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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Airton Grazzioli Fundações Privadas: Do Poder à Responsabilidade dos Dirigentes MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Airton Grazzioli

Fundações Privadas: Do Poder à Responsabilidade dos Dirigentes

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Airton Grazzioli

Fundações Privadas: Do Poder à Responsabilidade dos Dirigentes

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do titulo de Mestre

em Direito sob a orientação do Profº Doutor

Francisco José Cahali.

SÃO PAULO

2011

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Banca Examinadora

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DEDICATÓRIA

Aos maiores presentes que o Deus do

Universo me confiou, minhas princesas

amadas Thais e Raquel, incentivos de

todas as horas - bênçãos que me

acariciam e alentam a alma - incentivo de

vida.

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AGRADECIMENTOS

O maior dos agradecimentos não poderia ser outro que não ao Arquiteto de todas as

boas ações, o Comandante dos comandantes e comandados, sem o qual nada faz

sentido. A Ele toda honra, toda Glória e louvores.

Minha gratidão e de forma especial ao meu caríssimo orientador Prof. Dr. Francisco

José Cahali, que muito além de seu vastíssimo conhecimento da ciência do direito,

possui a sabedoria de mostrar a todos a bondade de sua alma.

Aos Professores Doutores Vidal Serrano Nunes Júnior e José Eduardo Sabo Paes o

especial agradecimento pelas orientações e ensinamentos dados por ocasião da

banca examinadora. A sabedoria dos ilustres examinadores é motivo de honra ao

mestrando.

Agradeço também ao Ministério Público do Estado de São Paulo que me deu a

honra de me acolher dentre os seus membros, ofertando-me o cargo de Promotor de

Justiça de diversas áreas para acumular conhecimentos e chegar à Curadoria de

Fundações, onde tenho a oportunidade de trabalhar em benefício direto da

sociedade, especialmente para aquela parcela social menos abastada de recursos e

oportunidades.

Aos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, que me permitiram o

convívio com experientes e dedicados Promotores de Justiça de Fundações, os

quais muito me ensinaram sobre o Terceiro Setor.

À Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e

Entidades de Interesse Social – PROFIS, na qual tenho a honra de ser o Vice-

Presidente, que me permitiu palco adequado para profícuos debates de palpitantes

temas de fundações e entidades associativas de interesse social.

Aos dirigentes e colaboradores das fundações privadas com sede jurídica na

Comarca de São Paulo, com os quais mantenho estreito relacionamento e que, com

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isso, permitiram-me a aquisição de conhecimentos que foram a base e a construção

do presente trabalho.

À advogada Roberta Maria Brito, ao acadêmico de direito Danilo Mauricio Suyama e

à administradora Bruna Gadelha Da Silva, que não mediram esforços para profícuo

trabalho de pesquisa, que permitiu o enriquecimento do presente estudo.

Por derradeiro e de forma especialíssima às minhas amadas filhas Thais e Raquel,

pela compreensão, paciência e carinho que me ofertaram, especialmente nos

momentos em que tive que me ausentar do convívio familiar para dedicação aos

estudos do curso de mestrado.

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“Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe

tudo. Todos nós sabemos alguma coisa.

Todos nós ignoramos alguma coisa. Por

isto aprendemos sempre.”

Paulo Freire

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GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: Do Poder à Responsabilidade dos Dirigentes. 2011. 200p. Dissertação (Mestrado em Direito. área de concentração: Direito das Relações Sociais, subárea: Direito Civil) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

RESUMO

Abordagem analítica sobre a experiência fruto da rotina do exercício das funções de

Curador de Fundações na Capital do Estado de São Paulo, com o velamento de

aproximadamente 3 centenas de fundações privadas, a maioria delas com

expressiva atividade social e significativo patrimônio, que ensejam o enfrentamento

diário de questões de relevância. Realiza-se desenvolvimento sistemático sobre

conceitos e especificidades das fundações privadas, enquanto entes que integram o

denominado Terceiro Setor. É efetuado levantamento dos dados cadastrais junto ao

Ministério Público do Estado de São Paulo, onde se mostrou o quão expressivo é o

trabalho social desenvolvido por essas entidades, em benefício da sociedade, assim

como o capital bilionário que elas amealham, que servem de sinal para a

importância do estudo da responsabilidade dos dirigentes. Dissertação sobre a

forma de administração, do exercício do poder, dos deveres a da responsabilidade

dos administradores das fundações. Análise crítica da ausência de normas legais

específicas para a responsabilidade civil e responsabilidade penal dos dirigentes de

fundações privadas, que administram interesses da sociedade civil.

Palavras-chave: Terceiro setor, fundações privadas, poder, dever,

responsabilidade.

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GRAZZIOLLI, Airton, Private Foundations: From the Power to the Leader’s Responsabilies, 2011. p.200, Thesis( Master‟s Degree in Law. focus area: Social Relationship Law, Sub-area: civil Law) – Pontifíca Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

OVERVIEW

Analytical approach about the experience resulted from the performance of duties of

the Guardians of Foundations in the capital São Paulo, in charge of approximately 3

hundred private foundations, most of them with expressive social activity and

significant assets, which provide automatically an opportunity of dealing with relevant

daily matters. It was performed systematic development about concepts and

specificity of private foundations, as invidious who are part of the Tertiary Sector. It

was made registration information surveys with Attorney General‟s office of São

Paulo, where it has shown how significant the social work developed by these

entities is, for the society‟s benefit, as well as the billionaire capital they amass, which

works as a sign for the importance of studies of the leaders‟ responsibilities. Thesis

on its managing performance, power engagement of the duties and responsibilities of

the administrators of the foundations. Critical analysis of lack of specific legal

standards for the civil responsibilities and Criminal responsibilities of the private

foundations leader, who manage the civil society‟s interests.

Keywords: Tertiary Sector, Private foundations, power, duty, responsibility

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - Fundações privadas no Estado de São Paulo................................49

GRÁFICO 2 - Fundações privadas disjuntas por área de atuação no Estado de

São Paulo..................................................................................................................50

GRÁFICO 3 - Patrimônio das fundações por área de atuação no Estado de São

Paulo..........................................................................................................................51

GRÁFICO 4 - Pessoas envolvidas em fundações no Estado de São Paulo

(Funcionários e Dirigentes).....................................................................................52

GRÁFICO 5 - Movimentação Financeira das Fundações do Estado de São Paulo..........................................................................................................................53

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO 1 - Patrimônio das fundações por área de atuação no Estado de São Paulo..................................................................................................................51 ILUSTRAÇÃO 2 Ciclo de evolução da organização............................................139 ILUSTRAÇÃO 3 - Estágios no ciclo de evolução de um Conselho...................141

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LISTA DE ABREVIAÇÕES

ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade CC. Código Civil CF. Constituição Federal CGMP Corregedoria Geral do Ministério Público Coord. Coordenação CPC Código de Processo Civil d.C Depois de Cristo DF Distrito Federal Ed. Edição EUA Estados Unidos da América MP Ministério Público OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público P. Página PGJ Procurador Geral de Justiça PROFIS Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça de

Fundações e Entidades de Interesse Social SICAP Sistema de Cadastro e Prestação de Contas STJ Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

PARTE I

1 DISPOSIÇÕES GERAIS.....................................................................................16

INTRODUÇÃO.......................................................................................................16

2 HISTÓRICO........................................................................................................19

2.1 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO FUNDACIONAL................................................19

2.2 LEGISLAÇÃO ANTECEDENTE AO CÓDIGO CIVIL DE 1916........................29

2.3 DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DE 1916.................................................32

2.4 DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.................................................34

3 IMPORTÂNCIA SOCIAL DO TERCEIRO SETOR E SUA COMPOSIÇÃO.......38

3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS SETORES DA ECONOMIA.......................................38

3.2 FUNDAÇÕES PRIVADAS NO CONTEXTO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO..........................................................................................................41

3.3 FUNDAÇÕES PRIVADAS E ASSOCIAÇÕES.................................................44

4 IMPORTÂNCIA DAS FUNDAÇÕES PRIVADAS NO CONTEXTO POLÍTICO E

SOCIAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS................47

PARTE II

5 TEORIA GERAL DAS FUNDAÇÕES PRIVADAS E DIREITO DAS

FUNDAÇÕES........................................................................................................55

5.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA.............................................................55

6 PATRIMÔNIO.....................................................................................................59

6.1 LIBERDADE E SUFICIÊNCIA DOS BENS PARA A CONSTITUIÇÃO DE

FUNDAÇÃO...........................................................................................................60

6.2 IRREVERSIBILIDADE DOS BENS..................................................................69

6.3 INALIENABILIDADE DOS BENS.....................................................................71

7 FINALIDADES....................................................................................................74

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8 INSTITUIÇÃO DA FUNDAÇÃO.........................................................................83

8.1 INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO POR ATO INTER VIVOS..............................84

8.2 INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO POR ATO CAUSA MORTIS..........................88

9 ESTATUTO SOCIAL..........................................................................................92

9.1 DENOMINAÇÃO, SEDE, FINS E DURAÇÃO DA FUNDAÇÃO......................95

9.2 PATRIMÔNIO E RENDIMENTOS...................................................................97

9.3 ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO E COMPETÊNCIAS...................................98

9.3.1 Conselho curador..........................................................................................99

9.3.2 Conselho fiscal............................................................................................100

9.3.3 Diretoria executiva......................................................................................102

9.4 EXERCÍCIO FINANCEIRO E PRESTAÇÃO DE CONTAS............................103

9.5 RESPONSABILIDADE...................................................................................104

9.6 ALTERAÇÃO ESTATUTÁRIA........................................................................105

9.7 EXTINÇÃO E DESTINO DO PATRIMÔNIO..................................................106

10 VELAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO....................................................107

11 EXTINÇÃO......................................................................................................110

PARTE III

12 ADMINISTRAÇÃO, PODER, DEVERES E RESPONSABILIDADE DOS

DIRIGENTES.......................................................................................................111

12.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.......................................................................111

13 ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR DAS FUNDAÇÕES.....................................113

13.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO DAS

FUNDAÇÕES ......................................................................................................117

13.1.1 Princípio da legalidade..............................................................................118

13.1.2 Princípio da impessoalidade.....................................................................119

13.1.3 Princípio da publicidade............................................................................119

13.1.4 Princípio da moralidade............................................................................120

13.1.5 Princípios da economicidade e da eficiência............................................120

13.2 DIRIGENTES...............................................................................................121

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14 O EXERCÍCIO DO PODER NO ÂMBITO DAS FUNDAÇÕES......................123

14.1 PODER INDIVIDUAL E PODER COMPARTILHADO..................................127

14.2 PODER VITALÍCIO E PODER TEMPORÁRIO............................................130

14.3 ASSUNÇÃO DOS CARGOS E INÍCIO DO EXERCÍCIO DO PODER.........132

14.4 EXERCÍCIO DO PODER POR TERCEIROS NOMEADOS PELOS

DIRIGENTES.......................................................................................................132

14.5 EXERCÍCIO DO PODER PELOS DIRIGENTES DE FORMA REMUNERADA

OU VOLUNTÁRIA................................................................................................133

14.6 EXERCÍCIO DO PODER PARA EXERCITAR A VONTADE DA FUNDAÇÃO

E NÃO DOS DIRIGENTES, SOB PENA DE RESPONSABILIDADE..................134

14.7 CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL DOS DIRIGENTES PARA EXERCÍCIO DO

PODER................................................................................................................137

14.8 EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA DE COMANDO DA FUNDAÇÃO PARA O

EXERCÍCIO SAUDÁVEL DO PODER.................................................................138

15 DEVERES DOS DIRIGENTES.......................................................................143

15.1 DEVER DE DILIGÊNCIA.............................................................................145

15.2 DEVER DE DAR CUMPRIMENTO ÀS FINALIDADES DAS ATRIBUIÇÕES

DO CARGO..........................................................................................................149

15.3 DEVER DE INDEPENDÊNCIA....................................................................151

15.4 DEVER DE LEALDADE...............................................................................153

15.5 DEVER DE EVITAR CONFLITO DE INTERESSES....................................154

15.6 OUTROS DEVERES....................................................................................155

16 RESPONSABILIDADE DOS DIRIGENTES...................................................157

16.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS......................................................................157

16.2 RESPONSABILIDADE CIVIL......................................................................165

16.3 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL..............166

16.4 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA......................................169

16.5 RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL E SOLIDÁRIA....................................177

16.6 RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES POR VIOLAÇÃO DA

ORDEM LEGAL...................................................................................................178

16.7 RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES POR VIOLAÇÃO DO

ESTATUTO SOCIAL............................................................................................179

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16.8 RESPONSABILIDADE CIVIL DA FUNDAÇÃO PERANTE TERCEIROS...181

16.9 RESPONSABILIDADE PENAL....................................................................182

CONCLUSÃO......................................................................................................184

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PARTE I

1 DISPOSIÇÕES GERAIS

INTRODUÇÃO

Um dos grandes desafios sociais do século passado e também do presente

é o cumprimento efetivo, por parte do Estado, da obrigação constitucional de

viabilização de justiça social, mediante a busca de mecanismos ideais para o

desenvolvimento de políticas públicas visando à inclusão social.

Não faz muito tempo que a ordem sociopolítica previa apenas dois setores, o

público e o privado. O primeiro, por intermédio de suas várias estruturas de governo,

era incumbido de minorar as mazelas sociais. O segundo ocupava-se da economia.

A sociedade civil, porém, com o decorrer do tempo, revelou-se complexa e com isso

as exigências sociais cresceram em progressão geométrica. Por consequência, o

Estado, que nunca logrou garantir a igualdade social dos cidadãos, perdeu terreno,

dando margem a uma nova estrutura, desta vez ocupada também pelo Terceiro

Setor.1

O Terceiro Setor, portanto, representado pelas fundações privadas e pelas

associações de interesse social, colocou-se ao lado do Poder Público para que, em

1 Conforme ensina José Eduardo Sabo Paes, “Até recentemente, a ordem sociopolítica compreendia

apenas dois setores, o público e o privado, tradicionalmente bem distintos um do outro, tanto no que se refere às suas características, como à personalidade. De um lado ficava o Estado, a Administração Pública, a sociedade; do outro, o Mercado, a iniciativa particular e os indivíduos. A convivência entre ambos foi com frequência difícil, meio tumultuada, por questões de limites e invasões de território; e, em geral, quando chegam a um acordo, alguns membros da sociedade levam vantagem sobre o conjunto dela, como continua a acontecer. Decerto por força desse dualismo indesejavelmente maniqueísta, em expressão de Celso Barroso Leite, ao lado desses dois setores clássicos surgiu e começa a se firmar outro, cada vez mais conhecido como Terceiro Setor. A ideia é que nele se situem organizações privadas com objetivos públicos, ocupando pelo menos em tese uma posição intermediária que lhes permita prestar serviços de interesse social sem as limitações do Estado, nem sempre evitáveis, e as ambições do Mercado, muitas vezes inaceitáveis.” (PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social. 7. ed. São Paulo: Forense, 2010. p. 129-130).

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parceria com este, pudesse desenvolver políticas tendentes a igualar os cidadãos

em oportunidades.

Essa parceria, entre o público e o privado, ocorre no contexto, como já

anotado, de uma sociedade complexa e mais ativa do que ocorria no passado. 2 O

relacionamento entre o Estado e as organizações sociais, dentre elas as fundações

privadas, não reduz a ação do Poder Público, mas a modifica. Essa modificação

ocorre pela participação de entidades integrantes da própria sociedade no processo

de distribuição de justiça social. Encontramo-nos, em verdade, numa sociedade

mais exigente. Nesse sentido Fernando Henrique Cardoso ensina que “as forças

populares exigem, não pedem; interpelam, não apelam; atuam, não esperam por

benesses do governo.” 3

A sociedade civil organizou-se e o número de associações de interesse

social atuantes no Brasil é bastante significativo, assim como é o capital amealhado

pelas fundações privadas. Estas duas modalidades de pessoas jurídicas de direito

privado, a primeira pela quantidade de organizações e a segunda pelo patrimônio,

fazem com que sejam de importância superlativa na missão de contribuir com o

Estado nas suas atividades de cunho social.

De fato, o destaque das organizações sociais, associações e fundações,

para a sociedade civil, revela a importância do presente estudo, que tem por objetivo

apresentar o contexto da realidade das entidades fundacionais e a respectiva

responsabilidade de seus administradores.

Para o desenvolvimento do tema proposto, pretende-se apresentar o

histórico das fundações privadas, a evolução da legislação respectiva no Brasil, a

identificação das fundações no contexto da economia e do ordenamento jurídico, o

2 A sociedade civil mudou sua forma de agir nos últimos tempos. Se no passado ela era, em regra,

passiva em relação ao comportamento dos governantes, atualmente ela tem interesse e efetivamente participa dos processos de políticas públicas. Por outro lado, a população é consciente dos direitos que a Constituição outorga e tem exigido, mediante ações individuais e coletivas, o implemento de práticas públicas tendentes a melhorar a qualidade de vida. 3 CARDOSO, Fernando Henrique. A Arte da Política – A História Que Vivi. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2006. p. 511.

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desenvolvimento de uma teoria geral e, especialmente, focar a forma como são

administradas, os poderes e deveres dos dirigentes e a consequente

responsabilidade que emana destas relações.

Pretende-se, com o presente estudo contribuir para a conscientização dos

governantes e dos administradores de fundações que o trabalho a ser desenvolvido

deve ser focado exclusivamente no interesse da sociedade civil, visando torná-la

mais justa e mais solidária.

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2 HISTÓRICO

2.1 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO FUNDACIONAL

O homem, por força de sua própria natureza, vivencia sempre um natural

conflito entre “o que pensa que é” e “o que gostaria de ser”. Faz parte da natureza

humana esse duelo natural entre o “ser” e o “dever-ser”. A satisfação humana, por

sua vez, busca transformar o ser naquilo que deveria de fato ser. Essa dualidade

está no centro da experiência humana. O certo e o errado, o bem e o mal, o

abastado monetariamente e o vulnerável economicamente, o realizado e o frustrado.

E se de um lado vivenciamos uma luta constante em ser o que gostaríamos de ser,

é nesse contexto que o homem procura transformar-se no que há de mais positivo

em termos de valores. Essa experiência inclina as pessoas a procurarem ser boas,

pontuando suas condutas, em circunstâncias de comportamento socialmente

esperado, na ajuda incessante àqueles que necessitam.

O homem quer ser bom e por isso ele tem a necessidade de mostrar-se

bom. E mostra-se bom, não raramente, com a prática de condutas tendentes a

auxiliar os carentes.

Esse estado de ânimo não é novo e vem desde a Antiguidade.

Possivelmente esse foi o vetor que impulsionou as atividades de assistência,

voltadas a ajudar o próximo, com a finalidade de exercício de atividades do bem.

Já na Idade Antiga verificamos o homem na busca de auxílio não só para si,

como para seus semelhantes, com espírito de solidariedade. Em algumas iniciativas

vislumbrava-se a presença de patrimônios vinculados a uma finalidade social, ou

seja, destinados a contribuir para aqueles que necessitam de ajuda.

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Mas a preocupação não era apenas com os mais necessitados, pois o

homem também tinha interesse nas atividades religiosas, artísticas, culturais e

científicas, o que o levou a pensar em uma forma de preservar manifestações desse

jaez, pois entendia que as iniciativas nesse sentido eram dádivas de Deus, em

benefício da humanidade.

O homem, nessa empreitada, por amor à arte, à sabedoria, ao próximo,

doava bens para específicas finalidades de cunho cultural, religioso, assistencial,

dentre outras de natureza similar. Apesar de tais condutas mais se aproximarem de

doações com encargo, no seu âmago tinham a intenção de destacar um patrimônio

para uma finalidade social, atendendo aos requisitos para o reconhecimento da

existência do que hoje se qualifica como fundação.4

Nos primórdios, assim como é hoje, a fundação representava a ideia de um

patrimônio voltado a uma finalidade. Como anotam alguns autores, a origem do

termo, do latim, vem de “fundare”, significando “manter”, “estabelecer” ou “construir”,

remetendo à noção de “manter um patrimônio”, “estabelecer um patrimônio”,

“construir um patrimônio”.5 Para outros, porém, dentre eles Maria Helena Diniz, a

origem do termo vem do latim “fundatio”, implicando em ação ou efeito de fundar.

Em regra um patrimônio objeto de doação do instituidor. 6

Com efeito, no contexto do direito civil contemporâneo, doação importa em

contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e abrindo mão de seu

patrimônio, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma

4 Gustavo Saad Diniz diz: “Com efeito, desde os primórdios da humanidade, registram-se atitudes dos

homens que, movidos pelo amor às artes e à sabedoria ou o singelo amor ao próximo, legavam bens para alguma finalidade cultural ou filantrópica. A sociedade grega já revelava essa vocação. Exemplo notável de instituição precursora da fundação foi, no mundo antigo, a escola que Platão fundou nos jardins de Academos, a Academia. Não era esta, propriamente, uma instituição de ensino, mas uma espécie de sociedade científica e religiosa consagrada às musas e à filosofia”. (DINIZ, Gustavo Saad. Direito das Fundações Privadas: Teoria Geral e Exercício de Atividades Econômicas. 3. ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2006. p. 42). 5 E SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. vol. II, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 724.

6 BRASIL. Código Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índice por Maria Helena

Diniz.11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 98.

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obrigação, em benefício do outro contratante. Esse outro contratante pode ser a

coletividade e seu interesse público.

Muito embora a doação seja um ato unilateral, deixa de sê-lo, quando

adquire contornos de onerosidade, pois doação onerosa é aquela que impõe

encargo ao donatário, apesar de não ser contraprestação. O ônus deverá ser

satisfeito pelo donatário, em benefício dele mesmo e não tem a nuance de

contraprestação obrigacional.

Mas o nascedouro do instituto fundacional não se limitava aos contornos da

definição de doação com encargo, uma vez que este era restrito a uma atividade de

interesse e finalidade social. E sendo o encargo uma atividade de natureza social,

estamos orbitando em algo similar ao que hoje se qualifica como fundação.

A doação da biblioteca de Alexandria pelos Ptolomeus e a Escola que Platão

fundou nos jardins de Academos são exemplos de patrimônios separados dos

titulares do domínio para serem colocados em benefício da sociedade. Nessa linha,

muito embora fossem práticas similares à doação com encargo, com este instituto

não se afinavam perfeitamente, primeiramente porque a finalidade era restrita, ou

seja, social, e por outro lado porque não havia doação para um ente jurídico

qualquer, mas sim para algo difuso, que pertencia à própria sociedade.7

Há de se reconhecer, então, que o clássico direito romano já reconhecia a

existência de “patrimônio vinculado a determinado fim”. Embora o ordenamento

jurídico da época não reconhecesse patrimônio dotado de autonomia jurídica, para

caracterizar a existência de fundação, era permitido fazer a separação de bens e

7 Nesse sentido, os dizeres de GRAZZIOLI, Airton e RAFAEL, Edson José: “A doação da biblioteca

de Alexandria pelos Ptolomeus é um grande exemplo desses atos que, pela primeira vez, ao que parece, traz a característica de patrimônio desgarrado da pessoa de seus proprietários em benefício da coletividade. Outro exemplo é a escola que Platão fundou nos jardins de Academos, sendo esta uma instituição de ensino científico-religioso consagrada às musas, em Atenas (daí se originou o vocábulo Academia). A direção da academia foi exercida, durante duas décadas, por Platão, que a deixou aos seus discíulos, seus sucessores, em gesto de filantropia.” (GRAZZIOLI Airton; RAFAEL, Edson José. Fundações Privadas – Doutrina e Prática. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 36).

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destiná-los a determinada cidade ou collegium, com a obrigação de um fim a ser

perseguido, sempre de interesse público. E isto por ato inter vivos como causa

mortis.8

Os particulares, então, doavam determinado bem ou um acervo patrimonial

a uma pessoa jurídica pública, onerando essa doação com um encargo. Aqueles

que recebiam os bens obrigavam-se a cumprir o encargo pelo patrimônio recebido,

sob pena de multa ou até a perda do recebido em favor de terceira pessoa jurídica,

escolhida pelo doador. Esse artifício era utilizado porque não se permitia a

constituição de fundações por particulares, com seus próprios bens. Restava, então,

a possibilidade de agregar determinado patrimônio ao Poder Público. Esse

comportamento é similar ao do instituidor de uma fundação, que destaca bens de

seu patrimônio, direcionando-os ao exercício de determinada atividade social,

cercando esse desejo de circunstâncias garantidoras de que ele seja efetivamente

cumprido.

E foi também na Idade Antiga que surgiram as primeiras iniciativas de

projetos com fins alimentares. Mesmo sem patrimônio significativo - este era

independente dos bens do Estado - tinham finalidade altruísta. Como exemplo desse

tipo de iniciativa os historiadores anotam que os proprietários de terras da região de

Valeia receberam do Imperador Trajano, por volta do ano 100 d.C., uma doação em

dinheiro, com o encargo de ser trabalhado economicamente e render juros, os quais

seriam destinados à alimentação das crianças pobres da região.9

8. “Como recorda Luiz Fernando Coelho, o Direito romano, embora atribuísse personalidade jurídica

somente aos entes do tipo associativo, concebia a existência de patrimônios vinculados a determinados fins; à época do Direito romano clássico não existiam patrimônios dotados de autonomia jurídica que pudessem ser considerados antecedentes diretos da fundação, mas a solução preconizada consistia na transferência do patrimônio a uma cidade ou collegium, com a imposição dos fins de utilidade pública, o que era feito mediante testamento ou por ato inter vivos.” (PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social. 7. ed. São Paulo: Forense, 2010. p. 203) 9 “No Império Romano, as fundações alimentares parecem ter sido mero instrumento da ação do

Imperador, não possuindo autonomia patrimonial; entretanto, eram consideradas parte independente dos bens do Estado. O Imperador Trajano emprestou dinheiro a proprietários da região de Valéia e destinou os juros à manutenção de trezentas crianças pobres. Plínio, o jovem, fez doação de uma escola à cidade de Como.” (PAES, 2010. loc. cit)

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Esses fundos especiais para supressão da carência alimentar dos

necessitados são exemplos marcantes de iniciativas similares às das fundações

contemporâneas.

Mas, como já anotado, esses fundos não possuíam personalidade jurídica,

pois o ordenamento da época não a admitia. Luiz Fernando Coelho explica essa

impossibilidade:

A inexistência de patrimônios juridicamente personalizados no direito romano clássico é explicada, de um lado, por não terem os romanos elaborado uma teoria das pessoas jurídicas; espíritos eminentemente práticos, desenvolviam suas instituições e as aperfeiçoavam na medida das necessidades da vida, sem a preocupação de justificativas filosóficas ou teórico-científicas, o que surgiu em momento posterior da evolução do direito positivo com a necessidade de sistematizar e precisar o significado de conceitos incorporados à técnica jurídica; este momento, mais ou menos difuso na época de Justiniano, assinala o ponto de partida do direito como ciência; de outro lado, o próprio sentido prático do direito positivo de Roma explica o fato de não terem os romanos concebido a personalidade jurídica da universitates rerum, de vez que os objetivos de utilidade pública eram alcançados da mesma forma; de resto, com exceção da personalidade, todas as características das modernas fundações podem ser encontradas nas fundações fiduciárias romanas, inclusive a vigilância do Estado, através do curator reipublicae, instituição desenvolvida no segundo século com o aperfeiçoamento do organismo administrativo romano; a similitude com as modernas fundações é tal que, a propósito das fundações alimentares imperiais, sustentou Brinz tratarem-se de autênticas fundações, no sentido do direito moderno. O mesmo autor refere-se aos templos e bens dedicados ao culto dos deuses, afirmando tratarem-se de verdadeiros patrimônios

autônomos. 10

E continua o autor:

Na história das fundações, dois acontecimentos assumem especial relevância: o primeiro é a constituição de uma actio popularis com o fim de serem efetivadas as fundações instituídas por legado ou doação; o segundo relaciona-se com o desenvolvimento das entidades religiosas, em especial, a concepção da Igreja como pessoa.

Com o desenvolvimento das instituições eclesiásticas fundadas na Igreja como corpus mysticum, entidade mística e impalpável, passaram a ser concebidas como entes distintos aquelas instituições de benemerência a culto, organizadas em terrenos, igrejas e conventos; com efeito, o pium corpus, os hospitalis, a sancta domus passaram a ser concebidos como sujeitos de direito, de natureza ideal.

10

COELHO, Luiz Fernando. Fundações Públicas.1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 10-11.

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24

Observa-se, entretanto, que a referida nuance de fundação não tinha

autonomia, caracterizando-se como mero apêndice da instituição que a concebia.

Também não se pode negar a forte influência do cristianismo para a

concepção atual do modelo fundacional. Gustavo Saad Diniz, nesse contexto,

aponta que:

Precisamente em razão da abstração que permitia personificar um patrimônio em função do fim a que se destina, o direito romano somente veio a sentir e criar a universitas bonorum muito tarde, já numa fase em que a inspiração cristã da piae causae conduziu o pensamento do jurista à outorga da capacidade ao acervo patrimonial, animado pela vontade

vivificadora do instituidor. 11

O autor ainda salienta que somente com o desenvolvimento das instituições

eclesiásticas passaram a ser permitidas instituições como pessoas distintas

daquelas organizadas em volta das igrejas. O primeiro reconhecimento dessas

instituições é tido por Decreto de Constantino, que permitiu às instituições pias a

aquisição de bens por testamento, prática que depois se estendeu às fundações.

E arremata: “(...) representam as piae causae momento importante na

evolução do direito ocidental, independentemente das pessoas naturais de seus

administradores, legantes ou doadores e destinatários.”

Ainda nesse contexto, não temos uma compreensão pura de fundação, na

qualidade de patrimônio dotado de finalidade. Isto porque ainda se envolvem

pessoas físicas ou jurídico-eclesiásticas, que acabaram por trazer tons de

pessoalidade ao legado, que se rege pela vontade dominante dos integrantes, e não

pela finalidade que foi fixada pelo instituidor. São conhecidas genericamente como

“universitas.” 12

11

DINIZ, Gustavo Saad, 2006. op. cit., p. 45. 12

DINIZ, Gustavo Saad, 2006. op. cit., p. 47

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Observa-se, desta forma, que muito embora venha desde a Idade Antiga a

ideia de fundação, esta ainda não tinha o reconhecimento jurídico no ordenamento

da época. As corporações é que tinham existência jurídica, com fins idênticos aos

das fundações.13

Mas a ideia de fundação avançou na Idade Média, especialmente com as

corporações, pois atuavam com os mesmos objetivos buscados pelas fundações do

período atual. Foi nas piae causae que os romanos passaram a reconhecer a

existência das fundações, que se projetaram socialmente no curso da Idade Média.

Mas é sabido que o Clero não manteve o mesmo poder de influência de outros

tempos, culminando com o declínio das piae causae, que foi intensificado pelas

ações sociais realizadas pelas Corporações de Ofício e pela Reforma. Esse

movimento social permitiu a atuação de particulares em fins públicos, não mais

somente por espírito cristão, mas para praticar a filantropia, com estado de espírito

laico e fraterno. Desta forma o monopólio da Igreja com as ações sociais é rompido.

O espírito da solidariedade e fraternidade incorpora o estado de ânimo do homem,

que, muito embora inserido num ambiente capitalista, tem a necessidade de ser

bom, de praticar ações benevolentes.14

E com os ideais revolucionários da Idade Moderna a fundação ganhou

autonomia jurídica, espalhando-se pelo mundo. Inicialmente o modelo enfrentou

resistências especialmente nos países que não tinham por tradição atribuir

personalidade para ente jurídico distinto das pessoas que deveriam integrá-lo e

representá-lo. Isso ocorreu especialmente no direito alemão. No direito francês a

dificuldade foi outra, pois este não admitia a possibilidade de doação de patrimônio

para ente jurídico futuro, o que muito dificultou o nascimento de fundações por via

testamentária na França. Com efeito, a resistência do direito francês em permitir a

doação de patrimônio para entidade que viria a nascer bastante dificultou o

instituto.15

13

GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. op. cit., p. 39. 14

DINIZ, Gustavo Saad. loc.cit. 15

DINIZ, Gustavo Saad. 2006, op. cit., p. 50.

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A partir da Europa houve uma natural disseminação do instituto fundacional,

inicialmente na América do Norte, pois foi nos Estados Unidos e no Canadá que

surgiram as primeiras fundações do continente. A Guerra Civil Americana, ocorrida

na segunda metade do Século XIX, foi um palco bastante promissor para o

surgimento de algumas importantes fundações.16

Os anos de dificuldades sociais nos EUA exigiram a junção de esforços do

governo e dos cidadãos americanos, o que propiciou doações de valores

significativos em benefício da sociedade então necessitada. Nesse sentido, aliás,

são os dizeres de Luiz Fernando Coelho a respeito:

Mas a proliferação das fundações americanas é decorrência direta do extraordinário progresso econômico da nação americana e, mais do que isso, do fenômeno da concentração de riquezas incalculáveis em mãos de particulares, que se defrontaram com a responsabilidade de fazer a comunidade a que pertenciam participar dos frutos dessa riqueza; assim, uma extensa e valiosa rede de universidades, bibliotecas, museus, teatros, orquestras sinfônicas, hospitais, orfanatos etc. expandiu-se por toda a América do Norte e mesmo fora do país; paralelamente ao espírito público de alguns verdadeiros mecenas da época moderna, encontraram as grandes empresas industriais, na instituição fundacional, um meio de diminuição de lucros tributáveis, carreando com isso somas incalculáveis de dinheiro e bens que, ao invés de serem pagos diretamente ao Estado sob forma de tributos, configuravam espécie de pagamento indireto, já que ocorria em favor da comunidade, no amparo à pesquisa e ao ensino, no financiamento das atividades culturais e manutenção de necessitados, tudo isso incentivado por uma legislação inteligente e realmente voltada para o

bem comum. 17

E no mesmo momento em que as fundações se tornavam realidade no

ambiente americano, também surgiram no Brasil.

No Brasil, o primeiro registro de atividade similar à de uma fundação privada

é encontrado em 1738, quando Romão de Matos Duarte destinou parte de seus

bens para a formação de um fundo, o qual foi entregue à administração da Santa

Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, para beneficiar os órfãos daquela região.

Muito embora o patrimônio não tivesse personalidade própria, era destinado a uma

16

PAES, José Eduardo Sabo. 2010. op. cit., p. 209-210. 17

COELHO, Luiz Fernando. 1978. op. cit., p. 13-14.

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finalidade social definida, exercida sob o patrocínio do fundo patrimonial, em uma ala

específica da Santa Casa.

O projeto social de Romão de Matos Duarte, anos mais tarde, quando

executava um interessante serviço social, foi recebendo contornos de personalidade

jurídica, ao ter administração separada da Santa Casa. Isso é descrito por Homero

Sena e Clóvis Monteiro, com estes termos:

De resto, a 29 de janeiro de 1752, em Mesa da Santa Casa, presidida pelo Sr. Conde de Bobadela, Governador da Capitania, Romão de Matos Duarte, dando prova de espírito prático e de compreensão da importância da divisão de trabalho, havia salientado que para a boa administração e criação dos expostos, fazia-se necessário haver um irmão para servir de tesoureiro, distinto do da Santa Casa, que só cuidasse e tomasse à sua conta o que pertencesse à boa administração desses meninos, tanto em dar às amas e pessoas que com cuidado deles tratem, como em ir visitar e saber se são bem assistidos, como até o presente se tem observado pelo irmão tesoureiro da mesma casa, e tomar à sua conta a cobrança das dívidas que se lhes deverem e administrar os mais bens que se tem aplicado para a sua sustentação por este instituidor e outras pessoas que tem concorrido com suas esmolas para tão bom fim, dando no fim do ano conta a esta mesa da receita e despesa que teve na forma que se observa com os oficiais do Recolhimento das Órfãs.

18

Muito embora na prática o projeto de Romão Duarte era de fato o de uma

fundação em sua concepção moderna, pois era um patrimônio destacado para uma

finalidade social, faltava-lhe somente a personalidade jurídica. No mais,

apresentava-se como típica fundação, pois o projeto era social e tinha patrimônio

próprio, com prestação de contas dos bens sob a guarda de terceiro. Chegou,

inclusive, a ter um Regulamento próprio.

Assim, aliás, referem-se Homero Senna e Clóvis Zobaran Monteiro:

A rigor, o que Romão de Matos Duarte quis fazer, com suas doações para criação dos meninos expostos na Roda, foi instituir uma fundação, patrimônio afetado a determinado fim. Embora, ao que tudo indica, esse patrimônio tenha, desde 1752, administração autônoma, não foi destacado dos demais bens pertencentes à Santa Casa, que, em compensação, tomou

18

SENNA, Homero; MONTEIRO, Clóvis Zobaran. Fundações no Direito da Administração. 1. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca de Administração Pública, 1970. p. 183-184.

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a si o encargo de manter a Casa dos Expostos, dando-lhe, porém, o nome que, talvez, aos irmãos mesários tenha parecido mais sugestivo ou adequado, de Fundação Romão de Matos Duarte.

19

O ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, somente em 1893, com a

advento da Lei n. 173, de 10 de setembro, abarcou um modelo jurídico em seu

contexto, próximo ao fundacional. A lei em testilha possibilitou conferir personalidade

jurídica a entidades com fins religiosos, morais, científicos, artísticos, políticos, etc. A

lei em referência, no entanto, dispõe sobre associações.

