Fundações Privadas: Do Poder à Responsabilidade dos ... Grazzioli.pdf · Aos Professores...
Transcript of Fundações Privadas: Do Poder à Responsabilidade dos ... Grazzioli.pdf · Aos Professores...
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Airton Grazzioli
Fundações Privadas: Do Poder à Responsabilidade dos Dirigentes
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Airton Grazzioli
Fundações Privadas: Do Poder à Responsabilidade dos Dirigentes
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do titulo de Mestre
em Direito sob a orientação do Profº Doutor
Francisco José Cahali.
SÃO PAULO
2011
Banca Examinadora
______________________________
______________________________
______________________________
DEDICATÓRIA
Aos maiores presentes que o Deus do
Universo me confiou, minhas princesas
amadas Thais e Raquel, incentivos de
todas as horas - bênçãos que me
acariciam e alentam a alma - incentivo de
vida.
AGRADECIMENTOS
O maior dos agradecimentos não poderia ser outro que não ao Arquiteto de todas as
boas ações, o Comandante dos comandantes e comandados, sem o qual nada faz
sentido. A Ele toda honra, toda Glória e louvores.
Minha gratidão e de forma especial ao meu caríssimo orientador Prof. Dr. Francisco
José Cahali, que muito além de seu vastíssimo conhecimento da ciência do direito,
possui a sabedoria de mostrar a todos a bondade de sua alma.
Aos Professores Doutores Vidal Serrano Nunes Júnior e José Eduardo Sabo Paes o
especial agradecimento pelas orientações e ensinamentos dados por ocasião da
banca examinadora. A sabedoria dos ilustres examinadores é motivo de honra ao
mestrando.
Agradeço também ao Ministério Público do Estado de São Paulo que me deu a
honra de me acolher dentre os seus membros, ofertando-me o cargo de Promotor de
Justiça de diversas áreas para acumular conhecimentos e chegar à Curadoria de
Fundações, onde tenho a oportunidade de trabalhar em benefício direto da
sociedade, especialmente para aquela parcela social menos abastada de recursos e
oportunidades.
Aos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, que me permitiram o
convívio com experientes e dedicados Promotores de Justiça de Fundações, os
quais muito me ensinaram sobre o Terceiro Setor.
À Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e
Entidades de Interesse Social – PROFIS, na qual tenho a honra de ser o Vice-
Presidente, que me permitiu palco adequado para profícuos debates de palpitantes
temas de fundações e entidades associativas de interesse social.
Aos dirigentes e colaboradores das fundações privadas com sede jurídica na
Comarca de São Paulo, com os quais mantenho estreito relacionamento e que, com
isso, permitiram-me a aquisição de conhecimentos que foram a base e a construção
do presente trabalho.
À advogada Roberta Maria Brito, ao acadêmico de direito Danilo Mauricio Suyama e
à administradora Bruna Gadelha Da Silva, que não mediram esforços para profícuo
trabalho de pesquisa, que permitiu o enriquecimento do presente estudo.
Por derradeiro e de forma especialíssima às minhas amadas filhas Thais e Raquel,
pela compreensão, paciência e carinho que me ofertaram, especialmente nos
momentos em que tive que me ausentar do convívio familiar para dedicação aos
estudos do curso de mestrado.
“Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe
tudo. Todos nós sabemos alguma coisa.
Todos nós ignoramos alguma coisa. Por
isto aprendemos sempre.”
Paulo Freire
GRAZZIOLI, Airton. Fundações Privadas: Do Poder à Responsabilidade dos Dirigentes. 2011. 200p. Dissertação (Mestrado em Direito. área de concentração: Direito das Relações Sociais, subárea: Direito Civil) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
RESUMO
Abordagem analítica sobre a experiência fruto da rotina do exercício das funções de
Curador de Fundações na Capital do Estado de São Paulo, com o velamento de
aproximadamente 3 centenas de fundações privadas, a maioria delas com
expressiva atividade social e significativo patrimônio, que ensejam o enfrentamento
diário de questões de relevância. Realiza-se desenvolvimento sistemático sobre
conceitos e especificidades das fundações privadas, enquanto entes que integram o
denominado Terceiro Setor. É efetuado levantamento dos dados cadastrais junto ao
Ministério Público do Estado de São Paulo, onde se mostrou o quão expressivo é o
trabalho social desenvolvido por essas entidades, em benefício da sociedade, assim
como o capital bilionário que elas amealham, que servem de sinal para a
importância do estudo da responsabilidade dos dirigentes. Dissertação sobre a
forma de administração, do exercício do poder, dos deveres a da responsabilidade
dos administradores das fundações. Análise crítica da ausência de normas legais
específicas para a responsabilidade civil e responsabilidade penal dos dirigentes de
fundações privadas, que administram interesses da sociedade civil.
Palavras-chave: Terceiro setor, fundações privadas, poder, dever,
responsabilidade.
GRAZZIOLLI, Airton, Private Foundations: From the Power to the Leader’s Responsabilies, 2011. p.200, Thesis( Master‟s Degree in Law. focus area: Social Relationship Law, Sub-area: civil Law) – Pontifíca Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
OVERVIEW
Analytical approach about the experience resulted from the performance of duties of
the Guardians of Foundations in the capital São Paulo, in charge of approximately 3
hundred private foundations, most of them with expressive social activity and
significant assets, which provide automatically an opportunity of dealing with relevant
daily matters. It was performed systematic development about concepts and
specificity of private foundations, as invidious who are part of the Tertiary Sector. It
was made registration information surveys with Attorney General‟s office of São
Paulo, where it has shown how significant the social work developed by these
entities is, for the society‟s benefit, as well as the billionaire capital they amass, which
works as a sign for the importance of studies of the leaders‟ responsibilities. Thesis
on its managing performance, power engagement of the duties and responsibilities of
the administrators of the foundations. Critical analysis of lack of specific legal
standards for the civil responsibilities and Criminal responsibilities of the private
foundations leader, who manage the civil society‟s interests.
Keywords: Tertiary Sector, Private foundations, power, duty, responsibility
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 - Fundações privadas no Estado de São Paulo................................49
GRÁFICO 2 - Fundações privadas disjuntas por área de atuação no Estado de
São Paulo..................................................................................................................50
GRÁFICO 3 - Patrimônio das fundações por área de atuação no Estado de São
Paulo..........................................................................................................................51
GRÁFICO 4 - Pessoas envolvidas em fundações no Estado de São Paulo
(Funcionários e Dirigentes).....................................................................................52
GRÁFICO 5 - Movimentação Financeira das Fundações do Estado de São Paulo..........................................................................................................................53
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ILUSTRAÇÃO 1 - Patrimônio das fundações por área de atuação no Estado de São Paulo..................................................................................................................51 ILUSTRAÇÃO 2 Ciclo de evolução da organização............................................139 ILUSTRAÇÃO 3 - Estágios no ciclo de evolução de um Conselho...................141
LISTA DE ABREVIAÇÕES
ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade CC. Código Civil CF. Constituição Federal CGMP Corregedoria Geral do Ministério Público Coord. Coordenação CPC Código de Processo Civil d.C Depois de Cristo DF Distrito Federal Ed. Edição EUA Estados Unidos da América MP Ministério Público OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público P. Página PGJ Procurador Geral de Justiça PROFIS Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça de
Fundações e Entidades de Interesse Social SICAP Sistema de Cadastro e Prestação de Contas STJ Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
PARTE I
1 DISPOSIÇÕES GERAIS.....................................................................................16
INTRODUÇÃO.......................................................................................................16
2 HISTÓRICO........................................................................................................19
2.1 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO FUNDACIONAL................................................19
2.2 LEGISLAÇÃO ANTECEDENTE AO CÓDIGO CIVIL DE 1916........................29
2.3 DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DE 1916.................................................32
2.4 DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.................................................34
3 IMPORTÂNCIA SOCIAL DO TERCEIRO SETOR E SUA COMPOSIÇÃO.......38
3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS SETORES DA ECONOMIA.......................................38
3.2 FUNDAÇÕES PRIVADAS NO CONTEXTO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO..........................................................................................................41
3.3 FUNDAÇÕES PRIVADAS E ASSOCIAÇÕES.................................................44
4 IMPORTÂNCIA DAS FUNDAÇÕES PRIVADAS NO CONTEXTO POLÍTICO E
SOCIAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS................47
PARTE II
5 TEORIA GERAL DAS FUNDAÇÕES PRIVADAS E DIREITO DAS
FUNDAÇÕES........................................................................................................55
5.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA.............................................................55
6 PATRIMÔNIO.....................................................................................................59
6.1 LIBERDADE E SUFICIÊNCIA DOS BENS PARA A CONSTITUIÇÃO DE
FUNDAÇÃO...........................................................................................................60
6.2 IRREVERSIBILIDADE DOS BENS..................................................................69
6.3 INALIENABILIDADE DOS BENS.....................................................................71
7 FINALIDADES....................................................................................................74
8 INSTITUIÇÃO DA FUNDAÇÃO.........................................................................83
8.1 INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO POR ATO INTER VIVOS..............................84
8.2 INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO POR ATO CAUSA MORTIS..........................88
9 ESTATUTO SOCIAL..........................................................................................92
9.1 DENOMINAÇÃO, SEDE, FINS E DURAÇÃO DA FUNDAÇÃO......................95
9.2 PATRIMÔNIO E RENDIMENTOS...................................................................97
9.3 ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO E COMPETÊNCIAS...................................98
9.3.1 Conselho curador..........................................................................................99
9.3.2 Conselho fiscal............................................................................................100
9.3.3 Diretoria executiva......................................................................................102
9.4 EXERCÍCIO FINANCEIRO E PRESTAÇÃO DE CONTAS............................103
9.5 RESPONSABILIDADE...................................................................................104
9.6 ALTERAÇÃO ESTATUTÁRIA........................................................................105
9.7 EXTINÇÃO E DESTINO DO PATRIMÔNIO..................................................106
10 VELAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO....................................................107
11 EXTINÇÃO......................................................................................................110
PARTE III
12 ADMINISTRAÇÃO, PODER, DEVERES E RESPONSABILIDADE DOS
DIRIGENTES.......................................................................................................111
12.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.......................................................................111
13 ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR DAS FUNDAÇÕES.....................................113
13.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO DAS
FUNDAÇÕES ......................................................................................................117
13.1.1 Princípio da legalidade..............................................................................118
13.1.2 Princípio da impessoalidade.....................................................................119
13.1.3 Princípio da publicidade............................................................................119
13.1.4 Princípio da moralidade............................................................................120
13.1.5 Princípios da economicidade e da eficiência............................................120
13.2 DIRIGENTES...............................................................................................121
14 O EXERCÍCIO DO PODER NO ÂMBITO DAS FUNDAÇÕES......................123
14.1 PODER INDIVIDUAL E PODER COMPARTILHADO..................................127
14.2 PODER VITALÍCIO E PODER TEMPORÁRIO............................................130
14.3 ASSUNÇÃO DOS CARGOS E INÍCIO DO EXERCÍCIO DO PODER.........132
14.4 EXERCÍCIO DO PODER POR TERCEIROS NOMEADOS PELOS
DIRIGENTES.......................................................................................................132
14.5 EXERCÍCIO DO PODER PELOS DIRIGENTES DE FORMA REMUNERADA
OU VOLUNTÁRIA................................................................................................133
14.6 EXERCÍCIO DO PODER PARA EXERCITAR A VONTADE DA FUNDAÇÃO
E NÃO DOS DIRIGENTES, SOB PENA DE RESPONSABILIDADE..................134
14.7 CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL DOS DIRIGENTES PARA EXERCÍCIO DO
PODER................................................................................................................137
14.8 EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA DE COMANDO DA FUNDAÇÃO PARA O
EXERCÍCIO SAUDÁVEL DO PODER.................................................................138
15 DEVERES DOS DIRIGENTES.......................................................................143
15.1 DEVER DE DILIGÊNCIA.............................................................................145
15.2 DEVER DE DAR CUMPRIMENTO ÀS FINALIDADES DAS ATRIBUIÇÕES
DO CARGO..........................................................................................................149
15.3 DEVER DE INDEPENDÊNCIA....................................................................151
15.4 DEVER DE LEALDADE...............................................................................153
15.5 DEVER DE EVITAR CONFLITO DE INTERESSES....................................154
15.6 OUTROS DEVERES....................................................................................155
16 RESPONSABILIDADE DOS DIRIGENTES...................................................157
16.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS......................................................................157
16.2 RESPONSABILIDADE CIVIL......................................................................165
16.3 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL..............166
16.4 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA......................................169
16.5 RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL E SOLIDÁRIA....................................177
16.6 RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES POR VIOLAÇÃO DA
ORDEM LEGAL...................................................................................................178
16.7 RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES POR VIOLAÇÃO DO
ESTATUTO SOCIAL............................................................................................179
16.8 RESPONSABILIDADE CIVIL DA FUNDAÇÃO PERANTE TERCEIROS...181
16.9 RESPONSABILIDADE PENAL....................................................................182
CONCLUSÃO......................................................................................................184
16
PARTE I
1 DISPOSIÇÕES GERAIS
INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios sociais do século passado e também do presente
é o cumprimento efetivo, por parte do Estado, da obrigação constitucional de
viabilização de justiça social, mediante a busca de mecanismos ideais para o
desenvolvimento de políticas públicas visando à inclusão social.
Não faz muito tempo que a ordem sociopolítica previa apenas dois setores, o
público e o privado. O primeiro, por intermédio de suas várias estruturas de governo,
era incumbido de minorar as mazelas sociais. O segundo ocupava-se da economia.
A sociedade civil, porém, com o decorrer do tempo, revelou-se complexa e com isso
as exigências sociais cresceram em progressão geométrica. Por consequência, o
Estado, que nunca logrou garantir a igualdade social dos cidadãos, perdeu terreno,
dando margem a uma nova estrutura, desta vez ocupada também pelo Terceiro
Setor.1
O Terceiro Setor, portanto, representado pelas fundações privadas e pelas
associações de interesse social, colocou-se ao lado do Poder Público para que, em
1 Conforme ensina José Eduardo Sabo Paes, “Até recentemente, a ordem sociopolítica compreendia
apenas dois setores, o público e o privado, tradicionalmente bem distintos um do outro, tanto no que se refere às suas características, como à personalidade. De um lado ficava o Estado, a Administração Pública, a sociedade; do outro, o Mercado, a iniciativa particular e os indivíduos. A convivência entre ambos foi com frequência difícil, meio tumultuada, por questões de limites e invasões de território; e, em geral, quando chegam a um acordo, alguns membros da sociedade levam vantagem sobre o conjunto dela, como continua a acontecer. Decerto por força desse dualismo indesejavelmente maniqueísta, em expressão de Celso Barroso Leite, ao lado desses dois setores clássicos surgiu e começa a se firmar outro, cada vez mais conhecido como Terceiro Setor. A ideia é que nele se situem organizações privadas com objetivos públicos, ocupando pelo menos em tese uma posição intermediária que lhes permita prestar serviços de interesse social sem as limitações do Estado, nem sempre evitáveis, e as ambições do Mercado, muitas vezes inaceitáveis.” (PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social. 7. ed. São Paulo: Forense, 2010. p. 129-130).
17
parceria com este, pudesse desenvolver políticas tendentes a igualar os cidadãos
em oportunidades.
Essa parceria, entre o público e o privado, ocorre no contexto, como já
anotado, de uma sociedade complexa e mais ativa do que ocorria no passado. 2 O
relacionamento entre o Estado e as organizações sociais, dentre elas as fundações
privadas, não reduz a ação do Poder Público, mas a modifica. Essa modificação
ocorre pela participação de entidades integrantes da própria sociedade no processo
de distribuição de justiça social. Encontramo-nos, em verdade, numa sociedade
mais exigente. Nesse sentido Fernando Henrique Cardoso ensina que “as forças
populares exigem, não pedem; interpelam, não apelam; atuam, não esperam por
benesses do governo.” 3
A sociedade civil organizou-se e o número de associações de interesse
social atuantes no Brasil é bastante significativo, assim como é o capital amealhado
pelas fundações privadas. Estas duas modalidades de pessoas jurídicas de direito
privado, a primeira pela quantidade de organizações e a segunda pelo patrimônio,
fazem com que sejam de importância superlativa na missão de contribuir com o
Estado nas suas atividades de cunho social.
De fato, o destaque das organizações sociais, associações e fundações,
para a sociedade civil, revela a importância do presente estudo, que tem por objetivo
apresentar o contexto da realidade das entidades fundacionais e a respectiva
responsabilidade de seus administradores.
Para o desenvolvimento do tema proposto, pretende-se apresentar o
histórico das fundações privadas, a evolução da legislação respectiva no Brasil, a
identificação das fundações no contexto da economia e do ordenamento jurídico, o
2 A sociedade civil mudou sua forma de agir nos últimos tempos. Se no passado ela era, em regra,
passiva em relação ao comportamento dos governantes, atualmente ela tem interesse e efetivamente participa dos processos de políticas públicas. Por outro lado, a população é consciente dos direitos que a Constituição outorga e tem exigido, mediante ações individuais e coletivas, o implemento de práticas públicas tendentes a melhorar a qualidade de vida. 3 CARDOSO, Fernando Henrique. A Arte da Política – A História Que Vivi. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006. p. 511.
18
desenvolvimento de uma teoria geral e, especialmente, focar a forma como são
administradas, os poderes e deveres dos dirigentes e a consequente
responsabilidade que emana destas relações.
Pretende-se, com o presente estudo contribuir para a conscientização dos
governantes e dos administradores de fundações que o trabalho a ser desenvolvido
deve ser focado exclusivamente no interesse da sociedade civil, visando torná-la
mais justa e mais solidária.
19
2 HISTÓRICO
2.1 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO FUNDACIONAL
O homem, por força de sua própria natureza, vivencia sempre um natural
conflito entre “o que pensa que é” e “o que gostaria de ser”. Faz parte da natureza
humana esse duelo natural entre o “ser” e o “dever-ser”. A satisfação humana, por
sua vez, busca transformar o ser naquilo que deveria de fato ser. Essa dualidade
está no centro da experiência humana. O certo e o errado, o bem e o mal, o
abastado monetariamente e o vulnerável economicamente, o realizado e o frustrado.
E se de um lado vivenciamos uma luta constante em ser o que gostaríamos de ser,
é nesse contexto que o homem procura transformar-se no que há de mais positivo
em termos de valores. Essa experiência inclina as pessoas a procurarem ser boas,
pontuando suas condutas, em circunstâncias de comportamento socialmente
esperado, na ajuda incessante àqueles que necessitam.
O homem quer ser bom e por isso ele tem a necessidade de mostrar-se
bom. E mostra-se bom, não raramente, com a prática de condutas tendentes a
auxiliar os carentes.
Esse estado de ânimo não é novo e vem desde a Antiguidade.
Possivelmente esse foi o vetor que impulsionou as atividades de assistência,
voltadas a ajudar o próximo, com a finalidade de exercício de atividades do bem.
Já na Idade Antiga verificamos o homem na busca de auxílio não só para si,
como para seus semelhantes, com espírito de solidariedade. Em algumas iniciativas
vislumbrava-se a presença de patrimônios vinculados a uma finalidade social, ou
seja, destinados a contribuir para aqueles que necessitam de ajuda.
20
Mas a preocupação não era apenas com os mais necessitados, pois o
homem também tinha interesse nas atividades religiosas, artísticas, culturais e
científicas, o que o levou a pensar em uma forma de preservar manifestações desse
jaez, pois entendia que as iniciativas nesse sentido eram dádivas de Deus, em
benefício da humanidade.
O homem, nessa empreitada, por amor à arte, à sabedoria, ao próximo,
doava bens para específicas finalidades de cunho cultural, religioso, assistencial,
dentre outras de natureza similar. Apesar de tais condutas mais se aproximarem de
doações com encargo, no seu âmago tinham a intenção de destacar um patrimônio
para uma finalidade social, atendendo aos requisitos para o reconhecimento da
existência do que hoje se qualifica como fundação.4
Nos primórdios, assim como é hoje, a fundação representava a ideia de um
patrimônio voltado a uma finalidade. Como anotam alguns autores, a origem do
termo, do latim, vem de “fundare”, significando “manter”, “estabelecer” ou “construir”,
remetendo à noção de “manter um patrimônio”, “estabelecer um patrimônio”,
“construir um patrimônio”.5 Para outros, porém, dentre eles Maria Helena Diniz, a
origem do termo vem do latim “fundatio”, implicando em ação ou efeito de fundar.
Em regra um patrimônio objeto de doação do instituidor. 6
Com efeito, no contexto do direito civil contemporâneo, doação importa em
contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e abrindo mão de seu
patrimônio, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma
4 Gustavo Saad Diniz diz: “Com efeito, desde os primórdios da humanidade, registram-se atitudes dos
homens que, movidos pelo amor às artes e à sabedoria ou o singelo amor ao próximo, legavam bens para alguma finalidade cultural ou filantrópica. A sociedade grega já revelava essa vocação. Exemplo notável de instituição precursora da fundação foi, no mundo antigo, a escola que Platão fundou nos jardins de Academos, a Academia. Não era esta, propriamente, uma instituição de ensino, mas uma espécie de sociedade científica e religiosa consagrada às musas e à filosofia”. (DINIZ, Gustavo Saad. Direito das Fundações Privadas: Teoria Geral e Exercício de Atividades Econômicas. 3. ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2006. p. 42). 5 E SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. vol. II, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 724.
6 BRASIL. Código Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índice por Maria Helena
Diniz.11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 98.
21
obrigação, em benefício do outro contratante. Esse outro contratante pode ser a
coletividade e seu interesse público.
Muito embora a doação seja um ato unilateral, deixa de sê-lo, quando
adquire contornos de onerosidade, pois doação onerosa é aquela que impõe
encargo ao donatário, apesar de não ser contraprestação. O ônus deverá ser
satisfeito pelo donatário, em benefício dele mesmo e não tem a nuance de
contraprestação obrigacional.
Mas o nascedouro do instituto fundacional não se limitava aos contornos da
definição de doação com encargo, uma vez que este era restrito a uma atividade de
interesse e finalidade social. E sendo o encargo uma atividade de natureza social,
estamos orbitando em algo similar ao que hoje se qualifica como fundação.
A doação da biblioteca de Alexandria pelos Ptolomeus e a Escola que Platão
fundou nos jardins de Academos são exemplos de patrimônios separados dos
titulares do domínio para serem colocados em benefício da sociedade. Nessa linha,
muito embora fossem práticas similares à doação com encargo, com este instituto
não se afinavam perfeitamente, primeiramente porque a finalidade era restrita, ou
seja, social, e por outro lado porque não havia doação para um ente jurídico
qualquer, mas sim para algo difuso, que pertencia à própria sociedade.7
Há de se reconhecer, então, que o clássico direito romano já reconhecia a
existência de “patrimônio vinculado a determinado fim”. Embora o ordenamento
jurídico da época não reconhecesse patrimônio dotado de autonomia jurídica, para
caracterizar a existência de fundação, era permitido fazer a separação de bens e
7 Nesse sentido, os dizeres de GRAZZIOLI, Airton e RAFAEL, Edson José: “A doação da biblioteca
de Alexandria pelos Ptolomeus é um grande exemplo desses atos que, pela primeira vez, ao que parece, traz a característica de patrimônio desgarrado da pessoa de seus proprietários em benefício da coletividade. Outro exemplo é a escola que Platão fundou nos jardins de Academos, sendo esta uma instituição de ensino científico-religioso consagrada às musas, em Atenas (daí se originou o vocábulo Academia). A direção da academia foi exercida, durante duas décadas, por Platão, que a deixou aos seus discíulos, seus sucessores, em gesto de filantropia.” (GRAZZIOLI Airton; RAFAEL, Edson José. Fundações Privadas – Doutrina e Prática. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 36).
22
destiná-los a determinada cidade ou collegium, com a obrigação de um fim a ser
perseguido, sempre de interesse público. E isto por ato inter vivos como causa
mortis.8
Os particulares, então, doavam determinado bem ou um acervo patrimonial
a uma pessoa jurídica pública, onerando essa doação com um encargo. Aqueles
que recebiam os bens obrigavam-se a cumprir o encargo pelo patrimônio recebido,
sob pena de multa ou até a perda do recebido em favor de terceira pessoa jurídica,
escolhida pelo doador. Esse artifício era utilizado porque não se permitia a
constituição de fundações por particulares, com seus próprios bens. Restava, então,
a possibilidade de agregar determinado patrimônio ao Poder Público. Esse
comportamento é similar ao do instituidor de uma fundação, que destaca bens de
seu patrimônio, direcionando-os ao exercício de determinada atividade social,
cercando esse desejo de circunstâncias garantidoras de que ele seja efetivamente
cumprido.
E foi também na Idade Antiga que surgiram as primeiras iniciativas de
projetos com fins alimentares. Mesmo sem patrimônio significativo - este era
independente dos bens do Estado - tinham finalidade altruísta. Como exemplo desse
tipo de iniciativa os historiadores anotam que os proprietários de terras da região de
Valeia receberam do Imperador Trajano, por volta do ano 100 d.C., uma doação em
dinheiro, com o encargo de ser trabalhado economicamente e render juros, os quais
seriam destinados à alimentação das crianças pobres da região.9
8. “Como recorda Luiz Fernando Coelho, o Direito romano, embora atribuísse personalidade jurídica
somente aos entes do tipo associativo, concebia a existência de patrimônios vinculados a determinados fins; à época do Direito romano clássico não existiam patrimônios dotados de autonomia jurídica que pudessem ser considerados antecedentes diretos da fundação, mas a solução preconizada consistia na transferência do patrimônio a uma cidade ou collegium, com a imposição dos fins de utilidade pública, o que era feito mediante testamento ou por ato inter vivos.” (PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social. 7. ed. São Paulo: Forense, 2010. p. 203) 9 “No Império Romano, as fundações alimentares parecem ter sido mero instrumento da ação do
Imperador, não possuindo autonomia patrimonial; entretanto, eram consideradas parte independente dos bens do Estado. O Imperador Trajano emprestou dinheiro a proprietários da região de Valéia e destinou os juros à manutenção de trezentas crianças pobres. Plínio, o jovem, fez doação de uma escola à cidade de Como.” (PAES, 2010. loc. cit)
23
Esses fundos especiais para supressão da carência alimentar dos
necessitados são exemplos marcantes de iniciativas similares às das fundações
contemporâneas.
Mas, como já anotado, esses fundos não possuíam personalidade jurídica,
pois o ordenamento da época não a admitia. Luiz Fernando Coelho explica essa
impossibilidade:
A inexistência de patrimônios juridicamente personalizados no direito romano clássico é explicada, de um lado, por não terem os romanos elaborado uma teoria das pessoas jurídicas; espíritos eminentemente práticos, desenvolviam suas instituições e as aperfeiçoavam na medida das necessidades da vida, sem a preocupação de justificativas filosóficas ou teórico-científicas, o que surgiu em momento posterior da evolução do direito positivo com a necessidade de sistematizar e precisar o significado de conceitos incorporados à técnica jurídica; este momento, mais ou menos difuso na época de Justiniano, assinala o ponto de partida do direito como ciência; de outro lado, o próprio sentido prático do direito positivo de Roma explica o fato de não terem os romanos concebido a personalidade jurídica da universitates rerum, de vez que os objetivos de utilidade pública eram alcançados da mesma forma; de resto, com exceção da personalidade, todas as características das modernas fundações podem ser encontradas nas fundações fiduciárias romanas, inclusive a vigilância do Estado, através do curator reipublicae, instituição desenvolvida no segundo século com o aperfeiçoamento do organismo administrativo romano; a similitude com as modernas fundações é tal que, a propósito das fundações alimentares imperiais, sustentou Brinz tratarem-se de autênticas fundações, no sentido do direito moderno. O mesmo autor refere-se aos templos e bens dedicados ao culto dos deuses, afirmando tratarem-se de verdadeiros patrimônios
autônomos. 10
E continua o autor:
Na história das fundações, dois acontecimentos assumem especial relevância: o primeiro é a constituição de uma actio popularis com o fim de serem efetivadas as fundações instituídas por legado ou doação; o segundo relaciona-se com o desenvolvimento das entidades religiosas, em especial, a concepção da Igreja como pessoa.
Com o desenvolvimento das instituições eclesiásticas fundadas na Igreja como corpus mysticum, entidade mística e impalpável, passaram a ser concebidas como entes distintos aquelas instituições de benemerência a culto, organizadas em terrenos, igrejas e conventos; com efeito, o pium corpus, os hospitalis, a sancta domus passaram a ser concebidos como sujeitos de direito, de natureza ideal.
10
COELHO, Luiz Fernando. Fundações Públicas.1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 10-11.
24
Observa-se, entretanto, que a referida nuance de fundação não tinha
autonomia, caracterizando-se como mero apêndice da instituição que a concebia.
Também não se pode negar a forte influência do cristianismo para a
concepção atual do modelo fundacional. Gustavo Saad Diniz, nesse contexto,
aponta que:
Precisamente em razão da abstração que permitia personificar um patrimônio em função do fim a que se destina, o direito romano somente veio a sentir e criar a universitas bonorum muito tarde, já numa fase em que a inspiração cristã da piae causae conduziu o pensamento do jurista à outorga da capacidade ao acervo patrimonial, animado pela vontade
vivificadora do instituidor. 11
O autor ainda salienta que somente com o desenvolvimento das instituições
eclesiásticas passaram a ser permitidas instituições como pessoas distintas
daquelas organizadas em volta das igrejas. O primeiro reconhecimento dessas
instituições é tido por Decreto de Constantino, que permitiu às instituições pias a
aquisição de bens por testamento, prática que depois se estendeu às fundações.
E arremata: “(...) representam as piae causae momento importante na
evolução do direito ocidental, independentemente das pessoas naturais de seus
administradores, legantes ou doadores e destinatários.”
Ainda nesse contexto, não temos uma compreensão pura de fundação, na
qualidade de patrimônio dotado de finalidade. Isto porque ainda se envolvem
pessoas físicas ou jurídico-eclesiásticas, que acabaram por trazer tons de
pessoalidade ao legado, que se rege pela vontade dominante dos integrantes, e não
pela finalidade que foi fixada pelo instituidor. São conhecidas genericamente como
“universitas.” 12
11
DINIZ, Gustavo Saad, 2006. op. cit., p. 45. 12
DINIZ, Gustavo Saad, 2006. op. cit., p. 47
25
Observa-se, desta forma, que muito embora venha desde a Idade Antiga a
ideia de fundação, esta ainda não tinha o reconhecimento jurídico no ordenamento
da época. As corporações é que tinham existência jurídica, com fins idênticos aos
das fundações.13
Mas a ideia de fundação avançou na Idade Média, especialmente com as
corporações, pois atuavam com os mesmos objetivos buscados pelas fundações do
período atual. Foi nas piae causae que os romanos passaram a reconhecer a
existência das fundações, que se projetaram socialmente no curso da Idade Média.
Mas é sabido que o Clero não manteve o mesmo poder de influência de outros
tempos, culminando com o declínio das piae causae, que foi intensificado pelas
ações sociais realizadas pelas Corporações de Ofício e pela Reforma. Esse
movimento social permitiu a atuação de particulares em fins públicos, não mais
somente por espírito cristão, mas para praticar a filantropia, com estado de espírito
laico e fraterno. Desta forma o monopólio da Igreja com as ações sociais é rompido.
O espírito da solidariedade e fraternidade incorpora o estado de ânimo do homem,
que, muito embora inserido num ambiente capitalista, tem a necessidade de ser
bom, de praticar ações benevolentes.14
E com os ideais revolucionários da Idade Moderna a fundação ganhou
autonomia jurídica, espalhando-se pelo mundo. Inicialmente o modelo enfrentou
resistências especialmente nos países que não tinham por tradição atribuir
personalidade para ente jurídico distinto das pessoas que deveriam integrá-lo e
representá-lo. Isso ocorreu especialmente no direito alemão. No direito francês a
dificuldade foi outra, pois este não admitia a possibilidade de doação de patrimônio
para ente jurídico futuro, o que muito dificultou o nascimento de fundações por via
testamentária na França. Com efeito, a resistência do direito francês em permitir a
doação de patrimônio para entidade que viria a nascer bastante dificultou o
instituto.15
13
GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. op. cit., p. 39. 14
DINIZ, Gustavo Saad. loc.cit. 15
DINIZ, Gustavo Saad. 2006, op. cit., p. 50.
26
A partir da Europa houve uma natural disseminação do instituto fundacional,
inicialmente na América do Norte, pois foi nos Estados Unidos e no Canadá que
surgiram as primeiras fundações do continente. A Guerra Civil Americana, ocorrida
na segunda metade do Século XIX, foi um palco bastante promissor para o
surgimento de algumas importantes fundações.16
Os anos de dificuldades sociais nos EUA exigiram a junção de esforços do
governo e dos cidadãos americanos, o que propiciou doações de valores
significativos em benefício da sociedade então necessitada. Nesse sentido, aliás,
são os dizeres de Luiz Fernando Coelho a respeito:
Mas a proliferação das fundações americanas é decorrência direta do extraordinário progresso econômico da nação americana e, mais do que isso, do fenômeno da concentração de riquezas incalculáveis em mãos de particulares, que se defrontaram com a responsabilidade de fazer a comunidade a que pertenciam participar dos frutos dessa riqueza; assim, uma extensa e valiosa rede de universidades, bibliotecas, museus, teatros, orquestras sinfônicas, hospitais, orfanatos etc. expandiu-se por toda a América do Norte e mesmo fora do país; paralelamente ao espírito público de alguns verdadeiros mecenas da época moderna, encontraram as grandes empresas industriais, na instituição fundacional, um meio de diminuição de lucros tributáveis, carreando com isso somas incalculáveis de dinheiro e bens que, ao invés de serem pagos diretamente ao Estado sob forma de tributos, configuravam espécie de pagamento indireto, já que ocorria em favor da comunidade, no amparo à pesquisa e ao ensino, no financiamento das atividades culturais e manutenção de necessitados, tudo isso incentivado por uma legislação inteligente e realmente voltada para o
bem comum. 17
E no mesmo momento em que as fundações se tornavam realidade no
ambiente americano, também surgiram no Brasil.
No Brasil, o primeiro registro de atividade similar à de uma fundação privada
é encontrado em 1738, quando Romão de Matos Duarte destinou parte de seus
bens para a formação de um fundo, o qual foi entregue à administração da Santa
Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, para beneficiar os órfãos daquela região.
Muito embora o patrimônio não tivesse personalidade própria, era destinado a uma
16
PAES, José Eduardo Sabo. 2010. op. cit., p. 209-210. 17
COELHO, Luiz Fernando. 1978. op. cit., p. 13-14.
27
finalidade social definida, exercida sob o patrocínio do fundo patrimonial, em uma ala
específica da Santa Casa.
O projeto social de Romão de Matos Duarte, anos mais tarde, quando
executava um interessante serviço social, foi recebendo contornos de personalidade
jurídica, ao ter administração separada da Santa Casa. Isso é descrito por Homero
Sena e Clóvis Monteiro, com estes termos:
De resto, a 29 de janeiro de 1752, em Mesa da Santa Casa, presidida pelo Sr. Conde de Bobadela, Governador da Capitania, Romão de Matos Duarte, dando prova de espírito prático e de compreensão da importância da divisão de trabalho, havia salientado que para a boa administração e criação dos expostos, fazia-se necessário haver um irmão para servir de tesoureiro, distinto do da Santa Casa, que só cuidasse e tomasse à sua conta o que pertencesse à boa administração desses meninos, tanto em dar às amas e pessoas que com cuidado deles tratem, como em ir visitar e saber se são bem assistidos, como até o presente se tem observado pelo irmão tesoureiro da mesma casa, e tomar à sua conta a cobrança das dívidas que se lhes deverem e administrar os mais bens que se tem aplicado para a sua sustentação por este instituidor e outras pessoas que tem concorrido com suas esmolas para tão bom fim, dando no fim do ano conta a esta mesa da receita e despesa que teve na forma que se observa com os oficiais do Recolhimento das Órfãs.
18
Muito embora na prática o projeto de Romão Duarte era de fato o de uma
fundação em sua concepção moderna, pois era um patrimônio destacado para uma
finalidade social, faltava-lhe somente a personalidade jurídica. No mais,
apresentava-se como típica fundação, pois o projeto era social e tinha patrimônio
próprio, com prestação de contas dos bens sob a guarda de terceiro. Chegou,
inclusive, a ter um Regulamento próprio.
Assim, aliás, referem-se Homero Senna e Clóvis Zobaran Monteiro:
A rigor, o que Romão de Matos Duarte quis fazer, com suas doações para criação dos meninos expostos na Roda, foi instituir uma fundação, patrimônio afetado a determinado fim. Embora, ao que tudo indica, esse patrimônio tenha, desde 1752, administração autônoma, não foi destacado dos demais bens pertencentes à Santa Casa, que, em compensação, tomou
18
SENNA, Homero; MONTEIRO, Clóvis Zobaran. Fundações no Direito da Administração. 1. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca de Administração Pública, 1970. p. 183-184.
28
a si o encargo de manter a Casa dos Expostos, dando-lhe, porém, o nome que, talvez, aos irmãos mesários tenha parecido mais sugestivo ou adequado, de Fundação Romão de Matos Duarte.
19
O ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, somente em 1893, com a
advento da Lei n. 173, de 10 de setembro, abarcou um modelo jurídico em seu
contexto, próximo ao fundacional. A lei em testilha possibilitou conferir personalidade
jurídica a entidades com fins religiosos, morais, científicos, artísticos, políticos, etc. A
lei em referência, no entanto, dispõe sobre associações.
Mas foi com o Código Civil de 1916 que o modelo fundacional foi inserido,
claramente e de forma cristalina, no ordenamento jurídico brasileiro; suas
disposições foram renovadas, sem grandes alterações, com o novo Código Civil que
entrou em vigência em 2002.
Hoje o modelo é absolutamente consolidado. Em regra com muita
credibilidade, que lhe é inerente pelo acompanhamento e velamento do Poder
Público, pelo desprendimento de seus instituidores e seriedade de seus
administradores.
2.2 LEGISLAÇÃO ANTECEDENTE AO CÓDIGO CIVIL DE 1916
O ordenamento jurídico contemplou o Terceiro Setor, pela primeira vez,
como já anotado, com o advento da Lei n. 173, de 10 de setembro de 1893. Referida
normatização regulou as associações de fins religiosos, morais, científicos, políticos
ou de simples recreio, atribuindo a elas a possibilidade de aquisição de
personalidade jurídica, mediante inscrição do contrato social no registro civil da
circunscrição onde situadas.
19
SENNA, Homero; MONTEIRO, Clóvis Zobaran. 1970. op. cit., p. 185-186.
29
Por se tratar de regramento jurídico pioneiro no direito brasileiro, vale a pena
a transcrição do texto legal:
Lei n°.173 de 10 de Setembro de 1893
Regula a organisação das associações que se fundarem para fins religiosos, moraes, scientificos, artisticos, politicos ou de simples recreio, nos termos do artigo 72, § 3º , da Constituição.
