Fundamentos biológicos da mente e do conhecimento e suas implicações nas ciências humanas

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    Fundamentos biolgicos da mente e doconhecimento e suas implicaes nas

    cincias humanas

    rico Lopes Pinheiro de Paula

    Monografia apresentada a Faculdade deCincias e Letras da Universidade Jlio de

    Mesquita Filho, Cmpus de Araraquara,como concluso do bacharelado em

    Cincias Sociais.

    Orientador: Prof. Dr. Srgio Gertel

    ARARAQUARA

    2001

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    INTRODUO

    Este trabalho monogrfico realiza uma investigao terica sobre cognio econhecimento humano. Abordando os paradigmas contemporneos que instigam umareviso nos conceitos vigentes da comunidade cientfica. A bibliografia levantada e oselementos inseridos na anlise, em especial conceitos provenientes das cincias naturais,

    propem uma perspectiva sistmica e complexa para o tratamento da objetividade nacincia e no homem da modernidade. O objetivo desta perspectiva transdisciplinar o de

    promover debate com as cincias sociais. Nesta contextualizao, cabe uma crtica vivele positiva sobre a metodologia das cincias sociais luz das estratgias empregadas naneurobiologia e na ciberntica.

    A tecnologia que aprimora os recursos de monitoramento do espao, bem como daatividade cerebral humana, possibilitando a crtica epistemolgica a duas orientaes

    caractersticas da cincia moderna. A saber, por um lado a concepo de objetividadedefinida pelos critrios aceitos na comunidade cientfica moderna (inspirados nosfilsofos racionalistas do final da Idade Mdia) so indubitavelmente parciais einfluenciveis pelo momento histrico. Por outro lado, a concepo que se cria atravsdos instrumentos da mdia, ou at de acadmicos, sobre como o funcionamento dosistema nervoso representacional submete a ao e o pensamento prerrogativasinformacionais que por definio no existem em sistemas biolgicos fechados.

    Inicialmente, com as novas descobertas sobre os mecanismos que atuam nasforas e nos elementos qumicos, a cincia passa a conviver com a natureza incerta demuitos fenmenos. Tanto em escalas nfimas quanto astronmicas, h uma quantidade e

    qualidade de matria, ou energia, no universo que o conhecimento humano ainda noconsegue aferir, mesmo com os aparelhos j desenvolvidos. Quando aferem, a explicaoque encontram para os fenmenos contradiz o senso criado anteriormente. Umainterpretao dos sentidos, do ponto de vista da impresso que nos causam, necessria

    para o caso de tratarmos dos fatos que ultrapassam o estrito domnio da lgica. Esse umproblema das cincias sociais, pois a natureza humana no necessariamente lgica.

    Posteriormente, decorrente do avano inicial, nossa capacidade de 'conhecer' e'entender' o mundo circundante no corresponde adequadamente histria evolutiva denossa linhagem. Escapa nossa competncia a previso, ou controle, sobre os novosdomnios relacionais competitivos (guerras, mercado, cincia etc.) originrios dos desejos

    e interesses assumidos como dogmas pelo homem comum, no modo de produo vigente.Nosso sistema nervoso deve ser encarado como uma parte da estrutura que promove obem-estar e a plasticidade do organismo frente a natureza, ou sua realidade social, comvistas reproduo de seu padro de organizao. Alm disso, os aspectosepistemolgicos abordados pela ciberntica e pelas cincias cognitivas sobre a concepode mente nos impelem a aceitar que: as realidades so criadas a partir de nossarelao orgnica com o ambiente; e tambm, mente se refere muito mais a umprocessodo que a um ente.

    Para recompor a crtica sistmica noo de objetividade na cincia moderna e oproblema causado pela dicotomia cartesiana entre mente e matria, que se divide amonografia em duas partes suficientes. Na primeira parte, delineiam-se as principaiscaractersticas do pensamento do neurobilogo chileno Humberto Maturana, bem como

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    de seus colaboradores. Iniciando deste paradigma, recompe-se os primeiros passos dachamada ciberntica na primeira metade do sculo XX. Pretendeu-se expor aqui as idiasmais instigantes e as propostas para a extenso desse legado intelectual.

    Na segunda parte, feita uma compilao dos trabalhos e questionamentos do

    neurologista Antonio Damsio em sua obra capital O Erro de Descartes: razo, emoo eo crebro humano. Esse referencial terico, responsvel por diversas contribuies notratamento das patologias mentais, coloca de forma mais atual o problema da oposioentre mente e crebro. Damsio conta em seu hospital com uma equipe de profissionaistransdisciplinar[1] , responsveis pela criao de diversas tcnicas de monitoramento daatividade cerebral (Brain Vox, por exemplo) como forma de auxiliar no tratamento dedoenas degenerativas do sistema nervoso.

    Quais mecanismos (institucionais ou no) esto envolvidos na capacitao dosinstrumentos cognitivos humanos? Como esses movimentos podem ser reconhecidos etrabalhados pela pedagogia, pela filosofia ou pela sade mental, a partir de contribuio

    das cincias naturais? Qual o sentido do desenvolvimento da tcnica instrumental numfuturo de intensas disputas polticas, econmicas ou religiosas? Estas consideraes

    procuram sinalizar o problema que orienta a monografia.

    PARTE I - A incorporao do devir e a biologia do amor

    O que esta vida que corre

    Em nossos corpos como fogo?

    A vida como ferro quente,

    Prestes a ser derramado.

    Escolha o molde,

    E a vida o abrasar.

    (provrbio hindu)

    Humberto Maturana Romesn

    Humberto Maturana nasce em Santiago do Chile em 1928. Inicia a graduao em1948 na Escola de Medicina da Universidade do Chile, sendo aluno do professor GabrielGasi. Mais tarde, de 1954 at 56, estuda biologia com o professor J. Z. Young naInglaterra. Faz o Ph. D. em anatomia nos EUA, em Harvard, defendendo a tese [2] que olanou no caminho da abordagem sistmica sobre a evoluo dos seres vivos, e levou-o ater contato com os cibernticos.

    Maturana o grande expoente da, assim chamada, Escola Chilena de Biologia.Alcunha atribuda por tericos e psicoterapeutas como Guidano e Arciero. Junto com seus

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    colaboradores, principalmente Francisco Varela [3] , as revolucionrias teorias sobre abiologia do conhecimento e a biologia do amor alcanam respeito pelo vigor e ousadiaaplicados cincia no fim do sculo XX. Os trabalhos so primeiramente consideradoscomo "cibernticos", tendo mesmo Maturana participado da segunda fase dasconferncias Macy nos EUA (DUPUY, J.: 1996).

