FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

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Manuel de Matos Fernandes - Mecânica dos Solos – Vol. 2 (FEUP, 1995) CAPÍTULO 10 FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

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Manuel de Matos Fernandes Mecânica dos Solos – Vol. 2 (FEUP, 1995)

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Manuel de Matos Fernandes - Mecânica dos Solos – Vol. 2 (FEUP, 1995)

CAPÍTULO 10

FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

Page 2: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.1

1 - CAPACIDADE DE CARGA

1.1 - Introdução

Considere-se a fundação superficial ou sapata representada na Figura 10.1a) assente

sobre a superfície de um maciço terroso submetida a uma carga vertical crescente. A Figura

10.1b) mostra o aspecto típico do diagrama carga vertical-assentamento. A parte inicial,

aproximadamente linear e de pequeno declive, representa a deformação do maciço em regime

essencialmente elástico. A parte fortemente inclinada corresponde à rotura por corte do solo.

Entre as duas aparece uma zona de transição onde se produzem roturas localizadas e

deslizamentos limitados. A intersecção das tangentes aos dois ramos da curva determina a

carga de rotura teórica, Qult

.

A capacidade de carga da fundação é a razão da carga de rotura pela área da base

respectiva:

qQ

B Lultult

. (10.1)

sendo B a largura e L o comprimento da sapata.

Fig. 10.1 - Capacidade de carga de sapatas: a) esquema tipo; b) diagrama genérico carga-assentamento.

1.2 - Expressão geral da capacidade de carga

O problema da determinação da capacidade de carga de uma sapata não tem solução

matemática exacta para os solos reais. Existem no entanto diversas soluções aproximadas,

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10.2

obtidas no âmbito da Teoria da Plasticidade, correspondentes a hipóteses de partida para a

resolução do problema não totalmente coincidentes. As soluções citadas conduzem a

expressões formalmente idênticas, embora com certa variação na grandeza dos parâmetros

nelas intervenientes. Deve ser sublinhado, contudo, que ensaios em modelo reduzido e em

verdadeira grandeza indicam que os valores fornecidos pelas soluções mais divulgadas têm

aproximação bastante aceitável.

Considere-se então uma sapata (Figura 10.2a)) de largura B, cuja base se encontra a

uma profundidade D, sobre um maciço homogéneo de superfície horizontal e peso

específico , carregada verticalmente. Admita-se que:

i) o solo se comporta como um material rígido-plástico (Figura 10.2b));

ii) o solo obedece ao critério de rotura de Mohr-Coulomb (Figura 10.2c));

iii) a sapata tem desenvolvimento infinito;

iv) é nula a resistência ao corte do solo acima da base da sapata, isto é, o solo actua

sobre a superfície ao nível da base da sapata como uma sobrecarga uniformemente

distribuída (Figura 10.2d));

v) são nulos o atrito e a adesão entre a sapata e o solo acima da base desta e entre

este solo e o solo de fundação propriamente dito.

A rotura por corte do solo implica a formação de três zonas plastificadas sob a sapata,

como mostra a Figura 10.2d). A zona I, que na rotura desce solidária com a sapata e se

encontra no estado limite activo de Rankine, obriga a zona II, em “corte radial”, a deslocar-se

lateralmente, a qual, por sua vez, induz um deslocamento lateral e ascendente da zona III, em

estado passivo de Rankine.

A linha ACDE, que limita a massa do solo que desliza, é formada por dois troços

rectos, AC e DE, e por um troço curvo. Os troços rectos formam ângulos com a horizontal de,

respectivamente, /4 + /2 e /4 - /2; o troço curvilíneo é um arco de círculo para solos com

ângulo de atrito nulo e assemelha-se a uma espiral logarítmica nos casos restantes.

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10.3

a)

b)

c)

d)

Fig. 10.2 - Capacidade de carga de uma sapata: a) esquema tipo; b) reologia admitida para o solo; c) critério de

rotura adoptado; d) zonas de corte e forças que se opõem à rotura.

Page 5: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.4

Dada a solidariedade mecânica e geométrica da cunha ABC com a sapata, um método

para estudar o equilíbrio da sapata poderá ser o estudo do equilíbrio da cunha referida. Ela

está sujeita às forças incluídas na Figura 10.2d), além do seu peso próprio, W.

Considerando o equilíbrio das forças na direcção vertical, pode escrever-se:

WcACPQ p sen2cos2ult (10.2)

Ora:

ACB

2 cos

(10.3)

e

WB

2

4tg (10.4)

donde

tg4

tgcos22

ult

BcBPQ p (10.5)

A determinação analítica de Pp é efectuada por uma via aproximada que consiste em

considerar que ela é resultante de três componentes que podem ser calculadas separadamente:

i) Ppc , devida à coesão do solo;

ii) Ppq , devida ao peso do solo acima da base da sapata;

iii) Pp , devida ao peso da zona deslocada na rotura, BCDE.

Assim:

tg4

tgcos22

ult

BcBPPPQ ppqpc (10.6)

e

tg

4cos

2cos

2tgcos

2ult

B

B

P

B

Pc

B

Pq ppqpc (10.7)

Efectuando os cálculos* , chega-se, finalmente, à expressão:

* Para acompanhar a dedução completa veja-se, por exemplo, “Theoretical Soil Mechanics”, K. Terzaghi, John

Wiley and Sons, 1943.

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10.5

q c N q N B Nc qult 1

2 (10.8)

em que

q D (10.9)

e Nc , Nq e N , parâmetros adimensionais, são os chamados factores de capacidade de carga,

dependentes apenas do ângulo de atrito do solo. As respectivas expressões são:

2/4/tg 2tg eNq (10.10)

cotg1 qc NN (10.11)

e

tg12 qNN (10.12)

sendo a última uma aproximação em relação aos valores teóricos. No Quadro 10.I

encontram-se tabelados os valores dos factores de capacidade de carga para os valores de

com interesse prático.

Uma avaliação da profundidade e da largura atingidas pela zona em equilíbrio sob a sapata foi

efectuada por Meyerhof para solos sem coesão. A Figura 10.3 mostra os resultados desse

estudo (ver o significado de d e f na Figura 10.2d)). Pode constatar-se, por exemplo, que para

uma areia de ângulo de atrito igual a 30º, a superfície de rotura se estende para cada lado

cerca de três vezes a largura da sapata, atingindo uma profundidade máxima da ordem dessa

largura.

Fig. 10.3 - Dimensões da zona plastificada sob a sapata em solos não coesivos, segundo Meyerhof.

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10.6

Quadro 10.I

Nc N

q N

0

20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50

5,14

14,83 15,82 16,88 18,05 19,32 20,72 22,25 23,94 25,80 27,86 30,14 32,67 35,49 38,64 42,16 46,12 50,59 55,63 61,35 67,87 75,31 83,86 93,71

105,11 118,37 133,88 152,10 173,64 199,26 229,93 266,89

1,00

6,40 7,07 7,82 8,66 9,60

10,66 11,85 13,20 14,72 16,44 18,40 20,63 23,18 26,09 29,44 33,30 37,75 42,92 48,93 55,96 64,20 73,90 85,38 99,02

115,31 134,88 158,51 187,21 222,31 265,51 319,07

0,00

3,93 4,66 5,51 6,50 7,66 9,01

10,58 12,43 14,59 17,12 20,09 23,59 27,72 32,59 38,37 45,23 53,40 63,18 74,89 89,01

106,06 126,74 151,95 182,81 220,78 267,76 326,21 399,37 491,58 608,57 758,12

1.3 - Condições de aplicação da equação da capacidade de carga. Análises em tensões

efectivas e em tensões totais

A equação 10.8 é uma equação geral, podendo ser aplicada em análises em tensões

efectivas e em tensões totais.

Numa análise em termos de tensões efectivas a equação 10.8 transforma-se em:

q c N q N B Nc qult' '

1

2 (10.13)

em que:

i) c ' é a coesão em termos de tensões efectivas;

Page 8: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.7

ii) Nc , Nq e N são obtidos a partir de ' , ângulo de atrito em termos de tensões

efectivas;

iii) q ' representa a tensão efectiva vertical ao nível da base da sapata;

iv) , o peso específico que entra na terceira parcela, representativa da contribuição

do peso da massa de solo deslocada, deve ser tomado igual a sub caso o nível

freático atinja a cota da base da sapata ou cota superior; caso o nível freático se

situe a uma profundidade maior do que a de base da fundação, mas, ainda assim,

parte da zona plastificada esteja submersa, pode, na prática, tomar-se um valor

intermédio entre e sub ; para a adopção desse valor sugere-se o uso da Figura

10.3.

Numa análise em tensões totais ( = 0), a equação 10.8 fica, simplesmente:

qcqcqNcq uucu 14,52ult (10.14)

sendo cu a resistência não drenada do solo e q a tensão total vertical ao nível da base da

fundação. É de referir que o valor de Nc para = 0, + 2, corresponde a uma solução exacta

do problema, conhecida como solução de Prandtl.

