynn. Então, nós terminávamos nosso

jogo e nós já íamos para Lynn, e foi um jogo em que nós vencemos com 2 gols de bola

parada, não houve assim tanta criatividade né, por parte do Brasil.

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J. C. – Você viu o jogo, claro não é?

J. A. – É.

J. C. – Que você achou da Seleção, ela estava travada, estava jogando fácil, como é

que foi essa estréia?

J. A. – A estréia é sempre é complicada, é muito difícil a estréia, por mais

experiência que o jogador tenha é sempre uma estréia, é sempre...sabe, você fica naquele

nervosismo. Como será? E o adversário também já vem com aquela sabedoria, que sabe

que se vacilar o Brasil aplica goleada sei lá, então vem todos se defendendo. E você começa

o jogo a bola vai, vai e não entra, o Brasil criou oportunidade e não fez. No futebol existe

esse ditado: “quem não leva faz, quem não faz leva”. Nós estávamos com medo disso, mais

ai saíram os outros dois gols e os dois de bola parada, e gol de Garrincha, de falta, e Pelé de

falta, então quer dizer, mas... A estréia, ela é complicada, você passou da estréia ai o time já

se assenta um pouco, só que estava tudo errado.

F. H. – Ai a vitória, volta pra concentração, volta para a rotina de treinos, para vir o

jogo contra a Hungria.

J. A. – Fatídico!

F. H. – Como que foi?

J. A. – Ah, eu nem me lembro muito bem desse jogo [risos], porque eu estava

desesperado né, eu moleque, chorava, eu fiquei chorando, tomou um gol, eu fiquei

chorando, chorando. O Zito que estava do meu lado, que foi o único também que não jogou

na Copa, 66 o Zito não jogou, então foram dois jogadores que não jogaram, é o Edu e o

Zito. Então o Zito: “não, calma, que isso, pra que ficar chorando?”. Tu vai para uma Copa

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do Mundo você quer ser campeão, aliás qualquer torneio que você vai, você quer ser o

primeiro e eu sentindo aquele drama ali. Tu vem que, sem aquele poder de reação sabe, aí

é complicado.

J. C. – Isso no jogo contra a Hungria?

J. A. – É.

J. C. – Você sentiu essa falta de poder reação?

J. A. – Nós não tínhamos, eles estavam bem, e todas jogadas deles era perigo de gol,

então estavam nos envolvendo com muita facilidade. Eu falei: “acho que não vai dar”,

então não conseguia, o Pelé tentava daqui, dali, acho que, se não me engano o Alcindo é

que jogou esse jogo.

F. H. – É, o Pelé não. O jogo contra a Bulgária é o ultimo jogo do Pelé e do

Garrincha juntos, ai o Brasil ganha, ai o Pelé não joga mais, no segundo joga o Garrincha

que aí é o último jogo do Garrincha também, tinha o Alcindo só.

J. A. – É e o Alcindo.

F. H. – Ai é derrota de três a dois.

J. A. – Ai é...complicado

F. H. – E depois então perdeu, agora vou jogar com Portugal, Eusébio, existia esse

medo, esse temor?

J. A. – Não, não. Porque, como houve no campeonato mundial entre clubes, que o

Santos foi lá e ganhou de cinco do Benfica, então não temíamos assim Portugal, só que, de

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repente houve uma mudança, mudou o time todo, todo o time, do goleiro ao ponta-

esquerda, que foi o Paraná que jogou. E ainda machucaram o Pelé, pegaram o Pelé e

ficamos praticamente com o jogador a menos quase metade do jogo.

J. C. – E Ainda tinha o juiz do lado deles.

J. A. – É, exatamente, não dava nada.

J. C. – Ele deixava eles baterem à vontade.

J. A. – Nem falta ele deu nesse lance do Pelé. E o Eusébio foi feliz. Infelizmente eu

não sei o porquê, mas talvez estivesse um pouco nervoso, que era um goleiro excelente, o

Manga, e de repente espalmou a bola para frente do gol, coisa que é o B a BA do futebol

para o goleiro, se tiver tem que espalmar para o lado, mas, enfim, Portugal veio e fez o

placar, e foi complicado.

J. C. – Qual foi o jogo mais sofrido desses dois, contra Hungria ou contra Portugal?

J. A. – Ah, contra Portugal, fala o mesmo idioma é complicado [risos]. Dentro de

campo se escuta o pessoal falar algumas coisas, vamos que dá, que de repente, não sei, mas

de repente pode ter dito isso: “vamos, eles não são nada disso”, e tem esses papos.

F. H. – Então a eliminação do Brasil histórica na primeira fase, como que é essa

volta? Dezesseis anos, voltar para o Brasil com o pior rendimento da Seleção em uma Copa

do Mundo?

J. A. – É então, como eu sempre digo, para mim não afetou tanto porque eu era um

moleque, eu não entendia muito, eu não tava ainda, sabe aquele lance de Seleção, Copa do

Mundo, Copa do Mundo. Fomos disputar um torneio e fomos desclassificado, para mim,

mas eu sabia o que representava, mas como eu tinha oportunidade de voltar para disputar

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outras Copas né, então eu falei: “o que eu tenho que fazer? chegar no Brasil e continuar

treinando e jogando, e jogando bem que é para poder voltar”.

J. C. – Esperando o Jairzinho também, jogou na esquerda.

J. A. – Os primeiros jogos foi o Jairzinho que jogou, Garrincha na direita e Jairzinho

na esquerda.

J. C. – E no último o Jairzinho vai para direita e o Paraná entra.

J. A. – E o Paraná entra, exatamente.

J. C. – Paraná tinha quantos anos? Você acha que o Paraná entrou pela experiência,

porque você acha que você não entrou?

J. A. – Eu não sei, disseram que eu era muito novo e acho que sentiram que a coisa

estava errada, e dizendo que não queriam me queimar e não sei o que e tal, mesmo assim se

me levou é para jogar, eu não estava nem preocupado nesse negócio de queimar ou não

queimar, eu queria jogar, 16 anos tu vai pensar em quê? [risos] Pensar em jogar.

F. H. – E você lembra da volta para o Brasil, como que foi a chegada aqui no

Brasil? Impressa, torcedor bravo.

J. A. – Não, inclusive eu tenho até umas fitas ai que eu chego, dou entrevista e ainda

falo que: “sou jovem, tenho condições de voltar em outras Copas do Mundo e tal, não

joguei nessa e tal, mas tenho condições de voltar a fazer outras Copas do Mundo”.

J. C. – Você sabia que você tinha ainda uma carreira pela frente. O Djalma Santos, o

Garrincha, acabou ali para eles. Como é que foi depois do jogo contra Portugal, como é que

foi reencontrar, vocês desceram lá, velório, não é?

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J. A. – Isso que eu ia falar, nós fomos em um ônibus voltando pra Lynn, velório. E o

pior é saber que vai chegar no hotel, vai arrumar a mala e vai ter que ir embora. Todo o

planejamento que tinham feito para nós estarmos ali direto, e a intenção era do Brasil

ganhar ser o primeiro do grupo e ficar ali mesmo em Liverpool, entendeu? Isso foi tudo por

água abaixo. Para mim foi tudo muito triste, falei: “poxa, com 16 anos ser campeão do

mundo, que maravilha!”. E de repente nem jogar, porque trocou todos os jogadores e eu

não joguei, o Zito não jogou porque estava machucado, mas eu tinha condições de jogo.

F. H. – Pois é, ai então volta esse Edu, já 16 anos, uma Copa do Mundo, volta para o

Santos. Como é que é 66, 67?

J. A. – Não, foi bom em 66 para mim, porque quando nós voltamos da Copa do

Mundo, o Santos disputou um Quadrangular em Nova York, e nós jogamos contra AIK da

Grécia, Benfica, Inter de Milão. O primeiro jogo foi contra o Benfica. Nós ganhamos de

quatro a zero, eu fiz dois gols nesse jogo e como eles haviam, tiveram lá uma eleição e o

Eusébio foi eleito o melhor jogador da Copa, o “Pelé da Copa”, e o Pelé estava mordido,

né?! Nesse jogo Santos e Benfica, o que o Pelé fez foi brincadeira. Inclusive faz um gol

que o juiz teve que terminar o jogo, invadiram o campo, ai terminou o jogo. Mas foi uma

revanche, porque o Benfica tinha nove da Seleção em campo, e o lateral, inclusive o lateral

direito, que era o Cavem... Nesse jogo ali, eles não me conheciam, e eu matei com eles

[risos]. E nessa viagem foi quando eu completei 17 anos na volta para o Brasil, fomos

campeões desse torneio. Ganhamos de um a zero do AIK da Grécia, quatro a zero do

Benfica e quatro a um da Inter de Milão.

F. H. – Nove gols em três jogos [risos].

J. C. – Qual era a escalação do Santos nesse torneio?

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J. A. – Era Gilmar, Carlos Alberto, Mauro, Orlando e o Lima na lateral esquerda, aí

era Zito, Mengálvio... jogou Dorval, depois entrou Amauri, Toninho, Pelé e Edu.

J. C. – Uma seleção. [risos] Uma seleção.

F. H. – Na linha desses títulos, ganhar esse título em Nova York, em 67 vem seu

primeiro campeonato paulista.

J. A. – Paulista isso.

F. H. – Como foi essa campanha?

J. A. – Então, nós jogamos contra o Comercial de Ribeirão Preto, e nós fizemos um

gol e o público reclamou, disse que o Pelé estava impedido. No último jogo da rodada,

jogou Santos e Portuguesa Santista aqui no Rio, e Corinthians e São Paulo, em São Paulo.

E o nosso jogo começou até um pouquinho mais tarde, para saber do resultado lá, porque o

Santos depois, acho que propôs a Federação Paulista, então nós entregamos esses pontos,

vamos ficar em igualdade de pontos com o São Paulo, e foi o que aconteceu. O São Paulo

estava ganhando o jogo, ia ser campeão, Benê fez um gol, estava ganhando. Não, acho que

estava zero a zero, Benê fez um gol, finalzinho de jogo, deram a saída e terminou o jogo, e

nós estávamos jogando contra a Portuguesa Santista, estava um a um o jogo. Aí anunciou

no alto falante: São Paulo zero, Corinthians um. Se nós ganhássemos, nós ficávamos em

igualdade de pontos com o São Paulo, acho que em cinco minutos nós fizemos dois gols,

ganhamos de três a um, ai fomos para a final contra o São Paulo, no Pacaembu. Que

também sete minutos de jogo estava dois a zero para o Santos, então é um titulo que, nada a

contestar [risos].

F. H. – Daí 68 é um ano brilhante para o Santos?

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J. A. – Ah, ganhamos tudo em 68, nós ganhamos a Recopa e o campeonato paulista,

mas o campeonato paulista foi interessante, que a diretoria do Santos oferecia dinheiro

extra, por diferença de pontos do segundo colocado e diferença de gols nos jogos na Vila.

