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1 Universidade de Brasília Faculdade de Educação Uma professora-pesquisadora construindo com e para seus alunos um Ambiente Matematizador, fundamentado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud. Nina Cláudia de Assunção Mello Orientador: Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz Brasília abril/2003

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Universidade de Brasília

Faculdade de Educação

Uma professora-pesquisadora construindo

– com e para seus alunos – um Ambiente

Matematizador,

fundamentado na Teoria dos Campos

Conceituais de Vergnaud.

Nina Cláudia de Assunção Mello

Orientador: Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz

Brasília – abril/2003

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NINA CLÁUDIA DE ASSUNÇÃO MELLO

[email protected]

Uma professora-pesquisadora construindo – com e para seus alunos –

um Ambiente Matematizador,

fundamentado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação

da Universidade de Brasília, como exigência para a

obtenção de título de Mestre em Educação, área de

confluência: Magistério: Formação e Trabalho

Pedagógico, sob a Orientação do Prof. Dr.

Cristiano Alberto Muniz.

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz (Orientador, FE – UnB)

Prof. Dr. Luiz Carlos Pais (UFMS)

Profa. Dra. Stella Maris Bortoni-Ricardo (UnB)

Prof. Dr. Antônio Villar Marques de Sá (UnB)

Brasília, 2003

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NINA CLÁUDIA DE ASSUNÇÃO MELLO

MATRÍCULA 00/73563

Uma professora-pesquisadora construindo – com e para seus alunos –

um Ambiente Matematizador,

fundamentado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.

Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de Brasília,

como exigência para a obtenção de título de Mestre em Educação, área de

confluência: Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico.

COMISSÃO EXAMINADORA

____________________________________________

Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz (orientador)

Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

____________________________________________

Prof. Dr. Luiz Carlos Pais

Faculdade de Educação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

____________________________________________

Profa. Dra. Stella Maris Bortoni-Ricardo

Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

____________________________________________

Prof. Dr. Antônio Villar Marques de Sá

Faculdade de Educação da Universidade de Brasília.

BRASÍLIA, 08 DE ABRIL DE 2003.

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“Eu queria uma escola que lhes ensinasse a pensar,

a raciocinar

a procurar soluções

Eu queria uma escola que desde cedo usasse materiais concretos para que vocês

pudessem ir formando corretamente os conceitos matemáticos, os conceitos de

número, as operações...

Usando palitos, tampinhas, pedrinhas ...só porcariinhas!!!... fazendo vocês

aprenderem brincando...”

Carlos Drummond de Andrade

DEDICATÓRIA

Aos meus filhos, Bruno e Marina

À minha mãe, Paula

Ao professor Cristiano Muniz, amigo-orientador

À professora Darlene e sua turma

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AGRADECIMENTOS

A Deus por estar ao meu lado em todos os momentos.

A Bruno e Marina, meus filhos, pela torcida, compreensão e carinho.

À minha mãe, Paula, pela presença constante e leitora entusiasmada deste trabalho.

Ao meu pai, Agenor, falecido, mas presente com seu amor pelo conhecimento.

Aos meus irmãos, Bernardo e Gustavo, pelo apoio tecnológico que tantas vezes

solicitei.

Às minhas amigas, Relcy e Natália, que me estimularam inicialmente a começar o

mestrado e estiveram presentes durante todo o percurso.

Ao professor Cristiano, orientador deste trabalho, pela disponibilidade, carinho e

competência que se fizeram presentes durante todo processo.

Aos amigos, em especial Larissa, Luciana, Simone e Juliana, que leram e releram o

trabalho, contribuindo para sua construção.

Aos professores da UnB, em especial Stella Maris, Renato Hilário, Lúcia Franca

Rocha e Benigna Villas Boas, pelas aprendizagens favorecidas e atenção

dispensada a este trabalho.

Aos amigos da UnB que tantas vezes ouviram atentamente a apresentação deste

trabalho, sugerindo mudanças importantes.

Às professoras e amigas da Escola Classe 312 Norte que, com suas críticas

carinhosas, muito acrescentaram a este trabalho.

Às leituras, estudos e discussões do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação

Matemática - GEPEM - que contribuíram para a construção teórica deste trabalho.

À Secretaria de Educação do Estado do Distrito Federal por possibilitar o

desenvolvimento desta pesquisa dentro da instituição, com apoio financeiro e

estrutural.

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RESUMO

O presente trabalho analisa a possibilidade de construção de um Ambiente

Matematizador, embasado na Teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud.

A pesquisa foi desenvolvida considerando os princípios da pesquisa-ação. Ela

aconteceu na Escola Classe 312 Norte, uma escola pública, localizada na Asa Norte,

Brasília – Distrito Federal, em 2001 e 2002. Os dois anos da pesquisa acorreram em

turmas de 1ª série do Ensino Fundamental, que tiveram em comum a mesma

professora.

A partir dos quatros elementos presentes na Teoria dos Campos Conceituais:

conceitos, situações, procedimentos e representações simbólicas, todos permeados

pelo contexto histórico-social em que os alunos e professora-pesquisadora estão

envolvidos, buscou-se a transposição possível da teoria para a sala de aula, através

do Ambiente Matematizador. Este Ambiente propõe uma nova relação entre o

professor, o aluno e o conhecimento matemático, considerando cinco princípios

básicos: a relação existente entre os conceitos, a necessidade de se trabalhar a

lógica do aluno, a necessidade da socialização em sala de aula, a importância da

pesquisa no processo de aprender e ensinar e as novas concepções de se analisar

o erro e a avaliação.

Finalmente, são apresentadas as vantagens e as dificuldades encontradas na

pesquisa ao se trabalhar com o Ambiente Matematizador em turmas de 1ª série do

Ensino Fundamental.

Palavras-chaves: Teoria dos Campos Conceituais. Ambiente Matematizador.

Aprender e ensinar. Professora-pesquisadora. Pesquisadora-professora.

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ABSTRACT

This work analyzes the possibility of constructing a Mathematics Environment

based on Gerard Vergnaud’s Conceptual Field Theory. The research included the

principles of the action-research. The research took place at Escola Classe 312

Norte, a public school, located at Asa Norte, Brasília – Distrito Federal, Brazil, in

2001 and 2002. The two years of research were carried out in first grade classes of

elementary school and had in common the same teacher.

Considering the four elements of the Conceptual Field Theory: concepts,

situations, procedures, and symbolic representations, all of them absorbed by the

historical-social context in which the students and researcher-teacher are, this work

sought to transpose the theory to the classroom through the Mathematics

Environment. The Mathematics Environment proposes a new relationship among the

teacher, the student and the mathematical knowledge, taking into account five basic

principles: the relation between the concepts, the need to work the logic of the

student, the need to socialize in the classroom, the importance of the research in the

learn and teach process, and the new ways of approaching assessment and

students´ mistakes.

Finally, it is presented advantages and difficulties of implementing the

Mathematics Environment in first grade classes of Elementary school.

Key-words: Conceptual Field Theory. Mathematics Environment. Learn and Teach.

Researcher-teacher. Teacher-researcher.

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SUMÁRIO:

Introdução ..................................................................................................................11

Capítulo I – A origem da pesquisa ...........................................................................13

1. Historicidade do objeto: O Ambiente Matematizador.............................................13

2. Problematização ....................................................................................................20

2.1. Os conhecimentos matemáticos são importantes? .................................20

2.2. Por que mudar na sala de aula?...............................................................22

2.3. O que mudar em sala de aula? ................................................................25

Capítulo II – O projeto de pesquisa ..........................................................................30

1. Perguntas de pesquisa ..........................................................................................30

2. Objeto de pesquisa ................................................................................................30

3. Objetivos ................................................................................................................31

3.1. Objetivo geral ...........................................................................................31

3.2. Objetivos específicos da pesquisa............................................................31

3.3. Objetivos específicos da ação/intervenção...............................................31

Capítulo III – Fundamentos Teóricos .......................................................................33

1. Teoria dos Campos Conceituais e o Ambiente Matematizador ............................33

2. Avaliação no Ambiente Matematizador .................................................................40

3. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN de matemática....................................41

4. Representando o Ambiente Matematizador...........................................................43

Capítulo IV – Aspectos metodológicos .....................................................................48

1. Buscando a pesquisa-ação ...................................................................................48

2. Local e perfil dos atores da pesquisa.....................................................................50

3. Historicidade do núcleo de pesquisa .....................................................................50

3.1. Apresentando a escola ............................................................................51

3.2. Apresentando a professora-pesquisadora ...............................................54

3.3. Apresentando os alunos nos dois anos da pesquisa ..............................57

4. A dinâmica da pesquisa ........................................................................................58

4.1. Instrumentos utilizados na pesquisa .......................................................59

4.1.1. Professora-pesquisadora e pesquisadora-professora...........................59

4.1.2. Professora-pesquisadora e seus alunos...............................................61

4.2. Organização dos dados para análise e discussão ..................................62

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4.2.1. Fichas de pesquisa para análise dos dados ........................................62

4.3. Representação do plano de ação metodológico .....................................63

5. Um olhar preliminar sobre os dois anos de pesquisa ...........................................64

Capitulo V - Professora-pesquisadora e pesquisadora-professora juntas,

estudando e analisando o Ambiente Matematizador ........................66

1. Natureza dos resultados: aspectos físicos, psicológicos e sociais .............66

2. Sistema de categorias para análise ............................................................69

2.1. A organização do trabalho pedagógico na construção do Ambiente

Matematizador ..........................................................................................70

2.1.1. Projetos de trabalho, favorecendo atividades extra-classe,

pesquisas, entre outros .......................................................................72

2.1.2. Organização espacial e temporal da sala de aula: passeios

brincadeiras, jogos, materiais concretos, etc .......................................78

2.2. Conceitos matemáticos no Ambiente Matematizador ..............................85

2.2.1. Conceitos matemáticos considerando o contexto histórico-social,

a lógica do aluno e o conteúdo escolar ................................................89

2.3. Situações matemáticas no Ambiente Matematizador ..............................94

2.3.1. Situações contextualizadas que levem o aluno à ação ........................94

2.4. Procedimentos dos alunos, da professora-pesquisadora e da

pesquisadora-professora..........................................................................98

2.4.1. Mediação e intervenção no Ambiente Matematizador ........................101

2.4.2. Relações interpessoais constituídas no espaço do Ambiente

Matematizador.....................................................................................111

2.4.2.1. Entre os alunos e seus pares ..........................................................112

2.4.2.2. Entre a professora-pesquisadora e os alunos .................................119

2.4.2.3. Entre a professora-pesquisadora e a pesquisadora-professora.......123

2.4.2.4. Entre a professora-pesquisadora e as professoras da escola.........124

2.4.3. Contrato didático constituído ..............................................................126

2.4.4. Avaliação no Ambiente Matematizador durante a pesquisa................130

2.5. Representações simbólicas no Ambiente Matematizador .....................136

2.5.1. Ação-registro-reflexão-socialização da professora-pesquisadora,

dos alunos e da pesquisadora-professora .........................................138

2.5.1.1. Ação-registro-reflexão-socialização da professora-pesquisadora ...138

2.5.1.2. Ação-registro-reflexão-socialização dos alunos ..............................139

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2.5.1.3. Ação-registro-reflexão-socialização da pesquisadora-professora ...144

Capitulo VI - Aproximações entre teoria e prática: análise dos resultados ............145

1. Visão geral do processo pedagógico: vantagens e dificuldades

do Ambiente Matematizador ...............................................................................145

2. Refletindo sobre as diversas aprendizagens .......................................................147

3. A família no Ambiente Matematizador .................................................................149

Capítulo VII – Reflexões Finais ..............................................................................151

1. Considerações sobre o Ambiente Matematizador ...............................................151

2. Perspectiva sobre a pesquisa .............................................................................153

Referencial bibliográfico ..........................................................................................155

Glossário .................................................................................................................161

Apêndice A...............................................................................................................169

Apêndice B...............................................................................................................171

Anexo A....................................................................................................................175

Anexo B....................................................................................................................177

Anexo C....................................................................................................................184

Anexo D....................................................................................................................185

Anexo E....................................................................................................................186

Anexo F....................................................................................................................189

Anexo G....................................................................................................................190

Anexo H....................................................................................................................194

Anexo I.....................................................................................................................199

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INTRODUÇÃO

Estamos vivendo um momento de muita expectativa sobre o futuro do nosso

país. Foi eleito de forma representativa o novo Presidente da República, um homem

de origem simples, retirante da seca nordestina, que ressuscita palavras como

esperança e amor à pátria. Dentro deste contexto, concluir esta pesquisa me trouxe

muita satisfação.

Hoje, muito se discute sobre os milhões de analfabetos que ainda existem no

Brasil. O desafio fica cada vez maior, pois se há anos bastava saber escrever o

nome, hoje se espera de um cidadão alfabetizado que ele escreva seu nome, leia e

escreva pequenos textos e consiga resolver e representar pequenos cálculos

envolvendo as quatro operações.

O Ministério de Educação e do Desporto - MEC - divulgou amplamente o

índice de uma escolaridade nunca alcançado na história do Brasil: 93% das crianças

brasileiras em idade escolar estão na escola. Entretanto, matricular as 7% das

crianças que faltam, garantindo a qualidade das aprendizagens, deve ser o próximo

passo.

Aprender e ensinar matemática faz parte deste desafio. A matemática, que

está tão presente no dia-a-dia de cada um de nós, aparece como a grande “vilã”

entre alunos de diferentes níveis. Pesquisas atuais, como a realizada pelo Instituto

Paulo Montenegro, ligadas ao Ibope, e divulgadas na Revista Veja, de 18 de

dezembro de 2002, apresentam números preocupantes: 10% da população

brasileira têm dificuldades de ler os números; de cada dez brasileiros, sete não

sabem calcular porcentagens; e apenas metade deles consegue fazer uma conta de

divisão simples. Professores de matemática, pedagogos, psicólogos, entre outros,

discutem tal situação. O que está acontecendo com o ensino de matemática? Oito?

Onze? Quinze anos de escola. Por que nossos alunos temem tanto a matemática?

Por que tão poucas aprendizagens matemáticas?

Sem a pretensão de apresentar soluções mágicas, mas sim de buscar

cooperar na solução do desafio de ensinar a todos, com qualidade, apresento esta

pesquisa feita em uma escola pública de Brasília e baseada na Teoria dos Campos

Conceituais. Ela pretende mostrar uma possibilidade de mudança na escola

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brasileira. Acreditar e investir no professor, na minha opinião, deve ser o primeiro

passo.

Sendo assim, apresento a pesquisa dividida em sete capítulos. No capítulo I,

relato a origem do objeto da pesquisa: o Ambiente Matematizador. No capítulo II,

apresento o projeto de pesquisa. No capítulo III, defino os fundamentos teóricos,

dando maior destaque à Teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud. No

IV, procuro detalhar a metodologia utilizada, apresentando a escola, a professora e

os alunos que fizeram parte da pesquisa. No V, apresento os dados da pesquisa,

organizados em cinco categorias e suas subcategorias. No capítulo VI, analiso as

aproximações entre teoria e prática. Finalmente, no último, faço algumas reflexões

finais sobre a possibilidade de utilizar tal teoria na atual realidade da escola

brasileira.

Apresento também um glossário, que não tem o objetivo de prescrever

definições, mas oferecer ao leitor uma melhor compreensão dos conceitos utilizados

ao longo da dissertação. Sugiro que seja consultado durante a leitura.

Nos apêndices e anexos, disponibilizo alguns materiais construídos e

utilizados durante a pesquisa.

Para concluir, gostaria de esclarecer que acatei a sugestão da banca durante

a qualificação do projeto e optei pelo termo professora-pesquisadora e

pesquisadora-professora. Neste trabalho, a professora-pesquisadora é a professora

Darlene Bento Luiz e eu, a pesquisadora-professora. Em alguns momentos da

pesquisa, parecia que esses papéis eram trocados, em consequência dos princípios

da pesquisa-ação utilizados. Quando me refiro ao professor de forma geral, mantive

a nomenclatura comum: professor ou professora.

Destaco que neste trabalho aprendi muito mais que teorias e argumentos.

Minha maior aprendizagem foram as riquezas de relações que obtive.

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Capítulo I: A ORIGEM DA PESQUISA

1. Historicidade do objeto: o Ambiente Matematizador

Pensar em educação, falar em escola, conviver com alunos e professores há

muito tempo faz parte do meu dia-a-dia. Não gosto da idéia de vocação de

professora anterior à profissão de professora, mas sou obrigada a reconhecer a

invasão de espaço que acontece. Ser professora mistura-se com ser mãe,

namorada, aluna, amiga, mulher...

Ainda menina, encostava meu quadro negro na parede e me divertia

ensinando minhas bonecas ou alguma amiga que quisesse brincar de ser aluna. Na

adolescência, comecei a dar aulas de catecismo – atividade que realizava com

grande prazer e que foi a minha primeira experiência como professora.

Lembro a discussão que surgiu em casa quando resolvi fazer magistério (que,

na época, correspondia ao 2º grau, hoje Ensino Médio). Meu pai achava um

desperdício o fato de eu ter estudado em boas escolas para, no fim, escolher uma

profissão que me pagaria tão pouco. Dizia ser uma profissão pouco valorizada e mal

remunerada. Minha mãe defendia a necessidade de se fazer o que gosta e dizia

que, certamente, um dia a educação seria valorizada neste país. Meu pai acabou

concordando e me matriculei em uma escola que oferecia o Curso Normal (curso de

formação de professores no antigo 2º grau). Esta discussão foi saudável e, de certo

modo, introduziu-me na política educacional do nosso país.

Durante o Curso, iniciei meu trabalho nas escolas particulares de Brasília.

Tudo era novidade! Fascinava-me a relação professor/aluno e o progresso da turma.

Adorava me sentir “professora de verdade”! Ainda acreditava na velha fórmula: eu

estava ali para ensinar e as crianças para aprender. As crianças que apresentavam

dificuldades nas aprendizagens escolares encontravam apoio junto à psicóloga,

psicopedagoga, fonoaudióloga, orientadora escolar, ou na aula de reforço e na

minha dedicação de rever, durante o recreio, as atividades que não conseguiam

terminar. Todos aprendiam a ler e escrever.

Em 1985, comecei a cursar Pedagogia, um curso que, na época, “ensinava

modelos” (assim como no Curso Normal que acabava de concluir) de como dar uma

boa aula, que nem sempre resolviam os diversos desafios do dia-a-dia de uma sala

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de aula. Hoje, reconheço que seria muito mais interessante se tivessem me

proporcionado o embasamento teórico necessário para que eu construísse minha

própria postura docente.

Em 1987, passei no concurso público do Governo do Distrito Federal - GDF,

que na época vinha pagando melhor que grande parte das escolas particulares,

além de representar a tranquilidade de não ser demitida no final de ano. Havia o

inconveniente de a escola ser longe da minha casa, mas isso não incomodava, era

solteira e queria muito conhecer escolas diferentes, ou seja, aquelas que só

conhecia pelos jornais ou pela TV.

Iniciei, dessa forma, uma nova etapa do magistério. Assumi a regência em

uma turma da zona rural do Gama. Levava uma hora e meia de ônibus para chegar

à escola e, caso perdesse a condução, só haveria outro ônibus à tarde. Mês de

setembro, turma de alfabetização, 22 alunos, entre 6 e 9 anos e apenas 2 dentre

eles sabiam ler e escrever conforme o esperado. Fiz o que sabia: apresentei as

famílias silábicas, treinei cada uma com as crianças, formei palavras, frases simples

e ... nada! Alguns pareciam ter entendido algumas daquelas famílias, mas era muito

pouco perto do que eu esperava deles.

Que decepção! Saí da escola, no fim do ano, inconformada com meu fracasso

em ensinar. O que acontecera com minha capacidade de alfabetizar? Não

conseguia acreditar que o problema em não aprender era dos alunos, afinal eram

tão inteligentes nas atividades livres, recreativas e jogos! Comecei a buscar

respostas em livros, revistas, cursos, seminários. Lembro a leitura do livro de

Dermeval Saviani, Escola e Democracia (2000, reedição), em que ele afirma que

precisamos de uma escola crítica, mas que não critique apenas reproduzindo a

sociedade e mantendo as crianças no lugar em que se encontram, marginalizadas

do conhecimento escolar. Era necessário democratizar o conhecimento. Mas como?

O que precisava ser feito para se ter uma escola democrática? Parecia que eu,

professora, falava outra língua, tentava ensinar e os alunos não aprendiam.

Houve também o mestre Paulo Freire, com o livro Pedagogia do Oprimido

(1987) e com suas diversas palestras, que alertava para o problema da “educação

bancária”1 e para a necessidade de se considerar, no processo educativo, o contexto

1 Educação Bancária: aquela “em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los” (FREIRE, 1987, p.58). Os alunos são vistos como recipientes a serem “enchidos” pelos conhecimentos do professor.

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sociocultural no qual estava inserido o educando. O que significava isso tudo? Como

fazer diferente? Essas dúvidas ainda hoje fazem parte da minha discussão e estarão

presentes neste trabalho.

Em 1990, já com 8 anos de magistério (rede particular e pública), tomei

conhecimento das pesquisas de Jean Piaget nos seminários, cursos, congressos e

na faculdade, mas tudo era muito superficial. Entre vários cursos, destaco um dos

melhores, com Orly Zucatto de Assis, da UNICAMP, chamado de PROEPRE

(Programa de Educação Pré-escolar). Acontecia fora de Brasília, em Águas de

Lindóia. Nesse curso, ouvi a professora Vera Manzanares, professora de uma classe

de alfabetização em Campinas. Ela afirmava que os rabiscos que apareciam em um

retroprojetor – e que para mim, não passavam mesmo de rabiscos - eram as escritas

de seus alunos. Eu começava, aí, a conhecer a psicogênese da escrita. Aquela

professora-pesquisadora destacava a importância do grupo na aprendizagem e

afirmava que o erro nem sempre era um erro. Fiquei tão estarrecida que permaneci

na sala e ouvi a palestra mais uma vez.

Comprei os livros de Emília Ferreiro (1985 e 1986), Esther Grossi (1990),

Madalena Freire e e Orly de Assis2. Endividei-me por conta do curso, viagem, livros e

jogos – esses, agora, deveriam ocupar um espaço não só de recreação, mas de

aprendizagem na vida dos alunos.

Foi um “achado” para a minha prática docente o chamado “construtivismo”.

Pude levar para a sala de aula atividades muito interessantes e meus alunos

passaram a ser bem mais felizes. Mas, foi no pós-construtivismo que pude

realmente acreditar que todos podem aprender (levar atividades interessantes para a

sala de aula é pouco para gerar o conhecimento!). A partir desse conceito, foi

necessário rever certos princípios, enraizados na minha postura de professora, que

influenciaram e influenciam a atual pesquisa e que discutirei mais detalhadamente

neste trabalho.

Outra forte influência que recebi veio dos diversos cursos e estudos que fiz no

GEEMPA3, mais especificamente com a professora-pesquisadora Esther Grossi4.

2 ASSIS, Orly Zucatto Mantovani de. Uma nova metodologia da educação pré-escolar. 5.ed.São Paulo: Pioneiras, 1987. 3 GEEMPA – Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação de Porto Alegre – RS. 4 A professora Esther Grossi participa ativamente do GEEMPA, entidade que ajudou a fundar. Pelo menos uma vez por ano, procuro participar de eventos (cursos, palestras, encontros) organizados pelo GEEMPA, em Porto Alegre ou Brasília. Dentro do possível, participava das reuniões de estudos

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Nesses cursos, conheci, estudei e discuti o Ambiente Alfabetizador, baseado na

Teoria dos Campos Conceituais, de Gerard Vergnaud, pesquisador e doutor em

Psicologia. Vergnaud (1996a, p.11) afirma que desenvolveu,

A Teoria dos Campos Conceituais para tentar melhor compreender os problemas de desenvolvimento específicos no interior de um mesmo campo de conhecimento.

De acordo com essa teoria, ao trabalharmos com um conceito, devemos

considerá-lo como participante de um Campo Conceitual, ou seja, um conceito está

sempre se relacionando com diversos outros conceitos. A compreensão de um

conceito implica a assimilação da lógica que constitui as relações deste com os

demais.

Como alfabetizadora, encantei-me com a descoberta do Ambiente

Alfabetizador baseado na Teoria dos Campos Conceituais, um ambiente rico em

letras, palavras e diferentes textos. Nele, o aluno é posto em contato com muitas

informações e desafios. Acontece uma relação de acolhimento e,

concomitantemente, de rupturas com suas hipóteses de como se escreve e lê. Ora o

aluno é acolhido no que faz, recebendo estímulo para continuar do seu jeito, ora é

desestabilizado, através de intervenções didáticas (que serão discutidas mais a

frente neste trabalho). Alfabetizar assim se tornou uma ação inteligente, um grande

jogo de descoberta. Cada hipótese apresentada pelo meu aluno era valorizada e

analisada. A psicogênese da leitura e escrita começava a fazer parte de minha

prática docente.

E a matemática? Assim como alfabetizar exigiu de minha parte muitas buscas

(que ainda venho fazendo), a matemática começou a me inquietar. Por que os

alunos da Educação Infantil e Alfabetização entram na escola tão interessados e

encantados pela matemática e depois ela se torna uma matéria chata e

incompreendida? Nas turmas em início de escolarização, as aulas de matemática

são proveitosas e divertidas. Mas isso vai acabando à medida que os alunos passam

de ano. Parece que, ao invés de aprender matemática na escola, eles desaprendem.

às terças-feiras, na casa da professora Esther Grossi, em Brasília, de 1996 a 2001. Ela é doutora em Psicologia Cognitiva, pesquisadora na área de psicogênese das aprendizagens e autora de vários livros. Foi Deputada Federal pelo PT/RS e ex-Presidente da Subcomissão de Desenvolvimento de Recursos Humanos para a Educação da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados.

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No meio dessas reflexões, fui convidada a assumir a coordenação

pedagógica da Escola Classe 312 Norte. Na escola, funcionavam vários projetos,

que além do apoio da direção, envolviam os professores, comunidade e, como não

poderia deixar de ser, os alunos. Aos poucos, fui-me inteirando de cada um deles,

mas um me chamou atenção especial: “O Projeto Experimental de Matemática”.

Esse projeto era coordenado por um pai de aluno e também professor de

matemática, Roberto Caribé. Nele, os professores da escola eram convidados a

pensar sobre os conteúdos matemáticos e na forma como vinham sendo

trabalhados. Comecei a perceber o grande problema do aprender e ensinar

matemática na escola. Por que a escola ensina tão mal uma disciplina tão

importante e, por que não dizer, tão “gostosa” de se aprender?

Na alfabetização, durante muito tempo acreditou-se que ensinar a ler e a

escrever se resumia ao mecanismo de juntar letras, mas diversas pesquisas

mostraram o equívoco dessa idéia. E a matemática também não estaria no “caminho

errado”?

Começo a perceber que para aprender e ensinar, deve-se envolver o aluno,

ativo na sua aprendizagem, dentro de um rico ambiente de informações e desafios,

relacionados aos conhecimentos que se quer alcançar, favorecendo assim a

reconstrução de conceitos.

Já que na alfabetização, alunos e professores trabalhariam num Ambiente

Alfabetizador em sala de aula, envolvendo letras, palavras, textos e outras

informações do mundo letrado, comecei a questionar a matemática. Existiria um

Ambiente Matematizador? Será que alunos e professores aprenderiam e ensinariam

mais matemática em um ambiente construído segundo os princípios da Teoria dos

Campos Conceituais de Vergnaud?

Interessando-me cada vez mais pela matemática, busquei conhecer melhor a

estrutura curricular dos anos iniciais do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série). Que

conceitos deveriam ser “ensinados” em cada ano? Lendo os PCN5 e comparando-os

com o antigo currículo das Escolas Públicas de Brasília6, percebi mudanças

significativas nos conteúdos matemáticos e também na postura que se esperava do

professor durante as aulas. Estudando e discutindo com os profissionais da

5 PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados pelo MEC em 1997. 6 Currículo da Educação Básica das Escolas Públicas do DF – FEDF –1993, entre os professores é chamado de “livro verde” ou “Hulk”.

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educação, alunos e pais de alunos, percebi o quão complexas eram essas

mudanças, que envolveriam um novo paradigma de “como se ensina” e de “como se

aprende”.

A vontade de ler e discutir o assunto me levou a me inscrever como aluna

especial no mestrado da Faculdade de Educação da UnB, na disciplina Currículo:

fundamentos e concepções.

Intensifiquei minhas leituras visando à prova de mestrado. Inicialmente, tinha

como projeto de pesquisa buscar hipóteses matemáticas presentes na alfabetização.

Queria comparar a proposta curricular atual com aquilo que o aluno de fato aprende.

Perguntava-me se a escola levava em consideração as atuais pesquisas sobre

aprender e ensinar. Será que a Teoria dos Campos Conceituais faz diferença na

aprendizagem?

Em uma palestra na UnB (nov./1999), intitulada “Jogo da criança e atividade

matemática”, conheci o professor Cristiano Muniz (atualmente meu orientador nesta

pesquisa). Nessa palestra, ele apresentou sua tese de doutorado, mostrando o olhar

cuidadoso de um pesquisador em busca da compreensão do brincar nas

aprendizagens. Ele estava também iniciando o projeto “A aprendizagem matemática

como reflexo da mediação construída pelo professor”, em algumas escolas de

Brasília. Vi, então, a oportunidade de iniciar uma pesquisa sob sua orientação, caso

ingressasse no mestrado.

No final de 1999, a direção, a coordenação (da qual eu fazia parte) e os

professores da Escola Classe 312 Norte convidaram o Professor Cristiano para

desenvolver seu projeto de matemática em parceria com a escola. E foi a partir daí

que ele passou a discutir, semanalmente, naquela escola, as aulas de matemática, o

conteúdo e a formação de conceitos matemáticos na sala de aula.

No ano 2000, iniciei, finalmente, meu mestrado, com a orientação do

professor Cristiano Muniz. Continuava na mesma escola, agora não mais como

coordenadora pedagógica, mas como pesquisadora-professora. Semanalmente, eu,

o professor Cristiano e seus alunos da Pedagogia e as professoras da Escola Classe

312 Norte nos reuníamos. Estudávamos, discutíamos a matemática, trabalhávamos

com os alunos e, assim, meu objeto de pesquisa foi se definindo melhor. Continuava

a focar a matemática, mas agora, de modo mais concentrado no dia-a-dia da sala de

aula. Passei, então, a considerar a seguinte questão: é possível construir um

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Ambiente Matematizador, embasado na Teoria dos Campos Conceituais de

Vergnaud em sala de aula, aprendendo e ensinando matemática de verdade?

Novas oportunidades sugiram na minha vida profissional: iniciei como docente

no ensino superior. Comecei a lecionar nos cursos de Pedagogia e Licenciatura7 e,

mais uma vez, percebi a distância entre o que os pesquisadores (Piaget, Vigotski,

Freire, etc.) afirmam e o que acontece na sala de aula. A angústia mais perceptível

diz respeito ao “como” fazer diferente. Parece que todos (professores e alunos)

concordam sobre a necessidade de mudanças, mas resistem a fazer diferente da

ideia “tradicional” de como ensinar. O mais grave é que em se tratando de um curso

de formação de futuros professores, era de se esperar que as atuais propostas de

inovação do ensino estivessem acontecendo de fato e não ficassem somente nas

discussões sobre o assunto. Será que podemos sonhar com mudanças na

Educação, com cursos de formação de professores tão calcados em princípios

tradicionais e tecnicistas?

Entre os diversos desafios que encontrei na prática docente no Ensino

Superior, gostaria de destacar alguns que me incomodaram. Em primeiro lugar,

encontra-se a constância do trabalho individual na sala de aula, mesmo quando o

professor propõe trabalho em grupo. Segundo, o momento da avaliação, que vem

sendo o momento de terror. O dia da prova parece ser o dia do “acerto de contas”

entre o professor e os alunos. O último refere-se à crença na importância do

conteúdo a ser ensinado apresentar a organização linear e estanque. Sendo assim,

busquei (e busco) alternativas para aulas inovadoras que venho me propondo a

ministrar e que vão ao encontro dos princípios do Ambiente Matematizador. Os

trabalhos em grupos foram rediscutidos. A avaliação vem sendo discutida, no início

do semestre, com os alunos e introduzi a auto avaliação e o portfólio. Propus a

reorganização do espaço físico da sala, agora em semicírculo ou em pequenos

grupos. Iniciamos o semestre com nosso contrato didático, esclarecendo o que eu

esperava da turma e o que a turma poderia esperar de mim. Minhas angústias e

propostas foram bem aceitas pela coordenação, alunos e alguns colegas de

trabalho. Percebo que a didática do Ensino Superior começa a ser discutida, não

sendo uma preocupação particularmente minha. Lembro-me de meu pai, nas

7 Cursos de formação específica, que permitem que o aluno, futuro profissional, atue em sala de aula dos anos finais do Ensino Fundamental e/ou Ensino Médio, como por exemplo: Matemática, Geografia, História, Letras, Física, Psicologia, Química etc.

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décadas de 70 e 80. Ele, que foi professor universitário, ficava indignado com a falta

de preocupação de seus colegas em planejar uma boa aula. Saber o conteúdo

parecia ser o suficiente. Mas essa discussão é longa e poderá ser feita em outro

trabalho.

Essas diversas experiências e as leituras citadas me fizeram perceber o

desafio que é construir uma didática para sala de aula que favoreça a aprendizagem

significativa. Gerard Vergnaud afirma que “a didática é uma provocação” (1995. Não

paginado). Precisamos repensar a relação professor-aluno, a ideia de como se

aprende e ensina, as prioridades nos conteúdos e, como não dizer, a avaliação

escolar. Minha trajetória profissional me fez acreditar na importância de uma sala de

aula rica em informações, tendo como autores professores e alunos, ambos

pesquisadores, envolvidos na aprendizagem que se quer alcançar.

Sendo assim e reconhecendo a relevância de todas as disciplinas, destaco a

matemática como a “menina dos olhos” deste trabalho. Embasada na Teoria dos

Campos Conceituais de Gerard Vergnaud, proponho a construção do Ambiente

Matematizador, que será meu objeto de pesquisa nesta dissertação.

2. Problematização:

2.1. Os conhecimentos matemáticos são importantes?

O conhecimento é mais do que simplesmente aprender, ele é construído pelo

sujeito ativo, em constante reflexão com suas próprias hipóteses. Quando

conhecemos algo ou algum conceito, devemos ser capazes de agir sobre ele, propor

soluções e levantar questões. O professor tem um papel fundamental neste

processo, como pesquisador-mediador. Ele deve buscar relacionar o que o aluno já

sabe com o conteúdo formal escolar. No livro Na vida dez, na escola zero (1988),

Schliemann, Carraher e Nunes comprovam, com sua pesquisa, os diversos

conhecimentos matemáticos que os alunos possuem quando chegam à escola, mas

que não são utilizados, perdendo-se um rico espaço de aprendizagens.

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Não podemos achar que os conhecimentos trazidos pelos alunos são

suficientes para a construção da sua cidadania. Cabe à escola, partindo do que o

aluno já sabe, apresentar atividades que valorizem o saber cultural,

transformando-o em conhecimento sistematizado que possibilite a ampliação e

compreensão de diversos outros conhecimentos. Essa articulação entre o saber

cultural e os conteúdos escolares seria a “garantia” do aprender de verdade,

baseado no aprender a aprender.

A busca da aprendizagem significativa vem sendo intensificada nos últimos

anos no Brasil. Professores, sociedade e instituições questionam o que se vem

ensinando e aprendendo nas escolas, inclusive o atual progresso tecnológico.

Lidar com calculadoras e alguns tipos de programas de computador hoje faz parte

do dia-a-dia dos cidadãos. Aprender a ler e a escrever deixa de ser uma

preocupação única e começa a dividir a atenção com questões matemáticas.

Afinal, muitos dos conceitos matemáticos básicos são fundamentais para o

trabalho e para a vida diária, além de serem fundamentais para o entendimento

de outras ciências.

Fazer matemática é uma atividade humana. De acordo com Nunes (1994,

p.3):

Matemática é uma ciência de relações. É também uma maneira de pensar. Ao longo da história, a matemática desenvolveu sistemas de representação e modelos de análise que nos permitiram pensar sobre os eventos e fenômenos, fazendo análises que não seriam possíveis sem esses sistemas de representação.

Pode-se afirmar que, hoje, os conhecimentos matemáticos não são apenas

para matemáticos, mas para todos. É requisito para ser cidadão no mundo de hoje,

no qual interpretar gráficos, fazer análises de mensuração, calcular juros, fazer

previsões e outros conhecimentos matemáticos estão tão presentes no dia-a-dia.

Isso nos leva a mais questões: que matemática precisamos saber e que matemática

a escola vem ensinando? Como seria aprender e ensinar conceitos matemáticos na

escola? Que sala de aula conseguirá favorecer as aprendizagens significativas

matemáticas?

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2.2. Por que mudar na sala de aula?

Será que a educação não poderia continuar como sempre foi? Para que tanta

“invenção de moda” nas salas de aula? Essas e outras questões rondam nossas

escolas. De um lado, estão os que afirmam que todos podem aprender, que

aprender é uma construção, que a escola deve criar relações entre o conhecimento

do dia-a-dia do aluno e o conhecimento formal sistematizado. Do outro lado, os que

preferem que tudo permaneça como sempre foi. No “frigir dos ovos” o que temos são

alunos que convivem, diariamente, com uma avalanche de conhecimentos e que

aprendem muito pouco.

Mas como se chegou a tantas inovações na sala de aula? O que realmente é

novo? Durante muitos anos, a educação no Brasil era guiada pela concepção

inatista ou empirista de como se aprende. Com as diversas pesquisas educacionais

(conflitantes ou não) feitas por Piaget, Vigotski, Wallon, Freire, Ferreiro, Grossi,

Vergnaud, entre outros, um novo olhar foi lançado sobre aprender e ensinar.

Na perspectiva pós-construtivista, seja Piaget, seja Vigotski, o sujeito constrói

seu conhecimento dentro de um processo ativo de aprender, no qual só enxerga o

que pode. Temos em nossas escolas um sujeito epistêmico – global, universal, que

aprende sempre e muito. Hoje, sabemos que nossos alunos aprendem nas diversas

relações que vivem dentro e fora das escolas. Essas escolas muitas vezes deixam

de ensinar, pois “esquecem” a importância deste processo ativo entre professor-

conhecimento-aluno, que constituem o triângulo pedagógico.

Para Piaget, o objetivo primordial de sua pesquisa era compreender a

questão do conhecimento. Rangel (1992, p.56), em sua pesquisa embasada em

Piaget, afirma que:

Para aprender, não bastam apenas treinamentos, exercícios, transmissão de informações que possibilitem ao sujeito saber realizar alguma coisa que se tem em mente. Por isto mesmo alunos que aprendem a fazer, sem a necessária compreensão do que realizam,

facilmente esquecem a aprendizagem quando a realização deixa de ser solicitada. Só se sabe fazer enquanto se está continuamente fazendo, pois não há tomada de consciência sobre o que se

executava. Quando se educa para o aprender, corre-se o risco de se formar indivíduos presos a valores pragmáticos, que se submetem

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docilmente aos valores de uma sociedade. Em oposição, educar para o compreender é educar para o vir a ser, é educar para o conhecimento, e o conhecimento implica construção da própria inteligência. Neste sentido, a educação privilegia a ação reflexiva do sujeito com o mundo e as trocas interindividuais.

Piaget (1972) nos fala dos estágios da construção do conhecimento (sensório-

motor, pré-operatório, operações concretas e operações formais) tão discutidos

entre os professores, mas tão ausentes nos planejamentos, atividades e avaliações.

Sabemos que conhecimentos, como os de conservação, de tempo, de classificação,

de seriação, de números, entre outros, não podem ser ensinados, mas sim

construídos. De nada adianta o desespero do professor em repetir várias vezes

esses conceitos tão simples (na lógica da escola), pois eles serão percebidos na

ação-relação que o aluno fará com o meio e o conhecimento. O aluno precisa agir

pensando para entender um conceito.

Cabe falar um pouco de Vigotski, quando afirma que o princípio do pensamento é

fundado na linguagem. Enquanto Piaget acreditava que o conhecimento acontecia

em função da relação que o sujeito faz, agindo sobre o objeto, Vigotski foi mais

além, mostrando a importância da mediação na aprendizagem. O único bom ensino,

para Vigotski (2000, p.117), seria aquele que se adianta ao desenvolvimento.

O grande desafio para o professor é perceber “quando” e “como” interferir,

mediando o conhecimento, reconhecendo e favorecendo a zona proximal, em busca

do aprendizado real. Vigotski (2000, p.113) afirma que:

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de brotos ou flores do desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento.

Sendo assim, o professor precisa ver no erro do aluno um aliado. Por meio dele,

professor e aluno poderão identificar o obstáculo epistemológico e refazer o

conceito. Esse processo de aprender e ensinar, observando e interpretando o erro,

faz do professor e do aluno atores e pesquisadores. Cada um (professor e aluno)

com seu olhar cuidadoso e carinhoso vai estar reconstruindo conceitos.

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O grupo também tem uma função de destaque. Nele, os alunos colocarão em

“xeque” o que acreditam e poderão através do conflito cognitivo reconstruir os

conceitos. A linguagem tão discutida por Vigotski estará, mais do que nunca,

presente em sala de aula, nas atividades “de e em” grupo. Não cabe mais um aluno

sozinho durante toda a aula, em silêncio, ouvindo o professor e fazendo exercícios.

As pesquisas desses diversos teóricos citados e as novas posturas docentes por

eles sugeridas tornam possível a Escola Democrática, abordada por Saviani (2000),

no livro Escola e Democracia. Faço nesse sentido a seguinte analogia: imagine se

os médicos formados só soubessem tratar de pessoas saudáveis e os doentes

precisassem buscar soluções em outros lugares ou até mesmo aprender a conviver

com suas doenças, mesmo que essas dificultassem sua convivência na sociedade?

Assim vem sendo a escola: os professores ensinam a poucos alunos, somente a

aqueles que se “encaixam” nos moldes escolares. Quando o aluno apresenta algum

“desvio” em sua aprendizagem é encaminhado para algum especialista. E na falta

desse (por razões diversas), alunos e professores têm dificuldades de definir o que

fazer. Há também aqueles nos quais a razão de não aprender não é identificada e

vem daí a plena certeza de que o aluno é incapaz, ou seja, burro! Família, professor

e aluno acreditam que, em função da pobreza financeira, características sociais, ou

algo parecido, tal aluno nunca poderá aprender. E mais uma vez, reafirmo a

necessidade de se buscar uma didática que possibilite que a escola ensine a todos.

De acordo com Grossi (1994, p.93), “trata-se da convicção de que a inteligência é

um processo, fica-se inteligente porque se aprende e de que todos podem

aprender”.