O Vice-Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil :
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sancciono a seguinte lei:
Artigo 1º . As associações que se fundarem para fins religiosos, moraes, scientificos, artisticos, politicos, ou de simples recreio, poderão adquirir individualidade juridica, inscrevendo o contracto social no registro civil da circumscripção onde estabelecerem a sua séde.
Artigo 2º. A inscripção far-se-ha á vista do contracto social, compromisso ou estatutos devidamente authenticados, os quaes ficarão archivados no registro civil.
Artigo 3 º. Os estatutos, bem como o registro, declararão:
§ 1º. A denominação, fins e séde da associação ou instituto.
§ 2º. O modo pelo qual a associação é administrada e representada activa e passivamente em Juizo, e em geral nas suas relações para com terceiros.
§ 3º. Si os membros respondem ou não subsidiariamente pelas obrigações que os representantes da associação contrahirem expressa ou intencionalmente em nome desta.
Artigo 4º. Antes da inscripção, os estatutos serão publicados integralmente ou por extracto que contenha as declarações mencionadas no artigo 3º, no jornal official do Estado onde a associação tiver a sua séde.
Artigo 5º. As associações assim contituidas gosam de capacidade juridica, como pessoas distinctas dos respectivos membros, e podem exercer todos os direitos civis relativos aos interesses do seu instituto.
Artigo 6º. Todas as alterações que soffrerem os estatutos deverão ser publicadas e inscriptas do mesmo modo, sob pena de não poderem ser oppostas contra terceiros.
Artigo 7º. Salvo declaração em contrario nos estatutos:
30
1º, os directores ou administradores reputam-se revestidos de poderes para praticar todos os actos de gestão concernentes ao fim e ao objecto da associação;
2º, não poderão transigir, renunciar direitos, alienar, hypothecar ou empenhar bens da associação;
3º, serão obrigados a prestar contas annualmente á assembléa geral;
4º, todos os associados terão direito de votar na assembléa geral, e as resoluções serão tomadas por maioria dos votos dos membros presentes.
Artigo 8º. Si os directores ou administradores não prestarem contas no prazo do artigo 7º, n. 3, ou no prazo que os estatutos marcarem, poderão ser citados por qualquer membro para prestal-as em Juizo.
Artigo 9º. Os directores ou administradores serão solidariamente responsaveis para com a associação e os terceiros prejudicados pelas infracções dos estatutos ou por excesso do mandato;
Nestes casos a associação será responsavel para com terceiros, si tirar proveito do acto ou si approval-o posteriormente.
Artigo 10. As associações extinguem-se:
1º, pela terminação do seu prazo, si forem por tempo limitado ;
2º, por consenso de todos os seus membros;
3º, cessando o fim da associação ou tornando-se impossivel preenchel-o;
4º, perdendo a associação todos os seus membros;
5º, nos casos previstos nos estatutos.
Artigo 11. Dissolvida ou extincta a associação e liquidado o passivo, o saldo será partilhado entre os membros existentes ao tempo da dissolução, salvo si os estatutos prescreverem ou a assembléa geral houver resolvido, antes da dissolução, que o saldo seja transferido a algum estabelecimento publico ou a outra associação nacional que promova fins identicos ou analogos.
Artigo 12. Verificando-se o caso previsto no artigo 10, n. 4, os bens da associação consideram-se vagos e passarão a pertencer á União.
Artigo 13. As associações que promoverem fins illicitos ou que se servirem de meios illicitos ou immoraes, serão dissolvidas por sentença, mediante denuncia de qualquer pessoa do povo ou do ministerio publico, e proceder-se-ha á liquidação judicial dos bens, nos termos do artigo 11.
31
Artigo 14. As associações não gosam do beneficio de restituição, e lhes é vedado contractar com os seus directores ou administradores.
Paragrapho unico. As dividas activas e passivas, os direitos e encargos reaes das associações, prescrevem segundo as regras geraes de direito.
Artigo 15. As associações que não adquirirem personalidade juridica nos termos desta lei, reger-se-hão pelas regras das sociedades civis.
Artigo 16. As associações fundadas para os fins declarados no artigo 1º, que tomarem a fórma anonyma, serão em tudo sujeitas ás leis e decretos relativos ás sociedades anonymas.
Artigo 17. O registro de que trata o artigo 1º desta lei será feito em livro especial a cargo official do registro de hypothecas.
Artigo 18. Revogam-se as disposições em contrario.
Capital Federal, 10 de setembro de 1893, 5º da Republica.
Floriano Peixoto.
Fernando Lobo.
O direito brasileiro, portanto, abriu a possibilidade de criação de entidade de
fins sociais, de interesse público, em moldes similares aos das fundações que
seriam previstas anos após, com o advento do Código Civil de 1916.
2.3 DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DE 1916
O Código Civil de 1916, que veio ao direito positivo por meio da Lei n. 3.071,
de 1º de janeiro de 1916, elencou a fundação como sendo pessoa jurídica de direito
privado, em seu artigo 16, inciso I.
Havia, no entanto, confusão de conceitos, pois a norma invocada referia-se
a sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, associações de
utilidade pública e, no mesmo rol, incluía as fundações.
O artigo 24, por sua vez, apontava que uma fundação poderia ser criada, por
liberalidade de seu instituidor, por escritura pública ou testamento, mediante a
32
dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destinava e
declarando, em querendo, a forma de administrá-la. E novo equívoco do legislador,
ao declarar que a fundação poderia ser criada por testamento, pois este ato jurídico,
como sabido, não tem o condão de criar uma pessoa jurídica, o que se dá somente
mediante o registro de seus atos constitutivos junto ao Registro Civil.
Definia o Código, outrossim, em seu artigo 25, que na hipótese de serem
insuficientes os bens doados para constituição da fundação, estes seriam
convertidos em títulos da dívida pública, se outra forma não dispusesse o instituidor,
até que, aumentados com rendimentos ou novas dotações, fossem suficientes para
a criação da fundação. Apontada norma não teve utilidade durante toda a vigência
do Código Civil de 1916, que perdurou por mais de oito décadas. Nesse contexto
não são encontrados casos concretos de fundações criadas posteriormente porque
os bens insuficientes foram acrescidos de novas dotações ou porque aumentaram
em face dos rendimentos próprios pela conversão em títulos da dívida pública.
A norma do artigo 26, por seu turno, definia que incumbia ao Ministério
Público dos Estados o velamento das fundações. O legislador de 1916, nesse
contexto, utilizou o termo velamento com precisão técnica, para abranger mais que a
mera fiscalização. Isso porque velamento importa em acompanhamento, proteção,
aconselhamento, além da mera fiscalização para correção de rumos.
Quanto aos estatutos, o artigo 27 determinava que, uma vez elaborados pela
pessoa a quem o instituidor atribuía tal responsabilidade, deveria ser aprovado pela
autoridade competente, ou seja, pelo Ministério Público na hipótese de criação da
fundação por ato inter vivos ou pelo Juiz, quando criada a fundação em decorrência
de testamento e, como tal, no bojo do inventário. E na hipótese de negativa do
Ministério Público de aprovar os estatutos, o Juiz poderia suprir o ato.
No tocante à reforma estatutária, o artigo 28 disciplinava que a deliberação
deveria ser tomada pela maioria absoluta dos competentes para gerir e representar
33
a fundação, que não fosse contrariado o fim desta e que a alteração fosse aprovada
pela autoridade competente, ou seja, pelo Ministério Público, na condição de
autoridade com atribuição para exercer o velamento da entidade.
A minoria vencida na modificação dos estatutos, nos termos do artigo 29,
tinha 01 ano para promover a nulidade, mediante provocação judicial.
Quanto à possibilidade de extinção, o artigo 39 apontava que, sendo nociva
ou impossível a mantença da fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o
patrimônio seria incorporado em outras fundações que se propusessem a fins iguais
ou semelhantes, salvo disposição em contrário no ato constitutivo ou nos estatutos.
Vigorou, nesse contexto, o entendimento de que o patrimônio residual de uma
fundação extinta só poderia ser destinado a outra fundação ou ao Poder Público, em
prestígio ao entendimento lógico de que os bens das fundações pertencem à
sociedade civil e como tal não podem ter outra destinação. Assim, quer seja em
outra fundação, quer seja no patrimônio público, a sociedade civil restava
preservada em seus interesses.
2.4 DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
O Código Civil de 2002, trazido ao ordenamento jurídico por meio da Lei n.
10.406, de 10 de janeiro de 2002, enfrentou e resolveu algumas incongruências que
existiam no Código anterior, reproduziu algumas normas antigas e inovou com
novas disposições legais.
O artigo 62 reproduziu, com tênue alteração do texto, a mesma regra contida
no artigo 24 do Código de 1916, ou seja, de que uma fundação poderá ser criada,
por ato do instituidor, por escritura pública ou testamento, mediante dotação especial
de bens livres, especificando as finalidades da entidade e declarando, se quiser, a
maneira como deverá ser administrada. Neste tópico o legislador de 2002 cometeu o
mesmo equívoco do legislador de 1916, ao aduzir que uma fundação poderá ser
34
criada mediante testamento, quando na verdade referido ato jurídico terá o condão,
somente, de declarar uma disposição de última vontade, ou seja, de que seja
instituída uma fundação após a morte do testador, caso os bens sejam suficientes,
de maneira que o ato de criação será o registro do estatuto no Cartório de Registro
de Pessoas Jurídicas e não o ato de testar.
O Código Civil de 2002 inovou, também, ao definir o rol de finalidades das
fundações. Enquanto o Código Civil de 1916, no tocante ao objeto das fundações,
apresentava uma norma de conteúdo normativo aberto, permitindo a criação de
fundação para qualquer finalidade, sem definir o objeto, o legislador de 2002 afirmou
que a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais
ou de assistência. Houve, então, uma aparente restrição no objeto, o que não é real,
como será exposto adiante, quando se tratará especificamente das finalidades.
Quanto à eventual insuficiência de bens para a constituição da fundação, o
Código Civil de 2002 definiu que o patrimônio a ela destinado, se de outra maneira
não dispuser o instituidor, será incorporado em outra fundação que se proponha a
fim igual ou semelhante. O legislador de 2002 foi sábio ao inserir a norma referida,
porquanto o dispositivo do artigo 25 do Código anterior, ao determinar a conversão
dos bens doados em títulos da dívida pública, apresentava regramento
absolutamente destoante da realidade vigente, pois sabido que tais títulos não
possuíam o condão de fazer aumentar o patrimônio.
O artigo 64 do Código vigente determina que, constituída a fundação por
negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou
outro direito real, sobre os bens doados, e, se não o fizer, serão registrados, em
nome dela, por mandado judicial. O dispositivo legal é novo, na medida em que não
havia regramento para essa situação no Código anterior. A doação torna-se
obrigatória, portanto, com o registro dos atos constitutivos da pessoa jurídica,
elaborados no bojo de escritura pública. A questão patrimonial, por seu turno,
também será abordada com mais detalhes adiante.
35
O artigo 65, por seu turno, define que aqueles a quem o instituidor cometer a
aplicação do patrimônio, em tendo ciência do encargo, formularão logo, de acordo
com as suas bases, o estatuto da fundação projetada, submetendo-o, em seguida, à
aprovação da autoridade competente, ou seja, o Ministério Público, com recurso ao
juiz mediante incidente processual de suprimento judicial. Entretanto, na hipótese do
estatuto não ser elaborado no prazo estabelecido pelo instituidor, ou, não havendo
prazo, em cento e oitenta dias, a incumbência caberá ao Ministério Público. O
regramento é similar ao que constava no artigo 27 do Código anterior.
O regramento estatutário também será apreciado, com maior detalhamento,
no curso do presente trabalho.
No que se refere ao velamento das fundações privadas pelos Ministérios
Públicos dos Estados, o Código em seu artigo 66 manteve a regra anterior. E em
relação àquelas situadas no Distrito Federal ou em eventuais Territórios, atribuiu o
encargo ao Ministério Público Federal. Este dispositivo específico, entretanto, foi
objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.794-DF, que declarou a
inconstitucionalidade da inovação legislativa, atribuindo ao Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios a atribuição de velar pelas fundações constituídas ou
atuantes naquele espaço territorial.
Com efeito, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é o órgão
competente para velar pelas fundações privadas situadas nestes locais,
competência constitucional que lhe teria sido retirada pelo § único do artigo 66 do
Código Civil de 2002. O Supremo Tribunal Federal, então, no julgamento da ADIN
2.794-DF, declarou a inconstitucionalidade do dispositivo legal e suspendeu a
eficácia do referido parágrafo, sob o argumento de que as atribuições do Ministério
Público não poderiam ser alteradas por meio de lei ordinária, mas apenas por lei
complementar, na forma do artigo 128, §5º, da Constituição Federal. 20
20
O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios possui atribuições idênticas às dos Ministérios Públicos dos Estados, porém com autoridade sobre a área territorial do Distrito Federal.
36
Dispõe o Código, outrossim, que às fundações que estenderem as
atividades por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao
respectivo Ministério Público Estadual.
O Código Civil estabeleceu, outrossim, regras para alteração do estatuto da
fundação, definindo em seu artigo 67 que a modificação é possível mediante
deliberação por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação,
desde que não se contrarie ou desvirtue o fim desta e que haja a aprovação do
Ministério Público. No caso deste a denegar, poderá o juiz suprir a negativa,
mediante requerimento do interessado, que deverá fazê-lo mediante a provocação
no bojo do procedimento judicial de suprimento judicial.
Dispôs o Código, também, que para alteração que não houver sido aprovada
por votação unânime, os administradores da fundação, ao submeterem o estatuto ao
órgão do Ministério Público, requererão que se dê ciência à minoria vencida para
impugná-la, se quiser, em dez dias.
Para a modificação do estatuto social, o Código Civil de 2002 efetuou
alterações no regramento, uma vez que a Codificação anterior estabelecia, no artigo
28, que as modificações estatutárias poderiam ser efetuadas mediante a deliberação
da maioria absoluta dos competentes para gerir e representar a fundação. A minoria
vencida, por sua vez, poderia promover a nulidade da modificação estatutária, no
prazo de 01 (um) ano. No mais, o regramento continuou o mesmo.
A última disposição do Código Civil de 2002, no tocante às fundações
privadas, encontra-se no artigo 69, o qual define que, tornando-se ilícita, impossível
ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o
órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção,
incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo,
ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual
37
ou semelhante. No tocante à extinção, o atual Código Civil manteve o regramento
anterior.
Todas essas questões serão abordadas com mais detalhes adiante.
Verifica-se, assim, que o Código Civil foi econômico no regramento das
fundações, deixando espaço para a edição de novas regras jurídicas para regular o
instituto. Por essa razão é que existe atualmente um movimento dos operadores do
direito especializados no Terceiro Setor clamando por um marco legal para a
matéria, que trará mais segurança jurídica à operação das entidades. 21
21
MODESTO, Paulo. Reforma do marco legal do terceiro setor no Brasil. Jus Navigandi, Teresina. ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/474>. Acesso em: 24 fev. 2011 e ALVES, Elisa Rodrigues. Perspectivas para o Marco Legal do Terceiro Setor. 1. ed. GIFE, 2009.
38
3 IMPORTÂNCIA SOCIAL DO TERCEIRO SETOR E SUA COMPOSIÇÃO
3.1 CLASSIFICAÇÃO DOS SETORES DA ECONOMIA
A economia de uma nação, para fins acadêmicos, pode ser partilhada em
setores. Os observadores e estudiosos da matéria, portanto, costumam dividi-la em
três setores.22
O Primeiro Setor é composto das instituições governamentais, ou seja, dos
entes que compõem a Administração Pública. No Brasil integram o Primeiro Setor a
Administração Pública Direta e a Indireta, que engloba a União, os Estados, o
Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias, as associações públicas
e as demais entidades de caráter público criadas por lei, inclusive as fundações
públicas.
Importante anotar que a fundação pública, prevista constitucionalmente
como um dos entes da Administração Pública Indireta, não pertence ao Terceiro
Setor, mas sim ao Primeiro Setor.
A Administração Pública, o que implica dizer também o Primeiro Setor, tem
como fim a realização do bem comum, ou seja, atender aos interesses da sociedade
civil, nas diversas áreas de sua atuação, exclusivas ou não.
O Segundo Setor é composto das instituições que compõem o Mercado, ou
seja, o setor produtivo, e nele estão inseridas as sociedades empresárias, os
22
BARBOSA, Maria Nazaré Lins; OLIVEIRA, Carolina Fellipe de, Manual de ONGS. 5. ed. São Paulo: FGV Editora, 2004. RESENDE, Tomáz de Aquino. Roteiro do Terceiro Setor – Associações e Fundações. 3. ed. Belo Horizonte: Prax Editora, 2006. ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: LTR 2000. PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. DINIZ, Gustavo Saad. Direito das Fundações Privadas – Teoria Geral e Exercício de Atividades Econômicas. 3. ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2006.
39
sindicatos, as confederações, etc. Ele tem finalidade lucrativa e é responsável pelas
relações de comércio, produzindo riquezas. Realizando lucro, este Setor estimula as
relações econômicas e permite melhor qualidade de vida da população.
O Terceiro Setor, por sua vez, é composto das pessoas jurídicas de direito
privado sem finalidade lucrativa. E não possuem finalidade lucrativa justamente
porque a finalidade é social. Os estudiosos não apresentam um conceito uníssono
para o Terceiro Setor, havendo certa divergência na doutrina.
Tomaz de Aquino Resende23 anota que por Terceiro Setor deve-se entender
“o conjunto das pessoas jurídicas sem fins lucrativos” ou, em outras palavras, “as
pessoas jurídicas de direito privado, sem fins econômicos (ou sem finalidade
lucrativa) e que prestam serviços de interesse coletivo”.24 Ressalta o autor, no
entanto, que o entendimento é polêmico e de difícil solução para precisar o
entendimento do que vem a ser, efetivamente, o Terceiro Setor.
Leandro Martins de Souza afirma que:
Terceiro Setor origina-se do desenvolvimento de organizações privadas com objetivos públicos, portanto agregando características do Primeiro Setor (Estado, administração pública) e do Segundo Setor (mercado), mas se afastando da burocracia estatal e das ambições do mercado.
25
A definição é por demais interessante, porquanto com vagueza proposital
logra identificar com precisão o contexto de entidades que integram o Terceiro Setor.
23
Tomáz de Aquino Resende é Membro do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, foi Curador de Fundações de Belo Horizonte por longa data e atualmente é Coordenador do Centro de Apoio do Terceiro Setor do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. 24
RESENDE, Tomáz de Aquino. Roteiro do Terceiro Setor – Associações e Fundações. 3. ed. Belo Horizonte: Prax Editora, p. 24-25. 25
SOUZA, Leandro Martins de. Terceiro Setor: temas Polêmicos. vol. 2, Organização de Eduardo Szazi. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 165.
40
A divergência reside em definir se todas as associações pertencem ou não
ao Terceiro Setor. Com efeito, conquanto haja entendimento uníssono de que toda
fundação privada exerce atividade de interesse social e portanto pertence ao
Terceiro Setor, o mesmo não ocorre com as associações, pois estas podem ou não
exercer atividade de interesse da sociedade civil.
O ordenamento jurídico brasileiro garante, constitucionalmente, a
possibilidade de constituição de associação, desde que a atividade seja lícita e não
paramilitar. O campo de atuação, portanto, para esta modalidade de pessoa jurídica
de direito privado sem fins lucrativos, é absolutamente amplo.
Há possibilidade de criação de associação para atingir finalidades de
interesse da sociedade civil, como também para atender aos interesses de
determinada coletividade, sem que essa atividade seja de interesse da sociedade
civil como um todo.26 As primeiras integram o Terceiro Setor, ao passo que as
últimas, no entendimento do presente estudo, não integram apontado Setor.
O Terceiro Setor, como tal, deve ser integrado pelas entidades privadas sem
fins lucrativos, de interesse social. E nesse rol se inserem tão somente as fundações
privadas e as associações de finalidade social.
Edson José Rafael, em co-autoria com Airton Grazzioli, defendem que:
“Terceiro Setor é aquele no qual estão inseridas as fundações privadas e as
26
Associações de funcionários públicos, a título exemplificativo, exercem atividades sem finalidade lucrativa, focadas nos interesses individuais da categoria de servidores que agregam. O interesse é coletivo, mas nem por isso é de interesse de toda a sociedade. Pode-se pensar, nesse sentido, na Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo, na Associação Paulista do Ministério Público, na Associações dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, na Associação Paulista dos Magistrados, etc. São pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa, mas no entender do presente estudo, nem por isso integram o Terceiro Setor. A APAE, por sua vez, é de interesse da sociedade civil, pois sem sombra de dúvidas toda a sociedade objetiva a realização de um trabalho social em benefício das pessoas portadoras de necessidades especiais. Na mesma linha, ainda a título exemplificativo, o Instituto Airton Senna, que desenvolve trabalho social focado em crianças e jovens em estado de vulnerabilidade social. É de interesse de todos, independentemente da classe econômica que integrem, que seja efetuado trabalho em benefício dos necessitados.
41
associações de interesse social, que perseguem o bem comum da coletividade, com
marcante interesse público.” 27
3.2 FUNDAÇÕES PRIVADAS NO CONTEXTO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
O Código Civil, com a redação dada ao artigo 44 pela Lei n. 10.825, de 22
de dezembro de 2003, define que são pessoas jurídicas de direito privado as
associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos
políticos.
O rol legal procura distinguir as pessoas jurídicas de direito privado não só
pela forma de constituição, como pelos seus fins. Nesse contexto que são
encontradas as fundações privadas.
O mesmo rol elenca pessoas jurídicas que devem operar com ou sem fins
lucrativos. As sociedades, por sua natureza intrínseca, possuem finalidade lucrativa.
As demais modalidades não possuem a mesma finalidade, muito embora possam
exercer atividade econômica, não como fim, mas como meio para o sustento da
atividade fim.
As “sociedades” são constituídas por pessoas, físicas ou jurídicas, que se
unem em esforços para atingir objetivos de natureza econômica e lucrativa, visando
partilhar o resultado da operação. Subdividem-se em “sociedades empresárias” e
“sociedades simples”. As primeiras podem organizar-se como “sociedade em nome
coletivo”, “sociedade em comandita simples”, “sociedade limitada”, “sociedade
anônima”, “companhia regida por lei especial” e “sociedade em comandita por
ações”.
27
GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. 2010. op. cit., p. 6.
42
Os partidos políticos, sem finalidade lucrativa, destinam-se ao exercício de
atividades de cunho político e são regidos pela Lei n. 9.096, de 19 de setembro de
1995.
De acordo com os ensinamentos de Vidal Serrano Nunes Júnior e Luiz
Alberto David Araujo: “os partidos políticos devem ser constituídos ao modo das
associações civis, operando-se seu subsequente registro junto ao Tribunal Superior
Eleitoral.” 28
As organizações religiosas, também sem finalidade de lucro, direcionam-se
ao exercício e difusão da fé, encontram amparo no artigo 5º, VI, e 19, I, da
Constituição Federal, que lhes garante a liberdade de criação, de organização e de
funcionamento.
As associações constituem-se pela reunião de pessoas, físicas ou jurídicas,
com objetivo não lucrativo. A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º, inciso
XVII, a essa modalidade de pessoa jurídica de direito privado, a liberdade de
constituição, desde que seja para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar. A
respeito ensinam Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior:
Direito de associação é o direito de exercício coletivo que, dotado de caráter permanente, envolve a coligação voluntária de duas ou mais pessoas, com vistas à realização de objetivo comum, sob direção unificante.
29
As fundações privadas são criadas mediante a personificação de um
patrimônio, que é destinado a uma atividade de natureza social.
28
ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 255. 29
Ibid., p. 166.
43
As associações e as fundações, de interesse social, que compõem o
Terceiro Setor, porém, muito embora sejam pessoas jurídicas de direito privado
semelhantes, não se confundem, como será demonstrado na sequência.
3.3 FUNDAÇÕES PRIVADAS E ASSOCIAÇÕES
As fundações privadas e as associações são modalidades de pessoa
jurídica de direito privado com muitas semelhanças entre si, mas não se confundem.
Elas apresentam características bem diversas, que não eram destacadas
pelo Código Civil de 1916, motivo que, como anotado anteriormente, ensejava certa
confusão no momento de sua caracterização. Tal problema, amplamente discutido
há bastante tempo pela doutrina nacional, foi sanado definitivamente pelo atual
Código Civil.
O vigente Código Civil, no tocante às associações e às fundações privadas,
dispõe em seu artigo 53 que “constituem-se as associações pela união de pessoas
que se organizem para fins não econômicos”, ao passo que o artigo 62, ao referir-se
às fundações privadas, destaca que “para criar uma fundação, o seu instituidor fará,
por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o
fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la”.
Com a atual disposição legal, a ordem jurídica colocou-se de maneira clara
em relação aos dois institutos. Pode-se afirmar, nesse sentido, que o primeiro traço
diferencial entre ambas as modalidades de pessoas jurídicas de direito privado é
relativo ao elemento central. Enquanto nas associações o que predomina é o
elemento pessoal, nas fundações o que prevalece é o elemento patrimonial. As
pessoas que se reúnem em uma associação têm objetivo comum, sem pretensão de
obter proveito econômico, portanto podem não ter patrimônio. A fundação, ao
contrário, nasce necessariamente da personificação de um patrimônio. Aqui as
pessoas assumem papel secundário.
44
O jurista português Carlos Alberto da Mota Pinto, Professor Catedrático da
Faculdade de Direito de Coimbra, a respeito da distinção entre associação, fundação
e sociedade, ensina:
Deparam-se-nos as associações (colectividades de pessoas que não têm por escopo o lucro económico dos associados), as fundações (complexos patrimoniais ou massas de bens afectados por uma liberalidade à prossecução de uma finalidade estabelecida pelo fundador ou em harmonia com a sua vontade) e as sociedades (conjunto de pessoas – duas ou mais – que contribuem com bens ou serviços para o exercício de uma actividade econômica dirigida à obtenção de lucros e à sua distribuição pelos sócios).
30
Nesse sentido podemos afirmar que não haverá fundação sem reunião de
pessoas físicas para administrá-la, mas, até neste caso, a vital importância desta
entidade ainda será o aspecto patrimonial, visto que seu traço essencial continuará
sendo um patrimônio afetado à consecução de determinado fim. Ao contrário do que
ocorrem com as fundações, as pessoas que formam uma associação possuem
primordial destaque, enquanto o patrimônio fica para um plano secundário, de
existência irrelevante.
Ainda a esse respeito ensina Carlos Alberto da Mota Pinto:
As corporações são colectividades de pessoas (o seu substrato é integrado por um elemento pessoal); as fundações são massas de bens (o seu substrato é integrado por um elemento patrimonial, a chamada dotação).
As corporações são constituídas e governadas por um agrupamento de pessoas (os associados), que subscrevem originariamente os estatutos e outorgam no acto constitutivo ou aderem posteriormente à organização. Os associados dominam através dos órgãos – designadamente a assembléia geral – a vida e o destino da corporação, podendo mesmo alterar os estatutos.
31
Outra diferença e esta de superlativa importância para o presente estudo, diz
respeito aos seus fins, já que a associação não necessita ter uma finalidade social, o
que não ocorre com as fundações. A associação poderá ter ou não finalidade de
30
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. 4. ed.:Coimbra Editora, 2005. p. 139. 31
Ibid., p. 283. As corporações no direito português são as associações do direito pátrio.
45
interesse social. Tal entendimento extrai-se do próprio texto legal, que estabeleceu
no artigo 62, § único, do Código Civil, que a “fundação somente poderá constituir-se
para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”, sendo silente a esse
respeito no que concerne às associações.
Assim a associação pode ser criada também para tratar dos interesses
individuais de um grupo de pessoas, físicas ou jurídicas ou de finalidade social. A
fundação, diferentemente, deve exercer, sempre, atividades de interesse social.
Desta forma, sob o ponto de vista legal ou doutrinário, deve-se considerar a
fundação como um patrimônio personalizado dirigido a um fim social (religioso,
moral, cultural ou assistencial), ao passo que a associação como uma união de
pessoas voltada a uma finalidade não lucrativa, não sendo imprescindível que seja
social.
De outra banda, mesmo diante de uma interpretação extensiva do
ordenamento jurídico posto no tocante ao objeto de uma fundação, imperioso ao
Ministério Público indeferir requerimento de fundação que, mesmo tendo patrimônio,
apresente finalidade fútil ou voltada a interesses particulares de uma pessoa ou um
determinado grupo de pessoas. O fim deve, então, estar focado exclusivamente no
interesse social, em consonância com os princípios da boa fé, da moral e dos bons
costumes.
Nesse contexto é que o presente estudo prefere o conceito de fundação
como um patrimônio dotado de personalidade jurídica, destinado a uma finalidade
social.
Assim é que, tanto as fundações como as associações e renove-se que
interessam ao presente estudo tão somente as consideradas de interesse social,
são espécies de pessoa jurídica de direito privado, as quais integram o rol de
entidades que não possuem finalidade lucrativa. Convenciona-se atribuir o conceito
de universitas personarum, ou seja, “conjunto de pessoas”, à associação, ente
46
dotado de uma universalidade de pessoas focadas num objetivo comum; e de
universitas bonorum, ou seja, “conjunto de bens”, à fundação, ente dotado de uma
universalidade de bens vinculada a uma ideia social.
Portanto, as fundações privadas e as associações de interesse social são as
modalidades de pessoas que integram o que denominamos de Terceiro Setor e
somente elas.
47
4 IMPORTÂNCIA DAS FUNDAÇÕES PRIVADAS NO CONTEXTO POLÍTICO E
SOCIAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Como é cediço, o Terceiro Setor é imprescindível para o Poder Público, pois
contribui para exercer atividades em benefício da sociedade civil, especialmente os
segmentos mais carentes de oportunidades.
Restou anotado, também, que as fundações, enquanto uma das
modalidades de pessoa jurídica de direito privado que integra o Terceiro Setor,
apresenta importância relevante, pelas atividades sociais de longo alcance. A
atuação dessas entidades, por seu turno, além de relevante, possui credibilidade
pública e principalmente social.
A credibilidade tem um fundamento. Na verdade, o Estado brasileiro cresceu
muito e com isso vieram novas obrigações, a maioria delas com previsão
constitucional. Os problemas sociais, por outro lado, também são muitos, de maneira
que o Governo não consegue atender a todas as demandas sociais. Nesse contexto
é que se tornam de importância superlativa as atividades sociais das fundações
privadas e ganham corpo as relações entre o público e o privado.
As relações que são estabelecidas entre o Poder Público e os particulares,
em verdade, constituem uma realidade a partir da consciência de que os homens,
pelo sentimento de solidariedade e de destino comum, organizam-se como
sociedade e evoluem como nação. E no Brasil, pela necessidade da ordem, do
desenvolvimento, do bem estar social e do estabelecimento de normas disciplinares
para a sociedade, o mesmo movimento ocorreu, ou seja, o particular se encontrou
com o público e passou a estabelecer parcerias, para atuação nos diversos
segmentos, não só da economia, como das políticas públicas.
O Estado, ao longo dos séculos, tem sofrido mutações, em determinados
momentos apresentou-se como Estado Totalitário, em outros configurou-se como
48
Estado Liberal. Mas em todos os momentos, como observador das necessidades
sociais e especialmente responsável pela redução das desigualdades, deu margem
a intensas reformas com o objetivo de tornar-se ágil e eficiente em sua estrutura
administrativa e burocrática.
Há algumas décadas, principalmente os Estados inseridos no contexto de
democracias constitucionais, não sendo diferente no Brasil, avançaram e
implementaram importantes reformas administrativas, adotando o modelo
denominado de Administração Pública Gerencial. Nesse novo modelo a sociedade
civil progressivamente vem-se organizando por meio de instituições sem fins
lucrativos, no intuito de suprir a ausência do Estado em alguns segmentos de
interesse social, dentre eles e de forma especial na assistência social, na educação
e na saúde.
O movimento social que temos vivenciado no Brasil nos últimos tempos tem
incentivado especialmente muitas empresas, empresários e pessoas preocupadas
com o social, a investirem na constituição de novas fundações, exatamente com o
objetivo de auxiliar o Estado nas suas obrigações sociais.
O modelo fundacional, portanto, atualmente apresenta relevante importância
no cenário do Terceiro Setor e este é imprescindível para o Poder Público, visando
contribuir com a empreitada de diminuir as mazelas sociais.
Para salientar a importância do trabalho desenvolvido pelas fundações
privadas e, na mesma ótica, a relevância do debate sobre a responsabilidade dos
dirigentes, que manejam significativos recursos patrimoniais, passa-se a demonstrar
o levantamento de dados pesquisados no contexto das fundações com sede jurídica
no Estado de São Paulo.
Com efeito, o Ministério Público do Estado de São Paulo, por suas
Promotorias de Justiça de Fundações, possui a atribuição de receber e apreciar as
49
prestações de contas das fundações com sede jurídica no Estado. E para analisar
referidas contas possui uma ferramenta denominada de “SICAP - Sistema de
Cadastro e Prestação de Contas”.
O SICAP alberga dados e informações das entidades fundacionais, não só
de cunho contábil, mas de atividades desenvolvidas, da composição interna, do
quadro de funcionários, etc.
A base de dados do ano de 2008 permite que sejam extraídas as seguintes
conclusões:
a – O Estado de São Paulo possui 611 fundações ativas, ou seja, que estão
exercendo atividades sociais.
Gráfico 1 – Fundações Privadas no Estado de São Paulo.
Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).
b – Referidas fundações podem ser classificadas por áreas de atuação, em:
- educacionais: 180 fundações;
- de saúde: 106 fundações;
- de assistência social: 115 fundações;
611
Fundações Privadas no Estado de São Paulo
50
- culturais: 95 fundações;
- de meio ambiente: 9 fundações;
- de apoio às universidades: 18 fundações;
- outras finalidades: 88 fundações.
Gráfico 2 – Fundações privadas disjuntas por área de atuação no Estado de São Paulo.
Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).
c – As mesmas fundações possuem 70.834.377.494,72 bilhões de reais em
patrimônio.
d – Elas apresentam o seguinte patrimônio, por área de atuação:
- educacional: R$ 60.707.873.568,26;
- saúde: R$ 4.330.743.750,93;
- assistência social: 1.672.552.763,32;
- cultural: R$ 906.449.995,14;
- meio ambiente: R$ 136.434.515,85;
- de apoio às universidades: R$ 868.625.269,17;
29%
17%19%
16%
2%3% 14%
Área de Atuação
Educacional
Saúde
Assistência Social
Cultural
Meio Ambiente
De Apoio às Universidades
51
- outras finalidades: R$ 2.211.697.630,05.
Gráfico 3 – Patrimônio das fundações por área de atuação no Estado de São Paulo.
Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).
Ilustração 1 – Patrimônio das fundações por área de atuação no Estado de São Paulo.
Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).
R$ 60.707.873.568,2
6
R$ 4.330.743.750,93
R$ 1.672.552.763,32
R$ 906.449.995,14
R$ 136.434.515,85
R$ 868.625.269,17
R$ 3.052.418.764,81
Patrimônio por Área de Atuação
Educação e Pesquisa
Saúde
Assistência Social
Cultural
Meio Ambiente
De Apoio às Universidades
Outras Finalidades
R$70.834.377.494,72
em Patrimônio
R$ 20.707.873.568,26 Educacional
R$ 4.330.743.750,93
Saúde
R$ 1.672.552.763,32 Assistência Social
R$ 906.449.995,14 Cultural
R$ 136.434.515,85 Meio Ambiente
R$ 868.625.269,17
de Apoio às Universidades
R$ 3.052.418.764,81
Outras Finalidades
52
e – As fundações possuem 6.294 pessoas envolvidas na condição de
dirigentes (integrantes dos Conselhos Curadores, Conselhos Fiscais e Diretorias
Executivas).
f – As fundações possuem 206.612 mil pessoas registradas como
empregados.
Gráfico 4 – Pessoas envolvidas em fundações no Estado de São Paulo (Funcionários e Dirigentes).
Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).
g – As fundações pagaram R$ 1.708.352.538,42 bilhões de remuneração
aos seus empregados
h – As fundações manejaram R$15.315.521.594,77 bilhões de recursos
6.294Dirigentes
212.906Pessoas
Envolvidas
206.612Funcionários
Pessoas Envolvidas
53
Gráfico 5 – Movimentação Financeira das Fundações do Estado de São Paulo.
Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo (2008).
Os números apresentados mostram, de forma solarmente visível, a
relevância das atividades desenvolvidas pelas fundações privadas e, no mesmo
contexto, a importância para a seara política e social. Com efeito, o Poder Público
não ignora a imprescindibilidade das atividades do setor fundacional, pois sem elas
a carência social seria maior. Para implementar medidas tendentes a minimizar a
carência social, a Administração Pública vale-se das atividades das fundações
privadas. A sociedade, por sua vez, é beneficiada com essa parceria público-
privada.
O presente estudo ostenta relevância em face da importância que as
fundações privadas significam para a sociedade civil. Não se pode ignorar que,
somente no Estado de São Paulo, registra-se a atuação de 611 fundações, que
muito embora em número não muito expressivo, são titulares de mais de 70 bilhões
de patrimônio. Esse patrimônio é de domínio da comunidade e serve para custear
atividades focadas na área assistencial, cultural, religiosa e moral. Em outras
palavras, é um patrimônio destinado ao exercício de atividades que beneficiam a
sociedade. De considerar, também, que esta é a titular do domínio do patrimônio das
fundações. E elas não pertencem aos seus instituidores, nem aos seus
administradores, que gerem patrimônio de terceiro, ou seja, da própria sociedade.
Salários de Funcionários
Movimentação de Recursos
Manejo Financeiro Salário de Funcionários
R$ 15.315.521.594,77
R$ 1.708.352.538,42
54
Por estas razões – significativo patrimônio, longo alcance das atividades sociais e
terceiros administrando bens e interesses cuja titular é a sociedade -, é que
apresenta importância significativa o estudo das relações de poder entre os
administradores e a respectiva responsabilidade.
55
PARTE II
5 TEORIA GERAL DAS FUNDAÇÕES PRIVADAS E DIREITO DAS FUNDAÇÕES
A abordagem que se fará no presente tópico tem por objetivo, uma vez já
introduzido o histórico das fundações privadas e a evolução da legislação brasileira
respectiva, a apresentação de alguns conceitos para compreensão da forma como
as entidades fundacionais são conceituadas, instituídas, dirigidas, veladas e
extintas. Não se pretende a apresentação de uma teoria geral das fundações com
aprofundamento de conceitos, mas sim a demonstração de um raciocínio básico
para compreensão do objeto do presente estudo, que é a análise detalhada do
exercício do poder na estrutura interna da pessoa jurídica em estudo e a
consequente responsabilidade de seus administradores, proporcional à força
decisória.
Criou-se um roteiro básico, onde foram elencados os temas mais
importantes para entendimento do instituto fundacional, sem afastar-se da sua
realidade social e da própria essência. Nesse sentido é que se procurou a definição
de um conceito simples, porém com cunho de cientificidade para as fundações, a
importância de seu patrimônio e peculiaridades correspondentes, a sua natureza
jurídica, as formas como uma fundação privada pode ser constituída, as
observações mais pertinentes para o seu estatuto social, a alterabilidade relativa do
regramento interno, a maneira como são veladas e fiscalizadas pelo Ministério
Público e a forma de extinção.