Mas foi com o Código Civil de 1916 que o modelo fundacional foi inserido,

claramente e de forma cristalina, no ordenamento jurídico brasileiro; suas

disposições foram renovadas, sem grandes alterações, com o novo Código Civil que

entrou em vigência em 2002.

Hoje o modelo é absolutamente consolidado. Em regra com muita

credibilidade, que lhe é inerente pelo acompanhamento e velamento do Poder

Público, pelo desprendimento de seus instituidores e seriedade de seus

administradores.

2.2 LEGISLAÇÃO ANTECEDENTE AO CÓDIGO CIVIL DE 1916

O ordenamento jurídico contemplou o Terceiro Setor, pela primeira vez,

como já anotado, com o advento da Lei n. 173, de 10 de setembro de 1893. Referida

normatização regulou as associações de fins religiosos, morais, científicos, políticos

ou de simples recreio, atribuindo a elas a possibilidade de aquisição de

personalidade jurídica, mediante inscrição do contrato social no registro civil da

circunscrição onde situadas.

19

SENNA, Homero; MONTEIRO, Clóvis Zobaran. 1970. op. cit., p. 185-186.

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Por se tratar de regramento jurídico pioneiro no direito brasileiro, vale a pena

a transcrição do texto legal:

Lei n°.173 de 10 de Setembro de 1893

Regula a organisação das associações que se fundarem para fins religiosos, moraes, scientificos, artisticos, politicos ou de simples recreio, nos termos do artigo 72, § 3º , da Constituição.

O Vice-Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil :

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sancciono a seguinte lei:

Artigo 1º . As associações que se fundarem para fins religiosos, moraes, scientificos, artisticos, politicos, ou de simples recreio, poderão adquirir individualidade juridica, inscrevendo o contracto social no registro civil da circumscripção onde estabelecerem a sua séde.

Artigo 2º. A inscripção far-se-ha á vista do contracto social, compromisso ou estatutos devidamente authenticados, os quaes ficarão archivados no registro civil.

Artigo 3 º. Os estatutos, bem como o registro, declararão:

§ 1º. A denominação, fins e séde da associação ou instituto.

§ 2º. O modo pelo qual a associação é administrada e representada activa e passivamente em Juizo, e em geral nas suas relações para com terceiros.

§ 3º. Si os membros respondem ou não subsidiariamente pelas obrigações que os representantes da associação contrahirem expressa ou intencionalmente em nome desta.

Artigo 4º. Antes da inscripção, os estatutos serão publicados integralmente ou por extracto que contenha as declarações mencionadas no artigo 3º, no jornal official do Estado onde a associação tiver a sua séde.

Artigo 5º. As associações assim contituidas gosam de capacidade juridica, como pessoas distinctas dos respectivos membros, e podem exercer todos os direitos civis relativos aos interesses do seu instituto.

Artigo 6º. Todas as alterações que soffrerem os estatutos deverão ser publicadas e inscriptas do mesmo modo, sob pena de não poderem ser oppostas contra terceiros.

Artigo 7º. Salvo declaração em contrario nos estatutos:

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30

1º, os directores ou administradores reputam-se revestidos de poderes para praticar todos os actos de gestão concernentes ao fim e ao objecto da associação;

2º, não poderão transigir, renunciar direitos, alienar, hypothecar ou empenhar bens da associação;

3º, serão obrigados a prestar contas annualmente á assembléa geral;

4º, todos os associados terão direito de votar na assembléa geral, e as resoluções serão tomadas por maioria dos votos dos membros presentes.

Artigo 8º. Si os directores ou administradores não prestarem contas no prazo do artigo 7º, n. 3, ou no prazo que os estatutos marcarem, poderão ser citados por qualquer membro para prestal-as em Juizo.

Artigo 9º. Os directores ou administradores serão solidariamente responsaveis para com a associação e os terceiros prejudicados pelas infracções dos estatutos ou por excesso do mandato;

Nestes casos a associação será responsavel para com terceiros, si tirar proveito do acto ou si approval-o posteriormente.

Artigo 10. As associações extinguem-se:

1º, pela terminação do seu prazo, si forem por tempo limitado ;

2º, por consenso de todos os seus membros;

3º, cessando o fim da associação ou tornando-se impossivel preenchel-o;

4º, perdendo a associação todos os seus membros;

5º, nos casos previstos nos estatutos.

Artigo 11. Dissolvida ou extincta a associação e liquidado o passivo, o saldo será partilhado entre os membros existentes ao tempo da dissolução, salvo si os estatutos prescreverem ou a assembléa geral houver resolvido, antes da dissolução, que o saldo seja transferido a algum estabelecimento publico ou a outra associação nacional que promova fins identicos ou analogos.

Artigo 12. Verificando-se o caso previsto no artigo 10, n. 4, os bens da associação consideram-se vagos e passarão a pertencer á União.

Artigo 13. As associações que promoverem fins illicitos ou que se servirem de meios illicitos ou immoraes, serão dissolvidas por sentença, mediante denuncia de qualquer pessoa do povo ou do ministerio publico, e proceder-se-ha á liquidação judicial dos bens, nos termos do artigo 11.

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Artigo 14. As associações não gosam do beneficio de restituição, e lhes é vedado contractar com os seus directores ou administradores.

Paragrapho unico. As dividas activas e passivas, os direitos e encargos reaes das associações, prescrevem segundo as regras geraes de direito.

Artigo 15. As associações que não adquirirem personalidade juridica nos termos desta lei, reger-se-hão pelas regras das sociedades civis.

Artigo 16. As associações fundadas para os fins declarados no artigo 1º, que tomarem a fórma anonyma, serão em tudo sujeitas ás leis e decretos relativos ás sociedades anonymas.

Artigo 17. O registro de que trata o artigo 1º desta lei será feito em livro especial a cargo official do registro de hypothecas.

Artigo 18. Revogam-se as disposições em contrario.

Capital Federal, 10 de setembro de 1893, 5º da Republica.

Floriano Peixoto.

Fernando Lobo.

O direito brasileiro, portanto, abriu a possibilidade de criação de entidade de

fins sociais, de interesse público, em moldes similares aos das fundações que

seriam previstas anos após, com o advento do Código Civil de 1916.

2.3 DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DE 1916

O Código Civil de 1916, que veio ao direito positivo por meio da Lei n. 3.071,

de 1º de janeiro de 1916, elencou a fundação como sendo pessoa jurídica de direito

privado, em seu artigo 16, inciso I.

Havia, no entanto, confusão de conceitos, pois a norma invocada referia-se

a sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, associações de

utilidade pública e, no mesmo rol, incluía as fundações.

O artigo 24, por sua vez, apontava que uma fundação poderia ser criada, por

liberalidade de seu instituidor, por escritura pública ou testamento, mediante a

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dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destinava e

declarando, em querendo, a forma de administrá-la. E novo equívoco do legislador,

ao declarar que a fundação poderia ser criada por testamento, pois este ato jurídico,

como sabido, não tem o condão de criar uma pessoa jurídica, o que se dá somente

mediante o registro de seus atos constitutivos junto ao Registro Civil.

Definia o Código, outrossim, em seu artigo 25, que na hipótese de serem

insuficientes os bens doados para constituição da fundação, estes seriam

convertidos em títulos da dívida pública, se outra forma não dispusesse o instituidor,

até que, aumentados com rendimentos ou novas dotações, fossem suficientes para

a criação da fundação. Apontada norma não teve utilidade durante toda a vigência

do Código Civil de 1916, que perdurou por mais de oito décadas. Nesse contexto

não são encontrados casos concretos de fundações criadas posteriormente porque

os bens insuficientes foram acrescidos de novas dotações ou porque aumentaram

em face dos rendimentos próprios pela conversão em títulos da dívida pública.

A norma do artigo 26, por seu turno, definia que incumbia ao Ministério

Público dos Estados o velamento das fundações. O legislador de 1916, nesse

contexto, utilizou o termo velamento com precisão técnica, para abranger mais que a

mera fiscalização. Isso porque velamento importa em acompanhamento, proteção,

aconselhamento, além da mera fiscalização para correção de rumos.

Quanto aos estatutos, o artigo 27 determinava que, uma vez elaborados pela

pessoa a quem o instituidor atribuía tal responsabilidade, deveria ser aprovado pela

autoridade competente, ou seja, pelo Ministério Público na hipótese de criação da

fundação por ato inter vivos ou pelo Juiz, quando criada a fundação em decorrência

de testamento e, como tal, no bojo do inventário. E na hipótese de negativa do

Ministério Público de aprovar os estatutos, o Juiz poderia suprir o ato.

No tocante à reforma estatutária, o artigo 28 disciplinava que a deliberação

deveria ser tomada pela maioria absoluta dos competentes para gerir e representar

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a fundação, que não fosse contrariado o fim desta e que a alteração fosse aprovada

pela autoridade competente, ou seja, pelo Ministério Público, na condição de

autoridade com atribuição para exercer o velamento da entidade.

A minoria vencida na modificação dos estatutos, nos termos do artigo 29,

tinha 01 ano para promover a nulidade, mediante provocação judicial.

Quanto à possibilidade de extinção, o artigo 39 apontava que, sendo nociva

ou impossível a mantença da fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o

patrimônio seria incorporado em outras fundações que se propusessem a fins iguais

ou semelhantes, salvo disposição em contrário no ato constitutivo ou nos estatutos.

Vigorou, nesse contexto, o entendimento de que o patrimônio residual de uma

fundação extinta só poderia ser destinado a outra fundação ou ao Poder Público, em

prestígio ao entendimento lógico de que os bens das fundações pertencem à

sociedade civil e como tal não podem ter outra destinação. Assim, quer seja em

outra fundação, quer seja no patrimônio público, a sociedade civil restava

preservada em seus interesses.

2.4 DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O Código Civil de 2002, trazido ao ordenamento jurídico por meio da Lei n.

10.406, de 10 de janeiro de 2002, enfrentou e resolveu algumas incongruências que

existiam no Código anterior, reproduziu algumas normas antigas e inovou com

novas disposições legais.

O artigo 62 reproduziu, com tênue alteração do texto, a mesma regra contida

no artigo 24 do Código de 1916, ou seja, de que uma fundação poderá ser criada,

por ato do instituidor, por escritura pública ou testamento, mediante dotação especial

de bens livres, especificando as finalidades da entidade e declarando, se quiser, a

maneira como deverá ser administrada. Neste tópico o legislador de 2002 cometeu o

mesmo equívoco do legislador de 1916, ao aduzir que uma fundação poderá ser

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criada mediante testamento, quando na verdade referido ato jurídico terá o condão,

somente, de declarar uma disposição de última vontade, ou seja, de que seja

instituída uma fundação após a morte do testador, caso os bens sejam suficientes,

de maneira que o ato de criação será o registro do estatuto no Cartório de Registro

de Pessoas Jurídicas e não o ato de testar.

O Código Civil de 2002 inovou, também, ao definir o rol de finalidades das

fundações. Enquanto o Código Civil de 1916, no tocante ao objeto das fundações,

apresentava uma norma de conteúdo normativo aberto, permitindo a criação de

fundação para qualquer finalidade, sem definir o objeto, o legislador de 2002 afirmou

que a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais

ou de assistência. Houve, então, uma aparente restrição no objeto, o que não é real,

como será exposto adiante, quando se tratará especificamente das finalidades.

Quanto à eventual insuficiência de bens para a constituição da fundação, o

Código Civil de 2002 definiu que o patrimônio a ela destinado, se de outra maneira

não dispuser o instituidor, será incorporado em outra fundação que se proponha a

fim igual ou semelhante. O legislador de 2002 foi sábio ao inserir a norma referida,

porquanto o dispositivo do artigo 25 do Código anterior, ao determinar a conversão

dos bens doados em títulos da dívida pública, apresentava regramento

absolutamente destoante da realidade vigente, pois sabido que tais títulos não

possuíam o condão de fazer aumentar o patrimônio.

O artigo 64 do Código vigente determina que, constituída a fundação por

negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou

outro direito real, sobre os bens doados, e, se não o fizer, serão registrados, em

nome dela, por mandado judicial. O dispositivo legal é novo, na medida em que não

havia regramento para essa situação no Código anterior. A doação torna-se

obrigatória, portanto, com o registro dos atos constitutivos da pessoa jurídica,

elaborados no bojo de escritura pública. A questão patrimonial, por seu turno,

também será abordada com mais detalhes adiante.

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O artigo 65, por seu turno, define que aqueles a quem o instituidor cometer a

aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo, de acordo

com as suas bases, o estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à

aprovação da autoridade competente, ou seja, o Ministério Público, com recurso ao

juiz mediante incidente processual de suprimento judicial. Entretanto, na hipótese do

estatuto não ser elaborado no prazo estabelecido pelo instituidor, ou, não havendo

prazo, em cento e oitenta dias, a incumbência caberá ao Ministério Público. O

regramento é similar ao que constava no artigo 27 do Código anterior.

O regramento estatutário também será apreciado, com maior detalhamento,

no curso do presente trabalho.

No que se refere ao velamento das fundações privadas pelos Ministérios

Públicos dos Estados, o Código em seu artigo 66 manteve a regra anterior. E em

relação àquelas situadas no Distrito Federal ou em eventuais Territórios, atribuiu o

encargo ao Ministério Público Federal. Este dispositivo específico, entretanto, foi

objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.794-DF, que declarou a

inconstitucionalidade da inovação legislativa, atribuindo ao Ministério Público do

Distrito Federal e Territórios a atribuição de velar pelas fundações constituídas ou

atuantes naquele espaço territorial.

Com efeito, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é o órgão

competente para velar pelas fundações privadas situadas nestes locais,

competência constitucional que lhe teria sido retirada pelo § único do artigo 66 do

Código Civil de 2002. O Supremo Tribunal Federal, então, no julgamento da ADIN

2.794-DF, declarou a inconstitucionalidade do dispositivo legal e suspendeu a

eficácia do referido parágrafo, sob o argumento de que as atribuições do Ministério

Público não poderiam ser alteradas por meio de lei ordinária, mas apenas por lei

complementar, na forma do artigo 128, §5º, da Constituição Federal. 20

20

O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios possui atribuições idênticas às dos Ministérios Públicos dos Estados, porém com autoridade sobre a área territorial do Distrito Federal.

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36

Dispõe o Código, outrossim, que às fundações que estenderem as

atividades por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao

respectivo Ministério Público Estadual.

O Código Civil estabeleceu, outrossim, regras para alteração do estatuto da

fundação, definindo em seu artigo 67 que a modificação é possível mediante

deliberação por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação,

desde que não se contrarie ou desvirtue o fim desta e que haja a aprovação do

Ministério Público. No caso deste a denegar, poderá o juiz suprir a negativa,

mediante requerimento do interessado, que deverá fazê-lo mediante a provocação

no bojo do procedimento judicial de suprimento judicial.

Dispôs o Código, também, que para alteração que não houver sido aprovada

por votação unânime, os administradores da fundação, ao submeterem o estatuto ao

órgão do Ministério Público, requererão que se dê ciência à minoria vencida para

impugná-la, se quiser, em dez dias.

Para a modificação do estatuto social, o Código Civil de 2002 efetuou

alterações no regramento, uma vez que a Codificação anterior estabelecia, no artigo

28, que as modificações estatutárias poderiam ser efetuadas mediante a deliberação

da maioria absoluta dos competentes para gerir e representar a fundação. A minoria

vencida, por sua vez, poderia promover a nulidade da modificação estatutária, no

prazo de 01 (um) ano. No mais, o regramento continuou o mesmo.

A última disposição do Código Civil de 2002, no tocante às fundações

privadas, encontra-se no artigo 69, o qual define que, tornando-se ilícita, impossível

ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o

órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção,

incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo,

ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual

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37

ou semelhante. No tocante à extinção, o atual Código Civil manteve o regramento

anterior.

Todas essas questões serão abordadas com mais detalhes adiante.

Verifica-se, assim, que o Código Civil foi econômico no regramento das

fundações, deixando espaço para a edição de novas regras jurídicas para regular o

instituto. Por essa razão é que existe atualmente um movimento dos operadores do

direito especializados no Terceiro Setor clamando por um marco legal para a

matéria, que trará mais segurança jurídica à operação das entidades. 21

21

MODESTO, Paulo. Reforma do marco legal do terceiro setor no Brasil. Jus Navigandi, Teresina. ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/474>. Acesso em: 24 fev. 2011 e ALVES, Elisa Rodrigues. Perspectivas para o Marco Legal do Terceiro Setor. 1. ed. GIFE, 2009.

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38

3 IMPORTÂNCIA SOCIAL DO TERCEIRO SETOR E SUA COMPOSIÇÃO

3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS SETORES DA ECONOMIA

A economia de uma nação, para fins acadêmicos, pode ser partilhada em

setores. Os observadores e estudiosos da matéria, portanto, costumam dividi-la em

três setores.22

O Primeiro Setor é composto das instituições governamentais, ou seja, dos

entes que compõem a Administração Pública. No Brasil integram o Primeiro Setor a

Administração Pública Direta e a Indireta, que engloba a União, os Estados, o

Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias, as associações públicas

e as demais entidades de caráter público criadas por lei, inclusive as fundações

públicas.

Importante anotar que a fundação pública, prevista constitucionalmente

como um dos entes da Administração Pública Indireta, não pertence ao Terceiro

Setor, mas sim ao Primeiro Setor.

A Administração Pública, o que implica dizer também o Primeiro Setor, tem

como fim a realização do bem comum, ou seja, atender aos interesses da sociedade

civil, nas diversas áreas de sua atuação, exclusivas ou não.

O Segundo Setor é composto das instituições que compõem o Mercado, ou

seja, o setor produtivo, e nele estão inseridas as sociedades empresárias, os

22

BARBOSA, Maria Nazaré Lins; OLIVEIRA, Carolina Fellipe de, Manual de ONGS. 5. ed. São Paulo: FGV Editora, 2004. RESENDE, Tomáz de Aquino. Roteiro do Terceiro Setor – Associações e Fundações. 3. ed. Belo Horizonte: Prax Editora, 2006. ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: LTR 2000. PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. DINIZ, Gustavo Saad. Direito das Fundações Privadas – Teoria Geral e Exercício de Atividades Econômicas. 3. ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2006.

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39

sindicatos, as confederações, etc. Ele tem finalidade lucrativa e é responsável pelas

relações de comércio, produzindo riquezas. Realizando lucro, este Setor estimula as

relações econômicas e permite melhor qualidade de vida da população.

O Terceiro Setor, por sua vez, é composto das pessoas jurídicas de direito

privado sem finalidade lucrativa. E não possuem finalidade lucrativa justamente

porque a finalidade é social. Os estudiosos não apresentam um conceito uníssono

para o Terceiro Setor, havendo certa divergência na doutrina.

Tomaz de Aquino Resende23 anota que por Terceiro Setor deve-se entender

“o conjunto das pessoas jurídicas sem fins lucrativos” ou, em outras palavras, “as

pessoas jurídicas de direito privado, sem fins econômicos (ou sem finalidade

lucrativa) e que prestam serviços de interesse coletivo”.24 Ressalta o autor, no

entanto, que o entendimento é polêmico e de difícil solução para precisar o

entendimento do que vem a ser, efetivamente, o Terceiro Setor.

Leandro Martins de Souza afirma que:

Terceiro Setor origina-se do desenvolvimento de organizações privadas com objetivos públicos, portanto agregando características do Primeiro Setor (Estado, administração pública) e do Segundo Setor (mercado), mas se afastando da burocracia estatal e das ambições do mercado.

25

A definição é por demais interessante, porquanto com vagueza proposital

logra identificar com precisão o contexto de entidades que integram o Terceiro Setor.

23

Tomáz de Aquino Resende é Membro do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, foi Curador de Fundações de Belo Horizonte por longa data e atualmente é Coordenador do Centro de Apoio do Terceiro Setor do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. 24

RESENDE, Tomáz de Aquino. Roteiro do Terceiro Setor – Associações e Fundações. 3. ed. Belo Horizonte: Prax Editora, p. 24-25. 25

SOUZA, Leandro Martins de. Terceiro Setor: temas Polêmicos. vol. 2, Organização de Eduardo Szazi. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 165.

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40

A divergência reside em definir se todas as associações pertencem ou não

ao Terceiro Setor. Com efeito, conquanto haja entendimento uníssono de que toda

fundação privada exerce atividade de interesse social e portanto pertence ao

Terceiro Setor, o mesmo não ocorre com as associações, pois estas podem ou não

exercer atividade de interesse da sociedade civil.

O ordenamento jurídico brasileiro garante, constitucionalmente, a

possibilidade de constituição de associação, desde que a atividade seja lícita e não

paramilitar. O campo de atuação, portanto, para esta modalidade de pessoa jurídica

de direito privado sem fins lucrativos, é absolutamente amplo.

Há possibilidade de criação de associação para atingir finalidades de

interesse da sociedade civil, como também para atender aos interesses de

determinada coletividade, sem que essa atividade seja de interesse da sociedade

civil como um todo.26 As primeiras integram o Terceiro Setor, ao passo que as

últimas, no entendimento do presente estudo, não integram apontado Setor.

O Terceiro Setor, como tal, deve ser integrado pelas entidades privadas sem

fins lucrativos, de interesse social. E nesse rol se inserem tão somente as fundações

privadas e as associações de finalidade social.

Edson José Rafael, em co-autoria com Airton Grazzioli, defendem que:

“Terceiro Setor é aquele no qual estão inseridas as fundações privadas e as

26

Associações de funcionários públicos, a título exemplificativo, exercem atividades sem finalidade lucrativa, focadas nos interesses individuais da categoria de servidores que agregam. O interesse é coletivo, mas nem por isso é de interesse de toda a sociedade. Pode-se pensar, nesse sentido, na Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo, na Associação Paulista do Ministério Público, na Associações dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, na Associação Paulista dos Magistrados, etc. São pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa, mas no entender do presente estudo, nem por isso integram o Terceiro Setor. A APAE, por sua vez, é de interesse da sociedade civil, pois sem sombra de dúvidas toda a sociedade objetiva a realização de um trabalho social em benefício das pessoas portadoras de necessidades especiais. Na mesma linha, ainda a título exemplificativo, o Instituto Airton Senna, que desenvolve trabalho social focado em crianças e jovens em estado de vulnerabilidade social. É de interesse de todos, independentemente da classe econômica que integrem, que seja efetuado trabalho em benefício dos necessitados.

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41

associações de interesse social, que perseguem o bem comum da coletividade, com

marcante interesse público.” 27

3.2 FUNDAÇÕES PRIVADAS NO CONTEXTO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO

O Código Civil, com a redação dada ao artigo 44 pela Lei n. 10.825, de 22

de dezembro de 2003, define que são pessoas jurídicas de direito privado as

associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos

políticos.

O rol legal procura distinguir as pessoas jurídicas de direito privado não só

pela forma de constituição, como pelos seus fins. Nesse contexto que são

encontradas as fundações privadas.

O mesmo rol elenca pessoas jurídicas que devem operar com ou sem fins

lucrativos. As sociedades, por sua natureza intrínseca, possuem finalidade lucrativa.

As demais modalidades não possuem a mesma finalidade, muito embora possam

exercer atividade econômica, não como fim, mas como meio para o sustento da

atividade fim.

As “sociedades” são constituídas por pessoas, físicas ou jurídicas, que se

unem em esforços para atingir objetivos de natureza econômica e lucrativa, visando

partilhar o resultado da operação. Subdividem-se em “sociedades empresárias” e

“sociedades simples”. As primeiras podem organizar-se como “sociedade em nome

coletivo”, “sociedade em comandita simples”, “sociedade limitada”, “sociedade

anônima”, “companhia regida por lei especial” e “sociedade em comandita por

ações”.

27

GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. 2010. op. cit., p. 6.

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42

Os partidos políticos, sem finalidade lucrativa, destinam-se ao exercício de

atividades de cunho político e são regidos pela Lei n. 9.096, de 19 de setembro de

1995.

De acordo com os ensinamentos de Vidal Serrano Nunes Júnior e Luiz

Alberto David Araujo: “os partidos políticos devem ser constituídos ao modo das

associações civis, operando-se seu subsequente registro junto ao Tribunal Superior

Eleitoral.” 28

As organizações religiosas, também sem finalidade de lucro, direcionam-se

ao exercício e difusão da fé, encontram amparo no artigo 5º, VI, e 19, I, da

Constituição Federal, que lhes garante a liberdade de criação, de organização e de

funcionamento.

As associações constituem-se pela reunião de pessoas, físicas ou jurídicas,

com objetivo não lucrativo. A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º, inciso

XVII, a essa modalidade de pessoa jurídica de direito privado, a liberdade de

constituição, desde que seja para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar. A

respeito ensinam Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior:

Direito de associação é o direito de exercício coletivo que, dotado de caráter permanente, envolve a coligação voluntária de duas ou mais pessoas, com vistas à realização de objetivo comum, sob direção unificante.

29

As fundações privadas são criadas mediante a personificação de um

patrimônio, que é destinado a uma atividade de natureza social.

28

ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 255. 29

Ibid., p. 166.

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43

As associações e as fundações, de interesse social, que compõem o

Terceiro Setor, porém, muito embora sejam pessoas jurídicas de direito privado

semelhantes, não se confundem, como será demonstrado na sequência.

3.3 FUNDAÇÕES PRIVADAS E ASSOCIAÇÕES

As fundações privadas e as associações são modalidades de pessoa

jurídica de direito privado com muitas semelhanças entre si, mas não se confundem.

Elas apresentam características bem diversas, que não eram destacadas

pelo Código Civil de 1916, motivo que, como anotado anteriormente, ensejava certa

confusão no momento de sua caracterização. Tal problema, amplamente discutido

há bastante tempo pela doutrina nacional, foi sanado definitivamente pelo atual

Código Civil.

O vigente Código Civil, no tocante às associações e às fundações privadas,

dispõe em seu artigo 53 que “constituem-se as associações pela união de pessoas

que se organizem para fins não econômicos”, ao passo que o artigo 62, ao referir-se

às fundações privadas, destaca que “para criar uma fundação, o seu instituidor fará,

por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o

fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la”.

Com a atual disposição legal, a ordem jurídica colocou-se de maneira clara

em relação aos dois institutos. Pode-se afirmar, nesse sentido, que o primeiro traço

diferencial entre ambas as modalidades de pessoas jurídicas de direito privado é

relativo ao elemento central. Enquanto nas associações o que predomina é o

elemento pessoal, nas fundações o que prevalece é o elemento patrimonial. As

pessoas que se reúnem em uma associação têm objetivo comum, sem pretensão de

obter proveito econômico, portanto podem não ter patrimônio. A fundação, ao

contrário, nasce necessariamente da personificação de um patrimônio. Aqui as

pessoas assumem papel secundário.

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44

O jurista português Carlos Alberto da Mota Pinto, Professor Catedrático da

Faculdade de Direito de Coimbra, a respeito da distinção entre associação, fundação

e sociedade, ensina:

Deparam-se-nos as associações (colectividades de pessoas que não têm por escopo o lucro económico dos associados), as fundações (complexos patrimoniais ou massas de bens afectados por uma liberalidade à prossecução de uma finalidade estabelecida pelo fundador ou em harmonia com a sua vontade) e as sociedades (conjunto de pessoas – duas ou mais – que contribuem com bens ou serviços para o exercício de uma actividade econômica dirigida à obtenção de lucros e à sua distribuição pelos sócios).

30

Nesse sentido podemos afirmar que não haverá fundação sem reunião de

pessoas físicas para administrá-la, mas, até neste caso, a vital importância desta

entidade ainda será o aspecto patrimonial, visto que seu traço essencial continuará

sendo um patrimônio afetado à consecução de determinado fim. Ao contrário do que

ocorrem com as fundações, as pessoas que formam uma associação possuem

primordial destaque, enquanto o patrimônio fica para um plano secundário, de

existência irrelevante.

Ainda a esse respeito ensina Carlos Alberto da Mota Pinto:

As corporações são colectividades de pessoas (o seu substrato é integrado por um elemento pessoal); as fundações são massas de bens (o seu substrato é integrado por um elemento patrimonial, a chamada dotação).

As corporações são constituídas e governadas por um agrupamento de pessoas (os associados), que subscrevem originariamente os estatutos e outorgam no acto constitutivo ou aderem posteriormente à organização. Os associados dominam através dos órgãos – designadamente a assembléia geral – a vida e o destino da corporação, podendo mesmo alterar os estatutos.

31

Outra diferença e esta de superlativa importância para o presente estudo, diz

respeito aos seus fins, já que a associação não necessita ter uma finalidade social, o

que não ocorre com as fundações. A associação poderá ter ou não finalidade de

30

PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. 4. ed.:Coimbra Editora, 2005. p. 139. 31

Ibid., p. 283. As corporações no direito português são as associações do direito pátrio.

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45

interesse social. Tal entendimento extrai-se do próprio texto legal, que estabeleceu

no artigo 62, § único, do Código Civil, que a “fundação somente poderá constituir-se

para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”, sendo silente a esse

respeito no que concerne às associações.

Assim a associação pode ser criada também para tratar dos interesses

individuais de um grupo de pessoas, físicas ou jurídicas ou de finalidade social. A

fundação, diferentemente, deve exercer, sempre, atividades de interesse social.

Desta forma, sob o ponto de vista legal ou doutrinário, deve-se considerar a

fundação como um patrimônio personalizado dirigido a um fim social (religioso,

moral, cultural ou assistencial), ao passo que a associação como uma união de

pessoas voltada a uma finalidade não lucrativa, não sendo imprescindível que seja

social.

De outra banda, mesmo diante de uma interpretação extensiva do

ordenamento jurídico posto no tocante ao objeto de uma fundação, imperioso ao

Ministério Público indeferir requerimento de fundação que, mesmo tendo patrimônio,

apresente finalidade fútil ou voltada a interesses particulares de uma pessoa ou um

determinado grupo de pessoas. O fim deve, então, estar focado exclusivamente no

interesse social, em consonância com os princípios da boa fé, da moral e dos bons

costumes.

Nesse contexto é que o presente estudo prefere o conceito de fundação

como um patrimônio dotado de personalidade jurídica, destinado a uma finalidade

social.

Assim é que, tanto as fundações como as associações e renove-se que

interessam ao presente estudo tão somente as consideradas de interesse social,

são espécies de pessoa jurídica de direito privado, as quais integram o rol de

entidades que não possuem finalidade lucrativa. Convenciona-se atribuir o conceito

de universitas personarum, ou seja, “conjunto de pessoas”, à associação, ente

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46

dotado de uma universalidade de pessoas focadas num objetivo comum; e de

universitas bonorum, ou seja, “conjunto de bens”, à fundação, ente dotado de uma

universalidade de bens vinculada a uma ideia social.

Portanto, as fundações privadas e as associações de interesse social são as

modalidades de pessoas que integram o que denominamos de Terceiro Setor e

somente elas.

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47

4 IMPORTÂNCIA DAS FUNDAÇÕES PRIVADAS NO CONTEXTO POLÍTICO E

SOCIAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Como é cediço, o Terceiro Setor é imprescindível para o Poder Público, pois

contribui para exercer atividades em benefício da sociedade civil, especialmente os

segmentos mais carentes de oportunidades.

Restou anotado, também, que as fundações, enquanto uma das

modalidades de pessoa jurídica de direito privado que integra o Terceiro Setor,

apresenta importância relevante, pelas atividades sociais de longo alcance. A

atuação dessas entidades, por seu turno, além de relevante, possui credibilidade

pública e principalmente social.

A credibilidade tem um fundamento. Na verdade, o Estado brasileiro cresceu

muito e com isso vieram novas obrigações, a maioria delas com previsão

constitucional. Os problemas sociais, por outro lado, também são muitos, de maneira

que o Governo não consegue atender a todas as demandas sociais. Nesse contexto

é que se tornam de importância superlativa as atividades sociais das fundações

privadas e ganham corpo as relações entre o público e o privado.

As relações que são estabelecidas entre o Poder Público e os particulares,

em verdade, constituem uma realidade a partir da consciência de que os homens,

pelo sentimento de solidariedade e de destino comum, organizam-se como

sociedade e evoluem como nação. E no Brasil, pela necessidade da ordem, do

desenvolvimento, do bem estar social e do estabelecimento de normas disciplinares

para a sociedade, o mesmo movimento ocorreu, ou seja, o particular se encontrou

com o público e passou a estabelecer parcerias, para atuação nos diversos

segmentos, não só da economia, como das políticas públicas.

O Estado, ao longo dos séculos, tem sofrido mutações, em determinados

momentos apresentou-se como Estado Totalitário, em outros configurou-se como

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Estado Liberal. Mas em todos os momentos, como observador das necessidades

sociais e especialmente responsável pela redução das desigualdades, deu margem

a intensas reformas com o objetivo de tornar-se ágil e eficiente em sua estrutura

administrativa e burocrática.

Há algumas décadas, principalmente os Estados inseridos no contexto de

democracias constitucionais, não sendo diferente no Brasil, avançaram e

implementaram importantes reformas administrativas, adotando o modelo

denominado de Administração Pública Gerencial. Nesse novo modelo a sociedade

civil progressivamente vem-se organizando por meio de instituições sem fins

lucrativos, no intuito de suprir a ausência do Estado em alguns segmentos de

interesse social, dentre eles e de forma especial na assistência social, na educação

e na saúde.

O movimento social que temos vivenciado no Brasil nos últimos tempos tem

incentivado especialmente muitas empresas, empresários e pessoas preocupadas

com o social, a investirem na constituição de novas fundações, exatamente com o

objetivo de auxiliar o Estado nas suas obrigações sociais.

O modelo fundacional, portanto, atualmente apresenta relevante importância

no cenário do Terceiro Setor e este é imprescindível para o Poder Público, visando

contribuir com a empreitada de diminuir as mazelas sociais.

Para salientar a importância do trabalho desenvolvido pelas fundações

privadas e, na mesma ótica, a relevância do debate sobre a responsabilidade dos

dirigentes, que manejam significativos recursos patrimoniais, passa-se a demonstrar

o levantamento de dados pesquisados no contexto das fundações com sede jurídica

no Estado de São Paulo.

Com efeito, o Ministério Público do Estado de São Paulo, por suas

Promotorias de Justiça de Fundações, possui a atribuição de receber e apreciar as

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prestações de contas das fundações com sede jurídica no Estado. E para analisar

referidas contas possui uma ferramenta denominada de “SICAP - Sistema de

Cadastro e Prestação de Contas”.

O SICAP alberga dados e informações das entidades fundacionais, não só

de cunho contábil, mas de atividades desenvolvidas, da composição interna, do

quadro de funcionários, etc.

A base de dados do ano de 2008 permite que sejam extraídas as seguintes

conclusões:

a – O Estado de São Paulo possui 611 fundações ativas, ou seja, que estão

exercendo atividades sociais.

Gráfico 1 – Fundações Privadas no Estado de São Paulo.

Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).

b – Referidas fundações podem ser classificadas por áreas de atuação, em:

- educacionais: 180 fundações;

- de saúde: 106 fundações;

- de assistência social: 115 fundações;

611

Fundações Privadas no Estado de São Paulo

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50

- culturais: 95 fundações;

- de meio ambiente: 9 fundações;

- de apoio às universidades: 18 fundações;

- outras finalidades: 88 fundações.

Gráfico 2 – Fundações privadas disjuntas por área de atuação no Estado de São Paulo.

Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).

c – As mesmas fundações possuem 70.834.377.494,72 bilhões de reais em

patrimônio.

d – Elas apresentam o seguinte patrimônio, por área de atuação:

- educacional: R$ 60.707.873.568,26;

- saúde: R$ 4.330.743.750,93;

- assistência social: 1.672.552.763,32;

- cultural: R$ 906.449.995,14;

- meio ambiente: R$ 136.434.515,85;

- de apoio às universidades: R$ 868.625.269,17;

29%

17%19%

16%

2%3% 14%

Área de Atuação

Educacional

Saúde

Assistência Social

Cultural

Meio Ambiente

De Apoio às Universidades

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- outras finalidades: R$ 2.211.697.630,05.

Gráfico 3 – Patrimônio das fundações por área de atuação no Estado de São Paulo.

Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).

Ilustração 1 – Patrimônio das fundações por área de atuação no Estado de São Paulo.

Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).

R$ 60.707.873.568,2

6

R$ 4.330.743.750,93

R$ 1.672.552.763,32

R$ 906.449.995,14

R$ 136.434.515,85

R$ 868.625.269,17

R$ 3.052.418.764,81

Patrimônio por Área de Atuação

Educação e Pesquisa

Saúde

Assistência Social

Cultural

Meio Ambiente

De Apoio às Universidades

Outras Finalidades

R$70.834.377.494,72

em Patrimônio

R$ 20.707.873.568,26 Educacional

R$ 4.330.743.750,93

Saúde

R$ 1.672.552.763,32 Assistência Social

R$ 906.449.995,14 Cultural

R$ 136.434.515,85 Meio Ambiente

R$ 868.625.269,17

de Apoio às Universidades

R$ 3.052.418.764,81

Outras Finalidades

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e – As fundações possuem 6.294 pessoas envolvidas na condição de

dirigentes (integrantes dos Conselhos Curadores, Conselhos Fiscais e Diretorias

Executivas).

f – As fundações possuem 206.612 mil pessoas registradas como

empregados.

Gráfico 4 – Pessoas envolvidas em fundações no Estado de São Paulo (Funcionários e Dirigentes).

Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).

g – As fundações pagaram R$ 1.708.352.538,42 bilhões de remuneração

aos seus empregados

h – As fundações manejaram R$15.315.521.594,77 bilhões de recursos

6.294Dirigentes

212.906Pessoas

Envolvidas

206.612Funcionários

Pessoas Envolvidas

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Gráfico 5 – Movimentação Financeira das Fundações do Estado de São Paulo.

Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).

Os números apresentados mostram, de forma solarmente visível, a

relevância das atividades desenvolvidas pelas fundações privadas e, no mesmo

contexto, a importância para a seara política e social. Com efeito, o Poder Público

não ignora a imprescindibilidade das atividades do setor fundacional, pois sem elas

a carência social seria maior. Para implementar medidas tendentes a minimizar a

carência social, a Administração Pública vale-se das atividades das fundações

privadas. A sociedade, por sua vez, é beneficiada com essa parceria público-

privada.

O presente estudo ostenta relevância em face da importância que as

fundações privadas significam para a sociedade civil. Não se pode ignorar que,

somente no Estado de São Paulo, registra-se a atuação de 611 fundações, que

muito embora em número não muito expressivo, são titulares de mais de 70 bilhões

de patrimônio. Esse patrimônio é de domínio da comunidade e serve para custear

atividades focadas na área assistencial, cultural, religiosa e moral. Em outras

palavras, é um patrimônio destinado ao exercício de atividades que beneficiam a

sociedade. De considerar, também, que esta é a titular do domínio do patrimônio das

fundações. E elas não pertencem aos seus instituidores, nem aos seus

administradores, que gerem patrimônio de terceiro, ou seja, da própria sociedade.

Salários de Funcionários

Movimentação de Recursos

Manejo Financeiro Salário de Funcionários

R$ 15.315.521.594,77

R$ 1.708.352.538,42

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54

Por estas razões – significativo patrimônio, longo alcance das atividades sociais e

terceiros administrando bens e interesses cuja titular é a sociedade -, é que

apresenta importância significativa o estudo das relações de poder entre os

administradores e a respectiva responsabilidade.

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55

PARTE II

5 TEORIA GERAL DAS FUNDAÇÕES PRIVADAS E DIREITO DAS FUNDAÇÕES

A abordagem que se fará no presente tópico tem por objetivo, uma vez já

introduzido o histórico das fundações privadas e a evolução da legislação brasileira

respectiva, a apresentação de alguns conceitos para compreensão da forma como

as entidades fundacionais são conceituadas, instituídas, dirigidas, veladas e

extintas. Não se pretende a apresentação de uma teoria geral das fundações com

aprofundamento de conceitos, mas sim a demonstração de um raciocínio básico

para compreensão do objeto do presente estudo, que é a análise detalhada do

exercício do poder na estrutura interna da pessoa jurídica em estudo e a

consequente responsabilidade de seus administradores, proporcional à força

decisória.

Criou-se um roteiro básico, onde foram elencados os temas mais

importantes para entendimento do instituto fundacional, sem afastar-se da sua

realidade social e da própria essência. Nesse sentido é que se procurou a definição

de um conceito simples, porém com cunho de cientificidade para as fundações, a

importância de seu patrimônio e peculiaridades correspondentes, a sua natureza

jurídica, as formas como uma fundação privada pode ser constituída, as

observações mais pertinentes para o seu estatuto social, a alterabilidade relativa do

regramento interno, a maneira como são veladas e fiscalizadas pelo Ministério

Público e a forma de extinção.

5.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O nome “fundação” é derivado do termo latino fundare, que significa manter,

estabelecer, construir. Nesse sentido, muito embora o termo diga pouco do que

entendemos por fundação na acepção jurídica atual, ele faz referência explícita à

ideia de patrimônio. Verifica-se, portanto, a sua pertinência com o sentido dado pelo

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ordenamento jurídico brasileiro, que apresenta a fundação como um patrimônio que

recebe personalidade jurídica.32

Há também o entendimento de que por fundação devemos ter em mente a

expressão “fundo em ação”, no sentido de que é um conjunto de bens que tem por

objetivo realizar determinada ação.33

Maria Helena Diniz, por sua vez, ensina que o termo “fundação” tem origem

do latim fundatio, implicando ação ou efeito de fundar. 34

De qualquer maneira, fundação é uma modalidade de pessoa jurídica de

direito privado, constituída a partir de um patrimônio que recebe personalidade

jurídica, com atuação em finalidades definidas pela lei.

Não se desconhece a existência de fundação pública, a qual está inserida

dentre as pessoas jurídicas de direito público e, como já ressaltado, não é objeto de

análise do presente trabalho, que se dedica exclusivamente às fundações privadas.

Nem por isso o presente estudo deixará de abordar questões de direito

público, pois considerando que toda fundação privada é entidade jurídica de

interesse social, recebe a incidência de normas jurídicas de direito público com

bastante frequência. É o que ocorre quando ela deve observar os princípios da

legalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência ou

32

E SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. vol. II. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 724. 33

ANDRADE, Roberto Paulo Cezar. Estado, Sociedade Civil e Empresa – O papel das Fundações de Filantropia. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. 204:111-119. Nesta obra o autor analisa a expressão utilizada por Joaquim Falcão, quando diz que fundação se origina de fundos de ação. 34

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 98.

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57

mesmo do velamento do Ministério Público e a fiscalização de outros agentes do

Estado. 35

O conceito de fundação na doutrina não encontra dissonâncias. Gustavo

Saad Diniz apresenta o seguinte conceito: “fundação privada é organização com

patrimônio afetado por uma finalidade específica determinada pelo instituidor, com

personalidade jurídica atribuída por lei.” 36

Nestor Duarte, em obra coordenada por Cezar Peluso, defende o conceito

de fundação como “um acervo de bens, com destinação específica, a que a lei

atribui personalidade jurídica”.37

Não é diferente na doutrina de Washington de Barros Monteiro, que invoca

Clóvis Bevilaqua e define fundações como sendo “universalidades de bens

personificados, em atenção aos fins que lhes dão unidade, ou ainda em patrimônios

transfigurados pela ideia que os põe a serviço de um fim determinado”.38

Doutrinadores estrangeiros conceituam fundação na mesma linha. Para

Marcello Caetano “fundação será, pois, mais propriamente a organização destinada

a prosseguir um fim duradouro ao qual esteja afectado um patrimônio”.39 Já para

Francesco Ferrara fundação “é una organizzazione per uno scopo”.40

35

Dentre eles e dependendo do modelo de gestão a da utilização de recursos de origem pública, do Tribunal de Contas da União, dos Tribunais de Contas dos Estados, do Ministério da Justiça, da Receita Federal, do INSS, etc. 36

DINIZ, Gustavo Saad, 2006. op. cit., p. 84. 37

DUARTE, Nestor. Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência. Coordenado por Cezar Peluso. 4. ed. São Paulo: Manole, 2010. p. 69. 38

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Parte Geral. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 156. 39

CAETANO, Marcello. Das fundações e subsídios para a interpretação e reforma da legislação portuguesa. Portugal: Com. Ática, 1961. p. 26. 40

FERRARA, Francesco. Le persone giuridiche, in Tratado di Diritto Civile Italiano. Vanali (org.). v.2. t.2.. p. 103.

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58

Defende-se, nesse contexto, o conceito de que fundação é um patrimônio

personificado destinado a uma finalidade social.

Os elementos nucleares da conceituação de fundação são, portanto, o

patrimônio, a finalidade e o vínculo entre ambos.

Marcello Caetano, com clareza solar, esclarece que há interpretações

diversas da natureza jurídica das fundações. A primeira delas reconhece a fundação

como um patrimônio, sem afetação inicial de um fim. Uma segunda corrente entende

que a fundação é uma finalidade isoladamente considerada. Outros, o movimento

de destaque entre os bens da fundação e os do patrimônio do fundador. Por último,

os que misturam os entendimentos anteriores.41

Das teorias elencadas, a que mais se aproxima das disposições do direito

positivo brasileiro é a mista, que trata a fundação como uma pessoa jurídica de

direito privado, que compatibiliza o patrimônio dotado com a sua finalidade social, de

acordo com a vontade do instituidor.

41

CAETANO, Marcello. 1961. op. cit., p.7-8

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59

6 PATRIMÔNIO

Quando conceituada a fundação, apresentou-se como um de seus núcleos o

patrimônio. Em verdade é um dos elementos essenciais do instituto fundacional, pois

não há que se falar em fundação se não houver um patrimônio para ser destinado a

uma atividade social. Não para qualquer atividade social, mas sim dentre as

hipóteses elencadas pelo Código Civil, em seu § único do artigo 62.

Gustavo Saad Diniz define o patrimônio como “conjunto de relações jurídicas

passíveis de apreciação econômica agregados a uma pessoa, sujeito de direitos e

obrigações, à qual correspondem.” 42

José Eduardo Sabo Paes, por sua vez, como “atribuição de personalidade

jurídica a um complexo de bens livres, que será administrado por órgãos autônomos

de conformidade com as previsões do estatuto”.43

Importante repisar, no tocante à fundação, que o próprio conceito do modelo

de pessoa jurídica fundacional implica a existência necessária de um patrimônio,

que antes da criação da entidade é de domínio do instituidor, o qual deverá fazer a

dotação patrimonial, com finalidade em consonância com a sua vontade, mas nos

limites do comando autorizador inserto no artigo 62, § único, do Código Civil. Pode-

se afirmar, assim, que se não houver patrimônio, não pode ser criada a fundação,

por ausência de um dos elementos essenciais do modelo de pessoa jurídica. E se,

por circunstâncias posteriores à criação, vier a ser consumido o patrimônio, a

hipótese jurídica que se apresenta é a da necessidade de extinção. O patrimônio,

portanto, é condição essencial tanto para a constituição, como para a

superveniência da fundação.

42

DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 90. 43

PAES, José Eduardo Sabo. 2010. op. cit., p. 71.

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60

O patrimônio ou, em outras palavras, a universalidade de bens deixada pelo

instituidor, por ato inter vivos ou causa mortis, passará a ser de domínio da fundação

criada, quando da transferência de titularidade, mediante negócio jurídico perfeito.

E muito embora a transferência do patrimônio, mediante tradição ou registro,

dependendo da modalidade dos bens, seja efetuada após o nascimento da fundação

para o mundo jurídico, mesmo assim o acervo patrimonial é elemento essencial para

a criação da pessoa jurídica. Tanto que, após o registro da fundação perante o

Ofício de Registro de Pessoas Jurídicas, momento em que se considera que a

fundação nasceu para o mundo jurídico, se não houver a transferência dos bens,

incide a hipótese do artigo 64 do Código Civil, que determina que “constituída a

fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a

propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados, e, se não o fizer, serão

registrados, em nome dela, por mandado judicial.”

Constituída a fundação, portanto, não cabe mais arrependimento do

instituidor no tocante à transferência dos bens para a nova pessoa jurídica, pois a

tradição ou o registro serão efetuados, independente de sua vontade, por

determinação judicial.

A fiscalização de que haverá a integralização do patrimônio na fundação é

de responsabilidade do Ministério Público, nos contornos dos poderes de velamento

das fundações privadas. Na hipótese de inércia na transferência do patrimônio, na

forma e no prazo fixados na escritura pública de instituição da fundação, o órgão

velador deverá provocar o Poder Judiciário mediante ação de obrigação de fazer em

face do instituidor, para integralização do patrimônio.

6.1 LIBERDADE E SUFICIÊNCIA DOS BENS PARA A CONSTITUIÇÃO DE

FUNDAÇÃO

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Um requisito importante que deve ser aferido no momento de instituição de

uma fundação é a liberdade dos bens que constituirão o seu patrimônio. Com efeito,

o patrimônio, para se integrar com validez à fundação, deve ser composto de bens

livres e suficientes. A presença desses requisitos imprescindíveis deve ser aferida

pelo Poder Público. E será pelo Ministério Público na hipótese de criação de

fundação por instituidor vivo ou pelo Poder Judiciário no caso de criação por

instituidor falecido.

O artigo 62 do Código Civil, nessa linha, dispõe que o patrimônio deve ser

livre de quaisquer ônus ou gravames que prejudiquem o livre exercício das

atividades sociais. Por liberdade do patrimônio deve-se entender por bens livres de

ônus e encargos, como lembrado por Gustavo Saad Diniz44, invocando como

fundamento do entendimento os ensinamentos de Carlos Maximiliano a respeito da

interpretação extensiva.45

Nesse sentido, aliás, os ensinamentos de Carlos Maximiliano, citado por

Gustavo Diniz:

Não há que se invocar, por outro lado, o ensinamento do mestre de hermenêutica, explicando que se interpretam estritamente as frases que estabelecem formalidades em geral, bem como fixadoras de condições para um ato jurídico. Isto porque a inexistência de gravames, seja nos bens, seja nas relações jurídicas, vai muito além de uma mera formalidade para se constituir em verdadeira norma material, condição sine qua non para a dotação patrimonial. A interpretação deverá ser extensiva, também, para garantir interesses públicos e imediatos. A norma não deverá ser interpretada extensivamente para excluir gravames, mas sim para incluir a verificação de ausência de gravame em relações jurídicas que estejam vinculadas ao futuro patrimônio da fundação.

46

Não há dúvidas, pois, que o patrimônio destinado à constituição da fundação

deve ser livre de ônus e encargos, pois a existência destes prejudicará o exercício

das finalidades sociais da entidade. O patrimônio, em verdade, como elemento

44

DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 91. 45

MAXIMILANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 166. “227 – II – Cada disposição estende-se a todos os casos que, por paridade de motivos, se devem considerar enquadrados no conceito, ou ato jurídico; bem como se aplica às coisas virtualmente compreendidas no objeto da norma.” 46

DINIZ, loc. cit.

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62

nuclear da fundação, tem por missão sustentar as atividades sociais que serão

desenvolvidas.

Por essa razão é que também não se pode permitir a criação de uma

fundação quando o patrimônio estiver comprometido com credores do instituidor,

pois estes ficam sem as garantias necessárias para o recebimento do que lhes é

devido. Mas se criada a fundação mesmo assim, por ignorância da restrição ou má-

fé do instituidor, sem que o fato seja levado ao conhecimento do Ministério Público,

caracterizada estará a fraude contra credores, passível de anulação mediante ação

pauliana. Se eventualmente restar a fundação sem patrimônio suficiente para a sua

sustentabilidade, caracteriza-se a hipótese de necessidade de extinção.

Ademais, forçoso lembrar o teor da norma do artigo 1.789 do Código Civil, o

qual ordena que, em havendo herdeiros necessários, o instituidor de uma fundação

somente poderá destinar-lhe patrimônio igual ou inferior a 50% da herança, sob

pena de nulidade da doação.

Por esta razão o instituidor deve ter ciência de referidas restrições no

momento da elaboração de testamento para a hipótese de fundação a ser criada

post mortem, ou da dotação patrimonial quando instituída a fundação por ato inter

vivos, sob pena de ser inviabilizado o seu projeto social, pela caracterização de

eventual fraude contra credores ou prejuízo ao patrimônio dos herdeiros

necessários.

Nesse sentido a doutrina de J.M. de Carvalho Santos:

Se os bens dotados prejudicam credores ou a legítima de herdeiros, evidente é a nulidade da instituição. Os credores ou os herdeiros necessários poderão pleitear a nulidade em tais casos; porque o que existe, em realidade, é uma liberalidade, que lhes é lesiva dos direitos seus. Os credores podem lançar mão da ação pauliana.

47

47

SANTOS, J.M. de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. vol. I. p. 405.

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63

Nesse contexto não podem ser aceitos bens que não sejam livres, como

imóveis gravados com penhora ou hipoteca, ou participação em sociedade

empresária comprometida com significativo passivo, etc.

Não é obstáculo, porém, que existam obrigações modais a serem cumpridas

pela fundação donatária dos bens, desde que não haja comprometimento real do

patrimônio e desde que o acervo seja suficiente para o exercício das atividades

sociais da entidade. É o que ocorre, por exemplo, quando dentre os bens doados, o

instituidor reserva o usufruto de um. Ou mesmo a fundação que recebe a obrigação

de manutenção do túmulo do instituidor, ou que assuma a obrigação de realizar

missa anual em homenagem a determinada pessoa. São exemplos de situações

concretas na Curadoria de Fundações de São Paulo.

O segundo requisito que o patrimônio deve apresentar é a suficiência dos

bens. Ela deve ser interpretada como o necessário para o efetivo cumprimento das

finalidades estatutárias. A análise do requisito é feita pelo Juiz que preside o

inventário do instituidor falecido, quando a fundação é criada por disposição de

última vontade, ou pelo Ministério Público quando a entidade é criada por ato inter

vivos.

Com efeito, a lei não fixa o valor mínimo para a constituição da fundação, de

maneira que cabe ao Juiz definir o que é suficiente quando a fundação nasce por via

testamentária, ou ao Ministério Público quando constituída por instituidor em vida. O

patrimônio é suficiente, de qualquer maneira, quando for apto a sustentar o custo

das finalidades sociais estatutárias.

A aferição da suficiência do patrimônio no inventário é feita após o

pagamento de todos os credores do espólio, pois nesse momento há a definição

exata da parte disponível para a fundação.

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64

Quando instituída a fundação por ato inter vivos, é do Ministério Público,

como já destacado, a atribuição para avaliar a suficiência da universalidade de bens.

Isto ocorre antes da elaboração da escritura pública de criação. Não havendo capital

bastante para constituí-la, o pleito deve ser indeferido pelo órgão ministerial. Mesmo

porque incumbe a ele o dever de expedir o competente ato administrativo

autorizativo para a criação da fundação.

O Ministério Público do Estado de São Paulo, a respeito editou o Ato

Normativo n. 168/98-PGJ-CGMP48, o qual define que o Curador de Fundações,

quando da fiscalização das fundações, deve:

Artigo 166. Observar, antes que se lavre a escritura de instituição de qualquer fundação, o preenchimento de todos os requisitos legais, procedendo, se necessário, a eventuais correções no projeto de seu estatuto, para perfeita adequação dos objetivos propostos ao interesse público e harmônica estruturação dos órgãos dirigentes da entidade, atentando especialmente para:

I - forma solene de instituição (escritura pública ou testamento);

II - dotação especial de bens livres;

III - suficiência dos bens ao atendimento dos fins da fundação;

IV - finalidade;

V - licitude e possibilidade do objeto;

VI – a existência de estatutos ou designação de pessoa que os elabore dentro do prazo estipulado pelo instituidor;

VII - caráter de liberalidade do ato;

VIII - inexistência de fins lucrativos;

IX - designação e sede da instituição.

E prossegue:

Artigo 167. Apreciar, no prazo de 15 (quinze) dias, o pedido de instituição de fundação, negando por escrito a aprovação quando forem contrariadas as exigências legais ou quando não

48

BRASIL. Ministério Público do Estado de São Paulo. Ato Normativo n. 168/98-PGJ-CGMP de 21 de dezembro de 1988. Definição das atribuições quanto à fiscalização de Fundações. Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/chefia_gabinete/atos/atos1998>. Acessado em 10/03/2011.

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65

estiverem atendidas as alterações propostas ao texto da minuta do ato institutivo ou do projeto de estatuto.

Artigo 168 - Intervir como anuente na escritura de instituição de fundação cuja finalidade e estatuto tenham sido previamente aprovados, bem como em todas as escrituras em que houver interesse de fundação.

Artigo 169 - Autorizar o registro ou averbação de qualquer título, documento ou papel em que houver interesse de fundação.

Artigo 170 - Intervir nos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa ou voluntária em que houver interesse de fundação, sob pena de nulidade do processo.

Artigo 171 - Requisitar, dentro do prazo de 6 (seis) meses do término do exercício financeiro, balanço contábil, relatório das atividades desenvolvidas, cópia das atas das eleições dos órgãos administrativos e outros documentos de interesse da fundação, para fiscalizar o cumprimento das normas estatutárias, bem como a destinação de seus recursos.

Artigo 172 - Visitar periodicamente a fundação a fim de se inteirar do efetivo desenvolvimento de suas atividades.

Artigo 173 - Examinar ou propor alterações estatutárias, desde que necessárias ao atendimento do interesse público objetivado pela fundação.

Artigo 174 - Tomar providências para o preenchimento dos órgãos dirigentes da fundação no caso de sua vacância.

Artigo 175 - Fiscalizar com rigor a avaliação prévia de bens imóveis ou de valor considerável que devam ser adquiridos ou alienados pela fundação.

Artigo 176 - Providenciar, no caso de omissão do testamenteiro, o registro de fundação instituída por testamento, bem como a averbação da constituição, após aprovação dos estatutos.

Artigo 177 - Observar que a extinção de fundação poderá ser formalizada através de escritura pública, que deverá dispor sobre a destinação do seu patrimônio, ou judicialmente.

Artigo 178 - Representar à Corregedoria Geral da Justiça, se constatada a prática dos seguintes atos pelas Serventias Extrajudiciais:

I - lavratura de escritura de instituição sem a prévia aprovação e autorização do Ministério Público;

II - lavratura de escritura em que houver interesse de fundação sem intervenção do Ministério Público;

III - registro ou averbação de documentos relativos à fundação sem autorização do Ministério Público.

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Artigo 179 - Autorizar, independentemente de alvará judicial, a venda de bem imóvel de fundação, desde que:

I - tenha sido feita a avaliação prévia do imóvel, mantendo-se cópia da mesma e dos demais documentos pertinentes em pasta própria da Promotoria de Justiça;

II - tenha sido elaborada minuta da escritura de venda, com fixação de preço não inferior à avaliação e indicação circunstanciada de todas as cláusulas do negócio jurídico;

III - tenha havido manifestação favorável à venda, pelo preço e condições constantes da minuta, pela unanimidade dos integrantes dos órgãos dirigentes da fundação;

IV - o membro do Ministério Público esteja convencido de que o negócio é vantajoso para a fundação, assim o declarando na escritura.

A rotina procedimental de algumas Promotorias de Justiça de Fundações

adota o posicionamento de que é prudente a fixação de um valor mínimo para a

instituição de fundação, o que não parece correto, uma vez que o montante de bens

deve ser analisado no caso concreto, à luz das atividades que serão desenvolvidas

pela fundação e o respectivo custo da operação.

O quantum, portanto, fica a critério discricionário da autoridade que fará a

avaliação (Juiz ou Promotor de Justiça). O ato decisório, porém, deve

necessariamente ser fundamentado, inclusive para propiciar a interposição de

recurso à autoridade competente para reapreciar eventual indeferimento. Sendo a

decisão pela negativa de autorização proferida pelo Ministério Público, o interessado

poderá valer-se do incidente processual de suprimento judicial, para garantir que a

decisão seja apreciada pelo Poder Judiciário, perante uma das Varas de Família e

Sucessões.49 O indeferimento do juiz que preside o inventário, por sua vez, pode ser

objeto de recurso perante o Tribunal de Justiça.

49

A respeito da competência para apreciar conflitos institucionais de fundações privadas, tem-se orientado a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para a estrutura judiciária local, no seguinte entendimento: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Ação Civil Pública visando a extinção da Fundação Paulino Guimarães. Distribuição recusada pelo Juízo da Família e Sucessões, o qual, declinou, de ofício da Competência e remeteu os autos a uma das Varas Cíveis. Impossibilidade. Competência estabelecida pelo Decreto-Lei Complementar nº 03/69 (“h”, II, artigo 37). Conflito configurado. Competência do suscitado.” (Acórdão nº 01188671, de 11/12/2006 – Rel. Desembargador Sidnei Beneti).

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67

Não é correta, portanto, a fixação de um valor único para a instituição de

fundação, pois, se o capital deverá ser o necessário para o suporte das atividades

sociais, o montante adequado de patrimônio necessário para ser autorizada a

entidade depende, por evidente, da amplitude e do custo delas para ser definido.

Importa, assim, desvirtuamento do instituto jurídico fundação a autorização de

criação da pessoa jurídica com capital inexpressivo, com o fundamento de que o

projeto social que se pretende colocar em prática é nobre e de interesse da

sociedade, pois quando não houver patrimônio, o ordenamento jurídico confere ao

interessado a possibilidade de criação de uma associação e, com ela, exercer as

mesmas atividades, porém no formato de outra modalidade de pessoa jurídica.

O valor do patrimônio, outrossim, depende do local onde se pretender

constituir a fundação, pois há diferenças no custo de vida do país, de região para

região. O que pode ser pouco em determinada cidade onde, em face da inexistência

local de cultura de voluntariado, poderá ser suficiente em outra região, com

características diferentes.

Por estas razões é relevante a elaboração, por parte do instituidor, de um

estudo de viabilidade econômica, financeira e social, e apresentação à autoridade

que autorizará a criação da fundação, com o objetivo de demonstrar, à luz de

critérios objetivos, como será realizada a operação social da entidade e a sua

respectiva sustentabilidade.

Na hipótese dos bens serem insuficientes para sustentar a operação da

fundação, a doutrina apresenta algumas soluções. Nessa linha Caio Mário da Silva

Pereira, citado por Nestor Duarte, ensina que pode ser anulado o ato de constituição

da fundação por impossibilidade material; pode ocorrer a conversão dos bens em

títulos da dívida pública, até que, aumentados com rendimentos ou novas doações,

se tornem adequados para a realização das atividades sociais da fundação; ou,

como terceira via, a incorporação dos bens em outra fundação.50

50

PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso. 4. ed.. São Paulo: Manole, 2010. p. 70.

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68

Enquanto o Código Civil de 1916 optou pela conversão dos bens em títulos

da dívida pública, o Código atual inclinou-se pela doação a fundação já existente, o

que se revela mais adequado.

Tratando-se de constituição de fundação com o instituidor em vida, a

questão é simples, pois verificada a insuficiência, o pleito será indeferido pelo

Ministério Público, cabendo recurso ao Poder Judiciário. O patrimônio colocado à

disposição para constituir a fundação permanece sob o domínio do instituidor. Este,

por seu turno, poderá acrescer novos bens e o pedido ser apreciado novamente, a

qualquer tempo.

Sendo a hipótese de testamento, incide a regra do artigo 63 do Código Civil,

que determina a incorporação dos bens em outra fundação, que se proponha a fim

igual ou semelhante. Nesta situação o desejo do falecido é atendido parcialmente.

Não é criada a fundação desejada, mas os bens ficam à disposição do social,

insertos em outra entidade fundacional, preexistente.

O testador pode, nesse sentido, na disposição de última vontade, determinar

qual será a entidade que receberá a universalidade de bens doados, caso não sejam

reputados suficientes, após o seu falecimento, para a criação de uma nova

fundação.

Quanto ao tipo de bens que podem compor o patrimônio, o legislador

revelou-se omisso. A omissão leva à interpretação de que não há restrição na lei e,

como tal, pode constituir o acervo patrimonial qualquer bem, desde que livre de ônus

e encargos. Nesse sentido podem ser imóveis, móveis, jóias, ouro, ações,

participação em sociedade empresária, objetos de arte, direitos autorais, dentre

inúmeros outros.

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69

6.2. IRREVERSIBILIDADE DOS BENS

Os bens doados pelo instituidor para constituição de uma fundação não

podem ser revertidos para o seu patrimônio ou para o de outra pessoa, física ou

jurídica. Uma vez feita a tradição ou registro dos bens doados, é impossível

juridicamente a reversão por arrependimento. Salvo a ocorrência de vício de

vontade.

A impossibilidade de reversão tem fundamento no fato de que, com a

tradição dos móveis ou registro dos imóveis, há transferência do domínio e, estando

o bem no patrimônio da fundação e sendo esta de domínio da sociedade civil, não

há possibilidade jurídica de patrimônio social retornar ao acervo de particular,

mesmo que conte com a concordância do dirigente e dos administradores da pessoa

jurídica.

As fundações não podem fazer liberalidades com o seu patrimônio. Até na

hipótese de extinção, os bens residuais devem ser destinados a outra fundação ou

para o Poder Público. E pelo mesmo fundamento, pois estando os bens em outra

fundação, continuam à disposição da sociedade civil e no domínio desta. Pela

mesma razão, quando a destinação dos bens remanescentes forem transferidos

para o Poder Público, como tal em benefício de todos.

Defende-se o posicionamento, porém, de que há duas possibilidades de

retorno dos bens ao doador. Esse entendimento foi defendido pelo autor e por

Edson José Rafael, com os seguintes termos:

Há duas hipóteses, entretanto, de retorno dos bens ao doador, uma vez que o Código Civil admite a doação para entidade futura. Ou seja, mesmo antes de a fundação ser constituída, o doador pode lhe destinar bens, cujo negócio fica sujeito a uma condição resolutiva, qual seja: sua verdadeira constituição, no prazo de até dois anos.

51

51

GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. 2010. op. cit., p. 75-76.

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70

Assim, sendo a fundação constituída em até dois anos, a doação torna-se

perfeita e acabada. Caso contrário, a doação caducará, podendo o doador exigir o

retorno dos bens ao seu patrimônio.

Se a fundação não for constituída no prazo de dois anos, portanto, não

existe óbice para que o doador pretenda ter os bens de volta ao seu patrimônio.

Entretanto, com essa atitude, deverá ter em mente que a fundação jamais poderá

ser constituída, pois descaracterizado estará o seu patrimônio, sem o qual inexiste

qualquer ente social.

Contudo, em qualquer hipótese, haverá irrevogabilidade dos bens doados

após o registro em cartório dos atos constitutivos da fundação, sendo este o termo

final para eventual arrependimento, isso porque, com esse registro, a fundação

nasce para o mundo jurídico, incorporando-se a ela o patrimônio doado.

A segunda hipótese verifica-se no caso em que a escritura pública de

constituição de uma fundação foi lavrada, mas o doador pretende a reversibilidade

da medida, pois não existe a possibilidade de exigir o cumprimento da doação antes

do registro do ente fundacional, pois a lei civil é clara em disciplinar que este instituto

somente se aperfeiçoa com a tradição (entrega da coisa), em se tratando de bens

móveis, ou com o registro, sendo os bens imóveis. Dessa forma, não poderá haver

tradição a pessoa inexistente e tampouco o registro de uma doação que não tenha

beneficiário.

Esse entendimento decorre, também, da interpretação do artigo 64 do

Código Civil, in verbis:

Artigo 64. Constituída a fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial.

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71

Como a constituição de uma fundação pressupõe o registro do seu estatuto,

apenas após esse momento o Ministério Público poderá tomar as providências

cabíveis para fazer cumprir aquilo que foi avençado.

Para a hipótese de testamento, que propiciará a criação da fundação após a

morte do testador, a situação é diferente. De se considerar que o testamento pode

ser modificado ilimitadamente pelo titular durante sua vida. Os bens prometidos para

a constituição de uma fundação, com a disposição testamentária, na verdade não

saem do domínio do testador, salvo por ocasião de seu falecimento. Mas quando

integrarem o patrimônio de uma fundação, revelam-se também irreversíveis.

6.3. INALIENABILIDADE DOS BENS

Em obediência ao princípio da limitação da autonomia privada, que vigora

nas relações jurídicas das fundações privadas, a alienabilidade de seus bens é

relativa, ou seja, é possível juridicamente, porém observados determinados

requisitos e condições procedimentais.

Em regra os bens das fundações são indisponíveis e qualquer alienação

estará eivada de nulidade que deverá ser declarada pelo Judiciário, mediante

provocação do Ministério Público, com fundamento no artigo 168 do Código Civil, ou

de terceiros interessados.

A jurisprudência assim tem declarado:

Os bens que constituem o patrimônio das fundações são inalienáveis; e o são porque as pessoas que os administram não são seus proprietários e ainda porque a fundação é patrimônio personificado pela finalidade a que é destinado. (RT 116/615).

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72

Porém, por se tratar de um princípio relativo, permite exceções, pois o

decurso do tempo e a alteração da realidade social podem exigir transações com o

patrimônio. É o que ocorre atualmente com muitas fundações que estão procurando

alienar seus imóveis de fins residenciais, visando ao investimento do produto dos

negócios em outros ativos, tais como imóveis de fins comerciais, fundos de

investimento ou outros mais rentáveis que os primeiros.

A Curadoria de Fundações da Capital do Estado de São Paulo tem

autorizado, outrossim, de forma excepcional, a alienação de ativos para o sustento

das atividades, quando a fundação não tem outra opção a buscar. O interesse

público recomenda tal providência.

O procedimento recomendado para a negociação é, num primeiro momento,

a autorização dos órgãos internos da fundação, na forma como o regramento interno

dispuser.52 Na sequência a autorização judicial.

Nesse sentido lecionou Vicente Ráo:

(...) os bens das fundações, por afetados a um destino certo, são, de sua natureza, inalienáveis. Sua inalienabilidade é, sem dúvida, relativa e comporta a substituição por outros bens, mediante sub-rogação processada em juízo com audiência e fiscalização do Ministério Público.

53

A fundação conta com outra opção, outrossim, pois pode pleitear a

autorização para a negociação junto ao Ministério Público, pela via administrativa.

Com efeito, se dentre as atribuições do Ministério Público, para o velamento das

entidades fundacionais privadas, estão a de autorizar administrativamente a

constituição da pessoa jurídica e de promover-lhe a extinção, também pela via

administrativa, por evidente que possui prerrogativas de autorizar comportamentos

52

Em regra, os estatutos das fundações disciplinam ser atribuição do Conselho Curador, enquanto órgão superior de administração da entidade, a deliberação de firmar ou não negócios jurídicos relevantes, dentre eles a alienação de bem imóvel. 53

RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 3. ed. vol. 2. t. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p.250.

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73

que não possuem a mesma amplitude. O poder de autorizar a negociação de ativos

está inserido nas atribuições de velamento prevista no artigo 66 do Código Civil.

Nesse sentido o posicionamento de Edson José Rafael e do autor

A fundação poderá, por outro lado, requerer diretamente ao Curador de Fundações do Ministério Público a autorização para alienar determinado bem, pela via administrativa, pois não se olvida que as atribuições desse órgão abranjam desde a autorização para a instituição da fundação, aprovação ou rejeição de contas, abertura ou fechamento de livros, até a eventual extinção da fundação, além de possuir outros poderes inerentes ao exercício do velamento das fundações. O Ministério Público pode autorizar administrativamente a instituição da fundação, bem como sua extinção, e também autorizar outros negócios, de menor amplitude e abrangência, dentre eles a aquisição ou alienação de bens, móveis e imóveis.

54

De se concluir, portanto, que os bens das fundações privadas são

inalienáveis, cabendo a exceção quando necessária a transação com o patrimônio

visando protegê-lo com ativos mais interessantes sob o aspecto econômico ou, de

forma mais excepcional ainda, para o custeio das atividades sociais.

54

GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. op. cit., p. 82.

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74

7 FINALIDADES

Enquanto uma associação possui ampla liberdade de atuação, por força do

comando constitucional disposto no artigo 5º, incisos XVII e XVIII, encontrando

vedação somente se destinada a atividades ilícitas ou paramilitares55, as fundações

privadas contam com regulamentação específica no artigo 62, § único, do Código

Civil. 56

Nesse sentido o eco uníssono da doutrina. Nestor Duarte, em obra

coordenada por Cezar Peluso, ensina que:

Circunscreveu o legislador o objeto da fundação, dizendo que poderá se constituir para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. Percebe-se a diferença de tratamento em relação às associações, pois, quanto a estas, apenas assinalou que não terá fins econômicos (artigo 53). Essa delimitação de objeto aplica-se, porém, exclusivamente às fundações instituídas por particulares, uma vez que, quando instituídas pelo Poder Público incide o disposto no artigo 37, XIX, da Constituição Federal, pelo que caberá a lei complementar „definir as áreas de atuação.

57

Com efeito, uma fundação somente pode ser constituída para fins religiosos,

morais, culturais ou de assistência, ou seja, somente para fins sociais ou, em outras

palavras, publicistas. O objeto social deve estar estampado em seu estatuto social,

porquanto a atividade deve estar adstrita ao comando disposto no regramento

interno. É vedado, portanto, fundação para fins de interesses particulares.

55

“Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (. . .) XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;” 56

“Artigo 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la. Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”. 57

DUARTE, Nestor. 2010. op. cit., p. 70.

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75

Os interesses egoísticos são vedados. Nessa linha os ensinamentos do

mestre português Carlos Alberto da Mota Pinto:

(...) não pode ser reconhecida e, consequentemente, ser-lhe atribuída personalidade jurídica, uma fundação que vise realizar o interesse particular de uma pessoa ou de uma família determinada (p. ex., a conservação e adorno dum jazigo, a comemoração perpétua da memória do instituidor ou de outra pessoa, a conservação dum solar familiar, etc). Tais objectivos só poderão ser prosseguidos através de outros meios técnico-jurídicos (p. ex., liberalidades com encargo modal).

58

Essas finalidades são sempre estranhas às pessoas que participam da

administração da fundação. O interesse é o do fundador, mas em benefício de

terceiros, necessariamente de natureza social. A entidade deve ser dirigida de

acordo com a vontade disposta pelo instituidor, nos limites do comando do artigo 62,

§ único, do Código Civil.

Ainda nesse sentido as palavras de Carlos Alberto da Mota Pinto:

São regidas, pois, por uma vontade transcendente, por uma vontade de outrem, que vem de fora e, por isso, pode dizer-se que têm órgãos servientes. Nas palavras de Ferrara, citado por Manuel de Andrade, são <hetero-organizações para um interesse alheio.> Como escreveu o ilustre civilista português, <a fundação tem só administradores, que são serventuários da vontade do fundador e do escopo por ele designado>.

59

No direito brasileiro, portanto, as finalidades deverão ser: religiosa, moral,

cultural ou assistencial.

Finalidade religiosa é aquela que orbita em torno de uma crença. Há de se

distinguir a atividade religiosa realizada pelas organizações religiosas previstas no

artigo 44, inciso IV, do Código Civil, com a finalidade religiosa que pode ser

abraçada por uma fundação privada.