Então toda equipe que descia, descia com medo e não subia com menos de cinco [risos], e

nós ficamos acho que oito a onze pontos de diferença do segundo colocado, que acho que

foi o Corinthians, segundo colocado em 68. E nesse ano eu fui vice artilheiro do

campeonato paulista, eu fiz 21 gols, empatei com o Martilho que jogava no Palmeiras

F. H. – Também nesse ano tem o Roberto Gomes Pedrosa, que vocês dizem que é o

começo.

J. A. – É, o Roberto Gomes Pedrosa era sempre do inicio do ano, e o Santos já

naquela época já queria mais viajar que era mais rentável do que ficar disputando os

torneios aqui, ou Libertadores da época. O Santos abriu mão, né?

F. H. – Porque isso hoje é considerado um campeonato brasileiro, um título

brasileiro conquistado por vocês.

J. A. – É, exatamente isso mesmo, e hoje é bom também, e naquela época o torneio

Roberto Gomes Pedrosa era mais ou menos Rio – São Paulo. Depois começou entrar um

pouco Minas... aí entrou Rio Grande do Sul, Bahia, então...

F. H. – E em 68 também tem uma volta sua à Seleção, você vai jogar, se me lembro,

a Copa Rio Branco.

J. A. – Fomos campões, isso eu me lembro.

F. H. – Esses jogos contra o Uruguai dizem que era muito pesado, imagino para

você, um cara rápido, drible ali na esquerda, como é que era, você lembra? Os Uruguaios

batiam mesmo...

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J. A. – E o Uruguaio que batia, depois veio jogar aqui no São Paulo, ele tentava

bater, mas não me pegava, que era o Forlán14. Mas eles batiam muito e tinha uma coisa

assim anti-futebol que não entra na minha cabeça o jogador fazer esse tipo de coisa

entendeu, eu não sei, porque eu também sempre fui calmo dentro de campo, mas às vezes

você está distraído, o jogador passava cotovelava, soco, quer dizer não tinha o que tem

hoje, hoje pegam tudo. Hoje a televisão tem câmera para tudo quanto é lado, pega tudo,

naquela época não tinha nada disso, então você tinha que ser durão mesmo, porque os caras

vinham e pisavam em cima, se você caísse pisavam em cima, e o juiz segue o jogo, não

tinha essa. Contra os brasileiros eles sabiam que eles batiam, mas que não adiantava, a

gente ia em cima de novo. Então não tinha essa, eu lembro que nós fomos campeões. Acho

que o treinador, se não me falha a memória era o Oswaldo Brandão.

J. C. – É

J. A. – Tenho uma boa memória [risos].

F. H. – Você disputava posição também com o Caju, com Eduardo nessa época.

Como é que era essa disputa de posição?

J. A. – Ai é opção do treinador, acho que não é uma disputa, é cada um querendo

fazer o seu melhor. Tanto é que até hoje eu sou amicíssimo do Paulo, nós somos amigos. A

gente está sempre se falando no telefone, isso que é gostoso. E o Eduardo, falecido

Eduardinho, jogou no América. Mas não tinha essa de disputa, eu acho que quem gostava

era o treinador, que ele tinha varias opções ali, porque o Paulo, além de ele jogar na ponta-

esquerda, ele jogava muito mais pelo meio, então eu já fui sempre um ponta nato, ofensivo

né, voltava no máximo até o meio de campo para marcar e dali pra frente...

J. C. – Mas você não era muito marcador não? 14 Pablo Forlán

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J. A. – Não.

J. C. – Você é um dos últimos pontas-esquerdas que vai na linha de fundo, ataca,

dribla, e cruza.

J. A. – Mais ou menos como o Garrincha fazia, voltava até o meio de campo para

fazer uma sombrinha ali para o lateral não avançar tanto, mas voltando para marcar eu

nunca soube, nunca fui jogador assim de marcação. Eu sempre fui muito objetivo.

J. C. – E também não tinha muito como o lateral avançar sabendo que tinha o Edu

ali.

J. A. – Exatamente, como nós tínhamos no Santos, nós tínhamos um esquema, então

o lateral vinha, vinha até o meio de campo, e passando do meio de campo eu já saia um

pouquinho mais aqui, e o que pegasse a bola aqui era no Edu. E sempre em um desses

contra-ataques saía gol. E saindo gol o treinador adversário não vai deixar o cara atacar de

novo [risos]: “volta aqui, marca aqui”.

F. H. – Em 69 assume a Seleção como treinador para um novo projeto da Seleção, o

João Saldanha. Qual o papel do Edu nesse momento da Seleção?

J. A. – Importantíssimo, porque quando ele convocou, até foi bastante contestado o

que ele falou: “essas são minhas 22 feras!”. Ele chegou para mim e falou assim: “olha, você

vai ser o titular. Faz o que você está acostumado a fazer no Santos”. Ele só me falou isso,

joguei. Nesse ano foi interessante que 68 também foi um ano muito bom para mim, que eu

fui considerado o melhor ponta-esquerda do mundo, disputava muito com um jogador da

Iugoslávia, hoje dividida, que era o Džajić15, que era o ponta-esquerda, na Europa ele era o

“bam bam bam”. E 69, nas elimintórias, com o Saldanha, comecei a jogar, e fiz muitos � Dragan Džajić

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gols, dei muitos passes para gols, inclusive o gol da classificação no Maracanã fui eu que

fiz a jogada. E eu fui considerado também nesse ano o melhor ponta-esquerda do mundo, e

infelizmente depois o João Saldanha saiu.

F. H. – Como era o clima interno com o João Saldanha? Porque tem essa coisa em

cima da figura dele, a respeito do corte com o elenco, com o Pelé?

J. A. – Não, ele era sensacional, era amigo. Praticamente ele entendia o jogador de

futebol, porque ele já tinha sido técnico do Botafogo, entendeu? Então ele entendia mais ou

menos os jogadores de futebol. Aí houve aquela polêmica dele com o Pelé, que ele disse

que o Pelé estava cego, agora não sei se foi ele mesmo que disse, então ficou aquela

polémica. Mas era um bom treinador, inclusive, depois que ele saiu, nós continuamos

fazendo o que ele fazia. Ele dava predilecção, ele saía, saía toda a comissão técnica, e nós

ficávamos discutindo. Ele falava: “agora vocês é que discutem, porque quem vai jogar são

vocês”. Então saia toda a comissão técnica e a gente discutia na hora, se ficar assim, quem

vai dar o grito para de repente mudar um plano tático dentro de campo, entendeu? Então

tudo isso ele é que nos deixou à vontade para fazer isso.

J. C. – E vocês chegavam a mudar alguma coisa?

J. A. – Mudou. Infelizmente ele saiu, mas com a entrada do outro treinador – que eu

sai também do time – nós levamos isso, continuamos fazendo isso. Houve uma mudança

contra o Uruguai na Copa do Mundo, em 70, que o Gerson se sentiu muito marcado lá na

frente, falou: “pô, eu não vou jogar desse jeito, eles não vão me deixar jogar”. Aí ele

inverteu, e falou: “eu vou ficar de volante, Clodoaldo, você faz o de meia”, e deu tão certo

que o Clodoaldo foi e fez o gol.

J. C. – Gol importantíssimo.

J. A. – É, nossa! Aquele gol foi...

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J. C. – Quem eram as 11 feras do Saldanha quando ele escalou a primeira seleção

dele?

J. A. – Foi Félix, ou era o Cláudio do Santos? Cláudio também estava, Carlos

Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo, era a zaga do Santos. Piazza e Gerson, Jairzinho,

Tostão, Pelé e Edu. Então, do ataque só o Edu é que saiu, porque o treinador que assumiu

ficou naquela de que acha que tinha que jogar da maneira como ele jogava, não sei como

ele jogava. Só que eu é que acabei saindo [risos].

J. C. – Você era o ponta!

J. A. – Exatamente.

J. C. – Se tinha um ponta ali era você.

J. A. – Era isso.

J. C. – Paulo César, Rivelino...

J. A. – E eu estava no meu melhor momento, e no dia da mudança do treinador,

estávamos reunidos para chegar o novo treinador, se apresentar, Saldanha não é mais o

treinador, e o Rivelino estava sentado do meu lado, e eu digo: “Riva, não jogo mais!”. E

ele: “como não joga mais?”. “Espera para você ver”, e não deu outra, não joguei mais. Ele

escalava o Paulo César, e depois na Copa ele escalou o Rivelino. E eu estava no meu

melhor momento.

F. H. – Você chegou a ter alguma conversa com o Zagalo sobre a sua saída?

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J. A. – Não, não. Eu confiava muito em mim, entendeu? Não ia falar com ele por

que ele me tirou, tanto é que o povo brasileiro queria o Edu na ponta-esquerda, só que ele

era o treinador, ele não queria. Tanto é que eu tenho um pouco assim de mágoa, porque eu

fui a duas Copas do Mundo com ele, e não joguei nenhuma, tanto é que eu nem cito o nome

dele.

F. H. – E essa preparação dessa Seleção no Brasil, no Rio de Janeiro, o clima, a

imprensa, a torcida, era semelhante em 66, tinha alguma diferença?

J. A. – Não, não. Já estava bem mudado, primeiro, já estava mudando a tecnologia,

então já era mais fácil, já tinha televisão em cima. Nessa Copa do Mundo, 70, foi muito

importante porque, para muitos, como foi a de 66, a de 70 era também a última. Era a

última para alguns ali, e foi tão sério o negócio que, sempre eu classifico de Seleção não só

de excelentes jogadores, de homens, que queriam, que sabiam o que queriam. Então, nós

queríamos ser campeões do mundo e fomos, até tranqüilos, tomava gol a gente nem se

desesperava, sabia que tinha condições de fazer dois, três, e foi o que aconteceu.

J. C. – Diferente de 66 quando você disse que você viu a Seleção Brasileira sem

força de reação.

J. A. – Essa não, 70 a gente sabia que não tinha como perder aquela Copa do

Mundo, porque todo mundo focado, e a maioria jovem. Eu estava com 20 anos, Clodoaldo,

20 anos, Paulo César, 20 anos, Leão, 20 anos, Zé Maria, 20 anos, quer dizer, a maioria tudo

jovens, e nós queríamos ganhar, e jovens responsáveis, isso foi que nos levou a conquista

até com certa facilidade.

J. C. – Atribui-se também essa vitória da Seleção de 70 a uma determinação muito

pessoal do Pelé, você teve contato com ele, ele dizendo que ele queria, tinha que ganhar

aquela Copa?