    Maturana e Varela resgatam com simplicidade as coesas relaes que podemosestabelecer entre o vivo e o no-vivo, a partir de sua abordagem sistmica dos fenmenos.Integram-se nesta trajetria intelectual a anlise da histria dos milnios que

    possibilitaram a existncia e realizao do planeta, com o surgimento de um tipo deorganizao capaz de expandir sua existncia atravs da reinveno continua de suaestrutura material. Os chilenos fundamentam essa abordagem no tocante ao fenmeno damente.

    Mesmo em contato com a cultura e a cincia utilitarista e pragmtica dos EUA,Maturana se projeta como cientista mundialmente reconhecido sem participar de um

    direcionamento maior das pesquisas que marcam as instituies e os projetos desse nichoacadmico. Suas assertivas deixam clara uma postura crtica, consolidada peloreconhecimento dos erros e das iluses que so naturais de nossa apreenso cognitiva.

    Clausura operacional

    No livro A rvore do conhecimento Maturana e Varela percorrem toda trajetriada formao da vida na Terra. Eles trabalham com construes epistemolgicassofisticadas para contornar muitos dos inconvenientes que a abordagem cartesiana traz

    para a definio do ser vivo. Os lugares-comuns como mobilidade, reprodutividade ououtros, so prontamente descartados em detrimento das relaes e interaes queguardam as distines entre o biolgico e o no-biolgico.

    A diversificao e a plasticidade possveis na famlia de molculas orgnicaspossibilitaram ... a formao de redes de reaes moleculares que produzem os mesmostipos de molculas que as integram, ao passo que limitam o contorno espacial em que serealizam ... Tais redes de interaes moleculares que se produzem a si mesmas eespecificam seus prprios limites so ... os seres vivos. (Maturana, Varela: 1995 p. 80)

    'Unidade' o primeiro dos conceitos a merecer destaque na obra de Maturana eVarela, especialmente levando em conta o domnio das explicaes cientficas. Adistino entre os objetos um dos atos cognitivos mais elementares que existe, mas issono quer dizer que a distino dependa exclusivamente da 'coisa' a ser observada. Para osautores, nossa organizao individual complementa os contrastes que experienciamos nocotidiano. No artigo j citado What the frogs eyes tell the frogs brain Maturana

    justifica, em seu experimento com os olhos da r, a relao enclausurada que se processano ser de cada organismo.

    Na experincia, uma r que teve os nervos ticos secionados e os olhos invertidos

    alguns graus, depois de recuperada da interveno, passa a ver uma mosca que est suafrente com desvio de posio igual aos graus da inverso. Constata-se que essa

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    implicao, a de que a r v aquilo que acostumada [4] a ver, deve se estender aosprocessos que envolvem a nossa viso.

    Na perspectiva metodolgica da biologia, no existem diferenas funcional nemrelacional entre os olhos do sapo e do Homem. Nesse sentido, todo observador

    responsvel pelas distines que faz ou deixa de fazer. O que Maturana observou comesse procedimento cientfico, foi que tanto a nossa viso quanto a de outro organismovivo produto de acoplamentos realizados nas determinadas estruturas fisiolgicas afim de realizar aquele padro de organizao decorrente da relao orgnica entreontogenia, filogenia e meio ambiente. No caso humano, o domnio das descriessemnticas possibilitou que vises de mundo individuais adquirissem valor real. Esse o cerne do limite entre real e ilusrio para Maturana

    Falamos de um tipo de fenmeno em que a possibilidade de distinguir algo dotodo (algo que posso ver no microscpio, por exemplo) depende da integridade dos

    processos que o possibilitam ... A caracterstica de um sistema autopoitico que ele se

    levanta por seus prprios cordes, e se constitui como distinto do meio circundantemediante sua prpria dinmica, de modo que ambas as coisas so inseparveis.(Maturana, Varela: 1995 p. 87)

    Maturana trabalha nestes termos de acordo com a perspectiva sistmica [5] , queespecifica impreterivelmente dois domnios de atuao para uma unidade percebida (sejaela uma clula, um rato, um formigueiro, uma sociedade humana, uma galxia etc.) Deum lado, este sistema tem uma fenomenologia de atuao como unidade, mas por outrolado, concomitantemente, tambm influenciado pelas alteraes individuais dos seuscomponentes.

    Os conceitos que derivam desse tipo de abordagem atingem profundamentequestes filosficas e humansticas. No so s os fenmenos relacionados ao processofisiolgico da viso que so reconsiderados, mas todos os desdobramentos desse operarenclausurado dos organismos. No caso, essencial para Maturana a crtica s concepesque norteiam praticamente toda a filosofia ocidental: percepo, realidade, representaoetc.

    O fenmeno conotado pela palavra perceberno a captao de traos de ummundo exterior. Alm disso, eu tambm afirmo que, quando um observador sustenta queum organismo exibe percepo, o que esse v um organismo que constitui um mundo de

    aes mediante relaes senso-motoras congruentes com as perturbaes do meio no qualo observador o distingue conservando sua adaptao. Finalmente, afirmo que umorganismo tem tantos espaos perceptivos quanto so os tipos de relao senso-motorasque pode realizar com conservao da adaptao, nos domnios de perturbaes em quesurge ao ser distinguido nas interaes de um observador. (Maturana: 1997 p. 80)

    Alude-se aqui, perpectiva desistema concernente existncia da vida. O sistemaque configura um ser biolgico , por definio,fechado. Assim sendo, no existe em seuoperar, absolutamente, a possibilidade de insero de dados. Os inputs e os outputs noexistem nesse tipo de sistema, que se conserva e se realiza na interao com as

    perturbaes colocadas pelo meio a fim de manter seu padro de organizao atravs de

    adaptaes em sua estrutura. Essencialmente, um erro lgico pensar em termos deperturbaes instrutivas (como na acepo evolucionista enviesada pela cincia positiva) ,

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    tanto para organismos quanto para os ramos evolutivos. O que ocorre uma intricada redede interelaes em que se modificam perenemente os organismos e o meio.