58

PINTO, Carlos Alberto da Mota. 2005. op. cit., p. 293. 59

Ibid., p. 284.

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76

Ambas – organizações religiosas e fundações de fins religiosos - são

entidades sem fins lucrativos, que exercem atividade de interesse público, no bojo

de pessoas jurídicas que possuem as mesmas prerrogativas junto ao Poder Público,

especialmente para fins de isenção e de imunidade tributária.

De se indagar, então, se as atividades de cunho religioso das organizações

religiosas e das fundações com finalidade religiosa são as mesmas. De se crer que

não, pois se fossem as mesmas necessitar-se-ia concluir que o legislador ofereceu

para uma mesma situação duas modalidades de pessoas jurídicas, o que seria um

contrassenso. Muito embora similares e com características muito próximas, as

organizações religiosas e as fundações de finalidade religiosa não se confundem.

A diferença é que uma fundação exige patrimônio para a constituição, bem

como de autorização do Ministério Público e posterior velamento. A organização

religiosa, diferentemente, não necessita de autorização do Poder Público para

criação. Também não necessita de patrimônio. Por outro lado, a organização

religiosa goza do princípio constitucional da inviolabilidade de consciência e

crença60. O artigo 19, I, ainda da CF, proíbe qualquer interferência do Poder Público

na organização e funcionamento das igrejas e de entidades voltadas a fins

religiosos.61

Poder-se-ia argumentar, então, que a fiscalização do Ministério Público dar-

se-ia na fiscalização da aplicação do patrimônio à atividade-fim da fundação que

exercite atividade litúrgica e isso não importa em interferência no princípio da

liberdade de crença e nem na proibição de interferências nas igrejas. Não é de se

concordar, porém, com esse argumento, pois o velamento e a fiscalização das

fundações são atividades amplas, que não seriam exercitáveis com as garantias

constitucionais referidas. Perguntar-se-ia, então, como harmonizar as garantias

constitucionais com a necessidade de existência de patrimônio para nascimento de

60

Artigo 5º, inciso VI. 61

ALVES, Francisco de Assis. Associações, sociedades e fundações, 7ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2005. p. 71-72

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uma fundação religiosa? A questão ficaria sem resolução no ordenamento jurídico.

O que também não se pode aceitar.

A organização religiosa tem por objetivo a celebração de cultos e a prática

da liturgia. A fundação com finalidade religiosa poderá preocupar-se com a formação

dos religiosos, o velamento e sepultamento de pessoas, o exercício de atividade em

homenagem à memória dos mortos, a manutenção de atividade de apoio aos

templos, o exercício de atividade assistencial às pessoas que professem

determinada fé, que são atividades distintas da prática de liturgia.

O entendimento fundado na lógica do sistema jurídico, pois, admite duas

modalidades de pessoas jurídicas, cada qual com uma finalidade: a organização

religiosa para o exercício da liturgia e para a prática da fé; e a fundação de fins

religiosos para outras atividades que muito se aproximam da liturgia, mas que não

se confundem com esta.

De se argumentar, também, adotando os ensinamentos de Francisco de

Assis Alves, que o princípio constitucional da liberdade religiosa não conviveria com

o velamento e a fiscalização do Ministério Público. Com efeito, admitir a realização

de atividade religiosa em sentido estrito no bojo de uma estrutura fundacional,

importaria ter que admitir que a realização das atividades dependeria da criação da

pessoa jurídica, sob o crivo do Ministério Público. Este Órgão Público possui o poder

de indeferir o pleito de uma fundação, a título exemplificativo, quando não houver

patrimônio suficiente para custear as atividades. Nesse sentido, ao indeferir a

constituição de uma fundação para fins da prática da liturgia, por insuficiência

patrimonial, o Ministério Público estaria limitando o principio constitucional da

liberdade de consciência e crença, o que não é possível. Esse princípio, portanto,

somente é exercitável no bojo de uma organização religiosa e não em uma

fundação, pois enquanto a primeira tem liberdade ampla para a constituição e a

administração, a segunda fica vinculada ao permanente velamento do Ministério

Público. O velamento, por sua vez, implicaria limitação ao direito constitucional de

crença.

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78

Por finalidades morais, muito embora a terminologia apresente uma vagueza

impressionante, há de se entender aquelas de cunho humanista, visando à inserção

da efetiva igualdade nas relações entre as pessoas, à integração do homem ao meio

ambiente e ao fomento do desenvolvimento sustentável, à realização de trabalhos

em homenagem à moral, à proteção dos direitos humanos, os relativos à cultura de

paz, etc.

Por cultural, imperioso entender a promoção das artes, da cultura, do

esporte, do lazer comunitário, da educação, etc.

As atividades de assistência englobam a realização de trabalhos que visem

à igualdade de opções entre os homens, à proteção da família, da infância, do idoso,

dos portadores de necessidades especiais, da saúde, etc.

Muito embora a inovação legislativa tenha recebido alguns aplausos,

inclusive de renomados civilistas, dentre eles de Nestor Duarte, que invoca os

ensinamentos de Maria Helena Diniz62, não se nega que o Código Civil de 2002 não

foi feliz com o artigo 62, § único. Ilustres e renomados civilistas aduzem que a norma

restringiu em demasia as possibilidades de objeto de fundações privadas, o que

ensejou por parte da doutrina o entendimento de que a interpretação deveria ser

extensiva. Nesse sentido, Álvaro Villaça Azevedo e Gustavo Rene Nicolau63,

Theotônio Negrão e José Roberto Gouvêa 64 e Carlyle Popp. 65

62

PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso. 4. ed. São Paulo: Manole. 2010. p. 70. “Essa restrição não estava expressa no Código Civil anterior, e a inovação é salutar, pois, conforme aduz Maria Helena Diniz, as fundações não podem ter fins “econômicos, nem fúteis” e sobretudo não se podem desvirtuar „os fins fundacionais para atender a interesses particulares do instituidor‟ (Curso de Direito Civil Brasileiro, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. I. p. 211)”. 63

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Código Civil Comentado – das Pessoas e dos Bens. São Paulo: Atlas, 2007. p. 156. 64

NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto. Código Civil e Legislação Civil Em Vigor. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 67. 65

POPP, Carlyle. Teoria Geral do Direito Civil. Coordenação de Renan Lotufo e Giovanni Ettore Nanni. Ed. Atlas, 2008. p. 321.

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A realidade tem mostrado que fundações privadas estão sendo instituídas,

após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, com objetos variados, mas todos

de interesse da sociedade civil, nas áreas da saúde, da assistência, da educação,

da proteção à criança, da proteção ao idoso, de atividade cultural, moral, religiosa,

de desenvolvimento tecnológico, pois todas estas vertentes enquadram-se

perfeitamente na vagueza dos conceitos de atividade religiosa, moral, cultural ou

assistencial.

Portanto, não parece correta a assertiva de que o Código Civil restringiu o

leque de atividades que podem ser abraçadas pelas fundações. Em verdade a

redação do artigo 62, § único, apresentou uma norma aberta, abrindo a

possibilidade, com a vagueza dos objetos descritos, de que sejam inseridas todas as

atividades que tenham natureza social. Falar em atividade religiosa, moral, cultural

ou assistencial é o mesmo que dizer finalidade de interesse social.

Ainda no tocante às atividades, importante anotar que a fundação não pode

exercer outras que não as previstas em seu estatuto. E também não possui a

liberdade de não exercer referidas atividades. Isto porque a exegese do instituto é a

existência de um patrimônio que, cumpridas determinadas exigências legais, recebe

personalidade jurídica para exercer atividade de interesse social.

O administrador da fundação não pode, portanto, decidir se irá ou não

exercer as atividades estatutárias. O exercício é obrigatório. E eventuais dificuldades

para exercê-las, como inexistência de capital suficiente para suportar os custos do

projeto social, caracterizam a hipótese de extinção.

As finalidades da fundação, necessariamente de acordo com o disposto no

artigo 62, § único, do Código Civil, devem estar descritas no estatuto de forma clara,

sem a utilização de termos obscuros ou ambíguos, com a finalidade de que seu

exercício possa ser fiscalizado e exigido, não só pelo Ministério Público, que exerce

função pública de velamento, como pela sociedade civil, enquanto destinatária final

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das atividades previstas. É o que a doutrina denomina de “determinabilidade estrita”,

ou seja, a apresentação do objeto social com todas as suas especificidades.

Nesse sentido Gustavo Saad Diniz:

O fim deverá ser específico, sob pena de atrair subjetivismos de interpretação que afastem a verdadeira intenção motriz instituidora. Esse fato se torna mais difícil no caso de instituição por ato entre vivos; entretanto, é plenamente suscetível quando for verificada por outra pessoa jurídica ou por negócio jurídico fundacional causa mortis. É de se exemplificar com o testamento que determina que o patrimônio será voltado à atividade de pesquisa, sem especificar qual a investigação científica a ser efetuada. Assim, os futuros administradores poderiam voltar o patrimônio para atividade desvirtuada do intento inicial, ou seja, de fins pacíficos para beligerantes ou então de pesquisa científica para aperfeiçoamento de entorpecentes. Verdadeiros absurdos.

66

Para exemplificar, é o caso de se vincular o patrimônio do instituidor a uma

finalidade relacionada à saúde. Essa, a viga mestra a ser respeitada. Entretanto, é

mister a especificação: qual momento da saúde: preventivo ou clínico; qual área de

atuação: pediatria, obstetrícia, ortopedia, oncologia, etc.; qual a comunidade

abrangida; opcionalmente, quais as doenças: AIDS, hepatite, câncer. Ou que sejam

todos esses pormenores ligados à saúde, guardada a devida proporção com o

patrimônio vinculado. Ainda é bom perquirir: haverá manutenção de um hospital

próprio da fundação ou a fundação será mantenedora econômica de outras

entidades já existentes.

O que se quer demonstrar é que a especificação atende com melhor clareza

àquilo que o instituidor pretendia, havendo aqui a incidência, mais uma vez, do

princípio da proteção da vontade do instituidor.

De se indagar, também, se a fundação pode exercer outras atividades que

não as sociais. Nesse sentido, enquanto a atividade-fim da fundação tenha de ser de

66

DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 101.

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natureza social, nos termos da norma invocada, a entidade poderá exercer outras

atividades, de natureza econômica, como atividade-meio.

Com a atividade-meio a fundação deverá procurar a obtenção de superávit

econômico, para destiná-lo obrigatoriamente ao custeio das atividades sociais ou

para aumento do acervo patrimonial.

Não há que se confundir atividade-meio com atividade-fim. Enquanto aquela

assume contornos de atividade econômica, esta última necessariamente deve ser de

natureza social. A primeira pode ser qualquer atividade econômica, desde que seja

lícita e que tenha familiaridade com a atividade-fim. A última deve ser

necessariamente uma das atividades albergadas pela vagueza da regra jurídica

disposta no artigo 62, § único, do Código Civil.

No tocante à alterabilidade dos fins ou, em outras palavras, à alterabilidade

do objeto social da fundação, vigora a regra da inalterabilidade relativa, o que

implica dizer que é possível a alteração dos fins, desde que seja respeitada a

vontade do instituidor. Não se pode, pois, alterar a ideia do instituidor. O que se

pode tolerar é a adaptação do objeto social, por circunstâncias de uma nova

realidade social, desde que o órgão interno com atribuições para reformar o estatuto

aprove a alteração e esta seja secundada pelo Ministério Público.

Exemplo da alteração do objeto social é encontrado junto à Curadoria de

Fundações da Capital, que aprovou a alteração estatutária da Fundação Santa Cruz

de Campos do Jordão, a qual tinha por finalidade tratar de doentes tuberculosos em

regime de internação hospitalar para dedicar-se ao abrigo de idosos carentes. A

entidade centenária tratou da tuberculose em regime de internação por muitas

décadas. A evolução da ciência médica, no entanto, fez com que a doença hoje não

seja mais tratada em hospitais, mas sim em regime domiciliar. Ao invés da entidade

ser extinta por ausência de interesse da sociedade civil em sua atividade, houve

modificação do objeto social. Os administradores e o Ministério Público, num

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exercício interessante de tentar descobrir qual seria a decisão da instituidora da

fundação, deliberaram que esta, caso viva fosse e estivesse constituindo a entidade

fundacional na atualidade, poderia perfeitamente decidir pela atividade social de

abrigo de idosos carentes. Assim é que o prédio e as instalações da fundação foram

adaptados para a nova atividade e hoje são atendidos mais de uma centena de

idosos carentes, em regime de internação, com intensa atividade laborterápica,

cultural e religiosa.

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83

8 INSTITUIÇÃO DA FUNDAÇÃO

Como vem sendo sustentado no presente trabalho, a fundação é o resultado

de um acervo patrimonial, que recebe personalidade jurídica para destinar-se a uma

atividade de interesse social. São elementos nucleares da fundação, portanto, o

patrimônio e a finalidade.

O artigo 62 do Código Civil assenta o entendimento legal do formato dessa

modalidade de pessoa jurídica de direito privado. É condição, portanto, para a

criação de uma fundação, que o instituidor ofereça bens, próprios ou de terceiros

com a aquiescência destes, livres de ônus e encargos, disponíveis, suficientes para

o amparo das atividades sociais que devem se perenizar no tempo.

O ato de instituição, aliás, é unilateral, com a atribuição de personalidade a

um patrimônio. Nesse sentido os dizeres de Carlos Alberto da Mota Pinto,

Catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra:

As fundações são instituídas por um acto unilateral do fundador de afectação de uma massa de bens a um dado escopo de interesse social. O fundador, além de indicar no acto da instituição o fim da fundação e de especificar os bens que lhe são destinados, estabelecerá de uma vez para sempre (ne varietur) as normas disciplinadoras da sua vida e destino.

67

A finalidade, como explanado anteriormente, não é uma qualquer, mas sim

uma dentre as elencadas no artigo 62, § único, do Código Civil, ou seja, fins

religiosos, morais, culturais ou assistenciais. É possível juridicamente instituir uma

fundação com mais de uma finalidade, mas deve o instituidor ter ciência de que,

definidas as finalidades e assentadas no estatuto social, estas devem ser exercidas

obrigatoriamente. Não é possível, nesse sentido, a instituição de uma fundação com

uma gama muito vasta de atividades sociais, para permitir futuramente a entidade

optar por colocar em prática uma delas, de acordo com as conjunturas do momento.

67

PINTO, Carlos Alberto da Mota. 2005. op. cit., p. 283.

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Nesse sentido os ensinamentos de Marcello Caetano:

E poderá admitir-se uma instituição que se proponha a vários fins? A resposta depende muito das circunstâncias, especialmente da grandeza e da composição do patrimônio afectado. Em todo caso, em princípio, parece que os fins devem ter entre si certa analogia ou conexão, serem congruentes; e conviria que o instituidor designasse qual deles considera principal ou, pelo menos, se exprimisse em termos donde se pudesse deduzir a sua intenção a respeito.

Depois, há que ver se o patrimônio é suficiente para a realização dos fins visados. O reconhecimento só será feito se esta verificação conduzir a um resultado positivo.

68

A fundação pode ser criada por ato inter vivos, ou seja, enquanto em vida o

instituidor e, como tal, este participa ativamente de todo o processo criativo. Poderá,

inclusive, participar da administração, ocupando um dos cargos da entidade. É

frequente, também, que o instituidor reserve um dos cargos para exercê-lo

vitaliciamente.

A outra maneira de a fundação ser criada é post mortem, mediante

disposição testamentária. Nesta situação a participação do instituidor se limita à

contribuição com a ideia da nova pessoa jurídica e a destinação do patrimônio. De

qualquer maneira, o testamento é revogável a qualquer momento pelo testador e a

fundação somente é instituída após o falecimento do autor da ideia.

8.1 INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO POR ATO INTER VIVOS

O instituidor deve saber, à míngua de qualquer dúvida, qual o acervo de

bens que está disposto a transferir para a fundação, porquanto o ato é irrevogável,

bem como qual o projeto social, dentre as possibilidades elencadas no artigo 62, §

único, do Código Civil, que pretende colocar em prática, com todas as suas

especificidades, e o custo da operação. Nesse sentido é de bom alvitre que

providencie um estudo, com o detalhamento devido, acompanhado de um “Projeto

68

CAETANO, Marcello. 1961. op. cit., p. 56.

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de Viabilidade Econômica, Financeira e Social”, bem como o detalhamento devido

da sustentabilidade da pessoa jurídica.

A esse respeito leciona Marcello Caetano:

Como ficou sublinhado, a disposição de bens por um ou mais particulares para a realização de um fim de utilidade pública não constitui, por si só, o substrato da fundação. É preciso que o próprio instituidor, ou o executor da sua vontade, exprima o desejo de que o fim seja realizado por uma entidade jurídica expressamente criada e que essa entidade tenha organização adequada.

O ato de instituição completo é, pois, aquele em que o instituidor, adaptando a forma legalmente conveniente, disponha dos bens para a realização do fim que especifique e logo trace as normas orgânicas da entidade que deverá gerir o patrimônio criado para prosseguir o escopo indicado.

69

O Instituidor, pessoa física ou jurídica, deve apresentar sua proposta ao

Ministério Público Estadual ou do Distrito Federal e Territórios, de acordo do local

onde será a sede jurídica da fundação, para discutir a viabilidade de sua criação e

obter a autorização administrativa da autoridade veladora das fundações. Uma vez

aprovada a proposta pelo Ministério Público, o Instituidor deve providenciar a

elaboração de escritura pública, porquanto o ato de instituição é formal, à luz do

quanto dispõe o artigo 62 do Código Civil. O Ministério Público participará do ato

público de instituição da fundação, na condição de anuente.

A escritura pública, portanto, é formalidade essencial de validade do ato

jurídico. O nascimento da pessoa jurídica, entretanto, ocorre posteriormente, com o

registro. Em outras palavras, com a escritura pública ocorre a instituição da

fundação e, com o registro, a constituição da pessoa jurídica, que adquire

personalidade.

A escritura deve atender aos requisitos dispostos no artigo 215, §1º, do

Código Civil, especificamente a data e o local da lavratura; o reconhecimento da

identidade e capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato público;

69

CAETANO, Marcello. 1961. op. cit., p. 46.

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86

o nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência dos

instituidores e do Promotor de Justiça anuente, com a indicação, quando necessário,

do regime de bens do casamento, nome do cônjuge e filiação; manifestação clara da

vontade dos instituidores e do anuente, especialmente em relação ao patrimônio

separado e que será vinculado ao novo ente jurídico fundacional; referência ao

cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato;

declaração de ter sido lida na presença dos instituidores e demais comparecentes,

ou de que todos a leram e assinatura dos instituidores, do anuente e dos demais

comparecentes, bem como a do tabelião ou do seu substituto legal, encerrando o

ato.

Pertinente à instituição, também, o disposto nos §§ do artigo 215 do Código

Civil, onde são definidas algumas regras de observância obrigatória:

I – se algum dos comparecentes à escritura não souber ou não puder escrever, outra pessoa assinará por ele, a seu rogo;

II – a escritura será redigida em língua nacional, sendo obrigatória a presença de tradutor público ou outra pessoa capaz de servir como intérprete caso algum dos comparecentes não saiba a língua nacional e o oficial não entenda o idioma em que se expressa;

III – a presença de pelo menos duas testemunhas, quando algum comparecente não for conhecido do oficial, a fim de que conheçam e atestem sua identidade.

Recomenda-se, outrossim, a descrição dos bens que comporão o acervo

patrimonial e o devido compromisso de transferência do domínio dos bens, em

momento propício, ou seja, quando a fundação existir juridicamente. Da mesma

forma, declinar a forma como a fundação será administrada. Nesse sentido a

sugestão do Ministério Público é pela apresentação do Estatuto Social, o qual

adquire, inclusive, a devida publicidade.

De lembrar que é possível a instituição de fundação por um ou mais

instituidores, podendo ser eles pessoas físicas ou jurídicas. O Ministério Público do

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87

Estado de São Paulo, por sua vez, não exige que todos os instituidores sejam

autores da transferência de bens em benefício da fundação, para constituição de

seu capital inicial. Possível, em tese, que um dos instituidores efetue a dotação

patrimonial, sendo os demais autores intelectuais da ideia de criação, sem

necessariamente efetuar qualquer doação.

Uma vez elaborada a escritura pública, esta deve ser encaminhada ao Ofício

de Registro de Pessoas Jurídicas, onde será efetuado o registro. Neste momento

nasce a pessoa jurídica, nos termos do artigo 119, da Lei n. 6.015, de 31 de

dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos). A partir deste momento, com a

pessoa jurídica existente, o instituidor deve efetuar a transferência do domínio do

acervo de bens que comporá o patrimônio inicial. A transferência do domínio será

efetuada mediante tradição dos bens móveis e registro dos bens imóveis.

Efetuado o registro, o instituidor tomará todas as providências pertinentes

para a abertura de qualquer modalidade de pessoa jurídica, como inscrição no

Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, abertura de conta corrente, abertura dos

livros contábeis obrigatórios, estando apta a fundação para o início das atividades.

Apresentada a descrição prática de como a fundação privada nasce para o

mundo jurídico, importante visualizar a maneira como a personalidade da fundação é

formada. Isto ocorre em duas fases, uma de instituição e outra de constituição.

A instituição se perfaz mediante negócio jurídico unilateral, ou seja, mediante

uma declaração de vontade do instituidor com determinada finalidade social, na qual

ele apresenta detalhes da dotação patrimonial e seu pertinente vínculo com uma

atividade de interesse social. O negócio jurídico unilateral, portanto, possui finalidade

específica. Esse momento criativo se materializa com a lavratura da escritura pública

e ainda inexiste a personalidade jurídica. Com a instituição ainda não há pessoa

jurídica. Esta está em fase de nascimento.

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88

Superada a fase de instituição da fundação e atendidos os requisitos legais,

em especial a forma prescrita em lei, o procedimento deve ser ultimado, a fim de que

a fundação adquira contornos de existência jurídica. Isto ocorre com a constituição

da fundação, que se materializa com o registro. O registro, nesse contexto, é ato

jurídico que apresenta autonomia em relação à instituição e gera efeitos

declaratórios e constitutivos. Agora a pessoa jurídica integra o ordenamento e

revela-se titular de direitos e obrigações, possuindo a pertinente personalidade.

A partir deste momento, ou seja, a partir da existência da pessoa jurídica,

respondem por ela os seus administradores e não mais o instituidor.

8.2 INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO POR ATO CAUSA MORTIS

A outra maneira para desencadear a criação de uma fundação é a via

testamentária. Por esta forma a fundação é instituída e constituída após a morte do

testador.

Testamento é ato jurídico personalíssimo, solene, unilateral, gratuito e

revogável que deve ser elaborado na presença do testador, aperfeiçoando-se com a

sua exclusiva manifestação de vontade. Sua natureza personalíssima afasta,

inclusive, a possibilidade de ser elaborado por representante legal. Referida vedação

não impede, porém, a orientação do testador por terceiros, sendo comum a atuação

de advogado nesse momento. Aliás, é inclusive recomendada a atuação de

profissional no caso, para se evitar futura declaração de nulidade do ato de

disposição da última vontade, após o falecimento do testador.

O testamento somente irradia efeitos após a morte do testador. A forma

solene, portanto, é garantia a ele próprio, pois há de se observar uma das formas

prescritas em lei e suas respectivas formalidades, sob pena de nulidade.

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89

É ato gratuito porque o testador não pode pretender nenhuma vantagem em

troca. É revogável porque o testador pode tornar sem efeito, explícita ou

implicitamente, no todo ou em parte, inclusive a respeito da criação da fundação.

Para a revogação o testador não necessita apresentar os motivos pelos quais muda

a sua ideia. É entendimento sedimentado, inclusive, que o testamento posterior

revoga automaticamente qualquer testamento anterior, independentemente de

manifestação expressa nesse sentido.

Após a morte do testador, porém, o ato é irrevogável.

Nesse sentido os ensinamentos de Carlos Alberto da Mota Pinto:

(...) é livremente revogável até o momento da morte do testador, mas torna-se irrevogável quando o testador faleça, ao contrário do acto entre vivos, que só se torna irrevogável quando o reconhecimento é requerido ou principia o reconhecimento oficioso, etc.

70

Pode testar visando à instituição de uma fundação por ato causa mortis

qualquer pessoa, desde que em pleno discernimento e com capacidade civil para

realizar negócios jurídicos no momento da elaboração da disposição de última

vontade. E enquanto a incapacidade superveniente do testador não invalida o

testamento, a superveniência de capacidade não convalida o testamento feito por

pessoa incapaz.

O testamento pode ser público, cerrado, particular, marítimo, aeronáutico,

militar. O ordenamento jurídico não define a forma de testamento pela qual pode ser

inserido o desejo de criação de uma fundação privada. Como tal, é possível a

declaração do desejo de criação de uma fundação sob qualquer modalidade de

testamento. Não se conhece, no entanto, sequer uma hipótese de criação de

fundação no Brasil mediante testamento marítimo, aeronáutico ou militar, de maneira

que na sequência há referência tão somente aos demais.

70

PINTO, Carlos Alberto da Mota. 2005. op. cit., p. 306.

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90

Testamento público, definido pelo artigo 1.864 do Código Civil é aquele feito

junto ao tabelião ou ao seu substituto legal, em livro de notas, de acordo com as

declarações do testador, por ele manifestadas verbalmente, na presença de duas

testemunhas, que devem assistir a todo o ato, que é solene. Após a lavratura do ato,

ele deve ser lido em voz alta pelo tabelião ou pelo próprio testador, ainda na

presença das testemunhas, para garantir inexistência de dúvida na manifestação de

vontade.

Testamento cerrado, disciplinado no artigo 1.868 do Código Civil é aquele

elaborado pelo próprio testador ou alguém a seu rogo, em caráter sigiloso, que

deverá ser entregue ao tabelião na presença de duas testemunhas, com a

declaração do autor da disposição de última vontade, do desejo de ver o testamento

aprovado. O auto de aprovação deve ser elaborado pelo tabelião ou seu substituto

legal e em seguida lido ao testador e às testemunhas. Na sequência o auto é

assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador.

O testamento particular, regrado no artigo 1.876 do Código Civil, também é

elaborado pelo próprio testador, em qualquer lugar, não sendo necessária a atuação

do Cartório de Notas. Para adquirir contornos de validade deve conter a assinatura

do testador e ser lido por este em voz alta, na presença de pelo menos três

testemunhas, que também o assinam. Após o óbito do testador, as testemunhas são

ouvidas judicialmente para confirmação da autenticidade das assinaturas, bem como

o teor do que foi escrito.

Por meio de testamento, o testador somente pode dispor de metade de seus

bens, salvo se não possuir herdeiros necessários, pois caso estes existam, a outra

metade deve ser direcionada a eles, de acordo com o artigo 1.857, §1º, do Código

Civil.

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91

O testador, pretendendo a criação de uma fundação, deverá declinar,

também, as finalidades que deverão ser exercidas e, se possível, o projeto social

que deverá ser colocado em prática, além de outros detalhes, a seu critério.

Com o falecimento do testador, será processado o pertinente inventário. Nos

autos do inventário, após o reconhecimento judicial da validade das disposições de

última vontade, deve ser efetuado o pagamento de todos os credores do falecido,

separada a parte cabente aos herdeiros necessários e eventuais legatários, e então

a verificação da parte disponível para a criação da fundação.

Ainda no inventário deve ser providenciada a elaboração do estatuto social

da fundação, com a participação do Ministério Público, sendo depois levado a

registro, mediante mandado judicial.

No mais, a fundação será constituída da mesma forma que se deve proceder

com a modalidade inter vivos.

De qualquer maneira, resta claro que o testamento não constitui a fundação,

mas delibera por um desejo do testador de ver a constituição da entidade

fundacional, futuramente, após a sua morte, destinando o patrimônio para tanto.

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92

9 ESTATUTO SOCIAL

O estatuto social de uma fundação é o instrumento pelo qual são

estabelecidas as regras de operação da pessoa jurídica. É o mandamento interno a

comandar os órgãos diretivos da entidade. O estatuto serve, portanto, como uma

ferramenta que regulará a forma como a fundação exercerá suas atividades, como

será sua composição interna, quais os poderes dos dirigentes. As disposições

estatutárias, por sua vez, não podem contrariar o quanto estabelecido no

ordenamento jurídico.

Para Gustavo Saad Diniz:

O estatuto tem por escopo estabelecer as relações entre órgãos da fundação, e as consequências para os beneficiários. Tem a força de observância obrigatória, por ser a lex privata da fundação, ou seja, traz cláusulas “normativas” que criam regras de obediência dentro da entidade.

71

Na elaboração do texto estatutário devem ser atendidas também as regras

da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973), ou seja,

dos artigos 120 e 121.72

71

DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 338. 72

Artigo 120. O registro das sociedades, fundações e partidos políticos consistirá na declaração, feita em livro, pelo oficial, do número de ordem, da data da apresentação e da espécie do ato constitutivo, com as seguintes indicações: I - a denominação, o fundo social, quando houver, os fins e a sede da associação ou fundação, bem como o tempo de sua duração; II - o modo por que se administra e representa a sociedade, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; III - se o estatuto, o contrato ou o compromisso é reformável, no tocante à administração, e de que modo; IV - se os membros respondem ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; V - as condições de extinção da pessoa jurídica e nesse caso o destino do seu patrimônio; VI - os nomes dos fundadores ou instituidores e dos membros da diretoria, provisória ou definitiva, com indicação da nacionalidade, estado civil e profissão de cada um, bem como o nome e residência do apresentante dos exemplares. Parágrafo único. Para o registro dos partidos políticos, serão obedecidos, além dos requisitos deste artigo, os estabelecidos em lei específica. Artigo 121. Para o registro serão apresentadas duas vias do estatuto, compromisso ou contrato, pelas quais far-se-á o registro mediante petição do representante legal da sociedade, lançando o oficial, nas duas vias, a competente certidão do registro, com o respectivo número de ordem, livro e folha. Uma das vias será entregue ao representante e a outra arquivada em cartório, rubricando o oficial as folhas em que estiver impresso o contrato, compromisso ou estatuto.

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93

Uma vez elaborado o estatuto social pelo instituidor ou pela pessoa a quem

este delegar tal atribuição, o texto deve ser submetido à aprovação do Ministério

Público, na condição de órgão público velador das fundações privadas, que após

aprová-lo, autorizará a elaboração da competente escritura pública, para posterior

registro.

As normas dos artigos 1.199 e 1.200 do Código de Processo Civil definem,

em consonância com o disposto no artigo 66 do Código Civil, que elaborado o

estatuto, este será submetido ao órgão do Ministério Público, que deverá observar

se foram atendidas as bases da fundação e se os bens são suficientes ao fim a que

ela se destina.

O artigo 1.201 do CPC, na mesma tônica, estabelece que autuado o pedido

de aprovação do estatuto, o órgão do Ministério Público, no prazo de 15 dias,

aprovará o texto ou indicará as modificações que entender necessárias, ou lhe

denegará a aprovação.

De se indagar, nesse contexto, se a atribuição do Ministério Público de

aprovar ou não a instituição da fundação é de ato vinculado ou discricionário.

Entende-se, assim, que esse poder da autoridade pública veladora das fundações

privadas importa em parcela de discricionariedade e em parcela de vinculação ao

ordenamento jurídico.

Com efeito, é vinculado à lei o poder de constatar se o objeto social

enquadra-se entre as possibilidades elencadas no artigo 62, § único, do Código

Civil. Essa deliberação é objetiva, apesar do conteúdo indeterminado dos conceitos

legais. Diferentemente, porém, ou seja, no campo da discricionariedade o poder de

decidir o que importa em suficiência de bens. A decisão do Ministério Público,

entretanto, não é absoluta, porquanto pode ser revista pelo Poder Judiciário,

mediante provocação do instituidor.

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94

Nas hipóteses de negativa do Ministério Público em aprovar a criação da

fundação ou de exigências de alteração do estatuto social, insurgindo-se o

interessado contra o posicionamento ministerial, poderá este, em petição motivada,

requerer ao juiz o suprimento da aprovação. O Ministério Público, nesta hipótese,

deve ser ouvido pelo Juiz competente, sob pena de ocorrência de nulidade, podendo

inclusive recorrer da decisão proferida, junto ao Tribunal de Justiça. Da mesma

forma que o interessado poderá recorrer da decisão que eventualmente lhe seja

desfavorável.

É possível, outrossim, que o juiz determine modificações no estatuto, com a

finalidade de adaptá-lo ao objetivo do instituidor, com fundamento na norma do § 2º

do artigo 1.201 do CPC. Esta decisão também é recorrível.

A previsão legal de suprimento judicial, nas hipóteses elencadas, encontra

fundamento também no princípio constitucional da inafastabilidade do Poder

Judiciário, insculpido no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, pelo qual qualquer

um que tiver um direito que entender violado, tem acesso ao Judiciário.

Por ocasião da constituição da fundação e definido o estatuto social, este

não poderá mais ser alterado pelo instituidor. A alteração estatutária, quando

efetivamente necessária para atender aos interesses da pessoa jurídica e somente

para atender aos interesses sociais desta, para ser efetivada, deve obedecer ao

próprio regramento estatutário. Em regra, compete ao Conselho Curador, em sede

de formal reunião do colegiado e especialmente convocada para esse fim, promover

eventuais alterações estatutárias. A alteração, para adquirir contornos de plena

validade, depende também da autorização do Ministério Público ou, caso este a

negue, do suprimento judicial.

Aliás, é possível a presença do instituidor da fundação no quadro de

dirigentes, quando a entidade é criada por “ato inter vivos”. Porém, ultrapassada a

fase de constituição da fundação, mesmo o instituidor, que doou o patrimônio em

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95

favor da pessoa jurídica, não possui o poder de alterar o estatuto da fundação,

sendo um dirigente como qualquer outro. Em verdade, constituída a fundação, esta

adquire plena autonomia, inclusive em relação ao seu criador.

9.1 DENOMINAÇÃO, SEDE, FINS E DURAÇÃO DA FUNDAÇÃO

A definição de um nome, o local da sede jurídica, as finalidades e o tempo

de duração da fundação são os primeiros requisitos obrigatórios que devem constar

do estatuto social, de acordo com o disposto na norma do artigo 120, da Lei nº

6.015, de 31 de dezembro de 1973.

A fundação, como ocorre com qualquer pessoa jurídica, deve possuir um

nome. O instituidor pode escolher livremente o nome, porém com a inserção do

termo “fundação” antes da denominação, com a finalidade de identificar a

modalidade de pessoa jurídica.

É usual, inclusive, a adoção do nome do instituidor ou de pessoa que ele

queira homenagear, o qual será perpetuado no tempo e vinculado a uma finalidade

social. Exemplos conhecidos de fundações em que foi adotado o nome do instituidor

são a Fundação Armando Álvares Penteado, a Fundação Conrado Wessel, a

Fundação Antonio e Helena Zerrenner, a Fundação Instituto Fernando Henrique

Cardoso, a Fundação Roberto Marinho, a Fundação Salvador Arena, a Fundação

Adib Jatene, a Fundação Ema Gordon Klabin, a Fundação Dorina Nowill, a

Fundação Escultor Victor Brecheret, a Fundação Peter Muranyi, a Fundação Antonio

Prudente, a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, etc.

Muito comum na atualidade, outrossim, instituir a fundação com o nome da

empresa instituidora, sendo clássicas com essa empreitada a Fundação Bradesco, a

Fundação Telefônica, a Fundação Itaú Social, a Fundação Nestlé Brasil, a Fundação

Cultural BNP Paribas Brasil, etc.

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Não há exigência do ordenamento jurídico de que a atividade esteja

destacada no nome, muito embora seja frequente a inserção do tipo de serviço

prestado na denominação.

O instituidor não poderá, no entanto, adotar o nome de outra fundação, ante

a vedação expressa contida no artigo 1.166 do Código Civil.

O estatuto deve prever, também, a finalidade social da fundação, com o

objetivo de destacar, de forma clara, o tipo de atividade desenvolvida e, inclusive,

para que os órgãos de fiscalização possam efetivamente exigir o cumprimento das

mesmas. Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, como órgãos de

velamento das fundações privadas, têm exigido que a finalidade social da entidade

seja grafada no estatuto de forma clara e objetiva.

Outro requisito do estatuto diz respeito à sede da pessoa jurídica, ou seja, o

seu domicílio, em conformidade com o artigo 75, IV, do Código Civil. É o local onde

a gestão da fundação é executada por seus órgãos diretivos. O domicílio serve

também para localização da pessoa jurídica, para sua citação em demandas

judiciais, etc.

O estatuto deve conter, também, o prazo de duração da fundação. Em regra

as fundações são criadas para duração por tempo indeterminado, visando

perpetuar-se no tempo. O ordenamento possibilita, no entanto, a instituição de

fundação por tempo determinado.73

9.2 PATRIMÔNIO E RENDIMENTOS

73

O cadastro do Ministério Público do Estado de São Paulo registra que atualmente, no Estado de São Paulo, não há nenhuma fundação por tempo determinado.

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Outra obrigação do estatuto é a menção ao seu patrimônio e a forma de

aplicação. Toda fundação é constituída mediante um patrimônio inicial, ou seja, pela

dotação de bens livres, os quais devem estar definidos na escritura pública de

constituição da pessoa jurídica. É possível, nesse sentido, que o estatuto faça

menção genérica de que o seu patrimônio é aquele definido na escritura, pois sendo

esta pública, seus termos são de acesso de todos. A documentação contábil da

fundação, entretanto, deve precisar com detalhes todos os ativos que compõem o

patrimônio da pessoa jurídica.