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J. A. – Nós tínhamos sempre reuniões nos quartos, então como tinha vários

jogadores do Santos, de vez em quando a gente ia no quarto, ficava batendo papo, Pelé com

aquele violão dele, e eu tinha que ouvir [risos]. Afinal é o rei!

J. C. – O Pelé como violonista você devia achar que ele era um grande craque!

J. A. – Camisa 10 fantástico! [risos] E nós ficávamos ali batendo papo, e realmente

ele estava muito sentido, porque elegeram o Eusébio o melhor do mundo, o “novo Pelé”.

Pelé só tem um, não tem o novo, nem o velho, só tem um. E ele disse: “não, eu vou provar

ao mundo quem é o Pelé, vou treinar, então estou treinando, estou preparado, e o mundo vai

ver quem é o Pelé”. E realmente viu, porque em 70 ele fez de tudo. Infelizmente aquela

bola que ele tentou do meio de campo não entrou, mas nós que jogávamos no Santos, nós

vimos ele fazer isso várias vezes nos jogos, mas sem televisão, quer dizer, ninguém ficou

sabendo. Mas quer dizer, hoje dizem: “o gol que o Pelé tentou fazer”, não ele já tinha feito,

só não fez em Copa do Mundo, é diferente.

F. H. – Uma outra coisa também que é atribuída, além disso do Pelé, é que em 70

tem uma mudança na preparação física dos jogadores, uma nova equipe de preparadores,

até o próprio Parreira né, você notou diferença de treinamento que você tinha no Santos

para esse da Seleção?

J. A. – Lógico, foi completamente diferente, eram cinco preparadores físicos,

primeiro era o Chirol, depois vinha Cláudio Coutinho, Carlesso, Camerino, Parreira, quer

dizer, a preparação física e nós fizemos toda a preparação, nós fizemos de uma forma bem

inteligente, bem adequada ao tempo da Copa, para você não chegar na Copa desgastado, e

chegar na Copa bem, então o que eu soube é que o planejamento que havia feito já o João

Saldanha, eles cumpriram. Porque nós chegamos em Guadalajara, nós não ficamos em

Guadalajara, nós fomos para Guanajuato. Guadalajara aqui, Guanajuato aqui. Botava uma

pedra de gelo e ficava uma semana, não derretia [risos]. Imagina, e treinamos nesse lugar

bem alto, e fomos preparados, quando descemos para jogar em Guadalajara a gente

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atropelou todo mundo... e na Cidade do México a mesma coisa. Então quer dizer, mudou

totalmente a preparação física, era feita já sobre estudos. Em 66, por exemplo, era o

falecido Paulo Amaral, acho que era só ele que tinha.

J. C. – É.

J. A. – Paulo Amaral e tinha mais um outro que era do Exército... Firmino, uma

coisa assim. Então era completamente diferente, eu me lembro que o Paulo Amaral pegava

uma vara de bambu, rodava assim, e a gente ficava em volta, você tinha que saltar, senão tu

levava uma lombada [risos], podia até quebrar a tua perna. Paulo Amaral era forte, então

quer dizer, totalmente errado. Hoje você vê a preparação física, você dá risada do que você

faziam [risos].

J. C. – Sargento da Policia Especial do Getúlio. [risos]

J. A. – É isso.

J. C. – Edu, eu já vi que você gosta muito do treinador da Seleção de 70, que você

não disse nem o nome dele [risos]. O Rildo, que era o titular, e de repente não era mais

nada, nem foi à Copa.

J. A. – Exatamente.

J. C. – O Rildo levantou uma seguinte questão: que o corte dele foi político. Houve

politicagem de fato assim, naquela Seleção?

J. A. – Ah, eu não sei, nessa época então, na minha idade, eu não via essas coisas,

entendeu, não entendia muito bem dessas coisas. Mas houve um corte do Rildo.

J. C. – Leônidas?

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J. A. – Djalma Dias, que ninguém entendeu, porque era o titular das eliminatórias,

classificamos com facilidade e bem, sem tomar tantos gols, e de repente você está cortado,

não vai nem para a Copa?

J. C. – Eu não me lembro se o corte do Rildo ou do Djalma Dias a alegação foi que

tinha ágio [risos]. Não, isso é uma declaração do Rildo. Eu estava com o Rildo em uma

entrevista para aquela revista Brasileiros, ele fala isso.

J. A. – Ele fala isso? E o Rildo grande amigo.

F. H. – Nessa mesma linha também, citando mais um exemplo, só que ao contrário,

pode ser o caso da convocação do Dadá.

J. A. – É, o Dadá, foi a queda também do Saldanha. A queda do Saldanha surge de

novo pela convocação...o presidente, Médici, na época, falou que gostaria de ver o Dadá na

Seleção. Aí o Saldanha: “vê se eu escalo os seus ministros” [risos]. Então acho que foi aí a

queda, e o Saldanha já era meio da esquerda, já não era muito...

J. C. – O Saldanha era do Partido Comunista. [risos]

J. A. – Então, aí foi a gota d´ água, e a pressão foi fortíssima.

F. H. – Você sentia esse clima no embarque, tem almoço com o Médici, por esse

período de ditadura que o Brasil vivia, isso interferia? Existia alguma coisa lá dentro, essa

vontade que os militares tinham que o Brasil vencesse também?

J. A. – Não, a vontade que o Brasil vencesse isso sim existia, porque o então

presidente Médici, ele ligava antes dos jogos, fazia questão de conversar com todos os

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jogadores, “está tudo bem, boa sorte e tal”. Nunca mostra se é pressão ou não, não sei, mas

se de repente, “oi, tudo bem, boa sorte, bom jogo”...

J. C. – Ele ligava?

J. A. – Ligava.

J. C. – Estou surpreso.

J. A. – Ligava, e quando nós chegamos, primeiro lugar foi lá em Brasília.

F. H. – Acho que a gente pode começar a pensar na Copa já, não é? Estréia, Brasil e

Tchecoslováquia, você está lá em cima ainda.

J. A. – É, estou [risos].

F. H. – De novo.

J. A. – A gente era os jogadores pombinha, ia lá para cima, não tinha como [risos].

F. H. – Em 70 já tinha banco de reservas?

J. A. – Já, já tinha, ficavam cinco.

F. H. – Contra a Tchecoslováquia você...

J. A. – Não fiquei, eu fiquei contra, não me lembro se foi Inglaterra, Romênia.

Fiquei contra a Romênia, que eu até joguei um pouco.

F. H. – E esse jogo da Tchecoslováquia, você lembra? Quatro a um.

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J. A. – Lembro, então, é esse que eu estava comentando, e gostaria de comentar

aqui, que foi um choque, de repente o Brasil tomou um gol. Mas todo mundo levou um

choque e se ligou, “opa, peraí”. Aí na seqüência a gente sabia que, quando empatou, e

depois dois a um, a gente já sabia o que era, porque a confiança era muito grande. Quando

o grupo é unido, todo mundo pensando igual, não tem como ser derrotado. Como houve

esse gol ai contra a Tchecoslováquia, que o Petras, não é?

F. H. – É.

J. A. – Fez o gol, que depois até Jairzinho pegou.

F. H. – Eu imagino você, na época que você foi em 66, você viu dois jogos que o

Brasil começa perdendo, e acaba eliminado. Aí começa uma outra Copa, você está lá em

cima de novo, e começa perdendo de novo...

J. A. – Não, mas de uma situação completamente diferente, nós sabíamos o que

queríamos, muita confiança, todo mundo bem centrado naquilo. E o ambiente é muito

importante, quando todo mundo, ninguém está aqui torcendo para que o outro se machuque

para você jogar, não, está todo mundo torcendo para você ir bem. Agora o jogar ou não, é

uma outra coisa, lógico que todo mundo quer jogar.

J. C. – O Gerson ali era um maestro, não era?

J. A. – Ah, era. Porque o Pelé, ele é tão forte que ele não falava nada, ele não era de

falar muito, ele grita, vamos lá e tal, mas ele não é de ficar dando dura em a, b, ou c, o que

falava mais ainda que o Gerson era o Carlos Alberto, que por coincidência era mais novo

que eles, mas passou a ser o líder, tanto é que foi o capitão. E tem uma história interessante

desses jogos aí, que o Rivelino, batendo papo, ele estava confessando com o pessoal lá, e

ele falou: “poxa, na hora do hino, todos postados ali, e de repente eu vi no banco o Edu e o

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Paulo César, e o que eu estou fazendo aqui no lugar dessas duas feras?”. Mas ele tinha que

jogar, também não tinha espaço. Na época ele era o reserva do Gerson, mas foi legal,

ganhamos a Copa, foi maravilhoso.

F. H. – E depois dessa vitória contra a Tchecoslováquia, vem um dos maiores jogos

das histórias da Copa do Mundo, que é Brasil x Inglaterra.

J. A. – Ali nós ganhamos o jogo em uma defesa que o Félix fez, logo no inicio do

jogo. O Lee, que era o ponta-esquerda, número sete, acho, da Inglaterra, chutou o Félix, e a

Inglaterra “toda-toda”. Eu vi um lance depois perto da área, o Lee veio, o Carlos Alberto

deu uma pegada nele, e ali acho que foi onde nós ganhamos o jogo. A Inglaterra sentiu que

com o papo ali não é assim não, nós ganhamos o jogo ali. E tínhamos time mais forte do

que eles para ganhar, como vencemos. A jogada do gol do Tostão foi uma coisa

maravilhosa o que ele fez ali, e o Banks já tinha feito uma defesa espetacular em uma

cabeçada do Pelé

J. C. – Ele disse que foi a defesa mais importante da vida dele.

F. H. – E o Félix também disse isso na nossa entrevista, que foi a defesa mais

importante dele foi aquela.

J. A. – Isso aí.

F. H. – E passado pela Inglaterra, essa grande batalha, vem um momento seu agora,

é a primeira vez que você vai entrar em campo em uma Copa do Mundo, na TV né, então

imagino que no Brasil todo mundo assistindo, em Jaú, como é essa emoção, entrar com

amarelo?

J. A. – É uma emoção maravilhosa, não tem como descrever qual é a sensação, só

que em uma Copa do Mundo, eu entrei acho que faltando uns minutos quinze. E quinze

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minutos em uma Copa do Mundo, em um jogo normal é [INAUDÍVEL], em uma Copa do

Mundo então já foi. Pegou duas vezes na bola, no máximo, e é complicado. E eu entrei com

a maior vontade, falei: “eu vou fazer minhas jogadas”. Mas quando eu peguei na bola, a

primeira vez que eu peguei na bola já vieram logo dois, logo dois em cima, aí eu ameacei e

toquei para trás, pelo menos não perdi a bola, porque você entra frio, o pessoal já está no

clima do jogo, e é ruim, é difícil, até você entrar no clima do jogo, aí acabou o jogo.