Como é sabido, as análises em tensões totais são aplicadas essencialmente nos casos

de carregamentos sob condições não drenadas de solos argilosos saturados. Como também foi

já sublinhado (ver Capítulo 8, ponto 8.1), a capacidade resistente do maciço é mínima nessas

condições, já que com o tempo os excessos de pressão neutra (positivos) se dissipam,

ocasionando aumentos das tensões efectivas, logo da resistência ao corte do solo. Sendo

assim, salvo em situações especiais em que mediante análises mais elaboradas o período do

carregamento e o processo de consolidação possam ser devidamente controlados, estimados e

comparados, o dimensionamento de fundações sobre maciços argilosos saturados deve ser

efectuado admitindo condições não drenadas, portanto, mediante análises em tensões totais.

1.4 - Influência dos parâmetros intervenientes na expressão da capacidade de carga

Passando a comentar a influência dos diversos factores intervenientes na expressão

geral da capacidade de carga, deve sublinhar-se, em primeiro lugar, que o ângulo de atrito é o parâmetro fundamental já que Nc , Nq e N aumentam rapidamente com .

Por outro lado, duas das parcelas da mesma expressão são proporcionais ao peso

específico do solo. Assim, numa análise em tensões efectivas a posição do nível freático

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10.8

assume uma grande importância, já que a sua subida para a cota da base da fundação e desta

para a superfície do terreno reduz, respectivamente, as terceira e segunda parcelas para cerca

(ou menos) de metade.

A terceira parcela varia proporcionalmente à largura da fundação. Assim, uma sapata

larga repousando sobre um solo com um ângulo de atrito elevado, tem uma capacidade de

carga muito alta, se bem que uma sapata estreita sobre o mesmo solo tenha uma capacidade de carga muito inferior. Contudo, note-se que N é nulo para = 0, o que significa que em

solos argilosos sob condições não drenadas a capacidade e carga é independente da largura da

fundação.

A coesão do solo influi somente na primeira parcela. Já que para = 0, Nq 1 e

N 0, aquela parcela torna-se preponderante na capacidade de carga nas análises em

tensões totais.

1.5 - Extensão da expressão da capacidade de carga a casos de interesse prático

1.5.1 - Introdução

Como foi referido quando em 1.2 se enumeraram as hipóteses referentes à solução

deduzida para a capacidade de carga, tal solução corresponde a um problema altamente

idealizado, no sentido de ser simplificado, dele se afastando em maior ou menor grau os

problemas reais.

Para a solução destes é corrente a aplicação a cada uma das parcelas da expressão 10.8

de coeficientes correctivos. A simbologia usada para estes consta de uma letra minúscula, em

geral a primeira letra da palavra inglesa cujo efeito tais coeficientes pretendem traduzir, e de um índice, indicativo da parcela correspondente. Por exemplo, o coeficiente correctivo sq

refere-se à correcção da segunda parcela da equação citada de modo a ter em conta a forma

(“shape”, em Inglês) da fundação.

Grande parte dos coeficientes correctivos é, dada a complexidade do problema, de

natureza semi-empírica, nomeadamente resultante de conclusões retiradas de ensaios em

modelos físicos à escala reduzida e (ou) de análises muito simplificadas.

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10.9

1.5.2 - Sapatas com desenvolvimento não infinito

Sempre que o desenvolvimento (ou comprimento) da fundação seja da mesma ordem

de grandeza da respectiva largura, a expressão da capacidade de carga passa a ser:

q c N s q N s B N sult c c q q 1

2 (10.15)

em que sc , sq e s são os coeficientes correctivos para ter em conta a forma da fundação. Para

eles, as expressões incluídas no Eurocódigo 7 (1994) são:

- análises em tensões totais ( = 0)

sB

Lc 1 0 2, (10.16)

sq 1 (10.17)

- análises em tensões efectivas

ss N

Ncq q

q

1

1 (10.18)

sB

Lq 1 sen ' (10.19)

sB

L 1 0 3, (10.20)

Nas sapatas circulares B e L devem ser tomados iguais ao diâmetro.

1.5.3 - Sapatas com carga inclinada

Caso a solicitação transmitida ao terreno seja inclinada, tendo portanto uma

componente normal à base, V, e uma componente tangencial à mesma base, H, a expressão da

capacidade de carga passa a ser:

q c N i q N i B N iult c c q q 1

2 (10.21)

sendo ic , iq e i coeficientes correctivos para ter em conta a inclinação da carga. As

expressões sugeridas para aqueles coeficientes no Eurocódigo 7 são as seguintes:

- análises em tensões totais ( = 0)

Page 11: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.10

uc cLB

Hi

..115,0 (10.22)

iq 1 (10.23)

- análises em tensões efectivas, sendo a componente tangencial de carga, H, paralela à

maior dimensão da sapata, L

ii N

Ncq q

q

1

1 (10.24)

i iH

V B L cq

1 ' 'cotg (10.25)

- análises em tensões efectivas, sendo a componente tangencial da carga, H, paralela à

menor dimensão da sapata, B

ii N

Ncq q

q

1

1 (10.26)

3

'' cotg1

cLBV

Hi (10.27)

3

'' cotg

7,01

cLBV

Hiq (10.28)

Estes factores correctivos usam-se em conjunto com os factores relativos à forma da sapata sss qc ,, quando tal se justifica.

Importa referir que quando existe uma componente H da carga aplicada à fundação,

terá que ser verificada a segurança em relação ao escorregamento pela base. Tal verificação

processa-se de modo análogo ao que foi discutido para os muros de suporte. No caso das

fundações de estruturas hiperestáticas de betão armado ou de aço, a contribuição do impulso

passivo para a segurança ao escorregamento deve ser desprezada, já que a sua mobilização, ao

contrário da resistência da interface entre a base da sapata e o maciço de fundação, exige

deslocamentos que na maior parte dos casos serão incomportáveis pelas próprias estruturas.

1.5.4 - Sapatas com carga excêntrica

Quando em conjunto com a carga vertical, V, se verifica a existência de momentos, Mx e My , em torno dos eixos do plano da base da sapata, como mostra a Figura 10.4a), o

Page 12: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.11

sistema de forças generalizadas (V, Mx , My ) actuando no baricentro da fundação é

estaticamente equivalente à força V aplicada no ponto P (Figura 10.4b)) de coordenadas, ex e ey , tal que:

eM

Vxy (10.29)

eM

Vyx (10.30)

Para efeitos práticos, como se indica na Figura 10.4b), a capacidade de carga pode ser

calculada considerando uma sapata fictícia centrada no ponto P, o que equivale a tomar como

dimensões efectivas da sapata

B B ex' 2 (10.31)

e

L L ey' 2 (10.32)

e como área efectiva da fundação

''22 LBeLeBA yxef (10.33)

Se for qult a capacidade de carga calculada tomando, para todos os efeitos, como

dimensões da sapata as acima referidas, a carga de rotura da sapata, Qult , vale:

Q q A q B Lefult ult ult' ' (10.34)

Sempre que houver momentos transmitidos à fundação, as dimensões da sapata a

tomar em todas as expressões anteriores, nomeadamente nas equações da capacidade de carga

10.8, 10.13, 10.15 e 10.21 e nas equações referentes aos factores correctivos apresentados em

1.5.2. e 1.5.3, devem naturalmente ser entendidos como dimensões efectivas, tal como

acabam de ser definidas.

Page 13: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.12

a) b)

Fig. 10.4 - Sapata rectangular solicitada por carga vertical e momentos: a) sistema de forças no baricentro da

fundação; b) área efectiva da sapata.

A Figura 10.5 sugere um procedimento simplificado para a estimativa da capacidade

de carga de sapatas circulares com carga excêntrica. A chamada área efectiva da sapata é a

área comum à sapata real e a uma outra com igual diâmetro centrada no ponto P de coordenadas ex e ey . Em seguida procura-se uma sapata rectangular cujas dimensões B' e L'

produzam uma área igual à área efectiva e cuja proporção permita aproximar razoavelmente a

forma da mesma área.

Page 14: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.13

a) b)

Fig. 10.5 - Sapata circular solicitada por carga vertical e momentos: a) sistema de forças no baricentro da

fundação; b) área efectiva da sapata.

1.5.5 - Sapatas sobre maciços estratificados

No método de estimativa da capacidade de carga de fundações superficiais que vem

sendo apresentado admite-se que o maciço subjacente à sapata é homogéneo, isto é, que a

espessura da camada terrosa cujas características de resistência entram nas expressões

anteriores é suficientemente grande para que a capacidade de carga da fundação em causa

dependa exclusivamente dessa mesma camada. Quer isto dizer, tomando como referência a

Figura 10.2, que as superfícies de cedência que se desenvolvem na rotura não envolvem outra

camada senão aquela que está imediatamente subjacente à fundação. Como se viu, a

profundidade máxima atingida por aquelas superfícies, d, depende quer da resistência do solo

quer das dimensões da fundação e pode ser estimada com auxílio da Figura 10.3.