    O ser vivo e seu processo reflexoFeita a ressalva inicial sobre as iluses a que estamos sujeitos, enquanto sistema

    fechado vivo, Maturana ento investiga e conceitua o elemento chave para oentendimento de todo princpio vivo: a autopoieses. Podemos encontrar organizao emtodos os sistemas, mesmo no vivo. Mas o que torna uma organizao autopoitica anatureza reflexa de seu operar. Entre organizao e autopoieses h uma diferena de grau,se que pode ser chamada assim. Autopoitica a organizao que no possibilita adistino entre produtor e o seu produto. Ou seja, 'fazer' e 'ser' uma e a mesma coisa.

    Maturana, ento, est preocupado em diagnosticar quais os elementos queconstituem o ser vivo. Entretanto esses elementos so relaes, que mantm umarecursividade no dado organismo. Seus processos metablicos, quer seja a unidade uni oumetacelular, definem todos os mbitos de sua existncia mesmo no sendo resumidos poresses.

    Segundo Maturana, em entrevista recente sobre a gnese da sua interpretao, oque ocorre que o DNA participa da sntese das protenas, e as protenas participam dasntese do DNA. (Maturana: 1997, p. 32). O termo forjado por Maturana desde 1963

    para expressar esse mecanismo, at certo ponto dialtico [6] , do operar biolgico foi o deautopoieses. Refere-se aqui criatividade autnoma que emana e define todo organismo.

    Sua notao simblica uma seta circularmente voltada sobre si.

    A grande contribuio de Maturana ao estudo dos sistemas, foi ter conseguidoteorizar sobre um tipo especial de sistema que responsvel por todo o seu prpriofuncionamento, bem como, responsvel pelas modificaes e alteraes que caracterizamsua existncia.

    Esse sistema criativo encerra nas ontologias particulares toda a histria dasrelaes estabelecidas desde a formao do planeta, e amplia atravs do tempo as

    possibilidades de adaptao acoplando as estruturas aos domnios de ao alterados pelaevoluo. O existncia de um domnio de conduta semntico, assinalado por um

    observador, condio para a evoluo dos fenmenos mentais nessa perspectiva.

    Trazendo luz do estudo dos fenmenos sociais, j que Maturana no restringe oalcance de seus conceitos, importante dar ateno ao carter biolgico subjacente sescolhas e idias humanas. Todas formas de sociabilizao foram criadas pelosorganismos que interagiram de forma cada vez mais prxima e coordenada delimitando odomnio de ao dosHomo sapiens.

    claro que, consolidando-se como sistema autnomo as sociedades apresentamparticularidades definidas por sua organizao e estrutura. O que importa na verdade,principalmente para a comunidade cientfica, admitir sua prtica como a deobservadores enclausurados em seu operar especfico e que toda interpretao de mundoadotada no deve negar a possibilidade de existncia de outras. Discute-se aqui a

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    recomposio da objetividade como categoria para a mais adequada distino, emtermos sociolgicos, dos caracteres que se restringem a esse domnio explicativo.

    Organizao e Estrutura

    A definio aplicada aos conceitos de 'organizao' e 'estrutura' pelos autores damaior importncia, principalmente quando temos como horizonte de anlise acontribuio destes para as cincias sociais. A 'estrutura' como conceito, para Maturana,

    possui uma materialidade inextricvel dizendo respeito concretude dos elementos,componentes ou no de sistemas vivos. A unidade de um ser vivo , portanto, dada peloconjunto da sua estrutura qumica e relacional (no viva) com a sua 'organizao'. Estaorganizao autopoitica, o que a torna viva e distinta de uma estrutura inanimada.

    No caso dos organismos mais complexos, metacelulares, a histria das interaesde clulas com o meio pode ganhar um carter recorrente. O co, por exemplo, composto de clulas em sua estrutura que configuram uma organizao especfica. Masesse co tambm foi um organismo unicelular, que manteve as caratersticas filogenticase deixou de ser um microrganismo para tomar a forma que vemos. O processo queviabiliza a organizao metacelular mantendo as interaes entre clulas individuaisatravs da histria chamado por Maturana de acoplamento estrutural.

    O acoplamento estrutural leva organizaes e estruturas de uma ordem decomplexidade e autonomia at nveis mais elevados, que aumentam a conservao daexistncia do vivo. Lanando mo de uma concepo ciberntica de sistema, o chilenocategoriza as unidades autopoiticas como pertencentes primeira, segunda ou terceiraordem (Ex.: primeira ordem. clulas, molculas de metais etc., segunda. seres, robs,terceira. Sociedades, indstrias). Observando-se a recorrncia de padres de organizaoe estrutura reconhecemos classes de unidades. Esse reconhecimento faz parte de umdomnio especfico de condutas, que so experienciados pelo observador como sendo asexplicaes cientficas.

    Toda ontogenia ocorre dentro de um meio que ns, como observadores, podemosdescrever como tendo uma estrutura particular, tal como radiao, velocidade etc. Comotambm descrevemos a unidade autopoitica como tendo uma estrutura particular, fica

    evidente que as interaes (desde que sejam recorrentes) entre unidade e meio consistiroem perturbaes recprocas. Nessas interaes, a estrutura do meio apenas desencadeia asmudanas estruturais nas unidades autopoiticas (no as determina nem informa), e vice-versa para o meio. O resultado ser uma histria de mudanas estruturais mtuas, desdeque a unidade autopoitica e o meio no se desintegrem. Haver um acoplamentoestrutural. (Maturana, Varela: 1995 p.113)

    Acoplamentos Estruturais e Deriva evolutiva

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    Os chilenos propem, neste tocante, a idia de Deriva para melhor entendimentodas filogenias que hoje vemos. A sucesso de estados em um determinado sistema,decorrentes de modificaes j disparadas por estados anteriores caracterizam umfenmeno histrico. O encadeamento dessas modificaes no caso dos vivos se d pelasua caracterstica reprodutiva, mas isso no quer dizer que instrues so passadas

    pelos ascendentes ou pelo meio para esses.

    O fenmeno da reproduo necessariamente d origem a unidades historicamenterelacionadas. Se estas sofrem fraturas reprodutivas, formam em seu conjunto um sistemahistrico. (Maturana, Varela: 1995 p. 103)

    A reproduo produto e parte integrante da autopoieses viva, no uma funo. Ahistria das linhagens d-nos padres organizacionais que permanecem (hereditrios) eoutros que no resistem a interao ontognica do indivduo com o meio. Ora, a histriadas interaes caracterizam ontogenias particulares, definindo padres de conduta edomnios de ao. Nenhum desses aspectos diz respeito exclusivamente a este ou quele

    organismo, mesmo que os acoplamentos estruturais transitem entre as geraes.