É importante, também, que o estatuto defina as regras para eventual

alienação de bens que compõem o patrimônio. Nesse sentido oportuno salientar que

em relação aos bens, vigora a regra da inalienabilidade relativa.

9.3 ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO E COMPETÊNCIAS

Outra obrigatoriedade do estatuto é a descrição da forma como a pessoa

jurídica será administrada, ou seja, quais são seus órgãos internos de gestão e as

respectivas atribuições de cada cargo, a forma como são eleitos e eventualmente

destituídos.

O ordenamento legal não define, com precisão, quais serão os órgãos de

direção da fundação. A prática, no entanto, informa que uma fundação deve conter

um órgão de gestão e um outro com a função de estabelecer as diretrizes da

entidade, o direcionamento da política institucional, a fiscalização da gestão, o

controle interno, as medidas de correção de rumo quando necessárias, dentre outras

pertinentes à alta administração. A previsão de uma estrutura interna de ação e de

controle é importante, para garantir a retidão nas práticas da entidade, além de gerar

transparência na administração.

O órgão de gestão geralmente é denominado de Diretoria Executiva, de

Presidência, de Superintendência, etc. O órgão de comando superior, por sua vez,

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na maciça maioria das fundações, é nominado de Conselho Curador. Há fundações,

entretanto, que denominam esse mesmo órgão como Conselho de Administração,

Conselho Orientador, Conselho Superior, etc.

É possível, também, a existência de um Conselho Fiscal, com o objetivo de

auxiliar o Conselho Curador na análise das contas e, de maneira geral, a gestão da

gestão da fundação.

9.3.1. Conselho Curador

O estatuto deve também se dedicar, como anotado anteriormente, à

composição e às atribuições de seus órgãos internos, dentre eles o Conselho

Curador, algumas vezes também denominado de Conselho de Administração,

dentre outros títulos.

O Conselho Curador é o órgão soberano da fundação e a ele devem ser

atribuídos instrumentos, como já destacado no presente estudo, para exercer a alta

administração da entidade, o implemento da política institucional, a fiscalização da

gestão, o controle interno, visando com isso garantir uma atuação escorreita e

eficiente, a preservação do patrimônio e a garantia da execução das finalidades da

entidade, tanto as de natureza econômica como as de natureza social.

Nesse sentido é que deve incumbir ao Conselho Curador o encargo de

escolher e nomear os integrantes da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal, bem

como eventualmente destituí-los, nas hipóteses de desvio comportamental.

O Conselho Curador deve ser um órgão colegiado, para bem desempenhar

as suas funções. Não há, porém, no ordenamento jurídico, qualquer norma

reguladora nesse sentido. A realidade das fundações com sede jurídica no Estado

de São Paulo, porém, é de que os colegiados são compostos de um número que

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varia, em regra, entre três e dez integrantes. É evidente, porém, que um número

grande de conselheiros não importa maior fiscalização e controle da entidade.

O estatuto, porém, deve definir o número de integrantes do Conselho

Curador, bem como o tempo de mandato de cada conselheiro. De se considerar,

também, a possibilidade de conselheiros vitalícios, bem como de reeleição nos

cargos. Tudo a depender, por evidente, das disposições do estatuto social.

Em regra, também, confere-se ao presidente do Conselho Curador o voto de

qualidade, com a finalidade de evitar eventuais empates nas votações.

O estatuto deve conter, outrossim, uma regra definindo a periodicidade com

que os integrantes do Conselho Curador devem se reunir, em caráter ordinário,

mediante convocação por escrito do Presidente, ou por um determinado número de

conselheiros. O colegiado pode se reunir, também, de forma extraordinária. É usual

conferir-se ao Ministério Público o poder estatutário de convocar extraordinariamente

o Conselho Curador para deliberar determinado assunto. A omissão estatutária, no

entanto, não subtrai do órgão velador o poder de requisição de reunião do Conselho

para apreciar, internamente, algum assunto de relevância.

A forma de convocação do colegiado é outra regra que deve ser clara no

estatuto. Atualmente as fundações adotam todos os meios de comunicação para

tanto. O instrumento pode ser por carta, publicação na imprensa, e-mail, etc.

As funções dos conselheiros, de fiscalização e orientação superior da

fundação, devem ser claras, com texto objetivo. Dentre outros de interesse dos

instituidores, de relevo a previsão dos seguintes poderes:

a) de eleição dos membros da Diretoria Executiva; b) de eleição dos membros do Conselho Fiscal;

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c) de aprovação da previsão orçamentária e do plano anual de ação, propostos preferencialmente pela Diretoria Executiva; d) de estabelecimento de diretrizes de atuação para a Diretoria Executiva; e) de aprovação das prestações de contas e dos relatórios anuais da Diretoria Executiva, para serem apresentados também ao Ministério Público; f) de deliberação sobre a alienação de bens patrimoniais da fundação, cujas decisões devem ser levadas posteriormente ao crivo do Ministério Público ou ser objeto de pedido de alvará judicial; g) de edição do regimento interno e outros atos normativos; h) de deliberação sobre eventuais alterações no estatuto; i) de exame dos livros contábeis e papéis de escrituração da fundação, do estado do caixa e dos valores em depósito; j) de disposição de seu livro de “Atas do Conselho Curador”, com registro de todas as reuniões realizadas; k) de deliberação sobre a aceitação de doações com encargo; l) de denúncia ao Ministério Público dos erros, fraudes ou crimes, de que porventura tomar conhecimento, sem prejuízo de tomada de medidas administrativas e judiciais.

9.3.2. Conselho Fiscal

O Conselho Fiscal é um órgão facultativo na estrutura interna das fundações

privadas, salvo quando estas pretenderem o título de OSCIP – Organização da

Sociedade Civil de Interesse Público, que por exigência da Lei nº 9.790, de 23 de

março de 1999, artigo 4º, inciso III, referido colegiado é condição para a obtenção de

referida qualificação.

No entanto, muito embora facultativo, é órgão de absoluta relevância no

contexto da estrutura da alta administração das fundações privadas. Por esta razão,

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o Ministério Público por ocasião da instituição de fundações privadas, tem

recomendado a previsão do órgão no estatuto social.

O Conselho Fiscal tem por finalidade assessorar o Conselho Curador na

verificação das contas da entidade. Ele deve ser formado, preferencialmente, por

dois ou três membros, com suplentes, dentre eles pelo menos um profissional da

área da contabilidade. Recomenda-se que, dentre os demais, haja pelo menos um

administrador de empresas e um com formação jurídica. Para que possa cumprir

suas funções a contento, o Conselho Fiscal deve ter garantido o acesso a todo e

qualquer documento ou registro da fundação.

Para disciplinar sua existência e o exercício de suas funções, é imperiosa a

existência de um capítulo próprio no estatuto social da fundação, regulando a forma

de composição, o mandato, as atribuições e as responsabilidades dos integrantes do

Conselho Fiscal.

As funções do Conselho Fiscal são de assessoramento e suas atividades

são vinculadas ao Conselho Curador. As apurações daquele devem ser colocadas à

disposição deste, para bem e fielmente exercer as atividades de fiscalização e

orientação da Diretoria Executiva. Em verdade, quem aprova ou rejeita as contas da

gestão é o Conselho Curador, com o assessoramento do quanto verificado pelo

Conselho Fiscal.

A título exemplificativo podem-se destacar algumas das atribuições

frequentes dos integrantes do Conselho Fiscal:

a) fiscalizar a gestão econômico-financeira da Fundação, examinar suas contas, balanços e documentos, e emitir parecer para ser será encaminhado ao Conselho Curador;

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102

b) emitir parecer prévio e justificado para alienação, oneração ou aquisição de bens e direitos, para deliberação do Conselho Curador;

c) recomendar ao Conselho Curador a realização de auditoria externa na Fundação, quando julgar necessário.

9.3.3. Diretoria Executiva

Um capítulo específico com as regras definidoras da composição, mandato e

atribuições da Diretoria é uma exigência no estatuto social. A diretoria é o órgão

encarregado da execução da gestão da pessoa jurídica.

A gestão pode ser executada por uma ou mais pessoas. A maciça maioria

das fundações privadas conta com diretoria colegiada. Em regra composta de um

diretor-presidente, um diretor-secretário e um diretor-financeiro. Poderá, no entanto,

ser composta de um número menor ou maior de integrantes, dependendo do

tamanho da entidade e da complexidade dos atos de administração.

Também possível a criação de uma estrutura mais complexa, com várias

superintendências, subordinadas aos diretores, além de gerências, coordenadores,

etc.

Não se descarta, também, a estrutura interna de uma diretoria tendente ao

vazio, ou seja, centralizada na pessoa de um superintendente geral, na condição de

empregado da pessoa jurídica, este sob o comando do Conselho Curador.

Usualmente a Diretoria Executiva é escolhida e nomeada pelo Conselho

Curador, de acordo com o quanto estabelecer o estatuto social. O mandato deve ser

o definido no mesmo regramento interno.

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103

As atribuições da Diretoria devem estar expressas no estatuto, sendo

comuns as seguintes:

a) de expedir normas operacionais e administrativas necessárias às atividades da fundação;

b) de cumprir e fazer cumprir o estatuto, o regimento interno e as normas e deliberações do Conselho Curador;

c) de submeter ao Conselho Curador a criação de órgãos administrativos de qualquer nível, locais ou situados nas filiais e sucursais;

d) de realizar convênios, acordos, ajustes e contratos, inclusive os que constituem ônus, obrigações ou compromissos para a fundação, ouvido o Conselho Curador;

e) de preparar balancetes e prestação anual de contas, acompanhados de relatórios patrimoniais e financeiros, submetendo-os, com parecer do Conselho Fiscal, ao Conselho Curador, por intermédio do presidente do Conselho Fiscal;

f) de representar judicial e extrajudicialmente a Fundação;

g) de proporcionar aos Conselhos Curador e Fiscal as informações e os meios necessários ao efetivo desempenho de suas atribuições;

h) de submeter ao Conselho Curador diretrizes, planejamento e políticas de pessoal da fundação;

i) de submeter à apreciação do Conselho Curador a criação e extinção de órgãos auxiliares da Diretoria.

9.4 EXERCÍCIO FINANCEIRO E PRESTAÇÃO DE CONTAS

Outro capítulo importante que deve ser incluído no estatuto social é referente

ao exercício financeiro e à forma de prestação de contas. O exercício financeiro é o

período definido estatutariamente como sendo o ano fiscal da fundação. Ele pode

coincidir ou não com o ano civil.

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104

A prestação de contas deve ser apresentada interna e externamente.

Internamente a Diretoria Executiva deve prestar contas ao Conselho Curador, que

deve aprová-las ou rejeitá-las, tomando então as providências reparadoras

pertinentes em relação às irregularidades encontradas. Externamente a fundação

presta contas ao Ministério Público, que as recebe, as aprecia, as aprova ou as

rejeita, no exercício das funções de órgão velador das fundações privadas.

De todo recomendado que as contas sejam apresentadas juntamente,

dentre outros documentos reputados relevantes, com “relatório circunstanciado das

atividades desenvolvidas”, “balanço patrimonial”, “demonstração de resultados do

exercício”, “demonstração das origens e aplicações de recursos”, “relatório e parecer

de auditoria externa”, caso realizada, “quadro comparativo entre a despesa fixada e

a realizada” e “parecer do Conselho Fiscal” se existir na fundação referido órgão

interno.

9.5. RESPONSABILIDADE

Importante a existência de disposições estatutárias definindo a

responsabilidade civil e criminal dos administradores da fundação, assim

considerando-se os integrantes da Diretoria Executiva, do Conselho Curador e do

Conselho Fiscal.

É comum as fundações adotarem regramento definindo que os dirigentes

não responderão, nem mesmo subsidiariamente, pelos encargos assumidos pela

entidade. A irresponsabilidade pessoal dos administradores, porém, não é absoluta.

Ela incide quando estes praticarem condutas que afrontem a lei ou o estatuto social.

No Estado de São Paulo, por sua vez, é muito frequente a existência de

cláusula estatutária disciplinando também responsabilidade administrativa. É usual a

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existência de normatização definindo que os dirigentes serão destituídos de seus

cargos, de forma compulsória, por decisão colegiada do Conselho Curador, caso

incorram em conduta grave, assim entendida, exemplificativamente, a obtenção de

vantagens ou benefícios pessoais em razão do cargo ocupado, a infração às normas

do estatuto, a prática de condutas que possam afetar direta ou indiretamente a boa

imagem e a reputação da entidade e a ausência a determinadas reuniões.

Este assunto, porém, será tratado com mais detalhamento adiante.

9.6 ALTERAÇÃO ESTATUTÁRIA

O estatuto social deve conter regramento pertinente à forma como ele pode

ser alterado. O Código Civil, a esse respeito, em seu artigo 67, determina que a

reforma estatutária deve ser deliberada por dois terços dos competentes para gerir e

representar a fundação, que a alteração não contrarie ou desvirtue o fim desta e que

a alteração seja aprovada pelo Ministério Público. Caso este venha a denegar a

alteração, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado, mediante incidente

processual de suprimento judicial.

O estatuto poderá conter norma mais restritiva para a alteração estatutária,

ou seja, quórum mais qualificado que os dois terços previstos na norma do artigo 67.

Não poderá, no entanto, estabelecer quórum inferior.

Dispõe o artigo 68 do Código Civil, outrossim, que na hipótese da alteração

não ser aprovada por votação unânime, os administradores da fundação, ao

submeterem o estatuto ao órgão do Ministério Público, requererão que se dê ciência

à minoria vencida para impugná-la, se quiser, em dez dias.

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106

Na hipótese de os administradores não tomarem a providência declinada,

mesmo assim o Ministério Público deve ouvir os argumentos da minoria vencida,

para decidir a respeito, podendo então aprovar a alteração ou denegá-la.

9.7 EXTINÇÃO E DESTINO DO PATRIMÔNIO

O estatuto deve conter previsão, outrossim, a respeito da forma como

eventualmente a pessoa jurídica pode ser extinta e, consequentemente, a

destinação de seu patrimônio residual.

O artigo 69 do Código Civil define as hipóteses de extinção da fundação

privada, ou seja, quando esta tornar-se ilícita, quando impossível ou inútil a sua

finalidade ou vencido o prazo de existência. São titulares do direito subjetivo de agir

o Ministério Público ou qualquer interessado. O patrimônio, por sua vez, salvo

disposição em contrário na escritura pública de criação da entidade, ou no estatuto,

deverá ser incorporado em outra fundação, que se proponha a fim igual ou

semelhante.

Regra nesse sentido é relevante devido ao fato de que, uma vez extinta a

fundação, o seu patrimônio residual não poderá retornar ao instituidor ou outros

beneficiários, a não ser para uma outra fundação ou para o poder público. Com

efeito, os bens fundacionais pertencem, como aduzido anteriormente, à sociedade

civil, não podendo ir, por conseguinte, ao patrimônio de pessoas físicas ou jurídicas

que não representem os interesses da coletividade.

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107

10 VELAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição Federal, com a norma do artigo 127, caput, atribui ao

Ministério Público a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais.

O artigo 66 do Código Civil, em complemento à norma constitucional

invocada, disciplina que “velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde

situadas”, ao passo que, “se funcionarem no Distrito Federal, ou em Territórios,

caberá o encargo ao Ministério Público Federal”. E “se estenderem a atividade por

mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério

Público”. 74

Ao ser constituída uma fundação, o seu patrimônio passa a pertencer à

sociedade civil, que é a beneficiária das atividades que serão desenvolvidas, sempre

de natureza social e de interesse público. Ademais, é interesse do instituidor, que

abre mão de patrimônio pessoal para colocá-lo à disposição do social, que a

entidade criada permaneça sob o crivo permanente do Poder Público, para não se

desviar de seus propósitos. Por essas duas razões é que o ordenamento jurídico

atribui ao Ministério Público o dever de velar pelas fundações.

O legislador definiu a atribuição ministerial no tocante às fundações como

“velamento”, que deve ser compreendido como aconselhamento e fiscalização da

entidade.

A grande maioria das atribuições do Ministério Público é de órgão de

responsabilização daqueles que afrontaram o ordenamento jurídico. No tocante ao

velamento das fundações, porém, de forma diversa, aguarda o ordenamento jurídico

74

BRASIL. Congresso. Senado. Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN n. 2794 de 13 de janeiro de 2003. Julgou inconstitucional a parte dispositiva do § 1º do artigo 66, para declarar que a incumbência para velamento das fundações, quando situadas no Distrito Federal ou em Território, incumbirá ao Ministério Público do Distrito Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/senado/advocacia/pdf/ADI2794.pdf>. Acesso em 10/03/2011.

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108

que o Curador de Fundações, na medida do possível, se antecipe à ocorrência de

desvios de gestão, evitando com isso a necessidade de responsabilização. A

fiscalização é necessária, porém como atividade suplementar, para reparar os danos

causados à fundação e, consequentemente, à sociedade civil.

A atuação do órgão velador ocorre no bojo de processos judiciais, nos quais

o Ministério Público pode atuar como autor da lide ou como fiscal da lei. Mas a

atuação se estende também à via extraprocessual. Nesta, aliás, é vasto o campo de

atuação, podendo-se destacar, na linha do quanto apresentado na obra Fundações

Privadas – Doutrina e Prática, de autoria de Airton Grazzioli e Edson José Rafael:

- aprovação das minutas de escrituras públicas de instituição, ocasião em que deverá observar se estão atendidos a todos os requisitos legais e se os bens destinados aos fins são suficientes, fiscalizando o registro da fundação;

- aprovar as alterações estatutárias;

-apreciar as contas dos administradores, requisitando-as administrativamente ou requerendo-as judicialmente, quando não apresentadas;

- elaborar o estatuto se inexistir quem o fizer ou na inércia do incumbido a tanto;

- fiscalizar o funcionamento das entidades, visitando-as periodicamente, ocasião em que poderá analisar todos os documentos, sem restrição, inclusive os que envolverem sigilo bancário, como extratos de contas, livros contábeis, registros de empregados, etc;

- fiscalizar o funcionamento das entidades através da análise permanente de documentos enviados ou requisitados;

- fiscalizar a aplicação e utilização dos bens e recursos das entidades, podendo requisitar informações e relatórios dos dirigentes, sem qualquer restrição;

- examinar os balanços e as demonstrações de resultados;

- requisitar informações e documentos, inclusive aqueles protegidos por sigilo, o qual deve ser preservado;

- nomear os dirigentes quando a fundação é instituída por testamento, sem que o falecido tenha indicado pessoas de sua confiança;

- nomear dirigentes na hipótese da fundação revelar-se acéfala;

- atestar o regular funcionamento e a regularidade do mandato dos administradores, para o fim de recebimento de titulações e subvenções;

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109

- expedir recomendações à fundação, para a prática de determinados atos, sob pena de proposição de ação civil pública.

75

Importante asseverar, ainda, que o Ministério Público pode tomar quaisquer

outras medidas administrativas e judiciais que julgar necessárias para o exercício do

velamento.

75

GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. 2010. op. cit., p. 170-171.

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110

11 EXTINÇÃO

As fundações privadas são criadas para se perpetuar no tempo, salvo as

temporárias. Assim, muito embora o caráter de perpetuidade da entidade, é certo

que circunstâncias alheias à vontade do instituidor ou dos administradores podem

ocorrer, a exigir a extinção da pessoa jurídica.

Neste momento é que devem ser observadas as regras estatutárias a

respeito e o disposto na norma do artigo 69 do Código Civil. As primeiras, de

qualquer forma, não podem contrariar a segunda.

Define o artigo 69 que, “tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a

que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério

Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu

patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em

outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.”

Conclui-se, assim, que o Ministério Público ou qualquer interessado possui

legitimidade ativa para postular a extinção da fundação, mediante ação judicial. De

se reconhecer, no entanto, que também é possível a extinção da pessoa jurídica,

pela via administrativa, mediante a ação dos dirigentes, com o aval do Ministério

Público.

Esses eram os conceitos básicos que mereciam colocação para o

entendimento adequado do que significa o Terceiro Setor, onde se inserem as

fundações privadas e como estas se apresentam a partir das definições do

ordenamento jurídico. Com essa introdução é possível o enfrentamento de pontos

de interesse da administração, das relações de poder, dos deveres e a consequente

responsabilidade dos administradores da pessoa jurídica em estudo.

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111

PARTE III

12 ADMINISTRAÇÃO, PODER, DEVERES E RESPONSABILIDADE DOS

DIRIGENTES

12.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A administração superior das fundações em regra é uma estrutura

organizacional complexa, exigindo reflexão sobre a sua composição, as

competências dos seus órgãos de gestão, o exercício do poder e o caráter social,

este vinculado à natureza fundacional em que esses complexos administrativos

estão inseridos. Nesse ambiente de complexidade razoável, a atuação dos

conselhos, especialmente pelo exercício do colegiado e das relações de poder

compartilhado, é questão que merece reflexão, pois desemboca nas respectivas

responsabilidades dos detentores de parcela de poder, individual ou coletivo. O

poder, por sua vez, não é negativo nem positivo, apresentando relevância nas

formas de relações que se estabelecem, com positividade ou com negatividade. E

deve ser exercido, quando no contexto de um colegiado, junto à administração

superior das fundações, de forma involuntária da vontade de seus membros,

considerados individualmente.

A legitimidade das fundações privadas, assim como das associações de

interesse social, que formam o Terceiro Setor, é calcada principalmente na

importância do trabalho desenvolvido, extremamente salutar para a sociedade civil,

que necessita de suporte social, bem como porque o Estado não conseguiu e não

consegue, com a agilidade desejada, desempenhar alguns serviços essenciais.

Impulsionadas pela falta de agilidade nas funções administrativas

desempenhadas no âmbito da Administração Pública, as entidades que compõem o

Terceiro Setor surgiram como parceiras do Estado, no exercício de atividades que

buscam, em regra, a melhoria da qualidade de vida das pessoas em situação de

vulnerabilidade social.

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112

Como reflexo da administração pública gerencial, positivou-se a

aproximação do público e do privado, cujos resultados passaram a ser mais

considerados que os meros procedimentos administrativos. Isso exigiu o incremento

das atividades do Terceiro Setor e tornou relevantes os benefícios colocados à

disposição da sociedade.

A importância das atividades desenvolvidas pelo Terceiro Setor e, dentre

elas, as das fundações privadas, exige a observação atenta dos órgãos de

fiscalização, pois eventuais desvios comportamentais dos dirigentes das entidades

ensejarão prejuízos também relevantes para a sociedade. Nesse contexto,

importante a reflexão dos poderes dos administradores, pois, na medida em que se

revestem de relevância, trazem na mesma carga um rol de responsabilidades.

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113

13 ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR DAS FUNDAÇÕES

A administração superior das fundações privadas, assim como das demais

instituições que compõem o Terceiro Setor, tem sido objeto de reflexão dos

estudiosos da matéria, assim como do legislador.76

O Código Civil de 2002 deu atenção à administração das pessoas jurídicas e

não foi diferente em relação ao controle e à responsabilidade nas decisões dos

membros individuais e dos colegiados que compõem a administração superior das

fundações privadas. Nesse sentido Francisco de Assis Alves anota as adaptações

que as fundações deveriam promover em seus estatutos, de acordo com as novas

disposições do Código Civil de 2002:

a) O estatuto só poderá ser alterado por deliberação de 2/3 (dois terços) dos competentes para gerir e representar a fundação;

b) A reforma não poderá contrariar ou desvirtuar o fim da fundação;

c) A reforma deverá ser aprovada pelo órgão do MP e, se este a denegar, o Juiz poderá supri-la, a pedido do interessado;

d) Se a alteração não for aprovada por votação unânime, os

administradores da fundação, ao submeterem o estatuto ao órgão do MP,

requererão que se dê ciência à minoria vencida para impugná-la, se quiser,

em 10 dias (CC, artigo 67, incisos I a III). 77

Na mesma linha verificam-se os artigos 48 a 52 do Código Civil, que

ratificam a atenção do legislador à administração coletiva nas pessoas jurídicas,

dentre elas as fundações privadas.

76

DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 383 e José Eduardo Sabo Paes. 2010. op. cit., p. 395. 77

ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: LTR, 2000.

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114

A administração coletiva ganhou destaque na norma do artigo 48 do Código

Civil, ao estabelecer que, se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as

decisões serão tomadas por maioria dos votos dos presentes, salvo se o ato

constitutivo dispuser de maneira diferente.

O legislador deu importância de relevo ao estatuto, dando a ele o status de

regramento fundamental na orientação do que se deve ou se pode ou não se deve

ou não se pode fazer.

O estatuto social é de tal importância que é o instrumento que, após a

autorização do Ministério Público e registro, serve de nascedouro para a fundação,

fazendo-a adquirir personalidade jurídica.

Nesse sentido a orientação doutrinária de José Eduardo Sabo Paes:

O estatuto é a norma fundamental e norteadora da organização e do funcionamento da fundação. Seus preceitos apresentam a rigidez e a flexibilidade necessária para resguardar a instituição, seus fins e patrimônio da ação do tempo e da vontade de seus órgãos de administração.

78

Dentre as disposições estatutárias obrigatórias estabelecidas no artigo 120,

II da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos) e no

artigo 62 do Código Civil, encontra-se a necessidade de normas de administração

para o funcionamento da fundação, demonstrando a maneira de administrá-la e

estabelecendo os limites de seu relacionamento, interno e externo.

Mike Hudson anota que, “o termo estrutura institucional refere-se aos

arranjos estatutários que as organizações adotam para permitir que as várias partes

da entidade relacionem-se umas com as outras”79. Observa-se pela doutrina do

78

PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social, 7. ed. Rio de Janeiro. 2009. p. 332. 79

HUDSON, Mike. Administrando Organizações do Terceiro Setor. São Paulo: Makron Books, 1999. p. 36.

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115

autor que as fundações se organizam de forma linear, ou seja, elas têm uma

estrutura em linha reta onde o poder é exercido de “cima para baixo” e de maneira

formal, na qual os membros do Conselho Curador escolhem e nomeiam a

composição sucessória do mesmo colegiado, bem como de toda a estrutura inferior,

tais como os órgãos auxiliares, os integrantes do Conselho Fiscal e da Diretoria

Executiva. A Diretoria Executiva, por sua vez, em regra é quem escolhe e contrata o

pessoal técnico que se dedicará ao exercício das atividades administrativas e sociais

da entidade.

Os estatutos das fundações mostram que as suas estruturas administrativas

funcionam com grande semelhança. Elas são regidas por seus estatutos e outras

normas internas, que geralmente são editadas por deliberações da administração

superior. Isto ocorre porque todo estatuto social de fundação é previamente

aprovado pelo Ministério Público, bem como suas posteriores alterações. Há,

outrossim, entre os Ministérios Públicos dos Estados e da União, uma constante

comunicação, com a finalidade de uniformizar na medida do possível os

entendimentos dos Curadores de Fundações, sendo certo que esse debate ocorre

no seio das atividades da Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de

Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social – PROFIS80. Isso explica

porque em regra os estatutos das fundações apresentam um padrão praticamente

uniforme em todo o país.

Com a finalidade de alcançar as suas finalidades sociais estatutárias, as

fundações contam com uma estrutura interna que muito se assemelha à

organização do Estado. Com efeito, o órgão mais importante de uma fundação é o

seu Conselho Curador, algumas vezes também denominado de Conselho de

Administração ou Conselho Superior que, por suas competências, exercem funções

deliberativas, na interpretação da vontade dos instituidores. Também em sua grande

maioria, para o assessoramento do Conselho Curador, especialmente para o

controle interno das atividades executadas, existe o Conselho Fiscal, com a

incumbência de acompanhar os atos de gestão da fundação e assessorar o

80

Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social – PROFIS. Disponível em: <http://www.profis.org.br>.

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116

Conselho Curador. A Diretoria Executiva, por seu turno, é responsável pela

administração da fundação e execução de suas funções estatutárias. Esses órgãos

fazem parte da administração superior da fundação e são imprescindíveis para o seu

funcionamento.

Na mesma linha de raciocínio é o entendimento de Francisco de Assis Alves:

“é a administração da fundação que instrumentalizará o alcance das finalidades

impostas pelo instituidor no ato de sua criação” 81.

A fundação exercerá a gestão por intermédio dos seus órgãos internos e

estes não se confundem com as pessoas que ocupam as funções previstas

estatutariamente. Nesse sentido Tomaz de Aquino Resende argumenta:

(...) é necessário estabelecer que órgão da administração não se confunde com indivíduos que, eventualmente, decidem e praticam atos jurídicos representando a fundação. A sucessão dos titulares não afeta a identidade do órgão, o qual existe nos estatutos ou nos atos de instituição, atribuindo competências e regulando atribuições, poderes e deveres.

82

Ou nas palavras de Gustavo Saad Diniz:

(...) não são os administradores que agem pela fundação, mas é a fundação que age através deles. Complementa ainda o autor que os poderes administrativos têm por limite a vontade do instituidor, fixada no negócio jurídico institucional, que designa o fim da fundação e determina os bens que serão empregados para a consecução daquele fim. E ainda que, externamente, a definição de uma administração permite a segurança jurídica nas relações com terceiros e, na ordem interna corporis, a administração da fundação tem importância para a definição dos poderes administrativos e gerenciais.

83

Com competências e atribuições claramente fixadas, referidos órgãos que

compõem a administração superior das fundações têm como missão o atendimento

das finalidades sociais da pessoa jurídica e uma administração ilibada, visando

81

ALVES, Francisco de Assis. 2000. op. cit., p.71. 82

RESENDE, Tomaz de Aquino. 2006. op. cit., p. 43. 83

DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 308.

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117

preservar e dentro do possível incrementar o patrimônio. Os órgãos da fundação, na

linha de raciocínio que vem sendo apresentada são definidos por Marcello Caetano,

citado por José Eduardo Sabo Paes da seguinte maneira:

Órgão é definido como um centro institucionalizado de poderes funcionais a ser exercido por um indivíduo ou por um colégio de indivíduos que nele sejam promovidos, com o objetivo de exprimir a vontade juridicamente imputável à pessoa coletiva de que faz parte.

84

O mesmo autor acrescenta que:

Portanto, a fundação, uma vez constituída, assenta seus alicerces no ato de vontade de seu instituidor exarado no estatuto, que deve ser respeitado. É esse respeito que condiciona a sua atuação e a do Estado. Por isso, os órgãos fundacionais servem, não ditam o que se há de fazer [...] o que se há de fazer já foi estabelecido em normas estatutárias.

85

13.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO DAS

FUNDAÇÕES

Como anotado à exaustão, fundação é um patrimônio que recebe

personalidade jurídica para dedicar-se a uma finalidade social. Nesse sentido se

para alguns é um patrimônio sem dono, para outros é um patrimônio que pertence à

sociedade, ou seja, pertence a todos. Por essa razão se afirma que há interesse

público inserto nas atividades desenvolvidas pelas fundações.

E sendo um patrimônio dessa envergadura, ou melhor, com esse matiz de

interesse, sendo administrado por terceiros, em nome da fundação e no atendimento

dos interesses da coletividade, deve ser manejado com absoluta retidão e

transparência, visando ao melhor proveito social.

84

Marcello Caetano Apud José Eduardo de Sabo Paes. Op. cit., p. 397 85

Pontes de Miranda Apud José Eduardo de Sabo Paes. Op. cit., p. 396

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118

Por suas características é imperioso afirmar que a administração da

entidade está sujeita aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade, economicidade e da eficiência, dispostos no artigo 37 da CF e no artigo

4º, inciso I, da Lei n. 9.790/99.

Esse posicionamento, aliás, de doutrinadores de grande quilate do Terceiro

Setor, dentre eles Gustavo Saad Diniz e Francisco de Assis Alves.86

13.1.1 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade é relevante nas relações jurídicas das fundações

privadas e encontra previsão constitucional no artigo 5º, inciso II, fornecendo o

comando de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em

virtude de lei.

Precisos são os ensinamentos de Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano

Nunes Júnior:

Com isso, a mensagem constitucional foi clara: os comandos de proibição (deixar de fazer) e de obrigação (fazer) só podem ser veiculados por meio de uma lei. À falta desta, o comportamento está permitido. Convém destacar, no entanto, que a lei pode adquirir a forma permissiva, vale dizer, exteriorizando uma faculdade ao indivíduo. Logo, a permissão é o único comando que pode derivar tanto de uma lei como da ausência desta.

87

Ainda segundos os ensinamentos dos mesmos autores, o princípio da

legalidade, além de garantia individual, é também uma garantia institucional de

estabilidade das relações jurídicas, na medida que as leis, em regra, dão amparo de

forma mais duradoura as relações jurídicas em que se fundamentam às relações

humanas.

86

ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: LTR, 2000. p. 287; DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 400. 87

ARAÚJO; Luiz Alberto David; JÚNIOR,Vidal Serrano Nunes. 2008. op. cit., p. 135.

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119

13.1.2. Princípio da impessoalidade

O princípio da impessoalidade também incide nas práticas dos

administradores das fundações e reside na exigência de que a administração seja

colocada em prática nos limites do interesse da pessoa jurídica e não de seus

administradores. O interesse da fundação é o social. Não se admite conduta

tendente a beneficiar o administrador, como por exemplo o exercício da atividade

social em benefício do próprio ou de um grupo determinado de pessoas ao seu

alvedrio, ou a distribuição direta ou indireta de patrimônio ou mesmo pela obtenção

de qualquer vantagem direta ou indireta. O que se permite ao dirigente é o mero

ressarcimento das despesas necessárias para o exercício de suas atribuições

estatutárias.

13.1.3. Princípio da publicidade

A obediência ao princípio da publicidade também se exige dos

administradores das fundações. Mais que uma obrigação legal é uma necessidade

das entidades do Terceiro Setor, para garantir o prestígio que conquistaram na

sociedade. Sendo a fundação um patrimônio social, possuem legitimidade para

conhecer as suas atividades não só os órgãos de velamento e fiscalização, mas

também os usuários, os beneficiados de alguma forma com a atividade e a

sociedade civil. Por essa razão a prestação de contas social deve adquirir contornos

de publicidade. O balanço social, nesse contexto, é um instrumento relevante para

tornar públicas as atividades sociais desenvolvidas pelas fundações privadas.

Atualmente, aliás, a sociedade civil está bastante comprometida com a fiscalização

das contas públicas e das atividades das entidades do Terceiro Setor. Isto é salutar

especialmente às entidades, pois se garante a elas a legitimidade para agir em

nome da sociedade civil.

Não se defende que as fundações precisem disponibilizar ao público

detalhes de sua condição financeira, remuneração de seus empregados, ou outros

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120

detalhes da gestão. Esses dados devem ser colocados à disposição dos órgãos

públicos de fiscalização, como o Ministério Público, os Tribunais de Contas no

tocante aos recursos públicos recebidos, à Receita Federal, etc. Ao público deve ser

garantido o conhecimento de tudo que seja relevante para que possa a sociedade

aferir que o patrimônio está de fato sendo gerenciado em benefício exclusivo do

social.

13.1.4. Princípio da moralidade

O princípio da moralidade, por sua vez, possui contornos de vagueza

superior a todos os demais. Mas para sua obediência, o administrador há de ser

ético, ou seja, deve observar os princípios morais e, nesse contexto, deve tratar do

patrimônio da fundação, por ser alheio e de domínio de todos, com zelo maior do

que se fosse próprio.

Interessante e percuriente o ensinamento de Gustavo Saad Diniz a respeito:

“projeta-se o princípio da moralidade sobre todos os anteriores, por se tratar do

liame ético e em direção ao Direito, pautando a conduta administrativa” 88.

13.1.5. Princípios da economicidade e da eficiência

Os princípios da economicidade e da eficiência, bastante próximos, também

devem estar embutidos na gestão dos administradores. A gestão deve ser

econômica com a finalidade de garantir o maior proveito social do patrimônio da

fundação. Os gastos devem ser destinados exclusivamente ao custeio das

atividades econômicas e sociais da entidade, de acordo com o padrão da fundação.

A gestão há de ser também eficiente, para aplicação responsável dos recursos

financeiros, focando-se nas atividades econômicas e sociais.

88

DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 402.

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121

O direito contemporâneo exige o cumprimento dos princípios com maior rigor

do que as regras que lhe são de poder hierárquico inferior. E não é diferente na

administração das fundações. Por essa razão, quando se afirma que o dirigente

fundacional deve se ater, dentre outras normas regulatórias, aos ditames da lei e do

estatuto, nesse contexto está embutida por evidente a obediência irrestrita aos

princípios, com atenção especialíssima. O descumprimento, por seu turno, implica

em responsabilidade.

13.2. DIRIGENTES

A estrutura basilar de uma fundação privada, como anotado anteriormente, é

composta de uma administração superior e uma estrutura executora da gestão. A

administração superior, por sua vez, é preenchida, em regra, por um Conselho

Curador, um Conselho Fiscal e uma Diretoria Executiva. Os três órgãos internos

darão a diretriz institucional da entidade e executarão o quanto proposto, de acordo

com os ditames estatutários. A estrutura executora da gestão em regra é composta

de superintendentes, gerentes, agentes administrativos e pessoal incumbido das

atividades de cunho econômico e social.

Administradores ou dirigentes, que para o presente trabalho são termos

sinônimos, são as pessoas que integram a administração superior da fundação, ou

seja: Presidente do Conselho Curador, Conselheiros integrantes do Conselho

Curador, Presidente do Conselho Fiscal, Conselheiros integrantes do Conselho

Fiscal e Diretoria Executiva. Esta, em regra, composta de um Diretor-Presidente, um

Diretor-Financeiro e um Diretor-Administrativo.