F. H. – Quando você entrou já estava três a dois?

J. A. – Não, acho que não. Acho que estava três a dois não. Ou já estava três a dois?

Eu não tenho lembrança, mas foi um momento assim... mágico para mim! Entrar para

disputar uma Copa do Mundo. Infelizmente quinze minutinhos. [risos]

[FINAL DO ARQUIVO II]

F.H. – Bom Edu, a gente estava então no fim da primeira fase da Copa de 70, e

passa para as quartas de final, jogo contra o Peru.

J. A. – Peru, super bem treinado pelo senhor que foi meu treinador aqui no Santos,

Elba de Pádua Lima, o Tim, que armou um time maravilhoso, acho que o Peru não vai

voltar a ter uma equipe como aquela. Deram um pouquinho de trabalho por causa das

características, e bons jogadores que eles tinham, mas também não foi páreo para a nossa

Seleção que estava super bem preparada e centrada em ser campeões do mundo.

J. C. – O time do Peru era comandado pelo Didi, não é? Acho que não era pelo Tim

não?

J. A. – É o Didi, com certeza. Desculpe. O Tim foi depois, foi uma outra Copa do

Mundo do Peru. Foi treinado pelo Didi, isso mesmo, que fez um time maravilhoso.

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J. C. – Maravilhoso.

J. A. – Armou um time maravilhoso, características, mais ou menos, de muitos

jogadores semelhantes ao futebol brasileiro, Perico Leó, Baylón, Cubillas, o ponta-esquerda

deles jogou inclusive no Palmeiras, que era o Gallardo.

J. C. – Gallardo.

J. A. – Grandão, fez um gol inclusive nesse jogo.

F. H. – E aí vem um jogo com muita expectativa, porque o Brasil vai enfrentar o

Uruguai de novo em uma Copa do Mundo. Uma coisa que não acontecia desde 50, se ouvia

muito isso, tinha muito esse clima de revanche?

J. C. – Não, veja bem, os jornalistas, é lógico, eles pegam qualquer detalhe. Os

Uruguaios então, mais ainda querendo nos tirar do sério, não, que se repetiu o que

aconteceu em 50, “mas em 50 eu tinha um ano de idade” [risos], muitos ali tinham um ano

de idade, nós nem vimos isso, não tem nada a ver uma coisa com a outra, isso foi em 1950,

nós estamos aqui em 70. Tanto é que nós sofremos o gol, mas não houve assim, aquela

precipitação, aquele nervosismo, aquele negócio, será que nós vamos conseguir? Não, nós

vamos conseguir porque nós temos condições de virar isso aí, de reverter esse quadro.

Estava meio complicado para a bola entrar, mas houve essa inversão de posicionamento

que eu havia comentado, que o Gerson voltou e o Clodoaldo foi fazer a função dele, e de

repente aconteceu o gol do Clodoaldo, na jogada sensacional do Tostão. E terminou, acho,

o primeiro tempo um a um, mas nós sabíamos que íamos vencer aquele jogo, porque

éramos também o melhor time, bem melhor que o Uruguai.

F. H. – E é um jogo de jogadas geniais do Pelé também, não é?

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J. A. – É, inclusive aquela que ele faz, a do drible que ele dá no Mazuquievsky.

Depois o tiro de meta que o Mazuquievsky cobra, que ele rebate de primeira, e a falta que

ele sofre que é legal, porque quando ele cai na área do Uruguai, ele faz o passe para o

Rivelino, sofre uma falta e cai na área, então vem aquele pessoal, e o cara pisa na mão dele.

Se você prestar atenção, depois no tape você vê que ele levanta rápido, olha, olha e tenta

ver o número da camisa, porque era muita gente, ele tenta ver o número da camisa, e ele

viu. Ele viu, e depois naquela jogada ele diminuiu a passada, ele fazia muito isso, diminuiu

a passada, deu uma cotovelada e gritou e caiu, sofreu a falta ainda. Depois eu fui jogar no

México, joguei nos Tigres, no México e o preparador físico meu era esse Matoso [risos], foi

o que levou a cotovelada, e um dia nós estávamos conversando, e aí ele falou: “Edu eu

fiquei uns dez minutos sem saber onde eu estava”, ficou tontinho, sente a cabeça dele vir

para trás. O Pelé também sabia fazer, fazia muito bem, batia bem, sabia se defender, como

ele dizia, se você jogar legal eu vou jogar legal, se bater eu vou me defender.

J. C. – Pelé quebrou a perna de um jogador para se defender.

J. A. – Exatamente.

J. C. – Está se defendendo.

J. A. – Só ele vai apanhar? [risos]

J. C. – O cara veio, eu vou por cima então.

J. A. – Apanhou bastante, depois ele devolve, dá o troco.

F. H. – Você falou de México, e uma coisa que é muito falada nessa Copa é o clima

da torcida mexicana, não é?

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J. A. – Nossa, até hoje, você chega no México, Brasil 70, eles falam México 70.

Então depois eu tive a oportunidade de jogar no futebol mexicano, nossa, onde eu chegava

eu era bem recebido, muito legal, o mexicano nessa Copa ele se tornou brasileiro, se tornou

brasileiro, e não sei se nós já vamos chegar no jogo da final.

F. H. – Já. [risos]

J. A. – Então, e o mexicano, quando o Brasil consegue vencer a Itália, eles diziam

que o Brasil tinha se vingado deles. “Brasil nos vingou, Brasil nos vingou.” Porque eles

haviam sido eliminados pela Itália, e acho que foi por um placar de quatro a um, uma coisa

assim.

F. H. – Nas quartas, eu acho.

J. A. – É, então quando eles saíram fora, eles viraram Brasil, aí todos os jogos,

finais dos jogos, fazia aquela carreata atrás do ônibus até as suítes Caribean, onde nós

ficamos. Depois nós, para agradar, nós eu digo entre aspas, também não toco nada, só um

chocalhozinho e olhe lá. Mas aí a gente fazia um samba, tinha a parte de cima, nós

ficávamos lá em cima, e ficávamos lá tocando samba tal, cantando e o pessoal dançando lá

na rua, foi realmente, se tornou um clima brasileiro no México. Eles se entregaram mesmo

desde o momento em que nós chegamos no México. Eles colocaram assim na lapela do

nosso terno uma florzinha, e no final da viagem todo mundo estava com essa florzinha, eu

acho que, não sei se ainda tenho esse terno ai, mas se tiver ainda deve estar a florzinha ali

na lapela, todos eles deixavam, então aquilo eles achavam um gesto fantástico nosso.

Porque a Inglaterra levou água, levou tudo, foi complicado.

J. C. – Quase uma ofensa, não é?

J. A. – Exatamente.

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J. C. – Você acha que teve um peso significativo a torcida mexicana na conquista do

Brasil? Ou o Brasil ganharia contra a torcida?

J. A. – Não, ganharia até contra a torcida, mas como o povo, o jogador brasileiro, a

maneira como nós jogamos agrada a todos, eles “vamos torcer para o Brasil”. E eles

adoram o brasileiro, então foi uma coisa fantástica isso, e eles é, “Brasil, Brasil, Brasil, e

foi maravilhoso.

J. C. – Em que momento Edu, você sentiu: vamos ser campeões?

J. A. – Veja bem, quando começou a Copa, o primeiro jogo nosso já deu para sentir

que não tinha para ninguém, todo mundo com um pensamento só, ser campeão do mundo e

nos treinamentos você via uma disputa, uma guerra, uma disputa, todo mundo, não eu vou

cobrar de ti. Eu me lembro que às vezes nos treinos o Carlos Alberto: “Edu, pára, calma,

calma”, eu falei: “Carlinhos, tu já está escalado e eu vou tentar me escalar”. Então ele: “pô,

dá um tempo”, quer dizer eu forçava bem o Carlos Alberto.

J. C. – Não tinha aquela história de treino é treino e jogo é jogo?

J. A. – Não eu forçava bem, porque no jogo ele dificilmente pegou ponta, ele não

pegou quase ponta-esquerda. Mas quando o cara ia por ali ele dominava fácil, com a

categoria que ele tinha, tava bem treinado, porque eu forçava ele também nos treinos.

Então, tudo isso foi favorável a essa conquista, a maneira como nós levávamos os

treinamentos, as brincadeiras, um respeitando o outro, se você não gosta de brincar, então a

gente respeitava. Isso é que faz com que uma Seleção fique forte.

J. C. – O teu temperamento é mais de brincadeira ou mais reservado?

J. A. – Não, eu sou mais de brincadeira, mas eu sou bem calmo, sou bem sossegado,

mas eu gosto mais é de brincadeira, uma sacanagenzinha aqui, uma sacanagenzinha ali.

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Então era um barato que naquela Seleção ali a maioria tinha apelido, então dificilmente a

gente se chamava pelos nomes, chamava sempre pelo apelido, mas só entre nós.

J. C. – Pelé tinha apelido?

J. A. – Pelé não tinha não.

J. C. – Já era, não é?

J. A. – É já era Pelé. Então...

F. H. – E o do Edu?

J. A. – E o do Edu não dá para falar [risos]. Não dá para falar, o do Gerson todo

mundo sabe, não é? Papagaio. O do Clodoaldo era Hortelino troca-letras, aquele desenho

animado. Que ele fala “tlinta e tlês [risos]. Zé Maria era Zé bocão. Brito era cara de cavalo.

J. C. – O Tostão tinha?

J. A. – O Tostão era cara de ovo. [risos]

J. C. – Paulo César?

J. A. – Paulo César era nariz de ferro. Era gostoso, então até hoje a gente encontra

um com o outro, aí o Rivelino, Orelha. Eu vou falar o meu, o meu era Zé bundinha [risos].

Não sei porquê. [risos]

J. A. – Jair era o que...

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J. C. – Quem você acha, o grupo todo estava muito bem preparado, eram jogadores

extraordinários, tem muita gente que diz que foi a maior Seleção Brasileira de todos os

tempos, tem gente que diz que foi a de 58 e tal. Mas você tem sempre aqueles expoentes,

você tem sempre aqueles monstruosos, não é? Quem você destacaria assim daquele time?

J. A. – Olha para mim acho que foi o Brito. O Brito lá atrás, ele se preparou, foi

considerado inclusive o melhor preparo físico da Copa, estava muito bem o Brito. Ele

sobrou nessa Copa do Mundo, eu acho que foi o ponto forte da nossa equipe.

J. C. – E tecnicamente era um jogador limitado.

J. A. – Então, mas surpreendeu a todos.

F. H. – Esse jogo com a Itália, todas essas dificuldades, você já falou bastante desse

jogo para a gente, queria tentar ver se você consegue resgatar o momento em que acaba o

jogo. O que passa assim?