Page 15: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.14

Quando a capacidade de carga passa a depender de mais de uma camada a sua

estimativa torna-se naturalmente mais complexa, sugerindo-se ao leitor a consulta da

bibliografia da especialidade. De qualquer forma, adiantam-se em seguida algumas

considerações que poderão ser úteis em alguns casos práticos.

Quando o contraste de resistência entre as duas (ou mais) camadas envolvidas na

capacidade de carga não for considerável, o cálculo da capacidade de carga com base,

exclusivamente, nas características de cada um dos estratos fornece uma estimativa do

intervalo onde se situa a capacidade de carga para o caso real. Tal intervalo, e ainda a

ponderação, em termos qualitativos, da importância relativa dos estratos em causa, podem em

muitos casos permitir tirar conclusões práticas aceitáveis, dispensando métodos mais

elaborados.

Caso com particular interesse prático é o esquematizado na Figura 10.6, em que a

camada portante tem subjacente uma formação de muito maior resistência, o “firme”. Este

problema foi abordado por Mandel e Salençon que, formulando o problema com base na

Teoria da Plasticidade, obtiveram por via numérica os factores correctivos (majorativos), fc, fq e f , das três parcelas da capacidade de carga para ter em conta o efeito da fronteira

inferior da camada portante, fronteira essa admitida como rígida. Tais factores incluem-se na

Figura 10.6, sendo função do ângulo de atrito da camada portante e da relação entre a largura

da fundação, B, e a espessura daquela camada, H. Estes factores correctivos devem,

naturalmente, ser usados em conjugação com os já apresentados, quando tal for apropriado.

1.5.6 - Outros factores correctivos

Outros factores correctivos podem ainda ser encontrados na bibliografia da

especialidade para ter em conta aspectos como a inclinação da base da sapata, a inclinação da

superfície do terreno e a resistência ao corte do solo acima da base da fundação.*

* Sugere-se, a propósito, a consulta de "Foundation Engineering Handbook", Ed. H.F. Winterkorn & H.-Y.

Fang, Pub. Van Nostrand Reinhold Comp., 1975.

Page 16: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.15

Valores de fc B/H

0 a 1 1 2 3 4 5 6 8 10

0º 1 1

(B/H < 1,41)1,02 1,11 1,21 1,30 1,40 1,59 1,78

20º 1

(B/H < 0,86) 1,01 1,39 2,12 3,29 5,17 8,29 22,00 61,50

30º 1

(B/H < 0,63) 1,13 2,50 6,36 17,4 50,20 (*) (*) (*)

36º 1

(B/H < 0,50) 1,37 5,25 23,40 (*) (*) (*) (*) (*)

40º 1

(B/H < 0,42) 1,73 11,10 82,20 (*) (*) (*) (*) (*)

Valores de fq

B/H

0 a 1 1 2 3 4 5 6 8 10

0º 1 1 1 1 1 1 1 1 1

20º 1

(B/H < 0,86) 1,01 1,33 1,95 2,93 4,52 7,14 18,70 51,90

30º 1

(B/H < 0,63) 1,12 2,42 6,07 16,50 47,50 (*) (*) (*)

36º 1

(B/H < 0,50) 1,36 5,14 22,80 (*) (*) (*) (*) (*)

40º 1

(B/H < 0,42) 1,72 10,90 80,90 (*) (*) (*) (*) (*)

Valores de f

B/H

0 a 1 1 2 3 4 5 6 8 10

0º -- -- -- -- -- -- -- -- --

20º 1 1 1

(B/H < 2,14)1,07 1,28 1,63 2,20 4,41 9,82

30º 1 1

(B/H < 1,30)1,20 2,07 4,23 9,90 24,80 (*) (*)

36º 1

(B/H < 0,98) 1,00 1,87 5,60 21,00 90,00 (*) (*) (*)

40º 1

(B/H < 0,81) 1,05 3,27 16,60 (*) (*) (*) (*) (*)

* - valores superiores a 100.

Fig. 10.6 - Factores correctivos fc da capacidade de carga para ter em conta a presença do firme a

profundidade H abaixo da base da fundação.

Page 17: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.16

2 - VERIFICAÇÃO DA SEGURANÇA EM RELAÇÃO AO ESTADO LIMITE

ÚLTIMO DE RESISTÊNCIA DO MACIÇO DE FUNDAÇÃO

2.1 - Coeficiente global de segurança

A rotura por insuficiente capacidade de carga do maciço é, como é óbvio, um estado

limite último de resistência da fundação. O correspondente coeficiente de segurança global é

definido usualmente como a razão

FQ

Qult (10.35)

sendo Q a máxima força normal à base da fundação descarregada pela superestrutura.

Tradicionalmente, tal força é obtida a partir das diversas combinações de acções necessárias

para o cálculo estrutural mas sem o uso de coeficientes de majoração daquelas.

Os valores mínimos em regra adoptados para o coeficiente de segurança global

dependem essencialmente: i) da qualidade e da amplitude da caracterização geotécnica do

maciço de fundação; ii) da importância da estrutura e, portanto, das consequências mais ou

menos gravosas de uma eventual rotura; iii) da probabilidade de ocorrência da carga máxima

durante a vida útil da obra; iv) da capacidade de a estrutura redistribuir as cargas transmitidas

às fundações em caso de uma eventual rotura ou deficiente comportamento do terreno

subjacente a uma delas.

Quadro 10.II

Coeficientes de segurança globais para a capacidade de carga de fundações superficiais

Caracterização do solo

Categoria Estruturas típicas Características Completa Limitada

A Pontes ferroviárias - Armazéns - Silos - Estruturas de suporte

Carga máxima de projecto ocorrerá frequentemente. Consequências da rotura catastróficas.

3,0 4,0

B Pontes rodoviárias - Edifícios industriais e públicos

Carga máxima de projecto ocorrerá raramente. Consequências da rotura muito sérias.

2,5 3,5

C Edifícios de escritórios e(ou) de habitação

Carga máxima de projecto é improvável que ocorra. Consequências da rotura sérias.

2,0 3,0

Page 18: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.17

O Quadro 10.II inclui valores mínimos do coeficiente de segurança global

recomendados por Vesic'.

2.2 - Coeficientes parciais de segurança. Eurocódigo 7

Já atrás foi discutido nos seus aspectos essenciais o método dos coeficientes de

segurança parciais e os aspectos mais relevantes do novo Eurocódigo 7 a tal respeito.

No que se refere a fundações superficiais, segundo aquele documento terá que ser

verificada a seguinte inequação para todas as combinações de acções (utilizando a própria

simbologia do Eurocódigo):

V Rd d (10.36)

em que Vd é o valor de cálculo, para efeitos de verificação aos estados limites últimos, da

carga normal à base da fundação, incluindo o peso da fundação e de eventual aterro sobre ela

existente, e Rd é o valor de cálculo da capacidade de carga da fundação.

No caso de o nível freático se encontrar acima da base da sapata, numa análise em

tensões efectivas as pressões da água devem ser tomadas como acções, logo consideradas no

cálculo de Vd .

Rd deve ser calculado de acordo com a metodologia apresentada em 1, mas

naturalmente entrando nas diversas expressões da capacidade de carga e dos factores

correctivos com os valores de cálculo dos parâmetros do terreno, cd' , tg 'd e cud . Tais valores

são obtidos a partir dos valores característicos dos mesmos parâmetros dividindo estes pelos

coeficientes de segurança m dados pelo Quadro 10.III.

Quadro 10.III

Coeficientes de segurança parciais para a verificação da segurança de fundações superficiais em relação à

capacidade de carga (Eurocódigo 7, 1994).

Acções Propriedades do terreno, (m)

Permanentes, (G) Variáveis tg ' c' cu

Desfavoráveis Favoráveis (Q)

1,00 1,00 1,30 1,25 1,60 1,40

Page 19: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.18

Por seu turno, Vd deve ser obtido a partir da expressão seguinte, que exprime de modo

geral as diversas combinações de acções a considerar:

V G Q Qd Gj kjj

Q k Qi oi kii

" " " "

11 1

1

(10.37)

em que:

- " " significa "a ser combinado com";

- significa "o efeito combinado de";

- Gkj valores característicos das acções permanentes;

- Qk1 valor característico da acção variável dominante;

- Qki valores característicos das outras acções variáveis;

- Gj coeficiente de segurança parcial para a acção permanente j (Quadro 10.III);

- Qi coeficiente de segurança parcial para a acção variável i (Quadro 10.III);

- o coeficiente de combinação da acção variável (a ver em cada caso, nomeadamente

no Eurocódigo 1, 1994).

3 - ESTIMATIVA DOS ASSENTAMENTOS DE FUNDAÇÕES

3.1 - Introdução

Para avaliar a adequação de uma dada fundação é em regra necessário estimar os

deslocamentos verticais descendentes, isto é, os assentamentos associados às cargas verticais

por ela transmitidas ao maciço subjacente.