Os cargos declinados são os que respondem pela gestão, direta ou

indiretamente. A Diretoria Executiva responde diretamente, pois é responsável e

está no comando da execução direta da gestão. Os integrantes do Conselho

Curador e do Conselho Fiscal, diferentemente, respondem indiretamente, uma vez

que não executam a gestão, mas orientam e decidem como ela deve ser executava

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e possuem o dever de fiscalizar o cumprimento fiel das diretrizes superiores, em

obediência à lei e ao estatuto social. Todos, porém, individual ou coletivamente,

podem ser responsabilizados pelos atos de gestão, por ação ou omissão.

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123

14 O EXERCÍCIO NO PODER NO AMBITO DAS FUNDAÇÕES

Como será abordado na sequência, o poder é exercido de acordo com as

definições e os comandos autorizativos constantes do Estatuto Social. O poder será

maior ou menor de acordo com a amplitude das atribuições definidas no regramento

interno. À medida que o poder se amplia, na mesma proporção aumenta a

responsabilidade dos dirigentes.

E para Maria Cristina Sanches Amorim e Regina Helena Martins Peres, o

poder é um recurso presente nas entidades e é de maneira distinta, em duas

correntes na literatura política:

(...) aqueles que o definem como categoria social negativa, e os que enxergam como positividade. O senso comum apreende o poder apenas em sua negatividade. Essa visão de mundo origina-se no pensamento liberal.

89

Da visão liberal de Friedrich Hayek, o poder é considerado negativo, pois

engloba tanto a coerção como a submissão, o que enseja para a pessoa a perda da

liberdade, e para o grupo, a possibilidade da corrupção.

De acordo com o mesmo autor:

Devemos acrescentar agora que a “substituição do poder econômico pelo político”, tão demandada hoje em dia, significa necessariamente a substituição de um poder sempre limitado por um outro ao qual ninguém pode escapar. Embora possa construir um instrumento de coerção, o chamado poder econômico nunca se torna, nas mãos de particulares, um poder exclusivo ou completo, jamais se converte em poder sobre todos os aspectos da vida de outrem. No entanto, centralizado como instrumento do poder político, cria um grau de dependência que mal se distingue da

escravidão.90

89

SANCHES, Maria Cristina Amorim; PERES, Regina Helena Martins. Poder e Liderança, as Contribuições de Maquiavel, Gramsci, Hayek e Foucault. XXXI EnANPAD. Rio de Janeiro, 2007. p.6. 90

HAYEK, Friedrich. O Caminho para a Servidão. Portugal. ed. 70. 1994. p. 142.

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124

Com fundamento nas reflexões e ensinamentos de Nicolau Maquiavel, há os

que vêem o poder como positividade, percebendo-o como um instrumento

imprescindível para a implementação ou continuidade de um projeto. E para

Maquiavel, a maneira como se exercita o poder, distingue o governante político do

governante tirano. Sustenta o autor que:

Eles se fazem notar por certas qualidades que lhes acarretam reprovação ou louvor. Ou seja, um é considerado liberal e outro miserável (mísero, para usar o termo toscano, porque “avaro” em língua toscana significa a pessoa que deseja possuir por rapacidade, enquanto “mísero” é aquele que se abstém exageradamente de usar o que é seu); um é considerado pródigo e outro ganancioso; um cruel e outro piedoso; um falso e outro fiel; um efeminado e pusilânime e outro feroz e corajoso; um modesto e outro soberbo; um lascivo e outro casto; um íntegro e outro astuto; um duro e outro maleável; um ponderado e outro leviano; um religioso e outro incrédulo, e assim por diante. Sei que vão dizer que seria muito louvável que um príncipe, dentre todas as qualidades acima, possuísse as consideradas boas. Não sendo, porém, inteiramente possível, devido às próprias condições humanas que não o permitem, ele necessita ser suficientemente prudente para evitar a infâmia daqueles vícios que lhe tirariam o poder e guardar-se, na medida do possível, daqueles que lhe fariam perdê-lo; se não o conseguir, entretanto, poderá, sem grande preocupação, deixar estar.

91

Ainda na mesma linha, ou seja, vinculado à corrente dos pensadores que

vêem o poder também no campo da positividade, encontramos Michel Foucault,

filósofo francês da segunda metade do século XX, que reconhece que o poder se faz

presente não apenas pela repressão, submissão e domínio, mas se aperfeiçoa por

meio da disciplina, das estratégias, da eficácia produtiva e da formação de

identidade, ou seja, muito mais amplo que os aspectos negativos, apresenta

positividade evidente.

Esses, aliás, os argumentos de Foucault:

Quando se definem os efeitos do poder pela repressão, tem-se uma concepção puramente jurídica deste mesmo poder; identifica-se o poder a uma lei que diz não. O fundamental seria a força da proibição. Ora creio ser esta uma noção negativa, estreita e esquelética do poder que curiosamente todo mundo aceitou. Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido? O que

91

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes. 2010. p. 76.

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125

faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social

muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir. 92

Encontra-se ainda como pertencente ao grupo daqueles que defendem a

positividade do poder, Antonio Gramsci, pensador comunista da primeira metade do

século XX. Com efeito, sob forte influência dos ensinamentos de Maquiavel, Gramsci

acreditava na sistematização das metas e das estratégias como comportamento ao

alcance de objetivos concretos para consecução de um projeto. Para ele o primeiro

elemento da política é que existem governantes e governados, dirigidos e dirigentes,

realidade esta que norteia o poder e que torne necessária a devida atenção para as

relações existentes.

Com essa visão Gramsci anota:

A partir disso, é preciso ver como (estabelecidos certos objetivos) dirigir do modo mais eficaz e, portanto, como preparar da melhor maneira possível os dirigentes (esta é, precisamente, a primeira parte da ciência e da arte da política). Por outro lado, é preciso distinguir as linhas de menor resistência, ou linhas racionais, para obter a obediência de dirigidos e governados.

93

Nesse sentido, o autor defende que a disciplina não anula a liberdade e a

personalidade, que, na verdade, é a origem do poder que a determina. Dessa forma,

Gramsci pondera:

Como compreender a disciplina se, por esta palavra, se entende uma relação contínua e permanente entre governados e governantes que realiza uma vontade coletiva? Certamente, não como aceitação passiva e servil de ordens, como execução mecânica de instruções (o que será, no entanto, necessário em determinadas ocasiões, como, por exemplo, no meio de uma ação já decidida e iniciada), mas como uma assimilação consciente e lúcida da diretiva a ser realizada. A disciplina, portanto, não anula a personalidade no sentido orgânico, ela apenas limita o arbítrio e a impulsividade irresponsáveis, para não falar da fátua vaidade de sobressair.

94

92

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2011. p. 7-8. 93

GRAMSCI, Antonio. Poder, Política e Partido. São Paulo: Expressão Popular. 1992. p. 15. 94

Ibid., p. 143.

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126

Pode-se constatar que a objetividade de Gramsci, ao tratar das relações de

poder nas diversas esferas hierárquicas (governantes e governados), guarda relação

com o controle, como condição de poder, defendido por Foucault no alcance de um

objetivo maior.

Desse modo, Gramsci ressalta:

Convicção cada dia mais enraizada, de que não menos que as iniciativas, tem importância o controle para que elas se realizem, para que meios e fins coincidam perfeitamente (coincidência que não deve ser entendida materialmente). Convicção de que só se pode falar de querer um fim quando se sabe predispor com exatidão, acuidade, meticulosidade os meios adequados, suficientes e necessários (nem mais, nem menos; nem para cá nem para lá do objetivo). Convicção também enraizada de que, na medida em que as ideias caminham e se realizam historicamente com os homens de boa vontade, o estudo dos homens, a escolha deles, o controle de suas ações são tão necessários quanto o estudo das ideias etc. Por isso, qualquer distinção entre dirigir e organizar (e no organizar inclui-se o “verificar ou controlar”) indica um desvio e frequentemente uma traição.

95

Na perspectiva das relações de poder nas fundações privadas, que não é

diferente da estrutura de poder das empresas ou mesmo da administração pública,

questiona-se se o resultado estatutário não é uma prioridade, mas uma condição de

funcionamento da entidade, para que atinja os seus fins, quais as relações de poder

que se estabelecem em seu interior. Deve-se considerar, então, que os

responsáveis pelas transformações nas relações de poder nessas organizações, são

aqueles que estão na base de sustentação política da entidade e não aqueles que

efetivamente estão na execução da gestão. O exercício do poder, portanto, nem

sempre é aparente, podendo estar incrustado no âmago da entidade. Mas, se as

relações entre as pessoas que na aparência executam a gestão e os titulares do

efetivo poder forem frágeis, menos democracia e comprometimento haverá nas

relações existentes.

Não se pode negar, entretanto, que o exercício efetivo do poder, legitimado

ou imposto, é baseado em última análise na autoridade e na coerção. E o exercício

95

GRAMSCI, Antonio. 1993. op. cit., p. 145.

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127

dessa vontade, especialmente pelo caráter subjetivo que encerra, deve vir

acompanhado da respectiva e proporcional carga de responsabilidade. Em outras

palavras, quanto maior o poder exercido, maior a responsabilidade em face das

práticas comissivas e omissivas adotadas.

Por essa razão é que o poder se contrapõe à responsabilidade e vice-versa.

O exercício do poder nas fundações, com efeito, não é diferente do poder

existente nas outras estruturas corporativas ou governamentais, com a

especificidade de que a estrutura nas instituições sem fins lucrativos e

especialmente nas entidades fundacionais privadas, é linear, de maneira que a

hierarquia é realidade de “cima para baixo”, como já anotado.

E se o poder é exercido de cima para baixo, nada mais natural que a

responsabilidade também venha no mesmo sentido. Em outras palavras, quanto

mais poder exercer determinada pessoa na seara de uma fundação, maior o grau de

responsabilidade.

Nesse contexto, os integrantes do Conselho Curador, na medida em que

encerram a maior parcela de poder na fundação, são os maiores responsáveis pelos

erros cometidos na gestão e como tal devem ser responsabilizados. O Conselho

Fiscal, por sua vez, como órgão de assessoramento do Conselho Curador,

apresenta responsabilidade compatível com o grau limitado de poder exercido. A

Diretoria Executiva, enquanto incumbida de executar a gestão, sob os auspícios do

Conselho Curador, também apresenta alto grau de responsabilidade. E sendo um

poder compartilhado, por evidente que a responsabilidade é solidária.

14.1 PODER INDIVIDUAL E PODER COMPARTILHADO

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128

Observa-se, também, que, enquanto os órgãos da administração da

fundação devem exercer as finalidades estabelecidas no estatuto social, contam

com o poder-dever de exercê-las com bom senso e conveniência, ou seja, devem

afastar-se de qualquer prática ou omissão que importe em reconhecimento de

gestão temerária.

Nesse sentido, José Eduardo Sabo Paes citando Marcelo Caetano, ressalta

que os órgãos têm de:

(...) manifestar uma vontade fundacional, exprimindo aquilo que deve ser querido para que se cumpram as suas atribuições. E na manifestação dessa vontade terão de frequentemente optar entre várias resoluções possíveis dentro de um âmbito de latíssima discricionariedade. É então que os titulares respectivos terão de, para além da letra das normas estatutárias, procurar o critério orientador. Onde encontrá-lo? Na vontade, expressa ou presumida, do instituidor, tal como ela se formou no ato da instituição? Ou no fim que foi assinado a obra?

A primeira vista, afigurar-se-á pequena a diferença entre as duas hipóteses, pois que o fim é o que essencialmente interessa na vontade do instituidor. Mas não é assim. A formulação desse fim pode ser rodeada de elementos circunstanciais que lhe dêem o tom do momento da manifestação da vontade, e este em geral reflete aspectos subjetivos que a particularizam. Se o que se tem principalmente em vista é a vontade do instituidor pode ser conduzido à rigidez na administração, imobilizada ou tolhida por uma verdadeira mão morta.

Ao contrário, se se considerar, sobretudo, a realização do fim proposto pelo instituidor e que passou a ser a alma da fundação, então pode admitir-se que os órgãos desta tenham os poderes suficientes à realização permanente desse escopo, fazendo evoluir a obra de harmonia com as circunstâncias que se vão sucedendo na vida dela.

96

Muito embora a grande maioria das fundações privadas tenha na sua

estrutura organizacional o Conselho Curador, a Diretoria Executiva e o Conselho

Fiscal, elas podem contar com outros órgãos em sua ambiência. De acordo com o

interesse e particularidade de cada fundação, poderão ser criados tantos conselhos,

órgãos, comitês, superintendências, quantos forem necessários, com a finalidade de

aconselhamento ao Conselho Curador, à Diretoria Executiva, ao Conselho Fiscal ou

execução da gestão.

96

CAETANO, Marcello Apud PAES, José Eduardo de Sabo. 1961. op. cit., p. 398.

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129

O poder, no entanto, pode e deve ser partilhado. O estatuto social pode

definir que, determinadas decisões, pelo grau de importância que apresentem,

sejam tomadas coletivamente. É uma forma de partilha do poder e,

consequentemente, da responsabilidade.

Nesse sentido, Flavia Regina de Souza Oliveira ressalta que:

O estatuto poderá prever hipóteses em que a diretoria atue como órgão colegiado, mediante a decisão conjunta, por decisão da maioria, em reunião de diretoria. Nesse caso, a responsabilidade deverá ser imputada ao órgão, caso a manifestação de vontade seja unilateral, do próprio órgão. Consequentemente, os seus membros estão coletivamente vinculados aos efeitos de suas decisões, desde que, dela tenham participado [...]. Aqueles que expressamente discordarem da vontade da maioria - vontade unilateral do órgão - e fizerem consignar em ata tal divergência, não poderão ser responsabilizados pela vontade da maioria.

97

Conforme a mesma autora, o Conselho Superior não é responsável pelas

decisões dos diretores ou da Diretoria, salvo se por conivência ou omissão no dever

de fiscalizar. Nos Conselhos Curador e Fiscal, os membros têm responsabilidade

colegiada, pois, o processo decisório desses órgãos é obrigatoriamente coletivo.

Dessa forma, aquele que discordar da vontade da maioria deverá consignar sua

divergência para isentar-se das consequências daquela decisão coletiva. Convém

lembrar, ainda, que o Conselho Curador das fundações é o órgão soberano que tem

por atribuição estatutária zelar pelos princípios institucionais, traçar as metas e

diretrizes da fundação e supervisionar as atividades executivas da diretoria e da

administração dessas instituições. Deve-se considerar que as deliberações desse

colegiado são calçadas com fundamento em fatos e atos constantes de relatórios,

documentos e informações, recebidas do Conselho Fiscal e da Diretoria Executiva.

“Assim, se os atos praticados pela diretoria não chegarem ao conhecimento formal

do conselho, esse não poderá ser responsabilizado, pois agiu nos limites de sua

competência, de maneira diligente” 98. Salvo se os integrantes do Conselho tivessem

por obrigação conhecer as irregularidades.

97

OLIVEIRA, Flavia Regina de Souza. Terceiro Setor – Temas Polêmicos. vol. 2. org. Eduardo Szazi. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 75. 98

OLIVEIRA, Flavia Regina de Souza. 2005. op. cit. p.76.

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130

Nessa linha de raciocínio, Hudson assevera que o Conselho Curador:

Têm a responsabilidade total pelo governo da organização. São responsáveis pela determinação da missão e objetivos, pela aprovação da estratégia e pelo monitoramento do desempenho versus os planos acordados. Precisam estar atentos para as mudanças externas do ambiente, assegurando que a organização esteja direcionada para reagir a novas circunstâncias [...]. Resolver conflitos dentro da organização [...]. Como essas organizações são alianças de pessoas com interesses variados, tais como usuários, financiadores, funcionários e voluntários, o conselho precisa julgar diferentes informações apresentadas à organização.

99

O exercício do poder será, portanto, individual quando inserido no contexto

de uma atribuição cuja deliberação deverá ser tomada considerando a vontade

individual de uma pessoa. Entretanto, para as hipóteses estatutárias de previsão de

tomada de decisão coletiva, o poder será compartilhado. A decisão, neste caso, será

fruto da manifestação de vontade da maioria.

14.2 PODER VITALÍCIO E PODER TEMPORÁRIO

Por ser a fundação um patrimônio personificado com finalidade social, ela

não pertence ao instituidor e nem aos seus dirigentes. Em verdade toda fundação

privada pertence à sociedade em seu conceito amplo. Nesse contexto não é salutar

a previsão estatutária de cargos vitalícios, muito embora não haja proibição legal

expressa. O Ministério Público, porém, como órgão público velador das fundações,

que necessariamente autoriza administrativamente a constituição da entidade e, via

de consequência, seu primeiro estatuto social, bem como eventuais alterações

posteriores, conta com política institucional de desestimular a previsão de cargos

vitalícios, salvo para o instituidor e seus familiares próximos por uma ou duas

gerações e, mesmo assim, naquelas hipóteses em que este carreia para a fundação

patrimônio muito significativo.

99

HUDSON, Mike. 1999. op. cit., p. 24.

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131

Por essa razão é que, em regra, o poder deve ser exercido

temporariamente, pelo tempo definido estatutariamente. Os lapsos temporais

estabelecidos nos estatutos são nominados de mandatos. Em regra são definidos

por períodos de dois, três ou quatro anos, podendo ser renovados por um ou mais

períodos.

A experiência, em verdade, tem mostrado que o poder vitalício em regra não

é construtivo nas fundações, revelando-se o rodízio entre os dirigentes muito mais

proveitoso para os interesses da sociedade. Mesmo porque estes não administram

patrimônio próprio, mas sim bens e interesses da sociedade civil.

Porém, mesmo na hipótese de cargos vitalícios, isso não implica dizer que

os seus titulares não possam ser afastados e/ou excluídos da fundação, caso

incorram em desvio comportamental. O afastamento e a exclusão podem ser

decretados administrativamente pelo próprio Conselho Curador ou judicialmente,

mediante ação própria, que pode ser proposta pelo Ministério Público, pela

Fundação ou por qualquer interessado, na defesa do patrimônio social.

O afastamento provisório ou a exclusão podem ocorrer quando algum

dirigente, seja integrante do Conselho Curador, do Conselho Fiscal ou da Diretoria

Executiva, praticar ato danoso com culpa ou dolo, mediante ação ou omissão, ou

violar a lei ou o estatuto social, ou mesmo por má gestão ou prática de ato

atentatório à dignidade e probidade da fundação.

O poder, portanto, mesmo dos titulares de cargos vitalícios, não é absoluto,

mas relativo, porquanto possui prevalência, sempre, o interesse social, em

detrimento do interesse dos particulares que compõem o quadro de dirigentes.

Nesse sentido, a orientação jurisprudencial do STJ:

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FUNDAÇÃO. Curadores. Ação de destituição. Ministério Público. Legitimidade.

O MP tem legitimidade para propor ação de destituição de curador de fundação, no desempenho do seu dever de velar pelas fundações.

O artigo 26 do Código Civil não foi revogado pelo CPC de 1939 e está em vigor. A destituição, porém, não pode ser em caráter “definitivo”, como pena perpétua do exercício de direito civil. Cerceamento de defesa inexistente. Recurso conhecido em parte, e nessa parte provido. (Recurso Especial nº 162114-SP, Min. Rel. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, 26/10/1998)

14.3 ASSUNÇÃO DOS CARGOS E INÍCIO DO EXERCÍCIO DO PODER

Normalmente e se de forma diversa não estabelecer o estatuto social, os

membros dos conselhos e da diretoria são investidos nos seus cargos, após a

nomeação do Conselho Curador, em reunião formal designada para tal finalidade e

assinatura de termo de posse. A ata necessita ser registrada perante o Cartório de

Registro de Pessoas Jurídicas, onde adquire contornos de publicidade.

O termo de posse ou qualquer outro ato de manifestação de vontade que

defina o estatuto social é condição para o início do exercício do cargo e,

consequentemente, do poder. Referida manifestação de vontade do eleito é de

relevância superlativa, pois é a partir desse momento que o empossado passa a ter

poderes e obrigações inerentes às atribuições do cargo e por estes ser cobrado,

gerando a pertinente responsabilidade.

É condição para a nomeação e assunção de cargos de dirigentes, seja nos

Conselhos, seja na Diretoria Executiva, que o escolhido seja civilmente capaz para

praticar os atos da vida civil, isto é, que tenha 18 anos e higidez mental.

14.4 EXERCÍCIO DO PODER POR TERCEIROS NOMEADOS PELOS

DIRIGENTES

Quanto à possibilidade do exercício dos cargos ser praticado por terceiros,

mediante procuração, ensina José Eduardo Sabo Paes que as atribuições nas

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133

fundações são de natureza pessoal, intransferível e indelegável. O autor argumenta

que:

Não se admite, por exemplo, que os integrantes do conselho curador se façam representar em suas reuniões ou atos, por procuração, ou que os empregados de uma entidade civil executem e decidam tudo por delegação do presidente ou do(s) diretor(es) da entidade.

100

Com o mais absoluto respeito à doutrina de José Eduardo Sabo Paes, ousa-

se dela em parte divergir, para sustentar o posicionamento de que a atuação nos

órgãos das fundações não é personalíssima por decorrência de lei. Muito embora o

estatuto social possa e, em verdade, deva prever expressamente que o exercício da

alta administração da entidade deve ser exercido de maneira personalíssima.

A nomeação de procurador deve se reservar aos atos comezinhos de gestão

e não às decisões de relevância na fundação.

Sustenta-se, nesse contexto, que não há norma expressa no ordenamento

jurídico, vedando o uso de procuração. E em obediência à regra de que as pessoas

privadas podem fazer tudo aquilo que a lei expressamente não proíbe, forçoso

concluir que, à míngua de vedação legal, é possível a outorga de procuração para a

prática de atos dos administradores das fundações.

Não se nega, porém, que é de bom alvitre a existência de regramento no

estatuto social vedando a possibilidade de exercício de cargos da fundação,

especialmente de Conselheiros, mediante instrumento de mandato, dando às

funções o status de atos personalíssimos. Não por vedação legal, mas sim por

vedação estatutária.

14.5 EXERCÍCIO DO PODER PELOS DIRIGENTES DE FORMA REMUNERADA

OU VOLUNTÁRIA

100

PAES, José Eduardo Sabo. 2010. op. cit., p. 396.

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134

A ordem legal não define a forma como os administradores devem gerir as

fundações, se de maneira remunerada ou gratuita. Tratando-se de pessoa jurídica

de direito privado, ela é regulada pelo direito privado, muito embora a incidência de

algumas regras jurídicas de direito público. O direito privado, por sua vez, como já

salientado, confere ao particular a liberdade de fazer tudo quanto não proibido

expressamente. Assim sendo, se o ordenamento jurídico não impõe uma regra a

respeito, os dirigentes podem ou não ser remunerados.

O estatuto social, portanto, é o que definirá se o administrador poderá ou

não ser remunerado pelas funções de comando da entidade.

A implicação, porém, ocorre de maneira indireta, pois se a fundação optar

por um regramento interno que permita a remuneração dos dirigentes, não poderá

ser beneficiada com imunidade e isenção tributárias.

Avançando a reflexão, constata-se no cenário das fundações privadas que a

grande maioria dos membros que integram os Conselhos e a Diretoria Executiva

dedicam-se às entidades de forma voluntária, ou seja, sem remuneração ou

qualquer outra contrapartida financeira, mesmo conscientes de suas

responsabilidades.

14.6 EXERCÍCIO DO PODER PARA EXERCITAR A VONTADE DA FUNDAÇÃO E

NÃO DOS DIRIGENTES, SOB PENA DE RESPONSABILIDADE

A voluntariedade é a regra nas administrações superiores das fundações.

Isto, porém, não implica em liberdade ao dirigente de pautar a administração da

fundação, para aquém ou além dos parâmetros definidos na lei e no estatuto social.

O dirigente voluntário deve agir em nome da fundação, atendendo aos interesses

desta tão somente.

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135

Dessa forma, Eudosia Acuna Quinteiro pondera:

(...) os objetivos do voluntário, com relação ao que pretende realizar na entidade, devem estar definidos com muita clareza, para que as ações pretendidas em comum fiquem bem entendidas, coerentes, evitando conflitos desnecessários na participação do voluntariado e, principalmente, com atenção aos possíveis prejuízos à instituição.

101

Importante anotar, nesse contexto, que o dirigente não pode pretender

imprimir sua marca pessoal na gestão da entidade. Seu compromisso deve ser com

a lei, com o estatuto social, com os interesses da fundação e com a ética,

priorizando na medida do possível a continuidade dos projetos sociais. A existência

de mandatos para os dirigentes não implica o reconhecimento de que poderá

ocorrer, no âmago da fundação, descontinuidade na política institucional interna.

A esse respeito José Eduardo Sabo Paes anota:

Ética é um princípio para nortear ações valiosas e uma conduta correta, pois ela é mediadora do convívio social e deve ser aplicada não só à situação da vida humana, mas também o exercício da atividade fundacional e associativa, uma vez que, sabidamente, essas entidades procuram com sua ação dar um novo significado de sentido às pessoas e ao próprio mundo em que vivem.

A ética deve estar sempre presente, tanto na ação da pessoa jurídica fundacional e associativa como no comportamento de seus administradores, existindo, portanto, princípios que norteiam toda a atividade fundacional, entre os quais enumeramos três:

1. destinar efetivamente o patrimônio e as suas rendas ao cumprimento dos fins essenciais;

2. tornar públicas suas ações, dando a todos, informações suficientes sobre seus fins e suas atividades;

3. atuar com critérios de imparcialidade e não discriminação na determinação de seus beneficiários.

102

A responsabilidade dos administradores das fundações, portanto, conforme

será esmiuçado adiante, não se limita apenas às ações administrativas, mas

também às consequências civis e criminais em virtude da violação comissiva ou

101

QUINTEIRO, Eudosia Acuna. Um Sensível Olhar Sobre o Terceiro Setor. São Paulo: Summus, 2006. p.213. 102

PAES, José Eduardo Sabo. 2010. op. cit., p. 445-446.

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136

omissiva de deveres e de limites legais, ou seja, por imprimir uma conduta pautada

por interesses que não são os da fundação, mas sim dos dirigentes ou de terceiros.

A respeito Gustavo Saad Diniz ensina:

Entretanto é imprescindível analisar com detida profundidade, a questão da responsabilidade dos administradores pelos atos e negócios praticados no exercício administrativo da fundação privada. A importância ressalta, primeiro, de argumentos sociológicos. As relações humanas são passíveis de atos de improbidade, sobretudo as que envolvem capital, mas principalmente as que se referem a uma massa patrimonial vulgarmente tida como “sem dono”. Por segundo argumento, é importante frisar que os atos da administração podem ser praticados com exorbitância dos estatutos e das normas legais reguladoras, sujeitando os administradores à responsabilidade. Finalmente, a administração tem seus atos vinculados ao dever de cuidar de um patrimônio destinado a uma finalidade social específica, que interessa diretamente à sociedade.

103

E pouco importa o caráter voluntário do gestor, pois seja qual for a natureza

da relação jurídica do dirigente com a fundação privada que administra, ele é

sempre responsabilizado em caso de abuso por atos de sua gestão. Forçoso

concluir, portanto, que o ordenamento jurídico não distingue os administradores

remunerados, dos administradores voluntários e não remunerados, para efeito de

responsabilidade, por atos irregulares de gestão, em violação ao estatuto social ou a

lei, por ação ou omissão.

É dever dos membros dos Conselhos e da Diretoria da fundação pautar suas

condutas de fiscalização interna e gestão mediante atos regulares, leais, diligentes,

sem desvio ou abuso de poder, focados no interesse exclusivo da entidade. Para os

atos regulares de gestão, vale conferir os ensinamentos de Flavia Regina de Souza

Oliveira: “em última instância é a pessoa jurídica que pratica atos e contrai

obrigações e, por conseguinte, deve responder perante terceiros pelos atos

exercidos pelos seus administradores” 104

103

DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 400. 104

OLIVEIRA, Flavia Regina de Souz. 2005. op. cit. p. 78.

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137

O objetivo, por sua vez, deve ser a realização das finalidades sociais da

fundação.

14.7 CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL DOS DIRIGENTES PARA EXERCÍCIO DO

PODER

Pode-se perceber, a partir da atuação dos Conselhos e da Diretoria

Executiva, que as competências relacionadas a cada órgão os diferenciam e

proporcionam aos membros que representam a administração superior das

fundações o exercício do poder, e a oportunidade de aprendizagem na governança

dessas instituições, orientadas por valores. Para Hudson, “administrar organizações

orientadas por valores é um pouco diferente de administrar organizações dos

setores público ou privado”105.

Importante anotar, também, que a aceitação de cargos de dirigentes das

fundações, quer seja na Diretoria Executiva, quer seja nos Conselhos Curador e

Fiscal, na medida em que ensejam a assunção de poderes suficientes para

exercícios dos respectivos misteres, trazem na mesma proporção a responsabilidade

pertinente. E por essa razão, para colocar-se à disposição da fundação para o

exercício de função de dirigente, a pessoa deve ser julgada e deve julgar-se

capacitada para tanto. Com efeito, não basta a boa vontade para ser um dirigente

cumpridor de seus deveres legais e estatutários, pois é preciso mais que isso.

Basta lembrar que as fundações privadas no Estado de São Paulo

empregam mais de 200 mil pessoas, administram capital superior a 15 bilhões de

reais e patrimônio superior a 70 bilhões de reais, cujo contexto exige dos

administradores profissionalismo suficiente para bem gerir essa ordem de grandeza.

O exercício de funções de administrador ou conselheiro de fundação, com

efeito, exige capacidade e profissionalismo. Assim sendo, é pouco ter

105

HUDSON, Mike, 1999. op. cit., p. 16.

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138

conhecimentos técnicos de vivência anterior no setor público e, como tal, os

pertinentes valores e princípios da administração pública, ou mesmo experiência

anterior no setor privado e, por seu turno, o conhecimento da lógica econômica do

mercado e os valores do empresariado. Do dirigente fundacional exigem-se

conhecimentos próprios para gestão de interesses sociais, com nuances da

administração pública e da administração privada de interesse de terceiro, qual seja,

da sociedade civil.

Por essa razão é que Mike Hudson relata ser comum a existência de

pessoas oriundas do setor privado e público que, ao terem de participar da gestão

nessas organizações fundacionais, “padecem”, para compreender a complexidade

da sua existência e assimilar que o traço comum que liga essas entidades é que são

ditadas por valores específicos, quais sejam: “são criadas e mantidas por pessoas

que acreditam que mudanças são necessárias e que desejam, elas mesmas,

tomarem providências nesse sentido”106.

Para o mesmo autor, nas instituições sem fins lucrativos:

As pessoas geralmente precisam ter tido uma boa experiência administrativa antes de aceitar um cargo de direção. Precisam ter experiência funcional (por exemplo, atendimento de serviços, finanças ou captação de recursos) e, ter muitos anos de experiência no uso dessas habilidades. Em condições ideais, devem também ter experiência administrativa [...]: Para ver a situação atual em seu contexto correto, os diretores precisam estudar o passado da organização. Precisam desenvolver uma profunda compreensão da situação atual da organização e antecipar, com precisão, os elementos importantes para o futuro [...]. Os diretores precisam dar uma contribuição à alta administração que vai além de detalhes sobre suas áreas de trabalho.

107

14.8 EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA DE COMANDO DA FUNDAÇÃO PARA O

EXERCÍCIO SAUDÁVEL DO PODER

106

HUDSON, Mike. 1999. op. cit., p. 11. 107

HUDSON, Mike. 1999. op. cit., p. 222.

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139

Não se nega que os Conselhos das fundações atuam de forma diferenciada,

de acordo com as atribuições propostas pelos estatutos sociais. Mas, muito embora

com um mesmo regramento interno, é certo que há uma natural evolução da

maturidade do colegiado, observada na maioria das fundações.

Hudson destaca, também, que o ciclo de evolução varia de uma fundação

para outra, mas apresenta um padrão, o qual ajuda os colegiados a entender que a

maneira como trabalham deve evoluir juntamente com o desenvolvimento da

fundação.108

Ilustração 2: Ciclo de evolução da organização.

Fonte: HUDSON, Mike. Administrando Organizações do Terceiro Setor, São Paulo: Makron Books, 1999, p. 234

Afirma-se, outrossim, que não existe um único conjunto correto de

características em cada fase, pois cada fundação tem suas próprias características e

padrões e, consequentemente, precisa definir seu próprio ciclo evolutivo. 109

E continua aduzindo:

108

Ibid., p. 26. 109

HUDSON, Mike.1999. op. cit., p. 234.

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140

O valor desta ideia de ciclo de evolução é que ajuda os conselhos e os administradores a fixar as oportunidades e questões que enfrentam num contexto mais amplo. Ajuda as pessoas a compreender que seus problemas não são exclusivos e sem solução. Permite às pessoas explicarem o comportamento em termos de um modelo que aponta para providências que precisam ser tomadas para ajudar a organização a progredir na direção de sua próxima fase de desenvolvimento.

110

O Conselho Curador necessita, nesse contexto, cumprir suas obrigações

estatutárias e dentre uma de suas prioridades, ainda segundo os ensinamentos do

mesmo autor, é o dever de equilibrar o interesse público e social da fundação, que

pode se contrapor, eventualmente, aos interesses dos dirigentes, da equipe de

empregados, dos eventuais financiadores, dos beneficiários das atividades da

entidade ou da sociedade civil. Argumenta o autor, ainda, que os interesses de cada

grupo podem ser diferentes e, com isso, têm a oportunidade de influenciar a

fundação em função de suas respectivas prioridades. E exemplifica:

Os financiadores podem impor condições muito onerosas em suas concessões; os membros do conselho podem fazer exigências não razoáveis à equipe técnica; os usuários podem desenvolver expectativas além dos recursos da organização e, a equipe técnica pode colocar seus próprios interesses acima dos interesses da organização [...]. O conselho é moralmente responsável por todos esses grupos e legalmente responsável por alguns. Precisa agir como mediador entre esses interesses competitivos [...]. Os papéis que um conselho eficaz deve desempenhar dividem-se em duas categorias: uma diz respeito ao trabalho da organização e a outra diz respeito ao trabalho do conselho.

111

Relevante pontuar que, com o objetivo de atender tão somente aos

interesses sociais da fundação, o Conselho deve rever rotineiramente o seu papel.

Não se desincumbir dessa tarefa importa no envelhecimento das rotinas e, por

consequência, em prejuízos aos interesses sociais da fundação.

Nesse sentido Hudson destaca que: “Definir o papel do conselho é uma

tarefa permanente”. Para o autor, é obrigação do colegiado, pela qual pode ser

responsabilizado, reavaliar o seu papel e desenvolver habilidades que possam

contribuir para a compreensão de como se expressar em sua ambiência.

110

Ibid., p. 235-236. 111

Ibid., p. 30.

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141

Complementa o autor que Richard Chait, especialista em desempenho de

conselhos em entidades sem fins lucrativos, ao relacionar as habilidades dos

Conselhos à eficiência das organizações segundo o modo que administram, pôde

percebê-las em cinco dimensões:

Ilustração 3: Estágios no ciclo de evolução de um Conselho.

Fonte: HUDSON, Mike. Administrando Organizações do Terceiro Setor, São Paulo: Makron Books, 1999, p. 28

De acordo com as anotações de Hudson112, Richard Chait chegou à

conclusão em sua pesquisa que as entidades que ostentavam Conselhos

apresentando todas essas habilidades, apresentavam um desempenho superior às

organizações que tinham apenas uma ou mais dessas habilidades.

Para Peter F. Drucker, o Conselho Curador apresenta desempenho superior

à medida que seus membros sejam efetivamente participativos, que compareçam às

reuniões do colegiado, que seus membros sejam capacitados e conscientes das

obrigações que devem cumprir para a fiscalização superior da entidade. Essa não é,

no entanto, a realidade de muitos dos Conselhos das fundações privadas no Brasil.

112

HUDSON, Mike. 1999. op. cit., p. 33.

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142

Complementa o autor, outrossim, que é importantíssimo para o Conselho um

relacionamento próximo com o órgão executivo, para que ele possa desempenhar

de maneira eficaz o seu papel. Drucker ressalta que é muito comum os diretores das

entidades sem finalidade lucrativa afirmarem:

Não vamos levar isso ao conselho. É muito controverso [...]. Sempre achei que uma das coisas que os executivos-chefes precisam aprender é que um assunto deve ser levado ao conselho exatamente é controverso – e quanto antes, melhor.

A última coisa que um executivo de instituição sem fins lucrativos deve querer é que os membros do conselho leiam nos jornais algo que não saibam a respeito da instituição que dirigem. Ele perderá toda a credibilidade.

113

Para o mesmo autor dar conhecimento ao Conselho Curador de todas as

decisões tomadas na Diretoria Executiva, além de obrigação, é de superlativa

importância para o bom resultado organizacional. Argumenta ainda que é bom para

a entidade um Conselho forte e comprometido, pois “um conselho fraco irá lhe faltar

quando você mais necessitar dele” 114.

Por essas razões, a estrutura formal da entidade deve estar em consonância

com as necessidades do grupo de dirigentes, para o exercício saudável do poder, na

direção dos interesses da entidade fundacional, sem desvios.

113

DRUCKER, Peter F. Administração de Organizações Sem Fins Lucrativos – Princípios e Práticas. São Paulo. 1994. p. 127-128. 114

Ibid., p. 130.