J. A. – Não acabou o jogo não, quando nós fizemos o segundo gol já era

comemoração. Sabia que eles não iam agüentar. Primeiro o ritmo forte do Brasil, que já era

para ter terminado o primeiro tempo dois a um para o Brasil, que o Pelé fez um outro gol,

idêntico ao que ele tinha feito de cabeça e o juiz terminou o jogo quando a bola estava

vindo para o Pelé. Terminou antes e o Pelé cabeceou e fez o gol. O juiz falou que já tinha

terminado o jogo. Então nós sabíamos que eles não iam agüentar, não tinham como. E a

Seleção da Itália na época, principalmente a zaga, já era uma seleção já de idade, já eram

jogadores já com uma certa idade, e nós estávamos voando, condicionamento físico

invejável, treinamos em uma altitude aqui, viemos jogar aqui, matamos eles.

J. C. – E eles marcavam homem a homem?

J. A. – É.

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J. C. – Tinha isso também. O Jairzinho saiu...

J. A. – O Jairzinho veio aqui para a ponta esquerda, o Fachetti16 o acompanhou, para

cá, tocou para o Gerson, o Gerson tocou para cá, livre de marcação fez o segundo gol. E o

gol do Jairzinho, que praticamente a bola bateu nele e entrou. E foi caminhando, aquela que

o Pelé ajeitou de cabeça para ele. Quando o Brasil fez o segundo gol, nós que estávamos lá

em cima, já estávamos comemorando, não tinha mais. E os mexicanos que estavam ali do

nosso lado sabiam, viam que estávamos de uniforme, e já começou a comemorar, “Brasil

Campeon Del Mundo, Brasil Campeon Del Mundo”, e aquela festa. Quando terminou o

jogo então, me explicaram no vestiário lá, a alegria. No vestiário foi legal a atitude do

Félix, porque o Félix foi muito criticado, a imprensa malhava muito o Félix, e ele, nessa

Copa, ele pegou para caramba. Quer dizer, eu acho que o bom goleiro é assim, quando

você precisa dele ele está. E foi o que aconteceu com o Félix. Ele chorou muito, no

vestiário ele chorou muito, de alegria, mas ao mesmo tempo desabafando.

F. H. – Um peso que sai.

J. A. – É um peso que saiu.

F. H. – E a volta, a chegada? [risos]

J. A.– Alegria, não tinha como. Brasília, e nós aqui de Santos, enfim ganhamos um

carro [INAUDIVEL] Brasília, Rio, São Paulo, Santos. E o interessante é que eu cheguei,

chegamos aqui em Santos e eu cheguei em casa, na rua de casa, morava em uma casa

próxima, e a rua da minha casa toda apagada, pensei: “será que esqueceram de pagar a

conta da luz?”. Aí meus irmãos, eu morava com meus irmãos, minhas irmãs, e de repente,

quando eu abro o portão, acende tudo, todo mundo dentro de casa, a rua toda, a rua toda.

Meu pai estava aqui e fez uma festa, e foi muito legal. É um negócio que não dá para você 16 Giacinto Fachetti

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descrever a alegria de você, de repente, ir para uma Copa do Mundo e vencer. É

maravilhoso! O sonho de qualquer jogador é disputar uma Copa do Mundo, você vai e

vence, não dá para descrever a alegria.

J. C. – Essa, obviamente que você ficou frustrado de não ter jogado, como você

falou, você estava no momento melhor da sua carreira ali, não é? Mas a conquista, eu acho

que supera essa...

J. A. – Não, sou campeão do mundo igual a quem jogou, eu me considero, embora

eu não tenha jogado, mas, como a gente fica de fora, foi como eu lhe falei, eu torcia para o

Rivelino ir bem. E quando o Paulo César entrou, eu também torcia para ele ir bem, porque

ele vai ganhar, eu também vou ganhar. Eu faço parte daquele grupo. Por isso que eu digo,

que essa foi uma Seleção formada por homens que sabiam o que queriam. Então, não

importa se joga a, b, ou c, o que nós queríamos era ser campeões mundiais, eu sou tão

campeão do mundo quanto eles que jogaram.

J. C. – O que é que mudou na tua vida depois?

J. A. – Muda tudo, até no clube. No clube você já tem uma regalia um pouquinho

maior, já tem pelo fato de você ser um jogador mundialista. Você já passa a ter, tinha

melhor salário, tinha melhor salário não, um bom salário por você ser de nível de Seleção e

depois campeão do mundo. Isso mudou muito e até hoje ainda usufruo disso. Ainda faço

minhas viagens para fora do país, acho que daquele grupo são poucos que tem ainda essa

facilidade, essa conexão, eu faço as minhas clínicas de futebol, Estados Unidos, vou para o

Leste Europeu, vou para a República Tcheca, vou para a República da Eslováquia, ainda

continuo dentro do futebol fazendo o que eu gosto.

F. H. – Nesse período de volta do Santos, você vai conquistar um outro campeonato

paulista em...

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J. A. – Em 73.

F. H. – Em 73, que é um dos episódios mais bizarros do futebol paulista, que é

aquela disputa de pênaltis, você lembra desse jogo, como foi aquilo?

J. A. – Foi zero a zero esse jogo aí. Teve umas faltas lá. O Zecão, acho que era o

goleiro da Portuguesa, fez umas boas defesas. E nós chegamos na cobrança de pênaltis,

estava dois a zero para nós, o Zé Carlos seria o segundo a cobrar. O primeiro seria o Carlos

Alberto, Zé Carlos, eu, Pelé, não, o Pelé seria o último, Léo, o Brecha, que infelizmente

faleceu há pouco tempo, e o Pelé seria o último. Então o Zé Carlos bateu e perdeu, a

Portuguesa bateu e perdeu. O Carlos Alberto bateu e fez, a Portuguesa bateu e perdeu, eu

bati e fiz. Aí ficou, restavam dois para cada um, acho que nós não iríamos errar os dois, não

é? Mas o Armando Marques na conta dele lá, eu não sei o que depositaram para ele [risos],

que o Otto Glória, muito inteligente, os jogadores da Portuguesa não entraram nem no

vestiário, já foram embora para o ônibus, e do ônibus foram embora para o Canindé. O

massagista e o roupeiro lá que colocaram a roupa deles numa Kombi e levou depois

embora, porque ele sabia que havia erro. Aí quando ele errou, vai voltar como? A

Portuguesa não está aí, vai perder uma oportunidade dessa? O pior é que eles se

consideram, campeões paulistas. [risos]

F. H. – É dividido o título, não é? Oficialmente.

J. A. – São tão campeões que vê onde eles estão. [risos]

F. H. – Isso gerou uma raiva mesmo de vocês assim, de eles não tarem mais lá?

J. A. – Não, não nós éramos campeões, nós nos consideramos campeões, mas eles

não, eles erraram três, as três cobranças. E nós tínhamos o Léo, no caso, o Léo, o Brecha e

o último seria o Pelé, não íamos errar os dois, se fizesse um já era, só que eles foram muito

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inteligentes, o Otto Glória, no erro do Armando Marques, sei lá se ele errou mesmo, ou já

estava na conta. [risos]

F. H. – E aí o Zagalo continua como treinador da Seleção nesse período até...

J. C. – Aquele treinador!

F. H. – Aquele treinador, ele continua...

J. A. – Então, para você ver, chega 74. Aí ele faz a convocação, e é ele que faz a

convocação. Convocou 22 jogadores, nesses 22 eu não estava. Acreditem ou não, era o

melhor ponta-esquerda do Brasil e eu não estava, houve acho... e eu não sei se eles

chegaram a fazer alguns amistosos ou não, e ele convocou o Dirceu e o Paulo César, que

nem um dos dois era ponta-esquerda, e logo depois, acho que sei lá o que aconteceu, ele

convocou mais três jogadores, que ele achou que era necessário. Ele convocou César, o Edu

e o Valdomiro. E quando eu cheguei, eu acho que ele não se contentou, e convocou mais

um ponta-esquerda, que também não era ponta-esquerda, jogava no teu time, o Marilson,

ele queria me complicar [risos].

J. C. – Acho que ele era, vamos dizer, um bom rapaz, não é?

J. A. – É, gostei, bom rapaz [risos]. E então, como eu não havia sido convocado nos

22, e meu pai cobrando. O que tu anda fazendo? Achando que era farra, bagunça. Falei não,

tava normal aqui no Santos jogando e campeão paulista. Aí cheguei, me apresentei acho

que numa terça-feira, não, me apresentei acho que numa segunda-feira, aí terça-feira treino,

falei com o Chirol, falei: “olha, eu estou parado, terminou o campeonato paulista, fomos

campeões e tal. Em 74 no início do ano, o Santos excursionou, eu não fui convocado e o

Santos também não está jogando, parou, e eu estou sem fazer nada, estou sem treinar”,

então tem que adquirir, pelo menos um pouquinho mais de condicionamento físico. Tudo

bem. Aí, treino no Maracanã, treino coletivo, eu no time de baixo, time de cima o Nelinho,

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na lateral, e o Nelinho sempre atacou bem, mas ele nunca foi testado defendendo e eu no

treino passei umas várias vezes por ele. Sei que chegou no domingo, me apresentei acho

que numa quarta-feira, eu sei que teve um treino no Maracanã, coletivo, recreação no

sábado, no domingo almoçamos lá em São Conrado, Flamengo, ali tinha concentração. Aí

preleção, nossa estou achando que não vou jogar, comi bem ali e tal, falei: “ah, não vou

jogar, estou voltando.” Aí ele dá a escalação: o ataque, Jairzinho, é Leivinha, e Edu. Já

olhei para o Chirol, né? “Não vou dizer para ele, não vou jogar” Era o que ele queria ouvir.

Aí depois eu falei, saí dali, terminou a preleção fui falar com o Chirol. Aí falei: “poxa,

palhaçada, né? Vocês estão a fim de me ferrar mesmo”, só que falei outros termos. Ele:

“não, você se apresentou bem no treino”. Eu estava sem treinar, não vou agüentar jogar 90

minutos, é diferente no jogo. Aí, “não, não, você está bem, não sei o que e tal”. “ Não eu

vou porque eu quero jogar”. Aí fui. Entra da escalação lá, Edu na ponta-esquerda, já leva

uma sonora vaia, porque eles queriam o Paulo César. Aquela vaia. Acho que foi Brasil e

Tchecoslováquia, uma coisa assim. A bola cai no meu pé, eu pego, monto de graça, drible e

tal, cruzo, aí o torcedor já muda. Aí já começa a gritar o meu nome, eu falei: “agora sim”.