A curva genérica tempo-assentamento de uma fundação está esquematicamente

representada na Figura 10.7. O assentamento total, s, é a soma de três componentes:

s s s si c d (10.38)

o assentamento imediato, si , o assentamento por consolidação primária, sc , e o assentamento

por consolidação secundária ou por fluência, sd .

Page 20: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.19

As duas últimas parcelas foram já abordadas no Capítulo 4, com particular ênfase para

o caso do carregamento de estratos confinados de argila. Adiante procurará tratar-se da sua

estimativa com mais generalidade. Quanto ao assentamento imediato, ele constitui a

componente do assentamento total que ocorre concomitantemente com a aplicação de carga.

Como se verá, a sua estimativa pode ser efectuada com base na Teoria da Elasticidade.

A curva representada na Figura 10.7 é aplicável a todos os maciços se se tiver em

consideração que a escala dos tempos e as grandezas relativas das três componentes do

assentamento podem variar de várias ordens de grandeza consoante a natureza do solo e a

relação entre as dimensões (em planta) da fundação e a possança do conjunto dos estratos

significativamente compressíveis sobrejacentes ao firme. No Quadro 10.IV indica-se em

termos muito gerais, para diversas hipóteses no que respeita a esta última relação e à natureza

(predominantemente arenosa ou argilosa) das camadas deformáveis, a importância relativa

das três componentes do assentamento. Como é óbvio, quando no maciço ocorrerem em

simultâneo camadas argilosas e arenosas, todas as combinações são possíveis em relação ao

que é adiantado para o caso de ocorrência de um único tipo de solo.

Fig. 10.7 - Curva genérica tempo-assentamento de uma fundação.

Page 21: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.20

Quadro 10.IV

Características do maciço de fundação si sc sd

predominantemente

normalmente consolidado,

ligeiramente sobreconsolidado praticamente nulo alto a muito alto

relevante nos solos

altamente orgânicos

argiloso, confinado sobreconsolidado

praticamente nulo baixo a moderado irrelevante

predominantemente

normalmente consolidado,

ligeiramente sobreconsolidado muito variável alto a muito alto

relevante nos solos

altamente orgânicos

argiloso, não confinado sobreconsolidado

baixo a moderado baixo irrelevante

predominantemente

cargas com variações modestas variável num intervalo

relativamente lato nulo em geral baixo, por

vezes significativo

arenoso cargas com variações significativas variável num intervalo

relativamente lato nulo relevante

3.2 - Assentamento imediato

3.2.1 - Introdução

Já no Capítulo 2 (ver 2.3.3) se discutiu a aplicabilidade da Teoria da Elasticidade para

a determinação do estado de tensão e das deformações a este associadas induzidos num

maciço terroso por solicitações à superfície. Foi na altura sublinhado que são duas as

condições para que essa aplicação seja legítima:

i) as solicitações têm que ser essencialmente monótonas (isto é, crescer até

determinado valor e a partir daí manterem-se sensivelmente constantes);

ii) as tensões transmitidas ao solo têm que ser modestas em relação à tensão de

rotura do próprio solo, isto é, ao valor da capacidade de carga.

Estas duas condições são em regra verificadas com as fundações superficiais de

edifícios correntes. Em particular, a segunda verifica-se pela grande susceptibilidade aos

assentamentos diferenciais das estruturas hiperestáticas e, muito em especial, dos

revestimentos (ver 5.3). Isto leva a que o dimensionamento das fundações seja em regra

determinado por condições de deformação do solo subjacente e não por satisfação estrita da

segurança em relação à rotura do solo. Esta circunstância leva à adopção no contacto sapata-

terreno de tensões relativamente baixas, para as quais se verifica uma razoável

proporcionalidade em relação às deformações que são ocasionadas no maciço.

Page 22: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.21

3.2.2 - Expressão geral

No referido capítulo estudaram-se diversas soluções elásticas que permitem

determinar o estado de tensão induzido num maciço por determinado tipo de cargas aplicadas

na sua superfície. Foi também comentado, a propósito, que a distribuição das tensões não é

particularmente sensível a variações em profundidade das características elásticas do meio.

Significa isto que para maciços estratificados se pode empregar soluções para a distribuição

de tensões induzidas em meios elásticos homogéneos.

Considere-se o maciço representado na Figura 10.8, constituído por n camadas, todas

com comportamento elástico, solicitado à superfície pela sobrecarga p uniformemente distribuída numa determinada área. Sendo conhecidos os acréscimos de tensões, zj , xj e

yj , por aquela induzidos no centro da camada genérica de espessura hj e características

elásticas E j e v j , o assentamento imediato à superfície pode ser calculado pela simples

aplicação da lei de Hooke:

jyjxjjzj

n

j ji hv

Es

1

1 (10.39)

Fig. 10.8 - Carregamento de um maciço estratificado e elástico.

Page 23: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.22

3.2.3 - Maciço homogéneo semi-indefinido

Caso as características elásticas sejam constantes em profundidade, o somatório da

equação anterior transforma-se num integral:

dzvE

s yxzi

0

1 (10.40)

sendo z , x e y , nos casos mais simples, exprimíveis analiticamente em função da

pressão aplicada à superfície do meio elástico, p, das coordenadas do ponto, das dimensões da

área carregada, B e L, e ainda, no que respeita às duas últimas tensões incrementais, do

coeficiente de Poisson:

LBzyxpzz ,,,,, (10.41)

vLBzyxpxx ,,,,,, (10.42)

vLBzyxpyy ,,,,,, (10.43)

Desenvolvendo a equação 10.40 entrando em conta com as equações 10.41 a 10.43

para cada caso de carregamento, chega-se a uma expressão do tipo:

s p Bv

EIi s

1 2

(10.44)

em que Is é um número real função da geometria da área carregada e do ponto sob o qual se

pretende obter o assentamento.

A solução analítica assim obtida não corresponde em rigor ao caso do carregamento

de um maciço por uma sapata porque se tomou a pressão actuante à superfície como uma

sobrecarga, isto é, supondo que cada força elementar de que esta é composta se aplica ao meio

elástico sem que exista qualquer solidariedade física com as forças vizinhas. Daí,

naturalmente, Is , logo si , serem função do ponto sob o qual se procedeu à integração das

deformações verticais. Tal solução corresponderá àquilo que se poderia designar por uma

“sapata infinitamente flexível”.

No Quadro 10.V incluem-se os valores de Is para este tipo de sapatas, em função da

geometria das mesmas. São apresentados, como se pode constatar, diversos valores de Is para

cada geometria pela razão atrás apontada. Pode constatar-se que Is é máximo, como seria de

esperar, no centro da área carregada e mínimo nos bordos.

Page 24: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.23

As fundações reais têm em geral uma muito grande rigidez à flexão, pelo que os

assentamentos serão iguais em todos os seus pontos, desde que, evidentemente, a carga sobre

a sapata seja centrada.

As soluções para o caso de assentamentos de sapatas infinitamente rígidas sobre meios

elásticos semi-indefinidos e homogéneos não são já soluções exactas, isto é, analíticas,

encontrando-se desenvolvidas todavia soluções numéricas aproximadas para as geometrias

mais comuns.

Para tais casos os assentamentos podem estimar-se aplicando ainda a equação 10.44,

adoptando para o efeito os valores de Is incluídos na última coluna do Quadro 10.V. Como se

pode verificar, os valores de Is propostos para sapatas rígidas são bastante próximos dos

valores médios para o caso de sapatas infinitamente flexíveis (sobrecargas).

Quadro 10.V

Valores de Is para maciços semi-indefinidos

Forma da sapata Is , sapata infinitamente flexível (sobrecarga) Is

centro vértice meio do lado menor meio do lado maior média sapata rígida

circular

quadrada

rectangular L/B = 1,5

= 2,0

= 3,0

= 5,0

= 10,0

1,00

1,12

1,36

1,52

1,78

2,10

2,53

---

0,56

0,67

0,76

0,88

1,05

1,26

0,64

0,76

0,89

0,98

1,11

1,27

1,49

0,64

0,76

0,97

1,12

1,35

1,68

2,12

0,85

0,95

1,15

1,30

1,52

1,83

2,25

0,79

0,92

1,13

1,27

1,51

1,81

2,25

3.2.4 - Maciço homogéneo com fronteira rígida inferior

Caso ocorra a profundidade H abaixo da superfície do meio elástico uma fronteira

rígida, o cálculo do assentamento implicará uma integração das extensões verticais análoga à

da equação 10.40 mas tomando H como limite superior de integração. Tal conduz a que a

equação 10.44 possa ainda ser aplicada, embora, naturalmente, com outros valores de Is .

Page 25: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.24

No Quadro 10.VI incluem-se para o caso agora em análise os valores de Is para o

assentamento no centro de sapatas flexíveis (sobrecargas), valores que naturalmente são

função da razão da espessura do meio deformável pela largura da fundação. Como não podia

deixar de ser, quando esta razão é infinita os valores de Is coincidem com os valores

correspondentes do Quadro 10.V.

Quadro 10.VI

Valores de Is para o centro de sapatas flexíveis sobre um meio elástico com fronteira rígida à profundidade H.