5.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
O nome “fundação” é derivado do termo latino fundare, que significa manter,
estabelecer, construir. Nesse sentido, muito embora o termo diga pouco do que
entendemos por fundação na acepção jurídica atual, ele faz referência explícita à
ideia de patrimônio. Verifica-se, portanto, a sua pertinência com o sentido dado pelo
56
ordenamento jurídico brasileiro, que apresenta a fundação como um patrimônio que
recebe personalidade jurídica.32
Há também o entendimento de que por fundação devemos ter em mente a
expressão “fundo em ação”, no sentido de que é um conjunto de bens que tem por
objetivo realizar determinada ação.33
Maria Helena Diniz, por sua vez, ensina que o termo “fundação” tem origem
do latim fundatio, implicando ação ou efeito de fundar. 34
De qualquer maneira, fundação é uma modalidade de pessoa jurídica de
direito privado, constituída a partir de um patrimônio que recebe personalidade
jurídica, com atuação em finalidades definidas pela lei.
Não se desconhece a existência de fundação pública, a qual está inserida
dentre as pessoas jurídicas de direito público e, como já ressaltado, não é objeto de
análise do presente trabalho, que se dedica exclusivamente às fundações privadas.
Nem por isso o presente estudo deixará de abordar questões de direito
público, pois considerando que toda fundação privada é entidade jurídica de
interesse social, recebe a incidência de normas jurídicas de direito público com
bastante frequência. É o que ocorre quando ela deve observar os princípios da
legalidade, da moralidade, da publicidade, da economicidade, da eficiência ou
32
E SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. vol. II. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 724. 33
ANDRADE, Roberto Paulo Cezar. Estado, Sociedade Civil e Empresa – O papel das Fundações de Filantropia. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. 204:111-119. Nesta obra o autor analisa a expressão utilizada por Joaquim Falcão, quando diz que fundação se origina de fundos de ação. 34
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 98.
57
mesmo do velamento do Ministério Público e a fiscalização de outros agentes do
Estado. 35
O conceito de fundação na doutrina não encontra dissonâncias. Gustavo
Saad Diniz apresenta o seguinte conceito: “fundação privada é organização com
patrimônio afetado por uma finalidade específica determinada pelo instituidor, com
personalidade jurídica atribuída por lei.” 36
Nestor Duarte, em obra coordenada por Cezar Peluso, defende o conceito
de fundação como “um acervo de bens, com destinação específica, a que a lei
atribui personalidade jurídica”.37
Não é diferente na doutrina de Washington de Barros Monteiro, que invoca
Clóvis Bevilaqua e define fundações como sendo “universalidades de bens
personificados, em atenção aos fins que lhes dão unidade, ou ainda em patrimônios
transfigurados pela ideia que os põe a serviço de um fim determinado”.38
Doutrinadores estrangeiros conceituam fundação na mesma linha. Para
Marcello Caetano “fundação será, pois, mais propriamente a organização destinada
a prosseguir um fim duradouro ao qual esteja afectado um patrimônio”.39 Já para
Francesco Ferrara fundação “é una organizzazione per uno scopo”.40
35
Dentre eles e dependendo do modelo de gestão a da utilização de recursos de origem pública, do Tribunal de Contas da União, dos Tribunais de Contas dos Estados, do Ministério da Justiça, da Receita Federal, do INSS, etc. 36
DINIZ, Gustavo Saad, 2006. op. cit., p. 84. 37
DUARTE, Nestor. Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência. Coordenado por Cezar Peluso. 4. ed. São Paulo: Manole, 2010. p. 69. 38
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Parte Geral. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 156. 39
CAETANO, Marcello. Das fundações e subsídios para a interpretação e reforma da legislação portuguesa. Portugal: Com. Ática, 1961. p. 26. 40
FERRARA, Francesco. Le persone giuridiche, in Tratado di Diritto Civile Italiano. Vanali (org.). v.2. t.2.. p. 103.
58
Defende-se, nesse contexto, o conceito de que fundação é um patrimônio
personificado destinado a uma finalidade social.
Os elementos nucleares da conceituação de fundação são, portanto, o
patrimônio, a finalidade e o vínculo entre ambos.
Marcello Caetano, com clareza solar, esclarece que há interpretações
diversas da natureza jurídica das fundações. A primeira delas reconhece a fundação
como um patrimônio, sem afetação inicial de um fim. Uma segunda corrente entende
que a fundação é uma finalidade isoladamente considerada. Outros, o movimento
de destaque entre os bens da fundação e os do patrimônio do fundador. Por último,
os que misturam os entendimentos anteriores.41
Das teorias elencadas, a que mais se aproxima das disposições do direito
positivo brasileiro é a mista, que trata a fundação como uma pessoa jurídica de
direito privado, que compatibiliza o patrimônio dotado com a sua finalidade social, de
acordo com a vontade do instituidor.
41
CAETANO, Marcello. 1961. op. cit., p.7-8
59
6 PATRIMÔNIO
Quando conceituada a fundação, apresentou-se como um de seus núcleos o
patrimônio. Em verdade é um dos elementos essenciais do instituto fundacional, pois
não há que se falar em fundação se não houver um patrimônio para ser destinado a
uma atividade social. Não para qualquer atividade social, mas sim dentre as
hipóteses elencadas pelo Código Civil, em seu § único do artigo 62.
Gustavo Saad Diniz define o patrimônio como “conjunto de relações jurídicas
passíveis de apreciação econômica agregados a uma pessoa, sujeito de direitos e
obrigações, à qual correspondem.” 42
José Eduardo Sabo Paes, por sua vez, como “atribuição de personalidade
jurídica a um complexo de bens livres, que será administrado por órgãos autônomos
de conformidade com as previsões do estatuto”.43
Importante repisar, no tocante à fundação, que o próprio conceito do modelo
de pessoa jurídica fundacional implica a existência necessária de um patrimônio,
que antes da criação da entidade é de domínio do instituidor, o qual deverá fazer a
dotação patrimonial, com finalidade em consonância com a sua vontade, mas nos
limites do comando autorizador inserto no artigo 62, § único, do Código Civil. Pode-
se afirmar, assim, que se não houver patrimônio, não pode ser criada a fundação,
por ausência de um dos elementos essenciais do modelo de pessoa jurídica. E se,
por circunstâncias posteriores à criação, vier a ser consumido o patrimônio, a
hipótese jurídica que se apresenta é a da necessidade de extinção. O patrimônio,
portanto, é condição essencial tanto para a constituição, como para a
superveniência da fundação.
42
DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 90. 43
PAES, José Eduardo Sabo. 2010. op. cit., p. 71.
60
O patrimônio ou, em outras palavras, a universalidade de bens deixada pelo
instituidor, por ato inter vivos ou causa mortis, passará a ser de domínio da fundação
criada, quando da transferência de titularidade, mediante negócio jurídico perfeito.
E muito embora a transferência do patrimônio, mediante tradição ou registro,
dependendo da modalidade dos bens, seja efetuada após o nascimento da fundação
para o mundo jurídico, mesmo assim o acervo patrimonial é elemento essencial para
a criação da pessoa jurídica. Tanto que, após o registro da fundação perante o
Ofício de Registro de Pessoas Jurídicas, momento em que se considera que a
fundação nasceu para o mundo jurídico, se não houver a transferência dos bens,
incide a hipótese do artigo 64 do Código Civil, que determina que “constituída a
fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a
propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados, e, se não o fizer, serão
registrados, em nome dela, por mandado judicial.”
Constituída a fundação, portanto, não cabe mais arrependimento do
instituidor no tocante à transferência dos bens para a nova pessoa jurídica, pois a
tradição ou o registro serão efetuados, independente de sua vontade, por
determinação judicial.
A fiscalização de que haverá a integralização do patrimônio na fundação é
de responsabilidade do Ministério Público, nos contornos dos poderes de velamento
das fundações privadas. Na hipótese de inércia na transferência do patrimônio, na
forma e no prazo fixados na escritura pública de instituição da fundação, o órgão
velador deverá provocar o Poder Judiciário mediante ação de obrigação de fazer em
face do instituidor, para integralização do patrimônio.
6.1 LIBERDADE E SUFICIÊNCIA DOS BENS PARA A CONSTITUIÇÃO DE
FUNDAÇÃO
61
Um requisito importante que deve ser aferido no momento de instituição de
uma fundação é a liberdade dos bens que constituirão o seu patrimônio. Com efeito,
o patrimônio, para se integrar com validez à fundação, deve ser composto de bens
livres e suficientes. A presença desses requisitos imprescindíveis deve ser aferida
pelo Poder Público. E será pelo Ministério Público na hipótese de criação de
fundação por instituidor vivo ou pelo Poder Judiciário no caso de criação por
instituidor falecido.
O artigo 62 do Código Civil, nessa linha, dispõe que o patrimônio deve ser
livre de quaisquer ônus ou gravames que prejudiquem o livre exercício das
atividades sociais. Por liberdade do patrimônio deve-se entender por bens livres de
ônus e encargos, como lembrado por Gustavo Saad Diniz44, invocando como
fundamento do entendimento os ensinamentos de Carlos Maximiliano a respeito da
interpretação extensiva.45
Nesse sentido, aliás, os ensinamentos de Carlos Maximiliano, citado por
Gustavo Diniz:
Não há que se invocar, por outro lado, o ensinamento do mestre de hermenêutica, explicando que se interpretam estritamente as frases que estabelecem formalidades em geral, bem como fixadoras de condições para um ato jurídico. Isto porque a inexistência de gravames, seja nos bens, seja nas relações jurídicas, vai muito além de uma mera formalidade para se constituir em verdadeira norma material, condição sine qua non para a dotação patrimonial. A interpretação deverá ser extensiva, também, para garantir interesses públicos e imediatos. A norma não deverá ser interpretada extensivamente para excluir gravames, mas sim para incluir a verificação de ausência de gravame em relações jurídicas que estejam vinculadas ao futuro patrimônio da fundação.
46
Não há dúvidas, pois, que o patrimônio destinado à constituição da fundação
deve ser livre de ônus e encargos, pois a existência destes prejudicará o exercício
das finalidades sociais da entidade. O patrimônio, em verdade, como elemento
44
DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 91. 45
MAXIMILANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 166. “227 – II – Cada disposição estende-se a todos os casos que, por paridade de motivos, se devem considerar enquadrados no conceito, ou ato jurídico; bem como se aplica às coisas virtualmente compreendidas no objeto da norma.” 46
DINIZ, loc. cit.
62
nuclear da fundação, tem por missão sustentar as atividades sociais que serão
desenvolvidas.
Por essa razão é que também não se pode permitir a criação de uma
fundação quando o patrimônio estiver comprometido com credores do instituidor,
pois estes ficam sem as garantias necessárias para o recebimento do que lhes é
devido. Mas se criada a fundação mesmo assim, por ignorância da restrição ou má-
fé do instituidor, sem que o fato seja levado ao conhecimento do Ministério Público,
caracterizada estará a fraude contra credores, passível de anulação mediante ação
pauliana. Se eventualmente restar a fundação sem patrimônio suficiente para a sua
sustentabilidade, caracteriza-se a hipótese de necessidade de extinção.
Ademais, forçoso lembrar o teor da norma do artigo 1.789 do Código Civil, o
qual ordena que, em havendo herdeiros necessários, o instituidor de uma fundação
somente poderá destinar-lhe patrimônio igual ou inferior a 50% da herança, sob
pena de nulidade da doação.
Por esta razão o instituidor deve ter ciência de referidas restrições no
momento da elaboração de testamento para a hipótese de fundação a ser criada
post mortem, ou da dotação patrimonial quando instituída a fundação por ato inter
vivos, sob pena de ser inviabilizado o seu projeto social, pela caracterização de
eventual fraude contra credores ou prejuízo ao patrimônio dos herdeiros
necessários.
Nesse sentido a doutrina de J.M. de Carvalho Santos:
Se os bens dotados prejudicam credores ou a legítima de herdeiros, evidente é a nulidade da instituição. Os credores ou os herdeiros necessários poderão pleitear a nulidade em tais casos; porque o que existe, em realidade, é uma liberalidade, que lhes é lesiva dos direitos seus. Os credores podem lançar mão da ação pauliana.
47
47
SANTOS, J.M. de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. vol. I. p. 405.
63
Nesse contexto não podem ser aceitos bens que não sejam livres, como
imóveis gravados com penhora ou hipoteca, ou participação em sociedade
empresária comprometida com significativo passivo, etc.
Não é obstáculo, porém, que existam obrigações modais a serem cumpridas
pela fundação donatária dos bens, desde que não haja comprometimento real do
patrimônio e desde que o acervo seja suficiente para o exercício das atividades
sociais da entidade. É o que ocorre, por exemplo, quando dentre os bens doados, o
instituidor reserva o usufruto de um. Ou mesmo a fundação que recebe a obrigação
de manutenção do túmulo do instituidor, ou que assuma a obrigação de realizar
missa anual em homenagem a determinada pessoa. São exemplos de situações
concretas na Curadoria de Fundações de São Paulo.
O segundo requisito que o patrimônio deve apresentar é a suficiência dos
bens. Ela deve ser interpretada como o necessário para o efetivo cumprimento das
finalidades estatutárias. A análise do requisito é feita pelo Juiz que preside o
inventário do instituidor falecido, quando a fundação é criada por disposição de
última vontade, ou pelo Ministério Público quando a entidade é criada por ato inter
vivos.
Com efeito, a lei não fixa o valor mínimo para a constituição da fundação, de
maneira que cabe ao Juiz definir o que é suficiente quando a fundação nasce por via
testamentária, ou ao Ministério Público quando constituída por instituidor em vida. O
patrimônio é suficiente, de qualquer maneira, quando for apto a sustentar o custo
das finalidades sociais estatutárias.
A aferição da suficiência do patrimônio no inventário é feita após o
pagamento de todos os credores do espólio, pois nesse momento há a definição
exata da parte disponível para a fundação.
64
Quando instituída a fundação por ato inter vivos, é do Ministério Público,
como já destacado, a atribuição para avaliar a suficiência da universalidade de bens.
Isto ocorre antes da elaboração da escritura pública de criação. Não havendo capital
bastante para constituí-la, o pleito deve ser indeferido pelo órgão ministerial. Mesmo
porque incumbe a ele o dever de expedir o competente ato administrativo
autorizativo para a criação da fundação.
O Ministério Público do Estado de São Paulo, a respeito editou o Ato
Normativo n. 168/98-PGJ-CGMP48, o qual define que o Curador de Fundações,
quando da fiscalização das fundações, deve:
Artigo 166. Observar, antes que se lavre a escritura de instituição de qualquer fundação, o preenchimento de todos os requisitos legais, procedendo, se necessário, a eventuais correções no projeto de seu estatuto, para perfeita adequação dos objetivos propostos ao interesse público e harmônica estruturação dos órgãos dirigentes da entidade, atentando especialmente para:
I - forma solene de instituição (escritura pública ou testamento);
II - dotação especial de bens livres;
III - suficiência dos bens ao atendimento dos fins da fundação;
IV - finalidade;
V - licitude e possibilidade do objeto;
VI – a existência de estatutos ou designação de pessoa que os elabore dentro do prazo estipulado pelo instituidor;
VII - caráter de liberalidade do ato;
VIII - inexistência de fins lucrativos;
IX - designação e sede da instituição.
E prossegue:
Artigo 167. Apreciar, no prazo de 15 (quinze) dias, o pedido de instituição de fundação, negando por escrito a aprovação quando forem contrariadas as exigências legais ou quando não
48
BRASIL. Ministério Público do Estado de São Paulo. Ato Normativo n. 168/98-PGJ-CGMP de 21 de dezembro de 1988. Definição das atribuições quanto à fiscalização de Fundações. Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/chefia_gabinete/atos/atos1998>. Acessado em 10/03/2011.
65
estiverem atendidas as alterações propostas ao texto da minuta do ato institutivo ou do projeto de estatuto.
Artigo 168 - Intervir como anuente na escritura de instituição de fundação cuja finalidade e estatuto tenham sido previamente aprovados, bem como em todas as escrituras em que houver interesse de fundação.
Artigo 169 - Autorizar o registro ou averbação de qualquer título, documento ou papel em que houver interesse de fundação.
Artigo 170 - Intervir nos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa ou voluntária em que houver interesse de fundação, sob pena de nulidade do processo.
Artigo 171 - Requisitar, dentro do prazo de 6 (seis) meses do término do exercício financeiro, balanço contábil, relatório das atividades desenvolvidas, cópia das atas das eleições dos órgãos administrativos e outros documentos de interesse da fundação, para fiscalizar o cumprimento das normas estatutárias, bem como a destinação de seus recursos.
Artigo 172 - Visitar periodicamente a fundação a fim de se inteirar do efetivo desenvolvimento de suas atividades.
Artigo 173 - Examinar ou propor alterações estatutárias, desde que necessárias ao atendimento do interesse público objetivado pela fundação.
Artigo 174 - Tomar providências para o preenchimento dos órgãos dirigentes da fundação no caso de sua vacância.
Artigo 175 - Fiscalizar com rigor a avaliação prévia de bens imóveis ou de valor considerável que devam ser adquiridos ou alienados pela fundação.
Artigo 176 - Providenciar, no caso de omissão do testamenteiro, o registro de fundação instituída por testamento, bem como a averbação da constituição, após aprovação dos estatutos.
Artigo 177 - Observar que a extinção de fundação poderá ser formalizada através de escritura pública, que deverá dispor sobre a destinação do seu patrimônio, ou judicialmente.
Artigo 178 - Representar à Corregedoria Geral da Justiça, se constatada a prática dos seguintes atos pelas Serventias Extrajudiciais:
I - lavratura de escritura de instituição sem a prévia aprovação e autorização do Ministério Público;
II - lavratura de escritura em que houver interesse de fundação sem intervenção do Ministério Público;
III - registro ou averbação de documentos relativos à fundação sem autorização do Ministério Público.
66
Artigo 179 - Autorizar, independentemente de alvará judicial, a venda de bem imóvel de fundação, desde que:
I - tenha sido feita a avaliação prévia do imóvel, mantendo-se cópia da mesma e dos demais documentos pertinentes em pasta própria da Promotoria de Justiça;
II - tenha sido elaborada minuta da escritura de venda, com fixação de preço não inferior à avaliação e indicação circunstanciada de todas as cláusulas do negócio jurídico;
III - tenha havido manifestação favorável à venda, pelo preço e condições constantes da minuta, pela unanimidade dos integrantes dos órgãos dirigentes da fundação;
IV - o membro do Ministério Público esteja convencido de que o negócio é vantajoso para a fundação, assim o declarando na escritura.
A rotina procedimental de algumas Promotorias de Justiça de Fundações
adota o posicionamento de que é prudente a fixação de um valor mínimo para a
instituição de fundação, o que não parece correto, uma vez que o montante de bens
deve ser analisado no caso concreto, à luz das atividades que serão desenvolvidas
pela fundação e o respectivo custo da operação.
O quantum, portanto, fica a critério discricionário da autoridade que fará a
avaliação (Juiz ou Promotor de Justiça). O ato decisório, porém, deve
necessariamente ser fundamentado, inclusive para propiciar a interposição de
recurso à autoridade competente para reapreciar eventual indeferimento. Sendo a
decisão pela negativa de autorização proferida pelo Ministério Público, o interessado
poderá valer-se do incidente processual de suprimento judicial, para garantir que a
decisão seja apreciada pelo Poder Judiciário, perante uma das Varas de Família e
Sucessões.49 O indeferimento do juiz que preside o inventário, por sua vez, pode ser
objeto de recurso perante o Tribunal de Justiça.
49
A respeito da competência para apreciar conflitos institucionais de fundações privadas, tem-se orientado a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para a estrutura judiciária local, no seguinte entendimento: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. Ação Civil Pública visando a extinção da Fundação Paulino Guimarães. Distribuição recusada pelo Juízo da Família e Sucessões, o qual, declinou, de ofício da Competência e remeteu os autos a uma das Varas Cíveis. Impossibilidade. Competência estabelecida pelo Decreto-Lei Complementar nº 03/69 (“h”, II, artigo 37). Conflito configurado. Competência do suscitado.” (Acórdão nº 01188671, de 11/12/2006 – Rel. Desembargador Sidnei Beneti).
67
Não é correta, portanto, a fixação de um valor único para a instituição de
fundação, pois, se o capital deverá ser o necessário para o suporte das atividades
sociais, o montante adequado de patrimônio necessário para ser autorizada a
entidade depende, por evidente, da amplitude e do custo delas para ser definido.
Importa, assim, desvirtuamento do instituto jurídico fundação a autorização de
criação da pessoa jurídica com capital inexpressivo, com o fundamento de que o
projeto social que se pretende colocar em prática é nobre e de interesse da
sociedade, pois quando não houver patrimônio, o ordenamento jurídico confere ao
interessado a possibilidade de criação de uma associação e, com ela, exercer as
mesmas atividades, porém no formato de outra modalidade de pessoa jurídica.
O valor do patrimônio, outrossim, depende do local onde se pretender
constituir a fundação, pois há diferenças no custo de vida do país, de região para
região. O que pode ser pouco em determinada cidade onde, em face da inexistência
local de cultura de voluntariado, poderá ser suficiente em outra região, com
características diferentes.
Por estas razões é relevante a elaboração, por parte do instituidor, de um
estudo de viabilidade econômica, financeira e social, e apresentação à autoridade
que autorizará a criação da fundação, com o objetivo de demonstrar, à luz de
critérios objetivos, como será realizada a operação social da entidade e a sua
respectiva sustentabilidade.
Na hipótese dos bens serem insuficientes para sustentar a operação da
fundação, a doutrina apresenta algumas soluções. Nessa linha Caio Mário da Silva
Pereira, citado por Nestor Duarte, ensina que pode ser anulado o ato de constituição
da fundação por impossibilidade material; pode ocorrer a conversão dos bens em
títulos da dívida pública, até que, aumentados com rendimentos ou novas doações,
se tornem adequados para a realização das atividades sociais da fundação; ou,
como terceira via, a incorporação dos bens em outra fundação.50
50
PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso. 4. ed.. São Paulo: Manole, 2010. p. 70.
68
Enquanto o Código Civil de 1916 optou pela conversão dos bens em títulos
da dívida pública, o Código atual inclinou-se pela doação a fundação já existente, o
que se revela mais adequado.
Tratando-se de constituição de fundação com o instituidor em vida, a
questão é simples, pois verificada a insuficiência, o pleito será indeferido pelo
Ministério Público, cabendo recurso ao Poder Judiciário. O patrimônio colocado à
disposição para constituir a fundação permanece sob o domínio do instituidor. Este,
por seu turno, poderá acrescer novos bens e o pedido ser apreciado novamente, a
qualquer tempo.
Sendo a hipótese de testamento, incide a regra do artigo 63 do Código Civil,
que determina a incorporação dos bens em outra fundação, que se proponha a fim
igual ou semelhante. Nesta situação o desejo do falecido é atendido parcialmente.
Não é criada a fundação desejada, mas os bens ficam à disposição do social,
insertos em outra entidade fundacional, preexistente.
O testador pode, nesse sentido, na disposição de última vontade, determinar
qual será a entidade que receberá a universalidade de bens doados, caso não sejam
reputados suficientes, após o seu falecimento, para a criação de uma nova
fundação.
Quanto ao tipo de bens que podem compor o patrimônio, o legislador
revelou-se omisso. A omissão leva à interpretação de que não há restrição na lei e,
como tal, pode constituir o acervo patrimonial qualquer bem, desde que livre de ônus
e encargos. Nesse sentido podem ser imóveis, móveis, jóias, ouro, ações,
participação em sociedade empresária, objetos de arte, direitos autorais, dentre
inúmeros outros.
69
6.2. IRREVERSIBILIDADE DOS BENS
Os bens doados pelo instituidor para constituição de uma fundação não
podem ser revertidos para o seu patrimônio ou para o de outra pessoa, física ou
jurídica. Uma vez feita a tradição ou registro dos bens doados, é impossível
juridicamente a reversão por arrependimento. Salvo a ocorrência de vício de
vontade.
A impossibilidade de reversão tem fundamento no fato de que, com a
tradição dos móveis ou registro dos imóveis, há transferência do domínio e, estando
o bem no patrimônio da fundação e sendo esta de domínio da sociedade civil, não
há possibilidade jurídica de patrimônio social retornar ao acervo de particular,
mesmo que conte com a concordância do dirigente e dos administradores da pessoa
jurídica.
As fundações não podem fazer liberalidades com o seu patrimônio. Até na
hipótese de extinção, os bens residuais devem ser destinados a outra fundação ou
para o Poder Público. E pelo mesmo fundamento, pois estando os bens em outra
fundação, continuam à disposição da sociedade civil e no domínio desta. Pela
mesma razão, quando a destinação dos bens remanescentes forem transferidos
para o Poder Público, como tal em benefício de todos.
Defende-se o posicionamento, porém, de que há duas possibilidades de
retorno dos bens ao doador. Esse entendimento foi defendido pelo autor e por
Edson José Rafael, com os seguintes termos:
Há duas hipóteses, entretanto, de retorno dos bens ao doador, uma vez que o Código Civil admite a doação para entidade futura. Ou seja, mesmo antes de a fundação ser constituída, o doador pode lhe destinar bens, cujo negócio fica sujeito a uma condição resolutiva, qual seja: sua verdadeira constituição, no prazo de até dois anos.
51
51
GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. 2010. op. cit., p. 75-76.
70
Assim, sendo a fundação constituída em até dois anos, a doação torna-se
perfeita e acabada. Caso contrário, a doação caducará, podendo o doador exigir o
retorno dos bens ao seu patrimônio.
Se a fundação não for constituída no prazo de dois anos, portanto, não
existe óbice para que o doador pretenda ter os bens de volta ao seu patrimônio.
Entretanto, com essa atitude, deverá ter em mente que a fundação jamais poderá
ser constituída, pois descaracterizado estará o seu patrimônio, sem o qual inexiste
qualquer ente social.
Contudo, em qualquer hipótese, haverá irrevogabilidade dos bens doados
após o registro em cartório dos atos constitutivos da fundação, sendo este o termo
final para eventual arrependimento, isso porque, com esse registro, a fundação
nasce para o mundo jurídico, incorporando-se a ela o patrimônio doado.
A segunda hipótese verifica-se no caso em que a escritura pública de
constituição de uma fundação foi lavrada, mas o doador pretende a reversibilidade
da medida, pois não existe a possibilidade de exigir o cumprimento da doação antes
do registro do ente fundacional, pois a lei civil é clara em disciplinar que este instituto
somente se aperfeiçoa com a tradição (entrega da coisa), em se tratando de bens
móveis, ou com o registro, sendo os bens imóveis. Dessa forma, não poderá haver
tradição a pessoa inexistente e tampouco o registro de uma doação que não tenha
beneficiário.
Esse entendimento decorre, também, da interpretação do artigo 64 do
Código Civil, in verbis:
Artigo 64. Constituída a fundação por negócio jurídico entre vivos, o instituidor é obrigado a transferir-lhe a propriedade, ou outro direito real, sobre os bens dotados e, se não o fizer, serão registrados, em nome dela, por mandado judicial.
71
Como a constituição de uma fundação pressupõe o registro do seu estatuto,
apenas após esse momento o Ministério Público poderá tomar as providências
cabíveis para fazer cumprir aquilo que foi avençado.
Para a hipótese de testamento, que propiciará a criação da fundação após a
morte do testador, a situação é diferente. De se considerar que o testamento pode
ser modificado ilimitadamente pelo titular durante sua vida. Os bens prometidos para
a constituição de uma fundação, com a disposição testamentária, na verdade não
saem do domínio do testador, salvo por ocasião de seu falecimento. Mas quando
integrarem o patrimônio de uma fundação, revelam-se também irreversíveis.
6.3. INALIENABILIDADE DOS BENS
Em obediência ao princípio da limitação da autonomia privada, que vigora
nas relações jurídicas das fundações privadas, a alienabilidade de seus bens é
relativa, ou seja, é possível juridicamente, porém observados determinados
requisitos e condições procedimentais.
Em regra os bens das fundações são indisponíveis e qualquer alienação
estará eivada de nulidade que deverá ser declarada pelo Judiciário, mediante
provocação do Ministério Público, com fundamento no artigo 168 do Código Civil, ou
de terceiros interessados.
A jurisprudência assim tem declarado:
Os bens que constituem o patrimônio das fundações são inalienáveis; e o são porque as pessoas que os administram não são seus proprietários e ainda porque a fundação é patrimônio personificado pela finalidade a que é destinado. (RT 116/615).
72
Porém, por se tratar de um princípio relativo, permite exceções, pois o
decurso do tempo e a alteração da realidade social podem exigir transações com o
patrimônio. É o que ocorre atualmente com muitas fundações que estão procurando
alienar seus imóveis de fins residenciais, visando ao investimento do produto dos
negócios em outros ativos, tais como imóveis de fins comerciais, fundos de
investimento ou outros mais rentáveis que os primeiros.
A Curadoria de Fundações da Capital do Estado de São Paulo tem
autorizado, outrossim, de forma excepcional, a alienação de ativos para o sustento
das atividades, quando a fundação não tem outra opção a buscar. O interesse
público recomenda tal providência.
O procedimento recomendado para a negociação é, num primeiro momento,
a autorização dos órgãos internos da fundação, na forma como o regramento interno
dispuser.52 Na sequência a autorização judicial.
Nesse sentido lecionou Vicente Ráo:
(...) os bens das fundações, por afetados a um destino certo, são, de sua natureza, inalienáveis. Sua inalienabilidade é, sem dúvida, relativa e comporta a substituição por outros bens, mediante sub-rogação processada em juízo com audiência e fiscalização do Ministério Público.
53
A fundação conta com outra opção, outrossim, pois pode pleitear a
autorização para a negociação junto ao Ministério Público, pela via administrativa.
Com efeito, se dentre as atribuições do Ministério Público, para o velamento das
entidades fundacionais privadas, estão a de autorizar administrativamente a
constituição da pessoa jurídica e de promover-lhe a extinção, também pela via
administrativa, por evidente que possui prerrogativas de autorizar comportamentos
52
Em regra, os estatutos das fundações disciplinam ser atribuição do Conselho Curador, enquanto órgão superior de administração da entidade, a deliberação de firmar ou não negócios jurídicos relevantes, dentre eles a alienação de bem imóvel. 53
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 3. ed. vol. 2. t. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p.250.
73
que não possuem a mesma amplitude. O poder de autorizar a negociação de ativos
está inserido nas atribuições de velamento prevista no artigo 66 do Código Civil.
Nesse sentido o posicionamento de Edson José Rafael e do autor
A fundação poderá, por outro lado, requerer diretamente ao Curador de Fundações do Ministério Público a autorização para alienar determinado bem, pela via administrativa, pois não se olvida que as atribuições desse órgão abranjam desde a autorização para a instituição da fundação, aprovação ou rejeição de contas, abertura ou fechamento de livros, até a eventual extinção da fundação, além de possuir outros poderes inerentes ao exercício do velamento das fundações. O Ministério Público pode autorizar administrativamente a instituição da fundação, bem como sua extinção, e também autorizar outros negócios, de menor amplitude e abrangência, dentre eles a aquisição ou alienação de bens, móveis e imóveis.
54
De se concluir, portanto, que os bens das fundações privadas são
inalienáveis, cabendo a exceção quando necessária a transação com o patrimônio
visando protegê-lo com ativos mais interessantes sob o aspecto econômico ou, de
forma mais excepcional ainda, para o custeio das atividades sociais.
54
GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. op. cit., p. 82.
74
7 FINALIDADES
Enquanto uma associação possui ampla liberdade de atuação, por força do
comando constitucional disposto no artigo 5º, incisos XVII e XVIII, encontrando
vedação somente se destinada a atividades ilícitas ou paramilitares55, as fundações
privadas contam com regulamentação específica no artigo 62, § único, do Código
Civil. 56
Nesse sentido o eco uníssono da doutrina. Nestor Duarte, em obra
coordenada por Cezar Peluso, ensina que:
Circunscreveu o legislador o objeto da fundação, dizendo que poderá se constituir para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. Percebe-se a diferença de tratamento em relação às associações, pois, quanto a estas, apenas assinalou que não terá fins econômicos (artigo 53). Essa delimitação de objeto aplica-se, porém, exclusivamente às fundações instituídas por particulares, uma vez que, quando instituídas pelo Poder Público incide o disposto no artigo 37, XIX, da Constituição Federal, pelo que caberá a lei complementar „definir as áreas de atuação.
57
Com efeito, uma fundação somente pode ser constituída para fins religiosos,
morais, culturais ou de assistência, ou seja, somente para fins sociais ou, em outras
palavras, publicistas. O objeto social deve estar estampado em seu estatuto social,
porquanto a atividade deve estar adstrita ao comando disposto no regramento
interno. É vedado, portanto, fundação para fins de interesses particulares.
55
“Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (. . .) XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;” 56
“Artigo 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la. Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”. 57
DUARTE, Nestor. 2010. op. cit., p. 70.
75
Os interesses egoísticos são vedados. Nessa linha os ensinamentos do
mestre português Carlos Alberto da Mota Pinto:
(...) não pode ser reconhecida e, consequentemente, ser-lhe atribuída personalidade jurídica, uma fundação que vise realizar o interesse particular de uma pessoa ou de uma família determinada (p. ex., a conservação e adorno dum jazigo, a comemoração perpétua da memória do instituidor ou de outra pessoa, a conservação dum solar familiar, etc). Tais objectivos só poderão ser prosseguidos através de outros meios técnico-jurídicos (p. ex., liberalidades com encargo modal).
58
Essas finalidades são sempre estranhas às pessoas que participam da
administração da fundação. O interesse é o do fundador, mas em benefício de
terceiros, necessariamente de natureza social. A entidade deve ser dirigida de
acordo com a vontade disposta pelo instituidor, nos limites do comando do artigo 62,
§ único, do Código Civil.
Ainda nesse sentido as palavras de Carlos Alberto da Mota Pinto:
São regidas, pois, por uma vontade transcendente, por uma vontade de outrem, que vem de fora e, por isso, pode dizer-se que têm órgãos servientes. Nas palavras de Ferrara, citado por Manuel de Andrade, são <hetero-organizações para um interesse alheio.> Como escreveu o ilustre civilista português, <a fundação tem só administradores, que são serventuários da vontade do fundador e do escopo por ele designado>.
59
No direito brasileiro, portanto, as finalidades deverão ser: religiosa, moral,
cultural ou assistencial.
Finalidade religiosa é aquela que orbita em torno de uma crença. Há de se
distinguir a atividade religiosa realizada pelas organizações religiosas previstas no
artigo 44, inciso IV, do Código Civil, com a finalidade religiosa que pode ser
abraçada por uma fundação privada.
58
PINTO, Carlos Alberto da Mota. 2005. op. cit., p. 293. 59
Ibid., p. 284.
76
Ambas – organizações religiosas e fundações de fins religiosos - são
entidades sem fins lucrativos, que exercem atividade de interesse público, no bojo
de pessoas jurídicas que possuem as mesmas prerrogativas junto ao Poder Público,
especialmente para fins de isenção e de imunidade tributária.
De se indagar, então, se as atividades de cunho religioso das organizações
religiosas e das fundações com finalidade religiosa são as mesmas. De se crer que
não, pois se fossem as mesmas necessitar-se-ia concluir que o legislador ofereceu
para uma mesma situação duas modalidades de pessoas jurídicas, o que seria um
contrassenso. Muito embora similares e com características muito próximas, as
organizações religiosas e as fundações de finalidade religiosa não se confundem.
A diferença é que uma fundação exige patrimônio para a constituição, bem
como de autorização do Ministério Público e posterior velamento. A organização
religiosa, diferentemente, não necessita de autorização do Poder Público para
criação. Também não necessita de patrimônio. Por outro lado, a organização
religiosa goza do princípio constitucional da inviolabilidade de consciência e
crença60. O artigo 19, I, ainda da CF, proíbe qualquer interferência do Poder Público
na organização e funcionamento das igrejas e de entidades voltadas a fins
religiosos.61
Poder-se-ia argumentar, então, que a fiscalização do Ministério Público dar-
se-ia na fiscalização da aplicação do patrimônio à atividade-fim da fundação que
exercite atividade litúrgica e isso não importa em interferência no princípio da
liberdade de crença e nem na proibição de interferências nas igrejas. Não é de se
concordar, porém, com esse argumento, pois o velamento e a fiscalização das
fundações são atividades amplas, que não seriam exercitáveis com as garantias
constitucionais referidas. Perguntar-se-ia, então, como harmonizar as garantias
constitucionais com a necessidade de existência de patrimônio para nascimento de
60
Artigo 5º, inciso VI. 61
ALVES, Francisco de Assis. Associações, sociedades e fundações, 7ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2005. p. 71-72
77
uma fundação religiosa? A questão ficaria sem resolução no ordenamento jurídico.
O que também não se pode aceitar.
A organização religiosa tem por objetivo a celebração de cultos e a prática
da liturgia. A fundação com finalidade religiosa poderá preocupar-se com a formação
dos religiosos, o velamento e sepultamento de pessoas, o exercício de atividade em
homenagem à memória dos mortos, a manutenção de atividade de apoio aos
templos, o exercício de atividade assistencial às pessoas que professem
determinada fé, que são atividades distintas da prática de liturgia.
O entendimento fundado na lógica do sistema jurídico, pois, admite duas
modalidades de pessoas jurídicas, cada qual com uma finalidade: a organização
religiosa para o exercício da liturgia e para a prática da fé; e a fundação de fins
religiosos para outras atividades que muito se aproximam da liturgia, mas que não
se confundem com esta.
De se argumentar, também, adotando os ensinamentos de Francisco de
Assis Alves, que o princípio constitucional da liberdade religiosa não conviveria com
o velamento e a fiscalização do Ministério Público. Com efeito, admitir a realização
de atividade religiosa em sentido estrito no bojo de uma estrutura fundacional,
importaria ter que admitir que a realização das atividades dependeria da criação da
pessoa jurídica, sob o crivo do Ministério Público. Este Órgão Público possui o poder
de indeferir o pleito de uma fundação, a título exemplificativo, quando não houver
patrimônio suficiente para custear as atividades. Nesse sentido, ao indeferir a
constituição de uma fundação para fins da prática da liturgia, por insuficiência
patrimonial, o Ministério Público estaria limitando o principio constitucional da
liberdade de consciência e crença, o que não é possível. Esse princípio, portanto,
somente é exercitável no bojo de uma organização religiosa e não em uma
fundação, pois enquanto a primeira tem liberdade ampla para a constituição e a
administração, a segunda fica vinculada ao permanente velamento do Ministério
Público. O velamento, por sua vez, implicaria limitação ao direito constitucional de
crença.
78
Por finalidades morais, muito embora a terminologia apresente uma vagueza
impressionante, há de se entender aquelas de cunho humanista, visando à inserção
da efetiva igualdade nas relações entre as pessoas, à integração do homem ao meio
ambiente e ao fomento do desenvolvimento sustentável, à realização de trabalhos
em homenagem à moral, à proteção dos direitos humanos, os relativos à cultura de
paz, etc.
Por cultural, imperioso entender a promoção das artes, da cultura, do
esporte, do lazer comunitário, da educação, etc.