    Vemos recentemente sobre o mapeamento gentico da espcie humana (projetoGENOMA), como existem caracteres que distinguimos como nossos que no so; eoutros, que nem distinguimos, mas que na verdade fazem mais parte do nosso ntimo doque se pode ainda imaginar [7] . Esse entendimento das mudanas estruturais dosorganismos vivos, bem como de sua estabilidade, historicamente dada, essencial para oentendimento da cognio.

    Maturana claro em relao ao seu objeto e ao domnio explicativo de seusestudos. Quando afirma que temos a mesma idade ancestral das clulas que noscompem, ele tenta recompor as relaes que durante mais de 3,5 bilhes de anosforjaram a configurao ecolgica que nosso planeta tem hoje. O ser humano nasce nessaderiva sendo uma classe de unidades coerentes com as modificaes ocorridas noambiente terrestre em determinados pontos do globo. Alm disso, o padro deorganizao que caracteriza as ontogenias humanas hoje s se faz possvel por trazer, emsi mesmo, os padres de relao historicizados na nossa filogenia.

    Maturana e Varela propem, ento, uma reviso em diversos termos ossificadospelo senso-comum a partir daEvoluo. No caso de tomarmos a Evoluo das Espciespor Darwin, a ressalva que se prope a de que essa evoluo nunca teve para o seu

    criador (unidade autopoitica) um sentido de 'melhoramento gentico', muito aceito nacincia moderna. Entendendo sociologicamente essa distoro vemos na cincia positiva,em especial em Spencer, o princpio desse engodo

    Freqentemente pensamos o processo de seleo como o ato de escolhervoluntariamente entre muitas alternativas. fcil ceder tentao de pensar que algosemelhante ocorre aqui: o meio, atravs de suas perturbaes, 'escolheria' quais dasmuitas mudanas possveis ocorrero. Isso o inverso do que realmente ocorre, econtradiz o fato de que estamos tratando com sistemas determinados estruturalmente.Interaes no podem especificar mudanas estruturais, pois estas so determinadas peloestado anterior da unidade em questo, e no pela estrutura do agente perturbador...

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    O conjunto das mudanas que o observador v como possveis s existe em suamente... Com a divulgao da teoria da evoluo, a idia de 'seleo natural' passou a serinterpretada como fonte de interaes instrutivas do meio. A esta altura da histria da

    biologia, mudar sua nomenclatura seria impossvel, sendo melhor us-la com bomentendimento. A biologia tambm tem sua ontogenia! (Maturana, Varela: 1995 p. 135)

    Mas na verdade, essa reviso deve ser estendida a todos os domnios explicativosda sociedade humana, como forma de apreender o sentido teleolgico que a teoria incutenas mentes dos indivduos. Quais aspectos estruturais do aos Homens a noo deevoluo, principalmente, associada a progresso? Maturana interpreta a saga do vivo naTerra como uma 'deriva evolutiva', sem ponto de chegada e principalmente sem 'razo' deser ou de permanecer.

    A proposta motivadora desse trabalho a identificao de fenmenos que se podeclassificar como mentais, e quais as relaes estabelecidas entre os elementos dessa mentee os indivduos vivendo em coletividade. Esse exerccio terico no foi iniciado por uma

    reviso meticulosa das correntes filosficas ou sociolgicas que abordam o tema. Inicia-seessa explicao do fenmeno da cognio, compilando conceitos e orientaes que distamde uma concepo naturalmente mais abstrata.

    Busca-se uma categorizao idealmente emprica (baseada em dados materiais)acerca do crebro do Homem e suas funes, corroborada por idias surgidas na primeirametade do sculo XX nos domnios explicativos da cincia natural. Essa abordagemmoderna parte da premissa de que o crebro (mesmo o humano) no pressupe aexistncia de uma mente, e que esta muito mais um processo do que uma realidadematerial.

    Falamos em conhecimento toda vez que observamos uma conduta efetiva (ouadequada) num contexto assinalado - ou seja, num domnio que definimos com uma

    pergunta (explcita ou implcita), que formulamos como observadores. (Maturana, Varela:1995 p. 201)

    Tratando-se de mente humana, que Maturana e Varela investigam a partir dadcada de 80, cuidamos aqui de identificar em que ponto lcito localizar a gnese daclasse humana dos animais. Segundo os autores, o gnero humano nasce no mbito dodomnio lingstico definido pela sua filogenia. O domnio lingstico no ocorre hojesomente para os seres humanos. Outras classes de animais apresentam esse tipo de

    conduta, como por exemplo os pssaros. instigante a perspectiva do dilogo que se abrecom as cincias humanas, j que as humanidades via de regra admitem a linguagem comouma das primeiras instituies que definem oHomo sapiens.

    Domnio lingstico, para a escola chilena de biologia, um domnio de condutano qual descries semnticas de observadores so tomadas como coisas por outrosobservadores. Desse modo, o acoplamento estrutural dos organismos passa a nodepender do contato direto com o objeto de perturbao, isto , a experincia contada. Ele

    pode entender tomando-se a descrio j feita por outros como algo a que ele interage. claro que esse domnio j requer o estabelecimento de coordenaes consensuais deaes por parte dos envolvidos, para que a transmisso do novo padro seja comportado

    pelas ontogenias.

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    A linguagem, nesse aspecto, possibilita a assimilao de novo padro estruturalprescindindo-se etapas das ontogenias. Essa coordenao de aes a partir decoordenaes de condutas j estabelecidas d o carterculturaldas criaes humanas. Ha possibilidade de acoplamento, semntico por certo, entre as ontogenias particulares eseus alicerces na filogenia evolutiva. De forma mais incipiente, esse fenmeno

    caracterizado pela imitao, de outro lado, interaes mais ricas caracterizam o processoda aprendizagem.