H/B Círculo Rectângulo

Diâmetro = B L/B = 1 L/B=1,5 L/B=2 L/B=3 L/B=5 L/B=10

0,0

0,1

0,25

0,5

1,0

1,5

2,5

3,5

5,0

0,00

0,09

0,24

0,48

0,70

0,80

0,88

0,91

0,94

1,00

0,00

0,09

0,24

0,48

0,75

0,86

0,97

1,01

1,05

1,12

0,00

0,09

0,23

0,47

0,81

0,97

1,12

1,19

1,24

1,36

0,00

0,09

0,23

0,47

0,83

1,03

1,22

1,31

1,38

1,52

0,00

0,09

0,23

0,47

0,83

1,07

1,33

1,45

1,55

1,78

0,00

0,09

0,23

0,47

0,83

1,08

1,39

1,56

1,72

2,10

0,00

0,09

0,23

0,47

0,83

1,08

1,40

1,59

1,82

2,53

3.2.5 - Rotação de sapatas associadas a momentos

Caso a fundação, como se ilustra na Figura 10.9, esteja submetida a momentos, além

dos assentamentos calculados anteriormente a sapata experimenta igualmente rotações. A

composição dos assentamentos associados à carga vertical com aquelas rotações vai fazer

com que os deslocamentos verticais passem a ser variáveis de ponto para ponto da base da

sapata, mesmo que esta seja rígida.

As rotações das sapatas associadas aos dois momentos Mx e My podem ser estimadas

pelas equações:

Page 26: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.25

tg

xx

xM

BL EI

2

21 (10.45)

tg

yy

y

M

B L EI

2

21 (10.46)

em que I x e I y são parâmetros adimensionais que para sapatas rígidas podem ser calculados

pelas seguintes expressões aproximadas:

BLI x /22,01/16 (10.47)

e LBI y /22,01/16 (10.48)

Fig. 10.9 - Rotações de uma sapata assente num meio elástico sob a acção de momentos.

3.2.6 - Diferenças entre as estimativas elásticas e os assentamentos observados

Apresentadas as soluções elásticas para a estimativa dos assentamentos imediatos

torna-se indispensável tecer algumas considerações acerca das suas limitações.

Onde os métodos elásticos mais parecem afastar-se da realidade é no que respeita à

profundidade até à qual ocorrem as deformações. Com efeito, a observação de numerosos

Page 27: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.26

casos reais sugere que a espessura do solo que condiciona os assentamentos é sensivelmente

menor do que a que seria de esperar por via da Teoria da Elasticidade. Por essa razão os

assentamentos não são de facto proporcionais à largura da fundação, ao contrário do que a

equação 10.44 expressa, nem crescem com o aumento do comprimento da sapata (isto é, com

a razão L/B) de forma tão acentuada como a que o Quadro 10.V ilustra (por exemplo, segundo

este, o assentamento de uma sapata rígida cresce cerca de 2,5 vezes quando L/B passa de 1

para 10).

Repare-se que a proporcionalidade do assentamento em relação à largura da fundação,

B, consagrada na solução elástica do problema, decorre do facto de aquela largura ser por sua

vez proporcional às dimensões do “bolbo de tensões” induzidas no maciço, isto é, à

profundidade até à qual são significativos os acréscimos de tensões, logo até à qual ocorrem

as deformações. É precisamente pela mesma razão que o assentamento dado pela Teoria da

Elasticidade cresce com o comprimento da fundação. Reexaminando as Figuras 2.11a) e

2.12a), por exemplo, pode constatar-se que a isóbara correspondente a 10% da pressão

aplicada à superfície atinge profundidades sob o eixo da área carregada de cerca de 6 e 2

vezes a dimensão transversal daquela, quando a dimensão longitudinal é infinita ou igual à

transversal, respectivamente.

Vale a pena citar, a propósito, um valioso trabalho recente em que Burland e Burbidge

(1985) analisaram estatisticamente mais de 200 casos bem documentados de fundações de

edifícios, depósitos e aterros sobre maciços granulares (areias e cascalhos) no qual puderam

concluir entre outras coisas o seguinte:

i) em média, os assentamentos observados foram proporcionais a B0 7, ;

ii) em média, o crescimento dos assentamentos imediatos com a razão L/B pode ser

expressa pela relação

2

25,0/

/25,1

1/

1/

BL

BL

BLs

BLs

i

i (10.49)

cujo segundo membro tende para 1,56 quando L/B tende para infinito.

Estes resultados mostram que as soluções elásticas sobreestimam os assentamentos

imediatos.

A explicação para este afastamento das soluções elásticas em relação ao

comportamento observado parece residir no facto de os solos exibirem deformabilidade muito

baixa quando submetidos a pequenas variações do estado de tensão. Esta faceta do

Page 28: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.27

comportamento dos solos tem sido teorizada por diversos autores que se referem a um “limiar

de tensões”, próximo do estado de tensão de repouso, limiar esse que não sendo excedido pelo

incremento associado à solicitação da obra permite que o solo exiba uma deformabilidade

muito reduzida, muito menor do que a que exibiria caso o incremento de tensão fosse maior.

Sendo assim, para as maiores profundidades sob a sapata, às quais os incrementos de tensão

são já modestos em relação às tensões efectivas de repouso, as deformações associadas

tenderão a ser desprezáveis.

Para ter em conta o desvio analisado poderá, em alternativa à aplicação da solução

analítica expressa pela equação 10.44, efectuar-se o somatório das extensões verticais de

acordo com a equação 10.39, mas apenas até profundidades para as quais o incremento da

tensão vertical represente uma fracção significativa, digamos 20%, da tensão efectiva vertical

de repouso.

Independentemente do valor concreto e obviamente discutível da percentagem

apontada, esta proposta, consagrada nomeadamente no Eurocódigo 7, tem o mérito de ajustar

de modo simples e racional o método teórico de cálculo dos assentamentos imediatos de

fundações, constituindo, na opinião do autor, uma alternativa vantajosa em relação aos

métodos empíricos e semi-empíricos com o mesmo fim, abundantes na bibliografia da

especialidade, cuja aplicação tem sempre que ser rodeada de especiais cuidados de modo a

respeitar as condições particulares com base nos quais foram desenvolvidos.

3.3 - Assentamentos por consolidação

3.3.1 - Assentamentos em camadas de argila não confinados

Os assentamentos por consolidação para o caso de estratos confinados de argila foram

já desenvolvidamente tratados no Capítulo 4. No mesmo capítulo foram também já adiantadas

algumas considerações àcerca do problema, mais complexo, do carregamento de estratos não

confinados, como o do caso da Figura 10.10. Foi salientado na altura que em tais situações:

i) passa a haver assentamento imediato, cujo cálculo pode ser efectuado de acordo

com o que acaba de ser discutido em 3.2;

ii) em cada ponto o incremento da tensão total vertical passa a repartir-se, no instante

do carregamento, num incremento de tensão efectiva vertical e num excesso de

pressão neutra;

Page 29: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.28

iii) os incrementos de tensões totais verticais passam a ser variáveis em profundidade,

tendendo para zero, e a cada profundidade são também variáveis com a distância à

vertical sob o centro da área carregada.

Fig. 10.10 - Carregamento por uma sapata de um estrato não confinado de argila.

Uma das expressões apresentadas no Capítulo 4 para o assentamento por consolidação

de um estrato confinado é a seguinte:

0

0

h

vvoed dzms (10.50)

em que h0 é a espessura inicial da camada argilosa, v representa o incremento de tensão

efectiva vertical durante a consolidação (igual a 1, incremento da tensão total vertical no

instante do carregamento) e mv é o coeficiente de compressibilidade volumétrico. O índice

“oed”, agora usado no assentamento, pretende ressaltar que este corresponde a uma

deformação volumétrica com extensões horizontais nulas (tal como no ensaio edométrico).

Considerando agora o caso do carregamento não confinado ilustrado na Figura 10.10,

se 1 e 3 forem os acréscimos das tensões totais vertical e horizontal num ponto genérico

sob o eixo da sapata associados à solicitação por esta transmitida ao maciço, o excesso de

pressão neutra gerado nesse ponto vale, como é sabido:

313 Aue (10.51)

sendo A o parâmetro de pressões neutras de Skempton.

Page 30: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.29

Sendo assim, a tensão efectiva vertical no mesmo ponto imediatamente após o

carregamento da sapata vale:

v v eu0 1 (10.52)

enquanto que no fim da consolidação, a mesma tensão é igual a:

v v0 1 (10.53)

o que significa que o incremento de tensão efectiva durante a consolidação é igual a ue .