Aí eu compliquei também o treinador, veio o outro jogo e ele já não pode mais me sacar,

jogamos acho que contra a Romênia, também joguei bem para caramba e tal, e eu me dei

muito bem ali com o Marinho, Marinho Chagas. Aí estou bem, falei, agora não tem

problema, só que nós saímos do Rio, fomos fazer um jogo em Brasília contra o Haiti, se

não me falhe a memória, Haiti. Primeiro jogador que ele tira, o Edu. Não tem jeito, não vou

jogar nunca, o time vai contra o Haiti, uma fraca seleção, e não conseguia fazer gol, estava

ganhando só de um a zero e tal, mas no segundo tempo ele me colocou e nós fizemos três

gols assim rapidinho, eu fiz um, ainda dei outro passe, Marinho Chagas fez outro, e eu falei

bom, agora acho que ele sentiu quem é quem. Não mas quando nós viajamos para a

Alemanha não teve jeito, aí não joguei, não ia jogar. Aí joguei contra o Zaire, que também

ele, só pode ser isso, ele queria me queimar, porque nós tínhamos que fazer três gols, e por

sorte aconteceram os três gols, joguei contra o Zaire. E o Valdomiro acho que cruzou a bola

lá e o goleiro fez o gol, fez contra, falaram que foi gol do Valdomiro. Não foi gol do goleiro

[risos]. Entendeu? Então são umas coisas que não...

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J. C. – Você acha que é uma questão tática dele?

J. A. – Acho que é uma tática meio perseguidora [risos], era uma opção tática, mas

meio perseguidora, porque não conseguia, nos treinos que eu fazia os próprios jogadores

falavam: “puxa não entendo como você não joga”.

J. C. – Porque eu acho que o Zagalo ele se sente, não estou fazendo defesa do

Zagalo, nem sou advogado dele, mas eu acho que o Zagalo, ele se sente mais seguro

quando ele joga com uma defesa bem armada, e com esse homem que foi ele, voltando para

fechar o meio do campo, né? E você, na verdade, e o que eu não entendo é o seguinte, é que

fechar o meio do campo é para impedir que os laterais avançassem, você, pelo teu estilo,

você já prendia o defensor lá atrás...

J. A. – Prendia, o lateral do time adversário não atacava, não tinha chance, se

atacasse ia levar uma bola nas costas, e daí podia surgir um gol, que era o contra-ataque,

né? Mas ele, sempre optou por isso, e esse jogo contra o Zaire era um três a zero, eu falei,

vou continuar, aí veio o jogo contra a Alemanha...

J. C. – Oriental.

J. A. – É Oriental, aí ele tirou, pôs o Dirceu. Novamente voltou para aquele

esquema, que o Dirceu não estava jogando, quem estava jogando era o Paulo César, e

contra o Zaire não jogou nenhum dos dois, e eu entrei. Sobrou para mim.

F. H. – Depois desse jogo com o Zaire, tinha sido dois zero a zero difícil. Aí vem

essa segunda fase, Alemanha, Argentina, aí parece que as coisas estavam melhorando. O

clima interno nessa Seleção era tranqüilo?

J. A. – Era bom, era tranqüilo.

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F. H. – E aí veio o jogo com a Holanda...

J. A. – Então, esse jogo contra a Holanda, eu digo era o jogo mais fácil para nós

ganharmos. A Holanda morrendo de medo. E nós tivemos duas chances de gol claras, não

sei se vocês se lembram, tivemos duas chances claras de gol. Nós tínhamos armado uma

jogada e que com certeza daria certo, como deu certo, porque a Holanda fazia uma linha de

impedimento. Então nós íamos, quando ele saísse saia todo mundo e entrava um lateral aqui

pelo [inaudível] e deu certo. Uma hora que ele saiu o Paulo César entrou por aqui, ficou

sozinho com o goleiro, achou que estava impedido, chutou e a bola foi para fora. Se o

Brasil faz um gol ali, nós tínhamos condições de fazer uns três, quatro, na Holanda. Aí eles

estavam morrendo de medo do Brasil. Aí eles sentiram que nós não fizemos nada, eles

vieram para cima e foram felizes em dois cruzamentos, e o Kroeff fez o gol.

J. C. – Ah, mas é uma seleção extraordinária.

J. A. – Seleção muito boa, muito boa, porque já há tempo que eles vinham armando

essa Seleção.

J. C. – Já jogaram juntos no Ájax.

J. A. – É eles estavam armando a tempo, e nos perdemos esse jogo, e depois nós

fomos para um, estou até antecipando.

F. H. – Não, não.

J. A. – Nós fomos para o jogo contra a Polônia e o João Havelange ofereceu até um

dinheiro extra para nós vencermos o jogo, para não deixar três países europeus na frente,

que seria, que ia disputar a final Alemanha e Holanda, e no caso a Polônia, que ficou em

terceiro lugar. Mas esse time da Polônia, nós jogamos contra ele em 68. Santos fez mais, o

Santos, a Seleção Brasileira excursionando, nós jogamos contra esse pessoal aí, o Lato,

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então era uma seleção que estava se preparando, acho que para olimpíadas, uma coisa

assim, e foi jogando junto, jogando junto, depois venceu o Brasil em 74, praticamente

quase os mesmos jogadores.

F. H. – Encerra-se o seu ciclo em Copas do Mundo, né? Três Copas do Mundo.

J. A. – É, três Copa do Mundo, eu até tinha condições de ir a mais Copas. as, eu

como saí do Brasil, eu fui para o Cosmos, aí fui para o México, então não deu certo, mas

daria para ir na de 78 na Argentina.

F. H. – Você estava com 29 anos?

J. A. – É, 29 anos, já era veterano em Copa do Mundo [risos].

F. H. – Aí tem a sua volta ao Santos, onde você vai permanecer mais um tempo, e

uma saída, não é? Como que é depois desse ciclo enorme de Santos?

J. A. – Minha saída dos Santos foi por uma discussão que eu tive com o diretor, o

presidente, aliás, na época o presidente Modesto Roma. Eu tinha uma parte das luvas para

receber, o dinheiro das luvas para receber e fui reclamar com ele, e eu falei: “presidente eu

preciso receber meu dinheiro, preciso viajar, terminou o ano, a temporada, e eu tenho que

viajar, como é o senhor quer que eu viaje sem dinheiro?” E ele falou: “vai a pé”. Essa frase

me tocou tão fundo, que eu saí dali chorando, cheguei em casa, liguei para o meu pai, falei:

“pai no Santos eu não jogo mais”. Ele falou “por quê?”, eu falei por isso, por isso, por isso.

Então depois veio também um treinador, no ano seguinte veio um treinador e na chegada

ele falou: “no meu time estrela não joga”. Ele estava se referindo ao Clodoaldo e ao Edu,

né? Porque eram os remanescentes daquele time, e campeões mundiais, sempre Seleção

Brasileira. E eu falei, bom, já que nesse time eu não vou jogar, o presidente mandou eu ir a

pé... Aí eu sumi, fiquei um mês sem aparecer no Santos, na reapresentação, né? Mas eu

estava aqui em Santos. Aí depois de um mês, peguei meu pai, chamei meu pai, meu pai

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veio, falei: “vamos lá no Santos que eu vou me apresentar lá”. Aí fui me apresentar lá, a

imprensa toda, eu avisei o pessoal da imprensa, aí quando eu cheguei, chamei o presidente,

estava o treinador. Aí os caras, “pô, mas Edu, aquelas perguntas, o que é que houve? Por

que você está voltando agora?” Aí eu falei para o meu pai: “explica para eles”. Aí meu pai

falou. Falei, ele não vai mentir, ele vai usar as mesmas palavras que eu ouvi. Aí ele falou, e

eu não quis mais jogar no Santos. Aí eu fui para o Corinthians, eles deram tanto azar que eu

fui para o Corinthians, no Corinthians fui campeão paulista, em 77.

F. H. – Como que é essa chegada no Corinthians num ano [risos], talvez o grande

ano da história do Corinthians...

J. A. – É então, foi esse ano, eles falaram, vamos contratar jogadores para ser

campeão, então eles contrataram a mim, e o Palhinha, e de repente deu certo, fomos

ganhando, ganhando, e chegamos na final. Infelizmente, na final eu não pude jogar, que o

Santos não quis emprestar, prorrogar o empréstimo.

F. H. – Ah, era empréstimo?

J. A. – Era empréstimo, aí eu não pude jogar. Mas o que me chateou muito foi essa

saída do Santos pelo que o diretor falou, entendeu? “Vai a pé”. Falta de respeito. Esse foi o

motivo da minha saída do Santos.

F. H. – Até então você tinha jogado só no Santos e pela Seleção e jogar no

Corinthians?

J. A. – Foi uma passagem boa, porque eu fui campeão, mas um ambiente nada igual

ao que tinha. Nós tínhamos um ambiente nosso, do Santos era muito bom, por isso que a

gente ganhava tudo, que era bom dentro e fora de campo. No Corinthians não foi isso que

eu achei.

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J. C. – Vocês eram amigos, aqui no Santos? Vocês se viam como amigos?

J. A. – Até hoje, até hoje, se por exemplo, se tem uma festa em tal lugar, um evento,

então de repente o Coutinho me liga, eu ligo para ele. Mengálvio, o Dorval, Joel, Zito,

Pepe, então sempre a gente está se encontrando, Clodoaldo, nós estamos sempre se

encontrando, e isso é tudo numa equipe de futebol, se respeitam.

F. H. – Quarenta anos depois, ainda é uma equipe.

J. A. – Exatamente. É.

F. H. – E aí você falou que o Santos não deixou você...

J. A. – Eu jogar os jogos da final.

F. H. – Então você voltou para o Santos?

J. A. – Eu esperei os jogos lá, porque eu estava concentrado inclusive pra jogar, aí

terminou os jogos e eu voltei para o Santos e fui para o Internacional de Porto Alegre.

Fiquei três meses no Internacional e foi quando eu fui para o Cosmos. Depois do Cosmos

eu fiquei uma temporada lá, também não deu legal, aí fui para os Tigres do México,

Monterrey, lá eu fiquei quatro anos, duas temporadas, lá eu fui muito bem também.

J. C. – Quando você sai do Santos, Corinthians, Internacional, Cosmos, México, ali

você começa a se afastar um pouco da Seleção, não é? Você vai para o exterior, embora

[INAUDIVEL]...

J. A. – Eu já não queria, em 74, já senti que já tinha acabado, já não queria mais, já

estava muito chateado por esse problema com esse treinador. Então eu falei, não quero mais

saber de Seleção.

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J. C. – Mesmo que mudasse o treinador?

J. A. – Aí seria uma outra coisa. Com aquele treinador, não tinha vontade nenhuma.

Sabe quando você perde a inspiração? Eu perdi total.

J. C. – Mas você ainda amava jogar futebol?

J. A. – Ah não, jogar bola no Santos eu continuei... em 76. Ainda fui campeão pelo

Corinthians em 77. Fui para o Internacional, voltei. Fui para o México, fui muito bem no

México, já com trinta anos.