    Para se compreender a origem evolutiva da linguagem natural necessrio oreconhecimento do processo biolgico bsico que poderia ger-la. At agora essacompreenso foi impossvel, porque a linguagem tem sido vista como um sistemadenotativo de comunicao simblica. Se esse fosse, de fato, o modo pelo qual alinguagem opera numa interao lingstica, ento sua origem evolutiva exigiria a

    preexistncia de denotao para a concordncia sobre os valores simblicos doscomponentes arbitrrios do sistema de comunicao. Apesar disso, a denotao a

    prpria funo cuja origem necessrio explicar. Se reconhecemos que a linguagem um

    sistema de interaes consensuais gerativas, e que a denotao, como uma mera operaoconsensual recursiva, opera somente num domnio de consenso e no processo atravs doqual as interaes lingsticas ocorrem, ento torna-se bvio que a linguagem oresultado evolutivo necessrio, nas interaes recursivas dos organismos que possuemsistemas nervosos estruturalmente plsticos e fechados, de uma seleo realizada atravsdo comportamento gerado nos organismos em interao atravs de seu acoplamentoestrutural num domnio de diversidade ambiental em expanso. (Maturana: 1997 p. 154)

    Do carter recursivo da linguagem surge o grande passo evolutivo que deve serapreendido para o entendimento de fenmenos mentais, psicolgicos e espirituais. ParaMaturana, esses trs domnios de conduta relacionam-se a estados das estruturas

    particulares. So situaes da organizao ontolgica que tm com a linguagem apossibilidade de se tornarem descries semnticas com valor de coisa para outrosorganismos em coordenaes consensuais de aes.

    Portanto no se pode, definitivamente para o estudo dos fenmenos sociais, deixarde percebermos os fatos como conseqncia de uma dinmica ontognica caracterstica.Essa dinmica consensual e nasce na evoluo a partir das interaes compartilhadas erecorrentes entre os organismos de mesma classe. Na sua origem, as relaes quedelimitaram o mbito do humano eram baseadas no amor. Esse conceito para Maturanano tem nada de romntico, j que serve a uma descrio cientfica dos fenmenos. O

    autor leva em conta aqui a proximidade e apertena a que os primeiros seres humanosviviam entregues, e que viabilizaram os acoplamentos que expandiram o domniolingstico.

    A origem da linguagem como um domnio de coordenaes consensuais deconduta exige um espao de reencontro na aceitao mtua suficientemente intensa erecorrente. O que sabemos de nossos ancestrais que viveram na frica h trs e meiomilhes de anos indica que tinham um modo de viver centrado na coleta e nocompartilhamento de alimentos, na colaborao de machos e fmeas no cuidado da prole,numa convivncia sensual e numa sexualidade de encontro frontal, no mbito de grupos

    pequenos formados por uns poucos adultos e mais jovens e crianas. (Maturana: 1997

    p.174)

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    Os Homens so seres sociais basicamente por no poderem subverter a ordembiolgica que lhes deu origem. A explicao do que o carter humano a partir daproximidade que seres compartilharam na sua filogenia j teve partidrios nas cinciassociais, e se podemos destacar elementos da escola chilena que colaboram para oentendimento de nossos fenmenos sociais, elencamos dois.

    Primeiro, o operar do sistema nervoso humano recobra todas as interaesestabelecidas pela evoluo biolgica. Tomado em sua filogenia ou ontogenia particular,o sistema nervoso (cognio, pensamento, aprendizagem etc.) opera sem a insero dedados externos, j que um sistema fechado. A experincia e todos os seus domnios deconduta so especificados pelas interaes estabelecidas e levados a cabo pelaconservao de sua organizao autopoitica.

    Em segundo lugar, um ser humano no humano desde seu nascimento, oumelhor, pelo fato de nascer. A humanidade no um carter biolgico, no umarealidade a priorstica das ontogenias dos organismos que compartilham o mesmo

    material gentico. O Homem s se define nos domnios de interao que so particularesde sua filogenia, mas que s se historicizam dependendo do meio e das interaes quesofreu ao longo da vida. De acordo com Maturana, o amor nossa base e aproximidadenossofundamento como espcie.

    Enfim, o mbito deste trabalho naturalmente transdisciplinar sendo o contedo ofio condutor dessa trama. Assinala-se a identificao dos elementos mais apropriados parao entendimento de cognio e sistemas humanos. O crebro e seu mecanismo, mesmo quesejam as implicaes deste na vida social, no podem ser elucidados sem a colaboraoexplcita de diferentes especialidades do conhecimento moderno. A anlise sobre ossistemas, a estrutura, o ser vivo e o ser humano no alcana explicaes satisfatrias,

    permitindo sempre recortes de uma organizao muito mais complexa e mais dinmica.

    PARTE II - A tentao de fugir da dvida

    Antonio Damsio

    Nesta segunda parte, abordam-se alguns aspectos epistemolgicos na carreira de

    Antonio Damsio. Este mdico portugus, MD. Ph. D, chefe do departamento deneurologia da Universidade de Iowa. Sua linha de pesquisa lana as bases para oentendimento sobre a chamada neurobiologia da mente, em outras palavras, visadesvendar a composio fisiolgica dos sistemas neurais que fazem possveis a memria,a linguagem, a emoo e a tomada de deciso. Damsio autor, entre outras obras, de OSentimento de Si: O corpo, a emoo e a neurobiologia da conscincia.

    Nesta monografia, o primeiro livro de divulgao cientfica de Damsio, "O errode Descartes: Emoo, Razo e Crebro Humano", se firma como subsdio principal paraa apreciao dessa neurofisiologia. Buscou-se neste tpico, mapear a evoluo dasneurocincias comparando-as em pertinncia e continuidade com as questes abordadas

    desde a dcada de 50 pelas cincias cognitivas e pela ciberntica. Iniciando por uma breveexposio das idias principais desse autor, pretende-se delinear um caminho

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    epistemolgico traado por esses ramos cientficos percebendo qual o contexto social quepossibilitou tal desenvolvimento.

    No livro, O Erro de Descartes, Damsio apresenta como seu problema principalo erro metodolgico que se encerra nas concepes fundadoras da cincia moderna. O

    autor discorda a priori do dualismo entre mente e crebro, bem como, do mecanicismo doqual advm esta linha de raciocnio. Partindo de um caso especfico, datado do sculoXIX (1848), Damsio defende a consistncia de uma neurofisiologia do pensamento.Proposta esta que primeira vista soa ultrapassada comparando-se a concepo de

    pensamento que nasce com a ciberntica de primeira ordem [8] , no incio do sculo XX:a parte principal da minha idia relativa no ao momento atual mas histria dodesenvolvimento dos processos crebro/mente (Damsio: 2000 p. 265)

    Entretanto, Damsio assinala na sua carreira a possibilidade de superao dessaviso restrita, de causalidade linear, sobre os processos mentais. O que ele defende autilizao de tcnicas de ressonncia magntica e tomografia para o mapeamento dos

    caminhos por onde se do as operaes de raciocnio e tomada de decises. Nadelimitao desses caminhos que reconhecemos a ruptura paradigmtica que indica essalinha de pensamento. Um pensamento notadamente catico (probabilstico) reivindicado

    para a resoluo dos encontros entre os nveis psicossociais, bio reguladores, e lgicos,formadores do pensamento humano.