Quando falo em didática, não me refiro apenas a uma metodologia de como

passar conteúdos, passos ou receitas do que fazer para ensinar a contar, somar ou

dividir. Refiro-me a uma didática provocativa, que leve aluno e professor à busca do

conhecimento. É necessário transpor para a sala de aula as diversas constatações

de como se aprende e ensina.

Destaco, então, a Teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud. De

acordo com Vergnaud (1998, p.26):

As conceitualizações que formamos são moldadas pelas situações que encontramos, se encontrarmos somente situações limitadas, e não uma ampla variedade, não haverá nenhuma razão para desenvolver conhecimentos gerais. Entre as condições, o fato de

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incluir situações muito variadas e cada vez mais complexas será absolutamente decisivo para a conceitualização da criança.

Sendo assim, é necessário que os professores revejam o antigo princípio de

que o aluno precisa aprender uma coisa de cada vez, de forma organizada e linear.

Na Teoria de Vergnaud, o aluno vai aprender relacionando vários conceitos, sem

uma preocupação linear. Apresentar desafios e situações-problema é essencial para

favorecer as aprendizagens significativas. Esclareço que a aprendizagem

significativa nos permite uma tomada de consciência, a partir dela mudamos nossa

relação com o mundo.

Mais uma vez de acordo com Vergnaud (1998, p.26):

A tomada de consciência – que não é necessariamente, sempre explicitada – consiste em mudar nosso ponto de vista sobre os objetos, sobre as propriedades e os atrativos desses objetos, ainda em domínios muito complicados, como os da vida afetiva, da vida em família, entre marido e mulher, pais e filhos. Há muitas coisas que são objetos de uma mudança de ponto de vista.

Considerando o que foi dito, a grande questão passa a ser: o que mudar em

sala de aula?

2.3. O que mudar em sala de aula?

O objetivo de ensinar bem - e a todos - é ambicioso e reforça a necessidade

de rever certos princípios didáticos enraizados nas posturas pedagógicas presentes

em salas de aulas. Entre os diversos princípios didáticos, questionarei a organização

linear dos conteúdos, a visão inadequada do erro no processo da construção do

conhecimento e a convicção de que se aprende sozinho e em silêncio.

Quando se fala na organização linear dos conteúdos, percebe-se um

confronto entre a lógica do conteúdo escolar e a lógica do processo dos alunos. A

lógica do conteúdo escolar está presente na organização linear das grades

curriculares e também na organização dos livros didáticos. Já a lógica do processo

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dos alunos é individual e dinâmica e muitas vezes imensurável. Confrontando as

duas lógicas e acreditando na lógica do processo, proponho uma sala de aula que

propicie aos alunos o acesso às diversas informações, com vistas a favorecer

relações próprias que possibilitem a construção de conhecimentos diversos.

Também são relevantes as trocas entre professor/alunos e alunos/alunos. Destaco,

ainda, a necessidade do conhecimento como um todo (e não em partes) para que se

possa reestruturar o conhecimento das partes.

De acordo com Grossi (1993c, p.97):

Não é mais possível uma programação linear do ensino, conteúdo por conteúdo, “ensenha” por “ensenha”, pedacinho por pedacinho, de cada disciplina. Aprendemos numa trama, ampla e rica de aspectos do real que entrelaçam conhecimentos social e historicamente já admitidos e sistematizados, transmitidos pela tradição cultural com a força do entendimento localizado e próprio de um aqui-e-agora prenhe das urgências que as necessidades mais imediatas impõem e das representações simbólicas, isto é, dos valores que direcionam nossas forças afetivas e grupais.

Outro ponto a ser revisto é o terror ao erro, tanto do aluno, como do professor

e dos familiares. O erro deve ser um importante aliado didático que possibilite ao

professor direcionar seu planejamento, favorecendo aos alunos uma reconstrução

de seus conceitos. Vale ressaltar que o conceito é um elemento dinâmico, passível

de revisão e reformulação. Para que ocorra a reformulação conceitual, o aluno deve

estar em um conflito cognitivo que o estimule a aprender mais. Quando tiramos do

aluno o direito de errar, de sofrer e de viver a alegria de compreender o conceito,

tiramos junto o direito dele construir seu conceito.

De acordo com Pinto (2000, p.149):

O que faz o aluno avançar é quando ele se percebe em situação de contradição: é nesse momento que ele toma consciência dos modos distintos de interpretar a realidade; é quando ele passa por um conflito cognitivo.

Em outras palavras, errar faz parte do aprender. Mas para que isso ocorra de

forma positiva, são necessárias atividades avaliativas que possibilitem aos alunos

demonstrarem suas hipóteses sobre o conhecimento, permitindo as respostas

“erradas”, diferentes das do professor ou incompletas. A partir daí a mediação do

professor deve favorecer a relação ativa entre o pensar do aluno e o conteúdo que

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deverá ser sistematizado. A avaliação precisa deixar de ser um momento de punição

pela não aprendizagem e passar a ser dinâmica, formativa e diagnóstica de

fundamental importância para o processo de aprender e ensinar.

Por último, destaco a importância do grupo na aprendizagem. Muitos de nós

já vivemos situações em que aprendemos não com aquele que sabe mais sobre o

assunto, mas sim com aquele que por ser nosso par acadêmico consegue

compreender nossas dúvidas e direcionar nosso estudo. O fato de o professor

favorecer a troca entre os pares não o excluí do processo, ao contrário, coloca-o em

um papel bem mais atento, o de professor-pesquisador. Ele (o professor), agora,

deve buscar nas discussões e esquemas escolhidos pelos alunos, para resoluções

das atividades sugeridas, os dados que necessita para planejar novas atividades e

as intervenções necessárias. De acordo com Madalena Freire (In: GROSSI, 1992,

p.159):

Enfim, o educador ou o coordenador de um grupo é como um maestro que rege uma orquestra. Da coordenação sintonizada com cada diferente instrumento, ele rege a música de todos. O maestro sabe e conhece o conteúdo das partituras de cada instrumento e o que cada um pode oferecer. A sintonia de cada um com o outro, a sintonia de cada um com o maestro, a sintonia do maestro com cada um e com todos, é o que possibilita a execução da peça pedagógica. Esta é a arte de reger as diferenças, socializando os saberes individuais na construção do conhecimento generalizável e para a construção do processo democrático.

As propostas de mudanças citadas para o processo de aprender e ensinar

nos levam à necessidade de investir na Formação Inicial e Continuada dos

Profissionais da Educação. Faz-se necessário diminuir a distância entre a teoria

estudada e a prática no dia-a-dia da sala de aula, provocando mudanças na postura

pedagógica. Materiais satisfatórios foram elaborados, como o da Numerização, de

Nilza Bertoni8, mas ao serem colocados em prática pelos professores perderam seu

alcance de produzir conhecimento, porque se depararam com os velhos princípios

didáticos, tão enraizados em nossos docentes.

8 Projeto para melhoria do Ensino de Ciências e Matemática, coordenado por Nilza Eigenheer Bertoni, denominado “Um novo currículo de matemática da 1ª a 8ª série”, desenvolvido na Universidade de Brasília/Departamento de Matemática, com apoio do MEC/ CAPES/ PADCT/ SPEC, no período de 1985 a 1989 e utilizada na Rede de Ensino Público de Brasília.

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As mudanças acima citadas tornam-se ainda mais necessárias ao considerar

que a educação brasileira é insatisfatória, tanto no senso comum, como nas

pesquisas científicas que apontam os péssimos resultados educacionais. O Brasil,

recentemente, foi o pior colocado na Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), prova que mediu o desempenho de estudantes de 15 anos nas redes

públicas e particulares de ensino de 32 países9. Sem querer entrar no mérito

político-social de tais pesquisas, mas considerando também os baixos rendimentos

dos alunos brasileiros em diversos exames nacionais, como ENEM (Exame Nacional

de Ensino Médio – MEC - Brasil) e SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Básica – INEP – MEC), tornam-se incontestáveis as necessidades de

mudanças no âmbito educacional. Vale ressaltar as dificuldades em fazê-las (até

porque a escola não para. É como se precisássemos consertar um trem em

movimento), como diz o ditado popular “falar é fácil, o difícil é fazer”. As mudanças educacionais precisam ser profundas, por isso vejo na Teoria

dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud uma proposta valiosa, uma “mola” na

transformação educacional, que será mais bem detalhada no capítulo III. A partir

dela, o professor e os alunos poderão reconstruir o processo de aprender e ensinar.

Lembro-me dos primeiros contatos com o Ambiente Alfabetizador, baseado

na Teoria dos Campos Conceituais de Gerard Vergnaud, que me foi apresentado

pela professora-pesquisadora Esther Grossi. Nesse ambiente, o aluno estaria em

contato com diversos conceitos e informações. Nele, eu, agora professora-

pesquisadora alfabetizadora, preciso oferecer esse rico ambiente e, ao observá-lo

trabalhando, analisar seus erros e propor situações didáticas desafiadoras que

favoreçam o conflito cognitivo. O mais interessante nesse ambiente é a “mudança na

alma” que me ocorreu. Se antes não ouvia o aluno, acreditando que minha função

de ensinar não permitia perder tempo com isso, agora com o Ambiente Alfabetizador

precisava criar situações-problema e permitir que o aluno aja sobra ela. Lembro a

pesquisadora Emília Ferreiro, que levanta a seguinte questão no livro Com todas as

letras (1999, p.50): “O que acontece se incluirmos as crianças como agentes

capacitadores do professor? ” Isso ocorreu comigo como alfabetizadora, tive meus

alunos agindo sobre mim. Precisei “fazer diferente”, embasada nos meus estudos e

leituras, pois fui fortemente desestabilizada pelos meus alunos: crianças e adultos.

9 Jornal O Estado de São Paulo, 05/12/01.

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Comecei a perceber a importância de rever velhos princípios didáticos e construir

uma postura inovadora, embasada nas diversas pesquisas citadas neste trabalho.

Tenho consciência de que apesar das muitas mudanças ocorridas na minha prática

pedagógica, muitas ainda precisam acontecer. Percebo, cada vez mais, a

importância de estar ousando, para estar me aperfeiçoando como professora-

pesquisadora. Por isso passei a acreditar na possibilidade de o Ambiente

Alfabetizador acontecer não só na alfabetização, mas também em ciências, em

geografia, em história, no ensino médio, no ensino superior e muitos outros.

Como não posso “abraçar o mundo com as mãos”, venho nesta pesquisa

apresentar o Ambiente Matematizador, embasado na Teoria dos Campos

Conceituais de Gerard Vergnaud. Espero com ele, em parceria com a professora-

pesquisadora e os alunos, construir um ambiente rico em informações matemáticas

não só cognitivas, mas também sociais e culturais. A professora-pesquisadora e os

alunos deverão vivenciar situações diversas, em que seja possível verificar e

confrontar as diferentes estratégias de resolução de um problema matemático.

Essas situações devem favorecer a construção de uma professora-pesquisadora,

que revendo suas posturas, planeje atividades que levem os alunos a aprender mais

e melhor!

Em minhas diversas leituras, encontrei uma referência feita ao Ambiente

Matematizador pela pedagoga da CAP/UERJ, Olga Guimarães Germano, em

publicação feita pelo MEC (SALTO PARA O FUTURO, 1999, p.213). De acordo com

ela, seria um ambiente muito parecido com o proposto por mim nesta pesquisa, mas

diferenciado pela minha opção em embasá-lo, teoricamente, na Teoria dos Campos

Conceituais de Vergnaud.

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Capitulo II: O PROJETO DE PESQUISA

Transpor a Teoria dos Campos Conceituais para a sala de aula se tornou um

desafio. Minha experiência inicial com essa teoria, a partir do Ambiente Alfabetizador

(relatado no início deste trabalho), trouxe-me a vislumbração dos ganhos didático-

pedagógicos possíveis nas aprendizagens matemáticas. Surgiu, desse modo, a ideia

do Ambiente Matematizador, ideia não tão original, mas carente de observação,

análise e reflexões mais sistemáticas. Apresento, assim, as questões de pesquisa

presentes neste projeto.

1. Perguntas de pesquisa

É possível construir um Ambiente Matematizador em sala de aula, nos

fundamentos da Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud?

Que vantagens e dificuldades são encontradas pela professora-

pesquisadora na construção do Ambiente Matematizador?

Como a professora-pesquisadora se relaciona com a proposta do Ambiente

Matematizador ?

Que mudanças podem ocorrer na postura pedagógica da professora-

pesquisadora ao trabalhar com a proposta do Ambiente Matematizador?

Quais serão os papéis da professora-pesquisadora e dos alunos na

constituição do Ambiente Matematizador?

2. Objeto de pesquisa

A construção, pela professora-pesquisadora dos anos iniciais do Ensino

Fundamental, de um Ambiente Matematizador, fundamentado na Teoria dos

Campos Conceituais de Vergnaud.

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3. Objetivos

Como utilizo, nesta pesquisa, princípios de uma pesquisa-ação, estarei

subdividindo os objetivos em geral, específicos da pesquisa e específicos da

ação/intervenção.

3.1. Objetivo geral

Analisar, com uma professora-pesquisadora dos anos iniciais do Ensino

Fundamental, a construção do Ambiente Matematizador embasado na Teoria dos

Campos Conceituais de Vergnaud.

3.2. Objetivos específicos da pesquisa

Analisar:

As possibilidades de construção do Ambiente Matematizador, nos anos

iniciais do Ensino Fundamental, por meio da didática da Teoria dos Campos

Conceituais de Vergnaud.

Os aspectos facilitadores e dificultadores encontrados na construção do

Ambiente Matematizador.

A possível mudança de postura da professora-pesquisadora ao trabalhar no

Ambiente Matematizador baseado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.

3.3. Objetivos específicos da ação/intervenção

Contribuir para a melhoria dos processos de aprender e ensinar matemática

nos anos iniciais do Ensino Fundamental, estudando e discutindo com a professora-

pesquisadora os princípios do Ambiente Matematizador, embasado na Teoria dos

Campos Conceituais de Vergnaud.

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Durante a pesquisa estarei participando:

do planejamento das aulas de uma professora-pesquisadora que se propõe

a construir um Ambiente Matematizador.

da construção de um Ambiente Matematizador, em parceria com uma

professora-pesquisadora e alunos de uma turma dos anos iniciais do Ensino

Fundamental.

das avaliações formativas envolvendo professora-pesquisadora, alunos e

pesquisadora-professora.

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Capítulo III: FUNDAMENTOS TEÓRICOS

1. Teoria dos Campos Conceituais e o Ambiente Matematizador

Lendo, estudando e refletindo sobre minha prática docente e as diversas

experiências que vivenciei no meu percurso profissional, acadêmico e pessoal,

reafirmo a necessidade de profundas modificações na educação. Acredito que eu e

outros professores, ao entendermos melhor como o aluno constrói um conceito,

poderemos planejar e organizar atividades bem mais interessantes que o levem a

uma aprendizagem significativa. Uma aprendizagem significativa ultrapassa o

“saber” e modifica as estruturas internas do ser humano, interferindo na sua maneira

de resolver problemas e de ver o mundo.

Ao ler os PNC10 de matemática: primeiro e segundo ciclos (BRASIL, 1997,

p.57), é possível visualizar a reviravolta esperada nas salas de aula. Os conteúdos

são reorganizados, buscando favorecer maior relação entre eles e os conhecimentos

trazidos pelos alunos. Também é possível encontrar atividades dinâmicas (BRASIL,

1997, p.97-133), em grupo e com a utilização de materiais diversos, inclusive a

calculadora, que durante muito tempo foi proibida nas aulas e provas de matemática.

O professor também deve modificar sua postura em sala. Espera-se que ele adote

outros procedimentos, deixando de ser o “sabe-tudo”, para se tornar um

pesquisador-mediador. O professor, como mediador, deve promover situações

didáticas que levem o aluno a querer aprender e pesquisar, sistematizando os

conceitos matemáticos. O professor, como pesquisador, deve não só promover a

busca de novos conhecimentos, mas também coletar, nas diferentes respostas e

esquemas dos alunos, informações sobre como cada um vem construindo seus

conceitos, as atividades que deve propor, os grupos de trabalho que deve estimular,

adiantando, assim, aquilo que o aluno demoraria muito mais tempo para aprender

sozinho. Mais uma vez, cito Vigotski (2000, p. 117) que dizia que o “bom

aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento. ”

10 PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados pelo MEC em 1997.

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De acordo com Vergnaud (1993, p.83):

É importante mapear a zona proximal dos conhecimentos e saberes dos professores para planejar a nossa intervenção didática que propicie as rupturas fundamentais para a sua ação de processo

aprender e ensinar dentro da sala de aula.

Não basta o professor ter conhecimento dos conteúdos a serem ensinados,

pois saber “o que ensinar” não é suficiente para ensinar a todos. O “como” e “para

quê” ensinar também devem ser buscados pelos docentes. A didática deixa de ser

uma repetição, pois passa a exigir mudanças no olhar do professor sobre seu aluno.

Essa nova forma de olhar o aluno deverá provocar reflexões e mudanças nas

posturas pedagógicas do professor que, assim como seu aluno, está envolvido em

sua própria história sociocultural.

Perrenoud (2000, p.19) nos alerta para a dificuldade em provocar mudanças

nas práticas pedagógicas dos professores. Uma didática “politicamente correta” não

é assim tão fácil de se construir.

Várias propostas didáticas surgem como “receitas” de uma boa aula, mas não

é este o objetivo deste trabalho. Não busco um guia de “como fazer”, mas sim,

novos princípios e elementos que devem estar presentes no dia-a-dia escolar. Mas

como utiliza-los? Como relaciona-los? Este será o desafio diário do trabalho

docente, envolvendo professor e alunos.

Vale ressaltar que não vejo uma aula como algo estanque, entre quatro

paredes. Na perspectiva desta pesquisa, uma aula ultrapassa a escola e busca

outros espaços (exposições, parques, passeios, etc.), favorecendo a tão sonhada

contextualização, ou seja, a relação entre o conteúdo escolar e o conteúdo real do

mundo. Quando se pensar no espaço físico da sala de aula, limitado entre quatro

paredes, esse deve favorecer muita riqueza de informações e materiais que

permitam aos alunos circularem em sala, na busca da reconstrução de seus

conceitos matemáticos. Vejo, na Teoria dos Campos Conceituais, uma forma

didática de provocar mudanças no processo de aprender e ensinar não só dos

alunos, como também dos professores. Vergnaud (1993a, p.10) nos diz que “a

Teoria dos Campos Conceituais faz parte dessa ideia de integração: é justamente

porque um conceito não se desenvolve sozinho, nem em um só tipo de situação e

que uma situação não se analisa a luz de um só conceito, nem se colhe, com ajuda

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de um esquema único, que é preciso estudar o desenvolvimento cognitivo nos

Campos Conceituais relativamente amplos e entretanto bem identificados”, ou seja,

envolver o aluno, ativo na sua aprendizagem, dentro de um rico ambiente de

informações relacionadas a um conhecimento que se quer alcançar e que favoreça a

constante reconstrução das hipóteses em que se acredita. Assim, a Teoria dos

Campos Conceituais extrapola o espaço e tenta compreender a aprendizagem nas

mais diversas situações, buscando entender o processo da aprendizagem de acordo

com as situações que os condicionam.

De acordo com Grossi (1993. Não paginado), um Campo Conceitual seria um

espaço constituído por quatro elementos: os conceitos, as situações, os

procedimentos e as representações simbólicas. Partindo de um conjunto de

situações que levem ao domínio progressivo do conhecimento, exigindo a utilização

de uma variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas

em estreita conexão, sendo que cada um deles é permeado pelo contexto histórico-

social em que se está inserido.

Transpondo essa teoria para o ensino da matemática, aconteceriam as

construções dos conceitos matemáticos a partir das diversas reformulações das

suas hipóteses sobre certo conhecimento. Um dos princípios básicos dos Campos

Conceituais é criar variadas situações, como atividades e situações-problema,

gerando um conflito cognitivo que favoreça aos alunos construírem e reconstruírem

um conceito. Quando os alunos não dispõem das competências necessárias para

resolver problemas relacionados à certa classe de situação, eles desenvolvem

estratégias próprias, às vezes bastantes complexas, às vezes elementares, que

integrarão as mais gerais, elaboradas posteriormente. De acordo com Vergnaud

(1994, p.71), o professor, ao buscar compreender o esquema de pensamento

apresentado pelo aluno, deve considerar o contexto da situação que é apresentado.

Ao trabalhar com frações, por exemplo, e propor a divisão de uma maçã entre

algumas crianças, elas poderão não se preocupar em dividir o resto, jogando fora o

que sobrou, por não gostarem de maçã. No entanto, se ao invés da maçã, elas

tiverem de dividir um chocolate, buscarão dividir da melhor forma possível, já que

não caberá jogar fora nenhum pedaço de chocolate tão apreciado por todos os

envolvidos.

Neste contexto, vejo o Ambiente Matematizador como uma proposta que

possibilite, tanto à professora-pesquisadora quanto ao aluno, reconstruir o processo

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de aprender e ensinar matemática. Não é uma “receita de uma boa aula”, mas sim

uma reorganização do espaço escolar que deverá favorecer a relação de vários

conceitos, verificando as estratégias que os alunos utilizam durante o processo de

resolução dos problemas para que a partir delas, a professora-pesquisadora planeje

atividades que levem os alunos-pesquisadores a sistematizar seu conhecimento.

É interessante ressaltar que uma professora-pesquisadora estará contribuindo

para a formação de alunos-pesquisadores.

Sendo assim, o Ambiente Matematizador, considerando a Teoria dos Campos

Conceituais, seria um espaço de múltiplas relações sociais, em que a matemática é

vista como uma ciência dinâmica, inacabada e relacionada a diversos

conhecimentos. De acordo com Vergnaud (1994, p.71), Campo Conceitual é um

conjunto de situações que implica esquemas, conceitos e teoremas em estreita

conexão e que serão explicitados nas representações linguísticas e simbólicas

sucessivas de serem utilizadas.

Imagino uma aula planejada, considerando o Ambiente Matematizador, como

um momento de favorecer aos alunos uma rede de conceitos matemáticos. Nessa

aula, a professora-pesquisadora se preocuparia em fazer valer os quatros elementos

do Campo Conceitual, conceitos, situações, procedimentos e representações

simbólicas, permeado pelo contexto histórico-social em que alunos e professora-

pesquisadora estão inseridos. Por exemplo, supondo que o conceito matemático

principal da aula seja o de subtração, mas os conceitos de cálculo, adição,

igualdade, contagem, conceitos de outras disciplinas, entre outros, estão sendo

constantemente abordados e questionados. Não há a preocupação com uma

organização linear do currículo ou a preocupação de que o aluno não deva fazer do

seu jeito, buscando evitar o erro. As situações didáticas propostas devem estimular o

aluno a participar das atividades, levando em consideração não só o conteúdo a ser

estudado, mas também a ideia que o aluno tem sobre ele. Os alunos têm ao seu

redor, além das atividades propostas pela professora-pesquisadora naquele dia,

uma riqueza de materiais compondo o Ambiente Matematizador, permitindo que

pensem e construam seus próprios esquemas de resolução do problema, que

deverão ser acolhidos e confrontados pelos colegas e professora-pesquisadora. O

procedimento didático apresentado pela professora-pesquisadora deve levar o aluno

ao conflito cognitivo, estimulando a pesquisa e a descoberta. Finalmente,

professora-pesquisadora e alunos devem analisar as diferentes representações

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simbólicas presentes no desenrolar da aula, que devem sofrer constantes

reformulações entre o que se sabia e o que se aprendeu. O conceito de subtração

trabalhado nessas aulas, como conceito principal, continuaria presente em outros

conteúdos matemáticos, sendo utilizado em outros momentos formais e informais,

buscando sempre a relação entre os diversos conceitos.

Outro ponto importante, a ser lembrado no Ambiente Matematizador, é a

autoestima, ponto chave para a participação de todos nas atividades. O aluno deve

acreditar que sua hipótese sobre determinado conceito será devidamente acolhida,

questionada e incrementada, favorecendo a sistematização do conhecimento.

Esse ambiente deve provocar a reflexão e o raciocínio lógico, propiciando a

construção e reconstrução de conhecimentos, levando o aluno a levantar hipóteses,

elaborar estratégias e explicar, oralmente ou por escrito, os caminhos que percorreu

(metacognição), confrontá-las e retomá-las. O processo da “explicação” implica um

posicionamento epistemológico diferente em relação ao objeto do conhecimento,

numa relação mais profunda e clara, requerendo uma tomada de consciência dos

procedimentos que nem sempre estão presentes no “fazer”. Portanto, o “fazer” e o

“falar sobre o fazer” têm estatutos psicológicos diferentes. A explicação e a produção

escrita dizem respeito ao “falar sobre o fazer” que deve estar ricamente presente no

Ambiente Matematizador. O aluno é visto como um sujeito histórico-social, composto

pelo sujeito cognitivo (que aprende), sujeito epistêmico (aprende várias coisas) e

sujeito didático (aprende em sala de aula). Neste ponto, vale ressaltar a importância

de provocar a reflexão, favorecendo o processo metacognitivo, fundamental para o

aprender e ensinar. De acordo com Golbert (2002, p.43),

A reflexão é um processo metacognitivo e, como tal, se refere tanto a uma consciência dos próprios processos cognitivos quanto ao controle ou regulação desses processos. Isto é de fundamental relevância, pois controle ou regulação dos processos cognitivos são cruciais na resolução de problemas, nos quais é indispensável o controle consciente dos procedimentos empregados.

Quando professora-pesquisadora e alunos trabalham em um Ambiente

Matematizador, é possível que tenham dificuldades em estabelecer os papéis de

cada um. Buscar uma forma de discutir as questões, explícitas e implícitas,

presentes no dia-a-dia da sala de aula também é um desafio, sendo sugerido o

contrato didático, apresentado por Brousseau e abordado por Pais (PAIS, 2001,

p.77)

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O contrato didático diz respeito às obrigações mais imediatas e recíprocas que se estabelecem entre professor e alunos. Por certo, as ramificações dessas obrigações se estendem e se multiplicam para fora do espaço físico da sala de aula, revelando a multiplicidade de influências inerentes ao contexto escolar. Uma das características do contrato didático é o fato de suas regras nem sempre estarem explicitadas claramente na relação pedagógica.

Desta forma, o contrato didático aconteceria no Ambiente Matematizador,

como forma de favorecer a participação dos envolvidos no contexto escolar e

explicitar o que se espera de cada um: inicialmente, professora-pesquisadora e

alunos, podendo se estender para outros segmentos (como direção, coordenação,

pais etc.).

Sua importância é destacada por Nunes (1994, p.3) que afirma:

A necessidade de se considerar explicitamente o contrato didático, que resulta de tais representações dentro do sistema educacional atual, e de alterar esse contrato, são o foco de investigação e alvo de mudança em muitos dos esforços relacionados a propostas para a melhoria do ensino. É necessário alterar esse contrato implícito entre os alunos e professores, para que os alunos participem do processo de solução de problemas em Matemática de uma maneira que permita recriar a noção de uma comunidade que examina a validade dos conceitos científicos.

As experiências pessoais que venho tendo com o contrato didático, tanto na

Educação Infantil como no Ensino Superior, vêm reafirmando sua importância. Ele

realmente pode rediscutir os papéis e as expectativas de cada um dos envolvidos no

contexto escolar.

Partindo do contrato didático, no Ambiente Matematizador tanto os alunos

como a professora-pesquisadora participarão de sua construção, garantindo não só

o envolvimento e comprometimento, mas também a presença sociocultural de cada

um deles. Sendo assim, o ambiente será sempre único (de cada sala de aula) e

autêntico dentro de cada contexto escolar e será composto de muito material

concreto (canudos, elásticos, QVL, material dourado11, outros), de diferentes

utilizações de números (tabelas, gráficos, jornais, propagandas, embalagens,

11 Material Dourado foi criado pela médica italiana Maria Montessori (1870-1952) sendo amplamente utilizado nas escolas brasileiras. Ele é constituído de peças de borracha ou madeira em quatro tipos: cubo, placa, barra e cubinho. Ele permite que os alunos façam correspondência entre essas peças e o sistema de numeração decimal (unidade, centena, dezena e milhar).

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endereços, etc.), de atividades de lógica, situações-problema e, principalmente, de

jogos que envolvam conceitos matemáticos (Apêndice A).

Os alunos serão organizados em grupos áulicos (será mais bem detalhado no

capítulo V, item 2.4.2), com 4 ou 5 alunos, que terão a função primordial de integrar

os alunos, estimular o confronto de ideias e favorecer as trocas das estratégias por

eles utilizadas nas resoluções das situações. Esses grupos serão formados através

de uma eleição entre os alunos, estabelecendo o líder e os outros componentes.

Depois de constituídos, deverão ser mapeados e registrados, com um prazo a

permanecer na mesma formação. Durante o período em que estejam trabalhando

juntos, os confrontos que, por ventura, surgirem deverão ser discutidos e resolvidos,

buscando não “desmanchar” o grupo antes do prazo estabelecido. Promover a

conversa e a resolução de problemas-reais, presentes na relação aluno-aluno, em

muito vai ajudar na formação de laços tão importantes em um ambiente que busca a

verdadeira e prazerosa aprendizagem. O líder do grupo terá como função principal

favorecer a harmonia e estimular a participação de todos nos trabalhos propostos. A

professora-pesquisadora precisa ver nos grupos áulicos um forte aliado para

resolver os diversos entraves do dia-a-dia escolar, como deveres de casa,

organização dos materiais, envolvimento de todos nas atividades propostas, etc.

A professora-pesquisadora tem o papel de mediar o conteúdo matemático

com o conhecimento dos alunos. Para realizá-lo, utilizará atividades matemáticas

didaticamente planejadas que avaliem, desafiem e estimulem o aprender,

amparando e valorizando os diversos raciocínios.

É importante, também, esclarecer o que seriam atividades matemáticas, já

que o aparecimento de aspectos quantitativos nas situações não significa

necessariamente situações de ensino matemático. De acordo com Grossi (1993b.

Não paginado):

Atividade didática digna do adjetivo matemática é aquela em que o aluno é desafiado a ampliar seu universo de conhecimento sobre esta disciplina. Além disso, ampliar conhecimentos não é memorizar informações. É, isto sim, ampliar sua capacidade de estabelecer relações entre os diversos elementos que interferem neste campo de aprendizagem.

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2. Avaliação no Ambiente Matematizador

Sendo a avaliação um tema sempre atual e de grande importância em

qualquer processo de aprender e ensinar, diversas considerações sobre “como” e

“para quê” avaliar vêm sendo discutidas. Não pretendo definir os vários tipos de

avaliação, mas acredito na sua importância no Ambiente Matematizador, “como um

meio e não um fim, com o objetivo de melhorar e regular progressivamente os

processos e os produtos do ensino e da aprendizagem” (MONTEIRO, 1996, p.12).

Por meio da avaliação, deverá ser possível observar e registrar as dificuldades e

aprendizagens ocorridas e ela poderá acontecer de forma informal, durante as

brincadeiras, jogos e conversas das crianças ou de forma formal, em atividades orais

ou escritas.

A avaliação poderá ser de diversos tipos:

Registros simples, que poderão ser escritos ou desenhados, acontecendo ao

final de cada aula, levando aluno e professora-pesquisadora a registrar as atividades

feitas e os conhecimentos adquiridos. Poderá acontecer na sala de aula,

individualmente ou em grupo;

Atividades didaticamente planejadas, individualmente ou em grupo, com ou sem

ajuda da professora-pesquisadora, buscando perceber os possíveis avanços nas

hipóteses dos alunos.

Durante jogos livres, possibilitando observar os argumentos e procedimentos dos

alunos.

É importante destacar que a avaliação é vista como parte do processo de

aprender e ensinar, ou seja, a atividade avaliativa, quando planejada para esse fim,

deve favorecer ao aluno a apropriação do conhecimento adquirido por ele. Ele deve

continuar aprendendo, inclusive quando avaliado.

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3. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN12 de matemática e o

Ambiente Matematizador

Os PCN foram lançados em todo Brasil pelo MEC, em meio a muita

discussão. Muitos educadores e pesquisadores alegavam se tratar de uma proposta

muito inovadora, considerando que havia na época um número expressivo de

professores leigos, ou seja, que apresentavam uma formação profissional muito

deficiente. Acredito que os PCN de matemática foram um passo positivo na proposta

de mudança educacional, apesar das diversas críticas que recebeu e recebe. A

partir deles, tornou-se legal (apoio do MEC e Secretaria de Educação) a busca de

um fazer diferente em sala de aula. Aquele professor-pesquisador, que antes fazia

diferente e precisava reafirmar a todo o momento a necessidade de tais mudanças,

encontrou nos PCN de matemática (BRASIL, 1997) um forte aliado que o legitimava

a continuar inovando.

Em 1999, ano em que os PCN (BRASIL, 1997) chegaram a Escola Classe

312 Norte, eu fazia parte da direção, como coordenadora pedagógica. Nas

coordenações com o grupo de professores, estudávamos, discutíamos e eu os

incentivava a inovar e dinamizar as aulas. No caso da matemática, foi proposta a

utilização de calculadora, tabelas, gráficos, mapa, passeios, visita a museus,

trabalhos com obras de arte, etc, mesmo com as crianças que ainda não sabiam ler.

Alguns pais e professores reagiram e argumentaram que tudo isso não tinha

respaldo teórico, que as crianças estavam sendo “cobaias”. Não adiantava, nem

mesmo, mostrar as recentes pesquisas na área. O que realmente fez diferença foi

mostrar a posição do MEC, editada e divulgada para todo o Brasil.

A Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud, que já fazia parte de nosso

estudo na escola, foi logo identificada na leitura dos PCN. Essa teoria, conforme

confirma Magina (2001, p.4), é uma das principais bases em que se apoiam os PCN

de matemática.

É possível encontrar, nos PCN de matemática: primeiro e segundo ciclos do

Ensino Fundamental (BRASIL, 1997, p.54) e na Teoria dos Campos Conceituais, a

preocupação de o professor perceber a relação entre os conceitos, mesmo em se

tratando de conceitos considerados simples. De acordo com Magina (2000, p.9),

12 PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais, lançados pelo MEC em 1997.

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“nem um só conceito, nem uma situação isolada, dá conta do processo de aquisição

de um conhecimento”.

Considerando a preocupação de organizar os conteúdos matemáticos de

forma que se relacionem entre si, os PCN de matemática propõem quatro blocos de

conteúdo: números e operações (no campo da aritmética e da álgebra); espaço e

forma (no campo da geometria); grandezas e medidas (permitindo interligar

aritmética, álgebra e geometria); e tratamento de informações (dados estatísticos,

tabelas e gráficos, probabilidade e combinatória). Essa divisão é interessante, pois

com ela é possível abandonar a organização linear e fragmentada tão presente nos

currículos escolares e na maioria dos livros didáticos.

Destaco, abaixo, outras influências que os PCN de matemática: primeiro e

segundo ciclos do Ensino Fundamental (BRASIL, 1997), receberam da Teoria dos

Campos Conceituais de Vergnaud, legitimando, assim, a proposta do Ambiente

Matematizador proposto nesta pesquisa:

1. Propõe como recurso para uma aula inovadora, o uso de resoluções de

problemas, em que considera como “um problema matemático uma situação

que demanda a realização de uma sequência de ações ou operações para

obter um resultado. Ou seja, a solução não está disponível de início, no

entanto é possível construí-la” (p.44). Destaco não só a necessidade de uma

situação interessante ao aluno, como também um ambiente que permita a

busca/pesquisa da resposta, ou seja, o Ambiente Matematizador que, com

sua riqueza de recursos e relações, poderá favorecer ao aluno encontrar a(s)

resposta(s) do problema.

2. Propõe uma ruptura com a lógica linear dos conteúdos (p.57), buscando

favorecer a real relação entre os conceitos, que não podem e não devem ser

fragmentados.

3. Estimula o uso de jogos e recursos tecnológicos (p.46-47) nas aulas de

matemática.

4. Destaca a importância do trabalho em grupo, afirmando que muitas

“aprendizagens só serão possíveis na medida em que o professor

proporcionar uma ambiente de trabalho que estimule o aluno a criar,

comparar, discutir, rever, perguntar e ampliar as ideias” (p. 41).

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5. Vê o erro do aluno como um aliado que, fazendo parte do processo de

aprender e ensinar, deve favorecer um replanejamento das atividades

propostas (p.45-59).

6. E, finalmente, propõe uma avaliação baseada em diferentes instrumentos que

possibilite o mapeamento do desenvolvimento das atitudes, estratégias e

conceitos (p.58-59).

4. Representando o Ambiente Matematizador

Transpor para a sala de aula uma teoria é um desafio. Nunca é, e nem pode

ser, uma transferência linear. A transposição implica mudanças, criação, adequação,

reflexões e críticas. O presente trabalho propõe-se a operar essa transposição a

partir da construção do Ambiente Matematizador e na tentativa de favorecer uma

visualização de como a Teoria dos Campos Conceituais estaria presente no

Ambiente Matematizador. Apresento, a seguir, um quadro-síntese da proposta desta

pesquisa. Gostaria de destacar os limites de tal quadro, pois tanto a teoria como o

ambiente proposto apresentam grande complexidade.

É importante ressaltar que o ambiente proposto é muito mais que um

laboratório matemático. O Ambiente Matematizador está envolvido por questões

sociais, emocionais, culturais e, como não poderia deixar de ser, didáticas, enquanto

um laboratório de matemática se resume ao aspecto físico, recursos que

possibilitaram ao professor representar um conceito, mas não necessariamente

rever seus princípios e posturas.

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SÍNTESE REPRESENTATIVA DO AMBIENTE MATEMATIZADOR

Acreditando que a didática é uma provocação.

Algumas considerações: Conceitos, situações, procedimentos e representações

simbólicas são elementos, em estreita conexão, que compõem a Teoria dos Campos

Conceituais e estão presentes no Ambiente Matematizador. Existem, entre eles, as

relações que o sujeito estabelece entre os diversos aspectos e problemas e as

relações entre significados e significantes presentes no quotidiano (KOCH, 1993,

p.77). Eles têm a intervenção do contexto histórico-social em que estão inseridos o

professor-pesquisador e o aluno.

TEORIA AMBIENTE MATEMATIZADOR

DESAFIO METODOLÓGICO

CONCEITOS:

Não funcionam isoladamente, mas sim vinculados uns aos outros. Os conceitos guiam e são resultados da resolução de problema. É uma Tríade entre:

Conjuntos de situações que dão sentido ao conceito

Conjuntos de invariantes operatórias associadas ao conceito e teoremas

Conjuntos de significantes que podem representar os conceitos e as situações que permitam aprendê-las. (símbolos utilizados para sua representação )

CONTEÚDOS MATEMÁTICOS que, nos PCN, são organizados em 4 blocos: números e operações; espaços e formas; grandezas e medidas; e tratamento de informação.

Propor situações-problema sem a preocupação linear dos conteúdos.

Desenvolver estratégias que permitam ao aluno trabalhar com situações-problema com seus próprios esquemas e/ou hipóteses.

Sistematizar o conteúdo matemático (ex. algoritmo da subtração), respeitando o esquema utilizado pelo aluno.

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TEORIA AMBIENTE MATEMATIZADOR

DESAFIO METODOLÓGICO

SITUAÇÕES: (cotidiano,

didática) Compostas de várias atividades cognitivas que vêm dar significado ao conceito.

Vivenciadas pelo aluno em diferentes ambientes e transpostas para sala de aula pelo professor e alunos.

Devem ser oferecidas pelo professor ao aluno, devendo partir do próprio aluno.

Uma forma de mediação entre a hipótese do aluno e o conceito que se quer aprofundar.

ATIVIDADES DIDÁTICAS, considerando a organização dos alunos na sala de aula:

Individuais que favoreçam a reflexão e re-construção de um conceito (conflito cognitivo).

Em grupo que favoreçam a troca entre os pares como estratégia didática para gerar conflito ou esclarecer esquemas.

Desenvolver atividades cognitivas que favoreçam o conflito cognitivo e anteceda aquilo que o aluno poderia demorar muito tempo para aprender sozinho.

Que ocorram além das atividades estruturadas dentro da sala de aula, como exposições, cinemas, passeios, etc.

Envolver alunos e pais nessas atividades, percebendo a riqueza das mesmas.

Avaliativas (orais ou escritas) que permitam ao professor diagnosticar a hipótese do aluno e planejar intervenções e mediações.

Auto-avaliação, englobando aspectos sociais e cognitivos do aluno e professor

Enxergar no erro do aluno o progresso em relação a sua hipótese anterior e verificar o que está faltando construir.

Identificar a hipótese do aluno.

Levar o aluno à ação reflexiva de suas ações e aprendizagens.

Organização dos recursos materiais na sala de aula:

Muito material concreto à disposição do aluno: material de contagem, medida, probabilidade, geometria, uso da tecnologia, etc.

Jogos e desafios que estimulem o raciocínio matemático.

Envolver os alunos na construção deste ambiente, permitindo que eles tragam de casa materiais diversos, jogos, revistas, livros, etc e utilizem nos momentos que acharem necessário, respeitando o contrato didático estabelecido.

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TEORIA AMBIENTE MATEMATIZADOR

DESAFIO METODOLÓGICO

PROCEDIMENTOS:

o agir do professor e do aluno

OBSERVAÇÃO e INTERVENÇÃO que: acolham o aluno e desestabilizem-no, de acordo com sua Zona de Desenvolvimento Proximal, “aquela onde há chance de se trabalhar com alguma eficácia” (Vergnaud, 1993, p.77).

Trabalhem a auto-estima do aluno para que ele tenha coragem de responder e mostrar sua hipótese no momento.

Identificar a hipótese do aluno e desenvolver atividades cognitivas e/ou situações que levem o aluno ao conflito cognitivo, favorecendo “rupturas” importantes para a construção do conceito.

Provocar “apressando” o desenvolvimento cognitivo do aluno.

Durante uma situação questionar o obstáculo epistemológico, ou seja, colocar em xeque o conceito que não permite ao aluno e/ou professor sair de uma determinada hipótese.

Reconhecer o obstáculo epistemológico e conseguir agir sobre ele.

Contrato didático, entre professor-aluno-conhecimento deve favorecer:

* Alunos e professor pesquisador. * Discutir os conhecimentos. * Compartilhar objetivos. * Estimular desafios. * Acolher e romper nas mediações. * Respeitar as diferenças, favorecendo a crítica e autonomia. * Renegociá-lo constantemente.

Buscar explicitar o que está implícito no dia-a-dia da sala de aula

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TEORIA AMBIENTE MATEMATIZADOR

DESAFIO METODOLÓGICO

REPRESENTAÇÕES SIMBÓLICAS:

Registrar e demonstrar o esquema mental utilizado na resolução de uma situação-problema.

REGISTRO DO CONHECIMENTO: Oralmente:

Informar o resultado final, fazendo um relato oral do esquema utilizado para a situação-problema apresentada.

Organizar para que todos falem e ouçam os colegas, favorecendo o conflito cognitivo e a re-construção do conceito.

Por escrito:

Representar a resposta e o esquema utilizados, através da escrita, com desenhos, esquemas, gráficos, letras, números, etc.