F. H. – E por que essa decisão de ir para o exterior, foi para o Corinthians, o Inter e

daí para o exterior, tem algum motivo assim, que te motivou a ir para o México?

J. A. – Não, porque o Pelé tinha ido para o Cosmos. Aí o Julio Mazzei falou isso:

“querem te levar de qualquer maneira”, só que quando eu fui, o Pelé já tinha parado, o Pelé

parou em 77. Então quando eu cheguei lá, o Pelé já tinha parado. Mas eu fiquei um pouco

por lá, uma temporada e depois fui para o México, no México foi porque os Tigres iam

fazer uma excursão para a Europa, e eles precisavam de um jogador de nível de Seleção. E

eu estava de bobeira lá em Nova York, não sei como que me acharam, acertei com eles e

fui. Aí quando voltei da excursão eles falaram, “vamos fazer um contrato com você”. Fiz o

contrato e fiquei quatro anos lá.

F. H. – E a vida no México? Você já estava casado?

J. A. –Não, eu ia casar. Eu vim casei e fui para lá, e ficamos quatro anos lá morando

no México. Foi muito bom. O povo mexicano super divertido, povo festeiro, qualquer coisa

é motivo para festa, e que adora brasileiro. Então me senti em casa. Tenho até um afilhado

lá, já deve estar com uns vinte e poucos anos, nunca mais vi o menino, Eduardo, José

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Eduardo, José era o pai dele e Eduardo era o meu, ficou José Eduardo. Era muito bom o

povo mexicano.

F. H. – E depois você volta ainda? Pro Brasil?

J. A. – Pro Brasil, voltei, aí pintou essa seleção de máster da Bandeirantes, eu não

queria mais jogar, aliás, eu recebi um convite inclusive da Portuguesa para jogar, aí não

quis. Aí veio a Portuguesa Santista, e eu não quis... Aí começou a seleção de másteres e eu

comecei a jogar, o Nacional de Manaus veio, nós estamos armando um time, e o Dario já

estava jogando comigo na Seleção de másteres, “vamos, vamos lá”, e fomos. Os caras

fizeram um belo de um contrato para a gente e nós fomos eu e Dario. Fiquei mais um ano,

joguei mais um ano. Joguei o segundo semestre de 64, e primeiro semestre de... aliás 84 e

85. Aí parei, parei com 35 anos, legal, sem contusão, porque eu ainda gosto de jogar, jogo

até hoje.

F. H. – E seu último jogo como profissional foi lá no Amazonas então?

J. A. – Foi lá no Amazonas.

F. H. – E foi campeão?

J. A. – Fui campeão Amazonense também. E depois ainda fui campeão de másteres,

tri-campeão mundial de másteres, uma história boa.

F. H. – Edu, explica para a gente, como que é essa decisão de parar? Você começou

com 16 anos, super novo? Quando é que sente que está chegando o momento?

J. A. – Ah, você sente. E eu senti mais pelo fato, eu estava jogando com o time do

Nacional de Manaus, acho que CSA, uma coisa assim, de Alagoas, em Manaus. E eu

dominei uma bola e o ponta veio, deu uma levantada, eu falei: “tu tá louco?” E o cara tava

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que tava assim, babando. Ele falou: “não, você não vai jogar, você não pode jogar, o nosso

treinador falou que você não pode jogar, e você não vai jogar”. Eu falei: “tá legal!”. Porque

eu que armava todas as jogadas lá do Nacional. E aí eu tomei a decisão, cheguei no hotel e

falei para a minha esposa, “vou cumprir o contrato e não jogo mais” . Ela: “como?”. Eu

falei: “não, não jogo mais, eu gosto de jogar, já imaginou eu com as pernas todas

estouradas como tem um monte de amigos aí, com a perna estourada, e joelho, problema de

joelho, sem poder nem andar”. Então é complicado, e tomei essa decisão, e cheguei e falei

assim, vou parar de jogar. Para muitos é difícil, mas eu parei de jogar e falei, não, sou ex-

atleta, pronto. Porque tem uns que param de jogar mas acham que ainda é atleta, que ainda

é jogador, como tem até comentarista que ainda acha que joga [risos]. Tem comentarista

que fala aí nos comentários: “é que quando eu, jogava”. Pára, não tem nada a ver uma coisa

com a outra, então por isso que eu parei em uma hora legal, parei bem, parei ainda com o

pessoal falando o nome do Edu. Depois que você continua a jogar e vai caindo, aí vai jogar

lá no América de Tribobó, aí ninguém lembra mais de ti, já era. Então tem que parar numa

hora legal.

J. C. – Quer dizer, o parar, você conheceu a fama muito cedo, sucesso, jogou no

maior time do mundo, enfim teve uma carreira...

J. A. – Brilhante. Exatamente.

J. C. – Brilhante, no dia seguinte você acorda, não tem que treinar, não tem

massagista, não tem gente te paparicando, jornalista perguntando: “Eduzinho, não sei o que

e tal...”, não dá um vazio?

J. A. – Não, é como eu estava te falando, eu me preparei também, eu falei não, eu

não vou jogar mais futebol e acabou. Sabe, porque é uma coisa que, o que aconteceu

comigo, por exemplo, eu queria ser jogador de futebol, eu consegui, eu realizei esse meu

sonho, mas eu nunca esperei por essa fama. Eu queria jogar bola, o que aconteceu foi uma

coisa maravilhosa que Deus me premiou, mas não que eu buscasse isso, eu queria fazer o

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meu melhor, acabei fazendo e as coisas vieram. Então, eu saio na rua, se o pessoal me

conhecer, conheceu, se não conhecer tudo bem, eu não tenho esse problema. Porque uma

vez eu encontrei aqui o Cláudio, Cláudio que foi ponta direita do Corinthians, acho que é

Cláudio Pinho ou uma coisa assim, e ele me fez essa pergunta: “Edu como é que você se

sente andando na rua e o pessoal não falar contigo, não te reconhecer?”. Aí eu senti que ele

tinha esse problema. Eu falei: “não, por quê? Eu nunca me preocupei com isso. Se me

conheceu me conheceu, se não me conheceu, qual o problema?.

J. C. – Perdeu.

J. A. – É. Então é isso, e como eu falei, são poucos que depois que pararam de jogar

que tem a facilidade de viajar como eu viajo, fazendo clínicas, tudo através da seleção

brasileira, da minha conduta... Tu nunca ouviu falar nada a respeito do Edu, entendeu?

Então é uma carreira supervitoriosa, e sem nenhuma virgula ou ponto de interrogação.

J. C. – E quando você pára, vai ser treinador, vai trabalhar com o quê?

J. A. – Trabalhei com escolinha e tal. Trabalhei muito tempo, tinha uma escolinha

em São Paulo, uma aqui, trabalhei quando era do Estado, tinha uma escolinha na Praia

Grande, era muito bom o trabalho que nós fazíamos. Então, quer dizer, preencheu o meu

tempo, apesar de que eu ia treinar às vezes na Portuguesa Santista, para manter a forma, eu

treino na Portuguesa Santista, fui treinar lá, aí queriam me contratar. Eu falei: “não [risos],

não quero mais jogar. Só vim treinar para manter forma”, não fui nem no Santos, poderia

ter ido no Santos, não fui no Santos não, fui na Portuguesa Santista, conheço o pessoal lá

também, é legal. Parei numa boa, para ser lembrado.

F. H. – E treinador?

J. A. – Não, nunca me passou pela cabeça, porque eu não ia ter paciência, com o

que eu vejo aí, eu não ia ter paciência.

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J. C. – Edu, quais são as melhores coisas, as melhores recordações que você tem? O

que o futebol te deu de melhor? E quais são as más recordações? Concentração? Treinador

chato? Dirigente que explora? O que é que o futebol te deu de bom e o que é que você não

gostava no futebol?

J. A. – O futebol me deu tudo de bom, né? Acho que foram poucas as coisas que eu

posso dizer: “isso era chato”. Não, porque primeiro porque me deu uma cultura, um

conhecimento, né? Pelas viagens que o Santos fazia, pela experiência que tive com esse

treinador, com aquele, com aquele. Eu nunca disse esse treinador é mau, ou aquele é bom,

todos para mim foram bons treinadores, eu os respeitava. E concentração era uma coisa

chata, mas que tu tinha que agüentar, ainda mais a do Santos, a do Santos era numa chácara

aqui perto de São Bernardo. Então você entrava naquela chácara lá era um frio, e não tinha

nada para você fazer. Aí você ficava ali vendo televisão, numa sala grandona, televisão, mil

caras ali, modo de dizer, às vezes tinha até que acender a lareira ali por causa do frio, e

chegava no dia do jogo aí tinha que subir na balança dava um quilo a mais, treinador,

preparador físico: “o que é isso aí? Um quilo a mais”. Tu fica naquela mordomia ali [risos].

Aí até num jogo eu brinquei com um diretor, o Zito era o diretor na época, ele já não jogava

mais e ele mandou subir na balança, e eu cheguei e pulei na balança e fui para o outro lado.

Aí vinha todo mundo para ver qual era o meu peso, diziam que eu tinha tendência, eu nunca

tive [risos]. Eu estou passando, e vem vindo todo mundo, eu pulava a balança. “Vocês estão

preocupados com o meu peso, ah é? Então tá eu vou embora, eu não vou jogar, vou tomar o

meu banho, e vou embora vocês colocam a balança para jogar”[risos]. Ai, não, não sei o

que... Aí eu falei, “está bom vou subir na balança, aí subi na balança, deu um quilo e

duzentos a mais, uma coisa assim. Aí, vocês vão me por para jogar, ou vão por a balança?

O Pelé estava machucado não ia jogar. Não sei o que, não sei o que, tem que se cuidar.

Cuidar o que? Eu estou bem. Então me colocaram para jogar, foi contra o Juventus, na Vila,

três a zero para o Santos, três gols do Edu. Põe a balança para jogar” [risos].

[FINAL DO ARQUIVO III]

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C.B. – Edu, qual foi o gol da sua vida, o gol que você sentiu mais orgulho, que te

deu mais satisfação, que foi mais importante?

J. A. – Ah, o gol mais importante não resta dúvida que foi contra o Bangu, foi o

primeiro gol da minha carreira como profissional. Eu com 16 anos que saiu a falta, eu

peguei a bola, fui e fiz o gol. Esse gol para mim foi o gol que abriu o caminho.

C.B. – Aquele que você pegou a bola e falou essa eu vou cobrar.

J. A. – É isso aí, mesmo porque nesse jogo eu também fiz um outro gol, e aí caí nos

braços da torcida e foi bacana porque o Pelé estava machucado. Foi esse Rio-São Paulo de

66. Então esse gol para mim foi importante, porque o torcedor começou a dizer, chegou um

novo, qualquer um que surge aí é um novo Pelé.

C.B – Até hoje.