As atividades de assistência englobam a realização de trabalhos que visem
à igualdade de opções entre os homens, à proteção da família, da infância, do idoso,
dos portadores de necessidades especiais, da saúde, etc.
Muito embora a inovação legislativa tenha recebido alguns aplausos,
inclusive de renomados civilistas, dentre eles de Nestor Duarte, que invoca os
ensinamentos de Maria Helena Diniz62, não se nega que o Código Civil de 2002 não
foi feliz com o artigo 62, § único. Ilustres e renomados civilistas aduzem que a norma
restringiu em demasia as possibilidades de objeto de fundações privadas, o que
ensejou por parte da doutrina o entendimento de que a interpretação deveria ser
extensiva. Nesse sentido, Álvaro Villaça Azevedo e Gustavo Rene Nicolau63,
Theotônio Negrão e José Roberto Gouvêa 64 e Carlyle Popp. 65
62
PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso. 4. ed. São Paulo: Manole. 2010. p. 70. “Essa restrição não estava expressa no Código Civil anterior, e a inovação é salutar, pois, conforme aduz Maria Helena Diniz, as fundações não podem ter fins “econômicos, nem fúteis” e sobretudo não se podem desvirtuar „os fins fundacionais para atender a interesses particulares do instituidor‟ (Curso de Direito Civil Brasileiro, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. I. p. 211)”. 63
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Código Civil Comentado – das Pessoas e dos Bens. São Paulo: Atlas, 2007. p. 156. 64
NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto. Código Civil e Legislação Civil Em Vigor. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 67. 65
POPP, Carlyle. Teoria Geral do Direito Civil. Coordenação de Renan Lotufo e Giovanni Ettore Nanni. Ed. Atlas, 2008. p. 321.
79
A realidade tem mostrado que fundações privadas estão sendo instituídas,
após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, com objetos variados, mas todos
de interesse da sociedade civil, nas áreas da saúde, da assistência, da educação,
da proteção à criança, da proteção ao idoso, de atividade cultural, moral, religiosa,
de desenvolvimento tecnológico, pois todas estas vertentes enquadram-se
perfeitamente na vagueza dos conceitos de atividade religiosa, moral, cultural ou
assistencial.
Portanto, não parece correta a assertiva de que o Código Civil restringiu o
leque de atividades que podem ser abraçadas pelas fundações. Em verdade a
redação do artigo 62, § único, apresentou uma norma aberta, abrindo a
possibilidade, com a vagueza dos objetos descritos, de que sejam inseridas todas as
atividades que tenham natureza social. Falar em atividade religiosa, moral, cultural
ou assistencial é o mesmo que dizer finalidade de interesse social.
Ainda no tocante às atividades, importante anotar que a fundação não pode
exercer outras que não as previstas em seu estatuto. E também não possui a
liberdade de não exercer referidas atividades. Isto porque a exegese do instituto é a
existência de um patrimônio que, cumpridas determinadas exigências legais, recebe
personalidade jurídica para exercer atividade de interesse social.
O administrador da fundação não pode, portanto, decidir se irá ou não
exercer as atividades estatutárias. O exercício é obrigatório. E eventuais dificuldades
para exercê-las, como inexistência de capital suficiente para suportar os custos do
projeto social, caracterizam a hipótese de extinção.
As finalidades da fundação, necessariamente de acordo com o disposto no
artigo 62, § único, do Código Civil, devem estar descritas no estatuto de forma clara,
sem a utilização de termos obscuros ou ambíguos, com a finalidade de que seu
exercício possa ser fiscalizado e exigido, não só pelo Ministério Público, que exerce
função pública de velamento, como pela sociedade civil, enquanto destinatária final
80
das atividades previstas. É o que a doutrina denomina de “determinabilidade estrita”,
ou seja, a apresentação do objeto social com todas as suas especificidades.
Nesse sentido Gustavo Saad Diniz:
O fim deverá ser específico, sob pena de atrair subjetivismos de interpretação que afastem a verdadeira intenção motriz instituidora. Esse fato se torna mais difícil no caso de instituição por ato entre vivos; entretanto, é plenamente suscetível quando for verificada por outra pessoa jurídica ou por negócio jurídico fundacional causa mortis. É de se exemplificar com o testamento que determina que o patrimônio será voltado à atividade de pesquisa, sem especificar qual a investigação científica a ser efetuada. Assim, os futuros administradores poderiam voltar o patrimônio para atividade desvirtuada do intento inicial, ou seja, de fins pacíficos para beligerantes ou então de pesquisa científica para aperfeiçoamento de entorpecentes. Verdadeiros absurdos.
66
Para exemplificar, é o caso de se vincular o patrimônio do instituidor a uma
finalidade relacionada à saúde. Essa, a viga mestra a ser respeitada. Entretanto, é
mister a especificação: qual momento da saúde: preventivo ou clínico; qual área de
atuação: pediatria, obstetrícia, ortopedia, oncologia, etc.; qual a comunidade
abrangida; opcionalmente, quais as doenças: AIDS, hepatite, câncer. Ou que sejam
todos esses pormenores ligados à saúde, guardada a devida proporção com o
patrimônio vinculado. Ainda é bom perquirir: haverá manutenção de um hospital
próprio da fundação ou a fundação será mantenedora econômica de outras
entidades já existentes.
O que se quer demonstrar é que a especificação atende com melhor clareza
àquilo que o instituidor pretendia, havendo aqui a incidência, mais uma vez, do
princípio da proteção da vontade do instituidor.
De se indagar, também, se a fundação pode exercer outras atividades que
não as sociais. Nesse sentido, enquanto a atividade-fim da fundação tenha de ser de
66
DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 101.
81
natureza social, nos termos da norma invocada, a entidade poderá exercer outras
atividades, de natureza econômica, como atividade-meio.
Com a atividade-meio a fundação deverá procurar a obtenção de superávit
econômico, para destiná-lo obrigatoriamente ao custeio das atividades sociais ou
para aumento do acervo patrimonial.
Não há que se confundir atividade-meio com atividade-fim. Enquanto aquela
assume contornos de atividade econômica, esta última necessariamente deve ser de
natureza social. A primeira pode ser qualquer atividade econômica, desde que seja
lícita e que tenha familiaridade com a atividade-fim. A última deve ser
necessariamente uma das atividades albergadas pela vagueza da regra jurídica
disposta no artigo 62, § único, do Código Civil.
No tocante à alterabilidade dos fins ou, em outras palavras, à alterabilidade
do objeto social da fundação, vigora a regra da inalterabilidade relativa, o que
implica dizer que é possível a alteração dos fins, desde que seja respeitada a
vontade do instituidor. Não se pode, pois, alterar a ideia do instituidor. O que se
pode tolerar é a adaptação do objeto social, por circunstâncias de uma nova
realidade social, desde que o órgão interno com atribuições para reformar o estatuto
aprove a alteração e esta seja secundada pelo Ministério Público.
Exemplo da alteração do objeto social é encontrado junto à Curadoria de
Fundações da Capital, que aprovou a alteração estatutária da Fundação Santa Cruz
de Campos do Jordão, a qual tinha por finalidade tratar de doentes tuberculosos em
regime de internação hospitalar para dedicar-se ao abrigo de idosos carentes. A
entidade centenária tratou da tuberculose em regime de internação por muitas
décadas. A evolução da ciência médica, no entanto, fez com que a doença hoje não
seja mais tratada em hospitais, mas sim em regime domiciliar. Ao invés da entidade
ser extinta por ausência de interesse da sociedade civil em sua atividade, houve
modificação do objeto social. Os administradores e o Ministério Público, num
82
exercício interessante de tentar descobrir qual seria a decisão da instituidora da
fundação, deliberaram que esta, caso viva fosse e estivesse constituindo a entidade
fundacional na atualidade, poderia perfeitamente decidir pela atividade social de
abrigo de idosos carentes. Assim é que o prédio e as instalações da fundação foram
adaptados para a nova atividade e hoje são atendidos mais de uma centena de
idosos carentes, em regime de internação, com intensa atividade laborterápica,
cultural e religiosa.
83
8 INSTITUIÇÃO DA FUNDAÇÃO
Como vem sendo sustentado no presente trabalho, a fundação é o resultado
de um acervo patrimonial, que recebe personalidade jurídica para destinar-se a uma
atividade de interesse social. São elementos nucleares da fundação, portanto, o
patrimônio e a finalidade.
O artigo 62 do Código Civil assenta o entendimento legal do formato dessa
modalidade de pessoa jurídica de direito privado. É condição, portanto, para a
criação de uma fundação, que o instituidor ofereça bens, próprios ou de terceiros
com a aquiescência destes, livres de ônus e encargos, disponíveis, suficientes para
o amparo das atividades sociais que devem se perenizar no tempo.
O ato de instituição, aliás, é unilateral, com a atribuição de personalidade a
um patrimônio. Nesse sentido os dizeres de Carlos Alberto da Mota Pinto,
Catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra:
As fundações são instituídas por um acto unilateral do fundador de afectação de uma massa de bens a um dado escopo de interesse social. O fundador, além de indicar no acto da instituição o fim da fundação e de especificar os bens que lhe são destinados, estabelecerá de uma vez para sempre (ne varietur) as normas disciplinadoras da sua vida e destino.
67
A finalidade, como explanado anteriormente, não é uma qualquer, mas sim
uma dentre as elencadas no artigo 62, § único, do Código Civil, ou seja, fins
religiosos, morais, culturais ou assistenciais. É possível juridicamente instituir uma
fundação com mais de uma finalidade, mas deve o instituidor ter ciência de que,
definidas as finalidades e assentadas no estatuto social, estas devem ser exercidas
obrigatoriamente. Não é possível, nesse sentido, a instituição de uma fundação com
uma gama muito vasta de atividades sociais, para permitir futuramente a entidade
optar por colocar em prática uma delas, de acordo com as conjunturas do momento.
67
PINTO, Carlos Alberto da Mota. 2005. op. cit., p. 283.
84
Nesse sentido os ensinamentos de Marcello Caetano:
E poderá admitir-se uma instituição que se proponha a vários fins? A resposta depende muito das circunstâncias, especialmente da grandeza e da composição do patrimônio afectado. Em todo caso, em princípio, parece que os fins devem ter entre si certa analogia ou conexão, serem congruentes; e conviria que o instituidor designasse qual deles considera principal ou, pelo menos, se exprimisse em termos donde se pudesse deduzir a sua intenção a respeito.
Depois, há que ver se o patrimônio é suficiente para a realização dos fins visados. O reconhecimento só será feito se esta verificação conduzir a um resultado positivo.
68
A fundação pode ser criada por ato inter vivos, ou seja, enquanto em vida o
instituidor e, como tal, este participa ativamente de todo o processo criativo. Poderá,
inclusive, participar da administração, ocupando um dos cargos da entidade. É
frequente, também, que o instituidor reserve um dos cargos para exercê-lo
vitaliciamente.
A outra maneira de a fundação ser criada é post mortem, mediante
disposição testamentária. Nesta situação a participação do instituidor se limita à
contribuição com a ideia da nova pessoa jurídica e a destinação do patrimônio. De
qualquer maneira, o testamento é revogável a qualquer momento pelo testador e a
fundação somente é instituída após o falecimento do autor da ideia.
8.1 INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO POR ATO INTER VIVOS
O instituidor deve saber, à míngua de qualquer dúvida, qual o acervo de
bens que está disposto a transferir para a fundação, porquanto o ato é irrevogável,
bem como qual o projeto social, dentre as possibilidades elencadas no artigo 62, §
único, do Código Civil, que pretende colocar em prática, com todas as suas
especificidades, e o custo da operação. Nesse sentido é de bom alvitre que
providencie um estudo, com o detalhamento devido, acompanhado de um “Projeto
68
CAETANO, Marcello. 1961. op. cit., p. 56.
85
de Viabilidade Econômica, Financeira e Social”, bem como o detalhamento devido
da sustentabilidade da pessoa jurídica.
A esse respeito leciona Marcello Caetano:
Como ficou sublinhado, a disposição de bens por um ou mais particulares para a realização de um fim de utilidade pública não constitui, por si só, o substrato da fundação. É preciso que o próprio instituidor, ou o executor da sua vontade, exprima o desejo de que o fim seja realizado por uma entidade jurídica expressamente criada e que essa entidade tenha organização adequada.
O ato de instituição completo é, pois, aquele em que o instituidor, adaptando a forma legalmente conveniente, disponha dos bens para a realização do fim que especifique e logo trace as normas orgânicas da entidade que deverá gerir o patrimônio criado para prosseguir o escopo indicado.
69
O Instituidor, pessoa física ou jurídica, deve apresentar sua proposta ao
Ministério Público Estadual ou do Distrito Federal e Territórios, de acordo do local
onde será a sede jurídica da fundação, para discutir a viabilidade de sua criação e
obter a autorização administrativa da autoridade veladora das fundações. Uma vez
aprovada a proposta pelo Ministério Público, o Instituidor deve providenciar a
elaboração de escritura pública, porquanto o ato de instituição é formal, à luz do
quanto dispõe o artigo 62 do Código Civil. O Ministério Público participará do ato
público de instituição da fundação, na condição de anuente.
A escritura pública, portanto, é formalidade essencial de validade do ato
jurídico. O nascimento da pessoa jurídica, entretanto, ocorre posteriormente, com o
registro. Em outras palavras, com a escritura pública ocorre a instituição da
fundação e, com o registro, a constituição da pessoa jurídica, que adquire
personalidade.
A escritura deve atender aos requisitos dispostos no artigo 215, §1º, do
Código Civil, especificamente a data e o local da lavratura; o reconhecimento da
identidade e capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato público;
69
CAETANO, Marcello. 1961. op. cit., p. 46.
86
o nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência dos
instituidores e do Promotor de Justiça anuente, com a indicação, quando necessário,
do regime de bens do casamento, nome do cônjuge e filiação; manifestação clara da
vontade dos instituidores e do anuente, especialmente em relação ao patrimônio
separado e que será vinculado ao novo ente jurídico fundacional; referência ao
cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato;
declaração de ter sido lida na presença dos instituidores e demais comparecentes,
ou de que todos a leram e assinatura dos instituidores, do anuente e dos demais
comparecentes, bem como a do tabelião ou do seu substituto legal, encerrando o
ato.
Pertinente à instituição, também, o disposto nos §§ do artigo 215 do Código
Civil, onde são definidas algumas regras de observância obrigatória:
I – se algum dos comparecentes à escritura não souber ou não puder escrever, outra pessoa assinará por ele, a seu rogo;
II – a escritura será redigida em língua nacional, sendo obrigatória a presença de tradutor público ou outra pessoa capaz de servir como intérprete caso algum dos comparecentes não saiba a língua nacional e o oficial não entenda o idioma em que se expressa;
III – a presença de pelo menos duas testemunhas, quando algum comparecente não for conhecido do oficial, a fim de que conheçam e atestem sua identidade.
Recomenda-se, outrossim, a descrição dos bens que comporão o acervo
patrimonial e o devido compromisso de transferência do domínio dos bens, em
momento propício, ou seja, quando a fundação existir juridicamente. Da mesma
forma, declinar a forma como a fundação será administrada. Nesse sentido a
sugestão do Ministério Público é pela apresentação do Estatuto Social, o qual
adquire, inclusive, a devida publicidade.
De lembrar que é possível a instituição de fundação por um ou mais
instituidores, podendo ser eles pessoas físicas ou jurídicas. O Ministério Público do
87
Estado de São Paulo, por sua vez, não exige que todos os instituidores sejam
autores da transferência de bens em benefício da fundação, para constituição de
seu capital inicial. Possível, em tese, que um dos instituidores efetue a dotação
patrimonial, sendo os demais autores intelectuais da ideia de criação, sem
necessariamente efetuar qualquer doação.
Uma vez elaborada a escritura pública, esta deve ser encaminhada ao Ofício
de Registro de Pessoas Jurídicas, onde será efetuado o registro. Neste momento
nasce a pessoa jurídica, nos termos do artigo 119, da Lei n. 6.015, de 31 de
dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos). A partir deste momento, com a
pessoa jurídica existente, o instituidor deve efetuar a transferência do domínio do
acervo de bens que comporá o patrimônio inicial. A transferência do domínio será
efetuada mediante tradição dos bens móveis e registro dos bens imóveis.
Efetuado o registro, o instituidor tomará todas as providências pertinentes
para a abertura de qualquer modalidade de pessoa jurídica, como inscrição no
Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, abertura de conta corrente, abertura dos
livros contábeis obrigatórios, estando apta a fundação para o início das atividades.
Apresentada a descrição prática de como a fundação privada nasce para o
mundo jurídico, importante visualizar a maneira como a personalidade da fundação é
formada. Isto ocorre em duas fases, uma de instituição e outra de constituição.
A instituição se perfaz mediante negócio jurídico unilateral, ou seja, mediante
uma declaração de vontade do instituidor com determinada finalidade social, na qual
ele apresenta detalhes da dotação patrimonial e seu pertinente vínculo com uma
atividade de interesse social. O negócio jurídico unilateral, portanto, possui finalidade
específica. Esse momento criativo se materializa com a lavratura da escritura pública
e ainda inexiste a personalidade jurídica. Com a instituição ainda não há pessoa
jurídica. Esta está em fase de nascimento.
88
Superada a fase de instituição da fundação e atendidos os requisitos legais,
em especial a forma prescrita em lei, o procedimento deve ser ultimado, a fim de que
a fundação adquira contornos de existência jurídica. Isto ocorre com a constituição
da fundação, que se materializa com o registro. O registro, nesse contexto, é ato
jurídico que apresenta autonomia em relação à instituição e gera efeitos
declaratórios e constitutivos. Agora a pessoa jurídica integra o ordenamento e
revela-se titular de direitos e obrigações, possuindo a pertinente personalidade.
A partir deste momento, ou seja, a partir da existência da pessoa jurídica,
respondem por ela os seus administradores e não mais o instituidor.
8.2 INSTITUIÇÃO DE FUNDAÇÃO POR ATO CAUSA MORTIS
A outra maneira para desencadear a criação de uma fundação é a via
testamentária. Por esta forma a fundação é instituída e constituída após a morte do
testador.
Testamento é ato jurídico personalíssimo, solene, unilateral, gratuito e
revogável que deve ser elaborado na presença do testador, aperfeiçoando-se com a
sua exclusiva manifestação de vontade. Sua natureza personalíssima afasta,
inclusive, a possibilidade de ser elaborado por representante legal. Referida vedação
não impede, porém, a orientação do testador por terceiros, sendo comum a atuação
de advogado nesse momento. Aliás, é inclusive recomendada a atuação de
profissional no caso, para se evitar futura declaração de nulidade do ato de
disposição da última vontade, após o falecimento do testador.
O testamento somente irradia efeitos após a morte do testador. A forma
solene, portanto, é garantia a ele próprio, pois há de se observar uma das formas
prescritas em lei e suas respectivas formalidades, sob pena de nulidade.
89
É ato gratuito porque o testador não pode pretender nenhuma vantagem em
troca. É revogável porque o testador pode tornar sem efeito, explícita ou
implicitamente, no todo ou em parte, inclusive a respeito da criação da fundação.
Para a revogação o testador não necessita apresentar os motivos pelos quais muda
a sua ideia. É entendimento sedimentado, inclusive, que o testamento posterior
revoga automaticamente qualquer testamento anterior, independentemente de
manifestação expressa nesse sentido.
Após a morte do testador, porém, o ato é irrevogável.
Nesse sentido os ensinamentos de Carlos Alberto da Mota Pinto:
(...) é livremente revogável até o momento da morte do testador, mas torna-se irrevogável quando o testador faleça, ao contrário do acto entre vivos, que só se torna irrevogável quando o reconhecimento é requerido ou principia o reconhecimento oficioso, etc.
70
Pode testar visando à instituição de uma fundação por ato causa mortis
qualquer pessoa, desde que em pleno discernimento e com capacidade civil para
realizar negócios jurídicos no momento da elaboração da disposição de última
vontade. E enquanto a incapacidade superveniente do testador não invalida o
testamento, a superveniência de capacidade não convalida o testamento feito por
pessoa incapaz.
O testamento pode ser público, cerrado, particular, marítimo, aeronáutico,
militar. O ordenamento jurídico não define a forma de testamento pela qual pode ser
inserido o desejo de criação de uma fundação privada. Como tal, é possível a
declaração do desejo de criação de uma fundação sob qualquer modalidade de
testamento. Não se conhece, no entanto, sequer uma hipótese de criação de
fundação no Brasil mediante testamento marítimo, aeronáutico ou militar, de maneira
que na sequência há referência tão somente aos demais.
70
PINTO, Carlos Alberto da Mota. 2005. op. cit., p. 306.
90
Testamento público, definido pelo artigo 1.864 do Código Civil é aquele feito
junto ao tabelião ou ao seu substituto legal, em livro de notas, de acordo com as
declarações do testador, por ele manifestadas verbalmente, na presença de duas
testemunhas, que devem assistir a todo o ato, que é solene. Após a lavratura do ato,
ele deve ser lido em voz alta pelo tabelião ou pelo próprio testador, ainda na
presença das testemunhas, para garantir inexistência de dúvida na manifestação de
vontade.
Testamento cerrado, disciplinado no artigo 1.868 do Código Civil é aquele
elaborado pelo próprio testador ou alguém a seu rogo, em caráter sigiloso, que
deverá ser entregue ao tabelião na presença de duas testemunhas, com a
declaração do autor da disposição de última vontade, do desejo de ver o testamento
aprovado. O auto de aprovação deve ser elaborado pelo tabelião ou seu substituto
legal e em seguida lido ao testador e às testemunhas. Na sequência o auto é
assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador.
O testamento particular, regrado no artigo 1.876 do Código Civil, também é
elaborado pelo próprio testador, em qualquer lugar, não sendo necessária a atuação
do Cartório de Notas. Para adquirir contornos de validade deve conter a assinatura
do testador e ser lido por este em voz alta, na presença de pelo menos três
testemunhas, que também o assinam. Após o óbito do testador, as testemunhas são
ouvidas judicialmente para confirmação da autenticidade das assinaturas, bem como
o teor do que foi escrito.
Por meio de testamento, o testador somente pode dispor de metade de seus
bens, salvo se não possuir herdeiros necessários, pois caso estes existam, a outra
metade deve ser direcionada a eles, de acordo com o artigo 1.857, §1º, do Código
Civil.
91
O testador, pretendendo a criação de uma fundação, deverá declinar,
também, as finalidades que deverão ser exercidas e, se possível, o projeto social
que deverá ser colocado em prática, além de outros detalhes, a seu critério.
Com o falecimento do testador, será processado o pertinente inventário. Nos
autos do inventário, após o reconhecimento judicial da validade das disposições de
última vontade, deve ser efetuado o pagamento de todos os credores do falecido,
separada a parte cabente aos herdeiros necessários e eventuais legatários, e então
a verificação da parte disponível para a criação da fundação.
Ainda no inventário deve ser providenciada a elaboração do estatuto social
da fundação, com a participação do Ministério Público, sendo depois levado a
registro, mediante mandado judicial.
No mais, a fundação será constituída da mesma forma que se deve proceder
com a modalidade inter vivos.
De qualquer maneira, resta claro que o testamento não constitui a fundação,
mas delibera por um desejo do testador de ver a constituição da entidade
fundacional, futuramente, após a sua morte, destinando o patrimônio para tanto.
92
9 ESTATUTO SOCIAL
O estatuto social de uma fundação é o instrumento pelo qual são
estabelecidas as regras de operação da pessoa jurídica. É o mandamento interno a
comandar os órgãos diretivos da entidade. O estatuto serve, portanto, como uma
ferramenta que regulará a forma como a fundação exercerá suas atividades, como
será sua composição interna, quais os poderes dos dirigentes. As disposições
estatutárias, por sua vez, não podem contrariar o quanto estabelecido no
ordenamento jurídico.
Para Gustavo Saad Diniz:
O estatuto tem por escopo estabelecer as relações entre órgãos da fundação, e as consequências para os beneficiários. Tem a força de observância obrigatória, por ser a lex privata da fundação, ou seja, traz cláusulas “normativas” que criam regras de obediência dentro da entidade.
71
Na elaboração do texto estatutário devem ser atendidas também as regras
da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973), ou seja,
dos artigos 120 e 121.72
71
DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 338. 72
Artigo 120. O registro das sociedades, fundações e partidos políticos consistirá na declaração, feita em livro, pelo oficial, do número de ordem, da data da apresentação e da espécie do ato constitutivo, com as seguintes indicações: I - a denominação, o fundo social, quando houver, os fins e a sede da associação ou fundação, bem como o tempo de sua duração; II - o modo por que se administra e representa a sociedade, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; III - se o estatuto, o contrato ou o compromisso é reformável, no tocante à administração, e de que modo; IV - se os membros respondem ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; V - as condições de extinção da pessoa jurídica e nesse caso o destino do seu patrimônio; VI - os nomes dos fundadores ou instituidores e dos membros da diretoria, provisória ou definitiva, com indicação da nacionalidade, estado civil e profissão de cada um, bem como o nome e residência do apresentante dos exemplares. Parágrafo único. Para o registro dos partidos políticos, serão obedecidos, além dos requisitos deste artigo, os estabelecidos em lei específica. Artigo 121. Para o registro serão apresentadas duas vias do estatuto, compromisso ou contrato, pelas quais far-se-á o registro mediante petição do representante legal da sociedade, lançando o oficial, nas duas vias, a competente certidão do registro, com o respectivo número de ordem, livro e folha. Uma das vias será entregue ao representante e a outra arquivada em cartório, rubricando o oficial as folhas em que estiver impresso o contrato, compromisso ou estatuto.
93
Uma vez elaborado o estatuto social pelo instituidor ou pela pessoa a quem
este delegar tal atribuição, o texto deve ser submetido à aprovação do Ministério
Público, na condição de órgão público velador das fundações privadas, que após
aprová-lo, autorizará a elaboração da competente escritura pública, para posterior
registro.
As normas dos artigos 1.199 e 1.200 do Código de Processo Civil definem,
em consonância com o disposto no artigo 66 do Código Civil, que elaborado o
estatuto, este será submetido ao órgão do Ministério Público, que deverá observar
se foram atendidas as bases da fundação e se os bens são suficientes ao fim a que
ela se destina.
O artigo 1.201 do CPC, na mesma tônica, estabelece que autuado o pedido
de aprovação do estatuto, o órgão do Ministério Público, no prazo de 15 dias,
aprovará o texto ou indicará as modificações que entender necessárias, ou lhe
denegará a aprovação.
De se indagar, nesse contexto, se a atribuição do Ministério Público de
aprovar ou não a instituição da fundação é de ato vinculado ou discricionário.
Entende-se, assim, que esse poder da autoridade pública veladora das fundações
privadas importa em parcela de discricionariedade e em parcela de vinculação ao
ordenamento jurídico.
Com efeito, é vinculado à lei o poder de constatar se o objeto social
enquadra-se entre as possibilidades elencadas no artigo 62, § único, do Código
Civil. Essa deliberação é objetiva, apesar do conteúdo indeterminado dos conceitos
legais. Diferentemente, porém, ou seja, no campo da discricionariedade o poder de
decidir o que importa em suficiência de bens. A decisão do Ministério Público,
entretanto, não é absoluta, porquanto pode ser revista pelo Poder Judiciário,
mediante provocação do instituidor.
94
Nas hipóteses de negativa do Ministério Público em aprovar a criação da
fundação ou de exigências de alteração do estatuto social, insurgindo-se o
interessado contra o posicionamento ministerial, poderá este, em petição motivada,
requerer ao juiz o suprimento da aprovação. O Ministério Público, nesta hipótese,
deve ser ouvido pelo Juiz competente, sob pena de ocorrência de nulidade, podendo
inclusive recorrer da decisão proferida, junto ao Tribunal de Justiça. Da mesma
forma que o interessado poderá recorrer da decisão que eventualmente lhe seja
desfavorável.
É possível, outrossim, que o juiz determine modificações no estatuto, com a
finalidade de adaptá-lo ao objetivo do instituidor, com fundamento na norma do § 2º
do artigo 1.201 do CPC. Esta decisão também é recorrível.
A previsão legal de suprimento judicial, nas hipóteses elencadas, encontra
fundamento também no princípio constitucional da inafastabilidade do Poder
Judiciário, insculpido no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, pelo qual qualquer
um que tiver um direito que entender violado, tem acesso ao Judiciário.
Por ocasião da constituição da fundação e definido o estatuto social, este
não poderá mais ser alterado pelo instituidor. A alteração estatutária, quando
efetivamente necessária para atender aos interesses da pessoa jurídica e somente
para atender aos interesses sociais desta, para ser efetivada, deve obedecer ao
próprio regramento estatutário. Em regra, compete ao Conselho Curador, em sede
de formal reunião do colegiado e especialmente convocada para esse fim, promover
eventuais alterações estatutárias. A alteração, para adquirir contornos de plena
validade, depende também da autorização do Ministério Público ou, caso este a
negue, do suprimento judicial.
Aliás, é possível a presença do instituidor da fundação no quadro de
dirigentes, quando a entidade é criada por “ato inter vivos”. Porém, ultrapassada a
fase de constituição da fundação, mesmo o instituidor, que doou o patrimônio em
95
favor da pessoa jurídica, não possui o poder de alterar o estatuto da fundação,
sendo um dirigente como qualquer outro. Em verdade, constituída a fundação, esta
adquire plena autonomia, inclusive em relação ao seu criador.
9.1 DENOMINAÇÃO, SEDE, FINS E DURAÇÃO DA FUNDAÇÃO
A definição de um nome, o local da sede jurídica, as finalidades e o tempo
de duração da fundação são os primeiros requisitos obrigatórios que devem constar
do estatuto social, de acordo com o disposto na norma do artigo 120, da Lei nº
6.015, de 31 de dezembro de 1973.
A fundação, como ocorre com qualquer pessoa jurídica, deve possuir um
nome. O instituidor pode escolher livremente o nome, porém com a inserção do
termo “fundação” antes da denominação, com a finalidade de identificar a
modalidade de pessoa jurídica.
É usual, inclusive, a adoção do nome do instituidor ou de pessoa que ele
queira homenagear, o qual será perpetuado no tempo e vinculado a uma finalidade
social. Exemplos conhecidos de fundações em que foi adotado o nome do instituidor
são a Fundação Armando Álvares Penteado, a Fundação Conrado Wessel, a
Fundação Antonio e Helena Zerrenner, a Fundação Instituto Fernando Henrique
Cardoso, a Fundação Roberto Marinho, a Fundação Salvador Arena, a Fundação
Adib Jatene, a Fundação Ema Gordon Klabin, a Fundação Dorina Nowill, a
Fundação Escultor Victor Brecheret, a Fundação Peter Muranyi, a Fundação Antonio
Prudente, a Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, etc.
Muito comum na atualidade, outrossim, instituir a fundação com o nome da
empresa instituidora, sendo clássicas com essa empreitada a Fundação Bradesco, a
Fundação Telefônica, a Fundação Itaú Social, a Fundação Nestlé Brasil, a Fundação
Cultural BNP Paribas Brasil, etc.
96
Não há exigência do ordenamento jurídico de que a atividade esteja
destacada no nome, muito embora seja frequente a inserção do tipo de serviço
prestado na denominação.
O instituidor não poderá, no entanto, adotar o nome de outra fundação, ante
a vedação expressa contida no artigo 1.166 do Código Civil.
O estatuto deve prever, também, a finalidade social da fundação, com o
objetivo de destacar, de forma clara, o tipo de atividade desenvolvida e, inclusive,
para que os órgãos de fiscalização possam efetivamente exigir o cumprimento das
mesmas. Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, como órgãos de
velamento das fundações privadas, têm exigido que a finalidade social da entidade
seja grafada no estatuto de forma clara e objetiva.
Outro requisito do estatuto diz respeito à sede da pessoa jurídica, ou seja, o
seu domicílio, em conformidade com o artigo 75, IV, do Código Civil. É o local onde
a gestão da fundação é executada por seus órgãos diretivos. O domicílio serve
também para localização da pessoa jurídica, para sua citação em demandas
judiciais, etc.
O estatuto deve conter, também, o prazo de duração da fundação. Em regra
as fundações são criadas para duração por tempo indeterminado, visando
perpetuar-se no tempo. O ordenamento possibilita, no entanto, a instituição de
fundação por tempo determinado.73
9.2 PATRIMÔNIO E RENDIMENTOS
73
O cadastro do Ministério Público do Estado de São Paulo registra que atualmente, no Estado de São Paulo, não há nenhuma fundação por tempo determinado.
97
Outra obrigação do estatuto é a menção ao seu patrimônio e a forma de
aplicação. Toda fundação é constituída mediante um patrimônio inicial, ou seja, pela
dotação de bens livres, os quais devem estar definidos na escritura pública de
constituição da pessoa jurídica. É possível, nesse sentido, que o estatuto faça
menção genérica de que o seu patrimônio é aquele definido na escritura, pois sendo
esta pública, seus termos são de acesso de todos. A documentação contábil da
fundação, entretanto, deve precisar com detalhes todos os ativos que compõem o
patrimônio da pessoa jurídica.
É importante, também, que o estatuto defina as regras para eventual
alienação de bens que compõem o patrimônio. Nesse sentido oportuno salientar que
em relação aos bens, vigora a regra da inalienabilidade relativa.
9.3 ÓRGÃOS DE ADMINISTRAÇÃO E COMPETÊNCIAS
Outra obrigatoriedade do estatuto é a descrição da forma como a pessoa
jurídica será administrada, ou seja, quais são seus órgãos internos de gestão e as
respectivas atribuições de cada cargo, a forma como são eleitos e eventualmente
destituídos.
O ordenamento legal não define, com precisão, quais serão os órgãos de
direção da fundação. A prática, no entanto, informa que uma fundação deve conter
um órgão de gestão e um outro com a função de estabelecer as diretrizes da
entidade, o direcionamento da política institucional, a fiscalização da gestão, o
controle interno, as medidas de correção de rumo quando necessárias, dentre outras
pertinentes à alta administração. A previsão de uma estrutura interna de ação e de
controle é importante, para garantir a retidão nas práticas da entidade, além de gerar
transparência na administração.
O órgão de gestão geralmente é denominado de Diretoria Executiva, de
Presidência, de Superintendência, etc. O órgão de comando superior, por sua vez,
98
na maciça maioria das fundações, é nominado de Conselho Curador. Há fundações,
entretanto, que denominam esse mesmo órgão como Conselho de Administração,
Conselho Orientador, Conselho Superior, etc.
É possível, também, a existência de um Conselho Fiscal, com o objetivo de
auxiliar o Conselho Curador na análise das contas e, de maneira geral, a gestão da
gestão da fundação.
9.3.1. Conselho Curador
O estatuto deve também se dedicar, como anotado anteriormente, à
composição e às atribuições de seus órgãos internos, dentre eles o Conselho
Curador, algumas vezes também denominado de Conselho de Administração,
dentre outros títulos.
O Conselho Curador é o órgão soberano da fundação e a ele devem ser
atribuídos instrumentos, como já destacado no presente estudo, para exercer a alta
administração da entidade, o implemento da política institucional, a fiscalização da
gestão, o controle interno, visando com isso garantir uma atuação escorreita e
eficiente, a preservação do patrimônio e a garantia da execução das finalidades da
entidade, tanto as de natureza econômica como as de natureza social.
Nesse sentido é que deve incumbir ao Conselho Curador o encargo de
escolher e nomear os integrantes da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal, bem
como eventualmente destituí-los, nas hipóteses de desvio comportamental.
O Conselho Curador deve ser um órgão colegiado, para bem desempenhar
as suas funções. Não há, porém, no ordenamento jurídico, qualquer norma
reguladora nesse sentido. A realidade das fundações com sede jurídica no Estado
de São Paulo, porém, é de que os colegiados são compostos de um número que
99
varia, em regra, entre três e dez integrantes. É evidente, porém, que um número
grande de conselheiros não importa maior fiscalização e controle da entidade.
O estatuto, porém, deve definir o número de integrantes do Conselho
Curador, bem como o tempo de mandato de cada conselheiro. De se considerar,
também, a possibilidade de conselheiros vitalícios, bem como de reeleição nos
cargos. Tudo a depender, por evidente, das disposições do estatuto social.
Em regra, também, confere-se ao presidente do Conselho Curador o voto de
qualidade, com a finalidade de evitar eventuais empates nas votações.
O estatuto deve conter, outrossim, uma regra definindo a periodicidade com
que os integrantes do Conselho Curador devem se reunir, em caráter ordinário,
mediante convocação por escrito do Presidente, ou por um determinado número de
conselheiros. O colegiado pode se reunir, também, de forma extraordinária. É usual
conferir-se ao Ministério Público o poder estatutário de convocar extraordinariamente
o Conselho Curador para deliberar determinado assunto. A omissão estatutária, no
entanto, não subtrai do órgão velador o poder de requisição de reunião do Conselho
para apreciar, internamente, algum assunto de relevância.
A forma de convocação do colegiado é outra regra que deve ser clara no
estatuto. Atualmente as fundações adotam todos os meios de comunicação para
tanto. O instrumento pode ser por carta, publicação na imprensa, e-mail, etc.
As funções dos conselheiros, de fiscalização e orientação superior da
fundação, devem ser claras, com texto objetivo. Dentre outros de interesse dos
instituidores, de relevo a previsão dos seguintes poderes:
a) de eleição dos membros da Diretoria Executiva; b) de eleição dos membros do Conselho Fiscal;
100
c) de aprovação da previsão orçamentária e do plano anual de ação, propostos preferencialmente pela Diretoria Executiva; d) de estabelecimento de diretrizes de atuação para a Diretoria Executiva; e) de aprovação das prestações de contas e dos relatórios anuais da Diretoria Executiva, para serem apresentados também ao Ministério Público; f) de deliberação sobre a alienação de bens patrimoniais da fundação, cujas decisões devem ser levadas posteriormente ao crivo do Ministério Público ou ser objeto de pedido de alvará judicial; g) de edição do regimento interno e outros atos normativos; h) de deliberação sobre eventuais alterações no estatuto; i) de exame dos livros contábeis e papéis de escrituração da fundação, do estado do caixa e dos valores em depósito; j) de disposição de seu livro de “Atas do Conselho Curador”, com registro de todas as reuniões realizadas; k) de deliberação sobre a aceitação de doações com encargo; l) de denúncia ao Ministério Público dos erros, fraudes ou crimes, de que porventura tomar conhecimento, sem prejuízo de tomada de medidas administrativas e judiciais.
9.3.2. Conselho Fiscal
O Conselho Fiscal é um órgão facultativo na estrutura interna das fundações
privadas, salvo quando estas pretenderem o título de OSCIP – Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público, que por exigência da Lei nº 9.790, de 23 de
março de 1999, artigo 4º, inciso III, referido colegiado é condição para a obtenção de
referida qualificação.
No entanto, muito embora facultativo, é órgão de absoluta relevância no
contexto da estrutura da alta administração das fundações privadas. Por esta razão,
101
o Ministério Público por ocasião da instituição de fundações privadas, tem
recomendado a previsão do órgão no estatuto social.