Organizar um portifólio com as atividades feitas pelos alunos em sala.

Analisar e tentar questionar a representação apresentada individualmente ou no grupo.

Corporal:

Representação através de material concreto, utilizando, inclusive, os dedos.

Observar os diferentes procedimentos utilizados nas situações.

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Capítulo IV: ASPECTOS METODOLÓGICOS

Definir a metodologia de uma pesquisa, pode se dizer que significa definir o

caminho a ser percorrido. A escolha desse “caminho” deve considerar o objeto a ser

pesquisado, assim como os objetivos e instrumentos da pesquisa. Neste capítulo,

apresentarei os aspectos metodológicos, os atores, o local e as circunstâncias que

ocorreram.

1. Buscando a pesquisa-ação

Minha volta aos estudos dentro da academia aconteceu depois de um longo

tempo, conforme relato apresentado. Durante esse tempo, minha prática docente me

colocava novos desafios que me levavam a buscar mais leituras e aprendizagens.

Pude perceber que, em diversos momentos, a teoria se afasta da prática, quando

essas deveriam ser como corpo e alma, ou seja, seria impossível separá-las e falar

de uma sem falar da outra. Voltar para a universidade, agora como pesquisadora-

professora, exigia de mim um olhar diferente. Não queria chegar e desenvolver a

pesquisa sozinha. Queria uma pesquisa que fizesse parte do dia-a-dia dos

envolvidos, uma pesquisa que saísse dos muros da universidade e favorecesse uma

relação de troca entre pesquisadora e pesquisados. Sendo assim, busquei os

princípios da pesquisa-ação, pois ela em seu procedimento metodológico apresenta

tais características. De acordo com André (1995, p.32), a pesquisa-ação:

Envolve o estabelecimento em uma série de ações que devem ser planejadas e executadas pelos participantes e devem ser sistematicamente submetidas à observação, reflexão e mudança. Apóia-se, em seus fundamentos, na teoria crítica.

Essa possibilidade de troca e crítica se encaixava no tipo de pesquisa que

buscava. Lendo Pesquisa-ação de Barbier (1996, p.34), identifiquei outros aspectos

da pesquisa-ação que me chamaram a atenção:

O problema nasce da comunidade que o define, o analisa e o resolve.

A meta da pesquisa é a transformação da realidade social e a melhoria de vida das pessoas envolvidas. Os beneficiários da pesquisa são, portanto, os próprios membros da comunidade.

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Exige a participação plena e total da comunidade durante o processo de pesquisa.

Envolve um leque de grupos de pessoas que não possuem o poder: explorados, pobres, oprimidos, marginais, etc.

Pode suscitar nos participantes uma melhor conscientização de seus próprios recursos e mobilizá-los de maneira a prepará-los para um desenvolvimento endógeno.

Trata-se de um método de pesquisa mais científico do que o tradicional, pois a participação da comunidade facilita uma análise mais precisa e mais autêntica da realidade social.

O pesquisador é aqui um participante engajado. Ele aprende durante a pesquisa. Ele milita, em vez de procurar uma postura de indiferença.

Acrescento nesta lista (BARBIER, 1996, p.81) a possibilidade de que o

pesquisador seja membro do grupo antes de começar a pesquisa e que traga daí a

historicidade de seu objeto de pesquisa. Esses aspectos foram muito importantes

para mim. Não tenho a pretensão de dizer que desenvolvi uma pesquisa-ação com

todos os seus princípios e aspectos presentes, mas foi na pesquisa-ação que mais

identifiquei este trabalho de pesquisa.

Lembro-me desde o início da pesquisa, de minha preocupação em

desenvolvê-la no mesmo espaço em que foi gerada. Ao retornar à historicidade do

objeto de pesquisa, foi possível perceber que a necessidade de pesquisar sobre a

construção de um Ambiente Matematizador surgiu com as discussões e estudos

feitos na própria escola pesquisada (apresentarei a seguir). Eu, na época,

coordenadora pedagógica, era constantemente abordada pelas professoras com

questões didático-pedagógicas do ensino de matemática. Lembro que, em nossos

diversos estudos, discutíamos sobre o currículo da matemática para cada série,

assim como atividades e situações inovadoras e interessantes. Poder fazer a

pesquisa no local em que me despertou essa angústia e contar com o grupo como

parceiro possibilitou um novo sentido para mim. A citada escola, três anos após

minha saída, ainda desenvolve um estudo sistemático sobre o ensino da

matemática, sob a orientação do Professor Cristiano Muniz (orientador desta

pesquisa).

Antes de apresentar a escola pesquisada e os participantes nela envolvidos,

gostaria de destacar a expectativa que a pesquisa-ação traz para os envolvidos,

pesquisados e pesquisador. Nela, ambos devem sofrer mudanças significativas,

possibilidade que se tornou concreta e poderá ser mais bem observada no decorrer

deste trabalho, em especial no capítulo V e nas Reflexões Finais.

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2. Local e perfil dos atores da pesquisa

Foi definido no projeto inicial que a pesquisa seria realizada dentro de uma

sala de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A professora-pesquisadora

deveria ter, em sua postura pedagógica, a preocupação política de ensinar a todos e

a consciência do seu papel político-pedagógico no processo em que se encontra o

aluno. A professora-pesquisadora deveria participar de coordenações semanais,

possibilitando utilizá-las durante a pesquisa.

Considerando o perfil acima, voltei à Escola Classe 312 Norte, agora como

pesquisadora-professora e em parceria com a professora Darlene. Junto à direção

da escola, definiu-se como núcleo desta pesquisa a sala de aula da professora

Darlene que atua na 1ª série do Ensino Fundamental da Escola Classe 312 Norte,

em Brasília, Distrito Federal.

Durante a pesquisa, ficou estabelecido entre nós (professora Darlene e eu)

que ambas seriam pesquisadoras e professoras. Adotamos, então, a denominação

de professora-pesquisadora para a professora Darlene e pesquisadora-professora

para mim. Essa nomenclatura aparece diversas vezes no decorrer deste trabalho.

3. Historicidade do núcleo de pesquisa

O núcleo de pesquisa desta investigação é composto pela Escola Classe 312

Norte, pela professora Darlene e por seus alunos da 1ª série, nos anos de 2001 e

2002. Todos estão envolvidos num contexto histórico-social próprio e também na

minha própria historicidade.

A Escola Classe 312 Norte foi uma escola que me fez crescer muito

teoricamente. Na época, na função de coordenadora pedagógica, estudei e

acompanhei problemas diferentes dos que vivia em minha sala de aula. Foi nessa

função, nos diversos momentos de estudos e discussões com o grupo de

professores, que comecei a me interessar pelo ensino de matemática, discussão que

já estava presente na escola mesmo antes de minha chegada.

Havia, também, uma relação anterior com a professora Darlene que já

conhecia desde a faculdade e das assembléias de professores organizadas pelo

sindicato da categoria. Nosso reencontro na escola foi muito bom. Eu, na função de

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coordenadora pedagógica, e ela, professora na turminha de 6 anos, conversávamos

sobre diversos assuntos, não só os problemas de sala de aula. A pesquisa nos

colocou ainda mais próximas.

As turmas de 1º série presentes nesta pesquisa normalmente são turmas de

alfabetização e também fizeram parte de minha trajetória de professora. Alfabetizar

foi uma das ótimas experiências que tive durante vários anos.

Na descrição a seguir de cada um dos integrantes da pesquisa, será possível

conhecer um pouco mais de cada um deles.

3.1. Apresentando a escola

Conforme já relatado neste trabalho, sou professora da Rede Pública do

Governo do Distrito Federal desde 1987. Em minha trajetória docente, trabalhei em

escolas públicas e particulares e atuei na Educação Infantil e nas séries iniciais do

Ensino Fundamental. Cheguei na Escola Classe 312 Norte em 1998, convidada pela

então diretora, para atuar na coordenação pedagógica. Nessa época, não pensava

em mestrado e muito menos em estudar o ensino da matemática nas séries iniciais.

A Escola Classe 312 Norte era na época uma escola referência, por

desenvolver um trabalho diferenciado. Seus alunos representavam os diferentes

níveis sociais. Havia filhos de porteiros, de domésticas, de comerciantes locais, de

médicos, de professores de outras escolas públicas e da UnB, etc. A escola contava

com uma comunidade participativa, uma Associação de Pais e Mestres - APM - bem

estruturada, um Conselho Escolar atuante e uma direção comprometida com a

educação de qualidade. Dentro desse contexto, não hesitei em matricular meu filho

na 1ª série, nessa escola. Minha filha, que estava terminando o 3º período da

Educação Infantil, foi estudar no Jardim de Infância 312 Norte. Acabei me mudando

para a quadra 312 Norte. No meu novo endereço, da janela de meu apartamento eu

via o pátio da escola.

Meus filhos permaneceram na escola até 2001, um ano após a mudança de

governo. Eu não estava mais satisfeita com os rumos educacionais tomados e os

levei para uma escola particular. Foi uma decisão sofrida, pois acredito na educação

pública como a base para uma verdadeira democracia. Adorava ver meus filhos

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aprendendo entre as diferentes culturas e entre as diferentes relações sociais,

possibilidade muito remota dentro de uma escola particular.

Temos, no Distrito Federal, uma situação privilegiada em relação ao resto do

Brasil, conquistada após anos de luta da categoria, a chamada de carga horária

ampliada. Na carga ampliada, os professores trabalham 30 horas semanais em sala

e 10 horas semanais em coordenação. É interessante destacar que, inicialmente,

era dada a opção de escolha às escolas sobre a adoção ou não da carga ampliada.

Na prática, significava que os alunos e professores teriam 5 horas diárias de aula e

que os professores teriam mais 3 horas diárias de coordenação. Algumas escolas

não optaram pela proposta, pois nesse modelo todos os professores precisavam ter

contrato de 40 horas semanais, o que dificultava a vida dos professores que

trabalham em outros lugares. Hoje, em 2003, não existe mais a possibilidade de

opção. Agora, todas as escolas do Distrito Federal que atuam na Educação Básica

trabalham em regime de carga ampliada.

As três horas de coordenação diárias devem ser estruturadas de forma que o

professor possa estudar, planejar e atender seus alunos. Na época em que era

coordenadora da escola, eram muito valorizados os dias de estudos e de

atendimento ao aluno, prática que se modificou com o passar dos anos.

Por se tratar de uma escola pública, as questões políticas influenciam muito o

dia-a-dia escolar. A diretora que me convidou para fazer parte da coordenação havia

sido eleita pelo voto direto no governo do professor Cristovam Buarque, do Partido

dos Trabalhadores e atual Ministro da Educação no Brasil. Com a saída do

Governador Cristovam Buarque e o retorno do governador Joaquim Roriz, muita

coisa mudou. A política educacional passou a ser outra, inclusive deixando de

acontecer a eleição direta para os diretores das escolas. Outra característica do

atual Governo do Distrito Federal é o pouco estímulo dado para projetos e estudos

que poderiam acontecer dentro do ambiente escolar. Essa queixa sobre o atual

abandono das questões pedagógicas na escola será percebida em alguns

momentos da pesquisa.

No que se trata dos instrumentos de divulgação do desempenho dos alunos,

há alguns anos, as Escolas Públicas do Distrito Federal deixaram de usar pontuação

ou média para classificá-los. Atualmente, são utilizados relatórios bimestrais, nos

quais a professora escreve sobre o que foi trabalhado e sobre o desenvolvimento de

seus alunos.

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A Escola Classe 312 Norte se localiza na Asa Norte, um bairro da classe

média do Distrito Federal. A quadra 312 norte é uma das mais antigas de Brasília,

sendo inclusive palco de movimentos culturais da cidade. Em 2002, terminou o ano

com 276 alunos e 13 professores em sala de aula. No ano de 1999, havia quase 500

alunos. No entanto, houve essa redução significativa no número de vagas a partir do

ano 2000, pois a escola tornou-se inclusiva, projeto nacional em que alunos com

necessidades especiais são incluídos nas turmas de ensino regular. Em todas as

salas, há um aluno nesta situação. Buscado um melhor acompanhamento, os

professores recebem turmas menores, de no máximo 25 alunos. Existe também uma

equipe de cinco profissionais (psicólogo, fonoaudiólogo, etc) na escola para

implementação desse projeto. Eles têm uma sala que foi carinhosamente chamada

de OPA – Orientação, Psicologia e Apoio. Esses profissionais atendem também a

outras escolas próximas, em dias previamente combinados.

A direção, no final de 2002, estava composta por uma diretora, uma vice-

diretora, um secretário, um apoio técnico-administrativo, um apoio-administrativo,

uma coordenadora pedagógica, uma professora de informática, uma professora

readaptada que atuou na biblioteca e uma psicóloga. Houve também, no ano de

2002, uma turma de aceleração13 de aprendizagem que contava com 2 professoras

e 15 alunos.

Entre os outros profissionais da escola, há os porteiros, os vigias, as

faxineiras e as merendeiras que trabalham em sistema de rodízio. Esclareço que é

servido na escola diariamente o lanche para todos os alunos, professores e

funcionários.

Trata-se de uma Escola Pública bem estruturada. Há na escola uma

biblioteca bem equipada, 12 computadores (bem antigos) que os alunos utilizam

uma vez por semana, um vídeo, duas televisões e muitos materiais didático-

pedagógicos, inclusive jogos. Os professores utilizam os recursos listados de acordo

com as atividades planejadas e podem solicitar livros e jogos para ficarem em suas

salas de aula.

13 Turmas de aceleração são formadas com alunos que estão atrasados na série em relação à sua idade. A proposta é trabalhar com esses alunos o conteúdo de forma mais abrangente, possibilitando retorná-lo ao ensino regular em uma série equivalente a sua idade. Os professores recebem orientação específica da Secretaria de Educação do GDF para desenvolver o trabalho, o que provocou um isolamento do resto da escola.

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A escola sempre trabalhou com projetos coletivos, mas atualmente apenas

três permanecem em funcionamento: a Feira de Ciência, Tecnologia e Cultura –

FECITEC; a Festa do Livro e o Laboratório de Matemática, coordenado pelo

professor Cristiano Muniz, orientador desta pesquisa.

3.2. Apresentando a professora-pesquisadora

Conheci a professora Darlene Bento Luiz na faculdade, por volta de 1986.

Durante o curso de Pedagogia, fizemos algumas matérias juntas. Não éramos muito

próximas, fizemos algumas matérias juntas e nos encontrávamos nos corredores da

faculdade. Darlene chegou à Escola Classe 312 Norte em 1999. Eu já estava há um

ano na Coordenação Pedagógica da escola. Ao chegar, assumiu uma turma do 3º

período da Educação Infantil ou, como era chamada na época da Escola

Candanga14, turma de alunos de 6 anos da 1ª fase de formação. Apesar de ser

“nova” na escola, já estava trabalhando na Rede Pública do Governo do Distrito

Federal – GDF - desde 1986.

Darlene Bento Luiz nasceu em 18/10/66 e iniciou a docência com crianças

pequenas em 1983, em uma pequena escola particular, localizada em sua cidade

natal, Arraias - TO. Ao mudar-se para Taguatinga – DF, continuou trabalhando em

escolas particulares, até passar no concurso público para professores no DF.

Trabalhando em escolas públicas, pode desfrutar de mais autonomia e assim

desenvolver um trabalho mais gratificante, apesar das dificuldades.

A primeira escola que assumiu quando convocada pela Rede Pública do GDF

foi uma na Agrovila de São Sebastião, hoje cidade de São Sebastião - DF,

localizada próxima da Papuda, o maior presídio da região. Ela relata, com carinho,

histórias vividas na época, refletindo sobre como, apesar das dificuldades do local,

era possível perceber a solidariedade entre os professores da escola e entre os

moradores.

Darlene iniciou seus estudos em uma escola pública de Arraias. Ao chegar na

5ª série, passou a estudar no Colégio das Freiras, uma escola particular e a única na

14 Escola Candanga foi uma proposta educacional para a Rede Pública de ensino do Governo do Distrito Federal, no governo do professor Cristovam Buarque. Nesta proposta, os alunos eram divididos em 3 grandes fases, considerando dois critérios básicos e conjugados: idade e desenvolvimento global.

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região que oferecia da 5ª série em diante. Seu 2º grau (atual Ensino Médio) foi

profissionalizante, optando pelo magistério. Continuou no Colégio das Freiras que,

no meio do curso, tornou-se público, pois o Estado o havia comprado.

Ao concluir o curso de magistério, mudou-se para Taguatinga – DF, cidade

próxima de Brasília, onde residiam seus irmãos mais velhos. Fez alguns cursinhos e

tentou o curso de Jornalismo, mas acabou passando para o curso de Pedagogia em

uma faculdade particular. Em sua análise, percebeu que aprendeu muito pouco na

faculdade e buscou sempre mais leituras indicadas por amigos e nas participações

em seminários e congressos.

Em sua trajetória profissional, deu aulas em diferentes escolas da Zona Rural

do Núcleo Bandeirante, em diferentes níveis da 1ª à 4ª série. No final de 1988 e

1989, com 22 anos, foi diretora de uma escola na Ceilândia - DF. Era uma escola

grande, com aproximadamente 2.000 alunos e 60 funcionários. Ela afirma ter sido

uma fase difícil e que só foi possível desenvolver um bom trabalho, por ela poder

contar com amigos leais, uma boa equipe de professores e funcionários. Ela se

lembra com pesar de algumas atitudes adotadas como diretora ao buscar organizar

o ambiente escolar, pois hoje percebe as quão excludentes elas foram.

Aliás, é interessante destacar a preocupação política existente em sua

postura e discurso. Ela conta que seu pai foi vereador da cidade onde nasceu pelo

partido político ligado aos militares, na época da ditadura militar no Brasil. Com

espanto afirma: “Acredite se quiser! Mas eu fiz campanha para a ARENA! Imagine

que loucura! ” Ela lembra as conversas com seu pai, que tentava lhe explicar os

perigos do comunismo. Quanto mais o pai explicava, mais ela pensava como seria

bom se desse certo!

Sua preocupação com a questão social brasileira foi aumentando à medida

que se envolvia com movimentos da igreja católica em sua cidade. Hoje, Darlene

apresenta um discurso claro e forte de convicções políticas, ideológicas, culturais e

sociológicas. Ela que teve uma infância bem modesta, com oito irmãos que usavam

o mesmo livro, hoje tem o hábito de ler jornais diários, livros de temas educacionais

e revistas alternativas, como “Caros Amigos” que apresenta uma forte conotação

política.

Durante a pesquisa, houve uma greve na Rede Pública e, na escola, apenas

ela e outra professora participaram de toda a greve. Gostaria de destacar que

durante a greve nos encontramos na casa dela. Lá, seu marido, professor na

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Universidade de Brasília, fez questão de participar de nossa conversa, mostrando

seu apoio e indignação com a greve dos professores. Ele também estava saindo de

uma greve, de mais de um mês e encontrou na Darlene o apoio para o movimento.

Ela lembrou as diversas greves que já passou, inclusive tendo de vender bens para

pagar contas e comprar comida. Darlene ainda levantou a questão tão presente nas

reuniões de professores: por que era tão difícil parar as escolas do Plano Piloto, a

área nobre de Brasília? E relembrava o tempo da Agrovila de São Sebastião, onde a

solidariedade acompanhava as dificuldades e as escolas paravam em sua maioria.

Na escola em que atua, tentou conversar com as colegas sobre a necessidade de

apoiar o movimento, mas, apesar das colegas se mostrarem solidárias ao

movimento, não o aderiram.

Estou relatando esses pontos, pois gostaria de explicitar o que chamo de

consciência política, presente no perfil dos autores da pesquisa. Considerando o

prazo de dois anos para a pesquisa, não seria possível trabalhar todos os pontos

importantes para a construção do Ambiente Matematizador. Encontrar uma

professora disposta a ler, estudar, fazer diferente em sala e ainda por cima participar

ativamente da pesquisa não é uma tarefa possível com qualquer docente.

A Escola Classe 312 Norte já tem em sua história uma preocupação com a

formação continuada de seus professores. Quando iniciei a pesquisa de fato, alguns

professores se colocaram à disposição, mas acreditei que na professora Darlene

encontraria a parceria que procurava.

Retornando ao relato da professora Darlene, após seu período na direção da

escola e algumas especializações na área de gestão, ela resolveu iniciar o mestrado

na UnB. Iniciou, em 1992, mas não o concluiu, por problemas pessoais. Acabou

viajando para acompanhar o marido em seu doutorado na Itália, período em que

trabalhou numa ONG que busca integrar os estrangeiros nas escolas.

Voltando para o Brasil e retornando à Secretaria de Educação do DF, foi

trabalhar no Setor de Projetos Especiais, como responsável pela escolarização de

crianças e adolescentes em situação de risco psicossocial.

Darlene mostra sua insatisfação com a atual política educacional, ao reclamar

da falta de discussões pedagógicas profundas, embasadas em bons textos. Destaca

como foram bons os momentos de discussão e estudos que tivemos nesses dois

anos de pesquisa. Nem sempre eu estava fisicamente presente nesses momentos,

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mas havia entre nós uma motivação mútua de achar respostas (e perguntas) para as

diversas situações que estávamos vivendo na sala com as crianças.

O ano de 2002 só foi concluído em 16 de janeiro de 2003, por causa da

greve. Durante o mês da reposição, a professora teve melhores condições de

atender individualmente os alunos, já que apenas 15 alunos estavam frequentando

regularmente as aulas. A professora Darlene ligou para alguns alunos, estimulando

a presença, pois eles ainda apresentavam dificuldades em alguns conteúdos. Ela

recebeu também na reposição dois alunos de outras professoras que não fizeram

greve, mas cujos alunos precisavam de reforço pedagógico.

Em 2003, a professora Darlene pretende continuar na mesma escola. Ela está

grávida de sua segunda filha que deverá nascer em maio.

Poder trabalhar com a Darlene nesses 2 anos de pesquisa foi muito

enriquecedor. Sua clareza de objetivos, sua busca por conhecimento e sua ética e

responsabilidade profissional com certeza enriqueceram muito a pesquisa.

3.3. Apresentando os alunos nos dois anos da pesquisa

Nos anos de 2001 e 2002, a professora Darlene atuou junto à turma de 1ª

série do Ensino Fundamental. Cada turma recebeu um aluno com Síndrome de

Down, como parte do Projeto de Educação Inclusiva. Esses alunos interferiram muito

pouco na pesquisa, as atividades eram propostas e eles acompanhavam dentro de

suas limitações. Gostaria de ter me atentado mais a eles, mas infelizmente não foi

possível.

Para descrever a turma, utilizarei o diagnóstico inicial feito pela professora

Darlene no início de cada ano. Esse relatório diagnóstico faz parte do diário de

classe oficial das escolas públicas do Distrito Federal.

Turma de 2001: A turma começou o ano letivo com 24 alunos, sendo que um deles (GFQ) é portador da Síndrome de Down. 90% da turma já conhece o alfabeto, faz relação letra x som e é capaz de escrever palavras de forma convencional. Todos os alunos reconhecem visualmente o próprio nome e somente dois alunos não foram capazes de escrever o próprio nome. Escrevem e fazem relação número/quantidade até dez cerca de 97% dos alunos.

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A turma é muito participativa e falante. Às vezes é difícil conseguir a atenção de todos ao mesmo tempo. Alguns alunos têm sérios problemas de convivência e relacionamento, resolvendo muitas vezes seus conflitos com agressões verbais e físicas. No geral a turma é muito produtiva e participativa. Sem data. Turma de 2002: A turma é composta por 23 alunos, sendo um deles portador de necessidades educativas especiais (PNEE). Todos os alunos reconhecem visualmente o próprio nome e a maioria escreve o nome sem precisar de modelo. Fazem contagem oral até dez e muitos relacionam número x quantidade. A turma é participativa e frequente. Data: 06/03/02

4. A dinâmica da pesquisa

Posso dizer que a pesquisa se iniciou informalmente em fevereiro de 1998,

ano em que comecei a atuar como coordenadora pedagógica na citada escola, e

formalmente, em 06/08/01, após uma conversa com a direção da escola e com a

professora Darlene. Mostrei a ideia inicial da pesquisa, como parte de um projeto já

desenvolvido na escola sobre discussão e estudo do ensino da matemática. A partir

dessa data, busquei estar semanalmente na escola, ora somente com a professora

no horário da coordenação, ora na sala de aula com os alunos. Minha última ida à

escola em 2001 ocorreu no dia 06/12, retornando depois em 01/03/02.

Houve uma longa greve, de 45 dias, em 2002 na rede pública. Na escola

pesquisada, apenas a professora Darlene e outra professora participaram até o fim

do movimento de greve. Com isso, as aulas se estenderam no mês de janeiro de

2003. Eu estive presente na escola como pesquisadora-professora até 14/01/03,

encontrando-me depois mais algumas vezes com a professora-pesquisadora em sua

casa.

Durante a pesquisa, utilizei para registrar gravador, filmadora, máquina

fotográfica e um caderno de campo, que serão mais bem detalhados nos itens a

seguir.

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4.1. Instrumentos utilizados na pesquisa

A pesquisa aconteceu em dois tipos de momentos: um em que me encontrava

com a professora Darlene durante o horário da coordenação pedagógica e outro em

que desenvolvia a observação participativa na sala de aula. Para cada um desses

momentos, utilizei instrumentos diferentes, exceto pelo caderno de campo, comum

nos dois momentos, para o registro das observações e comentários imediatos.

4.1.1. Professora-pesquisadora e pesquisadora-professora

Os encontros entre mim e a professora Darlene foram muito proveitosos.

Normalmente chegávamos com algumas questões anotadas para serem discutidas,

mas outras acabavam surgindo durante a conversa.

Durante nossas conversas analisávamos as atividades dos alunos,

percebendo as dificuldades e os progressos. Discutíamos, também, sobre o

planejamento para o dia da minha próxima entrada na sala ou elaborávamos

atividades que poderiam ser desenvolvidas no decorrer da semana. Algumas vezes,

levei para casa algumas tarefas como: riscar uma tabela ou gráfico em cartolina;

fazer uma pesquisa sobre um assunto levantado pelos alunos; organizar jogos e

fichinhas; etc. Como dizia a professora Darlene: “Não sou nem doida de recusar sua

ajuda, eu só agradeço!”

Foram 14 encontros em cada ano da pesquisa. Alguns duraram menos de

meia hora e outros, uma tarde inteira. Em dois encontros em 2002, participaram o

professor Cristiano Muniz e a pesquisadora Sueli Freitas. Por vezes chegava à

escola e a professora-pesquisadora estava envolvida em alguma festa ou reunião, o

que tumultuava um pouco nossa conversa. Contudo, no geral, fui muito bem

recebida, não só por ela, como por todo o grupo. Lembro no dia 15/05/02 o seguinte

diálogo entre mim e a professora Darlene:

Darlene: Outro dia a professora X (uma professora da escola) estava reclamando que ninguém faz pesquisa na sala dela. Acho que ela pensa que vocês (Sueli e eu) estão na sala dando aula no meu lugar. Nina: Mal sabe ela que nos só trazemos problemas... Darlene: (risos) Eu estou lá “ralando para caramba” e pelo o que ela

falou, acho que pensa que é igual estagiária. A gente fica sentada vendo a aula rolar. Eu falei para ela: “Quem dera, minha filha! ”

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Nina: Mal sabe ela, a gente só fica criticando! Palpitando!

A escola, por ser próxima à UnB e ter uma tradição de inovadora, recebe

muitas estagiárias em fim de curso e, nos últimos 4 anos, foi o foco de 2 outras

pesquisas de mestrados, além desta e a da Sueli Freitas. Por isso esse comentário

da outra professora, reclamando por não haver ninguém pesquisando na sala dela.

Durante nossas conversas, levava sempre um caderno de campo no qual

anotava o roteiro de nossas conversas e diversas observações e questões que

surgiam.

Algumas de nossas conversas foram gravadas e depois transcritas para

análise.

Foi realizada uma entrevista aberta no início e na conclusão da pesquisa com

o seguinte roteiro:

1. O que é matemática?

2. Como se ensina matemática?

3. Qual a função do grupo nas aprendizagens matemáticas?

4. É possível trabalhar a lógica do processo do aluno com a lógica do conteúdo?

Por quê?

5. Aprendemos uma coisa de cada vez? De forma linear e organizada?

6. Nas aulas de matemáticas são utilizados materiais de contagem,

calculadoras, jornais e outros?

7. Todos os alunos precisam estar necessariamente fazendo a mesma

atividade, ao mesmo tempo?

8. Os jogos são para aprender, fixar o conteúdo ou passar o tempo?

9. O dever de casa é importante? Para quê? Que tipo de dever é utilizado?

10. Nos passeios e atividades fora de sala é possível aprender matemática?

Como é possível trabalhar esses momentos?

11. O que é certo e errado nas provas de matemática? Já pensou em fazer

diferente? Como?

12. O que é importante o seu aluno saber em matemática? Por quê?

13. Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

PERGUNTA PRESENTE NA ENTREVISTA FINAL:

14. O que mudou durante a pesquisa?

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Comparando a entrevista inicial com a final, foi possível identificar as

mudanças ocorridas na professora Darlene durante a pesquisa. Hoje percebo que

teria sido interessante se tivesse feito uma entrevista também com os alunos e

comigo, pois seria possível observar as mudanças ocorridas nos outros participantes

da pesquisa.

4.1.2. Professora-pesquisadora e seus alunos

Esses momentos que passei na sala com os alunos e a professora-

pesquisadora foram muito interessantes. Pude observar uma riqueza de detalhes

não percebidos quando se está no “comando” da sala de aula. Achei muito

confortável a posição de pesquisadora. Em alguns momentos, ficava no canto da

sala só observando, enquanto em outros, participava ativamente. Nos momentos em

que participava ativamente, minhas anotações ficavam prejudicadas. Pode-se

inclusive dizer que essa é uma das dificuldades em se optar pelos princípios da

pesquisa-ação.

No ano de 2001, tive 13 momentos com a turma e no ano de 2002, somente

4. Aos poucos fui me voltando mais para a professora Darlene, registrando suas

falas e suas angústias.

Nos momentos em que estava na sala de aula com os alunos, não utilizei o

gravador e sim uma filmadora. Filmei as aulas dos dias 18/10/01, 01/11/01, 29/11/01

e 08/05/02. Ao transcrever e analisar as fitas de vídeo, pude observar melhor as

diversas falas e atitudes presentes no dia-a-dia da sala de aula. Acredito que nas

aulas que filmei consegui perceber muito mais do que naquelas que somente

anotava no caderno de campo.

Também tirei várias fotos da escola, da sala e dos alunos trabalhando, que

serão apresentadas no decorrer deste trabalho.

Fui tratada com muito carinho e curiosidade pelas duas turmas. Na primeira

vez que cheguei à sala (tanto em 2001, como em 2002), a professora Darlene

estimulou os alunos a fazer uma rápida entrevista comigo, analisando se seria uma

boa ideia eu fazer a pesquisa na sala deles. Fui “aprovada” nas duas entrevistas!

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4.2. Organização dos dados para análise e discussão

Um dos desafios de se trabalhar com os princípios da pesquisa-ação

encontra-se na análise dos dados. Há duas situações que merecem destaque: uma

em que a riqueza de informações coletadas pode distanciar a análise do objeto da

pesquisa; e outra que, nos momentos de participação ativa nas atividades, prejudica

as anotações detalhadas que terminam por apoiar-se nas gravações e nas

conversas com a professora-pesquisadora.

4.2.1. Fichas de pesquisa para análise dos dados

Buscando uma forma de favorecer a análise dos dados coletados pela

professora-pesquisadora e pela pesquisadora-professora, foram utilizados três tipos

de fichas (Apêndice B), preenchidas a partir das anotações do caderno de campo ou

das gravações (gravador ou vídeo) durante a pesquisa. Foi um “vai-e-volta” das

diversas questões. Apesar de não se definir quem preencheria o quê, as fichas

foram preenchidas por mim, pesquisadora-professora, e depois lidas pela

professora-pesquisadora nos nossos encontros ou individualmente. Em ambos os

casos, a professora Darlene fazia suas anotações, sugestões e críticas, que foram

devidamente lidas e consideradas.

A ficha 1, chamada de Ficha Preliminar, foi utilizada nos momentos que

antecederam a definição da pesquisa como local, turma e outros.

A ficha 2, Ficha de discussão e planejamento, foi utilizada nos encontros entre

pesquisadora-professora e professora-pesquisadora.

A ficha 3 foi chamada de Ficha das atividades desenvolvidas e utilizada no

momento em que professora-pesquisadora, alunos e pesquisadora-professora

estavam juntos em alguma atividade.

A organização das fichas teve como base a sequência de datas. Sendo

assim, as fichas foram organizadas e numeradas pela ordem cronológica. Para

visualizar o número de fichas de cada tipo, utilizei também uma numeração paralela

para cada um deles.

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No final da pesquisa, foram preenchidas 48 fichas, sendo 3 Fichas

Preliminares, 28 Fichas de discussão e planejamento e 17 Fichas das atividades

desenvolvidas.

Acredito que essas fichas conseguiram alcançar seus objetivos, facilitando a

análise e o diálogo entre nós (professora Darlene e eu) e permitindo, inclusive,

algumas intervenções do professor orientador desta pesquisa.

4.3. Representação do plano de ação metodológico

O movimento esperado para uma pesquisa que considera os princípios da

pesquisa-ação é o movimento em progressão espiral. De acordo com Barbier (1996),

a discussão, a reflexão e a avaliação realizam-se durante o processo e cada

momento volta-se para uma nova ação, que é produzida por esse movimento e

também produtora dele.

Sendo assim, apresento o seguinte esquema que, apesar de não apresentar

a forma de espiral, mantém o princípio básico do ciclo permanente de ação-registro-

reflexão-socialização-ação.

PROFESSORA-PESQUISADORA, ALUNOS E PESQUISADORA-PROFESSORA ...

Estudo e transposição da Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud

Construção e descoberta do Ambiente Matematizador

DISCUSSÃO E ESTUDOS

PLANEJAMENTO SALA DE AULA

REGISTRO

E ANÁLISE

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5. Um olhar preliminar sobre os dois anos de pesquisa

Os dois anos pesquisados tiveram algumas características comuns e outras

bem distintas. Em comum, há o fato de ambos os anos serem na mesma escola,

com a mesma professora-pesquisadora, atuando na 1ª série do Ensino

Fundamental. Nos dois anos, encontrei uma ótima receptividade por parte da

professora-pesquisadora, dos alunos e dos outros profissionais da escola.

Como distinção entre os dois anos de pesquisa, gostaria de relatar a

preocupação presente no ano de 2001 em estabelecer os passos para se montar o

Ambiente Matematizador. Em nosso primeiro encontro no dia 15/08/01, planejamos

um bilhete que seria entregue aos alunos para que eles trouxessem para a sala

materiais para a montagem do Ambiente Matematizador. No dia combinado, apenas

dois alunos trouxeram alguma coisa. Uma aluna trouxe um vasinho de flores que de

acordo com ela servia para contar. O outro aluno trouxe um saquinho cheio de

pedras, que representavam as pedras da história que a professora havia contando

sobre o início dos números, essa situação será melhor detalhada no capítulo V, item

2.1.2. Apesar de inicialmente a participação dos alunos ter sido pequena, demos

continuidade ao planejamento, apresentando outros materiais e jogos que havíamos

trazido. Depois da apresentação, discutimos algumas regras como a importância de

guardar o material utilizado, não misturar as peças, etc. Essas regras foram escritas

e fixadas no mural da sala, mas, infelizmente, foram pouco seguidas. Os alunos,

bem ansiosos para brincar, estavam organizados em grupos áulicos (capítulo V, item

2.4.2) e escolheram o que queriam entre os materiais e jogos apresentados. Tiveram

um tempo para jogar e brincar, enquanto a professora Darlene e eu andávamos pela

sala observando e intervindo. Buscávamos sempre observar os princípios presentes

no Ambiente Matematizador, que serão mais bem detalhados no decorrer deste

trabalho. Planejamos projetos e atividades que favorecessem visualizar o Ambiente

Matematizador, mas conforme observação feita pela professora-pesquisadora no dia

08/01/03, “o Ambiente Matematizador em 2001 ficou muito artificial. Em 2002, foi

bem mais natural”. Essa colocação da professora-pesquisadora foi muito importante

para o desenvolvimento da pesquisa. De fato, concordo com ela. No ano de 2002, a

pesquisa aconteceu com muito mais naturalidade.

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Em 2002, ficou claro que a proposta do Ambiente Matematizador não era

minha e sim nossa. Não houve uma preocupação em estabelecer passos para sua

construção. A sala de aula da professora Darlene estava rica em informações e

materiais que os alunos traziam de casa, de acordo com as atividades planejadas. A

proposta do Ambiente Matematizador começou a aparecer em outras disciplinas,

não só na matemática. Os projetos surgiam a todo o momento, sem a preocupação

da organização linear dos conteúdos. Os alunos utilizavam material de contagem

sempre que era necessário e as regras estabelecidas em 2001 deram espaço para

um contrato didático discutido, refletido e respeitado pela turma (capitulo V, item

2.4.3). Essa seria realmente a grande distinção apontada pela professora-

pesquisadora, no dia 08/01/03: “Tivemos, em 2001, um Ambiente Matematizador

Artificial, enquanto que, em 2002, tivemos um Ambiente Matematizador Natural.

Agora, acredito que não conseguirei trabalhar matemática de outra forma que não

essa: dinâmica, contextualizada e divertida”.

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Capítulo V: PROFESSORA-PESQUISADORA E

PESQUISADORA-PROFESSORA JUNTAS, ESTUDANDO E

ANALISANDO O AMBIENTE MATEMATIZADOR

1. Natureza dos resultados: aspectos físicos, psicológicos e sociais

Retornando aos objetivos gerais e específicos desta pesquisa, é importante

destacar a riqueza de situações, informações e reflexões obtidas na construção do

Ambiente Matematizador. Isso acaba por dificultar as conclusões finais, pois se faz

necessário desconsiderar muitos fatos interessantes durante a análise. A opção

pelos princípios da pesquisa-ação também enriqueceu ainda mais os dados para

análise observados na pesquisa que, acredito, continuará a acontecer após a

conclusão desta.

A construção do Ambiente Matematizador possibilitou aos envolvidos na

pesquisa estabelecer uma teia de relações e aprendizagens. Como já foi relatado no

Capítulo IV, o ano de 2001 foi muito diferente de 2002 e assim acredito que deva

ser, pois o Ambiente Matematizador será sempre dinâmico, epistêmico e exclusivo

para cada turma (Apêndice A). Dinâmico, por estar sempre em movimento e

modificar-se a cada dia, conforme o interesse dos envolvidos no processo de

aprender e ensinar. Epistêmico, porque se constitui a partir da capacidade dos

alunos e professores de aprender sempre, considerando o conhecimento em seus

aspectos sociais, culturais, cognitivos, históricos, linguísticos e lógicos. E, finalmente,

exclusivo, já que nunca haverá um Ambiente Matematizador igual a outro, mesmo

que no ano seguinte, com uma mesma professora, em uma mesma série. Ele será

sempre único a cada ano e a cada momento.

Quanto aos resultados físicos da pesquisa, esses são bem observáveis, pois

a sala de aula ganhou espaços ricos de informações e ultrapassou as “quatro

paredes”, utilizando atividades trazidas pelos alunos e também os espaços externos

como parque, campos, cinemas, exposições, entre outros.

Na questão psicológica, destaco como mais relevante a forma na qual a

matemática passou a ser encarada pelos envolvidos na pesquisa. Os alunos

desenvolviam as atividades matemáticas com prazer, sendo possível perceber tal

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interesse no dia-a-dia da sala de aula e também nos relatos orais dos familiares nas

reuniões bimestrais com a professora-pesquisadora. A professora Darlene relata

com “espanto” a situação, pois os pais foram enfáticos em afirmar que os deveres de

casa que envolviam matemática eram feitos com muito mais interesse do que os

deveres de outras disciplinas.

A professora-pesquisadora, além de mostrar grande interesse matemático

durante a pesquisa, apresentou inquietude sobre alguns conteúdos matemáticos que

antes não lhe despertavam curiosidade, como no caso das tabelas e gráficos que

utilizou com os alunos na construção do Ambiente Matematizador. Ela relata que sua

relação com a matemática está bem mais “feliz”, prova disso é sua participação ativa

nos cálculos para a reforma em sua residência. Antes, seu marido assumia esses

cálculos, ficando ela de fora de tal atividade. Hoje, “mesmo contando nos dedos, faz

questão de participar e o melhor é que os resultados vêm sendo financeiramente

bem positivos, conseguindo previsões e economias compensadoras”.

Como não poderia deixar de ser, eu, a pesquisadora-professora, deparei com

as diversas possibilidades de situações (matemáticas ou não) que superaram

minhas expectativas. Por buscar os princípios da pesquisa-ação, a pesquisa foi

sendo modificada pelos diferentes participantes, em especial pela professora

Darlene. Em diferentes situações, parecia ser a Darlene a pesquisadora-professora

tamanho suas preocupações, reflexões e envolvimento nas situações propostas

durante a pesquisa. Nesses momentos, eu acabava por ocupar o lugar de

professora-pesquisadora e me via repensando a pesquisa sobre um prisma

diferente, o que enriqueceu a análise dos dados e, num aspecto mais abrangente,

modificou minhas relações sociais do dia-a-dia, tornando-me mais compreensiva e

melhor ouvinte.

Na dimensão social do Ambiente Matematizador, é possível perceber como a

turma desenvolveu e amadureceu em sua relação diária no grande grupo, em duplas

e nos grupos áulicos. Apesar de a ordem e o silêncio não fazerem parte do perfil das

turmas observadas (2001 e 2002), houve a incorporação de regras de respeito ao

outro, inclusive diminuindo muito a agressividade existente inicialmente. Outra

característica observável foi constatada pela professora da 2ª série, em 2002. Ela

procurou a professora Darlene e destacou a postura de discussão e justiça presente

na turma que havia participado da pesquisa no ano de 2001. Relatou que ao ocorrer

algum impasse ou alguma resolução a ser tomada, a turma rapidamente sugeria que

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fosse feita uma votação, estabelecendo propostas dos caminhos possíveis. Na

escolha de ganhadores, líderes ou representantes queriam participar, questionando

quais os critérios utilizados para tal escolha.

Na relação entre a professora-pesquisadora e as outras professoras da

escola, houve um certo afastamento, sendo, inclusive, tema de discussão no grupo

de trabalho em que a professora Darlene foi verbalmente acusada de se isolar

durante o ano em sua sala. Tal questão será mais bem detalhada na categoria 2.4.2.

Há diferenças na relação da professora Darlene com seus alunos do ano de

2001 para 2002. Percebo, e ela confirma em nossas conversas, que estava muito

mais tranquila e segura em 2002 dos caminhos a seguir, o que refletiu de forma

positiva na relação com a turma.

Posso afirmar também que a relação entre nós, professora-pesquisadora e

pesquisadora-professora, foi se fortalecendo durante a pesquisa e hoje percebo a

relação de amizade, respeito e confiança que se estabeleceu.