    O caso e a matriz Phineas Gage

    No caso que se apresenta como esteio para o livro O Erro de Descartes...,Damsio reconstitui a vida de um capataz da indstria pblica de construo de ferroviasno fim do sculo XIX. O jovem, de nome Phineas Gage, tem seu crnio perfurado poruma barra de ferro, sofrendo a leso quando tinha 25 anos de idade. A barra danifica asregies pr-frontais dos dois hemisfrios cerebrais. A despeito de perfurao com togrande impacto na arquitetura cerebral, Gage se recupera. No h posteriormente nenhumsinal de afasia, ou qualquer outro problema que denote perda de 'faculdades mentais'.

    So 4:30 de uma tarde escaldante. Gage acabou de colocar a plvora e o rastilhonum buraco e disse ao homem que o estava ajudando para colocar a areia ... Distrado, eantes de o seu ajudante ter introduzido areia, Gage comea a calcar a plvora diretamente

    com a barra de ferro. Num timo, provoca uma fasca na rocha e a carga explosivarebenta-lhe no rosto ... O ferro entra pela face de Gage, trespassa a base do crnio,atravessa a parte anterior do crebro e sai a alta velocidade pelo topo da cabea. Cai amais de trinta metros de distncia, envolto em sangue e crebro. Phineas Gage foi jogadono cho. Est agora atordoado, silencioso, mas consciente. (Damsio: 2000 p. 24)

    No entanto, a vida e a mente de Gage nunca mais foram as mesmas. At suamorte, no conseguiu adequar seu contedo cognitivo com as projees de aes futuras,

    principalmente as que demandavam uma certa coerncia no que diz respeito ao convviosocial. Exemplo disso so as dificuldades encontradas por Gage para cumprir as tarefasdomsticas ou mesmo profissionais Na abordagem deste caso, entre outros, o autor

    prope a explicao dos sintomas diagnosticando a chamada 'matriz de Phineas Gage'.

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    Esta seria uma disfuno resultante de leses na regio pr-frontal do crtexcerebral, provocando a no sincronia das imagens percebidas ou evocadas que

    presenciamos no processo mental. Nas palavras de Damsio, sobre um terceiro casorelatado no livro:

    O doente A exibia claramente as caractersticas cognitivas e comportamentais queestou tentando delimitar e a que chamarei de matriz de Phineas Gage: depois de sofrer aleso dos crtices frontais, sua capacidade para escolher o curso de ao mais vantajosofoi perdida; apesar de ter conservado capacidades intelectuais intactas, as emoes e ossentimentos estavam comprometidos. Deve notar-se que, em torno dessa matriz, existemdiferenas quando diversos casos so comparados. Mas inerente natureza dassndromes terem uma matriz, um ncleo de sintomas partilhados, e uma variao desintomas na periferia desse ncleo. (Damsio: 2000 p. 81)

    As particularidades que esse ponto de vista incute na epistemologia da cincia, somenos deterministas se abordamos de uma forma mais dinmica os encadeamentos

    subjacentes ao processo neural. Para Damsio, no existe um nico local (rea cerebral)para o qual convergem todos sinais emitidos tanto pelo corpo como pelos objetos. Esteponto de vista frenolgico, da linha terica de Franz Joseph Gall, o autor rejeita [9] . Seassim fosse, Phineas e os acometidos de sua matriz perderiam sensivelmentecapacidades intelectuais ou motoras.

    Simplesmente verifica-se a ocorrncia de atividade nervosa e induz-se um padrode evoluo. Temos que: a natureza no permite que os portos sensoriais falemdiretamente uns com os outros e tambm no consente que falem diretamente com oscontroles motores ... no nvel do crtex cerebral, cada conjunto de reas sensoriais iniciaistem de falar primeiro com uma srie de regies interpostas, as quais falam com regiesainda mais distantes, e assim por diante. (Damsio:2000 p. 119)

    Como Damsio no se preocupa em explicar a ontologia do pensamento, suaanlise se fundamenta nos caracteres filogenticos desse processo. Vale lembrar neste

    ponto que essa perspectiva se aproxima daquela identificada em Maturana, sob a qual amente humana o resultado de umprocesso sistmico e catico, no uma entidade, rgoou faculdade dos organismos.

    O sistema emerge como a extenso dos processos mediadores [10] entremembrana exterior (pele), corpo (organismo), meio e os estados fsicos deste corpo.

    Existem, a partir da, circuitos organizados momentaneamente que acionam o mecanismoformador e manipulador de imagens, sendo estas imagens topograficamente irradiadas.Esse 'processamento' ocorre com plasticidade infinita sendo responsvel pelas diferentesinterpretaes que temos da realidade ao longo da vida.

    Surge aqui o grande esquema epistemolgico proposto por Damsio: mente amais bem sucedida estratgia de sobrevivncia forjada pela natureza. Para a adequadaapreenso desse fenmeno, h a necessidade de observao dos contextos intersubjetivo ecoletivo do organismo. A hiptese levantada, e defendida por vrios cientistas da Amricado Norte inclusive por sua esposa Hanna, indica uma concepo teleolgica dodesenvolvimento do sistema nervoso, visto como forma de proporcionar maior adaptao

    do organismo ao meio.