O Conselho Fiscal tem por finalidade assessorar o Conselho Curador na
verificação das contas da entidade. Ele deve ser formado, preferencialmente, por
dois ou três membros, com suplentes, dentre eles pelo menos um profissional da
área da contabilidade. Recomenda-se que, dentre os demais, haja pelo menos um
administrador de empresas e um com formação jurídica. Para que possa cumprir
suas funções a contento, o Conselho Fiscal deve ter garantido o acesso a todo e
qualquer documento ou registro da fundação.
Para disciplinar sua existência e o exercício de suas funções, é imperiosa a
existência de um capítulo próprio no estatuto social da fundação, regulando a forma
de composição, o mandato, as atribuições e as responsabilidades dos integrantes do
Conselho Fiscal.
As funções do Conselho Fiscal são de assessoramento e suas atividades
são vinculadas ao Conselho Curador. As apurações daquele devem ser colocadas à
disposição deste, para bem e fielmente exercer as atividades de fiscalização e
orientação da Diretoria Executiva. Em verdade, quem aprova ou rejeita as contas da
gestão é o Conselho Curador, com o assessoramento do quanto verificado pelo
Conselho Fiscal.
A título exemplificativo podem-se destacar algumas das atribuições
frequentes dos integrantes do Conselho Fiscal:
a) fiscalizar a gestão econômico-financeira da Fundação, examinar suas contas, balanços e documentos, e emitir parecer para ser será encaminhado ao Conselho Curador;
102
b) emitir parecer prévio e justificado para alienação, oneração ou aquisição de bens e direitos, para deliberação do Conselho Curador;
c) recomendar ao Conselho Curador a realização de auditoria externa na Fundação, quando julgar necessário.
9.3.3. Diretoria Executiva
Um capítulo específico com as regras definidoras da composição, mandato e
atribuições da Diretoria é uma exigência no estatuto social. A diretoria é o órgão
encarregado da execução da gestão da pessoa jurídica.
A gestão pode ser executada por uma ou mais pessoas. A maciça maioria
das fundações privadas conta com diretoria colegiada. Em regra composta de um
diretor-presidente, um diretor-secretário e um diretor-financeiro. Poderá, no entanto,
ser composta de um número menor ou maior de integrantes, dependendo do
tamanho da entidade e da complexidade dos atos de administração.
Também possível a criação de uma estrutura mais complexa, com várias
superintendências, subordinadas aos diretores, além de gerências, coordenadores,
etc.
Não se descarta, também, a estrutura interna de uma diretoria tendente ao
vazio, ou seja, centralizada na pessoa de um superintendente geral, na condição de
empregado da pessoa jurídica, este sob o comando do Conselho Curador.
Usualmente a Diretoria Executiva é escolhida e nomeada pelo Conselho
Curador, de acordo com o quanto estabelecer o estatuto social. O mandato deve ser
o definido no mesmo regramento interno.
103
As atribuições da Diretoria devem estar expressas no estatuto, sendo
comuns as seguintes:
a) de expedir normas operacionais e administrativas necessárias às atividades da fundação;
b) de cumprir e fazer cumprir o estatuto, o regimento interno e as normas e deliberações do Conselho Curador;
c) de submeter ao Conselho Curador a criação de órgãos administrativos de qualquer nível, locais ou situados nas filiais e sucursais;
d) de realizar convênios, acordos, ajustes e contratos, inclusive os que constituem ônus, obrigações ou compromissos para a fundação, ouvido o Conselho Curador;
e) de preparar balancetes e prestação anual de contas, acompanhados de relatórios patrimoniais e financeiros, submetendo-os, com parecer do Conselho Fiscal, ao Conselho Curador, por intermédio do presidente do Conselho Fiscal;
f) de representar judicial e extrajudicialmente a Fundação;
g) de proporcionar aos Conselhos Curador e Fiscal as informações e os meios necessários ao efetivo desempenho de suas atribuições;
h) de submeter ao Conselho Curador diretrizes, planejamento e políticas de pessoal da fundação;
i) de submeter à apreciação do Conselho Curador a criação e extinção de órgãos auxiliares da Diretoria.
9.4 EXERCÍCIO FINANCEIRO E PRESTAÇÃO DE CONTAS
Outro capítulo importante que deve ser incluído no estatuto social é referente
ao exercício financeiro e à forma de prestação de contas. O exercício financeiro é o
período definido estatutariamente como sendo o ano fiscal da fundação. Ele pode
coincidir ou não com o ano civil.
104
A prestação de contas deve ser apresentada interna e externamente.
Internamente a Diretoria Executiva deve prestar contas ao Conselho Curador, que
deve aprová-las ou rejeitá-las, tomando então as providências reparadoras
pertinentes em relação às irregularidades encontradas. Externamente a fundação
presta contas ao Ministério Público, que as recebe, as aprecia, as aprova ou as
rejeita, no exercício das funções de órgão velador das fundações privadas.
De todo recomendado que as contas sejam apresentadas juntamente,
dentre outros documentos reputados relevantes, com “relatório circunstanciado das
atividades desenvolvidas”, “balanço patrimonial”, “demonstração de resultados do
exercício”, “demonstração das origens e aplicações de recursos”, “relatório e parecer
de auditoria externa”, caso realizada, “quadro comparativo entre a despesa fixada e
a realizada” e “parecer do Conselho Fiscal” se existir na fundação referido órgão
interno.
9.5. RESPONSABILIDADE
Importante a existência de disposições estatutárias definindo a
responsabilidade civil e criminal dos administradores da fundação, assim
considerando-se os integrantes da Diretoria Executiva, do Conselho Curador e do
Conselho Fiscal.
É comum as fundações adotarem regramento definindo que os dirigentes
não responderão, nem mesmo subsidiariamente, pelos encargos assumidos pela
entidade. A irresponsabilidade pessoal dos administradores, porém, não é absoluta.
Ela incide quando estes praticarem condutas que afrontem a lei ou o estatuto social.
No Estado de São Paulo, por sua vez, é muito frequente a existência de
cláusula estatutária disciplinando também responsabilidade administrativa. É usual a
105
existência de normatização definindo que os dirigentes serão destituídos de seus
cargos, de forma compulsória, por decisão colegiada do Conselho Curador, caso
incorram em conduta grave, assim entendida, exemplificativamente, a obtenção de
vantagens ou benefícios pessoais em razão do cargo ocupado, a infração às normas
do estatuto, a prática de condutas que possam afetar direta ou indiretamente a boa
imagem e a reputação da entidade e a ausência a determinadas reuniões.
Este assunto, porém, será tratado com mais detalhamento adiante.
9.6 ALTERAÇÃO ESTATUTÁRIA
O estatuto social deve conter regramento pertinente à forma como ele pode
ser alterado. O Código Civil, a esse respeito, em seu artigo 67, determina que a
reforma estatutária deve ser deliberada por dois terços dos competentes para gerir e
representar a fundação, que a alteração não contrarie ou desvirtue o fim desta e que
a alteração seja aprovada pelo Ministério Público. Caso este venha a denegar a
alteração, poderá o juiz supri-la, a requerimento do interessado, mediante incidente
processual de suprimento judicial.
O estatuto poderá conter norma mais restritiva para a alteração estatutária,
ou seja, quórum mais qualificado que os dois terços previstos na norma do artigo 67.
Não poderá, no entanto, estabelecer quórum inferior.
Dispõe o artigo 68 do Código Civil, outrossim, que na hipótese da alteração
não ser aprovada por votação unânime, os administradores da fundação, ao
submeterem o estatuto ao órgão do Ministério Público, requererão que se dê ciência
à minoria vencida para impugná-la, se quiser, em dez dias.
106
Na hipótese de os administradores não tomarem a providência declinada,
mesmo assim o Ministério Público deve ouvir os argumentos da minoria vencida,
para decidir a respeito, podendo então aprovar a alteração ou denegá-la.
9.7 EXTINÇÃO E DESTINO DO PATRIMÔNIO
O estatuto deve conter previsão, outrossim, a respeito da forma como
eventualmente a pessoa jurídica pode ser extinta e, consequentemente, a
destinação de seu patrimônio residual.
O artigo 69 do Código Civil define as hipóteses de extinção da fundação
privada, ou seja, quando esta tornar-se ilícita, quando impossível ou inútil a sua
finalidade ou vencido o prazo de existência. São titulares do direito subjetivo de agir
o Ministério Público ou qualquer interessado. O patrimônio, por sua vez, salvo
disposição em contrário na escritura pública de criação da entidade, ou no estatuto,
deverá ser incorporado em outra fundação, que se proponha a fim igual ou
semelhante.
Regra nesse sentido é relevante devido ao fato de que, uma vez extinta a
fundação, o seu patrimônio residual não poderá retornar ao instituidor ou outros
beneficiários, a não ser para uma outra fundação ou para o poder público. Com
efeito, os bens fundacionais pertencem, como aduzido anteriormente, à sociedade
civil, não podendo ir, por conseguinte, ao patrimônio de pessoas físicas ou jurídicas
que não representem os interesses da coletividade.
107
10 VELAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A Constituição Federal, com a norma do artigo 127, caput, atribui ao
Ministério Público a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais.
O artigo 66 do Código Civil, em complemento à norma constitucional
invocada, disciplina que “velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde
situadas”, ao passo que, “se funcionarem no Distrito Federal, ou em Territórios,
caberá o encargo ao Ministério Público Federal”. E “se estenderem a atividade por
mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério
Público”. 74
Ao ser constituída uma fundação, o seu patrimônio passa a pertencer à
sociedade civil, que é a beneficiária das atividades que serão desenvolvidas, sempre
de natureza social e de interesse público. Ademais, é interesse do instituidor, que
abre mão de patrimônio pessoal para colocá-lo à disposição do social, que a
entidade criada permaneça sob o crivo permanente do Poder Público, para não se
desviar de seus propósitos. Por essas duas razões é que o ordenamento jurídico
atribui ao Ministério Público o dever de velar pelas fundações.
O legislador definiu a atribuição ministerial no tocante às fundações como
“velamento”, que deve ser compreendido como aconselhamento e fiscalização da
entidade.
A grande maioria das atribuições do Ministério Público é de órgão de
responsabilização daqueles que afrontaram o ordenamento jurídico. No tocante ao
velamento das fundações, porém, de forma diversa, aguarda o ordenamento jurídico
74
BRASIL. Congresso. Senado. Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN n. 2794 de 13 de janeiro de 2003. Julgou inconstitucional a parte dispositiva do § 1º do artigo 66, para declarar que a incumbência para velamento das fundações, quando situadas no Distrito Federal ou em Território, incumbirá ao Ministério Público do Distrito Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/senado/advocacia/pdf/ADI2794.pdf>. Acesso em 10/03/2011.
108
que o Curador de Fundações, na medida do possível, se antecipe à ocorrência de
desvios de gestão, evitando com isso a necessidade de responsabilização. A
fiscalização é necessária, porém como atividade suplementar, para reparar os danos
causados à fundação e, consequentemente, à sociedade civil.
A atuação do órgão velador ocorre no bojo de processos judiciais, nos quais
o Ministério Público pode atuar como autor da lide ou como fiscal da lei. Mas a
atuação se estende também à via extraprocessual. Nesta, aliás, é vasto o campo de
atuação, podendo-se destacar, na linha do quanto apresentado na obra Fundações
Privadas – Doutrina e Prática, de autoria de Airton Grazzioli e Edson José Rafael:
- aprovação das minutas de escrituras públicas de instituição, ocasião em que deverá observar se estão atendidos a todos os requisitos legais e se os bens destinados aos fins são suficientes, fiscalizando o registro da fundação;
- aprovar as alterações estatutárias;
-apreciar as contas dos administradores, requisitando-as administrativamente ou requerendo-as judicialmente, quando não apresentadas;
- elaborar o estatuto se inexistir quem o fizer ou na inércia do incumbido a tanto;
- fiscalizar o funcionamento das entidades, visitando-as periodicamente, ocasião em que poderá analisar todos os documentos, sem restrição, inclusive os que envolverem sigilo bancário, como extratos de contas, livros contábeis, registros de empregados, etc;
- fiscalizar o funcionamento das entidades através da análise permanente de documentos enviados ou requisitados;
- fiscalizar a aplicação e utilização dos bens e recursos das entidades, podendo requisitar informações e relatórios dos dirigentes, sem qualquer restrição;
- examinar os balanços e as demonstrações de resultados;
- requisitar informações e documentos, inclusive aqueles protegidos por sigilo, o qual deve ser preservado;
- nomear os dirigentes quando a fundação é instituída por testamento, sem que o falecido tenha indicado pessoas de sua confiança;
- nomear dirigentes na hipótese da fundação revelar-se acéfala;
- atestar o regular funcionamento e a regularidade do mandato dos administradores, para o fim de recebimento de titulações e subvenções;
109
- expedir recomendações à fundação, para a prática de determinados atos, sob pena de proposição de ação civil pública.
75
Importante asseverar, ainda, que o Ministério Público pode tomar quaisquer
outras medidas administrativas e judiciais que julgar necessárias para o exercício do
velamento.
75
GRAZZIOLI, Airton; RAFAEL, Edson José. 2010. op. cit., p. 170-171.
110
11 EXTINÇÃO
As fundações privadas são criadas para se perpetuar no tempo, salvo as
temporárias. Assim, muito embora o caráter de perpetuidade da entidade, é certo
que circunstâncias alheias à vontade do instituidor ou dos administradores podem
ocorrer, a exigir a extinção da pessoa jurídica.
Neste momento é que devem ser observadas as regras estatutárias a
respeito e o disposto na norma do artigo 69 do Código Civil. As primeiras, de
qualquer forma, não podem contrariar a segunda.
Define o artigo 69 que, “tornando-se ilícita, impossível ou inútil a finalidade a
que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério
Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu
patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em
outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante.”
Conclui-se, assim, que o Ministério Público ou qualquer interessado possui
legitimidade ativa para postular a extinção da fundação, mediante ação judicial. De
se reconhecer, no entanto, que também é possível a extinção da pessoa jurídica,
pela via administrativa, mediante a ação dos dirigentes, com o aval do Ministério
Público.
Esses eram os conceitos básicos que mereciam colocação para o
entendimento adequado do que significa o Terceiro Setor, onde se inserem as
fundações privadas e como estas se apresentam a partir das definições do
ordenamento jurídico. Com essa introdução é possível o enfrentamento de pontos
de interesse da administração, das relações de poder, dos deveres e a consequente
responsabilidade dos administradores da pessoa jurídica em estudo.
111
PARTE III
12 ADMINISTRAÇÃO, PODER, DEVERES E RESPONSABILIDADE DOS
DIRIGENTES
12.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A administração superior das fundações em regra é uma estrutura
organizacional complexa, exigindo reflexão sobre a sua composição, as
competências dos seus órgãos de gestão, o exercício do poder e o caráter social,
este vinculado à natureza fundacional em que esses complexos administrativos
estão inseridos. Nesse ambiente de complexidade razoável, a atuação dos
conselhos, especialmente pelo exercício do colegiado e das relações de poder
compartilhado, é questão que merece reflexão, pois desemboca nas respectivas
responsabilidades dos detentores de parcela de poder, individual ou coletivo. O
poder, por sua vez, não é negativo nem positivo, apresentando relevância nas
formas de relações que se estabelecem, com positividade ou com negatividade. E
deve ser exercido, quando no contexto de um colegiado, junto à administração
superior das fundações, de forma involuntária da vontade de seus membros,
considerados individualmente.
A legitimidade das fundações privadas, assim como das associações de
interesse social, que formam o Terceiro Setor, é calcada principalmente na
importância do trabalho desenvolvido, extremamente salutar para a sociedade civil,
que necessita de suporte social, bem como porque o Estado não conseguiu e não
consegue, com a agilidade desejada, desempenhar alguns serviços essenciais.
Impulsionadas pela falta de agilidade nas funções administrativas
desempenhadas no âmbito da Administração Pública, as entidades que compõem o
Terceiro Setor surgiram como parceiras do Estado, no exercício de atividades que
buscam, em regra, a melhoria da qualidade de vida das pessoas em situação de
vulnerabilidade social.
112
Como reflexo da administração pública gerencial, positivou-se a
aproximação do público e do privado, cujos resultados passaram a ser mais
considerados que os meros procedimentos administrativos. Isso exigiu o incremento
das atividades do Terceiro Setor e tornou relevantes os benefícios colocados à
disposição da sociedade.
A importância das atividades desenvolvidas pelo Terceiro Setor e, dentre
elas, as das fundações privadas, exige a observação atenta dos órgãos de
fiscalização, pois eventuais desvios comportamentais dos dirigentes das entidades
ensejarão prejuízos também relevantes para a sociedade. Nesse contexto,
importante a reflexão dos poderes dos administradores, pois, na medida em que se
revestem de relevância, trazem na mesma carga um rol de responsabilidades.
113
13 ADMINISTRAÇÃO SUPERIOR DAS FUNDAÇÕES
A administração superior das fundações privadas, assim como das demais
instituições que compõem o Terceiro Setor, tem sido objeto de reflexão dos
estudiosos da matéria, assim como do legislador.76
O Código Civil de 2002 deu atenção à administração das pessoas jurídicas e
não foi diferente em relação ao controle e à responsabilidade nas decisões dos
membros individuais e dos colegiados que compõem a administração superior das
fundações privadas. Nesse sentido Francisco de Assis Alves anota as adaptações
que as fundações deveriam promover em seus estatutos, de acordo com as novas
disposições do Código Civil de 2002:
a) O estatuto só poderá ser alterado por deliberação de 2/3 (dois terços) dos competentes para gerir e representar a fundação;
b) A reforma não poderá contrariar ou desvirtuar o fim da fundação;
c) A reforma deverá ser aprovada pelo órgão do MP e, se este a denegar, o Juiz poderá supri-la, a pedido do interessado;
d) Se a alteração não for aprovada por votação unânime, os
administradores da fundação, ao submeterem o estatuto ao órgão do MP,
requererão que se dê ciência à minoria vencida para impugná-la, se quiser,
em 10 dias (CC, artigo 67, incisos I a III). 77
Na mesma linha verificam-se os artigos 48 a 52 do Código Civil, que
ratificam a atenção do legislador à administração coletiva nas pessoas jurídicas,
dentre elas as fundações privadas.
76
DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 383 e José Eduardo Sabo Paes. 2010. op. cit., p. 395. 77
ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: LTR, 2000.
114
A administração coletiva ganhou destaque na norma do artigo 48 do Código
Civil, ao estabelecer que, se a pessoa jurídica tiver administração coletiva, as
decisões serão tomadas por maioria dos votos dos presentes, salvo se o ato
constitutivo dispuser de maneira diferente.
O legislador deu importância de relevo ao estatuto, dando a ele o status de
regramento fundamental na orientação do que se deve ou se pode ou não se deve
ou não se pode fazer.
O estatuto social é de tal importância que é o instrumento que, após a
autorização do Ministério Público e registro, serve de nascedouro para a fundação,
fazendo-a adquirir personalidade jurídica.
Nesse sentido a orientação doutrinária de José Eduardo Sabo Paes:
O estatuto é a norma fundamental e norteadora da organização e do funcionamento da fundação. Seus preceitos apresentam a rigidez e a flexibilidade necessária para resguardar a instituição, seus fins e patrimônio da ação do tempo e da vontade de seus órgãos de administração.
78
Dentre as disposições estatutárias obrigatórias estabelecidas no artigo 120,
II da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos) e no
artigo 62 do Código Civil, encontra-se a necessidade de normas de administração
para o funcionamento da fundação, demonstrando a maneira de administrá-la e
estabelecendo os limites de seu relacionamento, interno e externo.
Mike Hudson anota que, “o termo estrutura institucional refere-se aos
arranjos estatutários que as organizações adotam para permitir que as várias partes
da entidade relacionem-se umas com as outras”79. Observa-se pela doutrina do
78
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social, 7. ed. Rio de Janeiro. 2009. p. 332. 79
HUDSON, Mike. Administrando Organizações do Terceiro Setor. São Paulo: Makron Books, 1999. p. 36.
115
autor que as fundações se organizam de forma linear, ou seja, elas têm uma
estrutura em linha reta onde o poder é exercido de “cima para baixo” e de maneira
formal, na qual os membros do Conselho Curador escolhem e nomeiam a
composição sucessória do mesmo colegiado, bem como de toda a estrutura inferior,
tais como os órgãos auxiliares, os integrantes do Conselho Fiscal e da Diretoria
Executiva. A Diretoria Executiva, por sua vez, em regra é quem escolhe e contrata o
pessoal técnico que se dedicará ao exercício das atividades administrativas e sociais
da entidade.
Os estatutos das fundações mostram que as suas estruturas administrativas
funcionam com grande semelhança. Elas são regidas por seus estatutos e outras
normas internas, que geralmente são editadas por deliberações da administração
superior. Isto ocorre porque todo estatuto social de fundação é previamente
aprovado pelo Ministério Público, bem como suas posteriores alterações. Há,
outrossim, entre os Ministérios Públicos dos Estados e da União, uma constante
comunicação, com a finalidade de uniformizar na medida do possível os
entendimentos dos Curadores de Fundações, sendo certo que esse debate ocorre
no seio das atividades da Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de
Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social – PROFIS80. Isso explica
porque em regra os estatutos das fundações apresentam um padrão praticamente
uniforme em todo o país.
Com a finalidade de alcançar as suas finalidades sociais estatutárias, as
fundações contam com uma estrutura interna que muito se assemelha à
organização do Estado. Com efeito, o órgão mais importante de uma fundação é o
seu Conselho Curador, algumas vezes também denominado de Conselho de
Administração ou Conselho Superior que, por suas competências, exercem funções
deliberativas, na interpretação da vontade dos instituidores. Também em sua grande
maioria, para o assessoramento do Conselho Curador, especialmente para o
controle interno das atividades executadas, existe o Conselho Fiscal, com a
incumbência de acompanhar os atos de gestão da fundação e assessorar o
80
Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social – PROFIS. Disponível em: <http://www.profis.org.br>.
116
Conselho Curador. A Diretoria Executiva, por seu turno, é responsável pela
administração da fundação e execução de suas funções estatutárias. Esses órgãos
fazem parte da administração superior da fundação e são imprescindíveis para o seu
funcionamento.
Na mesma linha de raciocínio é o entendimento de Francisco de Assis Alves:
“é a administração da fundação que instrumentalizará o alcance das finalidades
impostas pelo instituidor no ato de sua criação” 81.
A fundação exercerá a gestão por intermédio dos seus órgãos internos e
estes não se confundem com as pessoas que ocupam as funções previstas
estatutariamente. Nesse sentido Tomaz de Aquino Resende argumenta:
(...) é necessário estabelecer que órgão da administração não se confunde com indivíduos que, eventualmente, decidem e praticam atos jurídicos representando a fundação. A sucessão dos titulares não afeta a identidade do órgão, o qual existe nos estatutos ou nos atos de instituição, atribuindo competências e regulando atribuições, poderes e deveres.
82
Ou nas palavras de Gustavo Saad Diniz:
(...) não são os administradores que agem pela fundação, mas é a fundação que age através deles. Complementa ainda o autor que os poderes administrativos têm por limite a vontade do instituidor, fixada no negócio jurídico institucional, que designa o fim da fundação e determina os bens que serão empregados para a consecução daquele fim. E ainda que, externamente, a definição de uma administração permite a segurança jurídica nas relações com terceiros e, na ordem interna corporis, a administração da fundação tem importância para a definição dos poderes administrativos e gerenciais.
83
Com competências e atribuições claramente fixadas, referidos órgãos que
compõem a administração superior das fundações têm como missão o atendimento
das finalidades sociais da pessoa jurídica e uma administração ilibada, visando
81
ALVES, Francisco de Assis. 2000. op. cit., p.71. 82
RESENDE, Tomaz de Aquino. 2006. op. cit., p. 43. 83
DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 308.
117
preservar e dentro do possível incrementar o patrimônio. Os órgãos da fundação, na
linha de raciocínio que vem sendo apresentada são definidos por Marcello Caetano,
citado por José Eduardo Sabo Paes da seguinte maneira:
Órgão é definido como um centro institucionalizado de poderes funcionais a ser exercido por um indivíduo ou por um colégio de indivíduos que nele sejam promovidos, com o objetivo de exprimir a vontade juridicamente imputável à pessoa coletiva de que faz parte.
84
O mesmo autor acrescenta que:
Portanto, a fundação, uma vez constituída, assenta seus alicerces no ato de vontade de seu instituidor exarado no estatuto, que deve ser respeitado. É esse respeito que condiciona a sua atuação e a do Estado. Por isso, os órgãos fundacionais servem, não ditam o que se há de fazer [...] o que se há de fazer já foi estabelecido em normas estatutárias.
85
13.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS À ADMINISTRAÇÃO DAS
FUNDAÇÕES
Como anotado à exaustão, fundação é um patrimônio que recebe
personalidade jurídica para dedicar-se a uma finalidade social. Nesse sentido se
para alguns é um patrimônio sem dono, para outros é um patrimônio que pertence à
sociedade, ou seja, pertence a todos. Por essa razão se afirma que há interesse
público inserto nas atividades desenvolvidas pelas fundações.
E sendo um patrimônio dessa envergadura, ou melhor, com esse matiz de
interesse, sendo administrado por terceiros, em nome da fundação e no atendimento
dos interesses da coletividade, deve ser manejado com absoluta retidão e
transparência, visando ao melhor proveito social.
84
Marcello Caetano Apud José Eduardo de Sabo Paes. Op. cit., p. 397 85
Pontes de Miranda Apud José Eduardo de Sabo Paes. Op. cit., p. 396
118
Por suas características é imperioso afirmar que a administração da
entidade está sujeita aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade, economicidade e da eficiência, dispostos no artigo 37 da CF e no artigo
4º, inciso I, da Lei n. 9.790/99.
Esse posicionamento, aliás, de doutrinadores de grande quilate do Terceiro
Setor, dentre eles Gustavo Saad Diniz e Francisco de Assis Alves.86
13.1.1 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade é relevante nas relações jurídicas das fundações
privadas e encontra previsão constitucional no artigo 5º, inciso II, fornecendo o
comando de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em
virtude de lei.
Precisos são os ensinamentos de Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano
Nunes Júnior:
Com isso, a mensagem constitucional foi clara: os comandos de proibição (deixar de fazer) e de obrigação (fazer) só podem ser veiculados por meio de uma lei. À falta desta, o comportamento está permitido. Convém destacar, no entanto, que a lei pode adquirir a forma permissiva, vale dizer, exteriorizando uma faculdade ao indivíduo. Logo, a permissão é o único comando que pode derivar tanto de uma lei como da ausência desta.
87
Ainda segundos os ensinamentos dos mesmos autores, o princípio da
legalidade, além de garantia individual, é também uma garantia institucional de
estabilidade das relações jurídicas, na medida que as leis, em regra, dão amparo de
forma mais duradoura as relações jurídicas em que se fundamentam às relações
humanas.
86
ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: LTR, 2000. p. 287; DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 400. 87
ARAÚJO; Luiz Alberto David; JÚNIOR,Vidal Serrano Nunes. 2008. op. cit., p. 135.
119
13.1.2. Princípio da impessoalidade
O princípio da impessoalidade também incide nas práticas dos
administradores das fundações e reside na exigência de que a administração seja
colocada em prática nos limites do interesse da pessoa jurídica e não de seus
administradores. O interesse da fundação é o social. Não se admite conduta
tendente a beneficiar o administrador, como por exemplo o exercício da atividade
social em benefício do próprio ou de um grupo determinado de pessoas ao seu
alvedrio, ou a distribuição direta ou indireta de patrimônio ou mesmo pela obtenção
de qualquer vantagem direta ou indireta. O que se permite ao dirigente é o mero
ressarcimento das despesas necessárias para o exercício de suas atribuições
estatutárias.
13.1.3. Princípio da publicidade
A obediência ao princípio da publicidade também se exige dos
administradores das fundações. Mais que uma obrigação legal é uma necessidade
das entidades do Terceiro Setor, para garantir o prestígio que conquistaram na
sociedade. Sendo a fundação um patrimônio social, possuem legitimidade para
conhecer as suas atividades não só os órgãos de velamento e fiscalização, mas
também os usuários, os beneficiados de alguma forma com a atividade e a
sociedade civil. Por essa razão a prestação de contas social deve adquirir contornos
de publicidade. O balanço social, nesse contexto, é um instrumento relevante para
tornar públicas as atividades sociais desenvolvidas pelas fundações privadas.
Atualmente, aliás, a sociedade civil está bastante comprometida com a fiscalização
das contas públicas e das atividades das entidades do Terceiro Setor. Isto é salutar
especialmente às entidades, pois se garante a elas a legitimidade para agir em
nome da sociedade civil.
Não se defende que as fundações precisem disponibilizar ao público
detalhes de sua condição financeira, remuneração de seus empregados, ou outros
120
detalhes da gestão. Esses dados devem ser colocados à disposição dos órgãos
públicos de fiscalização, como o Ministério Público, os Tribunais de Contas no
tocante aos recursos públicos recebidos, à Receita Federal, etc. Ao público deve ser
garantido o conhecimento de tudo que seja relevante para que possa a sociedade
aferir que o patrimônio está de fato sendo gerenciado em benefício exclusivo do
social.
13.1.4. Princípio da moralidade
O princípio da moralidade, por sua vez, possui contornos de vagueza
superior a todos os demais. Mas para sua obediência, o administrador há de ser
ético, ou seja, deve observar os princípios morais e, nesse contexto, deve tratar do
patrimônio da fundação, por ser alheio e de domínio de todos, com zelo maior do
que se fosse próprio.
Interessante e percuriente o ensinamento de Gustavo Saad Diniz a respeito:
“projeta-se o princípio da moralidade sobre todos os anteriores, por se tratar do
liame ético e em direção ao Direito, pautando a conduta administrativa” 88.
13.1.5. Princípios da economicidade e da eficiência
Os princípios da economicidade e da eficiência, bastante próximos, também
devem estar embutidos na gestão dos administradores. A gestão deve ser
econômica com a finalidade de garantir o maior proveito social do patrimônio da
fundação. Os gastos devem ser destinados exclusivamente ao custeio das
atividades econômicas e sociais da entidade, de acordo com o padrão da fundação.
A gestão há de ser também eficiente, para aplicação responsável dos recursos
financeiros, focando-se nas atividades econômicas e sociais.
88
DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 402.
121
O direito contemporâneo exige o cumprimento dos princípios com maior rigor
do que as regras que lhe são de poder hierárquico inferior. E não é diferente na
administração das fundações. Por essa razão, quando se afirma que o dirigente
fundacional deve se ater, dentre outras normas regulatórias, aos ditames da lei e do
estatuto, nesse contexto está embutida por evidente a obediência irrestrita aos
princípios, com atenção especialíssima. O descumprimento, por seu turno, implica
em responsabilidade.
13.2. DIRIGENTES
A estrutura basilar de uma fundação privada, como anotado anteriormente, é
composta de uma administração superior e uma estrutura executora da gestão. A
administração superior, por sua vez, é preenchida, em regra, por um Conselho
Curador, um Conselho Fiscal e uma Diretoria Executiva. Os três órgãos internos
darão a diretriz institucional da entidade e executarão o quanto proposto, de acordo
com os ditames estatutários. A estrutura executora da gestão em regra é composta
de superintendentes, gerentes, agentes administrativos e pessoal incumbido das
atividades de cunho econômico e social.
Administradores ou dirigentes, que para o presente trabalho são termos
sinônimos, são as pessoas que integram a administração superior da fundação, ou
seja: Presidente do Conselho Curador, Conselheiros integrantes do Conselho
Curador, Presidente do Conselho Fiscal, Conselheiros integrantes do Conselho
Fiscal e Diretoria Executiva. Esta, em regra, composta de um Diretor-Presidente, um
Diretor-Financeiro e um Diretor-Administrativo.
Os cargos declinados são os que respondem pela gestão, direta ou
indiretamente. A Diretoria Executiva responde diretamente, pois é responsável e
está no comando da execução direta da gestão. Os integrantes do Conselho
Curador e do Conselho Fiscal, diferentemente, respondem indiretamente, uma vez
que não executam a gestão, mas orientam e decidem como ela deve ser executava
122
e possuem o dever de fiscalizar o cumprimento fiel das diretrizes superiores, em
obediência à lei e ao estatuto social. Todos, porém, individual ou coletivamente,
podem ser responsabilizados pelos atos de gestão, por ação ou omissão.
123
14 O EXERCÍCIO NO PODER NO AMBITO DAS FUNDAÇÕES
Como será abordado na sequência, o poder é exercido de acordo com as
definições e os comandos autorizativos constantes do Estatuto Social. O poder será
maior ou menor de acordo com a amplitude das atribuições definidas no regramento
interno. À medida que o poder se amplia, na mesma proporção aumenta a
responsabilidade dos dirigentes.
E para Maria Cristina Sanches Amorim e Regina Helena Martins Peres, o
poder é um recurso presente nas entidades e é de maneira distinta, em duas
correntes na literatura política:
(...) aqueles que o definem como categoria social negativa, e os que enxergam como positividade. O senso comum apreende o poder apenas em sua negatividade. Essa visão de mundo origina-se no pensamento liberal.
89
Da visão liberal de Friedrich Hayek, o poder é considerado negativo, pois
engloba tanto a coerção como a submissão, o que enseja para a pessoa a perda da
liberdade, e para o grupo, a possibilidade da corrupção.
De acordo com o mesmo autor:
Devemos acrescentar agora que a “substituição do poder econômico pelo político”, tão demandada hoje em dia, significa necessariamente a substituição de um poder sempre limitado por um outro ao qual ninguém pode escapar. Embora possa construir um instrumento de coerção, o chamado poder econômico nunca se torna, nas mãos de particulares, um poder exclusivo ou completo, jamais se converte em poder sobre todos os aspectos da vida de outrem. No entanto, centralizado como instrumento do poder político, cria um grau de dependência que mal se distingue da
escravidão.90
89
SANCHES, Maria Cristina Amorim; PERES, Regina Helena Martins. Poder e Liderança, as Contribuições de Maquiavel, Gramsci, Hayek e Foucault. XXXI EnANPAD. Rio de Janeiro, 2007. p.6. 90
HAYEK, Friedrich. O Caminho para a Servidão. Portugal. ed. 70. 1994. p. 142.
124
Com fundamento nas reflexões e ensinamentos de Nicolau Maquiavel, há os
que vêem o poder como positividade, percebendo-o como um instrumento
imprescindível para a implementação ou continuidade de um projeto. E para
Maquiavel, a maneira como se exercita o poder, distingue o governante político do
governante tirano. Sustenta o autor que:
Eles se fazem notar por certas qualidades que lhes acarretam reprovação ou louvor. Ou seja, um é considerado liberal e outro miserável (mísero, para usar o termo toscano, porque “avaro” em língua toscana significa a pessoa que deseja possuir por rapacidade, enquanto “mísero” é aquele que se abstém exageradamente de usar o que é seu); um é considerado pródigo e outro ganancioso; um cruel e outro piedoso; um falso e outro fiel; um efeminado e pusilânime e outro feroz e corajoso; um modesto e outro soberbo; um lascivo e outro casto; um íntegro e outro astuto; um duro e outro maleável; um ponderado e outro leviano; um religioso e outro incrédulo, e assim por diante. Sei que vão dizer que seria muito louvável que um príncipe, dentre todas as qualidades acima, possuísse as consideradas boas. Não sendo, porém, inteiramente possível, devido às próprias condições humanas que não o permitem, ele necessita ser suficientemente prudente para evitar a infâmia daqueles vícios que lhe tirariam o poder e guardar-se, na medida do possível, daqueles que lhe fariam perdê-lo; se não o conseguir, entretanto, poderá, sem grande preocupação, deixar estar.
91
Ainda na mesma linha, ou seja, vinculado à corrente dos pensadores que
vêem o poder também no campo da positividade, encontramos Michel Foucault,
filósofo francês da segunda metade do século XX, que reconhece que o poder se faz
presente não apenas pela repressão, submissão e domínio, mas se aperfeiçoa por
meio da disciplina, das estratégias, da eficácia produtiva e da formação de
identidade, ou seja, muito mais amplo que os aspectos negativos, apresenta
positividade evidente.
Esses, aliás, os argumentos de Foucault:
Quando se definem os efeitos do poder pela repressão, tem-se uma concepção puramente jurídica deste mesmo poder; identifica-se o poder a uma lei que diz não. O fundamental seria a força da proibição. Ora creio ser esta uma noção negativa, estreita e esquelética do poder que curiosamente todo mundo aceitou. Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido? O que
91
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes. 2010. p. 76.
125
faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social
muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir. 92
Encontra-se ainda como pertencente ao grupo daqueles que defendem a
positividade do poder, Antonio Gramsci, pensador comunista da primeira metade do
século XX. Com efeito, sob forte influência dos ensinamentos de Maquiavel, Gramsci
acreditava na sistematização das metas e das estratégias como comportamento ao
alcance de objetivos concretos para consecução de um projeto. Para ele o primeiro
elemento da política é que existem governantes e governados, dirigidos e dirigentes,
realidade esta que norteia o poder e que torne necessária a devida atenção para as
relações existentes.
Com essa visão Gramsci anota:
A partir disso, é preciso ver como (estabelecidos certos objetivos) dirigir do modo mais eficaz e, portanto, como preparar da melhor maneira possível os dirigentes (esta é, precisamente, a primeira parte da ciência e da arte da política). Por outro lado, é preciso distinguir as linhas de menor resistência, ou linhas racionais, para obter a obediência de dirigidos e governados.
93
Nesse sentido, o autor defende que a disciplina não anula a liberdade e a
personalidade, que, na verdade, é a origem do poder que a determina. Dessa forma,
Gramsci pondera:
Como compreender a disciplina se, por esta palavra, se entende uma relação contínua e permanente entre governados e governantes que realiza uma vontade coletiva? Certamente, não como aceitação passiva e servil de ordens, como execução mecânica de instruções (o que será, no entanto, necessário em determinadas ocasiões, como, por exemplo, no meio de uma ação já decidida e iniciada), mas como uma assimilação consciente e lúcida da diretiva a ser realizada. A disciplina, portanto, não anula a personalidade no sentido orgânico, ela apenas limita o arbítrio e a impulsividade irresponsáveis, para não falar da fátua vaidade de sobressair.
94
92
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2011. p. 7-8. 93
GRAMSCI, Antonio. Poder, Política e Partido. São Paulo: Expressão Popular. 1992. p. 15. 94
Ibid., p. 143.
126
Pode-se constatar que a objetividade de Gramsci, ao tratar das relações de
poder nas diversas esferas hierárquicas (governantes e governados), guarda relação
com o controle, como condição de poder, defendido por Foucault no alcance de um
objetivo maior.
Desse modo, Gramsci ressalta:
Convicção cada dia mais enraizada, de que não menos que as iniciativas, tem importância o controle para que elas se realizem, para que meios e fins coincidam perfeitamente (coincidência que não deve ser entendida materialmente). Convicção de que só se pode falar de querer um fim quando se sabe predispor com exatidão, acuidade, meticulosidade os meios adequados, suficientes e necessários (nem mais, nem menos; nem para cá nem para lá do objetivo). Convicção também enraizada de que, na medida em que as ideias caminham e se realizam historicamente com os homens de boa vontade, o estudo dos homens, a escolha deles, o controle de suas ações são tão necessários quanto o estudo das ideias etc. Por isso, qualquer distinção entre dirigir e organizar (e no organizar inclui-se o “verificar ou controlar”) indica um desvio e frequentemente uma traição.