Analisando este problema, Skempton e Bjerrum mostraram que após o carregamento

não drenado, que implica naturalmente distorções (responsáveis, como já se disse, pelo

assentamento imediato), a posterior dissipação do excesso de pressão neutra gerado sob a

fundação se verifica essencialmente sem significativas deformações laterais, isto é, como se o

estrato estivesse de facto confinado. Por esta razão os autores citados sugerem que o

assentamento por consolidação sob o centro da sapata, sc , poderá ser ainda calculado por uma

equação do tipo da equação 10.50 mas em que agora o valor de v não é já igual a 1 mas

dado pela equação 10.51. Esta pode ser reescrita da seguinte forma:

AAue 11

31

(10.54)

e então:

dzAAmsh

vc

11

310

0

(10.55)

Uma comparação entre as expressões 10.50 e 10.55 evidencia uma óbvia analogia

entre o assentamento “confinado” e o assentamento por consolidação para o caso geral de

uma sapata sobre um estrato não confinado de argila. Este último assentamento pode, com

efeito, ser expresso pela equação:

s sc oed (10.56)

em que

0

0

0 1

01

31 1

h

v

h

v

dhm

dzAAm

(10.57)

Page 31: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.30

ou ainda, admitindo mv e A constantes ao longo da espessura do estrato:

AA 1 (10.58)

em que

0

0

0 1

0 3

h

h

dz

dz

(10.59)

Os acréscimos 1 e 3 são dados pela Teoria de Elasticidade e dependem da

geometria do problema e do coeficiente de Poisson do solo. Como este para solos solicitados

sob condições não drenadas é igual a 0,5, depende apenas da geometria do problema. O

Quadro 10.VII inclui valores de para alguns casos de interesse prático. Para solos

normalmente consolidados mais correntes (A relativamente próximo de 1,0), é um pouco

inferior a 1,0, sendo substancialmente inferior à unidade para as argilas fortemente

sobreconsolidadas.

Quadro 10.VII

Valores de

Forma da sapata

h/B Circular Corrida

0 0,25 0,5 1,0 2,0 4,0

10,0

1,00 0,67 0,50 0,38 0,30 0,28 0,26 0,25

1,00 0,74 0,53 0,37 0,26 0,20 0,14 0,00

3.3.2 - Assentamentos associados ao rebaixamento do nível freático

É relativamente frequente a ocorrência de rebaixamentos do nível freático, seja com

carácter meramente temporário (por exemplo, para a realização, a seco, de uma escavação

abaixo da posição inicial desse nível), seja com carácter permanente, devido a bombagens

permanentes nos aquíferos a certa profundidade para abastecimento de água a populações ou

a indústrias.

Page 32: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.31

Considere-se a Figura 10.11 onde existe um estrato de argila e em que o nível freático

vai passar da profundidade zw1 para a profundidade zw2 no estrato permeável superior. Seja

v1 a tensão total média vertical num ponto genérico do estrato de argila à profundidade z

antes do rebaixamento. A tensão efectiva correspondente vale:

111 wwvv zz (10.60)

Admitindo que a zona do maciço entre as profundidades zw1 e zw2 se mantém saturada

por capilaridade após o rebaixamento, a tensão total vertical no ponto genérico do estrato de

argila não se altera com o rebaixamento, isto é v v2 1 . Sendo assim, a tensão efectiva

vertical no mesmo ponto após o rebaixamento, v2 , vale:

212 wwvv zz (10.61)

Donde, a variação da tensão efectiva vertical no ponto em causa associada ao

rebaixamento é igual a:

122112 wwwwwwvv zzzzzz (10.62)

A este aumento da tensão efectiva corresponde um assentamento por consolidação,

que pode ser estimado, por exemplo, por meio da equação 10.50.

Fig. 10.11 - Maciço com estrato argiloso e variação do nível freático.

Caso a zona que passou a estar emersa após o rebaixamento, entre as profundidades

zw1 e zw2 , deixe de estar saturada, o respectivo peso específico experimentará naturalmente

uma certa redução, passando v2 a ser sensivelmente inferior a v1, o que atenua, também

sensivelmente, o incremento da tensão efectiva vertical dado pela equação 10.62.

Page 33: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.32

3.4 - Nota sobre assentamentos por consolidação secundária ou por fluência

No que respeita ao assentamento por consolidação secundária ou por fluência é

interessante notar que durante muito tempo se considerou que ele era apenas de ter em conta

nas fundações sobre solos argilosos, aspecto a respeito do qual as considerações apresentadas

no Capítulo 4 são aplicáveis.

No notável estudo já atrás referido de Burland e Burbidge (1985), em que foram

analisados mais de 200 casos de fundações em areias e cascalhos, aqueles autores concluiram

que também nos solos granulares as fundações exibem um assentamento diferido no tempo

que, em termos relativos, não é desprezável.

O exame das referidas observações mostra muito claramente que tais assentamentos

são particularmente significativos no caso das fundações sujeitas a cargas variáveis, como

chaminés muito altas, pontes, silos, etc..

Os autores sugerem a seguinte expressão empírica para estimar o assentamento, st , ao

fim de determinado tempo t superior a 3 anos:

3log1 3

tRRss tit (10.63)

em que R3 e Rt são os assentamentos diferidos no tempo, expressos como fracções de si ,

correspondentes, respectivamente, aos três primeiros anos após a construção e a cada ciclo

logarítmico de tempo após os mesmos 3 anos.

Os autores citados sugerem para cargas essencialmente constantes valores de 0,3 e de

0,2 para R3 e Rt , respectivamente; tal equivale a considerar s st i 1 5, para t = 30 anos. Para

cargas com variações significativas, os valores sugeridos são, respectivamente, 0,7 e 0,8, o

que corresponde a um s st i 2 5, para t = 30 anos.

4 - ESTIMATIVA DAS CARACTERÍSTICAS DE DEFORMABILIDADE DO SOLO

4.1 - Introdução

Embora, como se viu, os métodos de cálculo para a avaliação da capacidade de carga e

dos assentamentos das fundações tenham óbvias limitações, sendo naturalmente “imperfeitos”

Page 34: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.33

no que respeita a diversos aspectos dos problemas que pretendem modelar, a fiabilidade dos

seus resultados depende além disso, como se compreenderá, da qualidade das estimativas dos

parâmetros mecânicos do maciço que forem adoptadas.

Neste ponto será tratada com particular destaque a estimativa do módulo de

deformabilidade do maciço, indispensável para a avaliação dos assentamentos imediatos.

Em jeito de parêntesis, note-se que naquela avaliação entra também o coeficiente de

Poisson do solo. Felizmente, a influência deste parâmetro no valor do assentamento é

relativamente pequena, já que ele não varia dentro de limites muito largos. Para areias e

argilas com comportamento drenado, valores de entre 0,3 e 0,4 parecem razoáveis. Para

argilas sob condições não drenadas (variações volumétricas praticamente nulas) terá que

ser, obviamente muito próximo de (ou coincidente com) 0,5.

4.2 - Módulo de deformabilidade de solos arenosos

Como no capítulo anterior foi referido, a impossibilidade de colher amostras

indeformadas de areias para ensaios de corte em laboratório, conduz a que em grande parte

das situações se recorra exclusivamente a ensaios “in situ” para a caracterização mecânica

daquele tipo de solos.

Dos ensaios estudados apenas o ensaio de carga em placa e o ensaio pressiométrico

são susceptíveis de uma interpretação teórica dos respectivos resultados de modo a obter o

módulo de deformabilidade do solo para uso na avaliação dos assentamentos.

Sendo aqueles ensaios relativamente onerosos, eles são realizados apenas em situações

menos correntes. Na maior parte das obras de fundações os ensaios realizados são os ensaios

de penetração, nomeadamente o SPT e o CPT, ensaios esses cuja interpretação teórica não se

afigura, pelo menos para já, susceptível de conduzir a estimativas da deformabilidade do

terreno.

Existem, todavia, numerosas correlações de natureza empírica entre os resultados do

SPT (N - número de pancadas necessárias para cravar o amostrador de 0,30m) e do CPT (qc -

resistência de ponta ao avanço do aparelho) e os parâmetros que definem o comportamento

mecânico dos solos arenosos.

Quando se dispõe apenas de resultados dos ensaios SPT, é corrente correlacionar N

com qc e usar depois correlações de qc com E, já que estas são, em geral, mais fiáveis. A

Page 35: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.34

Figura 10.12 mostra um ábaco, que colhe larga aceitação entre os especialistas, que permite

correlacionar N com qc.

Fig. 10.12 - Correlações entre qc e N em função da granulometria do solo (os valores de N não se encontram

corrigidos).

Quanto às correlações de qc com E elas são habitualmente expressas por uma relação

de proporcionalidade do tipo:

E qc (10.64)

em que o parâmetro adimensional varia dentro de limites bastante latos. O valor = 3

parece, contudo, ter a virtude de não ser nem excessivamente optimista nem pessimista. A

Figura 10.13 ajudará, no entanto, a ter uma ideia da diversidade das propostas existentes à

data da sua elaboração. Nela as diversas linhas representam outras tantas corelações entre E e

qc. (A linha designada com o nº 4 é a que corresponde a = 3).

Page 36: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.35

Fig. 10.13 - Correlações entre a resistência de ponta do CPT, qc , e o módulo de deformabilidade de solos

granulares (Folque, 1976).