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    Essa viso tambm dialoga com os preceitos da autopoieses chilena, j que paraMaturana, o surgimento do sistema nervoso expande a capacidade de adaptao dosorganismos ao meio, minimizando a ocorrncia de interaes destrutivas e ampliandoseus domnios de existncia. A ressalva fica por conta do estabelecimento do que

    pensamento, j que para Maturana o mental, o psquico e o espiritual so espaos

    relacionais dos organismos que dependem de observadores para serem distinguidos, pordefinio no existindoper si. Ora Damsio, concorda com as premissas que definem asimagens como contedos dos pensamentos, e opensarcomo representao e manipulaoda percepo sobre a realidade.

    medida que os organismos adquiriram maior complexidade, as aes causadaspelo crebro necessitaram de um maior processamento intermedirio. Outros neurniosforam interpolados entre o neurnio do estmulo e o neurnio da resposta, e variadoscircuitos paralelos assim se estabeleceram, mas isso no quer dizer que o organismo comesse crebro mais complexo tivesse necessariamente uma mente. Os crebros podemapresentar muitos passos que intervm nos circuitos que fazem a mediao entre o

    estmulo e a resposta, e ainda assim no possurem uma mente, caso no satisfaam umacondio essencial: possuir a capacidade de exibir imagens e de ordenar essas imagensnum processo chamado pensamento. (Damsio:2000 p. 117)

    A partir das experincias com vtimas de leses neurolgicas Damsio pde criarum conceito para explicar como se caracteriza nossa percepo e nosso conhecimento.Ele associa o modo como concebida a razo nobre (aqui Damsio remete ao

    paradigma racionalista de Descartes e Kant at seus desdobramentos atuais), com ofuncionamento cerebral de doentes com leses no lobo pr-frontal. A racionalidade fria,como interpretao da natureza lgica da cincia e do conhecimento, vista pelo autorcomo disfuno.

    Imagine agora que antes de aplicar qualquer anlise de custos/benefcios spremissas, e antes de raciocinar com vista soluo do problema, sucede algo importante.Quando lhe surge um mau resultado associado a uma dada opo de resposta, por maisfugaz que seja, voc sente uma sensao visceral desagradvel. Como a sensao corporal, atrbu ao fenmeno o termo tcnico de estado somtico (em grego, soma querdizer corpo); e, porque o estado marca uma imagem, chamo-lhe marcador. repare maisuma vez que uso somtico na acepo mais genrica (aquilo que pertence ao corpo) eincluo tanto as sensaes viscerais como as no viscerais quando me refiro aosmarcadores-somticos. (Damsio: 2000, p. 205)

    A tese resultado desses trabalhos revela a existncia de um mecanismo chamadomarcador-somtico (somatic market). O marcador-somtico vem a ser o operar denossa cognio, que na opinio do autor, constri representaes de mundo e as manipula.A construo das imagens [11] no crebro, desde a concepo at a morte, segue padresfilogeneticamente estabelecidos. Esses padres so responsveis pelo direcionamento dedeterminadas sensaes para determinados portos neurais. Essas sensaeslocalizadas em determinadas reas do crebro marcam, de maneira reversa, estados nocorpo que so usados para a evocao das respectivas imagens.

    Por exemplo, na primeira vez em que exposto a uma intensa luz verde, um beb

    passa por experincias sensoriais que no se restringem simples visualizao daquelafreqncia de onda. Todas essas sensaes emanam de diversos rgos do corpo e so

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    levadas atravs do fluxo neural partes do crebro que indistintamente colocam os dadossensveis em sincronia. Quando esse beb deixa de s-lo, ele reage exposio de um

    padro de onda que para ele significa verde no apenas reconhecendo o padro eindicando o objeto que tem essa cor, mas principalmente, resgatando todos os fios queconduziram padronizao da cor naquele indivduo. O que aqui chamamos de fios,

    para ilustrar, para Damsio a explicao do porque as pessoas podem ser acometidas pordoenas neurolgicas e apresentar conduta fragmentria, alijando o convviointersubjetivo das suas tomadas de deciso e sofrendo suas conseqncias.

    O marcador-somtico, se aceito, coloca um novo elemento na metodologiacientfica de inspirao cartesiana [12] que identifica nos sentidos o maior causador doerro. O marcador-somtico conceituado a partir de intensas observaes sobre anatureza e materialidade do processamento neural. Observados em sua filogenia, nossos

    processos neurais integram atividade imagtica (contedo do pensamento), e atividade deregulao biolgica bsica (metabolismo) na opinio de Damsio. Nenhum destes termostem existncia restrita ao complexo sistema que o senso comum identifica como sendo

    'nervoso', j que inclui alm da comunicao eltrica entre as clulas nervosascomunicao qumica pela corrente sangnea (neurotransmissores). Todo esse fluxo deatividades subjacentes visa e promove o bem-estar do organismo conferindo-lhe a

    possibilidade de adaptao.

    Como formamos as representaes topograficamente organizadas necessriaspara experienciar imagens evocadas? Creio que essas representaes somomentaneamente construdas sob o comando de padres neurais dispositivos adquiridosem outros locais do crebro. Utilizo o termo dispositivo porque o que eles fazem darordens a outros padres neurais, tornar possvel que a atividade neural ocorra em outrolocal, em circuitos que fazem parte do mesmo sistema e com os quais se estabeleceu umaforte interconexo neuronal. As representaes dispositivas existem como padres

    potenciais de atividade neuronal em pequenos grupos de neurnios a que chamo de 'zonasde convergncia'. (Damsio: 2000 p. 129)

    O mecanismo que se desenvolve a partir da interpolao entre mediao biolgicabsica e tomada de deciso chamado por Damsio de representao dispositiva. Essasrepresentaes so espcies de retratos de estados do corpo que se acumulam einteragem entre si ao longo de toda a vida. Por estado do corpo Damsio entende o padrode organizao que o sistema nervoso adquire tendo em vista a exposio que o corpo, eos rgos sensrios, sofre quando exposto aos objetos ou contextos da realidade.

    So construdas naturalmente, como forma de relacionar os dados vindos dosrgos sensrios com estados no corpo suscitado por determinada experincia ouraciocnio. Estabelecidas preferencialmente no crtex pr-frontal, os circuitos acionam oscrtices somatossensoriais, induzindo estados de corpo, tanto para a sincronia dos sinaisrecebidos quanto para a ratificao dos sinais enviados. Esse mecanismo ocorre por duasvias: de um lado as experincias sensoriais acumulam estados do corpo que sorecobrados por outras experincias equivalentes, e por outro lado instituem a operao domecanismo como se que d suporte ao raciocnio, abstrao e criatividade.

    O modo de atuao do mecanismo como se caraterstico das formas mais

    elaboradas de raciocnio. As representaes dispositivas que do forma s imagenspercebidas, possibilitam a organizao de estratgias que otimizam o resultado das

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    tomadas de decises. neste momento que o portugus conjuga a relao inextricvelentre emoes (estados do corpo) e razo (manipulao consciente das representaesdispositivas).