95
Na perspectiva das relações de poder nas fundações privadas, que não é
diferente da estrutura de poder das empresas ou mesmo da administração pública,
questiona-se se o resultado estatutário não é uma prioridade, mas uma condição de
funcionamento da entidade, para que atinja os seus fins, quais as relações de poder
que se estabelecem em seu interior. Deve-se considerar, então, que os
responsáveis pelas transformações nas relações de poder nessas organizações, são
aqueles que estão na base de sustentação política da entidade e não aqueles que
efetivamente estão na execução da gestão. O exercício do poder, portanto, nem
sempre é aparente, podendo estar incrustado no âmago da entidade. Mas, se as
relações entre as pessoas que na aparência executam a gestão e os titulares do
efetivo poder forem frágeis, menos democracia e comprometimento haverá nas
relações existentes.
Não se pode negar, entretanto, que o exercício efetivo do poder, legitimado
ou imposto, é baseado em última análise na autoridade e na coerção. E o exercício
95
GRAMSCI, Antonio. 1993. op. cit., p. 145.
127
dessa vontade, especialmente pelo caráter subjetivo que encerra, deve vir
acompanhado da respectiva e proporcional carga de responsabilidade. Em outras
palavras, quanto maior o poder exercido, maior a responsabilidade em face das
práticas comissivas e omissivas adotadas.
Por essa razão é que o poder se contrapõe à responsabilidade e vice-versa.
O exercício do poder nas fundações, com efeito, não é diferente do poder
existente nas outras estruturas corporativas ou governamentais, com a
especificidade de que a estrutura nas instituições sem fins lucrativos e
especialmente nas entidades fundacionais privadas, é linear, de maneira que a
hierarquia é realidade de “cima para baixo”, como já anotado.
E se o poder é exercido de cima para baixo, nada mais natural que a
responsabilidade também venha no mesmo sentido. Em outras palavras, quanto
mais poder exercer determinada pessoa na seara de uma fundação, maior o grau de
responsabilidade.
Nesse contexto, os integrantes do Conselho Curador, na medida em que
encerram a maior parcela de poder na fundação, são os maiores responsáveis pelos
erros cometidos na gestão e como tal devem ser responsabilizados. O Conselho
Fiscal, por sua vez, como órgão de assessoramento do Conselho Curador,
apresenta responsabilidade compatível com o grau limitado de poder exercido. A
Diretoria Executiva, enquanto incumbida de executar a gestão, sob os auspícios do
Conselho Curador, também apresenta alto grau de responsabilidade. E sendo um
poder compartilhado, por evidente que a responsabilidade é solidária.
14.1 PODER INDIVIDUAL E PODER COMPARTILHADO
128
Observa-se, também, que, enquanto os órgãos da administração da
fundação devem exercer as finalidades estabelecidas no estatuto social, contam
com o poder-dever de exercê-las com bom senso e conveniência, ou seja, devem
afastar-se de qualquer prática ou omissão que importe em reconhecimento de
gestão temerária.
Nesse sentido, José Eduardo Sabo Paes citando Marcelo Caetano, ressalta
que os órgãos têm de:
(...) manifestar uma vontade fundacional, exprimindo aquilo que deve ser querido para que se cumpram as suas atribuições. E na manifestação dessa vontade terão de frequentemente optar entre várias resoluções possíveis dentro de um âmbito de latíssima discricionariedade. É então que os titulares respectivos terão de, para além da letra das normas estatutárias, procurar o critério orientador. Onde encontrá-lo? Na vontade, expressa ou presumida, do instituidor, tal como ela se formou no ato da instituição? Ou no fim que foi assinado a obra?
A primeira vista, afigurar-se-á pequena a diferença entre as duas hipóteses, pois que o fim é o que essencialmente interessa na vontade do instituidor. Mas não é assim. A formulação desse fim pode ser rodeada de elementos circunstanciais que lhe dêem o tom do momento da manifestação da vontade, e este em geral reflete aspectos subjetivos que a particularizam. Se o que se tem principalmente em vista é a vontade do instituidor pode ser conduzido à rigidez na administração, imobilizada ou tolhida por uma verdadeira mão morta.
Ao contrário, se se considerar, sobretudo, a realização do fim proposto pelo instituidor e que passou a ser a alma da fundação, então pode admitir-se que os órgãos desta tenham os poderes suficientes à realização permanente desse escopo, fazendo evoluir a obra de harmonia com as circunstâncias que se vão sucedendo na vida dela.
96
Muito embora a grande maioria das fundações privadas tenha na sua
estrutura organizacional o Conselho Curador, a Diretoria Executiva e o Conselho
Fiscal, elas podem contar com outros órgãos em sua ambiência. De acordo com o
interesse e particularidade de cada fundação, poderão ser criados tantos conselhos,
órgãos, comitês, superintendências, quantos forem necessários, com a finalidade de
aconselhamento ao Conselho Curador, à Diretoria Executiva, ao Conselho Fiscal ou
execução da gestão.
96
CAETANO, Marcello Apud PAES, José Eduardo de Sabo. 1961. op. cit., p. 398.
129
O poder, no entanto, pode e deve ser partilhado. O estatuto social pode
definir que, determinadas decisões, pelo grau de importância que apresentem,
sejam tomadas coletivamente. É uma forma de partilha do poder e,
consequentemente, da responsabilidade.
Nesse sentido, Flavia Regina de Souza Oliveira ressalta que:
O estatuto poderá prever hipóteses em que a diretoria atue como órgão colegiado, mediante a decisão conjunta, por decisão da maioria, em reunião de diretoria. Nesse caso, a responsabilidade deverá ser imputada ao órgão, caso a manifestação de vontade seja unilateral, do próprio órgão. Consequentemente, os seus membros estão coletivamente vinculados aos efeitos de suas decisões, desde que, dela tenham participado [...]. Aqueles que expressamente discordarem da vontade da maioria - vontade unilateral do órgão - e fizerem consignar em ata tal divergência, não poderão ser responsabilizados pela vontade da maioria.
97
Conforme a mesma autora, o Conselho Superior não é responsável pelas
decisões dos diretores ou da Diretoria, salvo se por conivência ou omissão no dever
de fiscalizar. Nos Conselhos Curador e Fiscal, os membros têm responsabilidade
colegiada, pois, o processo decisório desses órgãos é obrigatoriamente coletivo.
Dessa forma, aquele que discordar da vontade da maioria deverá consignar sua
divergência para isentar-se das consequências daquela decisão coletiva. Convém
lembrar, ainda, que o Conselho Curador das fundações é o órgão soberano que tem
por atribuição estatutária zelar pelos princípios institucionais, traçar as metas e
diretrizes da fundação e supervisionar as atividades executivas da diretoria e da
administração dessas instituições. Deve-se considerar que as deliberações desse
colegiado são calçadas com fundamento em fatos e atos constantes de relatórios,
documentos e informações, recebidas do Conselho Fiscal e da Diretoria Executiva.
“Assim, se os atos praticados pela diretoria não chegarem ao conhecimento formal
do conselho, esse não poderá ser responsabilizado, pois agiu nos limites de sua
competência, de maneira diligente” 98. Salvo se os integrantes do Conselho tivessem
por obrigação conhecer as irregularidades.
97
OLIVEIRA, Flavia Regina de Souza. Terceiro Setor – Temas Polêmicos. vol. 2. org. Eduardo Szazi. São Paulo: Peirópolis, 2005. p. 75. 98
OLIVEIRA, Flavia Regina de Souza. 2005. op. cit. p.76.
130
Nessa linha de raciocínio, Hudson assevera que o Conselho Curador:
Têm a responsabilidade total pelo governo da organização. São responsáveis pela determinação da missão e objetivos, pela aprovação da estratégia e pelo monitoramento do desempenho versus os planos acordados. Precisam estar atentos para as mudanças externas do ambiente, assegurando que a organização esteja direcionada para reagir a novas circunstâncias [...]. Resolver conflitos dentro da organização [...]. Como essas organizações são alianças de pessoas com interesses variados, tais como usuários, financiadores, funcionários e voluntários, o conselho precisa julgar diferentes informações apresentadas à organização.
99
O exercício do poder será, portanto, individual quando inserido no contexto
de uma atribuição cuja deliberação deverá ser tomada considerando a vontade
individual de uma pessoa. Entretanto, para as hipóteses estatutárias de previsão de
tomada de decisão coletiva, o poder será compartilhado. A decisão, neste caso, será
fruto da manifestação de vontade da maioria.
14.2 PODER VITALÍCIO E PODER TEMPORÁRIO
Por ser a fundação um patrimônio personificado com finalidade social, ela
não pertence ao instituidor e nem aos seus dirigentes. Em verdade toda fundação
privada pertence à sociedade em seu conceito amplo. Nesse contexto não é salutar
a previsão estatutária de cargos vitalícios, muito embora não haja proibição legal
expressa. O Ministério Público, porém, como órgão público velador das fundações,
que necessariamente autoriza administrativamente a constituição da entidade e, via
de consequência, seu primeiro estatuto social, bem como eventuais alterações
posteriores, conta com política institucional de desestimular a previsão de cargos
vitalícios, salvo para o instituidor e seus familiares próximos por uma ou duas
gerações e, mesmo assim, naquelas hipóteses em que este carreia para a fundação
patrimônio muito significativo.
99
HUDSON, Mike. 1999. op. cit., p. 24.
131
Por essa razão é que, em regra, o poder deve ser exercido
temporariamente, pelo tempo definido estatutariamente. Os lapsos temporais
estabelecidos nos estatutos são nominados de mandatos. Em regra são definidos
por períodos de dois, três ou quatro anos, podendo ser renovados por um ou mais
períodos.
A experiência, em verdade, tem mostrado que o poder vitalício em regra não
é construtivo nas fundações, revelando-se o rodízio entre os dirigentes muito mais
proveitoso para os interesses da sociedade. Mesmo porque estes não administram
patrimônio próprio, mas sim bens e interesses da sociedade civil.
Porém, mesmo na hipótese de cargos vitalícios, isso não implica dizer que
os seus titulares não possam ser afastados e/ou excluídos da fundação, caso
incorram em desvio comportamental. O afastamento e a exclusão podem ser
decretados administrativamente pelo próprio Conselho Curador ou judicialmente,
mediante ação própria, que pode ser proposta pelo Ministério Público, pela
Fundação ou por qualquer interessado, na defesa do patrimônio social.
O afastamento provisório ou a exclusão podem ocorrer quando algum
dirigente, seja integrante do Conselho Curador, do Conselho Fiscal ou da Diretoria
Executiva, praticar ato danoso com culpa ou dolo, mediante ação ou omissão, ou
violar a lei ou o estatuto social, ou mesmo por má gestão ou prática de ato
atentatório à dignidade e probidade da fundação.
O poder, portanto, mesmo dos titulares de cargos vitalícios, não é absoluto,
mas relativo, porquanto possui prevalência, sempre, o interesse social, em
detrimento do interesse dos particulares que compõem o quadro de dirigentes.
Nesse sentido, a orientação jurisprudencial do STJ:
132
FUNDAÇÃO. Curadores. Ação de destituição. Ministério Público. Legitimidade.
O MP tem legitimidade para propor ação de destituição de curador de fundação, no desempenho do seu dever de velar pelas fundações.
O artigo 26 do Código Civil não foi revogado pelo CPC de 1939 e está em vigor. A destituição, porém, não pode ser em caráter “definitivo”, como pena perpétua do exercício de direito civil. Cerceamento de defesa inexistente. Recurso conhecido em parte, e nessa parte provido. (Recurso Especial nº 162114-SP, Min. Rel. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, 26/10/1998)
14.3 ASSUNÇÃO DOS CARGOS E INÍCIO DO EXERCÍCIO DO PODER
Normalmente e se de forma diversa não estabelecer o estatuto social, os
membros dos conselhos e da diretoria são investidos nos seus cargos, após a
nomeação do Conselho Curador, em reunião formal designada para tal finalidade e
assinatura de termo de posse. A ata necessita ser registrada perante o Cartório de
Registro de Pessoas Jurídicas, onde adquire contornos de publicidade.
O termo de posse ou qualquer outro ato de manifestação de vontade que
defina o estatuto social é condição para o início do exercício do cargo e,
consequentemente, do poder. Referida manifestação de vontade do eleito é de
relevância superlativa, pois é a partir desse momento que o empossado passa a ter
poderes e obrigações inerentes às atribuições do cargo e por estes ser cobrado,
gerando a pertinente responsabilidade.
É condição para a nomeação e assunção de cargos de dirigentes, seja nos
Conselhos, seja na Diretoria Executiva, que o escolhido seja civilmente capaz para
praticar os atos da vida civil, isto é, que tenha 18 anos e higidez mental.
14.4 EXERCÍCIO DO PODER POR TERCEIROS NOMEADOS PELOS
DIRIGENTES
Quanto à possibilidade do exercício dos cargos ser praticado por terceiros,
mediante procuração, ensina José Eduardo Sabo Paes que as atribuições nas
133
fundações são de natureza pessoal, intransferível e indelegável. O autor argumenta
que:
Não se admite, por exemplo, que os integrantes do conselho curador se façam representar em suas reuniões ou atos, por procuração, ou que os empregados de uma entidade civil executem e decidam tudo por delegação do presidente ou do(s) diretor(es) da entidade.
100
Com o mais absoluto respeito à doutrina de José Eduardo Sabo Paes, ousa-
se dela em parte divergir, para sustentar o posicionamento de que a atuação nos
órgãos das fundações não é personalíssima por decorrência de lei. Muito embora o
estatuto social possa e, em verdade, deva prever expressamente que o exercício da
alta administração da entidade deve ser exercido de maneira personalíssima.
A nomeação de procurador deve se reservar aos atos comezinhos de gestão
e não às decisões de relevância na fundação.
Sustenta-se, nesse contexto, que não há norma expressa no ordenamento
jurídico, vedando o uso de procuração. E em obediência à regra de que as pessoas
privadas podem fazer tudo aquilo que a lei expressamente não proíbe, forçoso
concluir que, à míngua de vedação legal, é possível a outorga de procuração para a
prática de atos dos administradores das fundações.
Não se nega, porém, que é de bom alvitre a existência de regramento no
estatuto social vedando a possibilidade de exercício de cargos da fundação,
especialmente de Conselheiros, mediante instrumento de mandato, dando às
funções o status de atos personalíssimos. Não por vedação legal, mas sim por
vedação estatutária.
14.5 EXERCÍCIO DO PODER PELOS DIRIGENTES DE FORMA REMUNERADA
OU VOLUNTÁRIA
100
PAES, José Eduardo Sabo. 2010. op. cit., p. 396.
134
A ordem legal não define a forma como os administradores devem gerir as
fundações, se de maneira remunerada ou gratuita. Tratando-se de pessoa jurídica
de direito privado, ela é regulada pelo direito privado, muito embora a incidência de
algumas regras jurídicas de direito público. O direito privado, por sua vez, como já
salientado, confere ao particular a liberdade de fazer tudo quanto não proibido
expressamente. Assim sendo, se o ordenamento jurídico não impõe uma regra a
respeito, os dirigentes podem ou não ser remunerados.
O estatuto social, portanto, é o que definirá se o administrador poderá ou
não ser remunerado pelas funções de comando da entidade.
A implicação, porém, ocorre de maneira indireta, pois se a fundação optar
por um regramento interno que permita a remuneração dos dirigentes, não poderá
ser beneficiada com imunidade e isenção tributárias.
Avançando a reflexão, constata-se no cenário das fundações privadas que a
grande maioria dos membros que integram os Conselhos e a Diretoria Executiva
dedicam-se às entidades de forma voluntária, ou seja, sem remuneração ou
qualquer outra contrapartida financeira, mesmo conscientes de suas
responsabilidades.
14.6 EXERCÍCIO DO PODER PARA EXERCITAR A VONTADE DA FUNDAÇÃO E
NÃO DOS DIRIGENTES, SOB PENA DE RESPONSABILIDADE
A voluntariedade é a regra nas administrações superiores das fundações.
Isto, porém, não implica em liberdade ao dirigente de pautar a administração da
fundação, para aquém ou além dos parâmetros definidos na lei e no estatuto social.
O dirigente voluntário deve agir em nome da fundação, atendendo aos interesses
desta tão somente.
135
Dessa forma, Eudosia Acuna Quinteiro pondera:
(...) os objetivos do voluntário, com relação ao que pretende realizar na entidade, devem estar definidos com muita clareza, para que as ações pretendidas em comum fiquem bem entendidas, coerentes, evitando conflitos desnecessários na participação do voluntariado e, principalmente, com atenção aos possíveis prejuízos à instituição.
101
Importante anotar, nesse contexto, que o dirigente não pode pretender
imprimir sua marca pessoal na gestão da entidade. Seu compromisso deve ser com
a lei, com o estatuto social, com os interesses da fundação e com a ética,
priorizando na medida do possível a continuidade dos projetos sociais. A existência
de mandatos para os dirigentes não implica o reconhecimento de que poderá
ocorrer, no âmago da fundação, descontinuidade na política institucional interna.
A esse respeito José Eduardo Sabo Paes anota:
Ética é um princípio para nortear ações valiosas e uma conduta correta, pois ela é mediadora do convívio social e deve ser aplicada não só à situação da vida humana, mas também o exercício da atividade fundacional e associativa, uma vez que, sabidamente, essas entidades procuram com sua ação dar um novo significado de sentido às pessoas e ao próprio mundo em que vivem.
A ética deve estar sempre presente, tanto na ação da pessoa jurídica fundacional e associativa como no comportamento de seus administradores, existindo, portanto, princípios que norteiam toda a atividade fundacional, entre os quais enumeramos três:
1. destinar efetivamente o patrimônio e as suas rendas ao cumprimento dos fins essenciais;
2. tornar públicas suas ações, dando a todos, informações suficientes sobre seus fins e suas atividades;
3. atuar com critérios de imparcialidade e não discriminação na determinação de seus beneficiários.
102
A responsabilidade dos administradores das fundações, portanto, conforme
será esmiuçado adiante, não se limita apenas às ações administrativas, mas
também às consequências civis e criminais em virtude da violação comissiva ou
101
QUINTEIRO, Eudosia Acuna. Um Sensível Olhar Sobre o Terceiro Setor. São Paulo: Summus, 2006. p.213. 102
PAES, José Eduardo Sabo. 2010. op. cit., p. 445-446.
136
omissiva de deveres e de limites legais, ou seja, por imprimir uma conduta pautada
por interesses que não são os da fundação, mas sim dos dirigentes ou de terceiros.
A respeito Gustavo Saad Diniz ensina:
Entretanto é imprescindível analisar com detida profundidade, a questão da responsabilidade dos administradores pelos atos e negócios praticados no exercício administrativo da fundação privada. A importância ressalta, primeiro, de argumentos sociológicos. As relações humanas são passíveis de atos de improbidade, sobretudo as que envolvem capital, mas principalmente as que se referem a uma massa patrimonial vulgarmente tida como “sem dono”. Por segundo argumento, é importante frisar que os atos da administração podem ser praticados com exorbitância dos estatutos e das normas legais reguladoras, sujeitando os administradores à responsabilidade. Finalmente, a administração tem seus atos vinculados ao dever de cuidar de um patrimônio destinado a uma finalidade social específica, que interessa diretamente à sociedade.
103
E pouco importa o caráter voluntário do gestor, pois seja qual for a natureza
da relação jurídica do dirigente com a fundação privada que administra, ele é
sempre responsabilizado em caso de abuso por atos de sua gestão. Forçoso
concluir, portanto, que o ordenamento jurídico não distingue os administradores
remunerados, dos administradores voluntários e não remunerados, para efeito de
responsabilidade, por atos irregulares de gestão, em violação ao estatuto social ou a
lei, por ação ou omissão.
É dever dos membros dos Conselhos e da Diretoria da fundação pautar suas
condutas de fiscalização interna e gestão mediante atos regulares, leais, diligentes,
sem desvio ou abuso de poder, focados no interesse exclusivo da entidade. Para os
atos regulares de gestão, vale conferir os ensinamentos de Flavia Regina de Souza
Oliveira: “em última instância é a pessoa jurídica que pratica atos e contrai
obrigações e, por conseguinte, deve responder perante terceiros pelos atos
exercidos pelos seus administradores” 104
103
DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. cit., p. 400. 104
OLIVEIRA, Flavia Regina de Souz. 2005. op. cit. p. 78.
137
O objetivo, por sua vez, deve ser a realização das finalidades sociais da
fundação.
14.7 CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL DOS DIRIGENTES PARA EXERCÍCIO DO
PODER
Pode-se perceber, a partir da atuação dos Conselhos e da Diretoria
Executiva, que as competências relacionadas a cada órgão os diferenciam e
proporcionam aos membros que representam a administração superior das
fundações o exercício do poder, e a oportunidade de aprendizagem na governança
dessas instituições, orientadas por valores. Para Hudson, “administrar organizações
orientadas por valores é um pouco diferente de administrar organizações dos
setores público ou privado”105.
Importante anotar, também, que a aceitação de cargos de dirigentes das
fundações, quer seja na Diretoria Executiva, quer seja nos Conselhos Curador e
Fiscal, na medida em que ensejam a assunção de poderes suficientes para
exercícios dos respectivos misteres, trazem na mesma proporção a responsabilidade
pertinente. E por essa razão, para colocar-se à disposição da fundação para o
exercício de função de dirigente, a pessoa deve ser julgada e deve julgar-se
capacitada para tanto. Com efeito, não basta a boa vontade para ser um dirigente
cumpridor de seus deveres legais e estatutários, pois é preciso mais que isso.
Basta lembrar que as fundações privadas no Estado de São Paulo
empregam mais de 200 mil pessoas, administram capital superior a 15 bilhões de
reais e patrimônio superior a 70 bilhões de reais, cujo contexto exige dos
administradores profissionalismo suficiente para bem gerir essa ordem de grandeza.
O exercício de funções de administrador ou conselheiro de fundação, com
efeito, exige capacidade e profissionalismo. Assim sendo, é pouco ter
105
HUDSON, Mike, 1999. op. cit., p. 16.
138
conhecimentos técnicos de vivência anterior no setor público e, como tal, os
pertinentes valores e princípios da administração pública, ou mesmo experiência
anterior no setor privado e, por seu turno, o conhecimento da lógica econômica do
mercado e os valores do empresariado. Do dirigente fundacional exigem-se
conhecimentos próprios para gestão de interesses sociais, com nuances da
administração pública e da administração privada de interesse de terceiro, qual seja,
da sociedade civil.
Por essa razão é que Mike Hudson relata ser comum a existência de
pessoas oriundas do setor privado e público que, ao terem de participar da gestão
nessas organizações fundacionais, “padecem”, para compreender a complexidade
da sua existência e assimilar que o traço comum que liga essas entidades é que são
ditadas por valores específicos, quais sejam: “são criadas e mantidas por pessoas
que acreditam que mudanças são necessárias e que desejam, elas mesmas,
tomarem providências nesse sentido”106.
Para o mesmo autor, nas instituições sem fins lucrativos:
As pessoas geralmente precisam ter tido uma boa experiência administrativa antes de aceitar um cargo de direção. Precisam ter experiência funcional (por exemplo, atendimento de serviços, finanças ou captação de recursos) e, ter muitos anos de experiência no uso dessas habilidades. Em condições ideais, devem também ter experiência administrativa [...]: Para ver a situação atual em seu contexto correto, os diretores precisam estudar o passado da organização. Precisam desenvolver uma profunda compreensão da situação atual da organização e antecipar, com precisão, os elementos importantes para o futuro [...]. Os diretores precisam dar uma contribuição à alta administração que vai além de detalhes sobre suas áreas de trabalho.
107
14.8 EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA DE COMANDO DA FUNDAÇÃO PARA O
EXERCÍCIO SAUDÁVEL DO PODER
106
HUDSON, Mike. 1999. op. cit., p. 11. 107
HUDSON, Mike. 1999. op. cit., p. 222.
139
Não se nega que os Conselhos das fundações atuam de forma diferenciada,
de acordo com as atribuições propostas pelos estatutos sociais. Mas, muito embora
com um mesmo regramento interno, é certo que há uma natural evolução da
maturidade do colegiado, observada na maioria das fundações.
Hudson destaca, também, que o ciclo de evolução varia de uma fundação
para outra, mas apresenta um padrão, o qual ajuda os colegiados a entender que a
maneira como trabalham deve evoluir juntamente com o desenvolvimento da
fundação.108
Ilustração 2: Ciclo de evolução da organização.
Fonte: HUDSON, Mike. Administrando Organizações do Terceiro Setor, São Paulo: Makron Books, 1999, p. 234
Afirma-se, outrossim, que não existe um único conjunto correto de
características em cada fase, pois cada fundação tem suas próprias características e
padrões e, consequentemente, precisa definir seu próprio ciclo evolutivo. 109
E continua aduzindo:
108
Ibid., p. 26. 109
HUDSON, Mike.1999. op. cit., p. 234.
140
O valor desta ideia de ciclo de evolução é que ajuda os conselhos e os administradores a fixar as oportunidades e questões que enfrentam num contexto mais amplo. Ajuda as pessoas a compreender que seus problemas não são exclusivos e sem solução. Permite às pessoas explicarem o comportamento em termos de um modelo que aponta para providências que precisam ser tomadas para ajudar a organização a progredir na direção de sua próxima fase de desenvolvimento.
110
O Conselho Curador necessita, nesse contexto, cumprir suas obrigações
estatutárias e dentre uma de suas prioridades, ainda segundo os ensinamentos do
mesmo autor, é o dever de equilibrar o interesse público e social da fundação, que
pode se contrapor, eventualmente, aos interesses dos dirigentes, da equipe de
empregados, dos eventuais financiadores, dos beneficiários das atividades da
entidade ou da sociedade civil. Argumenta o autor, ainda, que os interesses de cada
grupo podem ser diferentes e, com isso, têm a oportunidade de influenciar a
fundação em função de suas respectivas prioridades. E exemplifica:
Os financiadores podem impor condições muito onerosas em suas concessões; os membros do conselho podem fazer exigências não razoáveis à equipe técnica; os usuários podem desenvolver expectativas além dos recursos da organização e, a equipe técnica pode colocar seus próprios interesses acima dos interesses da organização [...]. O conselho é moralmente responsável por todos esses grupos e legalmente responsável por alguns. Precisa agir como mediador entre esses interesses competitivos [...]. Os papéis que um conselho eficaz deve desempenhar dividem-se em duas categorias: uma diz respeito ao trabalho da organização e a outra diz respeito ao trabalho do conselho.
111
Relevante pontuar que, com o objetivo de atender tão somente aos
interesses sociais da fundação, o Conselho deve rever rotineiramente o seu papel.
Não se desincumbir dessa tarefa importa no envelhecimento das rotinas e, por
consequência, em prejuízos aos interesses sociais da fundação.
Nesse sentido Hudson destaca que: “Definir o papel do conselho é uma
tarefa permanente”. Para o autor, é obrigação do colegiado, pela qual pode ser
responsabilizado, reavaliar o seu papel e desenvolver habilidades que possam
contribuir para a compreensão de como se expressar em sua ambiência.
110
Ibid., p. 235-236. 111
Ibid., p. 30.
141
Complementa o autor que Richard Chait, especialista em desempenho de
conselhos em entidades sem fins lucrativos, ao relacionar as habilidades dos
Conselhos à eficiência das organizações segundo o modo que administram, pôde
percebê-las em cinco dimensões:
Ilustração 3: Estágios no ciclo de evolução de um Conselho.
Fonte: HUDSON, Mike. Administrando Organizações do Terceiro Setor, São Paulo: Makron Books, 1999, p. 28
De acordo com as anotações de Hudson112, Richard Chait chegou à
conclusão em sua pesquisa que as entidades que ostentavam Conselhos
apresentando todas essas habilidades, apresentavam um desempenho superior às
organizações que tinham apenas uma ou mais dessas habilidades.
Para Peter F. Drucker, o Conselho Curador apresenta desempenho superior
à medida que seus membros sejam efetivamente participativos, que compareçam às
reuniões do colegiado, que seus membros sejam capacitados e conscientes das
obrigações que devem cumprir para a fiscalização superior da entidade. Essa não é,
no entanto, a realidade de muitos dos Conselhos das fundações privadas no Brasil.
112
HUDSON, Mike. 1999. op. cit., p. 33.
142
Complementa o autor, outrossim, que é importantíssimo para o Conselho um
relacionamento próximo com o órgão executivo, para que ele possa desempenhar
de maneira eficaz o seu papel. Drucker ressalta que é muito comum os diretores das
entidades sem finalidade lucrativa afirmarem:
Não vamos levar isso ao conselho. É muito controverso [...]. Sempre achei que uma das coisas que os executivos-chefes precisam aprender é que um assunto deve ser levado ao conselho exatamente é controverso – e quanto antes, melhor.
A última coisa que um executivo de instituição sem fins lucrativos deve querer é que os membros do conselho leiam nos jornais algo que não saibam a respeito da instituição que dirigem. Ele perderá toda a credibilidade.
113
Para o mesmo autor dar conhecimento ao Conselho Curador de todas as
decisões tomadas na Diretoria Executiva, além de obrigação, é de superlativa
importância para o bom resultado organizacional. Argumenta ainda que é bom para
a entidade um Conselho forte e comprometido, pois “um conselho fraco irá lhe faltar
quando você mais necessitar dele” 114.
Por essas razões, a estrutura formal da entidade deve estar em consonância
com as necessidades do grupo de dirigentes, para o exercício saudável do poder, na
direção dos interesses da entidade fundacional, sem desvios.
113
DRUCKER, Peter F. Administração de Organizações Sem Fins Lucrativos – Princípios e Práticas. São Paulo. 1994. p. 127-128. 114
Ibid., p. 130.
143
15 DEVERES DOS DIRIGENTES
A ordem legal não contém dispositivos próprios para regular as atribuições,
os direitos e os deveres dos administradores das fundações privadas. Diante deste
fato, imperioso recorrer ao princípio de que não há vácuo legislativo no ordenamento
jurídico, de maneira que se devem adotar os instrumentos de integração do direito e
elencar as normas aplicáveis à espécie. Nesse sentido, por analogia, forçoso invocar
as normas dos artigos 153 a 160 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que
trata dos deveres e responsabilidades dos administradores das sociedades
anônimas, para tratar da matéria, à míngua de qualquer outro regramento legal
similar.
Como já anotado, as fundações privadas são inseridas no contexto do direito
privado e, por essa razão, seus administradores podem fazer tudo quanto não é
vedado expressamente pela lei. Por outro lado, a conduta da fundação,
materializada através da ação e/ou omissão de seus administradores, há de restar
afinada com o seu estatuto social. A contradição muito embora aparente, não é real.
Com efeito, dizer que alguém pode fazer tudo o que não é expressamente proibido
pela lei e, ao mesmo tempo, afirmar que ela tem que pautar sua conduta pelos
termos de seu regramento interno pode parecer contraditório. Pode parecer
contraditório pois dá a entender, à primeira vista, que o administrador pode fazer
tudo o que a lei não proíbe, mas ao mesmo tempo só pode fazer o que o estatuto
permite. Sob o aspecto legal há liberdade de atuação, porém, na ótica do
regramento estatutário, há vinculação às determinações deste. Mas a contradição,
como anotado, é só aparente. Não é real. Explicando melhor: a fundação é uma
pessoa jurídica de natureza social. Ela é privada, mas possui finalidade pública no
sentido de que interessa à sociedade. E ostentando essas características e
circunstâncias, ela pode fazer tudo que a lei expressamente não proíbe, mas tenha
ao mesmo tempo amparo no estatuto social. Esse é o contexto em que a
administração da fundação privada deve ser analisada, para se definir o que ela
pode ou não fazer. A liberdade de atuação, então, deve estar em consonância com o
regramento estatutário, ou seja, o dirigente pode fazer tudo que a lei não proíbe,
mas que, concomitantemente, tenha previsão expressa no estatuto.
144
Esse o grau de liberdade que possui o dirigente. Em outras palavras, e
renovando, ele pode fazer tudo que não estiver expressamente vedado pelo
ordenamento jurídico, mas deve necessariamente pautar a gestão com a atividade-
meio, de natureza econômica, e a atividade-fim, de natureza social, de acordo com o
que determina o estatuto.
O estatuto social, portanto, é o meio regulador da liberdade conferida pela
ordem legal.
Por essa razão é que se sustenta que uma fundação com atividade-fim de
natureza educacional, não pode exercer atividade-meio, de natureza econômica,
como a exploração de um supermercado. Assim como uma fundação hospitalar
como atividade-fim, não pode explorar uma gráfica de impressão de livros escolares.
Não há, nos exemplos elencados, similitude entre a atividade-meio e a atividade-fim.
A lei, em tese, pode dar liberdade para as referidas diversidades de áreas de
atuação; mas o estatuto, coerente com o espírito fundacional, não o poderá permitir.
Quando a problemática é analisada à luz da Lei das Sociedades Anônimas,
verifica-se que esta optou por preservar a liberdade de seus administradores nos
atos de gestão, mediante padrões de conduta gerais e abstratos, mas com a
preocupação de que a administração esteja sempre focada nos interesses
exclusivos da companhia.
Não é diferente com as fundações privadas, mesmo porque há de se adotar
o mesmo regramento para a regulação da matéria. Isso implica dizer que o dirigente
da entidade fundacional goza de grande autonomia, mas encontra limites no estatuto
social. Em outras palavras, o administrador tem liberdade de agir, desde que seu
comportamento seja no sentido de viabilizar o exercício das funções da entidade.
O legislador elencou, então, um rol exemplificativo dos principais deveres
dos administradores das sociedades por ações, os quais na sua grande maioria são
145
pertinentes e, como tais, obrigatórios para os dirigentes das fundações. Eles servem
de norte para guiar a conduta escorreita dos administradores e definir parâmetros
para os atos decisórios.
E são eles: dever de diligência (artigo 153), dever de dar cumprimento às
finalidades das atribuições do cargo (artigo 154), dever de independência (artigo
139), dever de lealdade (artigo 155), dever de evitar conflito de interesses (artigo
156), dever de relatar e prestar contas da gestão social (arts. 132, I e 133), dever de
obediência às leis e aos estatutos sociais (artigo 158, I), dever de dar cumprimento
às deliberações válidas da administração superior e o dever de não cumprir
decisões de outros órgãos internos ou de terceiros usurpadoras de competências
privativas.
Em resumo poder-se-ia dizer que o bom administrador é aquele pautado
pelo que faria o médio cidadão romano ou mesmo um bom pai de família. Ou nos
dizeres dos ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho: “O administrador diligente é
aquele que emprega na condução dos negócios sociais as cautelas, métodos,
recomendações, postulados e diretivas da „ciência‟ da administração de
empresas”.115
15.1 DEVER DE DILIGÊNCIA
Por dever de diligência deve-se entender o cuidado que todo homem de
boa-fé, ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios
interesses e negócios. Nesse sentido os dizeres do artigo 153 da Lei 6.404/76: “O
administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o
cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração dos seus próprios negócios”.
115
COELHO, Fabio Ulhoa. A natureza subjetiva da responsabilidade civil dos administradores de companhia. In Revista Direito de Empresa. São Paulo. Instituto de Tecnologia Jurídica. p. 18-19.
146
É obrigação do dirigente fundacional, portanto, pautar a gestão da fundação
como se estivesse tratando de seus negócios privados, com critério, moderação,
segurança, pois afinal de contas está administrando patrimônio de terceiro. E
terceiro qualificado, pois o dirigente da fundação age objetivando atender aos
interesses da sociedade e, em regra, a parcela da coletividade mais necessitada de
recursos e oportunidades, a majorar o interesse público na espécie.
Embutida no dever de diligência vislumbra-se a capacitação profissional do
dirigente. Com efeito, para ser diligente o administrador deve ostentar competência,
formação e experiência na atividade desenvolvida.
Aliás, considerando a realidade vigente, onde não é incomum a existência
de grandes patrimônios em poder das fundações privadas, a sociedade espera do
administrador o conhecimento teórico e prático suficiente para, além de exercer as
atividades econômicas e sociais da entidade a contento, preservar e, se possível,
incrementar o patrimônio, visando garantir a perpetuidade da entidade.
Não se desconhece, outrossim, as dificuldades de discernir, de acordo com
as especificidades de determinada conduta concreta, se o comportamento do
administrador é o protegido pela ordem legal ou não.
Por essa razão importante ter em mente alguns conceitos.
Por primeiro, o que importa entender por “diligência ordinária”. Nesse
caminho, o artigo 153 da Lei n. 6.404/76, como já anotado, determina que o
administrador, ao exercer a sua função, deve valer-se de cuidado e diligência como
se tivesse tratando de negócios pessoais, ou seja, com o máximo interesse e
empenho. Esse é o dever de diligência ordinária, no padrão definido legalmente.
Porém, tratando-se da administração de interesses e patrimônio da sociedade, não
se pode prescindir de absoluto zelo, a exigir a conduta profissional.
147
A especialização, os conhecimentos profissionais e o grau de capacitação
exigido do administrador, por evidente, depende de várias circunstâncias, mas de
modo especial do padrão econômico da fundação e do perfil da atividade
desenvolvida. Nesse caminho, não se concebe que uma fundação que exerça
atividade social focada na área hospitalar seja administrada por uma pessoa
desprovida de conhecimentos de gestão de hospitais. Ou mesmo uma fundação que
exerça atividades de cunho educacional, que seja gerida, a título exemplificativo, por
pessoa carente de conhecimentos da área acadêmica.
Ademais, concluir que uma decisão foi tomada mediante critérios de
diligência ordinária exige também a análise das circunstâncias fáticas em que houve
a tomada de decisão. Exemplo clássico é a deliberação do administrador que deixa
de recolher tributos para honrar com os compromissos financeiros junto à folha de
pagamento dos empregados. O não recolhimento de tributos, em circunstâncias
específicas, importa em caracterização de figura penal. Age, portanto, com diligência
ordinária o administrador que paga o salário dos empregados e não repassa ao fisco
os recursos necessários para o adimplemento de obrigação tributária? As
circunstâncias fáticas é que dirão se houve ou não diligência ordinária.
Deve-se analisar, então, se a decisão do administrador foi razoável,
prudente e apropriada à situação concreta, atendendo aos interesses da fundação,
exclusivamente.
O administrador que não é diligente, portanto, deve ser responsabilizado.
Não se fala, nesse contexto, de mero erro de gestão, desprovido de imprudência,
negligência, imperícia ou dolo. O erro de gestão, em sua simplicidade, é irrelevante
para fins de responsabilização. Decidir, posteriormente, que a decisão tomada não
era a mais acertada, também não é relevante para a análise jurídica da questão.
Diferentemente, porém, se for caracterizado que o gestor agiu de maneira
improvisada, sem as cautelas que eram exigidas para verificar se a decisão atendia
148
aos interesses da fundação. Nesta hipótese há responsabilização, pela ausência de
diligência no trato dos interesses de terceiros.