J. A. – Não é um novo Pelé, é o Edu.

J. C. – Esse foi o mais importante, e o mais bonito?

J. A. – Ah, o mais bonito foi contra o Corinthians [risos].

J. C. – Que maldade!

J. A. – Foi contra o Corinthians. Por coincidência sexta-feira passou esse gol, em

uma entrevista aí, eu e o Elano, sobre o tabu. Comentamos sobre o tabu, e o Elano também

tem um tabu contra o Corinthians agora, ele não perde, desde 2002 que ele não perde, eles

foram campeões e não perdem mais. Eu fiquei onze anos... foi esse gol contra o

Corinthians. Nós vencemos de quatro a zero, e eu fiz o quarto gol. O Pelé não fez gol nesse

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jogo e essa jogada foi bonita, que nós fizemos uma triangulação Pelé, Edu e Nenê. Então o

Nenê tocou para o Pelé, o Pelé deu de calcanhar para mim, eu joguei para o Pelé, aliás,

Nenê jogou para mim, eu joguei para o Pelé, o Pelé deu de calcanhar para o Nenê e o Nenê

jogou a bola na área. Aí quando a bola está descendo, o Pelé faz corta-luz e eu driblo dois

jogadores do Corinthians só com o balanço do corpo, com o domínio da bola. Então a bola

parece que colou no meu pé, eu fiz assim, fiz aqui e parei aqui, então passaram os dois

assim, “vulp”. Aí eu olhei o Ado, era goleiro do Corinthians, eu olhei e ele saiu, eu dei só

um tapinha na bola. Esse foi o gol mais bonito da minha carreira. Com certeza.

F.H. – Depois que você para, como fica essa sua relação com o futebol até hoje?

Futebol, com a seleção, ver uma Copa do Mundo, não estando mais lá, hoje em dia,

depois do Brasil ser tetra, penta?

J. A. – É legal isso, porque eu tive a oportunidade de assistir a Copa do Mundo de

90 na Itália, fui na de 98 na França, aí tivemos agora em 2006 na Alemanha. Essa da

Alemanha foi legal que foi a FIFA presenteou os campeões mundiais. Então nós entramos

na abertura da Copa, então foi muito bonito aquilo. O mais legal de tudo foi que o Pelé, ele

entrou antes com a taça e nós estávamos ali, não esperávamos que ele fosse entrar conosco.

Então aí agora a delegação do Brasil, que era a maior. A do Uruguai tinham dois, de 50

tinha só dois [risos]. Agora só tem um, só tem o Ghiggia. Aí da Argentina, e tal, mas o

astro maior da Argentina não estava também, para variar. Aí o Pelé foi lá, levou a taça, fez

as honras lá, a Seleção do Brasil e tal. Aí quando nós estamos entrando, vejo aquela

gritaria, o Pelé que vinha atrás correndo, veio se acercar a nós. Pô, são coisas que não tem

como você descrever essa alegria de estar com ele, que ele vem, te dá um abraço legal de

amigo. É gostoso.

J. C. – Pelé ainda é teu ídolo?

J. A. – É com certeza [risos]. Ele e Garrincha são os maiores para mim, aí vem os

outros.

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C.B. – Eu queria fazer mais uma pergunta, uma pergunta assim de comparação.

Como é que você acha o jeito de jogar hoje com a época que você jogava? A sua geração

com os meninos de hoje jogando, você vê muitas diferenças?

J. A. – A diferença hoje é a facilidade que eles tem, primeiro começa pelo material.

O material hoje, o que nos usávamos era brincadeira. Os estádios, os campos, os gramados

onde eles jogam, então tudo isso faz diferença. Hoje você pode, por exemplo, se eu pedir

para um grande conhecedor do futebol, me dê cinco nomes de jogadores fora de sério. Ele

vai pensar, pensar, e não vai dizer. Então hoje a técnica ficou muito abaixo, hoje é o

condicionamento físico. Hoje o jogador se prepara para jogar. Então ele não tem uma

técnica apurada, ele se condiciona fisicamente e ele joga. Para você ver, hoje nós temos

zagueiros aí que na nossa época era proibido de passar em frente ao estádio. Jogador hoje, e

vão, muitas vezes vão até para a Seleção. Então é uma diferença muito grande. Nós

tínhamos, na época, cada time tinha no mínimo quatro jogadores que desequilibravam, hoje

você vai falar, o Santos tem o que, o Neymar, o Ganso. O São Paulo tem, pra mim, na

minha opinião, o Lucas. O Corinthians, gosto muito desse menino, vai dar bom futuro, o

William... acabou.

J. C. – Fala um do meu time aí, por favor [risos].

J. A. – Não, tem aquele todo de trancinha lá, mas eu num, como é que é? Mauricio.

J. C. – Diego Mauricio,

F.H. – Diego Mauricio, tem o Negueba,

J. C. – Será?

J. A. – Pode ser.

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F.H. – Mas uma coisa interessante que você falou, é que não são fora de sério.

J. A. – Não são. Não são fora de sério.

F.H. – Desses que você falou que talvez o Neymar seja fora de sério.

J. A. – Ah esse é fora de sério. O Neymar e o Lucas. O Lucas vai ser. Esse é bom,

do São Paulo. Mas tu não vê, o resto é, todos iguais. Hoje se você chega num clube, se você

tem um bom condicionamento físico, hoje eles privam muito por estatura, aí sai um

escanteio, é um “agarra-agarra” dentro da área, e saí gol de cabeça toda hora. Não dá para

entender isso. Então hoje você leva um garoto para treinar, “esse moleque é bom, mas é tão

pequeno”. “Já viu ele jogando?”. Não. Então pronto. Qual é a altura do Pelé? O que é que

ele fez com aqueles gringos lá? O Garrincha todo torto, o que é que ele fez com esse cara?

Então, quer dizer, futebol é futebol.

J. C. – Mas isso é engraçado, o Barcelona resgatou essa coisa, você estava falando

que você não gosta do Barcelona, que é um futebol chato. Mas vem da base, o Barcelona, o

time considerado chave não é alto.

J. A. – É verdade.

J. C. – O Messi é baixinho.

J. A. – Não, não tem.

J. C. – Porque eles estão valorizando quem sabe jogar.

J. A. – Quem sabe jogar, é isso.

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J. C. – Não adianta ter um metro e oitenta e só sabe dar pancada lá no outro.

J. A. – Não tem nada a ver estatura, tem é que jogar bola. Esse do Bayer de

Monique, o Ribéry, ele faz um estrago nas defesas lá que é brincadeira. Então quer dizer,

não tem tamanho, se você é bom, você é bom. Hoje isso é o que mudou muito hoje no

futebol. Eles não dão oportunidade às vezes para o jogador, o cara é pequeno, aí pega um

de dois metros lá, “pô, o cara é bom”.

F.H. – É forte.

J. A. – É forte, aí querem treinar o cara, o cara não é do ramo.

J. C. – Podia ser farmacêutico [risos]. Tem tanta profissão bonita na vida, não é?

J. A. – É.

J. C. – Não é? Digna. [risos]

J. A. – Mas é complicado isso, e eu, que às vezes tenho acesso ao Santos, então levo

um garoto lá: “Edu, e aí qual a estatura?”. Eles pedem estatura, a idade, a posição, um

monte de coisas. Tudo bem, mas deixa o garoto treinando uma semana aí, que ele vai

chegar na segunda-feira meio tímido ainda e tal. Na terça, na quarta ele já se solta, aí sim.

Deixa uma semana, quinze dias, aí você vai ver o garoto. Não dá para o cara chegar, olhar o

menino, e dizer, “ah não dá”.

J. C. – É o que o Flamengo fez com o Ronaldo.

J. A. – É, é. Tava machucado, não é?

J. C. – Não. Quando o Ronaldo começou.

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J. A. – Quando ele começou, que foi para o São Cristóvão depois [risos]. Então é

isso, o Coutinho, viu o tamanho do Coutinho? E o que fazia gol de cabeça, Romário, não

tem essa, se é bom é bom, o Osni, Zico,

J. C. – Edu, irmão do Zico.

J. A. – O Edu, que para mim foi mais que o Zico. Só que jogava num time pequeno,

maravilhoso, o Edu foi brincadeira, joguei contra ele várias vezes, contra o América, nossa,

fantástico, muito bom.

F.H. – Edu, para encerrar, a gente tem costumado fazer uma questão para todos que

a gente vem entrevistando, que é 2014, a Copa, você já foi em três, vai estar sendo aqui no

Brasil. O que você espera dessa Copa do Mundo, a sua expectativa, não só em termos

organizacionais, mas do futebol também?

J. A. – Acho que o que mais me preocupa é a organização, isso eu tenho medo, eu

estou assim, meio temeroso quanto a isso. Porque... como dizer, já fui em outras Copas do

Mundo e vi a organização da Copa de 2006 na Alemanha, e vai ser muito difícil que a gente

faça, tenha uma organização como a que eu vi, mas nós temos tudo para isso. Temos ainda

tempo hábil, infelizmente aqui o pessoal é naquela de um pouquinho mais para mim, um

pouquinho mais, não é assim, vamos construir primeiro, aí eu acredito que possa resolver

esse problema da organização. Agora, quanto ao futebol eu espero que o Brasil forme uma

Seleção forte, nós temos condições para isso e dar uma alegria ao povo brasileiro, que a

Copa do Mundo que teve aqui, muitos não tiveram a oportunidade de ver. Infelizmente

também perdemos, então essa é a oportunidade dessa juventude ver aí, e gritar, Brasil

campeão do mundo.

J. C. – Mas você, nós vínhamos conversando no carro e vínhamos falando dessa

dificuldade, eu não estou conseguindo ver uma Seleção formada ainda. Entendeu? Que

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chegue num nível bom. Claro que nós temos bons jogadores. O Neymar é extraordinário,

um belíssimo jogador e tal , o Lucas, eu também acredito nele e tal, mas é pouco.

J. A. – É pouco. Não, inclusive, eu, na minha opinião, eu acredito que nós ainda não

temos um treinador para a Seleção. Temos que começar a definir um treinador.

Infelizmente o Mano ainda não nos mostrou nada, não nos passou nenhuma confiança em

termos de comando da Seleção Brasileira.

J. C. – Começa por aí...

J. A. – Começa por aí, primeiro definir um treinador, treinador competente,

inteligente, e que seja ousado, porque ficar naquela em que está o Mano no momento é

complicado. Fica difícil.

F.H. – Bom Edu, eu acho que é isso, em nome da Fundação Getúlio Vargas,

CPDOC de São Paulo, Museu do Futebol, a gente agradece .

J. A. – Obrigado, eu que agradeço a vocês pela oportunidade e estamos aqui sempre

a disposição, está bom? [palmas]

[FINAL DO DEPOIMENTO]