Aprofundarei cada um desses resultados nas categorias que serão

apresentadas a seguir.

Foto 1: Nesta foto, tirada dia 17/05/02, é possível visualizar a sala durante uma atividade

matemática. Os alunos estão sentados nos grupos áulicos. Pendurados no teto estão os nomes e os componentes dos grupos áulicos. No fundo da sala, está a professora Darlene. Também é possível visualizar os armários da sala com os materiais do Ambiente Matematizador. Destaco ainda o mural, construído a partir das atividades feitas em sala.

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2. Sistema de categorias para análise

As análises dos dados coletados na pesquisa nos dois anos (2001 e 2002) de

trabalho foram organizadas em categorias. Estabeleceram-se cinco categorias

principais e suas respectivas sub-categorias, conforme descrito na tabela abaixo. As

categorias são baseadas nos elementos principais da Teoria dos Campos

Conceituais de Gerard Vergnaud (Apêndice A). Koch (1993, p.67) explica a Teoria

dos Campos Conceituais como “um conjunto de situações cujo domínio progressivo

exige uma variedade de conceitos, procedimentos e de representações simbólicas

em estreita conexão. ”

É interessante observar que nas análises, em alguns momentos, buscou-se

relações com fatos ocorridos antes de 2001, o que configura um procedimento

aceitável por a pesquisa utilizar princípios da pesquisa-ação.

CATEGORIAS SUB-CATEGORIAS

2.1. A organização do trabalho pedagógico na construção do Ambiente Matematizador embasado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud.

2.1.1. Projetos de trabalho, favorecendo atividades extra-classe, pesquisas, entre outros.

2.1.2. Organização espacial e temporal da sala de aula: passeios, brincadeiras, jogos, materiais concretos, etc.

2.2. Conceitos matemáticos no Ambiente Matematizador

2.2.1. Conceitos matemáticos considerando o contexto histórico-social, a lógica do aluno e o conteúdo escolar.

2.3. Ofertas das situações matemáticas no Ambiente Matematizador.

2.3.1. Situações contextualizadas que levem o aluno à ação.

2.4. Procedimentos dos alunos, da professora-pesquisadora e da pesquisadora-professora.

2.4.1. Mediação e intervenção no Ambiente Matematizador..

2.4.2. Relações interpessoais constituídas no espaço do Ambiente Matematizador: alunos, professora e pesquisadora.

2.4.3. Contrato didático constituído

2.4.4. Avaliação no Ambiente Matematizador

2.5. Representações simbólicas no Ambiente Matematizador.

2.5.1. Ação-registro-reflexão-socialização da professora-pesquisadora, dos alunos e da pesquisadora-professora.

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2.1. A organização do trabalho pedagógico na construção do

Ambiente Matematizador

A possibilidade da construção do Ambiente Matematizador embasado na

Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud nos levou a discussão do significado

do termo construção. A professora Darlene, no dia 02/09/02, levantou a questão de

que “às vezes temos o material, mas não temos o Ambiente, pois esse não foi

construído”. Ela em sua reflexão percebe que construção foi o que aconteceu em

2002, ano em que o Ambiente não seguiu passos estabelecidos, mas que ocorreu

de forma natural, a partir dos objetivos estabelecidos. No ano 2002, também foi

grande a participação dos alunos e até dos funcionários da escola que encontravam

na turma abertura para trazer novidades, como no dia em que a professora de

informática, trouxe para eles um ouriço de uma castanheira. O Agente

Administrativo, abriu o ouriço e possibilitou a problematização da novidade. Os

alunos iniciaram uma pesquisa sobre a árvore, local que nasceu, a sua importância

na natureza e na sociedade, assim como a elaboração de situações-problema que

exigiram cálculos matemáticos. Conforme notado, é possível afirmar que a proposta

do Ambiente Matematizador pode despertar na coletividade da escola uma certa

prontidão na oferta de situações inusitadas e originais.

Ainda nesse dia, uma das atividades matemáticas desenvolvidas consistiu em

propor oralmente aos alunos a resolução da seguinte situação-problema: Dentro de

um ouriço, encontramos sempre 14 castanhas. Se tivéssemos 2 ouriços, quantas

castanhas teríamos? E 3 ouriços? E 4 ouriços? E assim por diante. Os alunos se

envolveram em buscar a resposta, usando representações escritas no papel,

utilizando-se de bolinhas. Enquanto alguns buscavam apoio nos palitinhos de picolé,

outros iam somando os números em uma folha. Destaco, nesta situação, a

importância de haver disponíveis materiais para esse fim, em uma turma que se

proponha a trabalhar no Ambiente Matematizador. A professora-pesquisadora

deixou que eles trabalhassem livremente, colocando à disposição deles folhas e

material de contagem15. Sem muita formalidade, eles iam chegando aos resultados.

15 Material de contagem são aqueles materiais utilizados pela professora-pesquisadora e seus alunos para visualizar as quantidades trabalhadas. Havia na sala tampinhas, canudos, palitos, elásticos, ábaco, material dourado e fichas com os números de 0 a 9, que eram utilizados a qualquer momento que fosse necessário.

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Alguns foram até as centenas, enquanto outros ficaram nas dezenas mais próximas.

No olhar da professora-pesquisadora, com o qual concordo, este seria o significado

do termo construção, a possibilidade de envolver os alunos nas situações sugeridas

não só pela professora, mas por outros envolvidos no processo de aprendizagem.

Definimos, então, que a construção dar-se-á a partir de uma atividade que

envolvesse os alunos, possibilitando a eles participação ativa. Com isso,

ultrapassamos a ideia de construção como espaço estritamente físico, organizado

para aprender matemática.

Sobre a organização do trabalho pedagógico na construção do Ambiente

Matematizador, foi interessante perceber que os elementos centrais da Teoria dos

Campos Conceituais (situações desafiadoras, procedimentos que favoreçam a

relação entre os conceitos, etc) já estavam presentes na sala, esperando para ser

identificados. No início desta pesquisa (capítulo I – item 2.3), destaquei alguns

princípios didáticos que, considerando a Teoria dos Campos Conceituais,

necessitariam ser revistos no dia-a-dia da sala de aula, como a forma linear dos

conteúdos; a visão inadequada do erro e a convicção que se aprende sozinho e em

silêncio. Foi interessante notar que tais princípios já estavam sendo questionados

pela professora-pesquisadora não só em matemática, mas também em outras

disciplinas. Isso nos revela que a vivificação da teoria de Vergnaud extrapola os

muros curriculares da matemática, sendo uma teoria que compreende o fenômeno

da aprendizagem de forma mais ampla.

Sobre a organização linear dos conteúdos, a professora Darlene relata que,

desde o início de sua docência, definiu como uma boa aula aquela em que os alunos

se envolvem, participando, levantando questões. Ela diz se sentir entediada quando

é “obrigada” a seguir um planejamento, no qual o conteúdo é organizado um após o

outro, sem permitir a interação entre os conteúdos e entre as disciplinas.

Outro ponto presente na sala, mesmo antes de se falar da Teoria dos

Campos Conceituais, é a forma como o erro era encarado pela professora-

pesquisadora. Para ela uma prova já não dizia muita coisa, pois ela queria entender

o raciocínio de seus alunos para chegar naquela resposta, mesmo que errada. A

grande dificuldade encontrada é a realidade de 25 a 30 alunos em sala, o que nem

sempre possibilita um olhar mais atencioso sobre o pensamento do aluno, em

especial na revelação dos esquemas presentes nas resoluções das situações

propostas.

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Por fim, a questão do grupo em sala de aula sempre fez parte da organização

dos trabalhos da professora Darlene com os alunos. Ela conta que, antes mesmo de

conhecer a dinâmica dos grupos áulicos (item 2.4.2), já havia percebido a riqueza de

relações observadas nos trabalhos em grupo. Apesar de não sistematizar e não

embasar teoricamente tal procedimento, ela já o desenvolvia em sua sala de aula.

Com essas ponderações, alguém poderia precipitadamente concluir que por

ser assim tão comum, a pesquisa perde sua validade, afinal a teoria não seria uma

grande novidade em termos de prática pedagógica no grupo escolhido para a

constituição do Ambiente Matematizador. Ao meu ver, é exatamente o contrário. A

Teoria dos Campos Conceituais permite a análise da realidade de forma tão crítica e

responsável que a torna tão especial. Fazer por fazer pode significar perder-se

facilmente no caminho, como diria o mestre Paulo Freire (1993, p.14) “pensar a

prática enquanto melhor maneira de aperfeiçoar a prática. Pensar a prática através

de que se vai reconhecendo a teoria nela embutida”.

2.1.1. Projetos de trabalho, favorecendo atividades extra-classe,

pesquisa, entre outros

Deve estar presente no Ambiente Matematizador a organização do trabalho

pedagógico com projetos que busquem favorecer atividades interessantes,

relacionando os conceitos (matemáticos ou não) entre si e utilizando diversos

espaços. A professora Darlene, mesmo antes de iniciar a pesquisa, sempre

acreditou na importância de ultrapassar os limites das “quatro paredes”. Durante os

anos de 2001 e 2002, ela desenvolveu projetos de trabalhos e levou os alunos ao

cinema, museus, exposições, parques ecológicos, entre outros. Cada vez que ia a

cada um desses espaços, desenvolvia projetos que previam atividades de

matemática, de português, de ciências, de história, de geografia e de artes. Os

alunos trabalhavam diferentes conteúdos de forma rica e integrada. Na entrevista

final da pesquisa, dia 21/01/03, a professora Darlene relata as mudanças ocorridas

nas atividades desenvolvidas fora da escola, após a pesquisa:

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Antes da pesquisa eu já via isso, mas não com tanta organização. Por exemplo, íamos para o zoológico, mas era a coisa muito solta. Depois fazia um exercício. Perguntava quantas patas, quantas cabeças... Era muito solto. Hoje quando eu planejo sair com os alunos, monto um projetinho. Vamos estudar isso e isso, tais e tais conteúdos, como foi aquele do jogo da velha e outros. A gente saiu para o museu de artes. Nós fomos à vários museus. A gente trabalhou muito essa coisa do percurso, de ir e voltar. Hoje está mais organizado. No Ambiente Matematizador, surgiu essa coisa. Vai ter

um passeio? Então vamos organizar para que dentro do conteúdo que eu tenho que dar, verifico o que eu posso explorar, o que pode vir junto. A maioria das vezes extrapola, porque eu penso X e eles (os alunos) pensam X, Z e vão indo. A cabeça do aluno é assim.

Vale, aqui, esclarecer como definimos (Darlene e eu) um projeto de trabalho.

Partimos do princípio de que, para de fato acontecer de acordo com a proposta do

Ambiente Matematizador, o projeto deve partir do interesse dos alunos.

Considerando esse interesse, é necessário definir com os alunos questões para

pesquisa, organizar materiais sobre o assunto e elaborar situações-problema que

possibilitem relacionar diferentes conceitos, matemáticos ou não. Vimos nos projetos

de trabalho a possibilidade de trabalhar os conteúdos escolares de forma integrada

e contextualizada. Desde o início, ficou claro para nós que não era necessário saber

todas as respostas para as questões levantadas pelos alunos. Estabelecemos a

prática da pesquisa como nossa “aliada”. Durante todo o tempo, estávamos

pesquisando e estudando com os alunos os temas escolhidos.

Entre os diversos projetos desenvolvidos em 2001, destaco o da Feira de

Ciências, Tecnologia e Cultura - FECITEC e o da Lojinha. Em 2002, destaco o do

Jogo da Velha, o do Chocolate Quente e do Telefone. Em cada um desses projetos,

foi possível envolver os alunos com diversos conceitos matemáticos, dos mais

simples aos mais complexos. A professora Darlene tinha claro os conteúdos

matemáticos que faziam parte do currículo da sua turma (1ª série), mas permitiu que

as atividades fossem enriquecidas com conteúdo de outras séries, tendo a clareza

disso durante sua observação e avaliação dos resultados obtidos.

O Projeto da FECITEC envolveu toda a escola. Cada turma escolheu um

tema para ser desenvolvido em sala com a professora. No dia marcado com a

direção, alunos e professores organizaram-se para receber os familiares e a

comunidade. Durante a feira, os alunos se revezavam para apresentar as

descobertas e aprendizagens adquiridas durante o estudo.

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A turma da professora Darlene apresentou os Projetos Digimom e do Fogo.

Os alunos estavam encantados com o desenho animado dos heróis japoneses

Digimom que passava na televisão. Eles levavam diariamente para a sala de aula

figurinhas, revistinhas e jogos do Digimom. No primeiro momento, a professora

Darlene conta que se irritava com tal situação, mas depois percebeu que poderia ser

tema de um projeto de trabalho e proporcionaria aprendizagens interessantes e

material para participar da FECITEC. Os alunos adoraram a ideia e passaram a

trazer para a sala o que tinham em casa sobre o assunto. A professora Darlene,

junto com seus alunos, estabeleceu as questões que gostariam de pesquisar, como

conhecer melhor o Japão, país em que se passava o desenho. No dia 23/08/01, a

professora Darlene pediu minha ajuda para elaborar atividades e organizar materiais

sobre o Japão. Fui à Embaixada Japonesa, consegui mapas e fotografias e verifiquei

a possibilidade de os alunos fazerem uma visita à embaixada. A professora-

pesquisadora convidou também a professora que atua na biblioteca da escola, de

origem japonesa, para conversar com os alunos sobre o Japão. Ela adorou o convite

e mostrou para os alunos as histórias, a música e algumas palavras japonesas. Mais

uma vez, destaco a possibilidade da proposta do Ambiente Matematizador favorecer

a coletividade da escola na oferta de situações inusitadas e originais.

Planejamos e discutimos algumas atividades matemáticas, envolvendo

tratamento de informações (tabelas e gráficos). Havia na sala de aula muito material

sobre o Japão: fotos, desenhos, mapas, cartazes, etc. No dia 30/08/01, participei da

aula em que os alunos escolheram a cidade japonesa que gostariam de conhecer e

anotavam em uma tabela. Para fazer a escolha, eles levaram em consideração as

histórias que ouviram, as fotos e o próprio desenho do Digimom.

Pude observar, neste dia, um dos problemas de se trabalhar com projetos. Os

alunos estavam sentados no chão, em círculo e enquanto a professora apresentava

o material e explicava a atividade, uma das alunas falou: “Vamos estudar o Japão a

vida toda? ” Foi um sinal de que o trabalho estava se tornando repetitivo. Apesar do

tema do projeto ser do interesse da turma, ele sempre corre o risco de “perder o

encanto”. É preciso que a sensibilidade da professora reconheça o momento de

mudar o foco. Por isso é importante que os prazos de um projeto sejam flexíveis e

durem enquanto existir o interesse da turma em continuar a trabalhar as questões

levantadas sobre o tema.

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No dia 30/08/01, após uma discussão oral sobre os dados obtidos, os alunos

fizeram uma atividade escrita sobre questões envolvendo conhecimentos

matemáticos trabalhados naquela aula (Anexo A).

Nesta atividade, foi possível sistematizar com os alunos uma análise dos

dados obtidos na tabela e no gráfico e foi favorecida também a observação das

hipóteses presentes na escrita dos números. Grampeamos os trabalhos por grupos

e assim foi possível constatar que os alunos mantiveram a mesma resposta no

grupo, com exceção de 2 alunos que responderam diferente de todo o resto.

Falaremos mais sobre os trabalhos em grupos neste capitulo, item 2.4.2.

O projeto Digimom deu origem a outro projeto, o do FOGO. Nos desenhos

acontecem explosões e os heróis usam o fogo para se defender. Os alunos

começaram a questionar sobre quem “inventou” o fogo e, mais uma vez, essa

questão virou projeto. Ocorreram pesquisas, a sala de aula agora estava cheia de

informações, fotos, livros, desenhos, etc que falavam sobre fogo. A matemática mais

uma vez estava presente de forma lúdica e contextualizada. Foi trabalhado o

conceito de quente e frio, das diferentes temperaturas, da invenção da pólvora e foi

confeccionada uma linha do tempo sobre as descobertas do fogo. Os alunos, a

professora Darlene e eu pesquisamos diversas datas e informações que envolviam o

fogo. Antes de fazer a linha do tempo do fogo, buscamos uma forma de exemplificar,

para os alunos, o que seria uma linha do tempo. Planejamos (Darlene e eu), então,

uma atividade com os aniversários (Anexo H). No dia 20/09/01, cada um de nós

recebeu uma ficha com seu nome escrito e data de nascimento. Como na sala já

havia um calendário com todos os aniversários (inclusive o meu), bastou acrescentar

o ano de nascimento de cada um. Com a participação de toda turma, fomos colando

as fichas dos nascimentos em uma tira de papel bem comprida, na ordem dos mais

velhos para os mais novos. Essa atividade aconteceu com muita agitação. Os alunos

se agitaram, até porque a professora Darlene e eu estávamos muito agitadas, pois

faltavam 2 dias para a FECITEC que aconteceria no dia 22/09/01, um sábado. A

atividade foi tumultuada. Logo depois, iniciamos a linha de tempo do fogo, também

ocorrida com muita confusão. O ideal seria fazer a linha do tempo do fogo em outro

dia, mas o prazo da FECITEC já havia se esgotado. Os alunos participaram com

entusiasmo, eles perguntavam e comemoravam cada informação que era colocada

na linha. Novamente, pude observar outro problema de se trabalhar com projetos, as

possibilidades de situações são muitas e às vezes fica difícil conciliar tudo isso. Os

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alunos, a professora e eu tínhamos mais coisas para aprender e ensinar sobre o

fogo, mas chegava a hora de terminar o projeto. Conciliar a proposta do Ambiente

Matematizador com o calendário escolar às vezes se torna um empecilho. Após

essa aula, o material dos dois projetos foi devidamente organizado para ser

apresentado na FECITEC, que no dia contou com a participação ativa dos alunos.

Outro projeto interessante foi o Projeto da Lojinha. Ele aconteceu várias vezes

durante o ano 2001 e algumas vezes no ano 2002 (não se repetindo mais em função

de outros projetos). Seu objetivo era favorecer as aprendizagens das quatro

operações (adição, subtração, multiplicação e divisão), com ênfase na adição e

subtração. Os alunos e a professora Darlene montaram um baú de “coisas” para

vender e brincar. Em um dia combinado, a turma organizava as “coisas” do baú,

colocando preço e expondo-as para venda. Cada aluno recebia uma quantia em

“dinheiro de mentira” e circulava pela sala para comprar o que quisesse, desde que

o dinheiro desse. A professora convidava dois alunos para serem os caixas. Depois

da compra, eles brincavam com o que compraram e, antes de terminar a aula,

devolviam para o baú. No dia 01/11/01, filmei os alunos trabalhando na Lojinha. Os

alunos estavam envolvidos na atividade, faziam contas e mais contas, comparavam

os preços, analisavam se o dinheiro dava e trocavam ideias com os colegas. As

duas alunas que estavam no caixa contavam os valores com a ajuda da professora

para mediar as transações de compra e venda. Os conhecimentos matemáticos

estavam presentes o tempo todo. Os alunos adicionavam, subtraiam, multiplicavam,

dividiam, faziam previsões, cálculos mentais, sem se preocuparem se era ou não

parte do currículo da 1ª série. Foi possível visualizar o princípio básico do Ambiente

Matematizador, relacionar diferentes conceitos em uma mesma atividade.

Em 2002, os projetos continuaram a acontecer. O Projeto do Jogo da Velha,

assim como do Digimom, aconteceu em função das brincadeiras dos alunos que, a

todo o momento, “atrapalhavam” a aula jogando o tradicional jogo da velha. A

professora, que no começo se chateava com o jogo, resolveu fazer um campeonato.

A turma adorou a ideia e começou a estabelecer as regras do jogo e a contagem de

pontos para se chegar ao vencedor. Os alunos pesquisaram outras formas de jogar,

confeccionaram as cartelas dos jogos (trabalhando conceitos geométricos),

selecionaram as tampinhas por equipes (classificando e ordenando o material),

organizaram uma tabela estabelecendo quem jogava com quem e muitas outras

atividades. Ao elaborar esse projeto, a professora-pesquisadora enumerou os

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conteúdos que poderiam ser trabalhados, como formas de registros, soma dos

pontos, organização do espaço (na sala e no papel), entre outros. Em uma

conversa, no dia 02/09/02, o professor Cristiano (orientador desta pesquisa) alertou-

nos (professora Darlene e eu) em relação ao jogo da velha:

Olha o que você está fazendo. Você está pegando um jogo tal qual ele é e está problematizando no sentido matemático, na situação matemática do jogo, mantendo o jogo contra jogo. Essa é uma perspectiva fantástica! De registro, de comparação, de possibilidade e de probabilidade que você está montando.

Outro projeto interessante foi o do Chocolate Quente. Ele surgiu de um

comentário de uma aluna no início da aula: “Que frio... hoje está bom para fazermos

um chocolate quente! ” Foi discutido com a turma que esse era um costume da

região de que ela veio, o Rio Grande do Sul, e que poderia ser preparado na sala. A

turma “topou” e com a ajuda da pesquisadora Sueli Freitas, que estava na sala

naquele dia, foi escrita a receita de como preparar um chocolate quente. A

professora Darlene ao escrever o projeto, que durou quase dois meses, enumerou

os diferentes conteúdos que poderiam estar presentes:

Matemática: medida, comparação e proporção. Ciências: origem dos alimentos. Português: conhecer receitas, estudar o ch. Geografia: estabelecer as estações do ano. História: cidadania, embalagem, datas e prazos de validades.

A turma participou ativamente do projeto. Fez pesquisa de preço, calculou a

quantidade necessária para o número de alunos, arrecadou o dinheiro, fez as

compras, levou balança e fogão para sala, preparou e tomou o chocolate quente. Foi

uma verdadeira festa. Darlene afirma, na conversa do dia 02/09/02, a necessidade

da mudança de postura para se trabalhar no Ambiente Matematizador. Antes, esse

projeto poderia não sair pela preocupação de organizar tudo separadamente. Com a

proposta do Ambiente, ela afirma que “relaxou... antes ficava tensa com os

resultados. Tinha que ver todo mundo igual, aprendendo junto. Agora não, com as

leituras e discussões que “rolaram”, comecei a perceber que não é bem assim que

se aprende”.

Por último, destaco o Projeto do Telefone, que surgiu de uma brincadeira de

mau gosto de um dos alunos da sala que estava passando trotes em outras

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pessoas, inclusive na escola. O problema foi discutido com os alunos e a professora

Darlene elaborou um projeto visando trabalhar com a turma o uso adequado do

telefone. Foram a uma exposição sobre telefone, fizeram pesquisa sobre a invenção

e evolução do aparelho, organizaram uma agenda dos telefones dos colegas da sala

e dos números úteis, como polícia, bombeiro, PROCON, hospitais, da escola, etc.

É interessante perceber que as aprendizagens ocorridas por meio dos

projetos de trabalho foram interdisciplinares. Houve melhoras significativas nas

aprendizagens em todos os conteúdos, inclusive na matemática. A partir dos

projetos desenvolvidos, foi possível envolver os alunos em atividades

contextualizadas de contagem, de relação número/quantidade, de situações-

problema envolvendo as quatro operações (com material concreto ou não), de

classificação, de registro, de composição e decomposição de números, etc. As

avaliações feitas durante o ano foram importantes para tranquilizar a professora, que

pode constatar que, apesar da suposta desordem dos conteúdos, esses vinham

sendo trabalhados e compreendidos pelos alunos. Em diversas de nossas

conversas, ela ressalta sua preocupação com a avaliação, com o quê os alunos

estão aprendendo. Voltarei a este assunto ainda neste capítulo, no item 2.4.4 que

trata de avaliação.

2.1.2. Organização espacial e temporal da sala de aula: passeios,

brincadeiras, jogos, materiais concretos, grupos, etc

Outro ponto importante para se conceber um Ambiente Matematizador é

buscar outras formas de organizar a sala e de trabalhar os conteúdos escolares com

os alunos. Utilizar outros espaços que ultrapassem as “quatro paredes” da sala de

aula é também fundamental para enriquecer o Campo Conceitual do que se quer

aprender e ensinar.

Sobre a organização espacial da sala de aula, destaco que muitas vezes a

dificuldade em organizá-la de uma forma diferente daquela tradicionalmente usada

aparece em questões diárias, como a relatada pela professora Darlene, no dia

15/05/02:

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Em outras escolas que atuei, dividi sala com professoras que não utilizavam as carteiras da mesma forma que eu. Elas trabalhavam com os alunos enfileirados. Neste tempo, todos os dias no início da aula, era necessário reorganizar as carteiras formando os grupos. Na 312 norte, as auxiliares de ensino que assumiram a limpeza da sala não viram problema em deixar as carteiras organizadas conforme solicitei, o que facilitava bastante o início da aula.

O interessante desse relato é perceber que, apesar da dificuldade, a

professora Darlene não abandou a proposta da organização da sala em grupos. Ela

continuou mesmo precisando arrumar diariamente as carteiras no início da aula, pois

acreditava na importância da socialização dos alunos durante as atividades

planejadas.

Outra questão que merece destaque na organização espacial de sala de aula

é o acesso dos alunos aos jogos e materiais que fazem parte do Ambiente

Matematizador. Como já foi relatado anteriormente, a pesquisa ocorreu em uma

Escola Pública de Brasília que disponibiliza poucos armários nas salas. Sendo

assim, no dia 15/08/01, antes do início da minha participação nas aulas da

professora Darlene, como pesquisadora-professora, ofereci, como empréstimo, um

armário de aço com chave, para ser utilizado por ela na sala de aula. Ela aceitou

com alegria, pois como a pesquisa propunha a utilização de materiais e jogos

matemáticos, ela estava preocupada em como guardar todos eles, até porque a sala

era utilizada por outra turma no período vespertino, razão da importância da chave,

pois evitaria que o armário fosse aberto e os jogos utilizados sem o devido cuidado

pela outra turma.

No dia 23/08/01, os alunos começaram a levar materiais e jogos que

poderiam fazer parte do Ambiente Matematizador. Ficou combinado que o Ambiente

Matematizador deveria ser constituído de materiais e jogos que possibilitassem o

fazer matemático, ou seja, que tivessem números, contagens, comparação,

classificação, ordenação, formas e contas. No primeiro dia, dos 24 alunos, apenas 2

alunos apresentaram material para fazer parte do Ambiente. Uma aluna trouxe um

vasinho de flores, que de acordo com ela servia para contar. O outro aluno trouxe

um saquinho cheio de pedras, que representavam as pedras da história que a

professora havia contando sobre o início dos números. Destaco a preocupação

deles em deixar esses materiais na escola, queriam levá-los de volta para casa, só

se convencendo de deixá-los ao perceber que nós (as professoras) estávamos

deixando nossas coisas também. Durante o ano, foram aparecendo outros materiais,

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como livros, jogos, revistas e tampinhas, acrescentados ao Ambiente

Matematizador. É interessante que, no primeiro momento, jogos de letras e palavras

não apareceram, ficando claro para a turma que isso não era matemática. Esses

materiais, à medida que eram trazidos, eram organizados no armário fechado que eu

havia disponibilizado para a turma.

Observei, nos outros dias que fui à sala, que o armário ficava trancado, sendo

aberto na hora em que a professora-pesquisadora havia planejado, o que fugia da

ideia inicial do Ambiente Matematizador. No dia 17/09/01, durante nosso encontro

para análise, discussão e planejamento de atividades, questionei a importância do

armário ficar aberto, com livre acesso aos alunos. A professora Darlene argumentou

que, além do medo de sumir alguma coisa de dentro, também era difícil controlar os

alunos, que a toda hora estavam mexendo no armário, mas de qualquer forma

pensaria a respeito. Ela havia colocado uma etiqueta com meu nome no armário,

como forma de garantir que não seria utilizado pela professora da tarde. Sugeri que

retirasse a etiqueta com meu nome e colocasse o nome da turma, mas acabou

ficando sem nome algum, o que acredito ter sido a melhor opção.

Depois de um certo tempo, a professora-pesquisadora começou a estruturar a

utilização dos materiais e jogos da seguinte forma: ela deixava trancado o que seria

utilizado somente com ela e organizou uma prateleira menor, onde ficavam

disponíveis alguns jogos (matemáticos ou não) e materiais de contagem, como

tampinhas, palitos, ligas e números e letras emborrachados.

No final do ano de 2001, durante a aula do dia 29/11, a professora Darlene

argumentou que para o ano seguinte não precisaria mais do armário, pois percebeu

que ele não era necessário. Para o ano de 2002, continuaria com o esquema que

estava utilizando, deixando alguns jogos e materiais trancados em seu armário e

disponibilizando o restante em uma prateleira que permitia o acesso dos alunos.

Assim aconteceu em 2002. Observei que no dia 08/05/02, no meio da aula,

alguns alunos pegaram alguns jogos e sentaram no canto da sala, no chão, como

que se escondendo da professora e começaram a jogar. Quando a professora

Darlene percebeu o que estava acontecendo, foi até eles e lembrou o combinado,

que não era a hora disso. Pediu que guardassem e precisou chamar a atenção

sobre a forma que estavam guardando o jogo, misturando as peças e estragando a

tampa. Alguns alunos gritavam: “Vai ficar sem recreio! Vai ficar sem recreio!”

Destaco o receio da professora, em 2001, de que os alunos mexessem nos jogos

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fora de hora. Ele realmente se concretizou, mas ela, já bem mais tranquila em

relação a isso, fez um encaminhamento satisfatório, sem retirar o acesso livre dos

alunos aos materiais. Após a conclusão da atividade, a professora Darlene autorizou

os alunos a pegarem jogos na prateleira de madeira, olhando para aqueles que

haviam utilizando-os antes da hora combinada e dizendo: “Agora é hora... Podem

brincar! ” Eles então formaram grupos espontâneos, pegaram os jogos e se

arrumaram no chão e nas mesas da sala, conforme a foto 2, abaixo.

É interessante perceber que todos participaram das atividades e que na hora

de guardar o material, tudo aconteceu com tranqüilidade, não ficando peças para

trás.

Nesse relato, é possível notar que, inicialmente, a professora-pesquisadora

viu o Ambiente Matematizador como um espaço físico e que se agravou com minha

preocupação em emprestar um armário. Aos poucos, nas conversas, estudos e

planejamento, essas questões foram sendo melhor encaminhadas. É interessante

perceber que a solução veio da própria professora-pesquisadora. Mais uma vez, ela

não desistiu de ter diferentes jogos e materiais em sala, assim como não desistiu de

organizar as carteiras em grupos, apesar das dificuldades que encontrou. Na

categoria sobre procedimentos, falarei mais sobre o contrato didático (item 2.4.3),

que se mostrou um ótimo aliado para a professora nas atitudes comportamentais

dos alunos.

Ainda sobre a questão da organização espacial, ressalto uma postura que a

professora Darlene resistiu em ter: sair da sala a pé para explorar as redondezas

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externas da escola. Ela, no dia 26/09/01 e depois no dia 15/05/02, fala de seu medo

do parque. Conta que uma vez um aluno caiu do balanço e ficou alguns minutos

sem se mover, deixando-a apavorada. A partir desse dia, ela só sai da escola com

alguém para ajudá-la a olhar as crianças. Como a escola não dispõe de funcionário

para acompanhá-la diariamente, ela optou por não sair da escola. Nos dias em que

os alunos saem para algum passeio, a escola se programa para que algum

funcionário acompanhe a professora com sua turma. Argumentei a necessidade de

explorar as redondezas da escola e a importância de atividades livres na rotina das

crianças, possibilitando trabalhar, inclusive, a noção de espaço, já que muitas vezes

as crianças em Brasília são criadas em apartamentos.

Ela prometeu pensar a respeito, mas durante 2001, sempre que tocava no

assunto, ela reafirmava seu medo. Já em 2002, ela conversou com a professora

Ângela, que acompanha o aluno com Síndrome de Down em sua sala e propôs que

ela a acompanhasse ao parque nas terças-feiras, já que esse costuma ser um dos

dias em que ela estava presente. A professora aceitou e antes de sair com a turma

para o parque, a professora Darlene elaborou uma autorização e encaminhou para

os pais, que assinaram e devolveram. A partir daí, ela passou a levar as crianças

semanalmente ao parque ou ao espaço gramado próximo da escola. No dia

08/01/03, em nossas últimas conversas de conclusão da pesquisa, ela conta que

“em 2002 se empenhou no parque e que foi muito bom! Foi uma das coisas boas

que fiz! Os alunos adoravam! ”

Quando estou em sala de aula, seja com crianças ou adultos, sempre planejo

atividades fora da sala de aula, por acreditar que são situações importantes para o

desenvolvimento cognitivo, cultural e social. No Ambiente Matematizador, tal

situação é um ótimo momento de favorecer a rede de conceitos, matemáticos ou

não. Por essa razão insisti tanto para que a professora Darlene estabelecesse uma

rotina de saídas com as crianças nas proximidades da escola. Com certeza não é o

momento ideal para propor atividades dirigidas que levem os alunos a este ou

aquele raciocínio, mas é um momento que permite aos alunos aprender trabalhando

sua criatividade, liberdade e responsabilidade.

Gostaria de destacar a fala da professora Darlene no dia 08/01/03, sobre sua

resistência em ir ao parque:

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As minhas mudanças acontecem assim. Quando a mudança é muito impetuosa para a pessoa, ela resiste. Natural! Resistência. Mas se a pessoa insiste, mostra os prós e os contras... a coisa vai caminhando numa discussão.... Eu peguei uma autorização de todos os pais por escrito. Tão até aqui! Eu guardo tudo! Todos os pais, um a um, deixavam o filho ir para o parque. Eu organizei com a Ângela (professora do acompanhamento dos alunos de ensino especial), todo dia na hora do parque... ai o parque andou. Mas o que eu quero te dizer é isso. Eu acho que o Ambiente Matematizador não tem

necessariamente de ficar fixado na parede. Ele fica... o que for necessário, o que as crianças acharem legal! O que não acharem, sai. Mas ele não tem a necessidade de ficar estampado. Ele não é só físico.

Essa é a grande diferença entre o Ambiente Matematizador e um laboratório

de matemática. O ambiente está envolto por questões sociais, culturais e políticas. O

professor pode levar para a sala materiais diversos e continuar trabalhando de forma

tradicional, considerando apenas o aspecto cognitivo de seu aluno, assim como ele

pode propor atividades extraclasse sem explorar tais espaços, mantendo sua

postura tradicional de que se aprende em sala e em silêncio. Por isso é tão

importante o trabalho em equipe, favorecendo estudo, reflexão e ação. A mudança

da postura do professor deve acontecer, para que aconteça realmente a mudança

na sala de aula, já que de nada adianta recursos físicos inovadores, se o professor

mantém sua postura tradicional de ensinar. Como nos alerta Paulo Freire (1987,

p.132), “na sala de aula, fechada a porta, dificilmente seu mundo é desvelado”.

No aspecto da organização temporal da sala de aula, destaco a importância

da participação do aluno nesta organização dentro do Ambiente Matematizador. Ele

não é um mero executor das tarefas, ele precisa se envolver na organização do

tempo para cada atividade. A professora-pesquisadora, buscando favorecer essa

integração, optou pela utilização da agenda diária com os alunos. Nela a professora

Darlene discute com os alunos as atividades que vão ocorrer no dia. Às vezes em

função do pouco espaço no quadro, ela simplesmente falava, no entanto quando as

atividades do dia eram escritas no quadro, os alunos acompanhavam o que já havia

sido feito e o que faltava fazer. Em diversos momentos, a professora-pesquisadora

ou os alunos iam até o local onde a agenda estava escrita e marcavam onde

estavam. Tal procedimento permitia que os alunos estabelecessem uma relação

temporal, dinâmica e real com seu próprio tempo. A professora Darlene, no dia

15/05/02, após mais de um mês de greve, relata a importância que a agenda tem

para ela:

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Com a greve as coisas tumultuaram um pouco. Uma das coisas que eu quero introduzir é a agenda. É claro que tem toda a coisa em relação ao espaço e tempo e tal e tal, principalmente a organização temporal deles (dos alunos). Mas tem uma coisa imprescindível na agenda que me facilita a vida. Eu posso evitar falar. Eles falam depois disso tem isso. Eu pergunto: o que vem agora? Para eu não ficar o tempo todo repetindo.

Outra fala interessante em relação à organização temporal é o relato de sua

mudança na forma de trabalhar o conceito do tempo com os alunos. A professora

Darlene, em conversa no dia 19/09/02, destaca tal procedimento como um ganho no

Ambiente Matematizador: “Antes eu ensinava o conteúdo do tempo, agora eles

vieram para o dia-a-dia, na situação do momento”. O Ambiente Matematizador, ao

estimular a participação ativa dos alunos na construção e organização do espaço e

tempo da aula, acaba por favorecer as aprendizagens significativas desses

conceitos. A noção de tempo, apesar de estar presente em nossas atividades

cotidianas, é um conceito difícil para os alunos, por ser bastante abstrato (não é

possível pegar, sentir ou ver o tempo). Mas ao ser trabalhado diariamente, medido e

analisado pelos alunos, favorece o entendimento. A professora-pesquisadora

observou que, ao discutir com os alunos o tempo para as atividades, marcar

diariamente o dia no calendário, consultar o relógio com os alunos, contar quantos

dias faltam para tal passeio ou festa, marcar quanto tempo falta para começar o

recreio, os alunos realmente aprendem a utilizar tais instrumentos.

No Ambiente Matematizador, é muito importante que os conceitos sejam

trabalhados de uma forma contextualizada, ou seja, em se tratando de espaço, que

se viva o espaço; em se tratando de tempo, que se viva o tempo. É interessante

ressaltar a simplicidade financeira dessa proposta. Trabalhar o que já temos em

sala, buscar no mundo as situações que necessitamos. A maior dificuldade é

modificar as relações presentes na sala de aula, como diria Brousseau (In: PAIS,

2001, p.80), identificar para modificar o contrato didático presente no trinômio:

professor, aluno, conhecimento.

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2.2. Conceitos matemáticos no Ambiente Matematizador

Inicialmente, é importante esclarecer como são vistos os conceitos no

Ambiente Matematizador, pois, de acordo a Teoria dos Campos Conceituais de

Vergnaud, os conceitos apresentam um significado mais amplo que o comumente

utilizado. Primeiramente, na teoria, um conceito é dinâmico, ele se modifica a todo o

momento em função de intervenções externas (históricas, sociais, culturais e

políticas) e/ou reflexões pessoais. Durante nossa vida, sofremos situações de

acolhimentos e rupturas que podem modificar nossos conceitos. O que acreditamos

hoje como certo, amanhã ou daqui a pouco poderá não ser mais visto da mesma

forma, em função do que vivemos, do que lemos, do que conversamos, etc.

O segundo aspecto seria que ele não funciona isoladamente, mas sim numa

ampla e complexa rede (PIRES, 2000), na qual ao se modificar um conceito, este

modifica outros. É como numa situação em que a criança chama todas as cores de

vermelho, até que, após diferentes situações com diversas cores, ela sistematiza o

que seria o vermelho e passa a reconhecer outras cores (ou vice-versa), chegando

até a identificar as cores que conhece e as que não conhece. Foi preciso que ela

tivesse contato com diferentes cores, para poder entender cada uma delas. Hoje

tenho claro que não se aprende nada de forma isolada, mas sim na relação

dinâmica entre os conceitos.

O terceiro aspecto é a “função de multiplicidade” (VERGNAUD, 1995. Não

paginado) de um conceito, ou seja, um mesmo conceito está presente em diferentes

problemas, de diferentes áreas. Quanto mais utilizamos um conceito nas situações

escolares ou não escolares, mais aprendemos sobre ele. É importante lembrar que o

fato de um problema ser matemático não quer dizer que só usaremos conceitos

matemáticos. Sendo assim, utilizar a função da multiplicidade de um conceito na

escola seria buscar situações contextualizadas, nas quais um mesmo conceito é

utilizado várias vezes, em diferentes disciplinas, de forma integrada e relacionada.

E o último aspecto é a relação direta existente entre o conceito e a sua

capacidade de resolver problemas. A partir do momento que um conceito não

resolve mais um problema, ele passa por um processo de transformação, buscando

um novo significado. Na sala de aula, percebemos esse aspecto quando, durante a

construção de um conceito pelo aluno, ele se depara com uma situação (planejada

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pelo professor ou não) em que seu conceito não dá conta do problema. O aluno

muitas vezes passa até por um momento de “luto”, em função da perda de um

significado para um conceito e a partir daquele momento se inicia uma nova busca

de significado.

É importante destacar que são os conceitos que guiam os procedimentos e

esquemas utilizados pelo sujeito que aprende. Os procedimentos são as formas de

agir do aluno ou do professor e serão mais bem discutidos no item 2.4. Já os

esquemas se caracterizam “por uma organização invariante da conduta diante de

um tipo de situação apresentada. Destaco quatro elementos que o compõem:

objetivos e antecipações; normas de ação; invariantes operacionais (conceitos e

teoremas em ação); e inferências”. (VERGNAUD, 1995. Não paginado). Piaget

desenvolveu em suas pesquisas o conceito de esquema, com a ideia principal de

invariantes operatórias e a Teoria dos Campos Conceituais, aperfeiçoando o

conceito de esquema, utiliza-o como um importante instrumento de observação,

pesquisa e entendimento de um conceito. É preciso identificar os invariantes

operatórios de um esquema, para que o sujeito reflita sobre a possibilidade de

transposição ou a necessidade de modificação de um conceito.

Assim sendo, os conceitos matemáticos dentro do Ambiente Matematizador

seriam muito mais que os conteúdos escolares de matemática. Os PCN de

matemática (BRASIL, 1997, p.20) afirmam que “a seleção e organização de

conteúdos não deve ter como critério único a lógica interna da matemática. Deve-se

levar em conta sua relevância social e a contribuição para o desenvolvimento

intelectual do aluno. Trata-se de um processo permanente de construção”.

A escola pública pesquisada utiliza o Currículo da Educação Básica das

Escolas Públicas do Distrito Federal – Ensino Fundamental – 1ª a 4ª série

(DISTRITO FEDERAL, 2000). Ele foi elaborado por um grupo de professores da

rede pública e é baseado nos PCN (BRASIL, 1997) e apresenta a seguinte

afirmação (DISTRITO FEDERAL, 2000, p.28):

A discussão sobre a seleção e organização de conteúdos em eixos no ensino da matemática tem como objetivo contemplar o estudo do espaço e da forma (no campo da geometria), números e operações (no campo da aritmética e álgebra) e o estudo das grandezas e das medidas que permite interligações entre o campo de aritmética, álgebra e geometria. O desafio que se apresenta é o de identificar, dentro de cada um desses vastos campos, as competências, os

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hábitos e valores que são socialmente relevantes para os educadores, como, também, contribuir para o desenvolvimento intelectual do aluno, ou seja, coordenar o pensamento lógico-matemático, a criatividade e a capacidade de análise e de crítica que constituem referência para interpretar fatos e fenômenos dentro e fora da escola.