Também deve ser considerado que o dever de diligência é uma obrigação
de meio e não de resultado. De fato, o administrador diligente é aquele que age com
cautela, com prudência, de acordo com os conhecimentos pertinentes à área de
atuação. Do administrador se espera o comportamento adequado para a tomada de
decisão, visando com isso alcançar determinado fim e não necessariamente que
obtenha o resultado efetivo na empreitada.
Se o administrador empregar os meios razoáveis e adequados para atingir
um resultado, mas este não se torna realidade, ele não é responsável pelo
insucesso.
Da mesma forma, o fato de a fundação não apresentar resultados
superavitários em sua gestão, isto por si só não implica o reconhecimento de má
gestão, ou falta de diligência ordinária na tomada de decisões. O resultado negativo
da gestão pode ser fruto de outros fatores. Mas se eles resultarem do emprego
equivocado de decisões, com as quais possa se caracterizar dolo, imprudência,
negligência ou imperícia, aí sim há que se falar em responsabilização.
Da mesma maneira, a gestão superavitária não implica o reconhecimento de
que o dirigente foi diligente ordinariamente. O resultado positivo na gestão pode
ocorrer por circunstâncias alheias à boa ou má gestão. E mesmo com uma
administração superavitária, o dirigente pode ser responsabilizado pela gestão com
falta de diligência. Isto porque, se conseguiu proveito econômico com a gestão
temerária, o superávit seria maior se tivesse agido com diligência. Caracterizado,
portanto, o prejuízo.
Em tese, é possível, também, que o superávit seja produto de atividades
desenvolvidas no campo da ilicitude. Da mesma forma incide a responsabilização.
149
Não se pode negar a dificuldade para definir qual o comportamento de um
administrador diligente. Mais fácil a análise da questão em seu aspecto negativo, ou
seja, definir alguns parâmetros práticos do comportamento do dirigente não
diligente.
Não há dúvidas, então, que não é diligente o administrador que não é ativo,
ou seja, que não compareça às reuniões do órgão a que pertença, que não se reúna
periodicamente com a equipe de trabalho, que não envolva os empregados da
fundação no projeto social desta, que não possua juízo crítico dos negócios jurídicos
realizados no seio da entidade, que não obtenha o pertinente aconselhamento para
a tomada de decisões, que não aja de forma prudente, que não procure sanear os
erros ocorridos, que não comande efetivamente o corpo de empregados ou que não
se reporte à administração superior da fundação, etc.
Se de um lado o diligente administrador procura a harmonia na tomada de
decisões, também é certo que não se revela um bom administrador o integrante do
Conselho Curador que tente impor decisões com usurpação de função, bem como
aquelas que importem violação à lei e ao estatuto. Da mesma forma que não será
diligente o integrante da Diretoria Executiva que aceitar o cumprimento de
deliberação superior usurpadora de função ou que viole a lei ou o estatuto social. A
divergência, nesta situação, é salutar para a boa administração, com a finalidade de
garantir que a gestão seja orientada exclusivamente pelos interesses da fundação e
não de seus dirigentes. Afinal, estes não devem apresentar vontade própria. Pelo
contrário, devem materializar a vontade da pessoa jurídica.
15.2 DEVER DE DAR CUMPRIMENTO ÀS FINALIDADES DAS ATRIBUIÇÕES DO
CARGO
Outro dever importante do dirigente é o de dar efetivo cumprimento às
finalidades das atribuições do cargo, na forma do quanto disposto na norma do
150
artigo 154, que dispõe: “o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o
estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as
exigências do bem público e da função social da empresa.”
Com a devida adaptação deve-se dizer que o dirigente fundacional é
obrigado a exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem, para lograr os
fins da fundação, ou seja, atender aos interesses sociais. O dever apontado renova
a assertiva de que o administrador não possui vontade própria, pois deve
materializar a vontade da pessoa jurídica.
A lei e o estatuto social não atribuem poderes aos dirigentes em vão, mas
sim revestidos de poderes-funções, que devem ser exercidos no interesse imediato
da fundação, o que implica dizer no interesse mediato da coletividade. Em outras
palavras, o poder-dever do dirigente tem um objetivo, qual seja, de atender
inicialmente o interesse da fundação, que é efetivar a atividade social e, em
consequência, atender também aos interesses da sociedade, que ao final é quem se
beneficia das atividades da entidade. E para colocar em prática os interesses da
fundação, o administrador deve ser diligente no exercício de suas obrigações e
evitar a existência de conflito de interesses pessoais e da pessoa jurídica.
Decorrência disso é a proibição de obtenção de qualquer vantagem do administrador
em prejuízo do interesse da fundação.
O mesmo dever implica o reconhecimento de algumas vedações, que
também estão dispostas na Lei n. 6.404/76 e, pelos mesmos argumentos
anteriormente aduzidos, são aplicáveis à fundação privada.
O artigo 154, § 2°, da Lei estabelece que é vedado ao administrador:
a) praticar ato de liberalidade à custa da companhia;
b) sem prévia autorização da assembleia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da
151
companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito;
c) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou da assembleia-geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício de seu cargo.
O método de integração do direito por meio da analogia permite concluir
que, no tocante às fundações privadas, deve-se inferir que há proibição expressa da
prática de atos de liberalidade à custa do patrimônio da fundação. Quanto à tomada
de empréstimos de recursos e bens da fundação ou o uso em proveito próprio,
também é hipótese proibida no seio de uma fundação privada. O estatuto social, em
verdade, não pode conter norma autorizativa nesse sentido. Nem mesmo o
Conselho Curador pode deliberar nessa linha, pois o patrimônio fundacional, por
concepção do próprio instituto, somente pode ser aplicado em finalidades sociais.
Também é vedado ao administrador receber de terceiros, mesmo com
autorização estatutária – que seria ilegal, ou autorização do Conselho Curador – que
seria ilícita, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão
do exercício de seu cargo, por se revelar desvio de poder.
O dever, portanto, é aplicável às fundações privadas.
15.3 DEVER DE INDEPENDÊNCIA
Outro dever importante é o da independência do administrador ou, efetuando
um paralelo com a estrutura interna de uma fundação, a independência entre os
diversos órgãos que compõem a entidade, quais sejam, o Conselho Curador, o
Conselho Fiscal e a Diretoria Executiva.
152
Esse poder-dever decorre da interpretação do artigo 139, o qual define que
“as atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem
ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto.”
Com esse fundamento legal observa-se que as atribuições do Conselho
Curador, do Conselho Fiscal e da Diretoria Executiva são indelegáveis, ou seja, os
integrantes da administração superior da fundação devem exercer as suas
respectivas funções, de acordo com o quanto definido especialmente no estatuto.
Em outras palavras, os componentes da alta administração da fundação não podem
abrir mão de exercer as suas funções. Isto, no entanto, não implica a proibição de
outorga de procuração, como já anotado, pois no instrumento de mandato o
mandatário exerce atividade em nome do mandante e, como tal, não há se falar em
abrir mão de prerrogativa de cargo.
A hierarquia existente entre os órgãos que compõem a estrutura da
fundação deve coexistir em conformidade com as atribuições definidas no próprio
regramento interno. Isso implica afirmar que o Conselho Curador não pode usurpar
as funções que são dos outros órgãos e assim reciprocamente. As atribuições de
cada órgão devem ser exercidas de acordo com o regramento da instituição.
Com efeito, o integrante do Conselho Curador, que possui poderes de
fiscalização superior da Diretoria Executiva, não pode assinar título de crédito ou
cheque, da mesma forma que o Diretor-Presidente não pode se imiscuir na
aprovação das contas da própria gestão, que são atributos do Conselho Curador.
Esse o contexto do dever de independência do administrador. Ele deve
mandar autorizado pelos ditames estatutários e deve obedecer na medida em que
aquele que mandou possua competência para tanto. E cada qual no exercício de
suas funções, mas todos atendendo aos interesses da fundação.
153
15.4 DEVER DE LEALDADE
Outra obrigação do administrador é o dever de lealdade. Nesse sentido o
artigo 155 da Lei n. 6.404/76 dispõe:
Artigo 155. O administrador deve servir com lealdade à companhia e manter reserva sobre os seus negócios, sendo-lhe vedado:
I - usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a companhia, as oportunidades comerciais de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo;
II - omitir-se no exercício ou proteção de direitos da companhia ou, visando à obtenção de vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da companhia;
III - adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à companhia, ou que esta tencione adquirir.
§ 1º Cumpre, ademais, ao administrador de companhia aberta, guardar sigilo sobre qualquer informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários, sendo-lhe vedado valer-se da informação para obter, para si ou para outrem, vantagem mediante compra ou venda de valores mobiliários.
§ 2º O administrador deve zelar para que a violação do disposto no § 1º não possa ocorrer através de subordinados ou terceiros de sua confiança.
§ 3º A pessoa prejudicada em compra e venda de valores mobiliários, contratada com infração do disposto nos §§ 1° e 2°, tem direito de haver do infrator indenização por perdas e danos, a menos que ao contratar já conhecesse a informação.
§ 4o É vedada a utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no mercado de valores mobiliários.
Em face da analogia utilizada no presente trabalho, pelo quanto se pode
extrair das normas destacadas, verifica-se que o dirigente de uma fundação deve
servir com lealdade a instituição e manter reserva sobre os negócios realizados no
exercício da atividade econômica da entidade. É fato incontroverso que uma
154
fundação privada tem atividade-fim focada no social, necessariamente, mas que,
como atividade-meio, pode desenvolver atividade econômica. Nesta parte, onde não
raramente há disputa no mercado por melhores oportunidades de negócios, o
dirigente deve manter reserva sobre eles. Por evidente, no entanto, que não pode
sonegar a informação aos órgãos de velamento e de fiscalização.
As demais vedações também são pertinentes à fundação privada, porém tão
somente para a atividade de cunho econômico.
15.5 DEVER DE EVITAR CONFLITO DE INTERESSES
Outro dever digno de análise é aquele que impõe a prática de conduta que
implique a inexistência de conflito de interesses. Nessa seara, dispõe o artigo 156 da
Lei n. 6.404/76:
Artigo 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse.
§ 1º Ainda que observado o disposto neste artigo, o administrador somente pode contratar com a companhia em condições razoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiros.
§ 2º O negócio contratado com infração do disposto no § 1º é anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que dele tiver auferido.
O objetivo da norma é vedar o exercício de atividade concorrente do
administrador. A hipótese é aplicável também às fundações privadas.
155
Com efeito, o ordenamento jurídico não veda aos integrantes da
administração superior de uma fundação privada exercerem outras atividades,
públicas ou no mercado. O que eles não podem é concorrer com as atividades da
fundação da qual são dirigentes.
Quanto à contratação com a fundação, muito embora não proibida pelo
ordenamento jurídico, deve se revestir de formalidades. Nesse caminho é que a
contratação somente poderá ocorrer em condições razoáveis e de igualdade com
outros concorrentes. Ademais, há de ocorrer com absoluta transparência.
Por outro lado, considerando que o patrimônio fundacional é de interesse
social e pertence à coletividade, de melhor alvitre que se evite a contratação nessas
circunstâncias, estabelecendo-se norma de conduta interna que vede a possibilidade
de sua ocorrência.
15.6 OUTROS DEVERES
Outros deveres são dedutíveis da Lei das Sociedades Anônimas e são
aplicáveis às fundações privadas. Nesse sentido o dever de relatar e prestar contas
da gestão social (arts. 132, I e 133)116, o dever de obediência às leis e aos estatutos
116
Artigo 132: Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembléia-geral para: I- tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras; Artigo 133: Os administradores devem comunicar, até 1 (um) mês antes da data marcada para a realização da assembléia-geral ordinária, por anúncios publicados na forma prevista no artigo 124, que se acham à disposição dos acionistas: I - o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; II - a cópia das demonstrações financeiras; III - o parecer dos auditores independentes, se houver. IV - o parecer do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes, se houver; e V - demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia. § 1º Os anúncios indicarão o local ou locais onde os acionistas poderão obter cópias desses documentos. § 2º A companhia remeterá cópia desses documentos aos acionistas que o pedirem por escrito, nas condições previstas no § 3º do artigo 124. § 3
o Os documentos referidos neste artigo, à exceção dos constantes dos incisos IV e V, serão
publicados até 5 (cinco) dias, pelo menos, antes da data marcada para a realização da assembléia-geral.
156
sociais (artigo 158, I)117, o dever de dar cumprimento às deliberações válidas da
administração superior e o dever de não cumprir decisões de outros órgãos internos
ou de terceiros usurpadoras de competências privativas.
§ 4º A assembléia-geral que reunir a totalidade dos acionistas poderá considerar sanada a falta de publicação dos anúncios ou a inobservância dos prazos referidos neste artigo; mas é obrigatória a publicação dos documentos antes da realização da assembléia. § 5º A publicação dos anúncios é dispensada quando os documentos a que se refere este artigo são publicados até 1 (um) mês antes da data marcada para a realização da assembléia-geral ordinária. 117
Artigo 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
157
16 RESPONSABILIDADE DOS DIRIGENTES
16.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A responsabilidade dos dirigentes de fundações é tema pouco discutido no
Brasil, assim como é carente a produção doutrinária sobre o Terceiro Setor, o que se
explica pelo fato de que o tema foi introduzido na agenda política e social com a
importância que faz jus somente nas últimas décadas.
O flagrante crescimento do número de entidades e as atividades sociais por
elas desenvolvidas tem exigido a reflexão dos operadores do direito a respeito de
tema de superlativa importância.
A importância de estudos a respeito também se dá em razão do significativo
poder social que é exercido pelas entidades do Terceiro Setor, ou seja, pelas
associações de interesse social e pelas fundações privadas. O desempenho dessas
instituições é relevante para a sociedade. Ademais, os dirigentes ou
administradores, independentemente da forma como nominados, exercem um poder
fundamental nessas atividades. Ao mesmo tempo, não podem agir por vontade
própria, mas sim mediante a materialização da vontade das entidades. Nesse
caminho, em razão da complexidade da relação jurídica que se dá por alguém agir
em nome e em consonância com os interesses de outrem, relevante é o instituto
jurídico da responsabilidade civil.
Na medida em que os dirigentes possuem poderes para agir ou deixar de
agir em nome da fundação, devem ser responsabilizados pelos desvios
comportamentais na condução das relações jurídicas.
A presente parte do estudo pretende analisar a responsabilidade civil e penal
dos dirigentes, bem como a responsabilidade das fundações privadas perante
terceiros.
158
Por essa razão é que se abordou a questão das relações do poder exercido
nas entidades fundacionais e os deveres dos dirigentes, pois a eles se contrapõe a
pertinente responsabilidade. Com efeito, é importante que as entidades possuam
atribuições claras e bem definidas em seu regramento interno, especialmente para
aferição da responsabilidade. E falar em responsabilidade implica abordar a
obrigação de reparação de danos, sejam eles culposos ou dolosos, comissivos ou
omissivos. Prejuízos esses que podem ser causados à fundação, aos demais
administradores, aos funcionários, aos beneficiários das atividades sociais e, ainda,
a terceiros.
Importante anotar, também, que o ordenamento jurídico pátrio não contém
normas jurídicas específicas para a responsabilidade nas pessoas jurídicas sem fins
lucrativos, inserindo-se aí as fundações, que são objeto do presente estudo.
Aplicáveis, portanto, as regras gerais da responsabilidade civil. A analogia também
incide, pois, como sabido, não há que se falar em vácuo legislativo para disciplinar
as relações jurídicas existentes no mundo real. E a analogia incide para a adoção de
regramento pertinente do exercício do poder e os consequentes deveres. E nessa
linha a sistemática jurídica determina que seja aplicado às fundações privadas, para
fins de responsabilidade, o mesmo regramento que disciplina a responsabilidade nas
sociedades empresárias.
E dentre as sociedades empresárias, as sociedades anônimas possuem
estrutura interna similar às fundações privadas e são reguladas pela Lei n. 6.404/76.
O artigo 158, por seu turno, disciplina a questão, nesses termos:
Artigo 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;
II - com violação da lei ou do estatuto.
§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento,
159
deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia-geral.
§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.
§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.
§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembleia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.
§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.
E sobre a questão leciona Gustavo Saad Diniz:
Diante da omissão das normas específicas à matéria, é fundamental recorrer à lei n. 6.404/76, para definir o contorno da responsabilidade dos administradores, conforme orientação de José Eduardo Sabo Paes. Aliás, a fundamentação nesta norma que regulamenta especificamente as sociedades por ações, tem os seguintes pressupostos: a) adequação das normas pertinentes à responsabilização dos administradores; b) compatibilidade da norma invocada com o direito das fundações privadas e suas peculiaridades, expurgando tudo aquilo que for conflitante com o sistema fundacional; c) forte conteúdo principiológico dos dispositivos da lei das S/A, que regulamenta a responsabilidade dos administradores, podendo servir de parâmetro em relação à administração da fundação; d) necessidade de integração por analogia, para interpretação pautada na segurança jurídica.
118
Com os mesmos ensinamentos a doutrina de Flávia Regina de Souza
Oliveira:
118
DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. Cit., p. 403-404.
160
Considerando que a lei civil não regulamenta a questão da responsabilidade do administrador de associações e fundações, será utilizada a Lei das S/A (Lei n. 6.404/76), aplicada à realidade dessas organizações, por analogia, como modelo de responsabilidade.
119
A abordagem da responsabilidade nas fundações privadas exige a
delimitação do que vem a ser dirigente ou, em outras palavras, administrador. E
nesse contexto, o dirigente é o responsável pela direção de uma entidade,
colocando em prática os atos de gestão e com isso permitindo que a pessoa jurídica
exerça a sua vontade, nos limites da lei e de seu estatuto social. Também são
considerados dirigentes os integrantes dos colegiados de fiscalização, orientação e
determinações superiores, em regra denominados de Conselho Curador e Conselho
Fiscal.
Assim sendo, a realidade permite dois tipos de administradores/dirigentes: o
remunerado e o voluntário.
A ordem legal não contém regra jurídica para exigir das fundações um
modelo ou outro de dirigente. E considerando o princípio de que as fundações,
enquanto entidades definidas no contexto do direito privado, podem fazer tudo aquilo
que a lei expressamente não vede, por evidente que, dentro dos limites permitidos
pelo estatuto social, é mister concluir que não há vedação para que o dirigente seja
remunerado por suas funções.
Ocorre, no entanto, que a legislação tributária, ao definir critérios para as
entidades sem fins lucrativos serem garantidas com imunidade ou isenção tributária,
determina que o dirigente não pode ser remunerado, direta ou indiretamente, pelas
funções inerentes ao cargo exercido.
119
OLIVEIRA, Flavia Regina de Souza. 2005. op. cit. p. 76.
161
Por consequência, apesar de não haver vedação à remuneração dos
dirigentes das fundações privadas, se esta pretender usufruir de benesses
tributárias, deve contar com dirigente voluntário.
O dirigente é voluntário quando presta serviços para uma fundação privada
sem contrapartida financeira, direta ou indireta, nos termos do artigo 1º da Lei n.
9.608/98, que assim estabelece:
Considera-se serviço voluntário, para fins desta lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos, ou de assistência social, inclusive mutualidade.
Já foi afirmado no presente estudo, que o ordenamento jurídico não prevê
obrigação de uma estrutura interna específica para as entidades sem fins lucrativos,
dentre elas as fundações privadas. Anotou-se, entretanto, que a prática e a
construção doutrinária têm-se inclinado no posicionamento de que é salutar para as
entidades, para os órgãos de fiscalização e para a sociedade enquanto beneficiária
do trabalho social desenvolvido pelo Terceiro Setor, a existência de uma estrutura
interna de controle próprio, com freios e contrafreios. E nesse caminho é que se
recomenda a existência de um órgão gestor, individual ou coletivo, e de um outro de
fiscalização interna, este sim necessariamente coletivo.
Por isso é usual a estrutura interna composta de uma Diretoria Executiva,
um Conselho Curador e um Conselho Fiscal. Eles podem adquirir denominações
diversas, muito embora sempre com a mesma finalidade, ou seja, uma Diretoria
Executiva para executar a gestão e um Conselho Fiscal para acompanhar a gestão
e assessorar o Conselho Curador. Este por sua vez assume a função de estabelecer
as diretrizes institucionais da entidade e fiscalizar a gestão, tomando medidas de
correção de rumo quando necessárias.
162
Em regra o Conselho Curador, na função de comando e controle superior da
fundação privada, nomeia e dá posse aos integrantes dos demais órgãos, ou seja,
da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal.
Quando a fundação optar por dirigente remunerado e com isso abrir mão de
qualquer benesse de ordem tributária, este pode ser inclusive empregado.
E para fins de responsabilidade, não há qualquer variante para os dirigentes
remunerados ou voluntários, pois as obrigações são as mesmas e,
consequentemente, a responsabilidade, sob todos os aspectos.
José Eduardo Sabo Paes define a responsabilidade, citando a doutrina de
Maria Helena Diniz, como uma resposta em razão do descumprimento de um dever
preeexistente, ou em outras palavras, a consequência sofrida pelo agente em face
da prática de conduta, por ação ou omissão, que viola deveres.
Nesse sentido, os ensinamentos de José Eduardo Sabo Paes:
Esclarece-nos a professora Maria Helena Diniz que a responsabilidade civil, que é repercussão do dano privado, tem por causa geradora o interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pela lesão, de modo que a vítima só poderá pedir reparação traduzida em uma importância em dinheiro. Logo, tal responsabilidade consistente na aplicação de medidas, a fim de fazer com que o patrimônio do agente responda pelos atos por ele praticados que importem em prejuízo a terceiros.
120
A responsabilidade incidente nas condutas dos dirigentes fundacionais, por
outro turno, como anotado anteriormente, é tema de superlativa importância e deve
ser tratado com bastante cuidado, por várias razões. Primeiro, porque as relações
humanas são passíveis de desvio comportamental, não sendo diferente com os
administradores das fundações. Segundo, porque a fundação é um patrimônio
personificado destinado a uma finalidade social, de modo que as atividades
120
PAES, José Eduardo Sabo, 2010, Op.cit., p. 451.
163
desenvolvidas pelas fundações são sempre de interesse público, especificamente da
sociedade civil. Terceiro, porque os administradores podem exercer suas funções
estatutárias exorbitando os poderes conferidos pela lei e pelo estatuto social, a exigir
correção, mediante a devida responsabilização.
Aliás, os ensinamentos de M. Seabra Fagundes, citado por Gustavo Saad
Diniz:
A existência de fatos nocivos ao patrimônio de uma fundação, por falta de lisura nos respectivos administradores, são manifestos o cabimento e a oportunidade da providência cautelar de suspensão da administração má gestora.
121
A responsabilidade, nesse contexto, é uma só, pois sempre incide na falta
de observância de deveres constituídos. Ela pode ser observada, no entanto, sob
vários ângulos e dependendo do campo de análise, pode ser denominada de
responsabilidade civil, responsabilidade penal, responsabilidade contratual,
responsabilidade extracontratual, responsabilidade objetiva, responsabilidade
subjetiva, etc.
No tocante à responsabilidade civil e penal, o divisor de águas é o dever
jurídico violado, que importa no reconhecimento de um ato ilícito. O ato ilícito, então,
pela não observância de um dever jurídico, o qual é protegido por uma norma
jurídica civil, uma norma jurídica penal ou por ambas. Saliente-se, por pertinente,
que toda violação de norma penal enseja a caracterização de violação também de
uma norma civil. O oposto, entretanto, não é verdadeiro. Isso implica a conclusão de
que um ato ilícito pode ser civil ou penal. Assim como uma mesma prática ilícita,
omissiva ou comissiva, pode ser concomitantemente um ato ilícito civil e penal.
121
FAGUNDES, M. Seabra . Fundação. Âmbito de atuação do Ministério Público em sua defesa – Interpretação do artigo 26 do Código Civil – Afastamento imediato de seus administradores – Legalidade da providência, tanto como medida de natureza administrativa, como medida de caráter judicial preventivo. Revista dos Tribunais. São Paulo. SP. 50(304):58-77. Fev/61. p. 72.
164
Nessa conformidade, os pressupostos para a responsabilidade são a
conduta antijurídica, omissiva ou comissiva, imputável ao agente, o dano
experimentado pelo lesado e o nexo de causalidade, ou seja, o liame de causa e
efeito entre a conduta do agente e o dano experimentado pelo lesado.
E como já anotado, a responsabilidade dos administradores das fundações
privadas é decorrência do disposto no artigo 158 da Lei n. 6.404/76, aplicada por
analogia. Mas também o artigo 927 do Código Civil, por regulamentar a
responsabilidade civil como regra geral a todas as pessoas físicas e jurídicas. Os
comandos das normas desses artigos impõem a conclusão de que três são as
regras deles dedutíveis, quais sejam: a irresponsabilidade do dirigente por atos
regulares e de gestão e a sua responsabilidade civil por comportamento antijurídico
quando, na esfera de suas atribuições e poderes, agir com culpa ou dolo ou agir
com violação da lei ou do estatuto.
A regra ordinária da legislação é que os administradores não são
responsáveis pelos atos regulares de gestão, uma vez que estes exteriorizam a
vontade da fundação e, perante terceiros, é a própria entidade quem está assumindo
obrigações e exercendo poderes e direitos.
Nesse diapasão, terceiros que entendem terem sido lesados, por atos
regulares de gestão do administrador da fundação, devem voltar-se contra esta e
não contra os administradores pessoalmente. Antijurídico, porém, será o ato de
gestão praticado fora dos limites das atribuições da função, pois isto importará, por
óbvio, a prática de conduta que não encontrará respaldo na lei e no estatuto social.
Assim é que, como destacado antes, por administradores deve-se entender
o dirigente em sentido lato, ou seja, os integrantes do Conselho Curador, do
Conselho Fiscal e da Diretoria Executiva. Muito embora se saiba que os titulares
exclusivos do poder de representação ou, em outras palavras, os titulares exclusivos
dos poderes de gestão, são os integrantes da Diretoria Executiva. Estes é que são
165
os responsáveis de forma imediata. Os integrantes do Conselho Curador e do
Conselho Fiscal, por não possuírem poderes de administração, podem ser
responsabilizados de forma mediata, ou seja, porque não agiram no sentido de
evitar que as condutas antijurídicas viessem a ser praticadas ou após estas se
tornarem realidade, não tomaram as providências pertinentes para a
responsabilização dos responsáveis diretos pelos prejuízos ocorridos.
Definidos os contornos da irresponsabilidade por atos regulares de gestão,
cabe então a reflexão sobre a responsabilidade por atos irregulares, o que será
enfrentado na sequência.
16.2 RESPONSABILIDADE CIVIL
A palavra “responsabilidade” vem do verbo latino respondere, que importa a
noção de garantia da restituição ou compensação de um bem lesado, bem como de
responder pelos prejuízos causados. Induz, portanto, à ideia de recomposição, de
compensação de um prejuízo para equilíbrio econômico e social.
A responsabilidade civil é, portanto, a obrigação de reparação de um dano
causado, mediante ação ou omissão, culposa ou dolosa, que visa à recomposição
do equilíbrio econômico de determinada relação jurídica.
Maria Helena Diniz, citando com bastante propriedade Pirson e Villé,
Sourdat, Savatier e Josserand, anota:
Pirson e Villé conceituam a responsabilidade como a obrigação imposta pelas normas às pessoas no sentido de responder pelas consequências prejudiciais de suas ações; Sourdat a define como o dever de reparar dano decorrente de fato de que se é autor direto ou indireto; e Savatier a considera como a obrigação de alguém reparar dano causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou coisas que dele dependam. Outros como Josserand, a vêem sob um aspecto mais amplo, não vislumbrando nela uma mera questão de culpabilidade, mas sim de repartição de prejuízos causados, equilíbrio de direitos e interesses, de sorte que a
166
responsabilidade, na concepção moderna, comporta dois pólos: o objetivo, onde reina o risco criado, e o subjetivo, onde triunfa a culpa.
122
A Professora Maria Helena Diniz, então, apresenta seu conceito de
responsabilidade civil, com os seguintes dizeres:
Responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva). Definição essa que guarda, em sua estrutura, a ideia da culpa quando se cogita da existência de ilícito e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa.
123
Para Caio Mário da Silva Pereira a responsabilidade civil:
Consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil, que então se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.
124
Conclui-se, portanto, que a doutrina é tranquila ao afirmar que a
responsabilidade civil é o instrumento para a recomposição do prejuízo provocado
pelo causador de um dano. A responsabilidade civil exige, portanto, um prejuízo, de
ordem material ou moral. Se não existir dano, não há obrigação jurídica de
reparação.
16.3 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
A responsabilidade contratual decorre de um prejuízo causado por força da
existência de uma obrigação contratual. Trata-se de uma relação jurídica
obrigacional. Por exemplo: uma fundação que administre um equipamento hospitalar
122
DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 20. ed. Saraiva, 2006. p. 39. 123
Ibid. p. 49 124
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 6. ed. revisada. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p.11.
167
recebe um paciente que é submetido a uma cirurgia. Esta assume a obrigação,
explícita ou implícita, de realizar o procedimento cirúrgico com a utilização de todos
os recursos e capacitação ordinários. Se no curso da operação o médico
responsável pelo procedimento ignorar as regras aplicáveis ao caso e incidir em erro
médico, mediante a modalidade imperícia, causando danos ao paciente, há
descumprimento contratual, de maneira que respondem pelos danos não só o
médico como a fundação hospitalar que contratou a execução do serviço médico
com o paciente.
As fundações, portanto, são responsáveis pelos contratos com os quais se
obrigam, muito embora estes venham ao mundo jurídico mediante a ação de seus
dirigentes. O dirigente, nesse sentido, não exerce vontade pessoal, mas representa
a vontade da pessoa jurídica e age em nome dela. Mas as mesmas fundações
somente são responsáveis pelos contratos firmados, desde que estes estejam de
acordo com a lei e com o estatuto social. Nesse sentido é que se revela tranqüilo na
doutrina que os contratos firmados pelos dirigentes, em nome das pessoas jurídicas
e dentre elas as fundações privadas, são válidos se efetivados em consonância com
a ordem legal e de acordo com os ditames do estatuto da entidade. Caso afrontem a
lei, o estatuto ou não estejam nos limites autorizados pelo regramento interno, não
obrigam a pessoa jurídica e importam em responsabilidade do dirigente.
A responsabilidade contratual encontra disciplina especialmente nos artigos
389 e 395 do Código Civil, que asseveram:
Artigo 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Artigo 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.
168
Quando a responsabilidade não deriva do contrato, ou seja, de um acordo
de vontades, ela é tida por responsabilidade extracontratual ou aquiliana. Ela incide
em face da violação de um preceito legal, sem que exista qualquer relação
contratual entre o agente causador do dano e o prejudicado. Aplicável à espécie a
norma do artigo 186 do Código Civil.
Na responsabilidade extracontratual não existe um ajuste de vontade prévio
entre o causador do dano e o lesado. Não há nenhum vínculo jurídico preeexistente
à prática do ilícito.
É o que ocorre, a título de exemplo, quando um automóvel de propriedade
de uma fundação colide, com culpa do motorista, com outro veículo, causando
danos materiais ao proprietário deste. A fundação é responsável pela recomposição
do prejuízo sofrido pelo titular do veículo danificado.
A responsabilidade extracontratual encontra regramento nos artigos 186,
188 e 927 do Código Civil, os quais dispõem que:
Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Artigo 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Artigo 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
169
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
16.4 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA
O artigo 186 do Código Civil define que a responsabilidade subjetiva
pressupõe a culpa do agente causador do dano. Para a sua existência é mister que
o comportamento do agente seja culposo ou doloso e que haja nexo causal entre a
ação ou omissão e o dano. O artigo 186 emprega o termo culpa em sentido amplo,
significando culpa em sentido estrito, ou seja, imprudência, negligência e imperícia,
bem como o dolo.
A culpa lato sensu, ou seja, a culpa ou o dolo, referida pela lei acionária no
artigo 158, inciso I, é a mesma culpa civil apontada no artigo 186 do Código Civil.
Portanto, a diligência que se espera do administrador de uma fundação privada é a
normal, a ordinária, que deve ser analisada em confronto com o tipo de atividade
social e econômica exercida pela fundação, inclusive com os contornos de sua
dimensão, importância e os recursos disponíveis.
A responsabilidade objetiva não depende de culpa, mas somente da
comprovação do prejuízo. O dever de indenizar é consequência da relação de
causalidade entre o fato e o dano. Nesta situação presume-se a culpa ou, em outras
palavras, presume-se o dever de indenizar.
Há hipóteses, entretanto, que a ordem legal estabelece que, muito embora
existente o dano, não há dever de indenizar. O artigo 188 do Código Civil é claro ao
dispor que são causas excludentes do dever de indenizar a força maior, o caso
fortuito, a legítima defesa, o exercício regular de direito e o estado de necessidade.
170
O caso fortuito e a força maior ocorrem com a presença de dois requisitos,
quais sejam, um objetivo, que se configura com a inevitabilidade do evento danoso;
e outro subjetivo, que se caracteriza com a ausência de culpa ou dolo na produção
do evento. Na força maior ocorre o que a doutrina nomina de Act of God, ou seja, a
ação de Deus, e aqui a causa que enseja o dano é conhecida, pois se trata de um
fato da natureza. Exemplos típicos de força maior são a ação originada por raios,
inundações não previsíveis e terremotos. No caso fortuito, o dano ocorre por causa
desconhecida que, uma vez descoberta, não era previsível, como por exemplo a
queda de cabos elétricos bem conservados, implicando incêndio. Também ocorre o
caso fortuito com fatos de terceiros, como uma greve. Se a força maior e o caso
fortuito foram imprevisíveis ou irreconhecíveis com diligência ordinária, de maneira
que não se poderia prever a responsabilidade da pessoa, isto acarreta a extinção da
obrigação. Não ocorre a liberação da obrigação, no entanto, se houver convenção
de indenização mesmo em tais hipóteses.
Definidas as questões anotadas, pode-se afirmar que a responsabilidade
civil dos dirigentes é uma realidade no ordenamento jurídico brasileiro e decorre da
análise sistemática de todo o sistema legal, pois o instituto é aplicável a todas as
relações jurídicas, de forma uniforme, não sendo diferente em relação às fundações
privadas.
Aplicáveis à hipótese, como anotado, as normas dos artigos 158 e 165 da
Lei n. 6.404/76, haja vista a integração por analogia da Lei das S/A para as
fundações privadas, na medida em que não são comandos legais conflitantes com o
sistema fundacional.
Verifica-se dos dispositivos legais apontados que o legislador optou por
descrever os poderes, as obrigações e a responsabilidade dos administradores das
sociedades anônimas de forma nem sintética nem analítica, mas sim mista. Com
efeito, entre as opções de descrever uma regra de obrigações e consequente
responsabilidade de maneira abstrata e abrangente, com recurso às cláusulas
gerais, ou de apresentar o mesmo regramento de forma minuciosa e taxativa, com
171
condutas específicas, o legislador pátrio optou pela enunciação legal dos
desdobramentos do que denominamos por dever de diligência, mantendo a
referência a deveres específicos e hipóteses concretas. Com isso posicionou-se em
situação mediana entre uma norma jurídica aberta e uma fechada.
O artigo 158 dispõe que: “O administrador não é pessoalmente responsável
pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de
gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: I
– dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; II – com violação da lei
ou do estatuto.”
O artigo 165, por sua vez, dispõe que: “Os membros do conselho fiscal têm
os mesmos deveres dos administradores de que tratam os arts. 153 a 156 e
respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e
de atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto.”
O § 1o da mesma norma, por sua vez, que: “Os membros do conselho fiscal
deverão exercer suas funções no exclusivo interesse da companhia; considerar-se-á
abusivo o exercício da função com o fim de causar dano à companhia, ou aos seus
acionistas ou administradores, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que
não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia, seus
acionistas ou administradores.”
O § 2o, por seu turno, que “o membro do conselho fiscal não é responsável
pelos atos ilícitos de outros membros, salvo se com eles foi conivente, ou se
concorrer para a prática do ato.”
Prossegue o mesmo artigo com seu § 3o , dispondo que: “A
responsabilidade dos membros do conselho fiscal por omissão no cumprimento de
seus deveres é solidária, mas dela se exime o membro dissidente que fizer
172
consignar sua divergência em ata da reunião do órgão e a comunicar aos órgãos da
administração e à assembleia-geral.”
Nesse contexto, ato culposo é aquele praticado de forma negligente,
imprudente ou imperita. Incidirá a responsabilidade civil se o administrador causar
dano ao patrimônio ou à imagem da fundação.
Negligência consiste em ausência de cuidado ao exercer determinado ato,
implicando omissão ou inobservância de dever e de que resulta, ou pode resultar,
prejuízo para a entidade ou para a sociedade.
Conduta imprudente é aquela em que o agente atua precipitadamente, sem
tomar as cautelas necessárias; e em razão disso, acaba provocando danos à vítima.
Trata-se de conduta afoita do agente, consistente na violação de regras ensinadas
pela experiência. Caracteriza-se, pois, por uma conduta reveladora de ausência de
cuidado objetivo.
Será imperito o administrador que, sem conhecimento, habilidade ou técnica,
executa o negócio jurídico, resultando prejuízo.
Ato doloso é o perpetrado com vontade, mesmo ciente o administrador de
que há violação à ordem legal. Causando dano à fundação, será o agente
responsável pela reparação, sem prejuízo de outras providências.
A título exemplificativo podem-se elencar como atos dolosos que ensejam a
responsabilização, a contratação de empresas para prestação de serviços de forma
fictícia, com o objetivo de remunerar indiretamente diretores, ou mesmo o
recebimento, pelo diretor, de parte da remuneração paga a determinados
contratados para prestação de serviços. A contratação de empregados fantasmas. A
prática de liberalidades com os recursos da fundação. O uso, em proveito próprio ou
173
de terceiros, de bens e serviços da fundação. O pagamento de horas extras por
trabalho não realizado. O pagamento de remuneração a empregados em valores
não compatíveis com a prática de mercado, etc.
A responsabilidade, no entanto, exige a análise do poder que o dirigente
possui no âmbito interno da fundação e, por consequência, da esfera de atribuições
definidas pela lei e pelo estatuto social.
No caso das fundações, o presente estudo defende o posicionamento de
que devem ser considerados dirigentes os integrantes do Conselho Curador, do
Conselho Fiscal e da Diretoria Executiva, cada um nos limites de seus poderes e
suas obrigações.
Os dirigentes, por seu turno, não se confundem com os órgãos colegiados
em que atuam. Há de se fazer distinção clara entre o órgão e a pessoa do dirigente.
O dirigente, quando atua regularmente, age em nome da pessoa jurídica. É a
pessoa jurídica, em verdade, quem está praticando atos jurídicos, porém o faz por
intermédio do dirigente.
O estatuto social deve necessariamente estabelecer os poderes, as
obrigações e as prerrogativas dos diversos cargos que integram a administração
superior da fundação privada. Anote-se, no entanto, por pertinente, que o cargo de
que trata o presente trabalho não se refere ao conceito específico do direito
administrativo, mas sim a um posto determinado na estrutura interna de uma pessoa
jurídica, para o qual o regramento interno define uma série de atribuições, com
poderes, obrigações e deveres.