Resultados mais recentes mostraram a influência da sobreconsolidação no módulo de

deformabilidade das formações arenosas. Por exemplo, no último “estado da arte” no que

respeita a fundações superficiais (Frank, 1991) são propostos valores de E/qc entre 2,5 e 3,5

para depósitos normalmente consolidados e recentes de areias, de 3,5 a 6,0 para depósitos

normalmente consolidados antigos e entre 6 a 10 para o caso de maciços sobreconsolidados.

Alternativa actualmente muito utilizada é a estimativa do módulo de deformabilidade

a partir dos resultados dos ensaios sísmicos entre furos (“cross-hole seismic test”). Como foi

referido no capítulo anterior, a velocidade Vs medida no ensaio permite determinar o módulo

de distorção máximo do solo, Gmáx, sendo o adjectivo “máximo” devido ao facto de naquele

ensaio estarem envolvidos níveis de deformações por corte muito baixos.

Encontram-se na bibliografia da especialidade numerosas curvas, deduzidas

experimentalmente, que exprimem a variação de G com o nível de distorção. Na Figura 10.14

mostram-se as curvas propostas por Seed et al. (1984) para areias e cascalhos. Para obter o

valor de G para efeitos de estimativa de assentamentos, pode ter-se como referência que as

deformações dificilmente excederão valores da ordem de 0,1% na maior parte do maciço de

fundação (o que corresponde a uma abcissa na Figura 10.14 igual a -1).

Page 37: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.36

Estimando o módulo de distorção, o módulo de deformabilidade poderá ser obtido a

partir da bem conhecida relação

GE 12 (10.65)

adoptando os valores de já atrás recomendados.

a)

b)

Fig. 10.14 - Relação G G/ máx com a distorção (Seed et al., 1984); a) areias; b) cascalhos.

4.3 - Módulo de deformabilidade não drenado de solos argilosos

Para o caso de argilas é já possível, em geral, obter amostras indeformadas para

ensaios triaxiais em laboratório. Ainda assim, o módulo de deformabilidade parece ser um

Page 38: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.37

parâmetro particularmente sensível às perturbações das amostras, muito mais sensível,

nomeadamente, do que os parâmetros de resistência.

A estimativa da deformabilidade de um solo argiloso em laboratório exige por isso

amostras de excelente qualidade, bem como sistemas de medição das deformações

particularmente fiáveis e rigorosos, tendo em vista que o nível de deformações médio nos

maciços subjacentes a fundações é, como se viu, bastante baixo e o módulo de

deformabilidade é altamente dependente daquele nível. Tais sistemas de medição não são

ainda generalizadamente empregues nos laboratórios, pelo que a qualidade das determinações

do parâmetro em questão é, em média, bastante medíocre.

Atendendo ao exposto, o recurso a ensaios “in situ” aparece para as argilas, muito

frequentemente, como plenamente justificado.

Os ensaios cujos resultados podem ser interpretados teoricamente de modo a obter o

módulo de deformabilidade do terreno são, tal como para as areias, o ensaio de carga em

placa e o ensaio com o pressiómetro autoperfurador de Cambridge. O módulo obtido destes

ensaios é, em princípio, o módulo de deformabilidade do solo sob condições não drenadas,

Eu .

Processo muito corrente, em particular na “escola americana”, consiste em avaliar Eu

a partir de correlações com a resistência não drenada, cu , sendo esta determinada quer em

laboratório, quer por meio de ensaios “in situ”, nomeadamente o de corte rotativo (“vane-

test”), que fornece directamente a resistência não drenada, e o cone-penetrómetro holandês

(CPT), para cujos resultados foram no capítulo anterior referidas correlações empíricas com

aquela resistência (qc 10 a 30cu ).

A correlação entre o módulo de deformabilidade não drenado e a resistência não

drenada é expressa pela equação

E M cu u (10.66)

em que o parâmetro adimensional M pode ser obtido a partir da Figura 10.15.

Finalmente, e tal como para as areias, é ainda possível estimar o módulo de

deformabilidade não drenado, Eu , das argilas a partir de G obtido dos ensaios "cross hole",

tendo naturalmente em devida atenção a dependência daquele parâmetro em relação ao nível

de distorção. A Figura 10.16 ilustra as curvas propostas por Sun et al. (1988) que exprimem a

dependência referida para diversos valores do índice de plasticidade do solo.

Page 39: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.38

Fig. 10.15 - Factor de proporcionalidade entre Eu e cu (Duncan e Buchignani, 1976).

É de referir que o valor do coeficiente de Poisson a empregar para obter Eu a partir de

G deve ser agora igual a 0,5, atendendo a que se trata de um módulo em condições não

drenadas.

Fig. 10.16 - Relação G G/ máx com a distorção para solos argilosos (Sun et al., 1988).

Page 40: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.39

5 - VERIFICAÇÃO AOS ESTADOS LIMITES ÚLTIMOS E DE UTILIZAÇÃO DE

ESTRUTURAS DEVIDOS A MOVIMENTOS DAS FUNDAÇÕES

5.1 - Cargas a considerar. Eurocódigos 1 e 7

A estimativa dos assentamentos que vem sendo discutida é indispensável para

proceder a dois tipos de verificações no projecto estrutural:

a) a verificação em relação ao estado limite último da estrutura, ocasionado por

deslocamentos das fundações;

b) a verificação aos estados limites de utilização, ocasionados, de igual modo, por

deslocamentos das fundações.

A metodologia de estimativa dos assentamentos para os dois tipos de verificação pode

ser essencialmente semelhante, mas as cargas consideradas devem naturalmente ser

diferentes.

Este aspecto encontra-se contemplado nos Eurocódigos 1 e 7. Para efeitos de

verificação ao estado limite último da estrutura, as cargas a considerar devem ser

essencialmente as mesmas que foram consideradas a propósito da capacidade de carga do

terreno (equação 10.37). Para a verificação aos estados limites de utilização, parece razoável

obter o valor de cálculo da carga vertical com base na combinação frequente, que tem a

expressão (Eurocódigo 1, Parte 1, 1994):

V G Q Qd kj k i kiij

" " " " 11 1 2

11

(10.67)

em que:

- "+" significa "a ser combinado com";

- significa "o efeito combinado de";

- Gkj valores característicos das acções permanentes;

- Qk1 valor característico da acção variável dominante;

- Qki valores característicos das outras acções variáveis;

- 1 coeficiente para o valor frequente da acção variável (ver Eurocódigo 1, 1994);

Page 41: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.40

- 2 coeficiente para o valor quase-permanente da acção variável (ver Eurocódigo 1,

1994).

Conclui-se pois que para a verificação aos estados limites de utilização o valor de

cálculo da carga vertical actuante é obtida considerando-se unitários todos os coeficientes de

segurança relativos às acções.

5.2 - Assentamentos totais e diferenciais. Interacção solo-estrutura

A Figura 10.17 ilustra os dois tipos fundamentais de assentamentos das estruturas:

assentamentos uniformes (Figura 10.17a)) e assentamentos não uniformes (Figura 10.17b)).

Para este último caso, define-se assentamento diferencial como sendo a diferença entre o

assentamento máximo e o assentamento mínimo:

a) b)

Fig. 10.17 - Assentamentos de fundações: a) uniformes; b) não uniformes.

s s s sdif máx min (10.68)

Por sua vez, distorção angular será a razão entre o assentamento diferencial de dois

pontos de apoio contíguos e a respectiva distância:

s

l (10.69)

Os assentamentos não uniformes podem resultar de vários factores:

i) tensões iguais transmitidas ao maciço por fundações de diferentes geometrias;

ii) tensões diferentes transmitidas ao maciço por fundações de igual geometria;

iii) heterogeneidade no solo de fundação.

Page 42: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.41

Os métodos já conhecidos para a determinação dos assentamentos conduzem,

obviamente, ao assentamento total de uma dada fundação. Ao discutir se a grandeza do

assentamento total de uma dada fundação é ou não admissível há que distinguir

essencialmente a parcela desse assentamento que vai ser comum aos outros pontos de apoio

da estrutura da parcela restante, que vai pois conduzir a assentamentos diferenciais.

Convém, todavia, chamar a atenção que numa estrutura hiperestática a distribuição das

cargas nas fundações depende dos deslocamentos das mesmas fundações. Se, por hipótese, o

assentamento numa fundação tender a ser relativamente elevado, as deformações estruturais a

ele associadas mobilizarão uma redistribuição de cargas, com alívio da carga nessa fundação

e acréscimo(s) noutra(s) fundação(ões) vizinha(s).

Atendendo a este aspecto, o cálculo dos assentamentos com base numa distribuição de

cargas obtida de uma análise estrutural prévia efectuada admitindo apoios rígidos, conduzirá

necessariamente a assentamentos diferenciais sobreestimados. Sendo assim, após uma

primeira abordagem ao problema da forma indicada, e que é a tradicionalmente empregue, é

aconselhável proceder a uma análise estrutural que contemple a interacção solo-estrutura,

muito em especial nas situações em que a análise preliminar conduziu a valores dos

assentamentos diferenciais com alguma relevância.