Neste currículo, os conteúdos são apresentados em forma de habilidades e

procedimentos esperados para o aluno no final de cada série. É possível identificar

os conceitos matemáticos em diversas das habilidades listadas para a 1ª série, mas

destacarei a seguir algumas delas, nas quais os conceitos matemáticos estão mais

evidentes (DISTRITO FEDERAL, 2000, p. 38-39):

Estabelecer pontos de referências para situar-se, posicionar-se, deslocar-se no espaço, para identificar relações de posições entre objetos no espaço, interpretar e fornecer instruções usando terminologia adequada.

Dimensionar o espaço percebendo relações de tamanho e forma.

Construir o conceito de anterioridade, posterioridade e simultaneidade, identificando e relacionando as unidades de tempo.

Perceber semelhanças e diferenças entre objetos no espaço, identificando formas e suas dimensões em situações que envolvam descrições orais, construções e representações.

Construir o significado do número natural a partir da contextualização social, explorando situações-problema que envolvam contagem, medidas e códigos numéricos.

Interpretar e produzir escritas numéricas, levantando hipóteses sobre elas, com base na observação de regularidade, utilizando-se da linguagem oral, de registros informais e da linguagem matemática.

Compreender o processo de agrupamento e transferência das ordens no QVL, estruturado na base dez, como característica fundamental do Sistema de Numeração Decimal.

Formular hipóteses sobre a grandeza numérica pela identificação da quantidade de algarismos e da posição ocupada por eles na escrita numérica.

Analisar e interpretar situações-problema compreendendo alguns dos significados das operações, em especial da adição e da subtração, com noções gerais da divisão e multiplicação.

Reconhecer que diferentes situações podem ser resolvidas por uma única operação e que diferentes operações resolvem um mesmo problema.

Compreender o processo de adição com agrupamento para a dezena e da subtração com reserva.

Formular hipóteses sobre possíveis resultados de um problema de adição e/ou subtração.

Reconhecer grandezas mensuráveis comparando grandezas da mesma natureza, fazendo estimativas de resultados.

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Gostaria de destacar uma atual discussão entre os educadores matemáticos,

sobre a necessidade de ensinar ou não ensinar o algoritmo convencional para os

alunos das séries iniciais. Pesquisas atuais, como a da Golbert (2002), comprovam

os ganhos alcançados quando se proporciona ao aluno o tempo necessário para

que ele construa suas próprias estratégias de resolução das operações. “A

habilidade para dominar os conceitos matemáticos futuros pode ser favorecida ou

bloqueada nesta fase. É preciso acompanhar cada aluno em particular e procurar

suprir as dificuldades que possa apresentar nessa esfera”. (DISTRITO FEDERAL,

2000, p.17). É possível perceber, nos fundamentos do Currículo das escolas

públicas do Distrito Federal, a tendência educacional de não ensinar o algoritmo

convencional, estimulando o aluno a construir suas estratégias, de acordo com seus

conceitos matemáticos. Infelizmente, na prática não é isso que acontece. A pressa,

normalmente presente entre os professores e pais, em que os alunos vençam os

conteúdos escolares acaba por atrapalhar a construção de um conceito.

Durante a pesquisa, em diferentes momentos, a professora Darlene colocou

sua preocupação com o conteúdo escolar. Nas anotações do dia 17/09/01, faço o

seguinte relato de nossa conversa:

Lemos as anotações que eu havia feito e ela reconhece que sua ansiedade em relação à aprendizagem dos alunos é bem grande. Destacou sua preocupação com o algoritmo da subtração, pois não sabia como fazer com que os alunos aprendessem, respeitando o Ambiente Matematizador. Lembrei um encontro que aconteceu na

escola com o Professor Cristiano, no qual uma professora da 1ª série falou de sua decepção com as crianças que ela mesma viu fazendo as continhas de subtração certinho em um ano, mas no outro ano quando foi verificar na outra turma, com outra professora, essas crianças não sabiam mais como fazer. Esse com certeza é um dilema da escola. Seguir o currículo, mesmo sabendo que as crianças têm um ritmo próprio?

No ano de 2002, no dia 19/09, a professora-pesquisadora reafirma sua

preocupação com a seguinte fala: “Mas eu não posso me esquecer da escola real:

notas, provas, conteúdo... Não tenho na escola espaço para essa reflexão”. Apesar

da preocupação evidente, é possível perceber que durante a pesquisa a professora

Darlene passou a lidar e argumentar com mais segurança e tranquilidade com as

colegas de trabalho sobre as questões envolvendo a “cobrança” em relação ao

conteúdo escolar matemático. No dia 14/01/03, ela solicitou que eu trabalhasse com

dois alunos que apresentavam dificuldades na hora de representar o algoritmo da

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subtração. Eles faziam a operação com o material concreto, mas tinham dificuldades

na hora de registrar o que foi feito. Ela já havia observado que entre esses dois

alunos, um teria condições de ir para 2ª série, apesar da dificuldade em representar

a estratégia de resolução, pois estava claro para ele o processo da subtração e a

construção dos números. Mas o outro, apesar de entender que a subtração era uma

operação de “tirar algo”, não apresentava condições de ir para a 2ª série, pois além

de não reconhecer os números, também não aprendeu a ler. Ela relatou sua

tranquilidade em avaliar que o primeiro aluno citado deveria ir para a 2ª série, apesar

de não utilizar o algoritmo convencional: “Hoje estou segura que é a coisa certa. Se

fosse a um ano atrás, ficaria na dúvida se era a melhor coisa a ser feita”.

Nas escolas por onde passei no início de minha vida docente, era comum

ouvir algum professor afirmar que o aluno que não soubesse fazer o algoritmo

convencional da adição e da subtração com segurança, não deveria ir para a 2ª

série. Neste contexto, a aprendizagem do algoritmo se transformava numa repetição

interminável, visando que o aluno não errasse no processo. Golbert (2002, p.131)

afirma que “as repetições são desnecessárias quando as crianças inventam suas

soluções, com base na compreensão conceitual”. Conforme afirmei inicialmente,

cada vez mais a postura de respeito às estratégias do aluno é estimulada entre os

educadores matemáticos. Se antes quem defendia essa ideia era tido como

irresponsável, pois deixava seu aluno sem o conhecimento escolar necessário, hoje

esse profissional encontra o respaldo teórico e até legal (MEC e Secretaria de

Educação) de que não respeitar a estratégia desenvolvida pelo aluno pode dificultar

(e muito) o entendimento da operação e a construção de um conceito.

2.2.1. O conceito matemático considerando o contexto histórico-

social, a lógica do aluno e o conteúdo escolar

Como já foi possível perceber, o ensino da matemática na 1ª série não se

resume em saber contar até 100 e utilizar os algoritmos convencionais da adição e

subtração com segurança. A matemática, hoje, deve ser “vista pelos alunos como

um conhecimento que pode favorecer o desenvolvimento de seu raciocínio, de sua

capacidade expressiva, de sua sensibilidade estética e de sua imaginação” (BRASIL,

1997, p. 31).

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Durante o relato dos projetos citados no item 2.1.1, foi possível perceber

como os conceitos matemáticos foram trabalhados e relacionados entre eles e entre

os de outras disciplinas. A professora-pesquisadora considerou o contexto histórico-

social dos conceitos ao desenvolver o Projeto do Digimom, permitindo que os alunos

trouxessem para sala de aula as figurinhas que tanto os encantavam. Com esse

projeto, trouxe para a sala outro país: o Japão. Trabalhou com o mapa do mundo, as

diferenças culturais e dados matemáticos como população, distância do Brasil,

tamanho do país, etc. Os alunos tiveram contato com números imensos, com vários

algarismos e muitos zeros. Dando continuidade a esse projeto, construíram na sala

de aula a linha do tempo da descoberta do fogo, situação em que os alunos

visualizaram a trajetória histórica e puderam construir sua própria trajetória.

Sobre temas recorrentes fora da escola, na casa dos alunos, no parque da

escola e até mesmo no mundo, a professora Darlene trabalhou as habilidades

listadas anteriormente de forma contextualizada e rica. Vale destacar um alerta dos

PCN de matemática (BRASIL, 1997, p. 25) sobre os cuidados com o trabalho

partindo do cotidiano dos alunos:

Muitos conteúdos importantes são descartados ou porque se julga, sem uma análise adequada, que não são de interesse para os alunos, ou porque não fazem parte da ‘realidade’, ou seja, não há uma aplicação prática imediata. Essa postura leva ao empobrecimento do trabalho, produzindo efeito contrário ao de enriquecer o processo ensino-aprendizagem.

Outro aspecto importante presente no Ambiente Matematizador foi a forma

como os conteúdos apareciam nas aulas, buscando respeitar a lógica do aluno.

Aquela ideia de conteúdo organizado um após o outro deixou de ser uma

preocupação, os conteúdos eram vistos e apresentados com a perspectiva de

currículo em rede (PIRES, 2000), na qual os conceitos estão relacionados e

contextualizados, são esses aspectos que lhe dão sentido. Em diversas situações

planejadas pela professora-pesquisadora, é possível identificar o currículo em rede.

Na situação do início do ano, no dia 08/05/02 (atividade melhor detalhada no item

2.3.1.sobre situações), foram trabalhadas as tabelas e gráficos, apesar da maioria

dos alunos ainda não estar lendo. Os alunos utilizaram vários conceitos

(matemáticos ou não) de uma forma relacionada e rica, sem a preocupação se era o

conteúdo da 1º série ou não. Assim também no campeonato do Jogo da Velha

ocorrido no mês de agosto de 2002. A professora-pesquisadora conta que os alunos

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jogavam o tempo todo, conforme seu relato no dia 02/09/02 em uma conversa entre

nós (ela, eu e o Professor Cristiano, orientador desta pesquisa):

Darlene: O jogo da velha surgiu quando eu não aguentava mais.

Tinha um aluno que riscava o quadro, riscava um cantinho do quadro verde e colocava o jogo da velha para todo lado. Ai eu falei: Vamos fazer um campeonato? Nina: Eles estavam o tempo inteiro jogando o jogo da velha? Darlene: Sim! Todo o horário provável e possível. Ai eu falei: Vamos

parar e fazer um campeonato. Agora, quem jogar fora do campeonato está desclassificado. Passaram umas semanas, elaboramos as regras do jogo da velha. Cristiano: Tal qual ele é? Darlene: A única diferença é que ao invés de usar o “X” e a bolinha,

nós usamos tampinhas. Nós temos uma caixa de tampinhas, cada uma de uma cor, aí marcamos, fizemos a regra do jogo da velha. Eu acho que isso está sendo assim como um Ambiente Matematizador,

coisa que eu não fazia há anos. Nina: Eles fizerem tudo? Darlene: Fizeram os tabuleiros, mediram, recortaram... Fizeram as

regras, escolheram os grupos... Foi uma animação! Tinha até torcida dos que iam saindo. Pintou até um clima de competição entre meninos e meninas que durante o jogo foi diminuindo, até porque uma menina ganhou o campeonato. Nina: Por que ela ganhou? Darlene: Ah... Ela se concentrava, prestava atenção nas jogadas dos

outros, foi muito legal!

Nesse campeonato, durante a construção do tabuleiro do jogo, foram

trabalhadas noções de geometria e de frações. Os alunos mediam a folha com a

régua e dividiam por três para achar a distância igual entre as linhas. Esses

conceitos estão presentes nas séries mais adiantadas e eles utilizaram com

interesse e sucesso. Houve também a contagem e o registro dos pontos que

exigiram o uso de uma tabela. A professora-pesquisadora, a partir dessa atividade,

elaborou situações-problema que envolviam as operações, a estimativa e a análise

combinatória. O conceito de análise combinatória é uma das atividades

multiplicativas mais ausentes nas aulas de matemáticas de 1ª série (TOLEDO, 1997,

p.120), e foi bem explorado durante o campeonato do Jogo da Velha. Logo no início

do jogo, foram formadas as equipes, discutidos quantos alunos deveriam ter em

cada uma e quantas equipes seriam formadas. Formaram-se 5 equipes, com 4

alunos, sendo que uma equipe tinha 5 alunos. Na hora de decidir como jogariam,

mais um problema da análise combinatória apareceu: decidir quem jogaria com

quem na própria equipe e depois como as equipes jogariam entre si. No dia

02/09/02, a professora-pesquisadora, durante uma conversa, relata as atividades do

campeonato:

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Darlene: Bom! Continuamos o jogo da velha. Nós fizemos as regras, fizemos

os tabuleiros, cada dupla fez um tabuleiro, foi muito interessante. Eu perguntei: se a gente fosse jogar com tampinhas, quanta tampinha a gente tinha que ter? Eles se “embananaram”. Cinco, seis, cinco, seis. Cristiano: A problematização! Darlene: Eles estão jogando com cinco tampinhas, porque um aluno provou

que basta cinco. E aí a professora de biblioteca entrou na hora e falou: “Seis, vocês estão errando”. Enfim, ficou nesta discussão, e ficou cinco. Eu vou retornar com eles nisso. Fizemos a primeira rodada e saíram dois vencedores de cada grupo, fizemos hoje a segunda rodada, eles estavam agitados. Eles registraram. Nina: Mostra o registro deles para o Cristiano. Darlene: (mostra o registro) Essa aluna foi à vencedora: 3 a zero. Aqui é 1 a

1. São três partidas e continuaram. Vai sair desse campeonato um vencedor. Cristiano: Você pode categorizar as formas de registro. É específico? Darlene: Não. Cristiano: É cultural? Darlene: É, porque a gente faz outros jogos assim, pode ser que eles tenham

copiado. Cristiano: Faz parte de sua cultura! Darlene: Bem.... Esses daqui, foram desclassificados por outros motivos de

comportamentos. Eles jogaram além das três partidas. Vou voltar com eles, problematizando com multiplicação: Se cada grupo fez 2 tabuleiros, quantos tabuleiros têm? Nina: Darlene, eu estava pensando de manhã. Esses que estão saindo do

jogo, que estão sendo desclassificados... Você podia sugerir que eles começassem um outro torneio, para que eles não ficassem à toa... Darlene: Mas ai é difícil eu controlar! Nina: Aí eles jogariam por conta própria. O que eles vão ficar fazendo? Darlene: Vão ficar assistindo e torcendo, essa é a minha proposta, mas meus alunos sempre sugerem mais. Por exemplo, são 5 grupos na sala, esse é o problema. No último grupo, ia sair um vencedor de cada. Esse jogador ia jogar com esse e esse ia jogar com esse e esse? Aí a idéia deles: Esse joga por sorteio, mas aí esse sorteado vai ter mais 2 chances. Cristiano: Isso é um raciocínio prático! Darlene: Aí eu falei: Sim, um grupo vai ter 2 chances e daí o que a gente faz?

Aí eles pensaram e pensaram. Foi legal que na hora eu não percebi esse problema. No outro dia um aluno chegou todo agitado com essa questão: Assim não vai dar certo, pois um grupo vai jogar mais que o outro. Ele mostrou no quadro para a turma, fez um esquema e tudo. Acabamos montando uma tabela como a da copa, na qual os times vão fazendo um rodízio.

Nas diversas atividades citadas nesta situação, os conceitos foram sendo

trabalhados, sem a necessidade de esperar pelo pré-requisito. Era um desafio para

os alunos e eles enfrentavam com a ajuda do grupo e da professora-pesquisadora.

Nos PCN de matemática, é possível encontrar a seguinte afirmação (BRASIL, 1997,

p.20):

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O tratamento dos conteúdos em compartimentos estanques e numa rígida sucessão linear deve dar lugar a uma abordagem em que as conexões sejam oferecidas e destacadas. O significado da matemática para o aluno resulta das conexões que ele estabelece entre ela e as demais disciplinas, entre ela e seu cotidiano e das conexões que ele estabelece entre os diferentes temas matemáticos.

Sendo assim, não se pode esperar que os 20 ou 30 alunos de uma sala

estabeleçam uma mesma lógica no entendimento dos conceitos matemáticos. Neste

contexto, o planejamento das aulas exigiu um olhar muito mais atento da professora

Darlene. Ela utilizou observações individuais e do grupo para identificar as

aprendizagens e as dificuldades dos alunos. Essa questão envolvendo a avaliação

no processo de aprender e ensinar será mais bem apresentada no item 2.4.4.

A preocupação de como organizar os conteúdos durante o ano também

aparece em Vergnaud (1998, p.25):

É certo que não se pode estudar tudo de uma só vez, então será necessário tomar, por exemplo, formação das competências matemáticas ou as competências de leitura, de compreensão de textos, etc. Embora essa redução possa ser criticável em certos aspectos é um passo obrigatório (com a condição que não se tome um objeto de estudo demasiado pequeno). A Teoria dos Campos Conceituais aponta essencialmente no sentido de definir um objeto que seja de um tamanho razoável e de compreender como se desenvolvem os processos de conceitualização ao longo de vários anos.

A possibilidade de apresentar os conteúdos matemáticos com todas essas

modificações apresentadas acima é com certeza um dos pontos centrais do

Ambiente Matematizador. Como professora que sou, iniciando em turmas de

educação infantil e alfabetização, em algumas escolas me vi “amarrada” ao

conteúdo escolar, o que empobrecia minhas aulas. Já naquelas escolas que havia

espaço para inovações, as aulas se tornavam divertidas e interessantes.

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2.3. Situações matemáticas no Ambiente Matematizador

Na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud, as situações têm uma

posição de destaque, pois, a partir delas, podemos alcançar as aprendizagens

significativas em sala de aula, favorecendo os conceitos em rede e verificando os

procedimentos e as representações simbólicas dos alunos. Vivemos situações

diversas no dia-a-dia, mas, aqui, vamos especificar as situações matemáticas no

Ambiente Matematizador, no qual o aluno é desafiado a ampliar seu universo de

conhecimento matemático dentro de um trinômio professor, aluno e saber.

Brousseau (1996, p.49) nos alerta que:

O trabalho do professor consiste, então, em propor ao aluno uma situação de aprendizagem para que elabore seus conhecimentos como resposta pessoal a uma pergunta, e os faça funcionar ou os modifique como resposta às exigências do meio e não a um desejo do professor. Há uma grande diferença entre adaptar-se a um problema formulado pelo meio e adaptar-se ao desejo do professor. A significação do conhecimento é completamente diferente.

Outro objetivo importante das situações didáticas no Ambiente Matematizador

é favorecer à professora-pesquisadora condições de observar e “compreender o que

se passa na sala de aula, os procedimentos das crianças, as concepções que elas

têm, para planejar e propor problemas e desafios adequados e pertinentes”.

(VERGNAUD, 1993b, p.81).

2.3.1. Situações contextualizadas que levem o aluno à ação

A palavra contextualização hoje é muito ouvida e falada no âmbito

educacional. Neste trabalho já apresentei a idéia no item 2.2 e mais um vez destaco

os PCN de matemática que fazem referência a necessidade de contextualizar o

ensino em diversos momentos (BRASIL, 1997, p.39):

O processo de transformação do saber científico em saber escolar não passa apenas por mudanças de natureza epistemológica, mas é influenciado por condições de ordem social e cultural que resultam na elaboração de saberes intermediários, como aproximações provisórias, necessárias e intelectualmente formadoras. É o que se pode chamar de contextualização do saber.

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Na prática, dentro da sala de aula, a contextualização seria a professora-

pesquisadora buscar situações que permitam que o conteúdo escolar seja utilizado

pelos alunos da forma como ele utiliza no seu dia-a-dia, fora da escola. Para isso, é

necessário propor situações didáticas matemáticas que o aluno reconheça como

dele, buscando resolvê-las com entusiasmo e com suas próprias estratégias. Neste

processo de apropriação dos conhecimentos matemáticos, deve se favorecer a

transferência e o aperfeiçoamento desses procedimentos para outros contextos.

No dia 27/09/01, houve na sala de aula uma situação, não planejada pela

professora Darlene, de grande riqueza de conceitos e possibilidade de análise sobre

os diferentes esquemas dos alunos. No início da aula, a professora-pesquisadora

costumava sentar no chão com os alunos e fazer a hora da novidade. Nesse

momento, os alunos e a professora falavam sobre assuntos diversos. Nesse dia, foi

lembrado que o dia de ir ao cinema estava chegando. Alguns alunos gritaram que

faltavam 10 dias e outros, 11 dias. A professora-pesquisadora sugeriu que olhassem

no calendário e fizessem as contas. Como estava no fim do mês e o passeio era no

outro mês, criou-se um problema a mais para resolver a situação-problema. Os

alunos foram para a mesa, pegaram lápis e papel, consultaram o calendário,

buscaram palitinhos, tampinhas, contaram nos dedos, mas os resultados não

coincidiam. Após um certo tempo, a professora Darlene chamou um voluntário para

mostrar como havia feito a contagem. Após muita discussão e contagem, chegou-se

à resposta de 10 dias. Pude observar o envolvimento da turma, os alunos buscavam

entender e achar sua própria resposta. As aprendizagens matemáticas desta

atividade envolveram medida de tempo, cálculos e tratamento de informação, além

da mudança na forma de lidar e entender o calendário, relacionando-o com outros

conceitos.

Além dos projetos já citados (item 2.1.1) que favoreceram situações criativas

e envolveram os alunos, relato a aula do dia 08/05/02, após um mês de greve.

Depois de uma semana de retorno às aulas, a professora Darlene havia observado,

em situações diversas, que havia na sala alguns alunos que ainda não contavam

com segurança, trocando a ordem dos números de lugar. Também percebeu que

alguns ainda não faziam relação número-quantidade. Em relação ao nome, a

maioria dos alunos já identificava seu próprio nome, mas ainda não identificava o

nome do colega. No dia 06/05/02, encontramo-nos para discutir e planejar. A

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professora-pesquisadora relatou para mim suas observações. Visando trabalhar o

prenome dos alunos e relacioná-los com a matemática, planejamos para o dia

08/05/02 situações didáticas que envolviam atividades com o nome dos alunos,

contagem, ordenação, comparação e classificação.

Inicialmente, cada aluno recebeu seu crachá que teve, na sua entrega, o

destaque da quantidade de letras de cada nome. Após todos terem recebido os

crachás, a professora Darlene sugeriu que fosse montada uma tabela, organizando

os nomes pelas quantidades de letras. Ela iniciou com a quantidade de 4 letras.

Pediu que levantasse a mão quem tinha 4 letras no nome, contava quantos alunos e

seguia para a quantidade 5. Essa atividade despertou grande interesse dos alunos.

Eles contavam com a professora e acompanhavam o preenchimento da tabela (a

tabela construída aparece na foto 2, na página 87). Foi interessante quando os

alunos perceberam que um dos alunos, que dava a resposta sempre rápida e

correta, estava consultando um cartaz feito antes da greve. No primeiro momento,

eles acreditaram que essa atitude era errada e que a professora Darlene brigaria,

mas ela estimulou tal atitude, esclarecendo que só quem estava entendendo poderia

achar a resposta. O Ambiente Matematizador destaca a necessidade de

disponibilizar materiais e informações para os alunos, favorecendo a participação

ativa nas situações. O crachá e o cartaz permitiram aos alunos participar da

atividade com entendimento e entusiasmo.

Observe, na próxima página, na foto 3 , que a professora-pesquisadora

Darlene mostra um crachá para que os alunos identifiquem de quem é. Atrás da

aluna no final da sala, está o cartaz que mais tarde vai ajudar os alunos a verificarem

a contagem de quantos nomes há com cada letra.

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Dando continuidade à situação didaticamente planejada, foi proposta a

construção de um gráfico com os dados da tabela. Após uma conversa, foi

constatado que os alunos nunca haviam feito um gráfico, mas sabiam o que era.

Eles continuavam muito atentos ao que a professora Darlene fazia no quadro. Eles,

que normalmente eram uma turma agitada e tagarela, estavam em silêncio e

prestando atenção. Depois do gráfico pronto no quadro, conversaram sobre as

informações nele contidas, compararam os dados, somaram, subtraíram e

receberam uma folha para construir seu próprio gráfico. Na folha já havia a base do

gráfico, mas faltavam os registros dos dados, os quais os alunos fizeram em suas

mesas individualmente, mas discutindo com o grupo.

Essa situação apresentada favoreceu uma riqueza de conceitos buscando a

aprendizagem significativa. Foi possível para os alunos visualizarem a utilização dos

números e suas quantidades, reforçando a relação número/quantidade. Outras

ações como comparar, adicionar, subtrair, trabalhar noções de geometria (medindo,

riscando e organizando o gráfico) e relacionar o conteúdo matemático com outras

disciplinas também foram proporcionadas. É importante destacar que o aluno

constrói o verdadeiro entendimento de um conceito, quando o utiliza em situações

desafiadoras e interessantes.

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Além de possibilitar ao aluno as aprendizagens citadas, a situação ocorrida

dentro do Ambiente Matematizador permitiu à professora-pesquisadora conhecer e

observar as hipóteses dos alunos sobre diferentes conteúdos, não só matemáticos.

De acordo com Vergnaud (1995. Não paginado):

A Teoria dos Campos Conceituais é primeiramente um meio, a maneira de como mudar a representação, enriquecê-la, de modo que a ação esteja mais adaptada, mais fina no diagnóstico e na ajuda e na proposição de situações.

A oferta de situações matemáticas contextualizadas e ricas exigiu da

professora Darlene uma postura diferente em sala de aula. Ela passou a rever certos

princípios e a apresentar procedimentos diferentes durante as situações do dia-a-dia

escolar. Essa questão será tratada no próximo item.

2.4. Procedimentos dos alunos, da professora-pesquisadora e da

pesquisadora-professora

Ao analisar os procedimentos, é interessante esclarecer que significa a forma

de fazer alguma coisa. Os procedimentos são guiados pelos conceitos que se tem

sobre algo e também pelo esquema de pensamento. Vergnaud (1995. Não

paginado) nos alerta para o problema de confundir procedimentos com esquemas:

Não gosto muito da palavra “procedimentos”. Nada tenho contra essa palavra quando ela expressa um modo de agir, mas há um desvio teórico quando lhe é dado um status teórico forte. Opor o saber processual ao saber conceitual. Caso não prestemos atenção o conceito de procedimento pode eliminar o conceito de esquema, e especialmente, minimizar o aspecto conceitual do esquema, que representa na minha teoria os invariantes operacionais.

Sendo assim, esclareço que o procedimento apresentado, ou seja, a

performance utilizada pelo aluno ou professor em diferentes situações, pode nos

fornecer dados sobre o esquema presente na situação. O esquema (melhor definido

no item 2.2) aqui é visto como uma organização de ações, compostas de invariantes

operacionais que se mantêm e são transferidas para outras situações. É muito

importante na aprendizagem, em especial no Ambiente Matematizador, que o aluno

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e o professor tomem consciência do esquema que vêm utilizando, para poder

provocar em seus procedimentos as mudanças necessárias ou a transferência para

outras situações.

Nesta pesquisa tanto a pesquisadora-professora, como a professora-

pesquisadora e seus alunos apresentam procedimentos que devem ser observados

e analisados. Se o professor acreditar que o aluno aprende sozinho, em silêncio e

uma coisa de cada vez, assim ele vai proceder em sua aula. A partir do momento em

que ele acreditar que o aluno aprende num “amaranhado” de conceitos, discutindo

com seus colegas e refletindo seus esquemas, sua aula será estruturada de forma

diferente.

O mesmo ocorre com o aluno. Se ele se apresenta tal entendimento sobre

algum conceito, ele procederá de acordo com esse entendimento. Por exemplo, no

dia 18/09/01, cada aluno recebeu um relógio de cartolina, com ponteiros que se

moviam, enquanto que a professora Darlene desafiava os alunos a representarem

as horas que ela ia falando. Inicialmente, poucos alunos utilizavam a contagem de 5

em 5 minutos para marcar a hora, enquanto os outros necessitavam contar de 1 em

1. Pouco adiantava a professora Darlene e seus colegas afirmarem que bastava

contar de 5 em 5. Só com o passar dos dias, nos quais a professora-pesquisadora

repetia a situação, é que esses alunos foram modificando seu procedimento e se

convenceram que era possível contar de 5 em 5 os minutos. Acredito que a ação

exercida sobre o conceito, ou seja, o procedimento do aluno, estimulado pela

professora-pesquisadora, é que favoreceu a modificação no conceito.

É interessante como hoje me incomoda entrar em uma escola silenciosa,

onde os alunos trabalham cada um em sua carteira, enfileirados, olhando somente

para o professor e tendo como material de apoio apenas o livro didático. A

professora Darlene, no dia 14/01/03, na entrevista final desta pesquisa, levantou

essa questão. Ela afirma que se assusta quando vê uma sala com silêncio demais,

gosta de ver os alunos trocando ideias, buscando materiais, mesmo que com isso

receba críticas das colegas de que sua turma é muito agitada. Ela completa:

Respeito aquele aluno que quer trabalhar sozinho, que naquele momento fez a opção pela reflexão individual, mas toda a sala fez essa opção? Isso me assusta. Será que se aprende sozinho quando se precisa do grupo? Olha a Zona do Desenvolvimento Proximal ai!

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Para concluir este item, gostaria de destacar dois procedimentos da

professora-pesquisadora muito importantes para o Ambiente Matematizador: a

postura de que a professora também erra e a possibilidade de consulta de

informações. No dia 08/05/02, numa situação já relatada neste trabalho, no item

2.3.1, aconteceram os dois procedimentos. Nesse dia, a professora Darlene estava

preenchendo uma tabela com a quantidade de letras em cada nome. Ao perceber

que havia um aluno consultando um cartaz que estava na parede para achar a

resposta, ela chamou a atenção da turma para o que ele estava fazendo,

estimulando que todos fizessem o mesmo. Tal procedimento trouxe ainda mais

participação e entendimento dos alunos na atividade. Após a tabela pronta, a

professora-pesquisadora convidou os alunos a montarem um gráfico. Fez com eles

no quadro e depois entregou uma folha com a base do gráfico, para que cada um

fizesse o seu. Os alunos, assim que iam recebendo o gráfico, começaram a gritar

que estava faltando o zero. A professora Darlene reconheceu o seu erro e pediu que

todos arrumassem na folha.

A tranquilidade na qual a professora-pesquisadora encaminhou tais questões

são fundamentais para o Ambiente Matematizador. Enriquecer a sala de aula com

diferentes informações faz parte da proposta, os alunos precisam aprender a buscar

as informações disponíveis no ambiente. Durante os dois anos da pesquisa, a

professora-pesquisadora sempre manteve esse procedimento. A cada nova situação

ou projeto, enriquecia a sala com informações que permaneciam disponíveis,

mesmo durante as atividades dos alunos. Assim também os materiais de contagem

que os alunos podiam usar no momento que quisessem.

Proceder em sala, reconhecendo para os alunos que errou ou que não sabe

alguma coisa, exige uma mudança de postura do professor. Como as aulas da

professora Darlene eram enriquecidas com questões trazidas pelos alunos, diversas

vezes não sabíamos (Darlene e eu) as respostas. Nesses momentos, tínhamos a

tranquilidade de que o melhor procedimento era reconhecer que não sabíamos e

propor uma pesquisa sobre o assunto. No capítulo I, item 2.3, escrevo sobre a

necessidade de se trabalhar o erro de forma diferente. Se desejarmos que o aluno

apresente sua hipótese sobre certo conhecimento, mesmo que errada ou

incompleta, precisamos trabalhar com a tranquilidade que o errar e o não saber

fazem parte do processo de aprender e ensinar.

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Conforme foi possível observar, os procedimentos em uma aula são bem

variáveis e envolvem a forma de agir de professores e alunos. Neste trabalho,

destacarei alguns aspectos dos procedimentos identificados na pesquisa, que serão

apresentados a seguir em quatro itens: intervenção e mediação; relações pessoais;

contrato didático; e avaliação.

2.4.1. Mediação e intervenção no Ambiente Matematizador

Conceituar e diferenciar os termos mediação e intervenção por vezes levam

educadores a discussões intermináveis. É possível identificar em nossa vida

diversas mediações e intervenções que ora fazemos e ora sofremos. De forma geral,

posso dizer que mediação é um processo de intervenção, que inclui um novo

elemento em uma relação (ou vice-versa). Ambos os termos estão tão relacionados,

que acredito na impossibilidade de defini-los isoladamente.

Vejo a mediação didática como uma “ponte” construída entre o conhecimento

e o sujeito que aprende e ensina. Na sala de aula, seriam as falas, as brincadeiras,

as situações, os materiais, os jogos, etc, que aparecem para favorecer a intervenção

durante o processo de aprender e ensinar um certo conhecimento. Vale ressaltar

que não é só o professor que faz a mediação e a intervenção. Alunos, leituras,

atividades, pessoas envolvidas ou não no processo de aprendizagem, entre outros,

também a executam.

A mediação e a intervenção aparecem durante o processo de aprender e

ensinar como uma “peça do quebra-cabeça” que está faltando em uma situação-

problema e podem acontecer de forma consciente ou inconsciente, ou seja, às vezes

com uma fala, um gesto, mesmo que não planejado, interferimos no resultado de um

problema. No Ambiente Matematizador, espera-se que a professora-pesquisadora

se utilize das mediações e intervenções possíveis para acrescentar no processo de

aprender e ensinar de seu aluno.

Aqui cabe destacar Vigotski (1998) que, em suas pesquisas, trabalhou com a

noção de que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas

fundamentalmente uma relação mediada. Ele, em seus trabalhos, apresentou o

conceito muito usado na esfera educacional, a Zona do Desenvolvimento Proximal

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ou Zona do Desenvolvimento Imediato, denominação que aparece na nova tradução

feita por Paulo Bezerra para o livro A Construção do pensamento e da linguagem

(VIGOTSKI, 2000). Farei a opção por utilizar a terminologia mais comumente

conhecida, Zona do Desenvolvimento Proximal.

De acordo com Vigotski, é na Zona do Desenvolvimento Proximal que a

mediação e a intervenção são mais eficientes. “A zona do desenvolvimento proximal

define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo

de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em

estado embrionário” (VIGOTSKI, 1998, p. 113). Um grande desafio para o professor

é identificar esse momento. Às vezes cabe uma postura acolhedora do professor

para o aluno, às vezes cabe uma postura de ruptura. Um dos procedimentos mais

delicados que recai sobre o professor é o que se refere às rupturas. O professor

precisa conhecer o aluno, identificar sua hipótese e ter sensibilidade para identificar

o momento de acolhimento ou o momento de desestabilizar as convicções, sejam

elas implícitas ou explícitas. No dia 15/05/02, a professora Darlene relatou uma aula

em que organizou os grupos de forma a ficar mais próxima de um grupo de crianças

que a estavam preocupando. Ela queria observar os procedimentos desses alunos

em determinadas situações:

Hoje, na intervenção por grupo, foi bom, porque eu fiz a intervenção com o aluno X. Problema na conservação de quantidade: cinco tampinhas brancas e cinco vermelhas. Distanciava uma da outra e ele falava que tinha mais. Às vezes ele falava que tinha menos, até nas que estavam juntas. Não entendi a lógica dele! Eu deixei! Depois eu fiz com a aluna Y. Quando eu perguntei: “Onde tem mais? Tem mais brancas ou vermelhas?” Ela: “Do mesmo jeito”. Eu achei fantástico quando ela falou bem calma “do mesmo jeito”. Foi muito bom! Enquanto isso, nos grupos, eles trabalhavam muito. Teve um grupo fantástico e eu não tive como acompanhar. O problema era assim: cada latinha valia 3 pontos. Coloquei 11 latinhas, escrito em cada latinha 3 pontos. Eles foram para esse grupo e não sabiam o que fazer. “Por que vocês não inventam? Vamos contar os pontos das latinhas. Quantos pontos tem aqui?” E aí um falou: “Espera aí eu vou pegar o papel”. Eu não segui o processo, pois eram muitas situações, mas eles deram a resposta 33 pontos, sabe? Eu falei é mesmo? Que bom! Que bom! Mas eu não pedi pra eles me mostrarem o processo. Foi a minha falha.

Nesse relato, é possível perceber que, apesar da professora-pesquisadora

buscar situações que favoreçam um procedimento mais próximo dos alunos,

acolhendo e propondo desafios, ela esbarra em problemas reais da sala de aula:

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uma professora para 23 alunos, sendo um portador de necessidades especiais.

Muitas vezes, mesmo percebendo que se trata de um momento rico para uma

intervenção, não é possível fazê-la. Nessa situação, o máximo que conseguiu fazer

foi uma mediação, que deixou os alunos estimulados a buscar uma resposta. Mais

uma vez, é possível perceber a importância, para o Ambiente Matematizador, de

deixar ao alcance dos alunos materiais de apoio. O aluno não esperou a professora

Darlene falar para pegar a folha e o lápis, ele sabia que seria necessário e não teve

dúvida em buscá-los.

Na situação relatada, a professora-pesquisadora, ao tentar intervir junto ao

aluno com dificuldade, optou por acolhê-lo, deixando-o tranquilo na própria lógica.

Esse aluno, na avaliação da professora-pesquisadora, vai precisar de mais tempo

para reorganizar seu raciocínio, por isso ela fez a opção de deixá-lo à vontade.

Durante todo o ano, a professora Darlene vai citar esse aluno como um desafio. No

dia 05/06/02, ela torna a verbalizar sua dificuldade em intervir com o aluno, citando

seu desinteresse e dificuldade: “Parece que não consigo alcançá-lo”. Apesar do

Ambiente Matematizador buscar favorecer a mediação e a intervenção, é possível

perceber nessa fala que uma mediação nem sempre acontece com tranquilidade,

sendo inclusive um ato de angústia e busca por parte da professora Darlene.

Vergnaud (1995. Não paginado) destaca como uma das características da Teoria

dos Campos Conceituais o estímulo dado ao professor para que ele observe, analise

e intervenha no processo de construção de um conceito pelo seu aluno. Ele afirma

que acredita “muito no bom senso dos docentes, sempre que lhes for oferecido

meios. (...) Necessitamos de muitos elementos para propor acolhimentos e ruptura, e

que os docentes desenvolvem um saber prático sobre isso, um certo diagnóstico,

uma intervenção, que mostra que a gente tem uma pequena ideia de que tipo de

informação suplementar ou estímulo devemos dar para a criança”. Ainda de acordo

com Vergnaud (1995. Não paginado), “o primeiro ato de mediação é a apresentação

de uma situação”, mas não uma situação qualquer, mas uma situação que vá ao

encontro do pensamento do aluno e o desafie. Quando a professora Darlene

verbaliza sua angústia “no como” mediar seu aluno, ela enfrenta um problema real e

que passa pela necessidade de ser uma professora-pesquisadora, buscando

sempre novas soluções. Esta é a proposta do Ambiente Matematizador: favorecer à

professora-pesquisadora condições de buscar os caminhos possíveis e escolher o

mais apropriado para cada caso, sem a necessidade de utilizar modelos ou regras

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de como fazer em cada caso. Nesta ótica, podemos ver o Ambiente Matematizador

como um mediador entre a professora-pesquisadora e o objetivo de aprender e

ensinar aos seus alunos da melhor maneira possível. Nesta questão, destaco a

importância do grupo de professores na escola. Infelizmente, a professora Darlene

não encontrou na escola durante os anos pesquisados condições para discutir e

estudar sobre suas dificuldades em sala. Percebo que o professor Cristiano e eu

fizemos esse papel durante a pesquisa. A professora Darlene afirma em nossa

última entrevista, no dia 21/01/03, “que se sente segura com o professor Cristiano

por perto e que já sente saudades de nossas conversas e planejamentos juntas”.

Posso afirmar que essa foi uma forma de mediação que exercermos (professor

Cristiano e eu) sobre a professora Darlene.

No dia 29/11/01, fui para sala com a professora Darlene, filmar a aula. As

carteiras dos alunos estavam enfileiradas individualmente. A professora-

pesquisadora entregou uma folha com atividades matemáticas (Anexo B) que

visavam sistematizar as aprendizagens dos alunos em relação a contagem de 1 a

100, cálculos de adição e subtração e representações de quantidades utilizando o

material dourado16. A professora Darlene fazia a leitura da atividade da folha em voz

alta, explicava o que deveria ser feito e, andando pela sala, observava e parava nas

carteiras dos alunos, fazendo suas mediações e intervenções. Os alunos podiam

levantar e buscar os materiais de contagem caso achassem necessário. Ela

reforçava, porém, que cada um deveria fazer a atividade do seu jeito, sem copiar do

colega.

Durante a atividade, houve uma aluna que estava dando a resposta do dever

para uma colega com dificuldade e a professora Darlene pediu que deixasse que a

coleguinha fizesse do seu jeito. A aluna argumentou: “Você também está ajudando! ”

Darlene explicou que era diferente, que ela não estava dizendo a resposta, mas sim

explicando o dever. Meio a “contragosto”, a aluna não ajudou mais e se dispôs a

buscar o material dourado, deixando-o na mesa da colega.

Nessa situação, confesso que me assustei quando cheguei na sala e

encontrei os alunos enfileirados. No Ambiente Matematizador, o grupo é muito

16 Material Dourado foi criado pela médica italiana Maria Montessori (1870-1952) sendo amplamente utilizado nas escolas brasileiras. Ele é constituído de peças de borracha ou madeira em quatro tipos: cubo, placa, barra e cubinho. Ele permite que os alunos façam correspondência entre essas peças e o sistema de numeração decimal (unidade, centena, dezena e milhar).

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valorizado, apesar de não eliminar o trabalho individual. No próximo item, 2.4.2,

estarei analisando melhor esse aspecto.

É interessante perceber que a mediação, feita pela professora-pesquisadora

durante a atividade relatada, não visava dar a resposta certa, mas sim esclarecer e

fornecer dados para que o aluno chegasse a uma resposta. Mas, mesmo assim, ela

foi questionada por uma aluna. No Ambiente Matematizador, a mediação e a

intervenção não ficam somente a cargo da professora-pesquisadora, elas podem

acontecer entre os colegas. Nesse caso, a tendência é de o aluno que já concluiu a

tarefa dar a resposta certa para o colega que não terminou. É importante trabalhar

nesse aluno uma forma diferente de ajudar o colega, sem dar a resposta, mas sim

mediar sobre o conhecimento, fazendo o colega pensar e enxergar o que está

faltando. A forma que a professora Darlene encontrou para trabalhar essa questão

foi estimular os alunos a buscar o entendimento e não somente a resposta certa. É

interessante que, após a professora-pesquisadora solicitar que a aluna não ajudasse

daquela forma, ela tenha buscado o material dourado, que naquele momento fazia o

papel de mediador entre o dever da folha e a resposta que deveria ser dada.

Reafirmo a necessidade de que no Ambiente Matematizador o professor favoreça

uma sala com diferentes materiais concretos, livros e cartazes que possam exercer

esse papel de mediador entre o conhecimento e o sujeito que aprende e ensina.