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143

15 DEVERES DOS DIRIGENTES

A ordem legal não contém dispositivos próprios para regular as atribuições,

os direitos e os deveres dos administradores das fundações privadas. Diante deste

fato, imperioso recorrer ao princípio de que não há vácuo legislativo no ordenamento

jurídico, de maneira que se devem adotar os instrumentos de integração do direito e

elencar as normas aplicáveis à espécie. Nesse sentido, por analogia, forçoso invocar

as normas dos artigos 153 a 160 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que

trata dos deveres e responsabilidades dos administradores das sociedades

anônimas, para tratar da matéria, à míngua de qualquer outro regramento legal

similar.

Como já anotado, as fundações privadas são inseridas no contexto do direito

privado e, por essa razão, seus administradores podem fazer tudo quanto não é

vedado expressamente pela lei. Por outro lado, a conduta da fundação,

materializada através da ação e/ou omissão de seus administradores, há de restar

afinada com o seu estatuto social. A contradição muito embora aparente, não é real.

Com efeito, dizer que alguém pode fazer tudo o que não é expressamente proibido

pela lei e, ao mesmo tempo, afirmar que ela tem que pautar sua conduta pelos

termos de seu regramento interno pode parecer contraditório. Pode parecer

contraditório pois dá a entender, à primeira vista, que o administrador pode fazer

tudo o que a lei não proíbe, mas ao mesmo tempo só pode fazer o que o estatuto

permite. Sob o aspecto legal há liberdade de atuação, porém, na ótica do

regramento estatutário, há vinculação às determinações deste. Mas a contradição,

como anotado, é só aparente. Não é real. Explicando melhor: a fundação é uma

pessoa jurídica de natureza social. Ela é privada, mas possui finalidade pública no

sentido de que interessa à sociedade. E ostentando essas características e

circunstâncias, ela pode fazer tudo que a lei expressamente não proíbe, mas tenha

ao mesmo tempo amparo no estatuto social. Esse é o contexto em que a

administração da fundação privada deve ser analisada, para se definir o que ela

pode ou não fazer. A liberdade de atuação, então, deve estar em consonância com o

regramento estatutário, ou seja, o dirigente pode fazer tudo que a lei não proíbe,

mas que, concomitantemente, tenha previsão expressa no estatuto.

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144

Esse o grau de liberdade que possui o dirigente. Em outras palavras, e

renovando, ele pode fazer tudo que não estiver expressamente vedado pelo

ordenamento jurídico, mas deve necessariamente pautar a gestão com a atividade-

meio, de natureza econômica, e a atividade-fim, de natureza social, de acordo com o

que determina o estatuto.

O estatuto social, portanto, é o meio regulador da liberdade conferida pela

ordem legal.

Por essa razão é que se sustenta que uma fundação com atividade-fim de

natureza educacional, não pode exercer atividade-meio, de natureza econômica,

como a exploração de um supermercado. Assim como uma fundação hospitalar

como atividade-fim, não pode explorar uma gráfica de impressão de livros escolares.

Não há, nos exemplos elencados, similitude entre a atividade-meio e a atividade-fim.

A lei, em tese, pode dar liberdade para as referidas diversidades de áreas de

atuação; mas o estatuto, coerente com o espírito fundacional, não o poderá permitir.

Quando a problemática é analisada à luz da Lei das Sociedades Anônimas,

verifica-se que esta optou por preservar a liberdade de seus administradores nos

atos de gestão, mediante padrões de conduta gerais e abstratos, mas com a

preocupação de que a administração esteja sempre focada nos interesses

exclusivos da companhia.

Não é diferente com as fundações privadas, mesmo porque há de se adotar

o mesmo regramento para a regulação da matéria. Isso implica dizer que o dirigente

da entidade fundacional goza de grande autonomia, mas encontra limites no estatuto

social. Em outras palavras, o administrador tem liberdade de agir, desde que seu

comportamento seja no sentido de viabilizar o exercício das funções da entidade.

O legislador elencou, então, um rol exemplificativo dos principais deveres

dos administradores das sociedades por ações, os quais na sua grande maioria são

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145

pertinentes e, como tais, obrigatórios para os dirigentes das fundações. Eles servem

de norte para guiar a conduta escorreita dos administradores e definir parâmetros

para os atos decisórios.

E são eles: dever de diligência (artigo 153), dever de dar cumprimento às

finalidades das atribuições do cargo (artigo 154), dever de independência (artigo

139), dever de lealdade (artigo 155), dever de evitar conflito de interesses (artigo

156), dever de relatar e prestar contas da gestão social (arts. 132, I e 133), dever de

obediência às leis e aos estatutos sociais (artigo 158, I), dever de dar cumprimento

às deliberações válidas da administração superior e o dever de não cumprir

decisões de outros órgãos internos ou de terceiros usurpadoras de competências

privativas.

Em resumo poder-se-ia dizer que o bom administrador é aquele pautado

pelo que faria o médio cidadão romano ou mesmo um bom pai de família. Ou nos

dizeres dos ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho: “O administrador diligente é

aquele que emprega na condução dos negócios sociais as cautelas, métodos,

recomendações, postulados e diretivas da „ciência‟ da administração de

empresas”.115

15.1 DEVER DE DILIGÊNCIA

Por dever de diligência deve-se entender o cuidado que todo homem de

boa-fé, ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios

interesses e negócios. Nesse sentido os dizeres do artigo 153 da Lei 6.404/76: “O

administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o

cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na

administração dos seus próprios negócios”.

115

COELHO, Fabio Ulhoa. A natureza subjetiva da responsabilidade civil dos administradores de companhia. In Revista Direito de Empresa. São Paulo. Instituto de Tecnologia Jurídica. p. 18-19.

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146

É obrigação do dirigente fundacional, portanto, pautar a gestão da fundação

como se estivesse tratando de seus negócios privados, com critério, moderação,

segurança, pois afinal de contas está administrando patrimônio de terceiro. E

terceiro qualificado, pois o dirigente da fundação age objetivando atender aos

interesses da sociedade e, em regra, a parcela da coletividade mais necessitada de

recursos e oportunidades, a majorar o interesse público na espécie.

Embutida no dever de diligência vislumbra-se a capacitação profissional do

dirigente. Com efeito, para ser diligente o administrador deve ostentar competência,

formação e experiência na atividade desenvolvida.

Aliás, considerando a realidade vigente, onde não é incomum a existência

de grandes patrimônios em poder das fundações privadas, a sociedade espera do

administrador o conhecimento teórico e prático suficiente para, além de exercer as

atividades econômicas e sociais da entidade a contento, preservar e, se possível,

incrementar o patrimônio, visando garantir a perpetuidade da entidade.

Não se desconhece, outrossim, as dificuldades de discernir, de acordo com

as especificidades de determinada conduta concreta, se o comportamento do

administrador é o protegido pela ordem legal ou não.

Por essa razão importante ter em mente alguns conceitos.

Por primeiro, o que importa entender por “diligência ordinária”. Nesse

caminho, o artigo 153 da Lei n. 6.404/76, como já anotado, determina que o

administrador, ao exercer a sua função, deve valer-se de cuidado e diligência como

se tivesse tratando de negócios pessoais, ou seja, com o máximo interesse e

empenho. Esse é o dever de diligência ordinária, no padrão definido legalmente.

Porém, tratando-se da administração de interesses e patrimônio da sociedade, não

se pode prescindir de absoluto zelo, a exigir a conduta profissional.

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147

A especialização, os conhecimentos profissionais e o grau de capacitação

exigido do administrador, por evidente, depende de várias circunstâncias, mas de

modo especial do padrão econômico da fundação e do perfil da atividade

desenvolvida. Nesse caminho, não se concebe que uma fundação que exerça

atividade social focada na área hospitalar seja administrada por uma pessoa

desprovida de conhecimentos de gestão de hospitais. Ou mesmo uma fundação que

exerça atividades de cunho educacional, que seja gerida, a título exemplificativo, por

pessoa carente de conhecimentos da área acadêmica.

Ademais, concluir que uma decisão foi tomada mediante critérios de

diligência ordinária exige também a análise das circunstâncias fáticas em que houve

a tomada de decisão. Exemplo clássico é a deliberação do administrador que deixa

de recolher tributos para honrar com os compromissos financeiros junto à folha de

pagamento dos empregados. O não recolhimento de tributos, em circunstâncias

específicas, importa em caracterização de figura penal. Age, portanto, com diligência

ordinária o administrador que paga o salário dos empregados e não repassa ao fisco

os recursos necessários para o adimplemento de obrigação tributária? As

circunstâncias fáticas é que dirão se houve ou não diligência ordinária.

Deve-se analisar, então, se a decisão do administrador foi razoável,

prudente e apropriada à situação concreta, atendendo aos interesses da fundação,

exclusivamente.

O administrador que não é diligente, portanto, deve ser responsabilizado.

Não se fala, nesse contexto, de mero erro de gestão, desprovido de imprudência,

negligência, imperícia ou dolo. O erro de gestão, em sua simplicidade, é irrelevante

para fins de responsabilização. Decidir, posteriormente, que a decisão tomada não

era a mais acertada, também não é relevante para a análise jurídica da questão.

Diferentemente, porém, se for caracterizado que o gestor agiu de maneira

improvisada, sem as cautelas que eram exigidas para verificar se a decisão atendia

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aos interesses da fundação. Nesta hipótese há responsabilização, pela ausência de

diligência no trato dos interesses de terceiros.

Também deve ser considerado que o dever de diligência é uma obrigação

de meio e não de resultado. De fato, o administrador diligente é aquele que age com

cautela, com prudência, de acordo com os conhecimentos pertinentes à área de

atuação. Do administrador se espera o comportamento adequado para a tomada de

decisão, visando com isso alcançar determinado fim e não necessariamente que

obtenha o resultado efetivo na empreitada.

Se o administrador empregar os meios razoáveis e adequados para atingir

um resultado, mas este não se torna realidade, ele não é responsável pelo

insucesso.

Da mesma forma, o fato de a fundação não apresentar resultados

superavitários em sua gestão, isto por si só não implica o reconhecimento de má

gestão, ou falta de diligência ordinária na tomada de decisões. O resultado negativo

da gestão pode ser fruto de outros fatores. Mas se eles resultarem do emprego

equivocado de decisões, com as quais possa se caracterizar dolo, imprudência,

negligência ou imperícia, aí sim há que se falar em responsabilização.

Da mesma maneira, a gestão superavitária não implica o reconhecimento de

que o dirigente foi diligente ordinariamente. O resultado positivo na gestão pode

ocorrer por circunstâncias alheias à boa ou má gestão. E mesmo com uma

administração superavitária, o dirigente pode ser responsabilizado pela gestão com

falta de diligência. Isto porque, se conseguiu proveito econômico com a gestão

temerária, o superávit seria maior se tivesse agido com diligência. Caracterizado,

portanto, o prejuízo.

Em tese, é possível, também, que o superávit seja produto de atividades

desenvolvidas no campo da ilicitude. Da mesma forma incide a responsabilização.

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149

Não se pode negar a dificuldade para definir qual o comportamento de um

administrador diligente. Mais fácil a análise da questão em seu aspecto negativo, ou

seja, definir alguns parâmetros práticos do comportamento do dirigente não

diligente.

Não há dúvidas, então, que não é diligente o administrador que não é ativo,

ou seja, que não compareça às reuniões do órgão a que pertença, que não se reúna

periodicamente com a equipe de trabalho, que não envolva os empregados da

fundação no projeto social desta, que não possua juízo crítico dos negócios jurídicos

realizados no seio da entidade, que não obtenha o pertinente aconselhamento para

a tomada de decisões, que não aja de forma prudente, que não procure sanear os

erros ocorridos, que não comande efetivamente o corpo de empregados ou que não

se reporte à administração superior da fundação, etc.

Se de um lado o diligente administrador procura a harmonia na tomada de

decisões, também é certo que não se revela um bom administrador o integrante do

Conselho Curador que tente impor decisões com usurpação de função, bem como

aquelas que importem violação à lei e ao estatuto. Da mesma forma que não será

diligente o integrante da Diretoria Executiva que aceitar o cumprimento de

deliberação superior usurpadora de função ou que viole a lei ou o estatuto social. A

divergência, nesta situação, é salutar para a boa administração, com a finalidade de

garantir que a gestão seja orientada exclusivamente pelos interesses da fundação e

não de seus dirigentes. Afinal, estes não devem apresentar vontade própria. Pelo

contrário, devem materializar a vontade da pessoa jurídica.

15.2 DEVER DE DAR CUMPRIMENTO ÀS FINALIDADES DAS ATRIBUIÇÕES DO

CARGO

Outro dever importante do dirigente é o de dar efetivo cumprimento às

finalidades das atribuições do cargo, na forma do quanto disposto na norma do

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150

artigo 154, que dispõe: “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o

estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as

exigências do bem público e da função social da empresa.”

Com a devida adaptação deve-se dizer que o dirigente fundacional é

obrigado a exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem, para lograr os

fins da fundação, ou seja, atender aos interesses sociais. O dever apontado renova

a assertiva de que o administrador não possui vontade própria, pois deve

materializar a vontade da pessoa jurídica.

A lei e o estatuto social não atribuem poderes aos dirigentes em vão, mas

sim revestidos de poderes-funções, que devem ser exercidos no interesse imediato

da fundação, o que implica dizer no interesse mediato da coletividade. Em outras

palavras, o poder-dever do dirigente tem um objetivo, qual seja, de atender

inicialmente o interesse da fundação, que é efetivar a atividade social e, em

consequência, atender também aos interesses da sociedade, que ao final é quem se

beneficia das atividades da entidade. E para colocar em prática os interesses da

fundação, o administrador deve ser diligente no exercício de suas obrigações e

evitar a existência de conflito de interesses pessoais e da pessoa jurídica.

Decorrência disso é a proibição de obtenção de qualquer vantagem do administrador

em prejuízo do interesse da fundação.

O mesmo dever implica o reconhecimento de algumas vedações, que

também estão dispostas na Lei n. 6.404/76 e, pelos mesmos argumentos

anteriormente aduzidos, são aplicáveis à fundação privada.

O artigo 154, § 2°, da Lei estabelece que é vedado ao administrador:

a) praticar ato de liberalidade à custa da companhia;

b) sem prévia autorização da assembleia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da

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151

companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito;

c) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou da assembleia-geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício de seu cargo.

O método de integração do direito por meio da analogia permite concluir

que, no tocante às fundações privadas, deve-se inferir que há proibição expressa da

prática de atos de liberalidade à custa do patrimônio da fundação. Quanto à tomada

de empréstimos de recursos e bens da fundação ou o uso em proveito próprio,

também é hipótese proibida no seio de uma fundação privada. O estatuto social, em

verdade, não pode conter norma autorizativa nesse sentido. Nem mesmo o

Conselho Curador pode deliberar nessa linha, pois o patrimônio fundacional, por

concepção do próprio instituto, somente pode ser aplicado em finalidades sociais.

Também é vedado ao administrador receber de terceiros, mesmo com

autorização estatutária – que seria ilegal, ou autorização do Conselho Curador – que

seria ilícita, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão

do exercício de seu cargo, por se revelar desvio de poder.

O dever, portanto, é aplicável às fundações privadas.

15.3 DEVER DE INDEPENDÊNCIA

Outro dever importante é o da independência do administrador ou, efetuando

um paralelo com a estrutura interna de uma fundação, a independência entre os

diversos órgãos que compõem a entidade, quais sejam, o Conselho Curador, o

Conselho Fiscal e a Diretoria Executiva.

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152

Esse poder-dever decorre da interpretação do artigo 139, o qual define que

“as atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem

ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto.”

Com esse fundamento legal observa-se que as atribuições do Conselho

Curador, do Conselho Fiscal e da Diretoria Executiva são indelegáveis, ou seja, os

integrantes da administração superior da fundação devem exercer as suas

respectivas funções, de acordo com o quanto definido especialmente no estatuto.

Em outras palavras, os componentes da alta administração da fundação não podem

abrir mão de exercer as suas funções. Isto, no entanto, não implica a proibição de

outorga de procuração, como já anotado, pois no instrumento de mandato o

mandatário exerce atividade em nome do mandante e, como tal, não há se falar em

abrir mão de prerrogativa de cargo.

A hierarquia existente entre os órgãos que compõem a estrutura da

fundação deve coexistir em conformidade com as atribuições definidas no próprio

regramento interno. Isso implica afirmar que o Conselho Curador não pode usurpar

as funções que são dos outros órgãos e assim reciprocamente. As atribuições de

cada órgão devem ser exercidas de acordo com o regramento da instituição.

Com efeito, o integrante do Conselho Curador, que possui poderes de

fiscalização superior da Diretoria Executiva, não pode assinar título de crédito ou

cheque, da mesma forma que o Diretor-Presidente não pode se imiscuir na

aprovação das contas da própria gestão, que são atributos do Conselho Curador.

Esse o contexto do dever de independência do administrador. Ele deve

mandar autorizado pelos ditames estatutários e deve obedecer na medida em que

aquele que mandou possua competência para tanto. E cada qual no exercício de

suas funções, mas todos atendendo aos interesses da fundação.

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153

15.4 DEVER DE LEALDADE

Outra obrigação do administrador é o dever de lealdade. Nesse sentido o

artigo 155 da Lei n. 6.404/76 dispõe:

Artigo 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado:

I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo;

II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia;

III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir.

§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.

§ 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança.

§ 3º A pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliários, contratada com infração do disposto nos §§ 1° e 2°, tem direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos que ao contratar já conhecesse a informação.

§ 4o É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários.

Em face da analogia utilizada no presente trabalho, pelo quanto se pode

extrair das normas destacadas, verifica-se que o dirigente de uma fundação deve

servir com lealdade a instituição e manter reserva sobre os negócios realizados no

exercício da atividade econômica da entidade. É fato incontroverso que uma

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154

fundação privada tem atividade-fim focada no social, necessariamente, mas que,

como atividade-meio, pode desenvolver atividade econômica. Nesta parte, onde não

raramente há disputa no mercado por melhores oportunidades de negócios, o

dirigente deve manter reserva sobre eles. Por evidente, no entanto, que não pode

sonegar a informação aos órgãos de velamento e de fiscalização.

As demais vedações também são pertinentes à fundação privada, porém tão

somente para a atividade de cunho econômico.

15.5 DEVER DE EVITAR CONFLITO DE INTERESSES

Outro dever digno de análise é aquele que impõe a prática de conduta que

implique a inexistência de conflito de interesses. Nessa seara, dispõe o artigo 156 da

Lei n. 6.404/76:

Artigo 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse.

§ 1º Ainda que observado o disposto neste artigo, o administrador somente pode contratar com a companhia em condições razoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiros.

§ 2º O negócio contratado com infração do disposto no § 1º é anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que dele tiver auferido.

O objetivo da norma é vedar o exercício de atividade concorrente do

administrador. A hipótese é aplicável também às fundações privadas.

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155

Com efeito, o ordenamento jurídico não veda aos integrantes da

administração superior de uma fundação privada exercerem outras atividades,

públicas ou no mercado. O que eles não podem é concorrer com as atividades da

fundação da qual são dirigentes.

Quanto à contratação com a fundação, muito embora não proibida pelo

ordenamento jurídico, deve se revestir de formalidades. Nesse caminho é que a

contratação somente poderá ocorrer em condições razoáveis e de igualdade com

outros concorrentes. Ademais, há de ocorrer com absoluta transparência.

Por outro lado, considerando que o patrimônio fundacional é de interesse

social e pertence à coletividade, de melhor alvitre que se evite a contratação nessas

circunstâncias, estabelecendo-se norma de conduta interna que vede a possibilidade

de sua ocorrência.

15.6 OUTROS DEVERES

Outros deveres são dedutíveis da Lei das Sociedades Anônimas e são

aplicáveis às fundações privadas. Nesse sentido o dever de relatar e prestar contas

da gestão social (arts. 132, I e 133)116, o dever de obediência às leis e aos estatutos

116

Artigo 132: Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembléia-geral para: I- tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras; Artigo 133: Os administradores devem comunicar, até 1 (um) mês antes da data marcada para a realização da assembléia-geral ordinária, por anúncios publicados na forma prevista no artigo 124, que se acham à disposição dos acionistas: I - o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; II - a cópia das demonstrações financeiras; III - o parecer dos auditores independentes, se houver. IV - o parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes, se houver; e V - demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia. § 1º Os anúncios indicarão o local ou locais onde os acionistas poderão obter cópias desses documentos. § 2º A companhia remeterá cópia desses documentos aos acionistas que o pedirem por escrito, nas condições previstas no § 3º do artigo 124. § 3

o Os documentos referidos neste artigo, à exceção dos constantes dos incisos IV e V, serão

publicados até 5 (cinco) dias, pelo menos, antes da data marcada para a realização da assembléia-geral.

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156

sociais (artigo 158, I)117, o dever de dar cumprimento às deliberações válidas da

administração superior e o dever de não cumprir decisões de outros órgãos internos

ou de terceiros usurpadoras de competências privativas.

§ 4º A assembléia-geral que reunir a totalidade dos acionistas poderá considerar sanada a falta de publicação dos anúncios ou a inobservância dos prazos referidos neste artigo; mas é obrigatória a publicação dos documentos antes da realização da assembléia. § 5º A publicação dos anúncios é dispensada quando os documentos a que se refere este artigo são publicados até 1 (um) mês antes da data marcada para a realização da assembléia-geral ordinária. 117

Artigo 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

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157

16 RESPONSABILIDADE DOS DIRIGENTES

16.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A responsabilidade dos dirigentes de fundações é tema pouco discutido no

Brasil, assim como é carente a produção doutrinária sobre o Terceiro Setor, o que se

explica pelo fato de que o tema foi introduzido na agenda política e social com a

importância que faz jus somente nas últimas décadas.

O flagrante crescimento do número de entidades e as atividades sociais por

elas desenvolvidas tem exigido a reflexão dos operadores do direito a respeito de

tema de superlativa importância.

A importância de estudos a respeito também se dá em razão do significativo

poder social que é exercido pelas entidades do Terceiro Setor, ou seja, pelas

associações de interesse social e pelas fundações privadas. O desempenho dessas

instituições é relevante para a sociedade. Ademais, os dirigentes ou

administradores, independentemente da forma como nominados, exercem um poder

fundamental nessas atividades. Ao mesmo tempo, não podem agir por vontade

própria, mas sim mediante a materialização da vontade das entidades. Nesse

caminho, em razão da complexidade da relação jurídica que se dá por alguém agir

em nome e em consonância com os interesses de outrem, relevante é o instituto

jurídico da responsabilidade civil.

Na medida em que os dirigentes possuem poderes para agir ou deixar de

agir em nome da fundação, devem ser responsabilizados pelos desvios

comportamentais na condução das relações jurídicas.

A presente parte do estudo pretende analisar a responsabilidade civil e penal

dos dirigentes, bem como a responsabilidade das fundações privadas perante

terceiros.

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158

Por essa razão é que se abordou a questão das relações do poder exercido

nas entidades fundacionais e os deveres dos dirigentes, pois a eles se contrapõe a

pertinente responsabilidade. Com efeito, é importante que as entidades possuam

atribuições claras e bem definidas em seu regramento interno, especialmente para

aferição da responsabilidade. E falar em responsabilidade implica abordar a

obrigação de reparação de danos, sejam eles culposos ou dolosos, comissivos ou

omissivos. Prejuízos esses que podem ser causados à fundação, aos demais

administradores, aos funcionários, aos beneficiários das atividades sociais e, ainda,

a terceiros.

Importante anotar, também, que o ordenamento jurídico pátrio não contém

normas jurídicas específicas para a responsabilidade nas pessoas jurídicas sem fins

lucrativos, inserindo-se aí as fundações, que são objeto do presente estudo.

Aplicáveis, portanto, as regras gerais da responsabilidade civil. A analogia também

incide, pois, como sabido, não há que se falar em vácuo legislativo para disciplinar

as relações jurídicas existentes no mundo real. E a analogia incide para a adoção de

regramento pertinente do exercício do poder e os consequentes deveres. E nessa

linha a sistemática jurídica determina que seja aplicado às fundações privadas, para

fins de responsabilidade, o mesmo regramento que disciplina a responsabilidade nas

sociedades empresárias.

E dentre as sociedades empresárias, as sociedades anônimas possuem

estrutura interna similar às fundações privadas e são reguladas pela Lei n. 6.404/76.

O artigo 158, por seu turno, disciplina a questão, nesses termos:

Artigo 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II - com violação da lei ou do estatuto.

§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento,

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159

deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia-geral.

§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.

§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembleia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.

E sobre a questão leciona Gustavo Saad Diniz:

Diante da omissão das normas específicas à matéria, é fundamental recorrer à lei n. 6.404/76, para definir o contorno da responsabilidade dos administradores, conforme orientação de José Eduardo Sabo Paes. Aliás, a fundamentação nesta norma que regulamenta especificamente as sociedades por ações, tem os seguintes pressupostos: a) adequação das normas pertinentes à responsabilização dos administradores; b) compatibilidade da norma invocada com o direito das fundações privadas e suas peculiaridades, expurgando tudo aquilo que for conflitante com o sistema fundacional; c) forte conteúdo principiológico dos dispositivos da lei das S/A, que regulamenta a responsabilidade dos administradores, podendo servir de parâmetro em relação à administração da fundação; d) necessidade de integração por analogia, para interpretação pautada na segurança jurídica.

118

Com os mesmos ensinamentos a doutrina de Flávia Regina de Souza

Oliveira:

118

DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. Cit., p. 403-404.

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160

Considerando que a lei civil não regulamenta a questão da responsabilidade do administrador de associações e fundações, será utilizada a Lei das S/A (Lei n. 6.404/76), aplicada à realidade dessas organizações, por analogia, como modelo de responsabilidade.

119

A abordagem da responsabilidade nas fundações privadas exige a

delimitação do que vem a ser dirigente ou, em outras palavras, administrador. E

nesse contexto, o dirigente é o responsável pela direção de uma entidade,

colocando em prática os atos de gestão e com isso permitindo que a pessoa jurídica

exerça a sua vontade, nos limites da lei e de seu estatuto social. Também são

considerados dirigentes os integrantes dos colegiados de fiscalização, orientação e

determinações superiores, em regra denominados de Conselho Curador e Conselho

Fiscal.

Assim sendo, a realidade permite dois tipos de administradores/dirigentes: o

remunerado e o voluntário.

A ordem legal não contém regra jurídica para exigir das fundações um

modelo ou outro de dirigente. E considerando o princípio de que as fundações,

enquanto entidades definidas no contexto do direito privado, podem fazer tudo aquilo

que a lei expressamente não vede, por evidente que, dentro dos limites permitidos

pelo estatuto social, é mister concluir que não há vedação para que o dirigente seja

remunerado por suas funções.

Ocorre, no entanto, que a legislação tributária, ao definir critérios para as

entidades sem fins lucrativos serem garantidas com imunidade ou isenção tributária,

determina que o dirigente não pode ser remunerado, direta ou indiretamente, pelas

funções inerentes ao cargo exercido.

119

OLIVEIRA, Flavia Regina de Souza. 2005. op. cit. p. 76.

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161

Por consequência, apesar de não haver vedação à remuneração dos

dirigentes das fundações privadas, se esta pretender usufruir de benesses

tributárias, deve contar com dirigente voluntário.

O dirigente é voluntário quando presta serviços para uma fundação privada

sem contrapartida financeira, direta ou indireta, nos termos do artigo 1º da Lei n.

9.608/98, que assim estabelece:

Considera-se serviço voluntário, para fins desta lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos, ou de assistência social, inclusive mutualidade.

Já foi afirmado no presente estudo, que o ordenamento jurídico não prevê

obrigação de uma estrutura interna específica para as entidades sem fins lucrativos,

dentre elas as fundações privadas. Anotou-se, entretanto, que a prática e a

construção doutrinária têm-se inclinado no posicionamento de que é salutar para as

entidades, para os órgãos de fiscalização e para a sociedade enquanto beneficiária

do trabalho social desenvolvido pelo Terceiro Setor, a existência de uma estrutura

interna de controle próprio, com freios e contrafreios. E nesse caminho é que se

recomenda a existência de um órgão gestor, individual ou coletivo, e de um outro de

fiscalização interna, este sim necessariamente coletivo.

Por isso é usual a estrutura interna composta de uma Diretoria Executiva,

um Conselho Curador e um Conselho Fiscal. Eles podem adquirir denominações

diversas, muito embora sempre com a mesma finalidade, ou seja, uma Diretoria

Executiva para executar a gestão e um Conselho Fiscal para acompanhar a gestão

e assessorar o Conselho Curador. Este por sua vez assume a função de estabelecer

as diretrizes institucionais da entidade e fiscalizar a gestão, tomando medidas de

correção de rumo quando necessárias.

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162

Em regra o Conselho Curador, na função de comando e controle superior da

fundação privada, nomeia e dá posse aos integrantes dos demais órgãos, ou seja,

da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal.

Quando a fundação optar por dirigente remunerado e com isso abrir mão de

qualquer benesse de ordem tributária, este pode ser inclusive empregado.

E para fins de responsabilidade, não há qualquer variante para os dirigentes

remunerados ou voluntários, pois as obrigações são as mesmas e,

consequentemente, a responsabilidade, sob todos os aspectos.

José Eduardo Sabo Paes define a responsabilidade, citando a doutrina de

Maria Helena Diniz, como uma resposta em razão do descumprimento de um dever

preeexistente, ou em outras palavras, a consequência sofrida pelo agente em face

da prática de conduta, por ação ou omissão, que viola deveres.

Nesse sentido, os ensinamentos de José Eduardo Sabo Paes:

Esclarece-nos a professora Maria Helena Diniz que a responsabilidade civil, que é repercussão do dano privado, tem por causa geradora o interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pela lesão, de modo que a vítima só poderá pedir reparação traduzida em uma importância em dinheiro. Logo, tal responsabilidade consistente na aplicação de medidas, a fim de fazer com que o patrimônio do agente responda pelos atos por ele praticados que importem em prejuízo a terceiros.

120

A responsabilidade incidente nas condutas dos dirigentes fundacionais, por

outro turno, como anotado anteriormente, é tema de superlativa importância e deve

ser tratado com bastante cuidado, por várias razões. Primeiro, porque as relações

humanas são passíveis de desvio comportamental, não sendo diferente com os

administradores das fundações. Segundo, porque a fundação é um patrimônio

personificado destinado a uma finalidade social, de modo que as atividades

120

PAES, José Eduardo Sabo, 2010, Op.cit., p. 451.

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163

desenvolvidas pelas fundações são sempre de interesse público, especificamente da

sociedade civil. Terceiro, porque os administradores podem exercer suas funções

estatutárias exorbitando os poderes conferidos pela lei e pelo estatuto social, a exigir

correção, mediante a devida responsabilização.

Aliás, os ensinamentos de M. Seabra Fagundes, citado por Gustavo Saad

Diniz:

A existência de fatos nocivos ao patrimônio de uma fundação, por falta de lisura nos respectivos administradores, são manifestos o cabimento e a oportunidade da providência cautelar de suspensão da administração má gestora.

121

A responsabilidade, nesse contexto, é uma só, pois sempre incide na falta

de observância de deveres constituídos. Ela pode ser observada, no entanto, sob

vários ângulos e dependendo do campo de análise, pode ser denominada de

responsabilidade civil, responsabilidade penal, responsabilidade contratual,

responsabilidade extracontratual, responsabilidade objetiva, responsabilidade

subjetiva, etc.

No tocante à responsabilidade civil e penal, o divisor de águas é o dever

jurídico violado, que importa no reconhecimento de um ato ilícito. O ato ilícito, então,

pela não observância de um dever jurídico, o qual é protegido por uma norma

jurídica civil, uma norma jurídica penal ou por ambas. Saliente-se, por pertinente,

que toda violação de norma penal enseja a caracterização de violação também de

uma norma civil. O oposto, entretanto, não é verdadeiro. Isso implica a conclusão de

que um ato ilícito pode ser civil ou penal. Assim como uma mesma prática ilícita,

omissiva ou comissiva, pode ser concomitantemente um ato ilícito civil e penal.

121

FAGUNDES, M. Seabra . Fundação. Âmbito de atuação do Ministério Público em sua defesa – Interpretação do artigo 26 do Código Civil – Afastamento imediato de seus administradores – Legalidade da providência, tanto como medida de natureza administrativa, como medida de caráter judicial preventivo. Revista dos Tribunais. São Paulo. SP. 50(304):58-77. Fev/61. p. 72.

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164

Nessa conformidade, os pressupostos para a responsabilidade são a

conduta antijurídica, omissiva ou comissiva, imputável ao agente, o dano

experimentado pelo lesado e o nexo de causalidade, ou seja, o liame de causa e

efeito entre a conduta do agente e o dano experimentado pelo lesado.

E como já anotado, a responsabilidade dos administradores das fundações

privadas é decorrência do disposto no artigo 158 da Lei n. 6.404/76, aplicada por

analogia. Mas também o artigo 927 do Código Civil, por regulamentar a

responsabilidade civil como regra geral a todas as pessoas físicas e jurídicas. Os

comandos das normas desses artigos impõem a conclusão de que três são as

regras deles dedutíveis, quais sejam: a irresponsabilidade do dirigente por atos

regulares e de gestão e a sua responsabilidade civil por comportamento antijurídico

quando, na esfera de suas atribuições e poderes, agir com culpa ou dolo ou agir

com violação da lei ou do estatuto.

A regra ordinária da legislação é que os administradores não são

responsáveis pelos atos regulares de gestão, uma vez que estes exteriorizam a

vontade da fundação e, perante terceiros, é a própria entidade quem está assumindo

obrigações e exercendo poderes e direitos.

Nesse diapasão, terceiros que entendem terem sido lesados, por atos

regulares de gestão do administrador da fundação, devem voltar-se contra esta e

não contra os administradores pessoalmente. Antijurídico, porém, será o ato de

gestão praticado fora dos limites das atribuições da função, pois isto importará, por

óbvio, a prática de conduta que não encontrará respaldo na lei e no estatuto social.

Assim é que, como destacado antes, por administradores deve-se entender

o dirigente em sentido lato, ou seja, os integrantes do Conselho Curador, do

Conselho Fiscal e da Diretoria Executiva. Muito embora se saiba que os titulares

exclusivos do poder de representação ou, em outras palavras, os titulares exclusivos

dos poderes de gestão, são os integrantes da Diretoria Executiva. Estes é que são

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165

os responsáveis de forma imediata. Os integrantes do Conselho Curador e do

Conselho Fiscal, por não possuírem poderes de administração, podem ser

responsabilizados de forma mediata, ou seja, porque não agiram no sentido de

evitar que as condutas antijurídicas viessem a ser praticadas ou após estas se

tornarem realidade, não tomaram as providências pertinentes para a

responsabilização dos responsáveis diretos pelos prejuízos ocorridos.

Definidos os contornos da irresponsabilidade por atos regulares de gestão,

cabe então a reflexão sobre a responsabilidade por atos irregulares, o que será

enfrentado na sequência.

16.2 RESPONSABILIDADE CIVIL

A palavra “responsabilidade” vem do verbo latino respondere, que importa a

noção de garantia da restituição ou compensação de um bem lesado, bem como de

responder pelos prejuízos causados. Induz, portanto, à ideia de recomposição, de

compensação de um prejuízo para equilíbrio econômico e social.

A responsabilidade civil é, portanto, a obrigação de reparação de um dano

causado, mediante ação ou omissão, culposa ou dolosa, que visa à recomposição

do equilíbrio econômico de determinada relação jurídica.

Maria Helena Diniz, citando com bastante propriedade Pirson e Villé,

Sourdat, Savatier e Josserand, anota:

Pirson e Villé conceituam a responsabilidade como a obrigação imposta pelas normas às pessoas no sentido de responder pelas consequências prejudiciais de suas ações; Sourdat a define como o dever de reparar dano decorrente de fato de que se é autor direto ou indireto; e Savatier a considera como a obrigação de alguém reparar dano causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou coisas que dele dependam. Outros como Josserand, a vêem sob um aspecto mais amplo, não vislumbrando nela uma mera questão de culpabilidade, mas sim de repartição de prejuízos causados, equilíbrio de direitos e interesses, de sorte que a

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responsabilidade, na concepção moderna, comporta dois pólos: o objetivo, onde reina o risco criado, e o subjetivo, onde triunfa a culpa.

122

A Professora Maria Helena Diniz, então, apresenta seu conceito de

responsabilidade civil, com os seguintes dizeres:

Responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva). Definição essa que guarda, em sua estrutura, a ideia da culpa quando se cogita da existência de ilícito e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa.

123

Para Caio Mário da Silva Pereira a responsabilidade civil:

Consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.

124

Conclui-se, portanto, que a doutrina é tranquila ao afirmar que a

responsabilidade civil é o instrumento para a recomposição do prejuízo provocado

pelo causador de um dano. A responsabilidade civil exige, portanto, um prejuízo, de

ordem material ou moral. Se não existir dano, não há obrigação jurídica de

reparação.

16.3 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

A responsabilidade contratual decorre de um prejuízo causado por força da

existência de uma obrigação contratual. Trata-se de uma relação jurídica

obrigacional. Por exemplo: uma fundação que administre um equipamento hospitalar

122

DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 20. ed. Saraiva, 2006. p. 39. 123

Ibid. p. 49 124

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 6. ed. revisada. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p.11.