Os cargos de uma fundação estão organizados, na estrutura interna da
entidade, de forma individualizada, ou inseridos num colegiado. O Conselho Curador
é sempre um órgão colegiado, no qual todos os integrantes possuem os mesmos
poderes, as mesmas obrigações e os mesmos deveres, salvo daquele que ocupe a
174
presidência do colegiado, pois a este se somam obrigações próprias inerentes ao
comando da referida coletividade. O mesmo ocorre com o Conselho Fiscal.
A Diretoria Executiva, por sua vez, pode ser exercida por somente uma
pessoa, a qual deve assumir todos os encargos pertinentes ao comando da gestão
da fundação, assim como pode ser estruturada como um colegiado, com definição
de atribuições para diversos cargos. É muito comum nas fundações que a Diretoria
Executiva também seja coletiva, ou seja, composta por mais de um Diretor. Em
verdade, o modelo mais usual é da existência de um Diretor Presidente, um Diretor
Administrativo e um Diretor Financeiro. Por vezes, no entanto, dependendo da
complexidade específica da fundação, a Diretoria é mais ampla, com outros cargos,
como um Diretor de Cursos, um Diretor de Corpo Clínico, um Diretor de Projetos,
etc. Aliás, tudo conforme já anotado anteriormente.
É usual, outrossim, que as decisões dos colegiados sejam tomadas
coletivamente, mediante quóruns definidos no próprio estatuto social. É costumeiro,
também, ser conferido ao dirigente máximo, dentro de cada colegiado, o poder de
decidir em hipóteses de urgência, devendo então submeter posteriormente a
decisão ao referendo do colegiado.
E sendo as decisões tomadas de forma coletiva, os dirigentes são
responsáveis também coletivamente, desde que tenham participado da deliberação.
Não há que se falar, nesse contexto, da responsabilidade de um dirigente
pela tomada de decisão em determinada reunião formal do colegiado, caso este não
tenha participado da decisão. Também se livra da responsabilidade coletiva, o
dirigente que discordar da decisão da maioria e consignar sua divergência.
Há a possibilidade, também, de o Conselho Curador ou do Conselho Fiscal
serem responsabilizados pelos atos da Diretoria Executiva. Em regra a
responsabilidade não existe. Ela incide, porém, quando caracterizada a ocorrência
175
de dano por atos comissivos ou omissivos da Diretoria Executiva; e incorre em falta
o Conselho Fiscal e/ou o Conselho Curador, mediante conivência ou negligência no
dever de agir.
Em outras palavras, imagine-se a possibilidade de prática de atos de desvio
comportamental por parte dos integrantes ou de determinados integrantes da
Diretoria Executiva. Nessa hipótese, se os integrantes do Conselho Fiscal tinham a
obrigação de ter conhecimento da irregularidade, respondem pela omissão, caso
não ajam com a finalidade de impedir a ocorrência do dano, ou, tendo ele ocorrido,
pela responsabilização do faltoso. Da mesma forma, o Conselho Curador, que na
condição de órgão máximo de controle interno da fundação, tem a obrigação de
tomar conhecimento de todos os atos de gestão e fiscalizá-los.
Há situações práticas em que os integrantes do Conselho Fiscal e do
Conselho Curador têm conhecimento de sinais de que uma irregularidade na gestão
irá ser praticada. Se não agirem no sentido de evitar que o dano seja cometido, são
responsáveis solidários pelo prejuízo ocorrido. Isto porque é obrigação inerente ao
cargo de integrante do Conselho Fiscal a fiscalização da entidade, principalmente
sob o aspecto contábil. Se há falha nesse acompanhamento, há responsabilidade do
colegiado, por deficiência no exercício dos atributos do cargo.
Da mesma forma, em relação aos integrantes do Conselho Curador. Sendo
estes responsáveis pelo acompanhamento, direcionamento e fiscalização superior
da entidade, há situações práticas onde o correto exercício dos atributos do cargo é
suficiente para evitar a ocorrência de determinado dano. E se não agirem no sentido
de evitar o prejuízo, são corresponsáveis pelo desvio comportamental dos
integrantes da Diretoria Executiva.
Em situação diversa, quando não se pode imputar ao Conselho Fiscal e/ou
ao Conselho Curador a obrigação de se antecipar à ocorrência do dano, destes se
espera que sejam tomadas todas as providências pertinentes para a
176
responsabilização e, inclusive, a reparação do dano e em determinadas situações, a
comunicação às autoridades de controle e fiscalização do ocorrido. Em não agindo
nesta consonância, também são responsáveis, pela omissão e descuido no
exercício das atribuições dos cargos.
A respeito leciona Gustavo Saad Diniz:
Cada um dos administradores é responsável pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos a eles por lei ou pelo estatuto. Se a violação da norma legal ou estatutária ocorrer por um administrador que atuou com culpa ou dolo, a responsabilização será somente deste administrador. Por outro lado, verificada a existência de ilícito, cabe perguntar: é possível a responsabilização civil de todo o corpo administrativo? Mais uma vez, devemos nos socorrer do auxílio integrativo da Lei n. 6.404/76, que no artigo 158, § 1º, suprime a lacuna da legislação fundacional no Brasil, disciplinando com bastante clareza a matéria: § 1º. O administrador não e responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao Conselho Fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral‟. O § 5º, do mesmo artigo, também aplicável, disciplina a responsabilidade solidária, quando alguém, em conjunto com o administrador faltoso, „com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática infracional, mas deixa de comunicar ao Conselho Deliberativo, Conselho Administrativo, Conselho Fiscal ou à Assembléia Geral, conforme o caso.
125
De forma resumida, então, a culpa dos integrantes do Conselho Fiscal e do
Conselho Curador ocorre quando há conivência ou negligência. Assim como no caso
de conhecimento prévio da intenção da prática de fato danoso, se nada for feito
visando impedi-lo ou sendo o conhecimento posterior à prática do mesmo fato, se
não forem tomadas as medidas adequadas para a responsabilização. Mister,
também, que haja nexo de causalidade entre a ação comissiva ou omissiva e o
dano, para que incida a responsabilidade civil.
E mesmo que o dirigente seja empregado da pessoa jurídica, a
responsabilidade é a mesma. Logo, seja qual for a natureza jurídica da relação
125
DINIZ, Gustavo Saad. 2006. op. Cit., p. 405.
177
entre o dirigente e a fundação, ou seja, se voluntário ou empregado, este
responderá perante a entidade e terceiros, pelos desvios comportamentais, ou seja,
pela prática de atos por ação ou omissão, que impliquem violação a dever jurídico,
imposto pela lei ou pelo estatuto social.
16.5 RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL E SOLIDÁRIA
A responsabilidade civil em regra é individual e não é diferente quanto
incidente sobre a conduta dos dirigentes de fundações. A lei alberga, no entanto, a
possibilidade de responsabilidade solidária, nas hipóteses de descumprimento de
deveres legais ou estatutários destinados a garantir o regular funcionamento da
entidade, por parte de um número coletivo de administradores. É possível falar,
também, na responsabilidade solidária de terceiros que de alguma maneira
concorram para a prática de ato antijurídico contra a fundação.
De fato, há responsabilidade solidária quando determinada pessoa for
conivente com a prática de ato antijurídico, ou dele ciente deixar de agir para impedir
a sua prática, tendo o dever para tanto. Com isso estará descumprindo dever
jurídico de seu cargo e, sem prejuízo da concorrente violação de dever específico,
também estará violando o dever de lealdade, na hipótese de conivência. Estará, por
outro lado, violando o dever de vigilância quando negligenciar em descobrir o ato
antijurídico ou mesmo o dever de diligência, se dele tomar conhecimento e não agir
para impedir a sua prática ou para operar a responsabilização devida. Ocorrendo,
pois, concurso de comportamentos ilícitos, por ação ou omissão, serão responsáveis
solidariamente todos os culpados.
Também é possível falar de responsabilidade solidária de administradores
quando tiverem participação direta e culposa nos danos causados à fundação,
mediante conduta comissiva ou omissiva.
178
Deve-se lembrar, também, que a responsabilidade solidária é mais comum
na administração colegial, ou seja, quando um grupo de pessoas assume
responsabilidade coletiva pelas deliberações colegiadas. É o que geralmente ocorre
quando há responsabilidade no Conselho Curador ou no Conselho Fiscal, cujas
decisões em regras são ultimadas coletivamente.
Nesse contexto é que vigora a regra de que o prejudicado, em hipóteses que
tais, não precisa demonstrar a participação culposa ou dolosa de cada um dos
dirigentes, individualmente. Estes, no entanto, poderão demonstrar que não foram
negligentes ou coniventes com os demais dirigentes, desde que tenham tomado em
tempo certo as medidas pertinentes para a exoneração de responsabilidade. É o que
ocorre quando, em sede de uma deliberação colegiada, com fundamento na norma
do artigo 158, § 1º, da Lei n. 6.404/76, o dirigente vencido faz consignar em ata a
divergência ou não sendo possível, dá ciência imediata e por escrito aos órgãos da
administração superior da fundação ou aos órgãos externos de velamento e
fiscalização, das razões da dissonância.
16.6 RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES POR VIOLAÇÃO DA
ORDEM LEGAL
Todas as pessoas naturais e todas as pessoas jurídicas estão submetidas
ao império da lei, esta em seu sentido lato. Em outras palavras todos devem
obediência ao ordenamento jurídico. Não é diferente a situação dos administradores
das fundações, que devem cumprir as disposições normativas pertinentes.
Dentre inúmeras obrigações legais, algumas incidem de forma costumeira
na rotina da administração das fundações, dentre elas o dever de agir com
probidade, com honestidade, com obediência aos princípios e normas legais, de não
remunerar os dirigentes salvo se o estatuto contiver comando autorizativo nesse
sentido, de publicar os balanços, de submeter-se ao velamento do Ministério
Público, etc.
179
O descumprimento da ordem legal gera consequências aos administradores.
Internamente estes ficam sujeitos às penalidades previstas no estatuto social da
entidade, como por exemplo a destituição dos cargos ocupados. Externamente pode
incidir a responsabilidade civil, como reparação dos danos causados ou o
afastamento judicial de suas posições estatutárias. Ainda externamente, a conduta
praticada pelo administrador faltoso pode também gerar consequências de ordem
criminal, caso a prática se revista de tipicidade penal.
16.7 RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES POR VIOLAÇÃO DO
ESTATUTO SOCIAL
A obrigação de cumprimento das regras estatutárias decorre do próprio
princípio da legalidade. Com efeito, enquanto a obediência ao ordenamento jurídico
é obrigação que decorre da lógica do sistema, antes mesmo de ser uma norma
inserta em toda a ordem legal, da Constituição Federal à regra jurídica de menor
valor hierárquico, é comezinho que o princípio da legalidade impõe a obediência, em
decorrência do próprio império da lei, ao regramento disposto na seara interna da
pessoa jurídica.
A norma do artigo 158, inciso II, da Lei n. 6.404/76, em consonância com a
sistemática jurídica referida, impõe ao administrador o cumprimento das regras
estatutárias, sob pena de responsabilidade, independentemente de ocorrência de
culpa ou dolo. É objetiva, aqui, a responsabilidade.
Nesse sentido os ensinamentos de Flávia Regina de Souza Oliveira:
“Dispensa-se a prova de culpa, ou melhor, presume-se a existência da mesma
quando o administrador viola a lei ou o estatuto, agindo com excesso ou abuso de
poder (artigo 158, parágrafo 2º). É a chamada responsabilidade objetiva.” 126
126
OLIVEIRA, Flavia Regina de Souza. 2005 op. cit., p. 77.
180
É dever do administrador, portanto, a obediência também do estatuto social.
Sua desobediência enseja a ocorrência de ato ilícito e, consequentemente, a
responsabilização. Além do dever de indenizar, o dirigente administrador poderá
sofrer penalidades de ordem administrativa, tais como advertência, suspensão ou
afastamento definitivo, dependendo da gravidade da conduta praticada. Sendo de
pouca monta o prejuízo, basta mera recomendação para que a não observância ao
estatuto não mais se repita.
As punições administrativas podem ser impostas pelos órgãos internos da
fundação, nos limites dos poderes existentes no regramento interno, ou mesmo
judicialmente, por provocação da fundação ou do Ministério Público. Nesse contexto,
de ponderar que o Ministério Público não possui poderes para a imposição de
penalidade administrativa ao dirigente falso, salvo a recomendação. Se esta não for
atendida, porém, cabe ao Ministério Público provocar o Poder Judiciário, para a
imposição da medida pleiteada, no bojo do devido processo legal.
Para a imposição de penalidade administrativa, porém, a Fundação deve
garantir ao faltoso a oportunidade de defesa, independentemente da existência ou
não de exigência nesse sentido no estatuto social.
E mesmo o administrador vitalício pode ser afastado administrativa ou
judicialmente da Fundação, na hipótese de prática de ato danoso aos interesses da
fundação, em desconformidade com o estatuto social. Basta que haja fundamento
fático para tanto e garantia ao princípio constitucional da ampla defesa.
A vitaliciedade no cargo fundacional não é garantia para a prática de atos
contrários à lei ou ao estatuto, sem responsabilização. A permanência vitalícia no
cargo, que muito embora não recomendada, é uma realidade em algumas poucas
fundações, é mero dispositivo que impõe a desnecessidade de reeleições periódicas
para a continuidade no cargo. No mais, aplicam-se todas as disposições comuns
aos demais administradores.
181
O vitalício, portanto, pode ser suspenso ou afastado cautelar ou
definitivamente do cargo ocupado, ante a prática de atos contrários à lei ou ao
estatuto social. Mesmo que o vitalício seja instituidor da fundação, pois uma vez
constituída a pessoa jurídica, ela assume absoluta autonomia em relação ao seu
criador. A partir do nascimento da fundação, a relevância são os interesses desta e
não do instituidor.
16.8 RESPONSABILIDADE CIVIL DA FUNDAÇÃO PERANTE TERCEIROS
Os administradores das fundações privadas quando atuam, agem em nome
de pessoa jurídica, obrigando-a na hipótese em que causar dano a terceiro. Na
verdade, quem age é a fundação, por intermédio do seu dirigente. Este materializa a
vontade social da entidade fundacional. Nas suas relações jurídicas, a fundação
pode então ser responsabilizada, por força de relação contratual ou extracontratual.
O prejuízo a ser indenizado, por seu turno, pode ser de ordem material ou moral.
Trata-se, aqui, da hipótese em que o administrador tiver agido em
conformidade com a ordem legal e as regras estatutárias. Em outras palavras, que
os atos praticados sejam regulares de administração, mas que mesmo assim
causem danos a terceiro.
A responsabilidade contratual, como já anotado, decorre do descumprimento
de contrato, ou seja, de um ajuste de vontades, quando há inexecução das
obrigações contratuais. A extracontratual, diferentemente, decorre de um comando
legal.
O fundamento legal para a responsabilização das fundações privadas não
decorre de norma específica a respeito, mas sim das regras gerais de
responsabilidade civil, dispostas no Código Civil, ou mesmo no Código de Defesa do
Consumidor, caso caracterizada relação de consumo.
182
16.9 RESPONSABILIDADE PENAL
A responsabilidade penal caracteriza-se quando há violação de uma norma
legal de cunho penal. O agente, nesta hipótese, infringe uma norma de direito
público e a lesada é a sociedade, pois violação de qualquer norma penal importa
violência aos interesses da sociedade.
Enquanto na responsabilidade civil o lesado é o agente privado, este tem a
discricionariedade de decidir se exigirá a responsabilização do causador do dano ou
não. O mesmo não é o que ocorre, em regra, com as violações das normas penais,
pois incumbe ao Estado a responsabilização do agente. Salvo quando, em
determinadas hipóteses de condutas delitivas, estiver na esfera de arbítrio da vítima
direta decidir pela persecução penal ou não. É o que ocorre, geralmente, com os
crimes de menor potencial ofensivo, onde incumbe à vítima decidir se o agente
violador da norma penal deve ou não ser acionado pela Justiça Criminal.
A responsabilidade penal também difere da civil no tocante a quem deve
responder pelos danos, pois a responsabilidade penal é pessoal e intransferível.
Como tal responde por ela exclusivamente o autor do delito.
Na responsabilidade civil o ordenamento jurídico regula a matéria de forma
diferente, pois podem ser responsabilizados a indenizar a vítima os herdeiros, os
responsáveis pelos incapazes, o empregador, etc.
Ainda na responsabilidade penal, é mister que haja adequação do fato
concreto ao tipo penal. Isso implica dizer que só é possível falar em
responsabilidade penal quando houver a prática de uma conduta que se afina
perfeitamente a um tipo penal. O enquadramento, portanto, é de natureza fechada.
183
Na responsabilidade civil ocorre o oposto, sendo o enquadramento
absolutamente aberto, pois qualquer ação ou omissão pode gerar a
responsabilidade civil, na medida em que viole direito ou cause dano a outro.
O grau da culpa, para ter relevância na responsabilidade também difere.
Enquanto na responsabilidade civil qualquer grau de culpa, inclusive a levíssima,
pode ensejar a responsabilização, na penal o ordenamento exige a culpa penal, que
deve apresentar relativo grau de intensidade. Por essa razão não há dúvidas de que
toda culpa sob o aspecto penal é culpa civil, mas não o inverso, pois é possível a
caracterização de culpa civil que não enseje o reconhecimento de que é de natureza
penal.
Também a imputabilidade difere nas duas modalidades de responsabilidade.
Enquanto não há que se falar em responsabilidade penal para os menores de 18
anos, é possível a responsabilização civil do menor.
184
CONCLUSÃO
O presente estudo partiu da experiência obtida na rotina do exercício das
funções de Curador de Fundações na Capital do Estado de São Paulo, com o
velamento de aproximadamente 3 centenas de fundações privadas, a maioria delas
com expressiva atividade social e significativo patrimônio, que ensejam o
enfrentamento diário de questões de relevância. O trabalho levou em consideração,
outrossim, a doutrina sedimentada a respeito da matéria, principalmente de autores
nacionais, que apresentam uma teoria específica calcada na realidade nacional, mas
com a homenagem devida a doutrinadores estrangeiros, que apresentam conceitos
relevantes para a compreensão do objeto em análise.
O estudo não esconde a visão de que os serviços sociais, ditados pela
Constituição Federal como uma obrigação do Estado, devem ser por este colocados
em prática, mediante políticas públicas, mormente junto à sociedade onde é gritante
a desigualdade social. Mas não se pode negar, por outro lado, que o Estado é
impotente para enfrentar sozinho todas as demandas. Nesse caminho que ele deve
reservar, para si, somente a condição de ator principal no processo de implemento
de políticas visando igualar a sociedade em oportunidades. Como ator subsidiário
surge o Terceiro Setor, representado pelas fundações privadas e pelas associações
que desenvolvem atividades de interesse social.
O comando constitucional que impõe ao Poder Público a obrigação de
diminuir às mazelas sociais, no contexto de uma sociedade complexa como a
brasileira, exige, como anotado, que sejam colocadas em prática políticas públicas
fundadas no contexto de uma administração pública gerencial, mais preocupada
com os resultados do que com os procedimentos, com a finalidade de atingir os fins
com potencialidade, visando efetivar os vários aspectos da justiça social.
185
Nesse contexto que se apresenta o Terceiro Setor, compreendido pelas
fundações privadas e pelas entidades associativas de interesse social. Muito embora
o presente estudo tenha por meta descortinar as fundações privadas, com o fim de
abordar os aspectos da responsabilidade de seus administradores, não deixou de
lado a abordagem das associações, pela similitude dos institutos, pois ambos são
modalidades de pessoa jurídica de direito privado, sem finalidade lucrativa, focados
necessariamente ou por opção, no desenvolvimento de atividades de interesse da
sociedade civil.
O presente trabalho discorreu sobre as origens do instituto fundacional, bem
como a evolução da legislação a respeito da matéria, desde antes do Código Civil de
1916 até a atualidade, onde se verificou que a fundação privada mantém um padrão
com especificidades que não mudaram desde a Antiguidade. E não foi diferente com
a legislação, que por evidente evoluiu até chegar ao modelo atual, mas sempre com
coerência de maneira a prestigiar a ideia central desta especial modalidade de
pessoa jurídica de direito privado.
Defende o presente estudo, nessa linha, que a fundações privadas integram,
juntamente com as associações que desenvolvem atividade de interesse social, o
denominado Terceiro Setor. Com efeito, enquanto uma fundação somente pode
exercer atividade definida no artigo 62, § único, do Código Civil, as associações
possuem liberdade constitucional para exercer todo e qualquer tipo de atividade,
desde que seja de finalidade não lucrativa, lícita e não paramilitar. Aquelas, porém,
que exercem atividade de interesse social, estas integram, juntamente com as
fundações privadas, o que se defende como entes integrantes do Terceiro Setor.
E por integrarem o Terceiro Setor, o estudo dedicou-se de forma rápida a
abordar os dois institutos, em paralelo, para definição dos pontos em comum e os
divergentes.
186
Voltando à análise das fundações privadas, foi efetuado levantamento dos
dados cadastrais junto ao Ministério Público do Estado de São Paulo, onde se
mostrou o quão expressivo é o trabalho social desenvolvido por essas entidades, em
benefício da sociedade, assim como o capital bilionário que elas amealham, que
servem de sinal para a importância do estudo da responsabilidade dos dirigentes.
A relevância do presente estudo, portanto, torna-se visível quando se
constata que a sociedade civil é a titular do domínio das fundações. O capital
expressivo que elas possuem, na verdade, é de titularidade da coletividade social.
De considerar, também, que a mesma sociedade é a destinatária final das atividades
sociais realizadas por elas. E se os administradores das fundações gerenciam
patrimônio e comandam atividades de interesse da coletividade, importante o estudo
da responsabilidade deles na gestão de empreendimento e patrimônio de terceiro.
Para a compreensão da responsabilidade dos administradores das
fundações privadas, ante as especificidades dessa modalidade de pessoa jurídica
de direito privado, sem finalidade lucrativa e de fins sociais, foi relevante para o
presente estudo a exposição da forma como são conceituadas, instituídas,
constituídas, dirigidas, veladas e extintas. E para o entendimento da forma como são
dirigidas, forçoso o enfrentamento da estrutura interna de poder, para clareamento
das atribuições e dos deveres inerentes ao exercício da gestão.
O conceito preferido de fundação foi o de modalidade de pessoa jurídica de
direito privado, constituída a partir de um patrimônio que recebe personalidade
jurídica, com atuação em finalidades definidas pela lei. Ou, em outras palavras,
como um patrimônio personificado destinado a uma finalidade social.
187
Os elementos nucleares da conceituação de fundação são, portanto, o
patrimônio, a finalidade e o vínculo entre ambos.
Quanto ao patrimônio o estudo tratou, dentre outras circunstâncias,
especialmente da irreversibilidade dos bens para os instituidores ou outras pessoas,
físicas ou jurídicas de fins egoísticos, pois pertencem à sociedade, vista de forma
difusa. No mesmo contexto da inalienabilidade relativa, pois o domínio, como
anotado, é de todos. Em verdade o dirigente da fundação privada administra
interesse e patrimônio de terceiro. Por essa razão, sua liberdade de atuação é
restrita.
As fundações privadas podem ser instituídas e constituídas a partir de ato
inter vivos ou causa mortis. A primeira modalidade, mediante escritura pública, com
o aval do Ministério Público com atribuições para exercer as funções de velamento.
A segunda, no bojo dos autos do inventário que dá validade ao testamento firmado
pelo instituidor em vida.
No contexto da instituição e constituição da fundação deve ser erigido como
norma interna um Estatuto Social, que estabelece regramento interno da forma
como a pessoa jurídica será gerida e administrada, visando atender à sua finalidade
social. Dentre outras regras, devem ser definidos a denominação, a sede, os fins, a
duração da entidade, o patrimônio, o destino dos rendimentos, os órgãos superiores
de administração e fiscalização interna, as respectivas competências, o exercício
financeiro, a forma de prestação de contas, a responsabilidade dos gestores, a
forma de alteração estatutária, eventual extinção e a consequente destinação do
patrimônio.
188
O estudo dedica-se, como não poderia deixar de ser, aos aspectos do
velamento das fundações privadas. Com efeito, diferentemente de todas as demais
modalidades de pessoa jurídica, as fundações são permanentemente
acompanhadas pelo Ministério Público. O fundamento da especificidade fulcra-se no
fato de que a fundação é constituída a partir de um patrimônio, o qual é de domínio
da sociedade como um todo. Ademais, porque esta modalidade de pessoa jurídica
deve exercer, necessariamente e por imposição legal, atividade de interesse da
mesma sociedade. E como os gestores administram interesse de terceiro - da
sociedade civil -, imperioso o permanente acompanhamento, velamento e
fiscalização do Ministério Público, que recebeu esse encargo por disposição
constitucional e legal.
Na sequência foram tratados aspectos pertinentes à hipótese de extinção da
pessoa jurídica, especialmente sobre a fórmula legal para ser obedecida e a
destinação do patrimônio.
A dissertação dedicou-se, na sequência, à abordagem de considerações a
respeito da administração, das relações do poder, dos deveres e da
responsabilidade dos dirigentes das fundações privadas.
As fundações privadas apresentam estruturas administrativas complexas,
que encontram paralelo com a organização da Administração Pública, sendo em
regra compostas de um órgão coletivo de gestão, um órgão de comando superior
com o encargo de estabelecer a política institucional e a fiscalização interna e um
órgão de assessoramento das contas. Essa estrutura encerra a administração
superior da entidade, necessitando de regramento interno claro, definindo os
poderes, as competências, os deveres e a respectiva responsabilidade dos
administradores.
189
Sendo a responsabilidade dos dirigentes o foco do trabalho apresentado, o
estudo explana com detalhes as formas de composição das forças internas da
entidade, os poderes decisórios e a consequente responsabilidade. Chega-se à
conclusão, nesse caminho, que quanto maior for o poder de decisão interno, na
mesma proporção surge a responsabilidade do dirigente.
A responsabilidade dos gestores de fundações privadas, que administram,
em nome próprio, interesse alheio, por seu turno, pode se apresentar sob duas
facetas: responsabilidade civil e responsabilidade penal. Por ser um tema pouco
discutido na doutrina nacional, em razão da recente introdução do Terceiro Setor no
cenário nacional, de relevo o estudo apresentado.
Nas fundações, a regra é o administrador não ser responsável pelos
negócios jurídicos firmados pela pessoa jurídica com terceiro, desde que sejam
perpetrados no exercício regular de suas funções.
A exceção, no entanto, ocorre quando o administrador age com culpa em
sentido amplo (dolo e culpa em sentido estrito, esta sob a modalidade de
imprudência, negligência e imperícia), causando dano a terceiro ou à própria
fundação, onde se faça presente o nexo causal entre a ação ou omissão do agente
e o dano ocorrido.
Também incide a responsabilidade civil quando o administrador agir de
maneira contrária à ordem legal e ao estatuto social, com desvio comportamental.
Nesta hipótese não se exige a comprovação de culpa. Esta é presumida, cabendo
ao dirigente a prova de que agiu no cumprimento regular de um poder ou de uma
obrigação.
190
A abordagem do instituto fundacional, sua evolução, seu contexto atual e a
consequente responsabilidade, exigiu além do trato das parcas normas vigentes no
ordenamento jurídico, a busca constante de outros meios de integração do direito, o
que, diante da importância do modelo de pessoa jurídica, deixa gritante a
necessidade urgente de um regramento legal específico, que regule as atividades
das fundações, que ofereça princípios próprios e que garanta segurança aos
gestores das entidades fundacionais, aos órgãos de velamento e de fiscalização,
aos beneficiários do trabalho social desenvolvido e à sociedade civil.
191
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
ALLARA, Mario. Le nozioni fondamentali del diritto civile. 5. ed. Turim: G. Giappichelli, 1958, v. I. ALMEIDA, Lacerda de. Das pessoas jurídicas: ensaio de uma teoria. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1905. ALVES, Elisa Rodrigues. Perspectivas para o Marco Legal do Terceiro Setor. 1. Ed. GIFE, 2009. ALVES, Francisco de Assis. Fundações, organizações sociais, agências executivas: organizações da sociedade civil de interesse público e demais modalidades de prestação de serviços públicos. São Paulo: LTR, 2000. ANDRADE, Roberto Paulo Cezar. Estado, Sociedade Civil e Empresa – O papel das Fundações de Filantropia. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. ARAUJO, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Código Civil Comentado – das Pessoas e dos Bens, São Paulo: Atlas, 2007. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1970. BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1975. BARBOSA, Maria Nazaré Lins; OLIVEIRA, Carolina Fellipe de, Manual de ONGS, 5. ed. São Paulo: FGV Editora, 2004. BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil comentado. 11. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1956. ________________. Em Defesa do Projeto do Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1906.
192
_________________. Teoria geral do direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929. BRAGA, Leopoldo. Conceito jurídico de instituições de educação e de assistência social. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral. Rio de Janeiro, v. 21. BRASIL. Código Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índice por Maria Helena Diniz.11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. BRASIL. Congresso. Senado. Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN n. 2794 de 13 de janeiro de 2003. Julgou inconstitucional a parte dispositiva do §1º do artigo 66, para declarar que a incumbência para velamento das fundações, quando situadas no Distrito Federal ou em Território, incumbirá ao Ministério Público do Distrito Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/senado/advocacia/pdf/ADI2794.pdf>. Acesso em: 10/03/2011 BRASIL. Ministério Público do Estado de São Paulo. Ato Normativo n. 168/98-PGJ-CGMP de 21 de dezembro de 1988. Definição das atribuições quanto à fiscalização de Fundações. Disponível em: <http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/chefia_gabinete/atos/atos1998>. Acessado em:10/03/2011 BURDEAU, Georges. Traité de science politique. Paris, 1949, Tomo II. CAETANO, Marcello. Das fundações e subsídios para a interpretação e reforma da legislação portuguesa. Portugal: Com. Ática, 1961. CAHIÁN, Adolfo. Derecho de las fundaciones. Buenos Aires: Ediciones La Rocca, 1966. CANDIAN, Aurélio. Instituiciones de derecho privado. México. UniónTipográfica Editorial Hispanoamericana, 1961. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2000. CANTO, Gilberto de Ulhoa. Temas de direito tributário. Rio de Janeiro, 1967.
193
CARDOSO, Fernando Henrique. A Arte da Política – A História Que Vivi. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 511. CARVALHO, Carlos Augusto de. Nova consolidação das leis civis vigentes em 11/agosto/1989. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1899. CARVALHO PIMENTA, Eurípedes. As empresas públicas e os crimes contra a Administração Pública, in Revista da Procuradoria Geral do Estado, n.10, ano 1977. p. 305. CARVALHO SANTOS, J. M., de. Código Civil Brasileiro Interpretado. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. v. 1. CHAIB, Liana. Fundações públicas: estudos e comentários. In: Revista de Direito Público. v.93. p.150-154. CESARINO JR., A. F. Direito Social. São Paulo: Saraiva, 1957. v. I. COELHO, A. Ferreira. Código civil dos Estados Unidos do Brasil: comparado com o direito estrangeiro. Rio de Janeiro: Oficinas Gráficas do Jornal do Brasil, 1920. v. I. COELHO, Fabio Ulhoa. A natureza subjetiva da responsabilidade civil dos administradores de companhia. In Revista Direito de Empresa. São Paulo. Instituto de Tecnologia Jurídica. COELHO, Luiz Fernando. Fundações públicas. Rio de Janeiro: Forense, 1978. CORTINA, Adela. Ética aplicada e democracia radical. Madrid, 1993. CRETELLA JÚNIOR, José. Fundações de direito público. Rio de Janeiro: Forense, 1976. CRUZ, José Raimundo Gomes da. Curadoria de resíduos. In: Justitia, v. 72, p. 61-62.
194
CUSTÓDIO, Helita Barreira. Associações e fundações de utilidade pública: seus requisitos para os efeitos da imunidade de impostos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1979. CYNTRA JÚNIOR, Dirceu Aguiar Dias. Os interesses coletivos e as instituições. In: Revsita Justiça e Democracia. 1º semestre de 1996. n. 01. p. 221/234. DINIZ, Gustavo Saad. Direito das Fundações Privadas: Teoria Geral e Exercício de Atividades Econômicas. 3. ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2006. DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. ________________. Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 20. ed. Editora Saraiva, 2006. DRUCKER, Peter F. Administração de Organizações Sem Fins Lucrativos – Princípios e Práticas. São Paulo. 1994. DUARTE, Nestor. Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência, Coordenado por Cezar Peluso. 4. ed. São Paulo: Manole, 2010. E SILVA, De Plácido, Vocabulário Jurídico. Vol. II. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. FAGUNDES, M. Seabra . Fundação. Âmbito de atuação do Ministério Público em sua defesa – Interpretação do artigo 26 do Código Civil – Afastamento imediato de seus administradores – Legalidade da providência, tanto como medida de natureza administrativa, como medida de caráter judicial preventivo. Revista dos Tribunais. São Paulo. SP. 50(304):58-77. Fev/61. FERRARA, Francesco. Le persone giuridiche, in Tratado di Diritto Civile Italiano. Vanali (org.). v.2. t.2.. FERREIRA, Sérgio de Andréa. As fundações como integrantes da paradministração. In: Revista da Procuradoria Geral da LBA, Brasília: jan/jun, 1986, p.10-13. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2011
195
FORSTHOFF, E. Tratado de direito administrativo. Madrid, 1958. GARCEZ, Martinho. Da theoria geral do direito. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1914. GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 1989. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11.ed. atualização e notas de Humberto Theodoro Jr. Rio de Janeiro: Forense, 1995. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. Vol. III. São Paulo: Saraiva, 2004. GRAMSCI, Antonio. Poder, Política e Partido. São Paulo: Expressão Popular. 1992. GRAZZIOLI Airton; RAFAEL, Edson José. Fundações Privadas – Doutrina e Prática. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. GUEVARA, Jaime R. Daly. Direito Cooperativo. Caracas: Faculdad de Derecho de la Universidade Central de Venezuela, 1967. GUIMARÃES JÚNIOR, João Lopes. A função social do Ministério Público. In: Jornal Direito e Cidadania, set/out, 1996, n.2, p.16. HAURIOU, Maurice. La teoría de la institución y de la fundación. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1968. HAYEK, Friedrich. O Caminho para a Servidão. Portugal. Edições 70. 1994. HUDSON, Mike. Administrando Organizações do Terceiro Setor. São Paulo: Makron Books, 1999. IGLESIAS, Juan. Derecho romano. 5. ed. Barcelona, 1965. KELSEN, Hans. Théorie purê du droit. Suíça: Éditions de la Barconire Neuchântel, 1953.
196
LACERDA DE ALMEIDA, Francisco de Paula. Das pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1905. LENS, Luis Alberto Thompson Flores. Da concessão da assistência judiciária gratuita às pessoas jurídicas e aos entes beneficentes. In: Revista dos Tribunais, 1991, v. 674. MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1989. MÂNICA, Fernando Borges. Terceiro setor e imunidade tributária: teoria e prática. 1. reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2008. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martins Fontes. 2010. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. MARTINS JR., Wallace Paiva. Fundações públicas e fiscalização do Ministério Público in Revista Jurídica Última Instância. MARZAGÃO, Mario. Fundações criadas por testamento. In: Revista dos Tribunais, v. 109, n. 523, p. 117. MAXIMILANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Prestação de serviços públicos e administração indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. MODESTO, Paulo. Reforma do marco legal do terceiro setor no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/474>. Acesso em: 24 fev. 2011
197
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Parte Geral. 41. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2005. MORAES JÚNIOR, Flávio Queiróz de. Da estrutura filosófica do Ministério Público. In: Justitia (Ministério Público Paulista), n. 123, p. 25-26. MUSSOLINI, Luiz Fernando. A obrigatoriedade de auditoria externa independente nas fundações. In: Boletim do IBRACON. São Paulo, v. XVII, n. 198, nov., 1994, p. 02-03. NADER, Paulo. Curso de direito civil: parte geral. Vol. 1. 4. ed. rev. e atual Rio de Janeiro: Forense, 2007. NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto. Código Civil e Legislação Civil Em Vigor. São Paulo: Saraiva, 2008. NERY JUNIOR, Nelson & NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. NETTO DE ARAÚJO, Edmir. As fundações públicas e a nova Constituição. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado, dez. 1989, p. 179-192. NÓBREGA, Vandick Londres da. História e sistema de direito privado romano. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Imunidade das instituições de educação e de assistência social. In: Revista Fisco e Contribuinte; Boletim Semanal Tributário, 4 a 10 de agosto de 1988, n. 32/89, p. 949-953. NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica. 13.ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. OLIVEIRA, Flávia Regina de Souza. et. al.Terceiro Setor – Temas Polêmicos. Vol. 2. org. Eduardo Szazi. São Paulo: Peirópolis, 2005.
198
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. ______________________. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social, 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. PELUSO, Cezar. Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência. Coordenador Ministro Cezar Peluso. 4. ed. São Paulo: Manole, 2010. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 6. ed. revisada. Rio de Janeiro: Forense, 1995. PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil . 4. ed.:Coimbra Editora, 2005. PINTO, Geraldo de Almeida. Parecer em processo fundacional, in: Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado da Guanabara, 1964. vol. 13. REVISTA FILANTROPÍA. México: Imprenta Madero, n.2, p.35, segundo trimestre de 1996, p.35 POPP, Carlyle. Teoria Geral do Direito Civil. Coordenação de Renan Lotufo e Giovanni Ettore Nanni. Atlas, 2008 QUINTEIRO, Eudosia Acuna. Um Sensível Olhar Sobre o Terceiro Setor. São Paulo. Summus, 2006. RAFAEL, Edson José. Fundações e Direito. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1997. RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 3. ed. vol. 2, t. 2 . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. RESENDE, Tomáz de Aquino. Roteiro do Terceiro Setor – Associações e Fundações. 3. ed. Belo Horizonte: Prax Editora. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral. 14. ed. São Paulo: Saraiva. vol. 1. ________________. Direito Civil: sucessões. São Paulo: Saraiva. vol. 7.
199
ROTONDI, Mario. Instituiciones de derecho privado. Barcelona: Labor, 1953. RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios gerais de direito sindical. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. SANCHES, Maria Cristina Amorim; PERES, Regina Helena Martins. Poder e Liderança, as Contribuições de Maquiavel, Gramsci, Hayek e Foucault. Artigo publicado pela XXXI EnANPAD. Rio de Janeiro, 2007. SANTOS, J.M. de Carvalho. Código civil brasileiro interpretado. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. vol. I. SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. SENNA, Homero; MONTEIRO, Clóvis Zobaran. Fundações no Direito da Administração. 1. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca de Administração Pública, 1970. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. SOUZA, Leandro Martins de. Terceiro Setor: temas Polêmicos. vol. 2, Organização de Eduardo Szazi. São Paulo: Peirópolis, 2005. TAVARES, José. Os princípios fundamentais do direito civil. 2. ed. Coimbra, 1929. TORNAGHI, Helio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, vol. I. VALENZUELA, Rubén Aguilar. El sector organizado de la sociedade civil, in: Revista Filantropía, México, nº 02. VELLANI, Mario. Il Pubblico Ministero nel processo. Bologna, 1965. vol. 1. p. 11, nota 1.
200
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: introdução e parte geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.