No dia 01/11/01, a turma pesquisada desenvolveu o Projeto da Lojinha, já

citado neste capitulo, no item 2.1.1. Nesse dia, os alunos simulavam uma lojinha de

brinquedos, estipulando o preço das mercadorias, e depois compravam com o

dinheiro de mentira que recebiam. Alguns alunos ficavam no caixa e a professora

Darlene passava a maior parte do tempo ali do lado, observando, mediando e

intervindo nos pagamentos e nos trocos. Várias vezes ela precisou pedir calma para

que os alunos dessem tempo para que os colegas entendessem o que estava

acontecendo, deixando claro que não queria somente a resposta certa, mas também

que todos entendessem da melhor maneira possível. Um aluno que foi pagar suas

compras ficava na fila gritando o valor do troco. A professora Darlene pedia calma,

solicitando respeito ao colega. Foi interessante que, na vez dele, ele apresentou

suas compras já organizadas em grupos de 2 reais, acredito que para facilitar o

entendimento do caixa, o que realmente facilitou. Essa foi a forma que o aluno

encontrou de ajudar o colega que estava no caixa, sem necessariamente dar a

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resposta certa. Ele fez sua mediação entre a atividade que deveria ser feita e o

resultado final.

Ainda nessa atividade da lojinha, os alunos davam o troco por etapas,

calculando um brinquedo de cada vez. Eles contavam nos dedos e quando o

número era muito grande, juntavam os dedos da professora na contagem. A

professora Darlene, após perceber que os alunos do caixa já resolviam bem essa

situação, fez a seguinte intervenção: “Vamos juntar tudo para depois dar o troco? ”

No primeiro momento, os alunos do caixa não consideraram a proposta, mas a

professora insistiu e eles acabaram modificando a forma de calcular. Foi

interessante que nesse momento um dos alunos do caixa sugeriu que os preços

fossem anotados em um papel, ficando claro o caráter positivo da intervenção da

professora. O registro é uma forma ainda mais refinada de se trabalhar um conceito,

mas essa questão será mais bem detalhada no item 2.5, sobre representação

simbólica.

Destaco a importância da mediação e da intervenção nas situações, afinal

uma situação bem planejada não é garantia de que os alunos utilizarão os

conhecimentos matemáticos esperados. Muniz, em sua tese de doutorado (1999),

observou que, mesmo em jogos com regras que visem levar as crianças a utilizar

contas diversas, elas utilizavam outras estratégias, diferentes das contas esperadas.

Durante os jogos, as crianças estavam preocupadas em possibilitar ao grupo a

visualização de suas jogadas e deixar claro que não estavam “roubando” no jogo.

Sendo assim, é importante que a professora-pesquisadora, na medida do possível,

faça mediações e intervenções que conduzam o aluno às questões matemáticas

esperadas e tenha a tranquilidade de propor atividades interessantes várias vezes

durante o ano, possibilitando um “vai e volta” de conceitos.

Apesar da dificuldade em garantir que durante um jogo o aluno estará

construindo ou reconstruindo um conceito, ele é uma ótima forma de mediação, além

do fato de que durante um jogo os alunos se sentem fora do contexto escolar e

costumam utilizar procedimentos espontâneos, favorecendo observar o conceito e o

esquema presentes.

No dia 21/01/03, durante uma entrevista, a professora Darlene afirma que vê

no jogo a possibilidade de ensinar e fixar um conteúdo ou simplesmente passar o

tempo. O jogo está presente também na proposta do Ambiente Matematizador que

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sugere que os alunos tenham acesso a diferentes jogos e que sejam planejadas

situações que envolvam todos os alunos.

No dia 23/08/01, os alunos estavam jogando nos grupos áulicos. Cada grupo

tinha um jogo diferente e Darlene e eu íamos passando nos grupos, fazendo nossas

observações e intervenções. Parei no grupo do tangram17. Buscando favorecer a

construção e a sistematização dos conhecimentos geométricos, dei duas sugestões.

A primeira, aceita pelo grupo, era que tentassem formar as figuras que estavam

desenhadas nas fichas que acompanhavam o jogo, possibilitando observar as

formas e os tamanhos. Eles, que estavam misturando as formas sem muita ordem e

começavam a se desinteressar pelo jogo, entusiasmaram-se com o desafio. Já a

segunda sugestão não foi levada em consideração. Sugeri que formassem seus

próprios desenhos e fizessem o registro na folha branca, buscando sistematizar as

descobertas. Alguns alunos do grupo começaram, mas logo abandonaram o registro

sugerido, levados pelo primeiro desafio, o de formar os desenhos que estavam nas

fichas do tangram. Acredito que caso não houvesse acontecido minha intervenção

na forma de brincar com o tangram, ele logo seria abandonado pelo grupo, o que

mais uma vez vem mostrar a importância da intervenção.

Nesse caso, é possível perceber como a professora Darlene realmente deixa

as crianças à vontade, com a possibilidade de estabelecer suas próprias regras.

Confesso minha frustração quando não fui ouvida pelo grupo, mas essa é a proposta

do Ambiente Matematizador, que exige uma mudança de postura da professora-

pesquisadora. É importante acreditar, nesse momento, que o aprender e ensinar não

vem somente da atividade da professora, mas que o grupo age sobre esse

processo, inclusive levando em consideração o momento em que cada um se

encontra.

Outra dificuldade, envolvendo os princípios da pesquisa-ação, é a

impossibilidade de observar, neste momento, a professora-pesquisadora

trabalhando. Havíamos planejado previamente para esse dia que ela e eu

estaríamos observando e interferindo nos grupos, assim me envolvi com as crianças

e deixei a professora Darlene sozinha. Não acredito que tenha sido uma perda, mas

sim uma opção coerente com a pesquisa-ação.

17 Tangram é um milenar jogo de quebra-cabeça chinês. Ele é formado de 7 peças geométricas, que juntas formam um quadrado. Utilizando todas as peças e sem colocar nenhuma em cima da outra formam-se diversas formas.

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No dia 27/09/01, mais uma vez os alunos estavam jogando. Eles estavam

organizados em grupos áulicos e trabalhavam com jogos escolhidos por eles, sendo

que todos os jogos envolviam conhecimentos matemáticos. Nesse dia, a professora

Darlene e eu íamos aos grupos observando os alunos e jogando com eles. Eu

estava envolvida na atividade e não pude observar os procedimentos da professora

Darlene, mas destaco minha participação no grupo do Tiro ao Alvo. O grupo fazia

bastante barulho, brigando pela vez e pela contagem de pontos. Cheguei perto e

intervim, sugerindo que cada um jogasse 3 vezes e tivesse os pontos anotados

numa folha e depois somados. Eles concordaram e começaram a anotar. Fiquei

observando mais um pouco, eles agora esperavam a vez deles com tranquilidade e

olhavam com atenção as anotações que eram feitas na folha por uma aluna. Em

alguns momentos, a aluna espelhava18 os números e os colegas a corrigiam,

dizendo que estava ao contrário. Ela com calma consultava o mural da sala que

continha os números, apagava o número que estava espelhado e fazia de novo. No

meio do jogo, chegou mais um aluno querendo jogar. Ele, então, foi orientado pelo

grupo que precisava esperar pelo fim da jogada. Pude observar que, em outras

situações de jogos surgidas após essa, esses alunos começaram a utilizar o registro

dos pontos em pedaços de papéis, ficando clara a mudança de procedimento na

forma de organizar o jogo, eles agora anotavam os pontos. O jogo foi interrompido

pela chegada da hora do lanche, eles somaram os pontos de 10 em 10 oralmente e

definiram o vencedor. Tive a impressão de que um aluno não conseguiu

acompanhar a contagem dos colegas de 10 em 10, mas ele não discutiu o resultado.

Relatei para a professora Darlene como aconteceu a contagem e ela me informou

que vinha trabalhando a contagem de 10 em 10 quase que diariamente. Ela se

preocupou com o aluno que pareceu não acompanhar a contagem e estabeleceu

como meta observá-lo mais de perto. Coloco no Anexo C o registro dos pontos feito

pela aluna.

18 Espelhar um número ou uma palavra significa escrever o número ao contrário, nos anexos D e G é possível visualizar esse procedimento. No ensino tradicional acredita-se que para o aluno não espelhar é necessário copiar o número ou palavra várias vezes. Hoje se sabe que a cópia não resolve, pois essa dificuldade envolve questões de espaço e lateralidade, que são corrigidas à medida que a criança estabelece uma relação mais saudável com seu próprio corpo.

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Foto 4: O alvo, uma flanela preta, está fixado na parede. As bolinhas com velcro, quando

jogadas, ficam presas no alvo. É interessante notar a aluna sentada no chão com uma folha, ela, naquele momento, estava encarregada de anotar os pontos.

No dia 08/05/02, após os alunos terminarem uma atividade planejada pela

professora Darlene, foi permitido que pegassem os jogos. Os alunos foram até a

prateleira de jogos, pegaram os jogos que queriam (não só envolvendo a

matemática) e sentaram no chão ou nas carteiras para jogar. Participei de um grupo

que jogou o Pega Vareta, um tradicional jogo de varetas coloridas, na qual os alunos

espalham as varetas no chão e precisam pegar o maior número delas, sem mexer

nas outras.

Eu – Posso filmar vocês jogando? Alunos – Pode. (Sem ligarem para a câmera) Eu – O que vocês estão jogando? Aluno 1 – Palito Eu – Que jogo é esse? Aluno 2 – Palito (sem parar de jogar) Eu – Como é que se joga? Aluno 1 – Se mexer já era. Eu – E quem ganha o jogo? Aluno 1 – Quem tiver mais palitos. OBS: Os alunos não se preocupam em responder minhas perguntas, estão

bastante envolvidos no jogo e respondem sem parar de jogar. Eu – E a cor?? OBS: Continuam jogando e sou abandonada pelo grupo.

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Eu – (insisti) E a cor?? Não vale nada? O que vocês acham se a gente

colocasse pontos para a cor? OBS: Ínsito, mas continuam jogando. Ignoram totalmente minha fala. Darlene – Iiii... Sua proposta não passou!! Aluno 3 – Roubou! Eu – O que é roubou? Aluno 1 – É que tem hora que ele mexe e não pára. OBS: As crianças estão discutindo quem joga depois de quem. Eu – Quem joga primeiro? Aluno 2 – Eu Eu – E depois? Aluno 2 – Ela! Eu – E ela? Aluno 2 – É depois. (eles não seguem a tradicional ordem do relógio.)

Continuei observando o jogo mais um pouco. Nesta situação, destaco a

indiferença com que fui tratada pelo grupo. Eles estabeleceram suas regras e seus

procedimentos durante o jogo e não aceitaram minha interferência. Quando intervim

no jogo das varetas, sugerindo que usassem as cores para valer ponto nas

contagens das varetas que iam retirando, imaginei que assim pudessem aparecer as

operações e os registros da adição e da multiplicação e, quem sabe, até uma tabela.

Entretanto, eles não se interessaram pela proposta, queriam simplesmente tirar as

varetas e estavam muito preocupados em fiscalizar se o colega estava “roubando”

ou não. Continuaram a jogar do jeito deles e no final ganhou o que tinha mais

varetas. Para meu desapontamento, não quiseram nem anotar os pontos, afinal já

“sabiam de cor”.

Mais uma vez, observo a postura de autonomia dos alunos em não concordar

comigo, uma consequência do procedimento da professora Darlene, que procura

sempre discutir com os alunos as regras e problemas que surgem durante a aula,

respeitando os diferentes pontos de vista. Os alunos são estimulados a escolher os

jogos e estabelecer as próprias regras. Quando a professora-pesquisadora sente a

necessidade de apresentar uma nova regra, ela apresenta ao grupo e se dispõe a

jogá-lo com os alunos. É interessante destacar que nem sempre o grupo aceita as

regras da professora-pesquisadora. Eles jogam do jeito dela quanto ela está no jogo,

mas depois voltam para o jogo do jeito deles. Vergnaud (1998, p.25) alerta para a

necessidade de oferecer situações que propiciem “novas competências, não só

matemáticas, mas competências para discutir, para seduzir, elaborar e cooperar,

entrar em conflito com os outros, para manejar o conflito”. O Jogo de Pega Varetas

poderia ser um jogo de adição, de relação cor e valor e de organização de dados,

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mas os alunos encontraram um jeito de jogar, sem que esses conhecimentos

estivessem presentes. Eles simplesmente contavam as varetas. Foi um

procedimento escolhido por eles e que, em contra-partida, encontrou o procedimento

de respeito da professora-pesquisadora e o meu, pesquisadora-professora. A

mediação seria a forma possível de modificar o jogo, mas dessa vez não alcancei o

resultado cognitivo esperado. Contudo, outras competências foram trabalhadas,

como a de contagem, observação e estratégia, respeito às regras e coordenação

motora. Com a transformação do jogo pelos alunos, a questão do “valor”

apresentada por mim foi expurgada da atividade, porque exigiria estruturas mais

complexas dos alunos.

Nesses relatos, foi possível observar diversas mediações e intervenções,

ocasionadas nas atividades. O mediador nem sempre era eu ou a professora

Darlene. Os jogos, os colegas, os cartazes, os materiais de contagem, entre outros,

fizeram o papel de mediador. Conforme já foi dito, essa postura deve ser estimulada

no Ambiente Matematizador, já que o conhecimento deixa de ser algo de domínio do

professor para passar a ser de toda a sala.

2.4.2. Relações interpessoais constituídas no espaço do Ambiente

Matematizador

As relações interpessoais são as que existem ou se efetuam entre duas ou

mais pessoas. Neste trabalho, destacarei as que estiveram presentes no processo

de aprender e ensinar, dentro do Ambiente Matematizador. Abordarei as ocorridas

entre os alunos e seus pares, entre a professora-pesquisadora e alunos, entre a

professora-pesquisadora e a pesquisadora-professora e, finalmente entre a

professora-pesquisadora e as outras professoras da escola. As relações

interpessoais presentes no Ambiente Matematizador diferenciam-se em razão dos

procedimentos e das situações propostas e tratadas neste trabalho.

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2.4.2.1. Entre os alunos e seus pares

Entre os diversos procedimentos que a professora-pesquisadora precisava

estar disposta a adotar para trabalhar dentro da proposta do Ambiente

Matematizador está o de proporcionar diferentes relações em sala de aula.

O ensino tradicional vê no silêncio e na obediência requisitos indispensáveis

para a aprendizagem. Em função dessa preocupação, a arquitetura da sala de aula

é usualmente a das carteiras enfileiradas, uma atrás da outra. Dessa forma, os

alunos não conversam, não discutem, possibilitando ao professor o controle

esperado para que consiga ensinar. No Ambiente Matematizador, ocorre exatamente

o contrário: a professora-pesquisadora não é a única que possui o saber, a resposta

certa. Os alunos discutem entre si, encontram respostas diferentes da professora-

pesquisadora, tornam-se realmente atores no processo de aprender e ensinar. Não

é possível que essas trocas aconteçam com os alunos enfileirados. Sendo assim, no

Ambiente Matematizador, o trabalho em grupo é muito estimulado e as carteiras

organizadas em grupos passam a ser a arquitetura principal da sala. A importância

do trabalho em grupo na sala de aula é valorizada também nos PCN de matemática

(BRASIL, 1997, p.41):

Trabalhar coletivamente, por sua vez, supõe uma série de aprendizagens, como:

Perceber que além de buscar a solução para uma situação proposta devem cooperar para resolvê-la e chegar a um consenso.

Saber explicitar o próprio pensamento e tentar compreender o pensamento do outro.

Discutir as próprias dúvidas, assumir que as soluções dos outros fazem sentido e persistir na tentação de construir suas próprias ideias.

Incorporar soluções alternativas, reestruturar e ampliar a compreensão acerca dos conceitos envolvidos nas situações e, desse modo, aprender.

O trabalho em grupo, nos dias de hoje, não é novidade para aqueles

professores que buscam um ensino participativo. A professora Darlene, no dia

21/01/03, relata a importância que o grupo tem para ela:

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Sempre acreditei no grupo. Talvez porque eu tenha formação de grupo, né? Eu vinha de grupo de jovens, dessa história toda, eu sempre acreditei no grupo. E as idéias quando surgem... É dificílima a convivência e os conflitos que a gente tem que botar para fora. O par, eu acredito na mediação do par. Ela é imediata e poderosa. Ela é altamente poderosa. Eu posso lhe mostrar como eu faço e ver como você faz. Essa mediação... Ela é assim, eu tenho situações na sala de aula que não adiantava a intervenção minha, do pai, da mãe, da orientadora, foi a mediação de quem estava juntinho. O par que funcionou. Então eu acredito muito nisso.

A novidade do grupo no Ambiente Matematizador é a possibilidade de

trabalhar em grupos áulicos. Nesses grupos são estipulados o tempo de trabalho

junto, buscando favorecer as aprendizagens destacadas acima e presentes nos

PCN de matemática. Por definição, grupos áulicos significam grupos de sala de aula.

Fui apresentada a essa proposta através dos cursos do Grupo de Estudos sobre

Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação – GEEMPA, que funciona em Porto

Alegre. A formação dos grupos áulicos deve acontecer após alguns dias de aula, a

fim de que os alunos se conheçam. É interessante que se sigam alguns passos nas

formações dos grupos. Esses passos não são obrigatórios, mas a professora

Darlene utilizou durante todo o ano, nos diversos grupos áulicos que formou.

1º passo: Estabelece-se com a turma quantos grupos serão formados e quantos

alunos em cada grupo. Aqui é possível trabalhar as noções matemáticas do todo, da

divisão e da multiplicação. Acredito ser de bom tamanho um grupo com quatro

alunos, no máximo cinco. Três alunos pode ser pouco e seis alunos, muito.

2º passo: Discutir a importância do trabalho em grupo e as características

necessárias para um bom trabalho. É interessante estabelecer as regras que estarão

presentes durante o processo de formação dos grupos áulicos, como: ninguém pode

ficar sozinho; não vale grupo só de mulher ou só de homem; ou “fulano” e “sicrano”

não podem mais ficar juntos; e outras que se fizerem necessárias. É importante

combinar o dia da próxima eleição, deixando claro que até lá devem permanecer no

mesmo grupo. Aquela história que “briguei com meu colega, quero sair do grupo”

não vai valer. As discussões deverão ser resolvidas no próprio grupo, com a ajuda

da professora se for o caso. Destaco que toda regra deve ser discutida e em alguns

momentos ela poderá ser modificada. A professora Darlene relata, no dia 21/01/03, a

dificuldade enfrentada com um grupo que era formado por três meninas e um

menino:

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Foi um problema. Ele fazia a maior confusão, brigava, não fazia os deveres, não rendia. Nem ele e nem elas. No começo estava tudo bem, mas depois os colegas começaram a dizer que ele estava no grupo de “mulherzinhas” e começou... Acabei chamando-o para conversar, conversei com o grupo, ele foi para outro grupo e tudo acalmou. Não sei se foi o mais certo, mas não vi outra saída.

Não é possível dizer se está certa ou errada a atitude de “quebrar a regra” e

permitir que o aluno mude de grupo, vale destacar a importância da autonomia da

professora. Hoje ela resolveu assim, mas em outra situação, outro procedimento

pode ser adotado. Por isso, esses passos são sugestões que deverão ser

analisadas, refletidas, discutidas e adaptadas sempre que necessário.

3º passo: Cada aluno vota no colega que gostaria de trabalhar junto. Os alunos mais

votados serão os líderes. Lembro-me de uma situação em 1999, em que era

coordenadora pedagógica da Escola Classe 312 Norte. Estava substituindo uma

professora de licença médica por 15 dias e sua turma era muito desunida. Todos

tinham apelidos e se tratavam de forma agressiva e impaciente. Propus a formação

de grupos áulicos, fizemos a eleição para a escolha dos líderes e na hora da

contagem dos votos, dois alunos tinham dois votos e os outros, um cada, mostrando

que cada um havia votado em si mesmo. Tal situação foi uma surpresa e me

mostrou como eles estavam se sentindo sozinhos na sala. Propus uma nova eleição,

com a condição de que não votassem neles mesmos, mas buscassem na sala um

colega para trabalharem juntos. Foi, a partir daí, que encontrei condições de

trabalhar com a turma conceitos de solidariedade, amizade e respeito.

4º passo: Contagem dos votos, marcando no quadro o voto que cada aluno tem.

Pode-se fazer uma lista ou uma tabela para ir anotando no quadro o voto de cada

aluno.

5º passo: Observando os alunos mais votados, selecionam-se os lideres. Os alunos

escolhidos são consultados se aceitam o cargo, eles podem ou não aceitar. Caso

haja empate ou faltem líderes para formar os grupos estabelecidos no 1º passo,

mantêm-se os já eleitos e faz-se uma nova eleição, com os nomes empatados. Só é

possível passar para o próximo passo após ter definido quais serão os líderes dos

grupos. É importante a lisura nesse processo, sendo os líderes apenas aqueles

escolhidos pelos alunos. Em alguns momentos, nós, professores, queremos intervir,

escolhendo aquele que no nosso ver seria um bom líder, mas essa não é a

proposta. A proposta é que os alunos escolham seus líderes, o que dará ao grupo a

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responsabilidade sobre a escolha. No dia 08/01/03, a professora Darlene relata um

fato ocorrido durante a eleição de grupo:

Acho que o aluno X foi eleito por peninha, eu li assim. A aluna Y é uma líder nata, faz seu “lobby”... Na hora que o aluno X foi eleito, quando ele foi compor o grupo, ele chamava um, que respondia: Eu não quero. Ele chamava outro que dizia: Eu não quero. Outro não quero. Outro não quero. Então um aluno levantou e falou assim: “Espera ai, mas vocês não votaram nele? Por que vocês votaram nele, se vocês não queriam participar do grupo dele?” E ficou sem resposta. Eu falei: “Muito bem! Eu também concordo com você. Eu acho quem votou no aluno X para ser líder, tem um compromisso com ele”. E ai ficaram “hememememe”... e acabaram formando. Eu tive que dar uma entrada. Isso tudo só vem à tona com a eleição.

Nesse relato, é possível visualizar a importância de respeitar a escolha dos

alunos, pois é ela que vai dar o comprometimento necessário à escolha feita. O voto

dado é um voto de confiança no colega escolhido, não pode ser vendido, negociado

ou qualquer outra coisa. Esse é um importante conceito de participação cidadã.

6º passo: Os líderes vão para frente da sala convidar os colegas para fazerem parte

de seu grupo. Chamam um e passam a vez para o outro líder. É necessário que a

partir do momento que o líder não estiver mais sozinho, ele ouça os que já integram

o grupo para continuar a formação do mesmo. Proceda dessa forma até a penúltima

rodada. Então inverta o processo. Os alunos que ficaram de fora dos grupos agora

vão escolher o grupo em que gostariam de participar. Ninguém é obrigado a ir para o

grupo e nem o grupo a aceitar mais um elemento, é sempre um processo de

conquista. Nesse passo, costumam ocorrer alguns choros e discussões entre

aqueles que não são escolhidos. É um momento doloroso, mas importante. Aqui é

possível trazer à tona questões que normalmente não são discutidas em sala:

discriminações e preconceito. Essas questões existem independentemente da

eleição dos grupos áulicos. Esse momento exige muita sensibilidade da professora.

Ela precisa acreditar na possibilidade de mudança, na força do grupo para modificar

as relações. Há aquele aluno que não é escolhido porque não faz os deveres,

porque bate, porque é bagunceiro, é o momento de conversar com ele, buscando

uma postura de compromisso perante os colegas. Mas há também aquele aluno que

não é escolhido porque é negro, deficiente, vem com uniforme sujo, é o momento de

discutir esses critérios com o grupo. É válido destacar como as relações na sala se

tornam mais respeitosas e fraternas no decorrer das eleições. Alguns alunos só são

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líderes uma vez, encontrando depois uma rejeição por sua autoridade e impaciência,

enquanto outros líderes, que no primeiro momento são rejeitados pelos colegas por

razões menores, podem virar o jogo, mostrando-se líderes natos. No geral, todos

querem ser líderes em algum momento, mas não necessariamente o tempo todo.

Alguns alunos recusam a liderança, querendo participar do grupo, sem ser líder.

7º passo: após o grupo formado, eles organizam suas carteiras e vão juntos escolher

um nome para o grupo.

8º passo: Mapear a sala, fazendo um desenho representando o lugar de cada grupo

e os alunos que o integram. Eu, como professora, costumava fazer um cartaz com

essas informações e fixar na parede. A professora Darlene encontrou uma forma

diferente de fazer esse mapeamento. Cada grupo escreve em uma folha branca o

nome escolhido para o grupo e os nomes de seus integrantes e, ao terminar,

entrega a folha para a professora, que dependura-a no teto com um barbante.

Foto 5: Tirada no dia 08/05/02, ainda no início da aula. É possível observar as folhas

penduradas no teto para identificar os grupos. Destaco também o fundo da sala com diversos materiais de apoio para os alunos e professora-pesquisadora utilizarem durante as aulas.

O grupo áulico foi uma alternativa, mas na constituição do Ambiente

Matematizador outras formas de formação de grupo são possíveis: O importante é a

constituição de um espaço de socialização, confronto e troca. O trabalho com grupos

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áulicos já fazia parte do planejamento da professora Darlene desde 1999, ano que

chegou à Escola Classe 312 Norte. Tal procedimento de formação de grupo era

estimulado pela direção e coordenação (da qual eu fazia parte) da escola na época

e a maioria dos professores a utilizava. Após a mudança da direção, algumas

professoras permaneceram com a proposta e outras não. A importância dos grupos

áulicos no Ambiente Matematizador passa pela necessidade de se estabelecer na

sala de aula um ambiente de respeito e solidariedade, no qual os alunos possam se

sentir entre amigos, num ambiente em que se discutem as questões que poderiam

atrapalhar o processo de aprender e ensinar. Realizar a eleição não é um princípio

essencial para que aconteça o Ambiente Matematizador, mas acredito que fez

diferença na relação estabelecida entre a professora-pesquisadora e seus alunos e

entre os próprios alunos.

A professora Darlene fazia a eleição dos grupos áulicos todo mês. Os alunos

trabalhavam a maior parte do tempo nesses grupos, mas havia também os grupos

espontâneos que normalmente surgiam na hora de pegar um brinquedo. Os alunos

escolhiam o brinquedo e sentavam no chão ou na mesa, considerando apenas os

que queriam brincar com aquele jogo ou não.

Foto 6: Tirada no dia 08/05/02, os alunos estão jogando livremente. Eles escolheram os

jogos e os grupos em que gostariam de participar. A professora definiu apenas os jogos que poderiam ser usados naquele dia.

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Um dos problemas de se trabalhar em grupos é a dificuldade em conseguir o

silêncio e a atenção dos alunos. Nesses momentos, a professora-pesquisadora

costumava convidar os alunos para sentarem no chão na “rodinha”. No dia 20/09/01,

cheguei na sala e os alunos estavam organizados enfileirados e em duplas. No dia

26/09/01, em nossa conversa de planejamento, questionei o porquê de os alunos

estarem em duplas e ela explicou que eles estavam muito agitados e, assim, ela

conseguiria maior silêncio. A organização da sala em duplas pode ser uma

alternativa interessante, mas não foi muito explorada pela professora Darlene nos

anos de 2001 e 2002 e, no caso acima, foi utilizada como forma disciplinar. No

Ambiente Matematizador, a dupla pode ser uma ótima proposta, inclusive buscando

favorecer a troca entre alunos no mesmo nível cognitivo ou em níveis diferentes.

Conforme afirmado por Golbert (2002, p.41), “ainda são necessários mais

estudos sobre como é possível coordenar as atividades e conteúdos comuns às

classes, como um todo, a pequenos grupos e aos alunos individualmente”. Respeitar

o processo de seu aluno e, ao mesmo tempo, atender à diversidade da sala de aula

é com certeza um desafio presente no Ambiente Matematizador.

Pela importância dos trabalhos em grupo no Ambiente Matematizador, as

atividades individuais deixam de ser uma rotina e passam a acontecer em situações

em que o aluno assim prefere, ou quando a professora-pesquisadora acredita que é

necessário.

No dia 29/11/01, conforme já relatei no item anterior sobre mediação e

intervenção, assustei-me ao chegar na sala e encontrar os alunos enfileirados. A

professora Darlene estava fazendo uma atividade (Anexo B) para verificar algumas

aprendizagens e dificuldades e acreditou ser necessário desfazer os grupos áulicos.

Oferecer em sala situações individuais para os alunos não fere os princípios do

Ambiente Matematizador, desde que se preserve a possibilidade dos alunos

buscarem as informações que necessitem no ambiente da sala. Seriam como nas

turmas mais adiantadas, as “provas com consulta”. É importante criar na sala de

aula um clima de desafio e não de terror. A professora Darlene conseguiu tal

situação. Os alunos não estavam nervosos, estavam calmos e faziam a atividade

individualmente e com entusiasmo (Anexo B). Ela andava pela sala mediando

quando necessário e, a todo o momento, afirmava que gostaria que cada um fizesse

a atividade do “seu jeito” e não do “jeito do colega”. Os alunos eram orientados a

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não perguntar para o colega, mas sim buscar a respostas nos materiais de

contagem e esquemas próprios.

Essa busca dos alunos pelos materiais disponíveis na sala foi observável em

diferentes dias. Bastava surgir um desafio ou uma situação nova, para eles saírem

de seus lugares para pegar algum material de contagem, folhas brancas para fazer

suas representações e buscar as respostas nos cartazes e revistas disponíveis na

sala.

Outra forma de ocorrer trabalho individual no Ambiente Matematizador seria

como no dia 08/05/02. Nesse dia, os alunos acompanharam no grande grupo a

professora Darlene elaborar um gráfico, para depois irem para seus grupos áulicos e

fazerem os gráficos individualmente. É interessante essa forma de registro, pois,

apesar de ser individual, o aluno tem possibilidade de discutir e aprender no grupo.

Ainda destaco, no mesmo dia, os diferentes momentos que os alunos tiveram na

aula. A professora Darlene iniciou no grande grupo, apresentando a agenda do dia.

Depois, foram formados dois grupos com mais de 10 alunos, para jogarem o Jogo do

Amarradinho (atividade apresentada no item 2.5.1). Eles ainda foram para os grupos

áulicos e desenvolverem uma atividade e, por último, formaram grupos espontâneos

para jogos escolhidos por eles. Essa possibilidade de diferentes formas de trabalho

é muito importante no Ambiente Matematizador, por favorecer a troca entre os

alunos e propiciar uma aula mais interessante e participativa.

2.4.2.2. Entre a professora-pesquisadora e os alunos

No Ambiente Matematizador, espera-se uma relação amorosa (LUCKESI,

1999) entre o professor e seus alunos. Uma relação em que o respeito e o ato de

ouvir estejam presentes em ambos os lados. É essencial que o aluno sinta-se à

vontade para “arriscar” respostas, sem medo da repreensão do professor. A

professora Darlene se preocupou em construir essa relação amorosa e respeitosa

com seus alunos durante a pesquisa. Posso afirmar que faz parte do perfil da

professora Darlene (relatado no início deste trabalho) a preocupação em valorizar

seu aluno em diferentes aspectos. Ela sempre buscou situações e procedimentos

que favorecessem o ato de ouvir os alunos, mostrando o valor que cada um tem

dentro do grupo. Em nossas conversas, constantemente estava presente sua

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preocupação com os alunos que não estavam aprendendo. No dia 15/05/02,

discutimos atividades e procedimentos que poderiam favorecer uma melhor

aprendizagem. Durante o ano, tais procedimentos estiveram presentes nas aulas,

mostrando seu empenho com esses alunos. O grupo de alunos que despertou na

professora-pesquisadora uma preocupação especial encontrou uma professora

atenta, carinhosa e persistente, prova disso é que, mesmo durante a reposição da

greve, em janeiro de 2003, um grupo representativo de alunos estava presente

diariamente nas aulas.

Por estabelecer uma relação com sua turma baseada na autonomia e no

respeito, a professora Darlene foi muito questionada pelas outras professoras da

escola sobre o “mau” comportamento de seus alunos. Ela relata, no dia 26/09/01,

sua preocupação com o comportamento de sua turma.

Eles são tão agitados. Parece que todos os problemas estão na minha sala. Será que sou eu? Parece que as outras salas não têm esses problemas.

Para tal colocação, ponderei que acreditava que ela realmente favorecia tal

situação, mas que não via isso como um problema e sim como um ponto positivo.

Os problemas existem em todas as salas, mas ela com sua preocupação em acolher

os alunos, valorizando e respeitando as diferenças, acabava por estimular que os

alunos levassem para a sala os problemas de casa. O desafio era conseguir

trabalhar esses problemas em sala, sem que esses atrapalhassem a aprendizagem.

Acredito que tal desafio foi vencido nos dois anos observados. Apenas um aluno

saiu da turma em 2002 (durante a greve de professores), trocando de escola e os

alunos tiveram progressos cognitivos evidentes, especialmente na leitura e na

matemática.

Ao se propor essa aproximação entre a professora-pesquisadora e o aluno no

Ambiente Matematizador, não se espera uma presença somente acolhedora da

professora. Os momentos de ruptura são de grande importância no ambiente em

que se pretende aprender e ensinar. Esse alerta nos é dado por Zagury (1999, p.12):

A relação professor/aluno é importante, sim, no processo de aprendizagem. De preferência ela deve ser amistosa e afetuosa de ambas as partes. Porém não pode, em hipótese alguma, ser

confundida com igualdade. A relação pedagógica deve embasar-se

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numa hierarquia (não rígida, nem autoritária), em que deve estar bem definido para o aluno que o professor é a autoridade na relação. Mesmo que exerça essa autoridade de forma democrática e participativa, em uma última análise, o professor tem o direito e o dever de manter em classe as condições que permitam ocorrer a aprendizagem. Sejam seus alunos adolescentes ou crianças.

Destaco os projetos, relatados no item 2.1.1, que em sua maioria partiram de

temas gerados pelos próprios alunos. Nesta perspectiva, a professora buscava

temas de interesse dos alunos, que se envolviam nas atividades com alegria e

entusiasmo. No dia 21/02/03, a professora Darlene relata com satisfação o seguinte

fato:

Eu tive uma experiência engraçada, no final do ano passado. Uma irmã de um aluno de 2001 foi para minha sala. Era um sábado e nós fizemos a lojinha. E ela disse: “Ai que bom! Meu irmão falava tanto das suas lojinhas”. Eu fiquei tão feliz e pensei: Então ele fala em casa?

Perceber o entusiasmo dos alunos nas atividades propostas é sempre uma

satisfação para o professor. Os alunos em tal situação estão bem mais próximos das

aprendizagens significativas. No dia 08/05/02, os alunos se envolveram na

construção de uma tabela e de um gráfico que mostrava o número de letras nos

nomes dos alunos. A professora Darlene apresenta um gráfico de barras, pergunta

quem já o viu e começa a desenhá-lo no quadro, de acordo com os dados da tabela.

Os alunos estão atentos, curiosos com a atividade. Quando ela termina o gráfico no

quadro, entrega uma folha com a base do gráfico, para que cada um faça o seu de

acordo com a tabela. Logo que os alunos começam a atividade, alguns gritam que

está faltando o 0 (zero) no início da linha do gráfico. Espantei-me com tal

observação vinda de alunos de 1ª série que trabalhavam pela primeira vez com

gráficos. Nesse momento, foi possível constatar a clareza que alguns alunos

alcançaram em relação aos gráficos. A professora Darlene rapidamente reconhece

sua falha e pede que todos corrijam na folha. Alguns alunos levantam e ajudam os

colegas a localizar o local em que deveria ser colocado o número 0 (zero). A

tranquilidade com a qual os alunos corrigiram a professora Darlene e a rapidez em

que a professora reconheceu seu erro demonstram a boa relação construída entre

eles.

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Como em todas as relações, aconteceram problemas de enfrentamento,

como no dia 20/09/01, em que faço o seguinte relato em minhas anotações:

Um dos alunos está bem agressivo hoje, atrapalhando a escrita da agenda, gritando e fazendo barulho com a carteira. A professora tentou conversar, chegou perto carinhosamente, mas foi agredida verbalmente pelo aluno, que fingia que não ouvia nada que ela dizia. Após algumas tentativas, a professora abriu a porta da sala e sugeriu que ele saísse da sala e só voltasse quando estivesse mais calmo. Ele saiu. Depois de algum tempo, voltou em silêncio, sentou na carteira e ficou quieto num canto sem atrapalhar, mas também não participou da atividade.

O procedimento da professora Darlene de convidar o aluno a sair da sala e

voltar quando estivesse mais calmo é uma das alternativas possíveis para tais

situações. Não pretendo classificá-la como boa ou ruim, mas como uma situação

possível e real. Vale destacar que, por diversas vezes a professora-pesquisadora

tentou conversar com o aluno, mas durante o recreio, quando estavam a sós, é que

teve algum sucesso na conversa. Em outros momentos da pesquisa, a professora

Darlene perdeu a paciência em sala. Em alguns períodos, até começou a gritar

demais com os alunos, tema de nossa conversa no dia 29/10/01. Ela ponderava

como se sentia mal e cansada quando gritava com os alunos. Eu a acolhi em tal

desabafo, destacando as diversas vezes em sala que também perdi a paciência.

Sugeri que tivesse mais tranquilidade durante as aulas, que não esperasse tanto dos

alunos, que poupasse sua voz, falando menos e mais baixo. Ela concordou e

destacou que, em função da FECITEC, apavorou-se com o pouco “tempo” disponível

para desenvolver tudo que havia planejado e isso estressou os alunos e ela mesma.

É interessante destacar como em 2002 a professora Darlene desenvolveu

com seus alunos uma relação bem mais tranquila. Como ela mesma diz: “hoje sei

que eles vão aprender mais cedo ou mais tarde, basta eu propor atividades

interessantes”. Essa tranquilidade alcançada pela professora-pesquisadora foi

essencial para o Ambiente Matematizador que, em 2002, foi muito mais natural e

abrangente.

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2.4.2.3. Entre a professora-pesquisadora e a pesquisadora-

professora

Durante a pesquisa, ocorreram 28 encontros entre mim e a professora

Darlene e outros 17 momentos em que os alunos também estavam presentes.

Nossa relação foi muito proveitosa e respeitosa. Conforme apresentado no início

deste trabalho, nós nos conhecíamos desde o tempo da faculdade. Não éramos

grandes amigas, mas nos encontrávamos em algumas matérias. Em 1999, nós nos

revimos na Escola Classe 312 Norte e depois nos aproximamos bastante durante a

pesquisa. Encontrei a liberdade de discutir sobre a construção do Ambiente

Matematizador, sobre as aprendizagens matemáticas e sobre diferentes questões

observadas, como: o porquê das carteiras enfileiradas ou em grupo; a importância

de levar os alunos ao parque; a necessidade de dar menos comandos em sala; a

forma de lidar com os alunos mais agitados; entre outras questões. Foi interessante

perceber que, durante nossas conversas, minhas observações eram ouvidas pela

professora-pesquisadora, mas nem sempre colocadas em prática. Algumas vezes,

na mesma hora que apresentava uma proposta, já ouvia um “não acho uma boa

idéia” como resposta. Outras vezes, a proposta era vista como uma ótima idéia.

Essa sinceridade foi fundamental para a pesquisa. Nosso respeito se fortaleceu com

essa postura.

Na filmagem da aula do dia 08/05/02, é possível observar a professora

Darlene construindo uma tabela com os alunos. A tabela informava a quantidade de

letras em uma coluna e o número de alunos com essa quantidade de letras no nome

na outra. Ao chegar na quantidade de 6 (seis) letras, foi detectado que não havia

nenhum aluno com essa quantidade de letras na sala. A professora Darlene, então,

pulou para a quantidade 7 (sete), sem anotar a quantidade 6 (seis). Sugeri, falando

baixo e discretamente, que ela colocasse a quantidade de 6 (seis) letras na tabela,

informando que 0 (zero) aluno na sala tinha essa quantidade. Ela concordou e na

mesma hora conversou com os alunos sobre minha sugestão, esclarecendo que era

uma observação da “professora Nina”. Apagou o que já havia feito e refez os dados.

Esse é um exemplo de como nosso relacionamento foi tranquilo (a tabela construída

pode ser vista na foto 2, p.87). O fato de considerar os princípios da pesquisa-ação

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foi fundamental para essa boa relação, afinal a pesquisa passou a ser nossa e não

somente minha.

Em alguns dias, eu chegava na escola e a professora Darlene trazia trabalhos

dos alunos para me mostrar, destacando que acreditava que tal procedimento ou

atividade era importante para a pesquisa. Mesmo quando eu não estava presente na

sala, ela tomava a iniciativa de anotar ou guardar aquilo que acreditava ser

importante. Ela afirmava que transferia algumas atividades para o dia em que eu

estivesse na sala, pois sabia que estavam relacionadas com o Ambiente

Matematizador. Quando não era possível mudar a data da atividade, ela me avisava

o dia em que estava prevista, para que eu pudesse estar presente.

2.4.2.4. Entre a professora-pesquisadora e as professoras da escola

O trabalho em equipe tem grande importância no trabalho docente atual.

Perrenoud (2000a) destaca o trabalho em equipe, como uma das 10 (dez) novas

competências para ensinar. No Ambiente Matematizador, tal procedimento deve ser

explorado, buscando favorecer a autonomia, a reflexão e a troca de experiências.

Entretanto, durante esta pesquisa, a discussão em equipe se restringiu entre mim, a

professora Darlene e o professor Cristiano (orientador desta pesquisa). No ano de

2002, a professora e pesquisadora Sueli Freitas participou também de algumas

discussões.

No dia 08/01/03, nós nos encontramos na casa da professora Darlene e ela

falou sobre “os custos” para o professor, ao trabalhar no Ambiente Matematizador.

Ela afirma que é um desafio preparar uma aula diferente da que você estava

acostumada. Agora ela se preocupa em planejar situações que estimulem os alunos

a participar, que favoreçam o trabalho em grupo, que estimulem a pesquisa, que

utilizem outros espaços além da sala de aula e que permitam que os alunos façam

do seu jeito, pensando e aprendendo de verdade. Isso tudo exige tempo para

preparar o material para a aula, estudo sobre o tema e autonomia para mudar o

planejamento da aula em função dos alunos.

A professora-pesquisadora conta sobre uma reunião ocorrida com os outros

professores da escola que reclamaram que ela tinha se isolado:

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Primeiro colocaram um rótulo em mim esse ano, dizendo que eu não dividi. Que eu não dividi? Como é que eu divido? Como eu divido um projeto deste do chocolate? Feito pelos meus alunos? Mas falei dele para o grupo... Quem se dispôs? Ninguém! Entendeu? Eu dividi também a questão do jogo da velha, eu falei, mas ninguém se dispôs... Então? Eu vou ficar insistindo em que? Mas eu fiz uma autocrítica. Será que eu me fechei mesmo? Olha, a professora X ainda citou um exemplo que é o seguinte: “No dia que eles foram apresentar o projeto de ciências para as 1ª séries, eu fui, participei e depois só dei os parabéns!” Falei que se precisassem de ajuda, eu estava ali, mas eu não quis agregar. Realmente eu não quis. Mas é pecado não querer? Meus alunos tinham escolhido artes. Eu tinha que mudar para música só para me juntar às 1as séries! Não! Em 1º lugar, o meu aluno. Eu respeitei o interesse deles, entendeu? Me custa. Me custou para caramba! Mas é isso... E olha que eu ajudei o tempo inteiro o projeto da música, eu estava ali. Eu não vi quando é que eu me isolei.