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recebe um paciente que é submetido a uma cirurgia. Esta assume a obrigação,

explícita ou implícita, de realizar o procedimento cirúrgico com a utilização de todos

os recursos e capacitação ordinários. Se no curso da operação o médico

responsável pelo procedimento ignorar as regras aplicáveis ao caso e incidir em erro

médico, mediante a modalidade imperícia, causando danos ao paciente, há

descumprimento contratual, de maneira que respondem pelos danos não só o

médico como a fundação hospitalar que contratou a execução do serviço médico

com o paciente.

As fundações, portanto, são responsáveis pelos contratos com os quais se

obrigam, muito embora estes venham ao mundo jurídico mediante a ação de seus

dirigentes. O dirigente, nesse sentido, não exerce vontade pessoal, mas representa

a vontade da pessoa jurídica e age em nome dela. Mas as mesmas fundações

somente são responsáveis pelos contratos firmados, desde que estes estejam de

acordo com a lei e com o estatuto social. Nesse sentido é que se revela tranqüilo na

doutrina que os contratos firmados pelos dirigentes, em nome das pessoas jurídicas

e dentre elas as fundações privadas, são válidos se efetivados em consonância com

a ordem legal e de acordo com os ditames do estatuto da entidade. Caso afrontem a

lei, o estatuto ou não estejam nos limites autorizados pelo regramento interno, não

obrigam a pessoa jurídica e importam em responsabilidade do dirigente.

A responsabilidade contratual encontra disciplina especialmente nos artigos

389 e 395 do Código Civil, que asseveram:

Artigo 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Artigo 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.

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Quando a responsabilidade não deriva do contrato, ou seja, de um acordo

de vontades, ela é tida por responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Ela incide

em face da violação de um preceito legal, sem que exista qualquer relação

contratual entre o agente causador do dano e o prejudicado. Aplicável à espécie a

norma do artigo 186 do Código Civil.

Na responsabilidade extracontratual não existe um ajuste de vontade prévio

entre o causador do dano e o lesado. Não há nenhum vínculo jurídico preeexistente

à prática do ilícito.

É o que ocorre, a título de exemplo, quando um automóvel de propriedade

de uma fundação colide, com culpa do motorista, com outro veículo, causando

danos materiais ao proprietário deste. A fundação é responsável pela recomposição

do prejuízo sofrido pelo titular do veículo danificado.

A responsabilidade extracontratual encontra regramento nos artigos 186,

188 e 927 do Código Civil, os quais dispõem que:

Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Artigo 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Artigo 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

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Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

16.4 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

O artigo 186 do Código Civil define que a responsabilidade subjetiva

pressupõe a culpa do agente causador do dano. Para a sua existência é mister que

o comportamento do agente seja culposo ou doloso e que haja nexo causal entre a

ação ou omissão e o dano. O artigo 186 emprega o termo culpa em sentido amplo,

significando culpa em sentido estrito, ou seja, imprudência, negligência e imperícia,

bem como o dolo.

A culpa lato sensu, ou seja, a culpa ou o dolo, referida pela lei acionária no

artigo 158, inciso I, é a mesma culpa civil apontada no artigo 186 do Código Civil.

Portanto, a diligência que se espera do administrador de uma fundação privada é a

normal, a ordinária, que deve ser analisada em confronto com o tipo de atividade

social e econômica exercida pela fundação, inclusive com os contornos de sua

dimensão, importância e os recursos disponíveis.

A responsabilidade objetiva não depende de culpa, mas somente da

comprovação do prejuízo. O dever de indenizar é consequência da relação de

causalidade entre o fato e o dano. Nesta situação presume-se a culpa ou, em outras

palavras, presume-se o dever de indenizar.

Há hipóteses, entretanto, que a ordem legal estabelece que, muito embora

existente o dano, não há dever de indenizar. O artigo 188 do Código Civil é claro ao

dispor que são causas excludentes do dever de indenizar a força maior, o caso

fortuito, a legítima defesa, o exercício regular de direito e o estado de necessidade.

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O caso fortuito e a força maior ocorrem com a presença de dois requisitos,

quais sejam, um objetivo, que se configura com a inevitabilidade do evento danoso;

e outro subjetivo, que se caracteriza com a ausência de culpa ou dolo na produção

do evento. Na força maior ocorre o que a doutrina nomina de Act of God, ou seja, a

ação de Deus, e aqui a causa que enseja o dano é conhecida, pois se trata de um

fato da natureza. Exemplos típicos de força maior são a ação originada por raios,

inundações não previsíveis e terremotos. No caso fortuito, o dano ocorre por causa

desconhecida que, uma vez descoberta, não era previsível, como por exemplo a

queda de cabos elétricos bem conservados, implicando incêndio. Também ocorre o

caso fortuito com fatos de terceiros, como uma greve. Se a força maior e o caso

fortuito foram imprevisíveis ou irreconhecíveis com diligência ordinária, de maneira

que não se poderia prever a responsabilidade da pessoa, isto acarreta a extinção da

obrigação. Não ocorre a liberação da obrigação, no entanto, se houver convenção

de indenização mesmo em tais hipóteses.

Definidas as questões anotadas, pode-se afirmar que a responsabilidade

civil dos dirigentes é uma realidade no ordenamento jurídico brasileiro e decorre da

análise sistemática de todo o sistema legal, pois o instituto é aplicável a todas as

relações jurídicas, de forma uniforme, não sendo diferente em relação às fundações

privadas.

Aplicáveis à hipótese, como anotado, as normas dos artigos 158 e 165 da

Lei n. 6.404/76, haja vista a integração por analogia da Lei das S/A para as

fundações privadas, na medida em que não são comandos legais conflitantes com o

sistema fundacional.

Verifica-se dos dispositivos legais apontados que o legislador optou por

descrever os poderes, as obrigações e a responsabilidade dos administradores das

sociedades anônimas de forma nem sintética nem analítica, mas sim mista. Com

efeito, entre as opções de descrever uma regra de obrigações e consequente

responsabilidade de maneira abstrata e abrangente, com recurso às cláusulas

gerais, ou de apresentar o mesmo regramento de forma minuciosa e taxativa, com

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condutas específicas, o legislador pátrio optou pela enunciação legal dos

desdobramentos do que denominamos por dever de diligência, mantendo a

referência a deveres específicos e hipóteses concretas. Com isso posicionou-se em

situação mediana entre uma norma jurídica aberta e uma fechada.

O artigo 158 dispõe que: “O administrador não é pessoalmente responsável

pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de

gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I

– dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei

ou do estatuto.”

O artigo 165, por sua vez, dispõe que: “Os membros do conselho fiscal têm

os mesmos deveres dos administradores de que tratam os arts. 153 a 156 e

respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e

de atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto.”

O § 1o da mesma norma, por sua vez, que: “Os membros do conselho fiscal

deverão exercer suas funções no exclusivo interesse da companhia; considerar-se-á

abusivo o exercício da função com o fim de causar dano à companhia, ou aos seus

acionistas ou administradores, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que

não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia, seus

acionistas ou administradores.”

O § 2o, por seu turno, que “o membro do conselho fiscal não é responsável

pelos atos ilícitos de outros membros, salvo se com eles foi conivente, ou se

concorrer para a prática do ato.”

Prossegue o mesmo artigo com seu § 3o , dispondo que: “A

responsabilidade dos membros do conselho fiscal por omissão no cumprimento de

seus deveres é solidária, mas dela se exime o membro dissidente que fizer

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consignar sua divergência em ata da reunião do órgão e a comunicar aos órgãos da

administração e à assembleia-geral.”

Nesse contexto, ato culposo é aquele praticado de forma negligente,

imprudente ou imperita. Incidirá a responsabilidade civil se o administrador causar

dano ao patrimônio ou à imagem da fundação.

Negligência consiste em ausência de cuidado ao exercer determinado ato,

implicando omissão ou inobservância de dever e de que resulta, ou pode resultar,

prejuízo para a entidade ou para a sociedade.

Conduta imprudente é aquela em que o agente atua precipitadamente, sem

tomar as cautelas necessárias; e em razão disso, acaba provocando danos à vítima.

Trata-se de conduta afoita do agente, consistente na violação de regras ensinadas

pela experiência. Caracteriza-se, pois, por uma conduta reveladora de ausência de

cuidado objetivo.

Será imperito o administrador que, sem conhecimento, habilidade ou técnica,

executa o negócio jurídico, resultando prejuízo.

Ato doloso é o perpetrado com vontade, mesmo ciente o administrador de

que há violação à ordem legal. Causando dano à fundação, será o agente

responsável pela reparação, sem prejuízo de outras providências.

A título exemplificativo podem-se elencar como atos dolosos que ensejam a

responsabilização, a contratação de empresas para prestação de serviços de forma

fictícia, com o objetivo de remunerar indiretamente diretores, ou mesmo o

recebimento, pelo diretor, de parte da remuneração paga a determinados

contratados para prestação de serviços. A contratação de empregados fantasmas. A

prática de liberalidades com os recursos da fundação. O uso, em proveito próprio ou

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de terceiros, de bens e serviços da fundação. O pagamento de horas extras por

trabalho não realizado. O pagamento de remuneração a empregados em valores

não compatíveis com a prática de mercado, etc.

A responsabilidade, no entanto, exige a análise do poder que o dirigente

possui no âmbito interno da fundação e, por consequência, da esfera de atribuições

definidas pela lei e pelo estatuto social.

No caso das fundações, o presente estudo defende o posicionamento de

que devem ser considerados dirigentes os integrantes do Conselho Curador, do

Conselho Fiscal e da Diretoria Executiva, cada um nos limites de seus poderes e

suas obrigações.

Os dirigentes, por seu turno, não se confundem com os órgãos colegiados

em que atuam. Há de se fazer distinção clara entre o órgão e a pessoa do dirigente.

O dirigente, quando atua regularmente, age em nome da pessoa jurídica. É a

pessoa jurídica, em verdade, quem está praticando atos jurídicos, porém o faz por

intermédio do dirigente.

O estatuto social deve necessariamente estabelecer os poderes, as

obrigações e as prerrogativas dos diversos cargos que integram a administração

superior da fundação privada. Anote-se, no entanto, por pertinente, que o cargo de

que trata o presente trabalho não se refere ao conceito específico do direito

administrativo, mas sim a um posto determinado na estrutura interna de uma pessoa

jurídica, para o qual o regramento interno define uma série de atribuições, com

poderes, obrigações e deveres.

Os cargos de uma fundação estão organizados, na estrutura interna da

entidade, de forma individualizada, ou inseridos num colegiado. O Conselho Curador

é sempre um órgão colegiado, no qual todos os integrantes possuem os mesmos

poderes, as mesmas obrigações e os mesmos deveres, salvo daquele que ocupe a

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presidência do colegiado, pois a este se somam obrigações próprias inerentes ao

comando da referida coletividade. O mesmo ocorre com o Conselho Fiscal.

A Diretoria Executiva, por sua vez, pode ser exercida por somente uma

pessoa, a qual deve assumir todos os encargos pertinentes ao comando da gestão

da fundação, assim como pode ser estruturada como um colegiado, com definição

de atribuições para diversos cargos. É muito comum nas fundações que a Diretoria

Executiva também seja coletiva, ou seja, composta por mais de um Diretor. Em

verdade, o modelo mais usual é da existência de um Diretor Presidente, um Diretor

Administrativo e um Diretor Financeiro. Por vezes, no entanto, dependendo da

complexidade específica da fundação, a Diretoria é mais ampla, com outros cargos,

como um Diretor de Cursos, um Diretor de Corpo Clínico, um Diretor de Projetos,

etc. Aliás, tudo conforme já anotado anteriormente.

É usual, outrossim, que as decisões dos colegiados sejam tomadas

coletivamente, mediante quóruns definidos no próprio estatuto social. É costumeiro,

também, ser conferido ao dirigente máximo, dentro de cada colegiado, o poder de

decidir em hipóteses de urgência, devendo então submeter posteriormente a

decisão ao referendo do colegiado.

E sendo as decisões tomadas de forma coletiva, os dirigentes são

responsáveis também coletivamente, desde que tenham participado da deliberação.

Não há que se falar, nesse contexto, da responsabilidade de um dirigente

pela tomada de decisão em determinada reunião formal do colegiado, caso este não

tenha participado da decisão. Também se livra da responsabilidade coletiva, o

dirigente que discordar da decisão da maioria e consignar sua divergência.

Há a possibilidade, também, de o Conselho Curador ou do Conselho Fiscal

serem responsabilizados pelos atos da Diretoria Executiva. Em regra a

responsabilidade não existe. Ela incide, porém, quando caracterizada a ocorrência

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175

de dano por atos comissivos ou omissivos da Diretoria Executiva; e incorre em falta

o Conselho Fiscal e/ou o Conselho Curador, mediante conivência ou negligência no

dever de agir.

Em outras palavras, imagine-se a possibilidade de prática de atos de desvio

comportamental por parte dos integrantes ou de determinados integrantes da

Diretoria Executiva. Nessa hipótese, se os integrantes do Conselho Fiscal tinham a

obrigação de ter conhecimento da irregularidade, respondem pela omissão, caso

não ajam com a finalidade de impedir a ocorrência do dano, ou, tendo ele ocorrido,

pela responsabilização do faltoso. Da mesma forma, o Conselho Curador, que na

condição de órgão máximo de controle interno da fundação, tem a obrigação de

tomar conhecimento de todos os atos de gestão e fiscalizá-los.

Há situações práticas em que os integrantes do Conselho Fiscal e do

Conselho Curador têm conhecimento de sinais de que uma irregularidade na gestão

irá ser praticada. Se não agirem no sentido de evitar que o dano seja cometido, são

responsáveis solidários pelo prejuízo ocorrido. Isto porque é obrigação inerente ao

cargo de integrante do Conselho Fiscal a fiscalização da entidade, principalmente

sob o aspecto contábil. Se há falha nesse acompanhamento, há responsabilidade do

colegiado, por deficiência no exercício dos atributos do cargo.

Da mesma forma, em relação aos integrantes do Conselho Curador. Sendo

estes responsáveis pelo acompanhamento, direcionamento e fiscalização superior

da entidade, há situações práticas onde o correto exercício dos atributos do cargo é

suficiente para evitar a ocorrência de determinado dano. E se não agirem no sentido

de evitar o prejuízo, são corresponsáveis pelo desvio comportamental dos

integrantes da Diretoria Executiva.

Em situação diversa, quando não se pode imputar ao Conselho Fiscal e/ou

ao Conselho Curador a obrigação de se antecipar à ocorrência do dano, destes se

espera que sejam tomadas todas as providências pertinentes para a

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responsabilização e, inclusive, a reparação do dano e em determinadas situações, a

comunicação às autoridades de controle e fiscalização do ocorrido. Em não agindo

nesta consonância, também são responsáveis, pela omissão e descuido no

exercício das atribuições dos cargos.

A respeito leciona Gustavo Saad Diniz:

Cada um dos administradores é responsável pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos a eles por lei ou pelo estatuto. Se a violação da norma legal ou estatutária ocorrer por um administrador que atuou com culpa ou dolo, a responsabilização será somente deste administrador. Por outro lado, verificada a existência de ilícito, cabe perguntar: é possível a responsabilização civil de todo o corpo administrativo? Mais uma vez, devemos nos socorrer do auxílio integrativo da Lei n. 6.404/76, que no artigo 158, § 1º, suprime a lacuna da legislação fundacional no Brasil, disciplinando com bastante clareza a matéria: § 1º. O administrador não e responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao Conselho Fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral‟. O § 5º, do mesmo artigo, também aplicável, disciplina a responsabilidade solidária, quando alguém, em conjunto com o administrador faltoso, „com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática infracional, mas deixa de comunicar ao Conselho Deliberativo, Conselho Administrativo, Conselho Fiscal ou à Assembléia Geral, conforme o caso.

125

De forma resumida, então, a culpa dos integrantes do Conselho Fiscal e do

Conselho Curador ocorre quando há conivência ou negligência. Assim como no caso

de conhecimento prévio da intenção da prática de fato danoso, se nada for feito

visando impedi-lo ou sendo o conhecimento posterior à prática do mesmo fato, se

não forem tomadas as medidas adequadas para a responsabilização. Mister,

também, que haja nexo de causalidade entre a ação comissiva ou omissiva e o

dano, para que incida a responsabilidade civil.

E mesmo que o dirigente seja empregado da pessoa jurídica, a

responsabilidade é a mesma. Logo, seja qual for a natureza jurídica da relação

125

DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. Cit., p. 405.

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entre o dirigente e a fundação, ou seja, se voluntário ou empregado, este

responderá perante a entidade e terceiros, pelos desvios comportamentais, ou seja,

pela prática de atos por ação ou omissão, que impliquem violação a dever jurídico,

imposto pela lei ou pelo estatuto social.

16.5 RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL E SOLIDÁRIA

A responsabilidade civil em regra é individual e não é diferente quanto

incidente sobre a conduta dos dirigentes de fundações. A lei alberga, no entanto, a

possibilidade de responsabilidade solidária, nas hipóteses de descumprimento de

deveres legais ou estatutários destinados a garantir o regular funcionamento da

entidade, por parte de um número coletivo de administradores. É possível falar,

também, na responsabilidade solidária de terceiros que de alguma maneira

concorram para a prática de ato antijurídico contra a fundação.

De fato, há responsabilidade solidária quando determinada pessoa for

conivente com a prática de ato antijurídico, ou dele ciente deixar de agir para impedir

a sua prática, tendo o dever para tanto. Com isso estará descumprindo dever

jurídico de seu cargo e, sem prejuízo da concorrente violação de dever específico,

também estará violando o dever de lealdade, na hipótese de conivência. Estará, por

outro lado, violando o dever de vigilância quando negligenciar em descobrir o ato

antijurídico ou mesmo o dever de diligência, se dele tomar conhecimento e não agir

para impedir a sua prática ou para operar a responsabilização devida. Ocorrendo,

pois, concurso de comportamentos ilícitos, por ação ou omissão, serão responsáveis

solidariamente todos os culpados.

Também é possível falar de responsabilidade solidária de administradores

quando tiverem participação direta e culposa nos danos causados à fundação,

mediante conduta comissiva ou omissiva.

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Deve-se lembrar, também, que a responsabilidade solidária é mais comum

na administração colegial, ou seja, quando um grupo de pessoas assume

responsabilidade coletiva pelas deliberações colegiadas. É o que geralmente ocorre

quando há responsabilidade no Conselho Curador ou no Conselho Fiscal, cujas

decisões em regras são ultimadas coletivamente.

Nesse contexto é que vigora a regra de que o prejudicado, em hipóteses que

tais, não precisa demonstrar a participação culposa ou dolosa de cada um dos

dirigentes, individualmente. Estes, no entanto, poderão demonstrar que não foram

negligentes ou coniventes com os demais dirigentes, desde que tenham tomado em

tempo certo as medidas pertinentes para a exoneração de responsabilidade. É o que

ocorre quando, em sede de uma deliberação colegiada, com fundamento na norma

do artigo 158, § 1º, da Lei n. 6.404/76, o dirigente vencido faz consignar em ata a

divergência ou não sendo possível, dá ciência imediata e por escrito aos órgãos da

administração superior da fundação ou aos órgãos externos de velamento e

fiscalização, das razões da dissonância.

16.6 RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES POR VIOLAÇÃO DA

ORDEM LEGAL

Todas as pessoas naturais e todas as pessoas jurídicas estão submetidas

ao império da lei, esta em seu sentido lato. Em outras palavras todos devem

obediência ao ordenamento jurídico. Não é diferente a situação dos administradores

das fundações, que devem cumprir as disposições normativas pertinentes.

Dentre inúmeras obrigações legais, algumas incidem de forma costumeira

na rotina da administração das fundações, dentre elas o dever de agir com

probidade, com honestidade, com obediência aos princípios e normas legais, de não

remunerar os dirigentes salvo se o estatuto contiver comando autorizativo nesse

sentido, de publicar os balanços, de submeter-se ao velamento do Ministério

Público, etc.

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O descumprimento da ordem legal gera consequências aos administradores.

Internamente estes ficam sujeitos às penalidades previstas no estatuto social da

entidade, como por exemplo a destituição dos cargos ocupados. Externamente pode

incidir a responsabilidade civil, como reparação dos danos causados ou o

afastamento judicial de suas posições estatutárias. Ainda externamente, a conduta

praticada pelo administrador faltoso pode também gerar consequências de ordem

criminal, caso a prática se revista de tipicidade penal.

16.7 RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES POR VIOLAÇÃO DO

ESTATUTO SOCIAL

A obrigação de cumprimento das regras estatutárias decorre do próprio

princípio da legalidade. Com efeito, enquanto a obediência ao ordenamento jurídico

é obrigação que decorre da lógica do sistema, antes mesmo de ser uma norma

inserta em toda a ordem legal, da Constituição Federal à regra jurídica de menor

valor hierárquico, é comezinho que o princípio da legalidade impõe a obediência, em

decorrência do próprio império da lei, ao regramento disposto na seara interna da

pessoa jurídica.

A norma do artigo 158, inciso II, da Lei n. 6.404/76, em consonância com a

sistemática jurídica referida, impõe ao administrador o cumprimento das regras

estatutárias, sob pena de responsabilidade, independentemente de ocorrência de

culpa ou dolo. É objetiva, aqui, a responsabilidade.

Nesse sentido os ensinamentos de Flávia Regina de Souza Oliveira:

“Dispensa-se a prova de culpa, ou melhor, presume-se a existência da mesma

quando o administrador viola a lei ou o estatuto, agindo com excesso ou abuso de

poder (artigo 158, parágrafo 2º). É a chamada responsabilidade objetiva.” 126

126

OLIVEIRA, Flavia Regina de Souza. 2005 op. cit., p. 77.

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180

É dever do administrador, portanto, a obediência também do estatuto social.

Sua desobediência enseja a ocorrência de ato ilícito e, consequentemente, a

responsabilização. Além do dever de indenizar, o dirigente administrador poderá

sofrer penalidades de ordem administrativa, tais como advertência, suspensão ou

afastamento definitivo, dependendo da gravidade da conduta praticada. Sendo de

pouca monta o prejuízo, basta mera recomendação para que a não observância ao

estatuto não mais se repita.

As punições administrativas podem ser impostas pelos órgãos internos da

fundação, nos limites dos poderes existentes no regramento interno, ou mesmo

judicialmente, por provocação da fundação ou do Ministério Público. Nesse contexto,

de ponderar que o Ministério Público não possui poderes para a imposição de

penalidade administrativa ao dirigente falso, salvo a recomendação. Se esta não for

atendida, porém, cabe ao Ministério Público provocar o Poder Judiciário, para a

imposição da medida pleiteada, no bojo do devido processo legal.

Para a imposição de penalidade administrativa, porém, a Fundação deve

garantir ao faltoso a oportunidade de defesa, independentemente da existência ou

não de exigência nesse sentido no estatuto social.

E mesmo o administrador vitalício pode ser afastado administrativa ou

judicialmente da Fundação, na hipótese de prática de ato danoso aos interesses da

fundação, em desconformidade com o estatuto social. Basta que haja fundamento

fático para tanto e garantia ao princípio constitucional da ampla defesa.

A vitaliciedade no cargo fundacional não é garantia para a prática de atos

contrários à lei ou ao estatuto, sem responsabilização. A permanência vitalícia no

cargo, que muito embora não recomendada, é uma realidade em algumas poucas

fundações, é mero dispositivo que impõe a desnecessidade de reeleições periódicas

para a continuidade no cargo. No mais, aplicam-se todas as disposições comuns

aos demais administradores.

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O vitalício, portanto, pode ser suspenso ou afastado cautelar ou

definitivamente do cargo ocupado, ante a prática de atos contrários à lei ou ao

estatuto social. Mesmo que o vitalício seja instituidor da fundação, pois uma vez

constituída a pessoa jurídica, ela assume absoluta autonomia em relação ao seu

criador. A partir do nascimento da fundação, a relevância são os interesses desta e

não do instituidor.

16.8 RESPONSABILIDADE CIVIL DA FUNDAÇÃO PERANTE TERCEIROS

Os administradores das fundações privadas quando atuam, agem em nome

de pessoa jurídica, obrigando-a na hipótese em que causar dano a terceiro. Na

verdade, quem age é a fundação, por intermédio do seu dirigente. Este materializa a

vontade social da entidade fundacional. Nas suas relações jurídicas, a fundação

pode então ser responsabilizada, por força de relação contratual ou extracontratual.

O prejuízo a ser indenizado, por seu turno, pode ser de ordem material ou moral.

Trata-se, aqui, da hipótese em que o administrador tiver agido em

conformidade com a ordem legal e as regras estatutárias. Em outras palavras, que

os atos praticados sejam regulares de administração, mas que mesmo assim

causem danos a terceiro.

A responsabilidade contratual, como já anotado, decorre do descumprimento

de contrato, ou seja, de um ajuste de vontades, quando há inexecução das

obrigações contratuais. A extracontratual, diferentemente, decorre de um comando

legal.

O fundamento legal para a responsabilização das fundações privadas não

decorre de norma específica a respeito, mas sim das regras gerais de

responsabilidade civil, dispostas no Código Civil, ou mesmo no Código de Defesa do

Consumidor, caso caracterizada relação de consumo.

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16.9 RESPONSABILIDADE PENAL

A responsabilidade penal caracteriza-se quando há violação de uma norma

legal de cunho penal. O agente, nesta hipótese, infringe uma norma de direito

público e a lesada é a sociedade, pois violação de qualquer norma penal importa

violência aos interesses da sociedade.

Enquanto na responsabilidade civil o lesado é o agente privado, este tem a

discricionariedade de decidir se exigirá a responsabilização do causador do dano ou

não. O mesmo não é o que ocorre, em regra, com as violações das normas penais,

pois incumbe ao Estado a responsabilização do agente. Salvo quando, em

determinadas hipóteses de condutas delitivas, estiver na esfera de arbítrio da vítima

direta decidir pela persecução penal ou não. É o que ocorre, geralmente, com os

crimes de menor potencial ofensivo, onde incumbe à vítima decidir se o agente

violador da norma penal deve ou não ser acionado pela Justiça Criminal.

A responsabilidade penal também difere da civil no tocante a quem deve

responder pelos danos, pois a responsabilidade penal é pessoal e intransferível.

Como tal responde por ela exclusivamente o autor do delito.

Na responsabilidade civil o ordenamento jurídico regula a matéria de forma

diferente, pois podem ser responsabilizados a indenizar a vítima os herdeiros, os

responsáveis pelos incapazes, o empregador, etc.

Ainda na responsabilidade penal, é mister que haja adequação do fato

concreto ao tipo penal. Isso implica dizer que só é possível falar em

responsabilidade penal quando houver a prática de uma conduta que se afina

perfeitamente a um tipo penal. O enquadramento, portanto, é de natureza fechada.

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Na responsabilidade civil ocorre o oposto, sendo o enquadramento

absolutamente aberto, pois qualquer ação ou omissão pode gerar a

responsabilidade civil, na medida em que viole direito ou cause dano a outro.

O grau da culpa, para ter relevância na responsabilidade também difere.

Enquanto na responsabilidade civil qualquer grau de culpa, inclusive a levíssima,

pode ensejar a responsabilização, na penal o ordenamento exige a culpa penal, que

deve apresentar relativo grau de intensidade. Por essa razão não há dúvidas de que

toda culpa sob o aspecto penal é culpa civil, mas não o inverso, pois é possível a

caracterização de culpa civil que não enseje o reconhecimento de que é de natureza

penal.

Também a imputabilidade difere nas duas modalidades de responsabilidade.

Enquanto não há que se falar em responsabilidade penal para os menores de 18

anos, é possível a responsabilização civil do menor.

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CONCLUSÃO

O presente estudo partiu da experiência obtida na rotina do exercício das

funções de Curador de Fundações na Capital do Estado de São Paulo, com o

velamento de aproximadamente 3 centenas de fundações privadas, a maioria delas

com expressiva atividade social e significativo patrimônio, que ensejam o

enfrentamento diário de questões de relevância. O trabalho levou em consideração,

outrossim, a doutrina sedimentada a respeito da matéria, principalmente de autores

nacionais, que apresentam uma teoria específica calcada na realidade nacional, mas

com a homenagem devida a doutrinadores estrangeiros, que apresentam conceitos

relevantes para a compreensão do objeto em análise.

O estudo não esconde a visão de que os serviços sociais, ditados pela

Constituição Federal como uma obrigação do Estado, devem ser por este colocados

em prática, mediante políticas públicas, mormente junto à sociedade onde é gritante

a desigualdade social. Mas não se pode negar, por outro lado, que o Estado é

impotente para enfrentar sozinho todas as demandas. Nesse caminho que ele deve

reservar, para si, somente a condição de ator principal no processo de implemento

de políticas visando igualar a sociedade em oportunidades. Como ator subsidiário

surge o Terceiro Setor, representado pelas fundações privadas e pelas associações

que desenvolvem atividades de interesse social.

O comando constitucional que impõe ao Poder Público a obrigação de

diminuir às mazelas sociais, no contexto de uma sociedade complexa como a

brasileira, exige, como anotado, que sejam colocadas em prática políticas públicas

fundadas no contexto de uma administração pública gerencial, mais preocupada

com os resultados do que com os procedimentos, com a finalidade de atingir os fins

com potencialidade, visando efetivar os vários aspectos da justiça social.

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Nesse contexto que se apresenta o Terceiro Setor, compreendido pelas

fundações privadas e pelas entidades associativas de interesse social. Muito embora

o presente estudo tenha por meta descortinar as fundações privadas, com o fim de

abordar os aspectos da responsabilidade de seus administradores, não deixou de

lado a abordagem das associações, pela similitude dos institutos, pois ambos são

modalidades de pessoa jurídica de direito privado, sem finalidade lucrativa, focados

necessariamente ou por opção, no desenvolvimento de atividades de interesse da

sociedade civil.

O presente trabalho discorreu sobre as origens do instituto fundacional, bem

como a evolução da legislação a respeito da matéria, desde antes do Código Civil de

1916 até a atualidade, onde se verificou que a fundação privada mantém um padrão

com especificidades que não mudaram desde a Antiguidade. E não foi diferente com

a legislação, que por evidente evoluiu até chegar ao modelo atual, mas sempre com

coerência de maneira a prestigiar a ideia central desta especial modalidade de

pessoa jurídica de direito privado.

Defende o presente estudo, nessa linha, que a fundações privadas integram,

juntamente com as associações que desenvolvem atividade de interesse social, o

denominado Terceiro Setor. Com efeito, enquanto uma fundação somente pode

exercer atividade definida no artigo 62, § único, do Código Civil, as associações

possuem liberdade constitucional para exercer todo e qualquer tipo de atividade,

desde que seja de finalidade não lucrativa, lícita e não paramilitar. Aquelas, porém,

que exercem atividade de interesse social, estas integram, juntamente com as

fundações privadas, o que se defende como entes integrantes do Terceiro Setor.

E por integrarem o Terceiro Setor, o estudo dedicou-se de forma rápida a

abordar os dois institutos, em paralelo, para definição dos pontos em comum e os

divergentes.

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Voltando à análise das fundações privadas, foi efetuado levantamento dos

dados cadastrais junto ao Ministério Público do Estado de São Paulo, onde se

mostrou o quão expressivo é o trabalho social desenvolvido por essas entidades, em

benefício da sociedade, assim como o capital bilionário que elas amealham, que

servem de sinal para a importância do estudo da responsabilidade dos dirigentes.

A relevância do presente estudo, portanto, torna-se visível quando se

constata que a sociedade civil é a titular do domínio das fundações. O capital

expressivo que elas possuem, na verdade, é de titularidade da coletividade social.

De considerar, também, que a mesma sociedade é a destinatária final das atividades

sociais realizadas por elas. E se os administradores das fundações gerenciam

patrimônio e comandam atividades de interesse da coletividade, importante o estudo

da responsabilidade deles na gestão de empreendimento e patrimônio de terceiro.

Para a compreensão da responsabilidade dos administradores das

fundações privadas, ante as especificidades dessa modalidade de pessoa jurídica

de direito privado, sem finalidade lucrativa e de fins sociais, foi relevante para o

presente estudo a exposição da forma como são conceituadas, instituídas,

constituídas, dirigidas, veladas e extintas. E para o entendimento da forma como são

dirigidas, forçoso o enfrentamento da estrutura interna de poder, para clareamento

das atribuições e dos deveres inerentes ao exercício da gestão.

O conceito preferido de fundação foi o de modalidade de pessoa jurídica de

direito privado, constituída a partir de um patrimônio que recebe personalidade

jurídica, com atuação em finalidades definidas pela lei. Ou, em outras palavras,

como um patrimônio personificado destinado a uma finalidade social.

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Os elementos nucleares da conceituação de fundação são, portanto, o

patrimônio, a finalidade e o vínculo entre ambos.

Quanto ao patrimônio o estudo tratou, dentre outras circunstâncias,

especialmente da irreversibilidade dos bens para os instituidores ou outras pessoas,

físicas ou jurídicas de fins egoísticos, pois pertencem à sociedade, vista de forma

difusa. No mesmo contexto da inalienabilidade relativa, pois o domínio, como

anotado, é de todos. Em verdade o dirigente da fundação privada administra

interesse e patrimônio de terceiro. Por essa razão, sua liberdade de atuação é

restrita.

As fundações privadas podem ser instituídas e constituídas a partir de ato

inter vivos ou causa mortis. A primeira modalidade, mediante escritura pública, com

o aval do Ministério Público com atribuições para exercer as funções de velamento.

A segunda, no bojo dos autos do inventário que dá validade ao testamento firmado

pelo instituidor em vida.

No contexto da instituição e constituição da fundação deve ser erigido como

norma interna um Estatuto Social, que estabelece regramento interno da forma

como a pessoa jurídica será gerida e administrada, visando atender à sua finalidade

social. Dentre outras regras, devem ser definidos a denominação, a sede, os fins, a

duração da entidade, o patrimônio, o destino dos rendimentos, os órgãos superiores

de administração e fiscalização interna, as respectivas competências, o exercício

financeiro, a forma de prestação de contas, a responsabilidade dos gestores, a

forma de alteração estatutária, eventual extinção e a consequente destinação do

patrimônio.

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O estudo dedica-se, como não poderia deixar de ser, aos aspectos do

velamento das fundações privadas. Com efeito, diferentemente de todas as demais

modalidades de pessoa jurídica, as fundações são permanentemente

acompanhadas pelo Ministério Público. O fundamento da especificidade fulcra-se no

fato de que a fundação é constituída a partir de um patrimônio, o qual é de domínio

da sociedade como um todo. Ademais, porque esta modalidade de pessoa jurídica

deve exercer, necessariamente e por imposição legal, atividade de interesse da

mesma sociedade. E como os gestores administram interesse de terceiro - da

sociedade civil -, imperioso o permanente acompanhamento, velamento e

fiscalização do Ministério Público, que recebeu esse encargo por disposição

constitucional e legal.

Na sequência foram tratados aspectos pertinentes à hipótese de extinção da

pessoa jurídica, especialmente sobre a fórmula legal para ser obedecida e a

destinação do patrimônio.

A dissertação dedicou-se, na sequência, à abordagem de considerações a

respeito da administração, das relações do poder, dos deveres e da

responsabilidade dos dirigentes das fundações privadas.

As fundações privadas apresentam estruturas administrativas complexas,

que encontram paralelo com a organização da Administração Pública, sendo em

regra compostas de um órgão coletivo de gestão, um órgão de comando superior

com o encargo de estabelecer a política institucional e a fiscalização interna e um

órgão de assessoramento das contas. Essa estrutura encerra a administração

superior da entidade, necessitando de regramento interno claro, definindo os

poderes, as competências, os deveres e a respectiva responsabilidade dos

administradores.

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Sendo a responsabilidade dos dirigentes o foco do trabalho apresentado, o

estudo explana com detalhes as formas de composição das forças internas da

entidade, os poderes decisórios e a consequente responsabilidade. Chega-se à

conclusão, nesse caminho, que quanto maior for o poder de decisão interno, na

mesma proporção surge a responsabilidade do dirigente.

A responsabilidade dos gestores de fundações privadas, que administram,

em nome próprio, interesse alheio, por seu turno, pode se apresentar sob duas

facetas: responsabilidade civil e responsabilidade penal. Por ser um tema pouco

discutido na doutrina nacional, em razão da recente introdução do Terceiro Setor no

cenário nacional, de relevo o estudo apresentado.

Nas fundações, a regra é o administrador não ser responsável pelos

negócios jurídicos firmados pela pessoa jurídica com terceiro, desde que sejam

perpetrados no exercício regular de suas funções.

A exceção, no entanto, ocorre quando o administrador age com culpa em

sentido amplo (dolo e culpa em sentido estrito, esta sob a modalidade de

imprudência, negligência e imperícia), causando dano a terceiro ou à própria

fundação, onde se faça presente o nexo causal entre a ação ou omissão do agente

e o dano ocorrido.

Também incide a responsabilidade civil quando o administrador agir de

maneira contrária à ordem legal e ao estatuto social, com desvio comportamental.

Nesta hipótese não se exige a comprovação de culpa. Esta é presumida, cabendo

ao dirigente a prova de que agiu no cumprimento regular de um poder ou de uma

obrigação.

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A abordagem do instituto fundacional, sua evolução, seu contexto atual e a

consequente responsabilidade, exigiu além do trato das parcas normas vigentes no

ordenamento jurídico, a busca constante de outros meios de integração do direito, o

que, diante da importância do modelo de pessoa jurídica, deixa gritante a

necessidade urgente de um regramento legal específico, que regule as atividades

das fundações, que ofereça princípios próprios e que garanta segurança aos

gestores das entidades fundacionais, aos órgãos de velamento e de fiscalização,

aos beneficiários do trabalho social desenvolvido e à sociedade civil.

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