Nos problemas com particular responsabilidade e em condições geotécnicas menos

favoráveis, a citada análise da interacção solo-estrutura deverá ter em conta de forma

conjugada a evolução da geometria estrutural e do carregamento da estrutura e das fundações.

Isto é, em vez de, tomando a geometria final da estrutura, aplicar num só incremento as cargas

totais, deverá analisar-se as diversas fases construtivas da mesma (num edifício, o

crescimento faseado dos pisos) aplicando-se para cada geometria apenas as cargas

correspondentes à fase de construção respectiva. Em certas situações as diferenças entre os

resultados dos dois modos de análise referidos, no que respeita aos assentamentos, cargas nas

fundações e esforços estruturais pode ser significativa. Repare-se que, por exemplo, numa

estrutura reticulada de um edifício de n pisos, caso ocorram assentamentos diferenciais, os

esforços nos elementos estruturais do último piso não dependerão, naturalmente, dos

assentamentos associados às cargas permanentes dos n - 1 primeiros pisos.

5.3 - Assentamentos admissíveis

Quando se põe a questão de estabelecer limites para assentamentos, é fundamental ter

em conta que quando os assentamentos totais são elevados, se torna muito difícil limitar os

assentamentos diferenciais dentro de valores reduzidos. Logo, em geral, a limitação dos

Page 43: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.42

assentamentos totais de uma dada fundação a um dado valor relativamente pequeno, visa

essencialmente controlar os assentamentos diferenciais, que então serão, naturalmente,

inferiores àquele valor.

Admita-se, contudo, que seria possível eliminar todos os aspectos que contribuem para

os assentamentos diferenciais. A Figura 10.18 ilustra dois exemplos: um edifício assente

sobre uma fundação rígida de betão armado (ensoleiramento geral) e um depósito metálico

assente sobre uma laje também rígida de betão armado, ambos fundados num maciço

perfeitamente homogéneo. Nestes casos os assentamentos totais (uniformes) admissíveis

poderão ser da ordem da dezena de centímetros no primeiro caso e da ordem de algumas

dezenas de centímetros no segundo. No caso do edifício, aquele limite tem essencialmente a

ver com a necessidade de não danificar as canalizações (de água, saneamento, etc.) que se

ligam ao edifício e também para não afectar o acesso do (ou para o) exterior. Contudo,

inúmeros casos existem em que tal limite foi largamente ultrapassado sem que a utilização

dos edifícios tenha sido drasticamente afectada.

Fig. 10.18 - Assentamentos uniformes de estruturas com fundação rígida num maciço homogéneo: a) edifício de

betão armado sobre ensoleiramento geal; b) depósito metálico sobre laje de betão.

Passando aos assentamentos diferenciais admissíveis, é necessário sublinhar, antes de

mais, que a sua exacta fixação se torna também muito difícil. Em primeiro lugar, não é fácil

determinar teoricamente qual o valor do assentamento diferencial que causa danos numa

determinada estrutura porque esse valor depende de vários factores não quantificáveis.

Verifica-se, por exemplo, que a velocidade com que se processa o assentamento afecta de

modo importante o comportamento das estruturas, causando danos menos relevantes aqueles

que se processam com grande lentidão. Contudo, os limites dos assentamentos diferenciais e

das respectivas distorções angulares, estão condicionados, em geral, pela fissuração dos

revestimentos (mais sensíveis que as próprias estruturas), e até, em alguns edifícios

industriais, pelo funcionamento de maquinaria especialmente sensível.

Page 44: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.43

Salvo casos excepcionais (por exemplo, o que acaba de ser referido acerca de

maquinarias muito sensíveis), os assentamentos diferenciais admissíveis devem ser fixados

através de uma interacção entre o projectista da estrutura e o das fundações. Não é, por

exemplo, razoável que se proceda ao projecto da estrutura admitindo que os assentamentos

diferenciais serão nulos e depois se imponha tal condição ao projectista das fundações. Para

cumpri-la, este, em alguns casos, será obrigado a adoptar fundações que conduzem a uma

solução global altamente antieconómica.

A Figura 10.19 apresenta os resultados de um estudo conduzido por Bjerrum (1963),

indicando, para diversas situações de interesse prático, ordens de grandeza das distorções

angulares admissíveis. Para um dado caso, e tendo o afastamento médio dos pilares, l, poderá

passar-se da distorção angular para o assentamento diferencial máximo entre pontos de apoio contíguos s ldif b g. Na prática, passar-se-á da limitação do assentamento diferencial

máximo para a fixação dos assentamentos máximos, já que aqueles são mais difíceis de

estimar, pois são largamente afectados pelas heterogeneidades dos maciços naturais e até pela

capacidade de redistribuição de cargas pelas estruturas hiperestáticas.

1

100

1

200

1

300

1

400

1

500

1

600

1

700

1

800

1

900

1

1000

limite para maquinarias sensíveis

limite para estruturas com contraventamentos em diagonal

limite para fissuração de revestimentos de edifícios

limite para fissuração de paredes não resistentes

dificuldades com funcionamento de pontes rolantes

rotação de edifícios altos e rígidos começa a ser visível

fissuração considerável em paredes não resistentes

limite para paredes flexíveis de tijolo, h/l < 14

limite (provável) de danos em estruturas de edifícios correntes

Distorção angular, = sdif /l

Fig. 10.19 - Ordens de grandeza das distorções angulares admissíveis para diversas situações, segundo

Bjerrum (1963).

Page 45: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.44

A passagem do assentamento diferencial máximo para o assentamento máximo a

impôr no projecto das fundações exige uma relação entre aqueles dois tipos de assentamentos.

A Figura 10.20 mostra alguns resultados coligidos por Bjerrum de observações de obras reais.

Verifica-se, naturalmente, que os assentamentos diferenciais são quando muito iguais

aos assentamentos totais (o que acontece quando determinado ponto de apoio não

experimenta praticamente assentamento) mas que, em geral, andam significativamente abaixo

destes.

A relação entre os dois assentamentos em causa depende, naturalmente, de forma

relevante da maior ou menor heterogeneidade do maciço de fundação, entendida esta, no caso

presente, exclusivamente como a variabilidade das características do terreno na horizontal.

A este respeito podem distinguir-se claramente duas situações:

a) a de um maciço de origem sedimentar que, embora eventualmente formado por

grande número de camadas sobrepostas, tipicamente exibe reduzida variabilidade

de propriedades nas direcções horizontais ou, quando a exibe, ela é relativamente

suave;

b) em contraste com a situação anterior, a de um maciço de solos residuais, o qual

embora com grande uniformidade litológica, pode apresentar bruscas variações

das propriedades mecânicas de ponto para ponto em consequência da

variabilidade do avanço da meteorização de local para local.

Fig. 10.20 - Relação entre os assentamentos máximo e diferencial máximo em edifícios fundados em areias,

segundo Bjerrum (1963).

Page 46: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.45

Atendendo ao exposto, e para efeitos práticos, sugere-se as relações:

s sdifmáx máx, 0 5 (10.70)

e

s sdifmáx máx (10.71)

para maciços sedimentares e para maciços de solos residuais, respectivamente.

6 - DIMENSIONAMENTO RECORRENDO A MÉTODOS EMPÍRICOS

Em alternativa ao dimensionamento das fundações com recurso a cálculos com uma

verificação explícita da segurança em relação aos diversos estados limites, podem empregar-

se, para o caso de estruturas correntes em condições geotécnicas bem conhecidas,

determinados métodos empíricos baseados em experiência comparável.

O método porventura mais conhecido ilustra-se na Figura 10.21, a partir da qual se

pode deduzir-se a chamada “tensão admissível” para sapatas com largura B sobre maciços

arenosos, tomando em conta o número de pancadas, N, do ensaio SPT.

Aquela tensão admissível é definida em termos dos assentamentos máximos que

acarreta: segundo os autores referidos, aqueles serão quando muito iguais a uma polegada

(cerca de 2,5cm).

Antes de mais, pode notar-se que este valor parece em princípio aceitável para

edifícios correntes, se fôr tida em conta a relação entre os assentamentos totais e diferenciais

atrás comentada, em conjugação com os valores admissíveis da distorção angular incluídos na

Figura 10.19.

Quanto à adequação das propostas a respeito de o valor referido do assentamento não

ser ultrapassado, ela encontra-se largamente comprovada por meio de medições em grande

número de casos. As curvas a traço contínuo na figura correspondem à proposta inicial de

Terzaghi e Peck, aquando da primeira edição em 1948 do seu famoso tratado “Soil Mechanics

in Engineering Practice”. A experiência subsequente veio mostrar que tal proposta era

excessivamente conservativa, tendo Peck, Hanson e Thornburn (1974) proposto a alternativa

correspondente às linhas a traço interrompido.

Page 47: FUNDAÇÕES SUPERFICIAIS

10.46

Fig. 10.21 - Correlação entre os resultados do ensaio SPT e a tensão admissível de sapatas sobre solos arenosos

(os valores de N não se encontram corrigidos).