Juntas chegamos à conclusão que seria ótimo que toda a escola se

envolvesse em criar o Ambiente Matematizador, que poderia ser chamado de

Ambiente Educativo, mas esse processo de conquista é lento. É necessário que ela,

Darlene, integre-se mais ao grupo, troque mais ideias e assim, quem sabe, envolva

o grupo na proposta. A escola vem passando por mudanças constantes na direção,

o que vem dificultando uma discussão pedagógica mais profunda. Além disso, houve

a greve que deixou a professora-pesquisadora mais distante do grupo que não a

aderiu. Ponderamos que, apesar das dificuldades, é possível tentar se aproximar

mais do grupo, até porque a proposta do Ambiente Matematizador deverá continuar.

É interessante perceber em tal relato a dificuldade de integrar os diferentes

interesses das turmas da escola. No caso citado, poderia ter havido um

encaminhamento conciliador, partindo do princípio que ambos os temas estão

relacionados, afinal música também é arte. Mas não foi isso que ocorreu. Darlene,

que sempre valorizou o trabalho em grupo em sua prática docente, sentiu a

dificuldade em fazê-lo na prática, com seu grupo de trabalho. Para o Ambiente

Matematizador, o trabalho em grupo é muito importante e buscar envolver toda a

escola é mais um desafio. Relatei, no início deste capitulo, no item 2.1, a

participação de alguns profissionais da escola em uma atividade desenvolvida no

Ambiente Matematizador, mas ao mesmo tempo, na mesma escola e ano, outro

grupo reclamou do isolamento da professora. Acredito que o impasse surgido é real

e que o caminho para resolvê-lo seria realizar encontros semanais, que possibilitem

a troca entre os professores. É importante que fique claro que o fato de todos

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fazerem a mesma coisa, do mesmo jeito não significa união. O desafio é trabalhar no

coletivo, mantendo a individualidade. Essa é uma discussão que acontece com

muita frequência no atual mundo globalizado. Como bem lembra o mestre Paulo

Freire (1987, p.122) “o seu quefazer, ação e reflexão, não pode dar-se sem a ação e

a reflexão dos outros, se seu compromisso é o da libertação”.

Atualmente, os professores da Rede Pública dispõem de uma carga diária

para coordenação pedagógica (conforme relato no Capítulo IV, item 2) que poderia

beneficiar o trabalho em grupo. No entanto, na atual política educacional, ela não

vem sendo utilizada neste sentido. Esclareço que o espaço para o trabalho em

grupo não seria aquele em que avisos e questões burocráticas são apresentados,

mas sim um espaço para que os professores pudessem levantar diferentes questões

com autonomia, buscando encaminhamentos para resolvê-las.

2.4.3. Contrato didático constituído

A relação entre professores, alunos e conhecimento na sala de aula é

permeada por regras explicitas e implícitas. Estabeleceu-se, por exemplo, que na

escola o professor ensina e o aluno aprende. Dentro deste contrato, o professor

deve planejar situações organizadas linearmente, em que ele (o professor) possa

controlar e saber todas as respostas. Também vale destacar o erro, que é visto

como um desvio de aprendizagem. Essas regras acabam por interferir na relação

professor-aluno. O Ambiente Matematizador propõe rediscutir essas regras,

estabelecendo-se um novo contrato. Nesse novo contrato, o professor passa a ser

pesquisador, “desafiando” seus alunos a elaborarem questões e encontrarem as

respostas. O professor deixa de ser o único a possuir o saber e o erro passa a ser

visto como parte do processo de aprender e ensinar, um fator importante para o

professor descobrir as hipóteses dos alunos. O papel do professor no Ambiente

Matematizador torna-se bem mais complexo, ele agora não vai só ensinar a resposta

certa, seguindo uma organização linear dos conteúdos. Ele aprende e ensina em

parceria com seus alunos.

Nesta perspectiva, podemos afirmar a importância de se discutir o contrato

didático na construção do Ambiente Matematizador, tentando tornar explícitas, as

atribuições antes implícitas, entre o professor e seus alunos, durante a aquisição do

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conhecimento (só ensina quem aprende). O que inicialmente aparece implicitamente

na sala de aula é discutido e avaliado a fim de que se torne explicito. O contrato está

totalmente relacionado ao procedimento e existe em função do aprendizado dos

alunos e professores de forma ativa. Ele poderá ser renovado e renegociado durante

o processo de aprendizagem, visando às condições necessárias para gerar as

aprendizagens esperadas.

Atualmente Brousseau é um dos pesquisadores que mais se atenta ao

contrato didático. De acordo com Pais (2001, p.78), “as raízes da noção de contrato

didático estão associadas ao conceito de contrato social, proposto por Jean-Jacques

Rousseau (1712-1778) e também ao conceito de contrato pedagógico analisado por

Filloux (1974)”.

Inicialmente, em nossa conversa do dia 22/08/01, sugeri à professora Darlene

que discutisse e elaborasse com seus alunos um contrato didático para o Ambiente

Matematizador. Ela aceitou a sugestão e, no dia 23/08/01, após apresentar alguns

jogos e materiais que fariam parte do Ambiente Matematizador, elaborou com seus

alunos um contrato, que ficou bem próximo de regras sobre o que não se pode

fazer.

REGRAS DO AMBIENTE MATEMATIZADOR: 1. É UM AMBIENTE DE TODOS DA TURMA. 2. TODOS PODEM CONTRIBUIR TRAZENDO ALGUM JOGO OU MATERIAL. 3. O MATERIAL SERÁ UTILIZADO PARA AJUDAR NOS DEVERES OU PARA BRINCAR. 4. CUIDAR COM CARINHO PARA TÊ-LOS SEMPRE. 5. ARRUMAR OS MATERIAIS DIREITO E COLOCÁ-LOS NO LUGAR COMBINADO. 6. VERIFICAR SE FICARAM PEÇAS NO CHÃO OU EMBAIXO DAS MESAS E COLOCA-LAS NO LUGAR CERTO. 7. ARRUMAR OS MATERIAIS E JOGOS QUE ESTEJA USANDO ANTES DE PEGAR OUTRO.

Esse contrato (ou regras) não agradou a professora Darlene, que se sentiu

incomodada, ao ver no contrato uma lista de regras e não uma proposta de

discussão e reflexão. Os alunos, por sua vez, também não incorporaram o contrato,

repetindo as posturas listadas nele e questionadas por ele. O contrato foi escrito em

folha grande de papel pardo e esquecido pela turma. Em nossa conversa, no dia

20/05/02, faço o seguinte relato:

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Questionei sobre o contrato didático. Coloquei que seria interessante discutir com os alunos e reescrevê-lo. Ela discordou. Disse que esse negócio de escrever não havia funcionado bem (em 2001), mas ainda não sabia outra forma de fazê-lo. Argumentei a importância de não desistir quando uma ideia na prática não dá certo. Pela importância do contrato didático no Ambiente Matematizador, valia a

pena tentar de novo. Ela ficou de pensar.

No dia 08/01/03, durante nossa conversa, a professora Darlene relata novas

tentativas de discussão e elaboração de um contrato didático com os alunos:

Nina: (Mostro o contrato escrito) Aqui você está falando do Líder. Como é que

você fez esse contrato? (Começo a ler) Em julho... O Líder deve:

Ajudar seu grupo.

Trazer a tarefa de casa.

Ser amigo.

Resolver os problemas conversando ou chamando a professora.

Faltar só o necessário.

Na falta do líder, a professora resolve. Darlene: Fiz no estêncil. Eles falaram como é que eles queriam e eu fiz, mas

uma coisa que deu certo não foi isso ai! Isso ai ajudou, mas depois eu conto. E o que nós fizemos? Nós fizemos um contrato, todo mundo assinou, depois de fazermos a eleição de grupo. O líder assinava esse termo escrito (mostra o contrato na minha mão). Ficava com uma cópia e me dava a outra. Qualquer “pé atrás” que havia, eu mostrava: “Você assinou”! Ou então o grupo falava. Mas isso nem funcionou tanto. Sabe o que funcionou? Uma historinha que deve estar ai dentro, que chama Deixa a raiva secar. Não, aliás, não começou

com isso. Começou com uma conversa com a psicopedagoga da escola, sobre a agressividade da minha sala. Ela falou: “Darlene, eu fiz o curso do Paz na Escola19 e tem muita sugestão legal.” Eu falei: “Ah, é mesmo, aquele livrinho azul!” Deu um insight e fui atrás do livro! Achei guardado no meu

armário. Fui atrás e li. Gostei de uma sugestão, assim: você lista o que dá mais briga na sua sala e vai anotando. Por exemplo, hoje, quantas brigas tiveram de “frenteira”... Nina: Olha o professor pesquisador aqui! Darlene: É mesmo! Mas olha, “frenteira”, a gente dá o lugar na fila, quantas vezes? A gente anotava. Hoje tiveram tantas brigas por “frenteira” e punha a data. Que mais que dava briga? Chutar a mochila dos outros dava briga. Provocação! Botar apelidos! Listei tudo que dava briga e fui marcando e mostrei para eles. (mostrando o papel) Essa é a parte que eu marquei. Marquei e fizemos assim: todo dia no final da aula eu lia. Hoje tiveram tantas brigas por isso, tantas brigas por aquilo. Era tremendo. Eu me assustava. Eu saía de lá com vontade de chorar. E foi... Fizemos isso duas semanas. Quando chegamos num total que já era razoável, coloquei uns cartazes. Nos cartazes, eu escrevia as dificuldades: dar “frenteria”, pegar coisa sem pedir emprestado. Isso estava um caos! Então eu punha a dificuldade, o problema e eles colocavam como tinha que fazer para resolver, as sugestões, o que a

19 Paz na Escola, curso organizado em 1999, pela Fundação Educacional do DF, atual Secretaria de Educação, que distribuiu para as escolas públicas um livrinho com sugestões de atividades que poderiam estimular uma relação saudável entre os alunos.

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gente podia fazer para melhorar, tudo no mesmo cartaz. Coloquei no varal da Arte Itinerante20, que não estava funcionado. Nina: Legal, muito legal! Darlene: Todos os dias nós líamos! O que vamos fazer? Isso. E quando

acontecia alguma coisa grave, a gente lia. Olha aqui, isso aqui não fui eu que escrevi. Foi você que me falou como é que ia fazer. E tem uma historinha que a Solange me deu: Deixa a raiva secar. Li pra eles e falei: “Quando a gente está com muita raiva de uma pessoa, não adianta resolver na hora”. Nina: Que legal! Lembra que você disse que não acreditava no contrato

escrito e ia procurar outra solução? Essa foi sua solução. Olha o que eles falaram: pedir emprestado, trazer de casa... legal! (olhando as anotações da Darlene) Guarda isso com carinho! Darlene: Foi muito, muito bom. O que funcionou foi isso! Porque os cartazes

tiveram uma época. Que eu achei fantástico! Eles passaram, ficaram obsoletos e não precisou mais. Não é que todos os alunos viraram anjos, alguns continuam aprontando, mas melhorou muito! E melhoraram muito. A Sueli (outra pesquisadora que estava na escola) chegou em minha sala e disse: “Como eles melhoraram!” Agora vou resumir pra você a história da Deixa a raiva secar. É a história de

uma menininha que emprestou seu conjunto de chá novinho para sua melhor amiga e saiu com a mãe dela. Quando ela voltou, encontrou o brinquedo novo todo arrebentado, quebrado, todo “lascado”. Ela queria ir à casa da amiga, pra detonar a amiga. Xingar de tudo que é nome. E a mãe falou: “Você vai esperar aqui, vai se acalmar e depois vá lá conversar”. Bem... Ela estava sentada, vendo televisão e a amiga chega e fala para ela: “Você lembra aquele menino da frente? Eu estava brincando com seu conjunto de chá e ele chegou e jogou tudo pela janela da garagem quebrando tudo. Eu vim trazer um novo pra você”. Até hoje eu me emociono. (com os olhos cheios d’água). Ai... Eu tô chorona, chorona demais (Darlene se encontra no quarto mês de gravidez). A amiga pede desculpas e coisa e tal. A menina então diz: “Não tem problema, porque a raiva já secou”. E elas vão brincar juntas. Nina: Ótima história, simples e direta! Darlene: Quando eu contei essa história, fez um sucesso! Eles eram desse jeito, não deixavam a raiva secar e iam lá e botavam pra quebrar. Quantas brigas violentas eu tive que separar, de machucar mesmo! Agora acabou. E essa história foi a base para o contrato. Enfim, foi isso!

Nesse relato, é possível perceber a importância da autonomia do professor

para que a teoria funcione. A importância do contrato didático estava clara para mim,

mas tive dificuldade em encaminhá-la, foi preciso que a professora Darlene, no seu

dia-a-dia, estabelecesse como deveria acontecer. Acredito que seu resultado foi

muito positivo para o Ambiente Matematizador. As mudanças de posturas esperadas

no trinômio presente na sala de aula não poderão acontecer, se não se identificar e

discutir o contrato didático presente na sala de aula.

20 Projeto Arte itinerante, um projeto que acontecia na gestão anterior, no qual os professores recebiam gravuras de quadros de artistas famosos para ficarem expostos na sala de aula.

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2.4.4. Avaliação no Ambiente Matematizador durante a pesquisa

Em uma rápida observação nas escolas brasileiras, é possível perceber que

algumas inovam no dia-a-dia, mas a “hora da avaliação” continua da mesma forma.

Durante os dois anos da pesquisa, presenciei diferentes formas de avaliação na sala

da professora Darlene. A proposta do Ambiente Matematizador não exclui a

avaliação, ao contrário estimula-a como parte do processo de aprender e ensinar. É

interessante a diferenciação entre exame e avaliação feita por Luckesi no seu livro

Avaliação da aprendizagem escolar (1999). De acordo com o autor, o exame é

pontual, classificatório e seletivo, enquanto a avaliação é dinâmica, incluente e não

pontual. Nessa perspectiva, o que normalmente acontece nas escolas brasileiras

são exames. Avaliar para incluir, essa é a proposta do Ambiente Matematizador.

Ainda de acordo com Luckesi, qualquer adjetivo dado à avaliação como diagnóstica,

processual, formativa, entre outros é redundante, pois assim deve ser sempre uma

avaliação. No Ambiente Matematizador, a avaliação deixa de ser o momento final da

aprendizagem, o momento de punição pela não aprendizagem e passa a ser

dinâmica, formativa e diagnóstica, de fundamental importância dentro do processo

de aprender e ensinar.

Em nossas últimas conversas, no dia 21/03/03, a professora Darlene fala de

como se relaciona com a idéia da “prova”, ou como diria Luckesi (1999) exame:

Eu nunca dei prova, nunca ministrei uma prova neste sentido único da coisa. Nunca tinha pensado isso... Mas o máximo que aconteceu foi eu bolar um exercício, para ver como é que estavam os alunos, fazer um diagnóstico. A avaliação sempre fez parte do tudo e acontecia de várias formas. Agora eu já sofri muito com prova de matemática, até na faculdade. Pra mim, a prova existe como parte de um todo, pra poder intervir, “medir” o conhecimento, ver o que está faltando e jamais uma coisa fechada, uma média única.

Foi muito importante para a construção do Ambiente Matematizador essa

clareza da professora-pesquisadora de que a prova “não é uma coisa fechada”. Mas

isso não quer dizer que não houve atividades avaliativas no decorrer da pesquisa.

Logo no início desta, no dia 15/08/01, a professora Darlene e eu listamos os

conhecimentos matemáticos essenciais que os alunos deveriam apresentar na 1ª

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série. Nós nos baseamos no Currículo Oficial das Escolas Públicas do Distrito

Federal (DISTRITO FEDERAL, 2000) e fizemos a seguinte lista:

Escrita dos números (grandes e pequenos).

Seqüência numérica: antecessor e sucessor.

Relação número e quantidade.

Adição e subtração, sem necessidade de um algoritmo único, mas que o

aluno fosse capaz de representar seu raciocínio com um desenho ou com os

números.

Geometria: localização, espaço e forma.

Calendário, identificando dias do mês e da semana.

Nessa conversa, percebemos a necessidade de um teste avaliativo, que nos

mostrasse como estavam os alunos. Discutimos e acabamos elaborando um teste

(instrumento avaliativo não tão inovador) que seria apresentado e discutido com as

outras professoras da escola. Esse teste aconteceu na sala de aula, no dia 04/10/01,

os alunos fizeram todos ao mesmo tempo, mas individualmente. A professora

Darlene lia o comando e os alunos iam fazendo. Após o teste, no dia 18/10/02,

sentávamos (Darlene e eu) para analisá-los e elaborar algumas atividades que

favorecessem a mudança nas hipóteses apresentadas pelos alunos. Esta é a grande

função de uma avaliação no Ambiente Matematizador: oferecer dados para o aluno

e para o professor sobre o que precisa ser trabalhado. Acredito que mudar a forma

de utilizar os instrumentos avaliativos é mais importante do que simplesmente

buscar novos instrumentos avaliativos. Em outras palavras, podemos até utilizar um

teste avaliativo, como o relatado acima, mas o que não devemos é utilizar o teste

como punição ou como instrumento de classificação e exclusão. E, na mesma linha

de raciocínio, podemos até levar para a sala de aula instrumentos inovadores, mas

se não for revista a utilização da avaliação, esses se perdem em uma postura

tradicional de avaliar.

No dia 29/11/01, ocorreu novamente um novo teste (Anexo B), com a mesma

organização da sala do dia 04/10/01: alunos enfileirados e trabalhando

individualmente. Mais uma vez, não demos para esse teste um caráter de punição

ou classificação, ele foi feito com tranquilidade pelos alunos que, em nenhum

momento, foram avisados de que se tratava de uma atividade avaliativa punitiva, que

“valia nota”, mas não é possível negar sua forma tradicional de avaliar. O resultado

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desse teste e o conjunto de atividades feitas pelos alunos forneceram dados

importantes para o relatório bimestral e final dos alunos (relatório citado no capitulo

IV).

No ano de 2002, o teste matemático (Anexo D) aconteceu de forma diferente.

Planejamos (Darlene e eu) algumas questões e no dia 15/05/02, enquanto a

professora Darlene trabalhava com os alunos em sala, eu chamava de um a um,

para fazerem individualmente as atividades planejadas. Enquanto o aluno resolvia

as questões, eu fazia algumas anotações que julgava pertinente. Depois organizei

minhas anotações e passei para a professora Darlene. No dia 20/05/02, discutimos

sobre as minhas observações, comparando-as com as dela, feitas durante o dia-a-

dia da sala de aula. Organizamos os alunos em grupos, de acordo com suas

dificuldades e listamos algumas atividades que poderiam ser sugeridas. Esse

momento vai ao encontro das propostas do Ambiente Matematizador: avaliar para

incluir. No entanto, vale destacar a importância de o professor ter tempo para

analisar e refletir sobre as hipóteses e esquemas apresentados pelos seus alunos.

Seria melhor ainda se ele pudesse discutir no grupo de professores as performances

dos alunos. A professora Darlene, convencida de tal necessidade, já planeja para

2003 propor momentos de discussão com os professores que estiverem dispostos a

isso.

Além dos testes, outras formas de avaliação aconteceram durante esta

pesquisa. No dia 15/08/01, no mesmo dia que começamos a elaborar o citado teste,

sugeri que a avaliação também fosse feita durante as atividades espontâneas, nas

quais os alunos desenhariam ou escreveriam sobre o que fizeram e aprenderam

naquela aula. A professora Darlene aprovou a ideia e, no final das aulas, ocorria um

registro espontâneo dos alunos em uma folha branca. Esse registro nos mostrava

como estavam as hipóteses dos alunos. Um problema verificado nessa forma de

registro é que em alguns momentos não “aparecem” as questões matemáticas

esperadas. Foi possível verificar esse problema no registro feito pelos alunos no dia

23/08/01 (Anexo E). Nesse dia, planejamos um rodízio de jogos matemáticos e

alguns materiais que os alunos utilizariam nos grupos áulicos. Após 1 hora de

atividades, a professora Darlene deu o sinal para a conclusão e iniciou-se a

arrumação da sala, dos jogos e dos materiais utilizados. Solicitou também que

fossem feitos os registros em uma folha branca sobre as atividades de que haviam

participado. Nos registros feitos pelos alunos, apareceram as mais diferentes

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representações, pois, além de cada grupo áulico ter trabalhado com um material ou

jogo matemático diferente, a professora não definiu a forma de fazer os comentários.

Nas representações (Anexo E), alguns alunos só desenharam e outros (a maioria)

desenharam e escreverem. Na escrita apareceram pequenos textos ou somente a

nomeação do desenho. A professora Darlene e eu havíamos feito uma prévia

seleção dos jogos, buscando garantir atividades matemáticas, mas das 22 folhas

entregues, apenas 2 apresentavam algarismos soltos e três apresentavam formas

geométricas soltas. Foi um pouco decepcionante para nós e percebemos os limites

de se utilizar o registro espontâneo. Mesmo assim, utilizamos essa forma de registro

mais algumas vezes, como no dia 27/09/01 (Anexo G). Nesse dia, os alunos

começam a utilizar em seus registros os conceitos matemáticos trabalhados, como

na foto abaixo, em que o grupo utilizou canudos, palitos, botões, dados e elásticos.

Foto 7: Tirada no dia 27/09/01, observe a preocupação da aluna em representar o botão da

forma mais real possível. No anexo F, o registro é apresentado.

Nos registros do dia 27/09/01 (Anexo G), foi possível perceber uma outra

análise dos registros espontâneos. Nesse dia, diferente dos registros do dia

23/08/01, os alunos utilizaram em sua maioria os números, operações, desenhos

seguidos de contas e até tabela. Observamos que alguns alunos copiavam a

tabuada do mural da 3ª série, ao mesmo tempo em que representavam os

resultados com os palitos. Concluímos que os alunos, à medida que vão entendendo

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a proposta do registro espontâneo, começam a representá-lo com maior riqueza de

informações.

No ano de 2002, sugeri também o registro no caderno, que favoreceria uma

melhor análise das diferentes hipóteses e esquemas dos alunos. A professora

Darlene gostou da ideia e o caderno foi utilizado para todas as matérias com os

registros dirigidos pela professora-pesquisadora e os registros espontâneos.

Várias vezes, a professora Darlene fala sobre sua angústia em relação à

avaliação matemática, como no dia 02/09/02:

A gente precisa pensar sobre como o professor registra o progresso de cada aluno dentro do Ambiente Matematizador. Eu não tenho isso sistematizado. O

que eu tenho? Faço um testezinho, tenho a minha mesa, os cadernos. O que eu tenho é tudo muito informal. Se me perguntarem hoje sobre os meus alunos, eu sei dizer quem está escrevendo um número, quem sabe contar de um até dez, quem tem noção até cinqüenta, quem não tem, mas falta sistematizar.

Essa angústia é real. Buscar uma avaliação diferente do exame é um desafio,

afinal fomos formadas nessa perspectiva de exame apresentada acima por Luckesi

(1999). É preciso tempo, estudo e discussão para que os professores possam

admitir a avaliação num contexto mais amplo e dinâmico. Muniz (No prelo.

Paginação irregular.), no texto Avaliação em Educação Matemática, afirma:

É altamente questionada a formalização que se faz em torno do momento da avaliação, criando um clima de tensão e angústia coletiva. Faz-se mesmo desnecessário o conhecimento por parte do aluno de que em determinada atividade e em um momento preciso ele está sendo sujeito a julgamento por parte do professor. O momento da avaliação deveria ser ao longo do próprio processo da aprendizagem e de construção do conhecimento matemático, dentro ou fora de sala de aula.

Outro instrumento de avaliação utilizado durante esta pesquisa foi o de uma

folha numerada e dividida em seis partes. No dia 20/09/01 (Anexo H), foi utilizado

esse modelo de folha. Não havia nada escrito e a professora fazia uma pergunta que

deveria ser colocada dentro de um dos quadrados, de acordo com o número da

questão. Essa forma foi repetida algumas vezes, pois os alunos gostaram, além de

mostrar-se prática e eficiente. Com ela foi possível observar algumas hipóteses

matemáticas interessantes sobre as aprendizagens dos alunos.

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A observação também foi muito utilizada pela professora Darlene durante as

aulas. Enquanto os alunos trabalhavam ou jogavam, ela participava de alguns

grupos observando as hipóteses dos alunos. Muniz, em seu texto Avaliação em

educação matemática (No prelo. Paginação irregular.), sugere que “considerando o

grande número de alunos em sala faz-se necessária a seleção de um grupo de

alunos que será o foco de observação a cada dia”. Essa seria uma situação

possível, que traria uma riqueza de informações sobre a hipótese matemática do

aluno, e muito mais rica do que uma prova aplicada a todos de uma vez. Ao utilizar

esse procedimento sugerido por Muniz, a professora Darlene encontrou alguma

dificuldade, conforme relatado por ela no dia 15/05/02, “é frustrante, porque eu sei

que preciso eleger um grupo para participar e observar mais naquele dia, mas não

consegui ainda essa disciplina”.

Ainda no mesmo texto, Muniz afirma a importância de observar o aluno

trabalhando com seus pares de forma espontânea. Essa situação é muitas vezes

difícil de se construir em sala, mas pode ser alcançada no decorrer de um jogo, pois

ele envolve os alunos e permite que eles sejam eles mesmos, jogando e discutindo

com seus pares.

É interessante destacar que cabe, nesta avaliação proposta para o Ambiente

Matematizador, um novo contrato didático, em que seja possível uma nova

concepção sobre as regras que definem a produção matemática dos alunos. No

Ambiente Matematizador, a produção matemática não se resume a atividades

individuais e escritas. Ela acontece no contexto de um jogo, em uma brincadeira, em

um desenho, em um passeio, durante uma conversa, etc. A dificuldade aqui é

identificá-la e analisá-la nas diversas situações da sala de aula.

No dia 13/01/03, folheando os cadernos utilizados pelos alunos durante o ano,

questionei a professora Darlene sobre a razão dela sentir-se insegura em relação às

aprendizagens dos alunos, tendo na mão um material tão rico, como esses

cadernos. Ela sorriu para mim e disse: “Ainda preciso de algo mais sistematizado,

mas já melhorei bastante de 2001 para 2002”. O melhorou, citado pela professora

Darlene em sua fala, tem o sentido de acreditar na possibilidade de avaliar todos os

dias, a todo o momento, utilizando diversos instrumentos, que poderiam até ser os

testes, sem, contudo, necessitar tanto deles para sentir-se mais segura.

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2.5. Representações simbólicas no Ambiente Matematizador

Representações simbólicas no Ambiente Matematizador são vistas como a

forma, utilizada pelo sujeito (aluno, professora-pesquisadora ou pesquisadora-

professora), que se encontra dentro de um Campo Conceitual, de representar seu

entendimento sobre o conceito que está “aprendendo”. O Ambiente Matematizador

tem como um de seus objetivos enriquecer ou até mudar essa representação

simbólica. De acordo com Vergnaud (2001, p.15):

O ser humano não se relaciona de forma mecânica ou imediata com o outro e a realidade. Para essas relações é necessária a dimensão simbólica ou representacional. O ser humano enfrenta as situações de vida armados com suas representações, vale dizer, com conhecimentos, com conceitualizações, embebidas do contexto de sua vida.

Nessa afirmação, é possível perceber a importância que as representações

simbólicas têm nas aprendizagens. Quantas vezes, no decorrer de nossas vidas,

durante uma atividade escolar ou não, temos a impressão de que nada foi

aprendido. Entretanto, ao nos propor a organizar uma representação sobre essas

informações, tomamos consciência das aprendizagens ou dúvidas ocorridas. Pode-

se dizer que é o início da metacognição, ou seja, a partir das representações

simbólicas, é possível que o aluno reflita e tome consciência de sua própria

aprendizagem.

Nas representações simbólicas, ocorre a interação entre o sujeito, o meio e o

conhecimento. Nelas é possível tornar explícito o esquema ou a hipótese que se tem

sobre o que se está aprendendo. Sendo assim, são vistas como parte integrante da

avaliação. Na sala de aula, as representações mais valorizadas são as que ocorrem

na forma escrita, mas os alunos podem representar seu conhecimento utilizando o

próprio corpo, a fala, uma pergunta, etc.

Um dos desafios presentes no dia-a-dia escolar é resgatar a riqueza de

informações que ficam de fora das atividades desenvolvidas pelos alunos. Os

esquemas, as hipóteses, o raciocínio do aluno, tudo que fica nos rascunhos, nas

carteiras e que não é entregue para o professor. No dia 29/11/01, os alunos estavam

fazendo uma atividade no livro de matemática. Uma das situações-problema

propostas no livro questionava quantos pacotes de farinha seriam utilizados para

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fazer 5 bolos grandes, se em um bolo foram utilizados 3 pacotes. Uma das alunas

veio me pedir ajuda. Sugeri que fizesse um desenho para representar o problema e

ajudar no seu raciocínio. Ela, a partir do desenho, chegou na resposta: 15 pacotes.

Desafiei que ela então representasse com números o desenho. Sua primeira

tentativa foi o 5 + 3, resultando 8. Ela apagou, pensou, pensou, olhou para o

desenho e fez 3 + 3 + 3 + 3 +3 = 15. Ficou feliz com a descoberta e ameaçou apagar

o desenho. Pedi então que não fizesse isso e argumentei que a professora Darlene

adoraria ver o desenho da conta. Meio desconfiada, deixou o desenho e foi mostrar

para a professora-pesquisadora seu dever, valorizado por ela, que disse ter ficado

muito feliz com o desenho e com a conta. No Ambiente Matematizador, as

representações simbólicas precisam ser valorizadas em suas diferentes formas,

inclusive propondo aos alunos que deixem seus rascunhos na folha. Alguns livros

didáticos mais inovadores deixam na própria página do livro o espaço para que os

alunos façam seus rascunhos, um procedimento que vai ao encontro da proposta do

Ambiente Matematizador.

Vale destacar que o livro didático tem uma participação importante no

Ambiente Matematizador, desde que não seja o principal condutor das aulas e

atividades. Ele pode enriquecer as aulas e auxiliar nas sistematizações do conteúdo,

permitindo que a lógica do processo dos alunos seja considerada.

Durante esta pesquisa, várias representações simbólicas ocorreram

(espontâneas ou dirigidas), conforme apresentado no item anterior sobre a avaliação

no Ambiente Matematizador. Elas exigiram da professora-pesquisadora e da

pesquisadora-professora maior atenção com as diferentes representações dos

alunos.

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2.5.1. Ação-registro-reflexão-socialização da professora-

pesquisadora, dos alunos e da pesquisadora-professora no

Ambiente Matematizador

A Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud tenta oferecer um quadro de

análise para o estudo do desenvolvimento e da aprendizagem dos conceitos. Esse

quadro de análise torna-se possível a partir das representações simbólicas,

propondo uma relação ação-registro-reflexão-socialização (não necessariamente

nessa ordem).

2.5.1.1. Ação-registro-reflexão-socialização da professora-

pesquisadora

O Ambiente Matematizador não se propõe a ditar regras e estabelecer “um

guia” de como fazer, mas sim a favorecer a ação-registro-reflexão-socialização,

como o fato ocorrido na construção do contrato didático, relatado no item 2.4.3.

Nesse relato, a professora-pesquisadora buscou na reflexão de sua prática uma

forma de discutir e registrar o contrato didático diferente da sugerida por mim, a

pesquisadora-professora. Vergnaud (1995, Não paginado) nos alerta para o perigo

de buscar as regras de “como fazer”:

Perigo de interpretar a Zona de Desenvolvimento Proximal e Teoria dos Campos Conceituais, de modo mecanicista: ‘a criança sabe fazer isso, então devemos fazer aquilo’. Às vezes damos pequenos passos, às vezes grandes passos, para desestabilizar as concepções das crianças. Digo filiação e rupturas. Não se pode fazer rupturas o tempo todo, mas é necessário saber que em alguns casos a ruptura é essencial. O docente é o “diretor de cena”, ele deve buscar o que fazer.

A professora Darlene, no dia 15/05/02, relata sua necessidade de um espaço

de socialização na escola, um espaço para falar sobre seus alunos no grupo de

professores. Ela diz: “Tem hora que me sinto muito sozinha. Será que vou conseguir

resolver todos os problemas da minha sala?” O ideal para o Ambiente

Matematizador é que a professora Darlene possa levar para o grupo de professores

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suas angústias, favorecendo a ação-registro-reflexão-socialização, mas isso nem

sempre foi possível, como relatado no item 2.4.2. Novamente, no dia 19/09/02, a

professora-pesquisadora afirma com pesar: “Não tenho espaço para reflexão na

escola”. Mais uma vez afirmo ser essa uma dificuldade do Ambiente Matematizador:

o trabalho em equipe com respeito à individualidade de cada turma. O dia-a-dia das

escolas nem sempre propicia esta troca entre os professores.

Em diversos momentos, durante nossas conversas, socializo com a

professora Darlene os registros de suas falas e dos alunos. Assim, a professora-

pesquisadora reflete sobre sua prática, buscando identificar os fundamentos que

estão “embutidos” e analisando a necessidade de mudança ou não. Na nossa

conversa final, no dia 21/01/03, relata que, durante a pesquisa, discutindo e

refletindo sobre sua prática, refez algumas posturas, como: um novo olhar sobre os

conceitos matemáticos; a importância de registrar os projetos; a possibilidade de

avaliar nas atividades espontâneas dos alunos; a organização dos conteúdos de

forma dinâmica e não na forma linear; a busca de outros espaços além da sala de

aula, como parques, cinemas; a tranqüilidade de respeitar o “tempo” do aluno; etc.

Além dessas, relata também a possibilidade de reforçar as posturas que já

acreditava importantes, como: a relevância do trabalho em grupo; a importância de

contextualizar os conteúdos; a certeza de que um conceito é dinâmico; a importância

de se discutir com os alunos diferentes assuntos; etc.

2.5.1.2. Ação-registro-reflexão-socialização dos alunos

No dia 01/11/01, dia do Projeto da Lojinha, relatado no item 2.1.1. e depois no

item 2.4.2, a professora Darlene faz uma intervenção solicitando às alunas que

estavam no caixa naquele momento que somassem tudo que lhes era apresentado,

para depois subtrair e achar o valor do troco. As alunas encontraram dificuldades

para desenvolver tal raciocínio, até que uma delas buscou uma folha branca para

registrar de forma espontânea os esquemas e os cálculos que deveriam ser feitos. À

medida que as alunas representavam o raciocínio matemático na folha, foi possível

que a professora-pesquisadora e as próprias alunas se socializassem e

entendessem o raciocínio utilizado pelo grupo para chegar à resposta final.

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Outro momento em que a representação simbólica espontânea esteve

presente ocorreu no dia 27/09/01, durante o Jogo de Tiro ao Alvo, citado no item

2.4.1. Nesse dia, os alunos estavam jogando diferentes jogos nos grupos áulicos.

Aproximei-me do grupo que jogava Tiro ao Alvo e observei que cada aluno jogava

na sua vez, sem anotar ou somar os pontos. Fiz então uma intervenção, levando

uma folha branca e sugerindo que fossem anotados os pontos de cada aluno, para

depois somar e descobrir o vencedor. No Anexo C, é possível visualizar o registro

feito por eles e observei, na hora da contagem dos pontos, a contagem de 10 em 10,

conteúdo matemático que estava sendo trabalhado pela professora Darlene. Foi

interessante perceber que, mesmo em outros jogos, os alunos começaram a utilizar

o registro dos pontos. O fato de registrar os pontos durante um jogo é um dificultador

importante, entre crianças e adultos. Para registrar, é necessário buscar a melhor

forma de registro, organizar uma contagem e calcular os pontos de todos os

jogadores, ou seja, ao se propor o registro de um jogo, são necessárias uma análise

e uma reflexão do próprio jogo.

No dia 08/05/02, os alunos estavam brincando com o Jogo do Amarradinho.

Nesse jogo, a sala foi dividida pela professora Darlene em dois grupos de 11 alunos

cada. Cada grupo recebeu palitos, elásticos e um dado. Um aluno jogava os dados,

pegava o número de palitos que estava no dado e amarrava os palitos, de dois em

dois, com os elásticos. Depois de uns quinzes minutos, a professora recolhia o dado

e perguntava quantos amarradinhos cada aluno tinha feito. Ganhava quem tivesse

mais amarradinhos.

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Foto 8: Os alunos divididos em dois grandes grupos, jogando o Jogo do Amarradinho. É possível observar a atenção e envolvimento dos alunos na atividade.

A professora variava o número de palitos que seriam amarrados para formar

os amarradinhos, até chegar no 10, ou seja, a dezena. Os alunos adoravam esse

jogo, era uma animação geral, mas que aos poucos foi perdendo o “encanto”. Sugeri

então que, ao invés de abandonar o jogo, fosse feito o registro dos pontos pelos

alunos. Eles marcariam o número que havia saído no dado e a quantidade de

montinhos feitos. A possibilidade de registrar deu “nova alma” ao jogo, que voltou a

despertar o interesse dos alunos e que, mais tarde, facilitou o entendimento da

formação das dezenas e das centenas, dentro do Sistema de Numeração Decimal.

Outra situação que gostaria de destacar, envolvendo a representação

simbólica, neste caso dirigida por mim, pesquisadora-professora, foi gravada em

vídeo, no dia 29/11/01. Após os alunos concluírem os deveres e estarem jogando

livremente, chamei ao quadro uma aluna e um aluno. Pedi que eles mostrassem

como resolveriam tal situação-problema: Eu tinha 100 figurinhas e perdi 33. Com

quantas fiquei? Ambos afirmaram que se tratava de uma subtração e apresentaram

o seguinte registro:

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ALUNA: ALUNO:

100 100 - 33 - 33 400 77

Eles fizeram as contas de subtração rapidamente e quando pedi para explicar

a resposta, buscando o confronto e a socialização, a aluna se “enrolou” toda para

explicar o algoritmo utilizado. Observando sua fala e sua representação simbólica,

ficou evidente que sabia o que era uma subtração, mas que não estava claro para

ela como deveria ser o registro. Ela ficou atenta, tentando entender a conta do outro

aluno e também minhas explicações, mas havia muito barulho na sala, pois os

alunos estavam brincando e havia chegado a hora de lavar as mãos para o lanche, o

que impossibilitou continuar a atividade com a aluna, mesmo ela mostrando

interesse. Expliquei que haveria ainda muitos deveres na sala para ajudá-la a

entender a “continha”. Ela concordou e foi se preparar para o lanche. É possível

perceber as informações valiosas que essas representações simbólicas trouxeram

para o trabalho no Ambiente Matematizador. A partir delas, conversei com a

professora Darlene e com o professor Cristiano (orientador desta pesquisa) sobre

situações e procedimentos que poderiam ajudar não só essa aluna, como outros

alunos que se encontravam na mesma situação.

Estimular as representações simbólicas dos alunos e depois confrontá-las

dentro do próprio grupo é uma forma de socialização que esteve muito presente nos

procedimentos da professora-pesquisadora durante a pesquisa, em situações

diversas, não só matemáticas. Quando os alunos erravam muito uma palavra, as

diferentes representações eram escritas no quadro e confrontadas, inclusive

consultando o dicionário. Quando a turma se dividia defendendo uma ideia, uma

atividade ou um passeio, eram discutidas e listadas as possibilidades e feita uma

votação. No dia 27/09/01, em uma situação não planejada pela professora Darlene e

já citada no item 2.3.1, houve um confronto de resultados muito interessante. Os

alunos iam fazer um passeio e quando foram contar quantos dias faltavam, a turma

se dividiu. Alguns alunos gritaram que faltavam 10 dias e outros, 11 dias. A

professora-pesquisadora sugeriu que olhassem no calendário e fizessem as contas.

Como estava no fim do mês e o passeio era no outro mês, criou-se um problema a

mais para resolver o confronto. Os alunos foram para a mesa, pegaram lápis e

papel, consultaram o calendário, buscaram palitinhos, tampinhas, contaram nos

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dedos, mas os resultados não coincidiam. Após um certo tempo, a professora

Darlene chamou quem quisesse para representar no quadro, para os colegas, como

havia feito a contagem dos dias. Após uma variedade de representações, chegou-se

a resposta de 10 dias. Pude observar o envolvimento dos alunos, que buscavam

entender e achar suas próprias respostas. As aprendizagens matemáticas dessa

atividade foram enriquecidas pela socialização e confronto das representações

simbólicas que cada aluno tinha a respeito de como chegar à resposta final.

Essas situações citadas acima vão ao encontro da proposta do Ambiente

Matematizador, à medida que favorecer a ação-registro-reflexão-socialização de um

conceito.

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2.5.1.3. Ação-registro-reflexão-socialização da pesquisadora-

professora.

Hoje tenho claro o ganho desta pesquisa por optar pelos princípios da

pesquisa-ação. Poder contar com a professora Darlene, a professora-pesquisadora,

como aliada nesta pesquisa foi muito enriquecedor. Muitas vezes cheguei com uma

proposta para ser apresentada e discutida com a professora Darlene. No entanto,

ela, além de contestar e modificar a proposta, mostrava-me outros caminhos que

não havia percebido, como no exemplo já citado do contrato didático, item 2.4.3, ou

no nosso primeiro encontro, após a qualificação do projeto desta pesquisa, no dia

02/09/02, na qual a professora Darlene lê para mim suas anotações e sugestões,

apontando o que poderia ser visto com mais carinho na pesquisa. Esses registros

feitos pela professora-pesquisadora apontaram a necessidade de discutir o que seria

o termo construção, assim como a diferença entre o Ambiente Matematizador

Artificial e o Ambiente Matematizador Natural. Na análise da professora Darlene

(com a qual concordo), o que aconteceu no ano de 2001 foi o Ambiente

Matematizador Artificial e em 2002, o Ambiente Matematizador Natural. O ideal para

nós é o Ambiente Matematizador Natural, reforçando a necessidade de que a ideia

do Ambiente Matematizador não é somente minha, mas de todos os envolvidos na

proposta. Acredito que em 2002 a professora Darlene e eu visualizamos melhor o

que seria o Ambiente Matematizador, possibilitando um avanço significativo em sua

construção, com a incorporação, de fato, da Teoria dos Campos Conceituais em sala

de aula.

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Capitulo VI – APROXIMAÇÕES ENTRE TEORIA E PRÁTICA:

ANÁLISE DOS RESULTADOS

1. Visão geral do processo pedagógico: vantagens e dificuldades

do Ambiente Matematizador

Falar das vantagens e dificuldades do Ambiente Matematizador me causou

uma certa dificuldade, pois imaginei, inicialmente, analisá-las separadamente, o que

se mostrou impossível, pois as vantagens e dificuldades, normalmente, aparecem

juntas, de forma dialética, assim como nas grandes questões da vida.

Sendo assim, analisando os relatos do Capítulo V à luz da Teoria dos

Campos Conceituais, apresentada no Capítulo III, em especial no quadro-síntese do

item 4, e buscando sistematizar as vantagens e as dificuldades observadas durante

a construção do Ambiente Matematizador, apresento um quadro resumo que com

certeza sofrerá mudanças a cada nova proposta de construção. Esclareço que

provavelmente o que para nós (Darlene e eu) aparece como uma vantagem ou

dificuldade, para outro pode ser que seja visto de outra forma.

VANTAGENS para a professora e para os alunos

DIFICULDADES da professora e dos alunos

CONTEÚDOS

Favorecer uma rede de conceitos na mesma atividade, princípio importante na Teoria dos Campos Conceituais.

Avaliar o que está sendo aprendido e o que precisa ser revisto, considerando o currículo escolar vigente.

A possibilidade de mudar o planejamento a todo o momento que for necessário.

Trabalhar em alguns momentos com o imprevisto, sem um planejamento prévio da atividade.

ATIVIDADES

Atividades contextualizadas, centradas em projetos e situações-problema.

Contextualizar sem se distanciar do conteúdo escolar e organizar os projetos de forma que não se tornem repetitivos. .

Envolvimento dos alunos nas atividades lúdicas.

Organizar o momento das atividades lúdicas, pois é normal que os alunos queiram brincar e jogar o tempo todo.

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SALA DE AULA

A possibilidade de usar em sala materiais diversos, inclusive os trazidos pelos alunos, favorecendo a contextualização e a relação entre diferentes disciplinas.

Não ter o controle habitual sobre as questões que serão levantadas pelo aluno, colocando a professora em uma situação não planejada, até de não saber a resposta de alguma pergunta.

Organizar a sala de aula de forma diferente e criativa, que permita aos alunos trabalharem em grupo e terem acesso aos diversos materiais e informações disponíveis na sala.

Encontrar uma forma de arrumação dos armários e carteiras diferente da tradicionalmente utilizada, que favoreça a troca e o movimento dos alunos.

A possibilidade de os alunos buscarem nos espaços da sala a informação que precisam.

Perceber que buscar a informação é uma etapa importante no processo de aprender e que se difere do ato de copiar.

A liberdade para desenvolver diferentes atividades, utilizando outros espaços além das “quatro paredes” da sala de aula, como passeios, museus, parques, campos, mercados, etc

Possibilitar a estrutura necessária para a saída da sala, já que ela envolve questões financeiras, de pessoal, de locomoção e de segurança.

ALUNOS E PROFESSORA-PESQUISADORA

Fazer com que todos os alunos participem, buscando um revezamento entre quem tem as respostas.

Estabelecer uma relação em que o espaço é descentralizado e a professora deixa de ser o centro das atenções.

Valorizar o trabalho em grupo, favorecendo o trabalho mútuo, discussões e o entrosamento da turma.

Rever a postura do silêncio em sala de aula, buscando desenvolver nos alunos o respeito ao outro, considerando que ao trabalhar em grupo os alunos ficam mais agitados e barulhentos.

Possibilidade de a professora respeitar o processo dos alunos, permitindo que eles usem o esquema que quiserem para resolver uma situação-problema.

Trabalhar com a variedade de esquemas dos alunos, exigindo da professora um esforço para entender a lógica presente em cada uma delas.

AVALIAÇÃO

Condição de a professora avaliar os alunos trabalhando de forma espontânea, discutindo e argumentado seus procedimentos e esquemas.

Organizar a dinâmica da sala de aula, possibilitando a avaliação espontânea pela professora dos alunos trabalhando.

Trabalhar o erro de forma inovadora, estimulando a participação, desenvolvendo a auto-estima e o senso crítico.

Trabalhar o medo em relação ao erro com os envolvidos no processo de aprender e ensinar: os pais, o próprio aluno, os outros alunos e o próprio professor. .

Deparar-se com uma variedade de representações simbólicas sobre um mesmo conteúdo.

Analisar a variedade de material obtido nas representações simbólicas dos alunos.

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ESCOLA E COMUNIDADE

Propiciar a discussão no grupo de professores, surgindo sugestões criativas de atividades e a necessidade de estudo sobre assuntos gerais ou pedagógicos.

Envolver o grupo de professores em um planejamento flexível, respeitando as diferenças de cada sala.

Envolver as famílias na elaboração, construção e execução do Ambiente Matematizador.

Discutir as questões teóricas com os familiares dos alunos, buscando uma parceria na construção do Ambiente Matematizador.

2. Refletindo sobre as diversas aprendizagens

Os conteúdos escolares matemáticos das escolas brasileiras sofreram

mudanças a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCN (BRASIL, 1988)

lançados pelo MEC em 1997 e apresentados neste trabalho no Capítulo III. A escola

observada nesta pesquisa, conforme relato apresentado no Capítulo IV, é uma

escola pública que segue o Currículo para a Educação Básica das Escolas Públicas

do Distrito Federal (DISTRITO FEDERAL, 2000), formulado a partir dos PCN.

O Ambiente Matematizador buscou conciliar o conteúdo escolar estabelecido

nesses currículos com a lógica do processo dos alunos. Durante os dois anos desta

pesquisa, a professora Darlene e eu não nos preocupamos em organizar os

conteúdos de forma linear. Sabíamos os conteúdos que deveriam ser trabalhados e

durante todo o ano, em diversas situações, eles estavam presentes. Gostaria, no

entanto, de destacar dois momentos da pesquisa. O primeiro ocorreu em 2001,

quando nos deparamos com o algoritmo da subtração. Apesar de no currículo não

aparecer literalmente escrito que os alunos precisam saber o algoritmo convencional

presente nas escolas, nós (professora Darlene e eu) nos preocupamos em fazer

com que os alunos o aprendessem, sem ferir os princípios do Ambiente

Matematizador. Tal façanha se tornou impossível. Os alunos desenvolveram

algoritmos próprios, muitas vezes incompreensíveis para nós e apresentaram muita

dificuldade para entender o algoritmo convencional da subtração. Em algumas aulas,

a professora Darlene apresentou o algoritmo convencional da subtração, mas

poucos alunos acompanharam o raciocínio apresentado. A maioria dos alunos

permanecia com seu próprio algoritmo, diferente do convencional. Foi interessante

perceber que assim como nós (professora Darlene e eu) tínhamos dificuldades para

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entender o algoritmo de alguns alunos, eles também tinham dificuldade de entender

o nosso, ficando clara para nós a questão real do ser humano: as diferenças. O

professor Cristiano (orientador desta pesquisa) em nossas conversas sempre

questionava o porquê de estarmos tão preocupadas em ensinar o algoritmo

convencional. Explicávamos que era uma preocupação escolar, enraizada há anos

no currículo da 1ª série. O Ambiente Matematizador, com sua proposta de análise e

reflexão, fez com que percebêssemos que essa preocupação precisava ser

contestada e abandonada. Em 2002, ela não esteve presente nos nossos

planejamentos. Foram planejadas situações e atividades matemáticas em que a

professora-pesquisadora valorizava as estratégias utilizadas pelos alunos. Eles

terminaram o ano com seus próprios algoritmos de subtração, alguns ainda

deficientes, mas nós tínhamos a certeza de que eles dominavam o conceito da

subtração. De acordo com Golbert (2002, p.114), em sua pesquisa:

Os alunos que usaram estratégias inventadas, antes que tivessem aprendido os algoritmos convencionais, demonstraram melhor conhecimento sobre os conceitos do sistema da base dez e foram mais bem-sucedidos em estender seus conhecimentos anteriores para as situações novas, que os estudantes que aprenderam, inicialmente, os algoritmos convencionais.

O segundo momento a ser destacado ocorreu no final da pesquisa, em

08/01/03. A professora Darlene estava repondo as aulas da greve ocorrida em 2002

e, durante nossa conversa, fala de seu arrependimento em ter ficado tanto tempo

trabalhando o valor posicional dos números. Ela levou para a sala vários jogos e

situações-problema que utilizavam os conceitos de composição e decomposição dos

números, assim como as operações de adição e subtração, para que os alunos

entendessem o sistema de numeração decimal. Ela relata que agora achava que

poderia ter ido mais depressa e ter ensinado, diretamente, a adição e a subtração.

No dia seguinte, 09/01/03, eu estava em sua sala de aula e ela me chamou para

mostrar como os alunos estavam entendendo bem a formação dos números. Eles

decompunham os números com rapidez e segurança, mesmo aqueles que

apresentavam alguma dificuldade em acompanhar as atividades propostas. Sentei

perto de dois alunos que pensavam sobre uma situação-problema apresentada e

resolviam as operações de adição e subtração com suas próprias estratégias. Um

deles só usava desenhos e o outro escrevia os números, à medida que riscava na

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folha os “pauzinhos” que representavam as quantidades. Observando os alunos

trabalhando, cheguei perto da professora Darlene e disse: “esse é o resultado do

’tempo que perdeu’ trabalhando o sistema de numeração decimal.” Ela me olhou

espantada e no final da manhã veio me dizer que gostou muito do que falei e que

estava mais tranquila sobre o ganho que seus alunos tiveram em ter trabalhado

demoradamente o sistema de numeração decimal, até porque trabalhou de forma

integrada com outros conceitos, o grande princípio do Ambiente Matematizador.

Nesses dois relatos apresentados, é possível perceber as diversas

aprendizagens ocorridas no Ambiente Matematizador, no qual aprenderam não só

os alunos, mas também a professora-pesquisadora e a pesquisadora-professora.

Como é possível perceber, o Ambiente Matematizador não propõe que os alunos

aprendam sozinhos, ele estimula o olhar atento do professor e a relação em diversos

níveis: aluno-aluno, professor-aluno, professor-professor, etc. Há na proposta a

preocupação com as aprendizagens curriculares, mas acreditando que ensinar por

ensinar não é a melhor proposta. O nosso foco foi favorecer a aprendizagem

significativa.

3. A família dos alunos no Ambiente Matematizador

Posso afirmar que o Ambiente Matematizador vai ao encontro dos PCN de

matemática, mas será que vai ao encontro das expectativas das famílias? Essa

questão ficou ausente neste trabalho. Durante os dois anos de pesquisa,

aconteceram reuniões bimestrais da professora-pesquisadora com as famílias,

totalizando 4 por ano. Infelizmente não participei de nenhuma delas. Como prática

na escola, o primeiro momento da reunião com os familiares é com a direção, que

apresenta as questões gerais da escola, e depois as famílias são encaminhadas

para as salas dos professores. A frequência das famílias nas reuniões da professora

Darlene ficou na margem dos 50%. Acredito que poderia ser melhor. Ela relata, no

dia 15/03/02, que fez uma reunião com as famílias de seus alunos antes de entrar

em greve, que havia apresentado esta pesquisa e que os pais presentes a

receberam com interesse. Depois, na reunião de final de ano, os pais contaram com

satisfação que seus filhos costumavam fazer os deveres de casa de matemática

com mais interesse do que os das outras disciplinas. Darlene afirma, no dia

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21/01/03, que se assustou com tal afirmação. Isso, para ela, mostrou como a

matemática ficou mais interessante e divertida e como os alunos estavam

entendendo melhor os conteúdos trabalhados.

Apesar dessas boas falas dos pais, no dia 19/09/02, durante uma conversa, a

professora Darlene conta que a mãe de um aluno, no meio da greve de professores,

trocou o filho de escola, pois achou que o trabalho não estava bom. A professora-

pesquisadora fala de como essas atitudes a entristecem e de como gostaria de

poder contar com o apoio de todos os pais. O ideal para o Ambiente Matematizador

é que a família participe de todos os processos: da elaboração, da construção e da

execução. Infelizmente, durante esta pesquisa, isto não foi possível, o que não deixa

de ser uma grande perda.

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Capítulo VII: REFLEXÕES FINAIS

1. Considerações sobre o Ambiente Matematizador

Entre as diversas linhas pedagógicas, é possível identificar dois modelos de

escolas: as que adotam o ensino tradicional, em que se ensina por meio de

apresentações de conceitos e repetição das regras; e as que buscam um ensino

inovador, que se baseia os princípios presentes na Teoria dos Campos Conceituais,

mesmo sem identificá-lo. Durante esta pesquisa, refletindo a minha própria trajetória

docente e observando a prática da professora Darlene, conclui que muito já se faz

nas salas de aula de acordo com os princípios da Teoria dos Campos Conceituais.

Muitas vezes o professor acredita na necessidade de mudança e começa a realizá-la

de forma intuitiva e insegura. Um grande desafio é fazer com que esses professores

embasem teoricamente sua prática os outros, que permanecem no ensino

tradicional, a necessidade e a possibilidade de buscar novos paradigmas de

aprender e ensinar.

Esta pesquisa buscou embasamento metodológico na pesquisa-ação,

conforme esclareci no capítulo IV. Sendo assim, não gostaria que fosse vista como

uma possibilidade de transposição imediata para toda e qualquer sala que pretende

trabalhar nos princípios do Ambiente Matematizador. Thiollent (2000, p.101) nos faz

o seguinte esclarecimento sobre essa questão:

Um dos objetivos de conhecimento da pesquisa científica consiste em estabelecer generalizações a partir de observações delimitadas no tempo (o que foi constatado hoje ainda será constatável no futuro) e no espaço (o que foi constatado aqui, localmente, existe também globalmente na sociedade). Nas pesquisas orientadas em função de objetivos práticos, como no caso da pesquisa-ação, o objeto principal nem sempre é a generalização, especialmente em pesquisas voltadas para a aplicação do conhecimento disponível para a resolução de problemas e para a organização de ações específicas.

Procurei, neste trabalho, com o Ambiente Matematizador, alternativas para

dia-a-dia da sala de aula da professora Darlene. Observando, anotando, refletindo e

discutindo buscamos uma nova prática sobre o “como” se aprende e “como” se

ensina. Tenho a clareza que em cada escola, em cada sala de aula um Ambiente

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Matematizador diferente e único poderá ser construído. Para isso acredito na

necessidade de se investir na formação continuada dos professores, assim como

incentivar o professor-pesquisador, sua própria sala de aula. Vergnaud (1993b, p.83)

afirma que “mapear os conhecimentos dos professores para planejar nossa

intervenção, que propicie as ‘rupturas’ fundamentais para a sua ação de aprender e

ensinar”. Temos uma riqueza de pesquisas e teorias que precisam ser divulgadas e

discutidas pelos professores, como uma possibilidade real de mudanças. O

Ambiente Matematizador não tem um poder mágico de mudança, ele como qualquer

projeto, poderá perder se não houver empenho e compreensão dos professores

questões teóricas nele apresentadas.

Hoje temos os princípios filosóficos, epistemológicos e metodológicos dos

PCN (BRASIL, 1988) como referência para educação brasileira. Eles, em sua

concepção curricular, sugerem prioridades, atitudes e atividades que: incluem e

excluem conteúdos; estabelecem um papel diferente para o professor e para os

alunos; levantam novas questões, antes consideradas “tabus” para a sala de aula; e

propõem novas relações entre o dia-a-dia dos alunos e a escola entre outras. Vale

destacar a importância dos PCN (BRASIL, 1988) ao legitimar a necessidade de

mudança. Propostas como as do Ambiente Matematizador deixam de ser uma

questão ideal e passa a ser uma questão de política educacional nacional. Não se

pode ignorar que a escola tem, em sua trajetória histórica, números que

constrangem, mesmo aos menos observadores. Não se trata somente dos

brasileiros que não sabem ler e escrever, mas também do grande índice de não

aprendizagem que ronda nossas escolas.

Falando especificamente da matemática, de acordo com os PCN (BRASIL,

1988), est área de conhecimento deve ser conduzida de forma a estimular a

capacidade de raciocínio e de compreensão. O aluno deve se sentir desafiado pelo

jogo d conhecimento, percebendo sua capacidade de aprender sempre. Deve

adquirir espírito de pesquisa e desenvolver a capacidade de raciocínio e autonomia.

Deve usar seus conhecimentos como elementos de interpretação e intervenção no

mundo, fazendo da matemática um trampolim para estruturar o pensamento e o

raciocínio dedutivo, além de uma ferramenta para tarefas específicas em quase

todas as atividades humanas. Todas essas aprendizagens são um desafio para o

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professor e seu aluno, e acredito que o Ambiente Matematizador vai ao encontro

desses objetivos.

É fácil perceber a amplitude de mudanças que se fazem necessárias

esbarrainclusive, na precária formação dos professores que atuam em sala de aula.

Todavia acredito na possibilidade de mudança por meio de um maior

comprometimento político. Esse comprometimento deve acontecer todos os setores,

mas especialmente dos governantes, eleitos para coordenar as diversas

necessidades da população brasileira.

Acredito que a proposta do Ambiente Matematizador seja possível nas

escolas brasileiras (respeitando as devidas diferenças e incentivando o estudo, a

pesquisa e o trabalho em equipe), lembrando que maior investimento na formação

continuada dos professores, promovendo uma mudança nos princípios enraizados

em algumas posturas dos professores brasileiros.

Hoje começo a ver no Ambiente Matematizador um Ambiente Educativo, que

favoreceria a análise e a reflexão em todas as disciplinas. Afinal o professor que

incorporar as propostas do Ambiente Matematizador estará automaticamente

transferindo seus princípios e posturas para o processo de aprender e ensinar em

sua amplitude.

2. Perspectiva sobre a pesquisa

Ter optado pelos princípios da pesquisa-ação para desenvolver esta pesquisa

me colocou numa situação de inquietude, mesmo com sua conclusão formal.

Acredito que, apesar da conclusão desse trabalho, essa pesquisa não chegou ao fim

nem para mim, pesquisadora-professora, nem para Darlene, a professora-

pesquisadora. Muitas mudanças aconteceram em nossa própria formação conforme

relatado neste trabalho. Essas mudanças, tão profundas, são levadas para fora dos

espaços da sala de aula pesquisada.

Eu, em minha prática docente (atualmente na formação de professores) não

concebo mais uma aula com um momento único. Busco em meus planejamentos

favorecer uma nova relação entre o professor, o aluno e o conhecimento,

considerando os cinco princípios básicos presentes no Ambiente Matematizador: a

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relação existente entre os conceitos, a necessidade de se trabalhar a lógica do

aluno, a necessidade da socialização em sala de aula, a importância da pesquisa no

processo de aprender e ensinar e as novas concepções de se analisar o erro e a

avaliação. As mudanças ocorridas na minha prática em função da pesquisa ainda

mais intensas por considerar os princípios da pesquisa-ação. Não me vi na pesquisa

como a “dona da verdade”, a possuidora de “todas as respostas”, ao contrário, fui

parceira da professora-pesquisadora e seus alunos. Eles é que, em diversos

momentos, mostraram-me respostas que não havia enxergado.

A professora Darlene, a professora-pesquisadora deste trabalho, também sai

diferente desta pesquisa. De acordo com seus relatos, ela refez princípios

enraizados em suas posturas, modificando inclusive sua relação com a matemática

no seu dia-a-dia. Contas que antes se recusava a fazer, hoje desenvolve com prazer

e persistência. No dia 19/09/02, ela relata algumas de suas mudanças:

Eu já fi professora de 2 páginas de livro por dia, mas o aluno não aprendia! Agora estou mais feliz, pois percebo que meus alunos aprendem! Está muito melhor. Não trabalho o calendário só naquela semana, trabalho todo dia, o ano todo, assim acontece com a hora no relógio, a contagem, as medidas... E o registro? Sempre gostei de escrever, de anotar, mas agora é lei: Tem um projeto acontecendo? Escrevo. “Rolou” algo na sala? Anoto. Vai tudo para o meu caderno. Olha a grossura que já está!

Vejo no Ambiente Matematizador uma proposta possível e real, apesar das

muitas reflexões e mudanças de postura que o professor precisa estar disposto a

fazer. Acredito que há muito que se pesquisar sobre a Teoria dos Campos

Conceituais, o que só vai acrescentar ainda mais às práticas diárias escolares.

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REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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161

GLOSSÁRIO O objetivo deste glossário não é prescrever definições, mas oferecer ao leitor

uma melhor compreensão dos conceitos utilizados ao longo da dissertação.

A

Ambiente Matematizador: espaço de múltiplas relações sociais, em que a

Matemática é vista como uma ciência dinâmica, inacabada e relacionada a diversos

conhecimentos.

Esse ambiente, através de situações-problema, deve provocar o pensamento

e o raciocínio lógico, propiciando a construção e reconstrução de conhecimentos,

levando o aluno a levantar hipóteses, elaborar estratégias e explicar, oralmente ou

por escrito, os caminhos que percorreu (metacognição), confrontá-las e retomá-las.

O aluno é visto como um sujeito histórico-social, composto pelo sujeito cognitivo

(que aprende), sujeito epistêmico (aprende várias coisas) e sujeito didático (aprende

em sala de aula).

Busca-se, por meio de um contrato didático (Brousseau e Douady),

estabelecer a importância da participação de todos no Ambiente Matematizador e o

que se espera de cada um dos envolvidos: a professora-pesquisadora e os alunos.

O ambiente será composto de muito material concreto (canudos, elásticos,

QVL, material dourado, outros), diferentes utilizações de números (tabelas, gráficos,

jornais, etc), atividades de lógicas, situações-problema e principalmente jogos que

envolvam conceitos matemáticos.

Os alunos participarão da construção desse ambiente, garantindo não só o

envolvimento e comprometimento, mas também a presença sócio-cultural de cada

um deles.

Os grupos áulicos (grupos de sala de aula) terão função primordial, nos quais

será estimulado o confronto de idéias e das estratégias utilizadas pelos alunos, nas

resoluções de situações-problema.

O professor e os alunos têm o papel de pesquisadores. A professora-

pesquisadora deve mediar o conteúdo escolar e o conhecimento que os alunos

trazem de sua vivência. Utilizará atividades didaticamente planejadas que avalie,

desafie e estimule o aprender, amparando e valorizando os diversos raciocínios.

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Algoritmo: é uma técnica com passos e regras estabelecidos que levam a um

resultado desejado. As operações possuem algoritmos próprios, que podem ser os

convencionais, tradicionalmente ensinados nas escolas, ou os espontâneos,

elaborados pelos alunos e professores.

Aprendizagem significativa: ultrapassa o “saber” e modifica as estruturas internas

do ser humano, interferindo na sua maneira de resolver problemas e de ver o

mundo.

Atividade escolar: pode ser livre, avaliativa, mediadora, provocativa, etc. As

atividades poderão ser desenvolvidas de diferentes formas, como: verbalmente, por

escrito, utilizando o corpo, entre outras. É importante que despertem o interesse do

aluno. Sendo bem orientadas, poderão ser um rico momento para observações e

anotações das hipóteses dos alunos.

Atividade Matemática: o aparecimento de aspectos quantitativos nas situações não

significa, necessariamente, situações de ensino matemático. “Atividade didática

digna do adjetivo Matemática é aquela em que o aluno é desafiado a ampliar seu

universo de conhecimento sobre essa disciplina. Além disso, ampliar conhecimentos

não é memorizar informações. É, isto sim, ampliar sua capacidade de estabelecer

relações entre os diversos elementos que interferem neste campo de

aprendizagem.” (GROSSI, 1993b, Não paginado.)

Avaliação: deverá ser formativa, diagnóstica, processual, etc. Ela deve deixar de ser

o momento final da aprendizagem, o momento de punição pela não aprendizagem e

passar a ser dinâmica, formativa e diagnóstica, de fundamental importância dentro

do processo de aprender e ensinar.

C

Cálculo: “Procedimento que leva ao resultado de uma operação. O significado mais

antigo da palavra cálculo é pedra, pedregulho. Esse significado nos recorda que,

para efetuar cálculos matemáticos, usaram-se pedrinhas, às vezes as do ábaco,

durante séculos e séculos.” (IMENES, 1998, p.48)

Campo Conceitual: é um espaço de aprendizagem, constituído de quatro

elementos: os conceitos, as situações didáticas, os procedimentos didáticos e as

representações simbólicas. Um dos princípios básicos da Teoria dos Campos

Conceituais é que, através da exploração das diversas invariantes operacionais

presentes nas mesmas situações-problema, que um conceito vai ganhando sentido

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163

para os alunos. Quando os alunos não dispõem das competências necessárias para

resolver problemas relacionados à certa classe de situação, eles desenvolvem

estratégias próprias, às vezes elementares, que integrarão as mais gerais,

elaboradas posteriormente.

De acordo com Vergnaud (1995. Não paginado), Campo Conceitual é “um

conjunto de situações cujo tratamento implica esquemas, conceitos e teoremas, em

estreita conexão, assim como as representações da linguagem e representações

simbólicas possíveis de serem utilizadas para representá-los”.

Conceito: é um elemento dinâmico, passível de revisão e reformulação. É a ideia

que se tem sobre determinado assunto e deverá ser construído pelo aluno dentro do

Campo Conceitual, favorecendo uma relação de reestruturação constante até que se

chegue ao conceito cientificamente aceito.

Conflito cognitivo: momento em que o sujeito toma consciência de sua ignorância

e percebe a necessidade de buscar mais informações sobre o que se quer aprender.

Contextualização: favorecer, na sala de aula, um “elo” entre o que se quer ensinar

(currículo escolar) e o que o aluno vivencia. Destaco a necessidade de não

desmerecer um conhecimento em função de outro, mas sim de estabelecer relação

entre o que a escola ensina e que o aluno aprende na vida. Com certeza um grande

desafio!

Contrato didático: objetiva tentar tornarem explícitas as atribuições, antes

implícitas, entre o professor e seus alunos, durante a aquisição do conhecimento (só

ensina quem aprende). O que inicialmente aparece implicitamente na sala de aula é

discutido e avaliado buscando tornar-se explicito. O contrato está totalmente

relacionado ao procedimento e existe em função do aprendizado dos alunos e

professores de forma ativa. Ele poderá ser renovado e renegociado durante o

processo de aprendizagem, visando às condições necessárias para gerar as

aprendizagens esperadas.

D

Didática: é um dos principais temas de estudo da pedagogia, sendo mais que o

estudo das metodologias de como passar conteúdos, passos ou receitas do que

fazer para ensinar a contar, somar ou dividir. Vejo seu significado como uma

provocação, que leve aluno e professor à busca do conhecimento.

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E

Ensino tradicional: visão empirista, associacionista e linear dos conteúdos

matemáticos. Esses conteúdos são “ensinados” por partes, isoladamente,

dificultando a ideia do todo matemático. Os alunos trabalham individualmente,

mesmo quando sentados em grupos e veem na figura do professor aquele que tem

a resposta certa para as diversas questões discutidas em sala de aula. A avaliação

acontece no final de cada bloco de conteúdo, levando o aluno a perceber a

importância de dar as respostas corretas.

Epistêmico: relativo à capacidade de aprender sempre e construir conhecimento,

considerando o conhecimento em seus aspectos sociais, culturais, cognitivos,

históricos, linguísticos e lógicos.

Erro: faz parte da aprendizagem. O professor não deve enxergá-lo como algo a ser

evitado, mas sim como um aliado do processo da aprendizagem. É, a partir dele,

que o aluno reestrutura suas hipóteses, buscando avançar nos níveis sócio

psicogenéticos.

Esquema: é a performance demonstrada pelo sujeito diante da construção de um

conceito ou a aquisição de um conhecimento. De acordo com Gerard Vergnaud

(1993, p.78), o esquema “representa as organizações invariantes de condutas,

relativamente a uma classe de situações e é composto de quatro elementos

indispensáveis: invariantes operatórios, inferência, regras de ação e antecipações”.

G

Grupo áulico: grupo de sala de aula, que poderá ser formado através de eleição.

Deverão ser mantidos por, no mínimo, 1 mês, possibilitando o confronto de idéias e

conclusões das discussões surgidas durante o processo de aprender e ensinar.

Deverá ter sua dinâmica de trabalho avaliada e discutida em grupo. Caberá ao

professor planejar atividades que possibilitem e valorizem o trabalho em grupo.

H

Hipótese: é a ideia incompleta e provisória que se tem sobre certo conhecimento

I

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Invariante operatória: é um dos elementos presentes em um esquema de

pensamento. Sem ele o esquema não existe. Vergnaud (1993b, p.78) define como

“instrumentos de conceitualização de situações de referências do domínio

considerado”.

Intervenção didática: Intervenção e mediação são termos que por vezes levam a

discussões intermináveis. Vejo-os como uma “ponte” entre o conhecimento e o

sujeito que aprende e ensina. De forma geral, posso dizer que a intervenção é o

processo da mediação, que inclui um novo elemento em uma relação (ou vice-

versa). Ambos os termos estão tão relacionados que acredito na impossibilidade de

defini-los isoladamente. Na sala de aula, as mediações seriam as falas, as

brincadeiras, as situações, os jogos, etc que aparecem para favorecer a intervenção

durante o processo de aprender e ensinar um certo conhecimento. Vale ressaltar

que não é só o professor que faz a mediação e a intervenção. Alunos, leituras,

atividades, pessoas envolvidas ou não no processo de aprendizagem, entre outros,

também as executam.

L

Lógica do conteúdo X lógica do processo: são as diferentes formas de conceber

o conhecimento. Enquanto na lógica do conteúdo é apresentada uma coisa de cada

vez, respeitando certas prioridades estabelecidas, na lógica do processo o todo é

mantido, permitindo que o sujeito construa suas relações lógicas dentro de um

Campo Conceitual, sendo constantemente mediado pelo professor em suas

construções cognitivas.

M

Mediação: Mediação e intervenção são termos que por vezes levam a discussões

intermináveis. Vejo-os como uma “ponte” entre o conhecimento e o sujeito que

aprende e ensina. De forma geral, posso dizer que a mediação é o processo da

intervenção, que inclui um novo elemento em uma relação (ou vice-versa). Ambos os

termos estão tão relacionados que acredito na impossibilidade de defini-los

isoladamente. Na sala de aula, as mediações seriam as falas, as brincadeiras, as

situações, os jogos, etc, que aparecem para favorecer a intervenção durante o

processo de aprender e ensinar um certo conhecimento. Vale ressaltar que não é só

o professor que faz a mediação e a intervenção. Alunos, leituras, atividades,

pessoas envolvidas ou não no processo de aprendizagem, entre outros, também as

executam.

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166

Metacognição: diz respeito à tomada de conhecimento sobre o que se aprendeu.

De acordo com Muniz (No prelo. Paginação irregular), “a metacognição se relaciona

ao aprender, à tomada de consciência dos próprios processos de construção de

conhecimento”.

N

Neo-construtivismo: corrente teórica que utiliza as ideias de Piaget sem grandes

questionamentos teóricos, buscando apenas contextualizar as ideias construtivistas

ao momento atual.

Nível sócio psicogenético: o resultado de uma estruturação lógica que se

caracteriza por sua incompletude e parcialidade, provisórias, até que o sujeito

incorpore novos elementos ao seu conhecimento.

O

Obstáculo epistemológico: “termo proposto por Bacherlard, caracteriza o

desenvolvimento do conhecimento, seja por um sujeito ou por um grupo social, em

que os conceitos prévios dificultam a construção de novos conceitos. Longe de ser

um fator negativo ao desenvolvimento humano e cultural, os obstáculos apresentam-

se como chaves propulsoras do esforço cognitivo no avanço científico e tecnológico.

Compreender esses obstáculos requer o entendimento de mudanças de

paradigmas, permitindo visualizar o processo evolutivo do conhecimento ao longo da

história da civilização e nas diversas culturas humanas”. (MUNIZ, 2002. Paginação

irregular).

Operação: adição, subtração, multiplicação e divisão são exemplos das quatro

operações matemáticas básicas trabalhadas nas escolas. Em uma operação, os

números são associados na busca de um resultado. “União e interseção também

são operações, só que entre conjuntos: dois conjuntos são associados a um terceiro,

que é o resultado. “ (IMENES, 1998, p.214)

Organização linear: é forma tradicionalmente utilizada na apresentação e

organização dos currículos escolares. A organização linear parte do princípio do pré-

requisito, no qual acredita-se que o aluno deve aprender uma coisa de cada vez e

numa sequência pré-estabelecida. Pires (2000), em suas pesquisas, apresenta a

ideia de rede como alternativa para a reestruturação curricular.

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167

P

Pesquisadora-professora: a pesquisadora que, sendo também professora,

estabelece uma relação de participante na pesquisa e desenvolve uma dinâmica

ativa de trabalho, estudo e pesquisa com a professora e alunos pesquisados. Neste

trabalho, a pesquisadora-professora sou eu.

Pós-construtivismo: estudos e pesquisas que vieram acrescentar novas idéias ao

construtivismo e, às vezes, até modificá-lo. Esse grupo discute diversas questões

presentes no processo de aprender e ensinar, como a função do grupo, da

mediação, da cultura, entre outros, partindo das idéias construtivistas, mas

acrescentando novos olhares a ela.

Procedimento: é o “como” utilizado pelo aluno ou professor em determinada

situação. É importante destacar que o procedimento utilizado em determinada

situação pode demonstrar o nível conceitual do sujeito. Sendo assim, o

procedimento se modifica sempre que acontece uma alteração conceitual. Podemos

especificar os procedimentos em didáticos, quando são planejados em função do

que se quer aprender e ensinar.

Professora-pesquisadora: aquela que, estando dentro da sala de aula, busca

compreender as hipóteses de seus alunos em diferentes situações, refletindo sobre

os procedimentos utilizados e as representações simbólicas apresentadas e, a partir

daí, revendo seu planejamento diário. Neste trabalho, a professora-pesquisadora é a

Darlene.

R

Reconstrução: Nessa ação, o aluno e/ou professor constrói e reconstrói,

conjuntamente, seu conceito no caso matemático.

Registro: forma escrita de demonstrar o caminho percorrido ou a conclusão

provisória alcançada após diferentes atividades. Neste momento, o sujeito deve

retomar sua aprendizagem, refletindo sobre o conhecimento adquirido.

Representação simbólica: é a forma utilizada pelo sujeito, que se encontra dentro

de um Campo Conceitual, de representar seu entendimento sobre o conceito que se

está “aprendendo”. Essa representação é tanto mental quanto gráfica.

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S

Situação didática: situação cognitiva planejada, com fins didáticos, em função do

que se quer aprender e ensinar e que favoreça uma mediação “saudável”, levando o

aluno a continuar sua busca ao aprender.

Situação-problema: atividade didática que leva os alunos ao envolvimento cognitivo

sobre certo conhecimento. Deve-se estimular a utilização de estratégias próprias, o

confronto entre os pares, buscando a sistematização do conhecimento. De acordo

com Vergnaud, os problemas aditivos envolvem soma e subtração e os

multiplicativos, multiplicação e divisão. Não sendo raro que envolvam 3 ou 4

operações diferentes. Pode-se enriquecer as situações-problema, com o uso de

gráficos, tabelas, calculadoras, porcentagens e outros do dia-a-dia dos alunos.

T

Teoria do Campo Conceitual: de acordo com Vergnaud (1996a, p.11), essa teoria

busca “melhor compreender os problemas de desenvolvimento específicos no

interior de um mesmo campo de conhecimento”. Em Koch (1993, p.67), é possível

encontrar a seguinte definição “é um conjunto de situações cujo domínio progressivo

exige uma variedade de conceitos, procedimentos e de representações simbólicas

em estreita conexão.”

Transposição didática: de acordo com Vergnaud (1996b, p.68), é a transformação

de um conhecimento de referência em um conhecimento de ensino. Distingue-se em

duas fases importantes: a transformação do saber de referência em um

conhecimento a ser ensinado e a transformação do conhecimento a ser ensinado

em ensinamento efetivamente aprendido em sala de aula.

Trinômio: é a relação didática existente entre o professor, o aluno e o

conhecimento. No Ambiente Matematizador, essa relação deve ocorrer com base

nos princípios da Teoria dos Campos Conceituais e devem ser discutidos durante a

elaboração de um contrato didático.

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APÊNDICE A: Painel da representação do Ambiente Matematizador

embasado na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud

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Nina Claudia Mello – [email protected]

REPRESENTANDO O AMBIENTE MATEMATIZADOR (dinâmico, epistêmico e exclusivo para cada turma) Conceitos, situações, procedimentos e representações simbólicas: todos permeados pelo contexto histórico-social dos atores envolvidos na

aprendizagem formal que se quer construir.

Um ambiente construído a partir “de e com” todos envolvidos no processo de aprender e ensinar. Professores e alunos utilizando o ambiente para refletir e representar seu raciocínio e seu entendimento sobre certo conceito, possibilitando assim a socialização, discussão, re-construção e sistematização do

que se quer aprender e ensinar. Acreditando que aprendemos quando fazemos a relação com o que já sabemos e o que se quer aprender.

Contexto histórico-social Lógica do processo do aluno Conteúdo escolar

Materiais didáticos:

Jornais, revistas, receitas diversas, embalagens, gráficos, tabelas etc

Materiais de medidas: relógio, calendário, fita métrica, balança, trena, litro etc

Materiais de contagens: canudos, material dourado, ábaco etc

Blocos lógicos, sólidos geométricos, compassos, réguas, calculadoras etc

Situações contextualizadas, que levem o aluno a ação (que implica uma devolução):

. Jogos matemáticos, envolvendo raciocínio e lógica

Atividades desafiadoras e situações-problema.

Além da sala de aula: passeios, exposições, entrevistas, cinemas, obras de arte etc

Atividades didáticas: constituídas em um Contrato didático Arquitetura didática da sala de aula: em grupos áulicos, em duplas e individuais.

Professor: Mediação pedagógica: ora acolhendo, ora rompendo. Aluno: Esquemas de ação para resolver as situações.

Aluno socializando, discutindo, refletindo as diferentes representações: idéias, conceitos, ação e escrita.

Professor: Avaliação diagnóstica (oral e escrita): o que o aluno sabe sobre esse conceito? Como raciocina sobre certo conhecimento matemático? Avaliação processual e formativa (oral e escrita): O que se esta aprendendo e ensinando? O que re-planejar?

Professor: Observar, analisar, estudar e refletir buscando a mediação para aprender e ensinar “mais e melhor”

Aluno: sistematizando e revisando suas próprias hipóteses.

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APÊNDICE B: Fichas de análise

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Pesquisa: Uma professora-pesquisadora construindo – com e para seus

alunos – um Ambiente Matematizador, fundamentado na Teoria dos Campos

Conceituais de Vergnaud.

Ficha 1: Preliminar

Local: Escola Classe 312 Norte

Data/hora:

Material coletado:

Relato livre Análise Considerações

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Pesquisa: Uma professora-pesquisadora construindo – com e para seus

alunos – um Ambiente Matematizador, fundamentado na Teoria dos Campos

Conceituais de Vergnaud.

Ficha 2: Discussão e planejamento

Local: Escola Classe 312 Norte

Data/hora:

Material coletado:

Relato livre Análise Considerações

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Pesquisa: Uma professora-pesquisadora construindo – com e para seus

alunos – um Ambiente Matematizador, fundamentado na Teoria dos Campos

Conceituais de Vergnaud.

Ficha 3: Atividades desenvolvidas

Local: Escola Classe 312 Norte

Data/hora:

Material coletado:

Relato livre Análise Considerações

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ANEXO A – Atividades feitas pelos alunos no dia 30/08/01.

Roteiro da atividade:

A professora convidou os alunos para participarem de um jogo de perguntas e

respostas. Eles toparam com animação. Ela entregou uma folha branca para cada

aluno e pediu que colocassem o seu nome e a data do dia de hoje que estava no

quadro. Pediu que cada um escrevesse sua resposta em silêncio, sem atrapalhar os

colegas (eles estão sentados em grupos áulicos). A professora orientou que bastava

colocar o nº 1, 2, 3, 4 e 5, não sendo necessário copiar a pergunta. Foram feitas as

seguintes perguntas:

1. Escreva o maior número da tabela.

2. Quantas pessoas vão para Quioto?

3. Quantas pessoas vão para Tóquio e Osaka?

4. Duas pessoas perderam o vôo para Hokaipo, quantas conseguiram embarcar?

5. Quantas pessoas vão para o Japão?

Considerando a agitação inicial da turma, até que eles fizeram silêncio.

Alguns alunos respondiam em voz alta, mas logo entenderam que atrapalhava o

jogo. Apesar da professora pedir que cada um fizesse o seu, eles conversavam

sobre as questões antes de escrever a resposta. Sendo assim, optamos por

grampear as folhas por grupo, para posterior análise.

Apresento a seguir alguns dos trabalhados desenvolvidos pelos alunos.

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ANEXO B – Modelo da atividade iniciada pelos alunos no dia 29/11/01.

Esclareço que essa atividade foi feita em dias alternados para não cansar os alunos.

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ANEXO C: Registro feito pela aluna durante o Jogo de Tiro ao Alvo, no dia

27/09/01, foto 4, na página 109.

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ANEXO D: Modelo da atividade feita pelos alunos no dia 15/05/02.

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ANEXO E: Registros espontâneos dos alunos no dia 23/08/01.

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ANEXO F: Registro da aluna no dia 27/09/01, correspondente a foto 7 da página

133.

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ANEXO G – Registros espontâneos dos alunos no dia 27/09/01.

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ANEXO H: Atividades feitas pelos alunos no dia 20/09/01.

Roteiro da atividade:

Após a construção de uma linha de tempo com o nascimento dos alunos da

sala, cada um recebeu uma folha divida em seis partes numeradas. Cada pergunta

feita deveria ser respondida na parte correspondente.

As perguntas foram:

1. Em que ano nasceram mais crianças desta sala?

2. Quantas crianças nasceram neste ano?

3. Se eu colocar mais três crianças neste ano, quantas ficariam?

4. Se só houvessem nascido sete crianças e eu colocasse mais três, quantas

ficariam?

5. Como você fez para descobrir?

6. Escreva o número 1759.

Os alunos fizeram as atividades com entusiasmo. Alguns foram buscar apoio

no material de contagem e outros contavam nos dedos. Foi possível observar

diferentes hipóteses e esquemas nesses registros.

Apresento a seguir alguns dos trabalhados desenvolvidos pelos alunos.

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ANEXO I: Alguns momentos da professora-pesquisadora.

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Foto 9: Tirada no dia 27/09/01, a Professora Darlene distribui jogos e materiais nos grupos áulicos. Alguns alunos saíram de seus lugares para buscarem no armário os jogos que queriam.

Foto 10: Tirada no dia 27/9/01, a professora Darlene atende os alunos nos grupos áulicos,

observe que os alunos “passeiam” pela sala com liberdade, participando e conversando com outros grupos.

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Foto 11: Dia 18/10/01, dia do aniversário da professora Darlene, na comemoração com

bolo, pão de queijo e refrigerante.

Foto 12: Dia 08/05/02, observando e intervindo no Jogo do Amarradinho.

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Foto 13: Dia 08/05/02, os alunos na fila do lanche, enquanto a professora Darlene serve

cada um deles. Observe atrás da professora o gráfico feito por ela e com os alunos.

Foto 14: Dia 15/05/02, final da aula, a professora-pesquisadora organiza os armários.

Observe que, conforme relatado na pesquisa, há dois armários para guardar os jogos e materiais, um aberto e um trancado.