    Os mecanismos que cristalizam essas associaes entre estados corpreos e sinais

    do meio, tanto atravs de percepo ou pelo mecanismo 'como se' de Damsio, constituemdepsitos de respostas coesas s situaes do meio ambiente. Isso atravs das geraes,que de maneira marcante coloca o evolucionismo como paradigma maior dessaabordagem cientfica. O enriquecimento do contedo neural e tambm das relaesdispositivas, atravs do mecanismo chamado de marcador-somtico, constituem o alicercesob o qual se edificam os smbolos mentais. Esse se mostra um interessante recursometodolgico, haja visto que Maturana j na dcada de 60 prope que todo conhecer um fazer no sentido de haver sempre uma ao por trs das operaes ditas mentais.

    O dispositivo automatizado de marcao-somtica da maior parte daqueles quetiveram a sorte de ser criados numa cultura relativamente saudvel tem se acomodado, porvia da educao, aos padres da racionalidade dessa cultura. No obstante suas razes seencontrarem na regulao biolgica, o dispositivo est sintonizado com as prescriesculturais que se destinam a garantir a sobrevivncia numa determinada sociedade. Se ocrebro normal e a cultura em que se desenvolve saudvel, o dispositivo funciona demodo racional relativamente s convenes sociais e tica. (Damsio: 2000, p. 233)

    Outra importncia do processo fisiolgico denominado por mecanismo como se

    a possibilidade de reflexo sobre fatos ou objetos que nem existem ainda ou que so decarter metafsicos. o que possibilita o sentimento de si, identificado como aconscincia para Damsio. Tem-se como metfora para ilustrar a que movimento o autoratribui estes caracteres so as atividades que requerem atividade de simulao de eventos,como num clculo ou escrevendo um texto.

    Para o autor a conscincia no processo, j que mente esse processo deorganizao da experincia sensria visando a autoconservao da vida. A conscinciaconfigura-se como matria, matria que resulta dos processos fsicos correspondentes mente. Essa abordagem apresentada no novo livro de Damsio, O Sentimento de Si....A insero das idias deste livro vo de encontro com os anseios deste trabalho,

    entretanto, pelo volume de questionamento que esse procedimento suscitaria, exime-se datarefa nesta monografia indicando um caminho para trabalhos posteriores.

    Para finalizar esta parte, pode-se estender a anlise da problemtica darepresentao em Damsio. O autor sugere que o fenmeno baseado na criao deimagens (no apenas visuais) que mantm relao de contiguidade com o objeto darepresentao. Maturana no concebe esse processo para o pensamento humano,

    basicamente porque sua perspectiva ciberntica o faz interpretar o sistema nervoso comoum sistema fechado no qual os inputs so produtos de acoplamentos gerados pelaautopoiese do organismo.

    Na minha opinio, o fato de um dado organismo possuir uma mente significa queele forma representaes neurais que se podem tornar imagens manipulveis num

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    processo chamado pensamento, o qual acaba por influenciar o comportamento em virtudedo auxlio que confere em termos de previso do futuro, de planejamento desse de acordocom essa previso e da escolha da prxima ao. Reside aqui o centro da neurobiologia,tal como a concebo: o processo por meio do qual as representaes mentais, que somodificaes biolgicas criadas por aprendizagem num circuito de neurnios, se

    transformam em imagens nas nossas mentes; os processos que permitem quemodificaes microestruturais invisveis nos circuitos de neurnios (em corpos celulares,dendritos e axnios, e sinapses) se tornem uma representao neural, a qual por sua vez setransforma numa imagem que cada um de ns experincia como sendo sua. (Damsio:2000 pg. 116)

    Damsio, no obstante, prope uma crtica ao paradigma cartesiano, bem como asuas principais conseqncias epistemolgicas. A dualidade cartesiana entre corpo emente no tem sentido algum, se pensarmos no processo racional como justaposio demapas de estados do corpo (associados a estmulos e experincia) que se organizamcoerentemente dependendo da ateno e da memria dinmica sobre estes estados.

    Derivada da teoria de Damsio, temos nas alteraes sensveis os melhores mtodos deresgate da natureza dos fenmenos.

    O que est aqui em jogo ... uma srie de circuitos fechados de feedback efeedforward, em que alguns so de natureza puramente qumica... o fato de que asestruturas do crebro envolvidas na regulao biolgica bsica fazem igualmente parte deregulao do comportamento e sejam indispensveis para aquisio e ao normalfuncionamento dos processos cognitivos. O hipotlamo, o tronco cerebral e o sistemalmbico intervm na regulao do corpo e em todos os processos neurais em que se

    baseiam os fenmenos mentais, como por exemplo a percepo, a aprendizagem, amemria, a emoo, o sentimento, e ... o raciocnio e a criatividade. A regulao docorpo, a sobrevivncia e a mente esto intimamente ligados. Essa interligao verifica-seno nvel do tecido biolgico e utiliza sinais qumicos e eltricos, qualquer deles dentro dares extensa de Descartes (o domnio fsico no qual ele inclui o corpo e o meio envolvente,mas no a alma no fsica, que pertence a res cogitans). Curiosamente, essa interligaoocorre de forma intensa no muito longe da glndula pineal, no interior da qual Descartes

    procurou aprisionar a alma incorprea. (Damsio: 2000 pg. 151)

    Pelo que se percebe desde o ttulo desse primeiro livro, Damsio instiga umareviso nos mtodos racionalistas impostos cincia desde a Revoluo Francesa. A

    preponderncia da observao na edificao do conhecimento cientfico, a diviso do fato

    em partes constitutivas de menor complexidade, o encadeamento lgico das causas afimde compreender a finalidade dos atos, so procedimentos profundamente questionadospela abordagem sistmica.

    Escrevi este livro convicto de que o conhecimento em geral e o conhecimentoneurobiolgico em particular tm uma importante funo a desempenhar no destinohumano; convicto de que, se realmente o quisermos, o profundo conhecimento do crebroe da mente ajudar a alcanar a felicidade, cuja procura foi o trampolim para o progressoh dois sculos. (Damsio: 2000 pg. 285)

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    ConclusoA inteno desta concluso definir, mais concisa e claramente, quais

    perspectivas podem ser encaradas como os fundamentos biolgicos da mente e do

    conhecimento. Ademais, essa definio norteia todas as questes que giram ao redor daspossveis implicaes desse paradigma nas cincias humanas e sociais.

    A primeira decorrncia da perspectiva sistmica resumida neste trabalho, j , pordefinio, epistemolgica. Diz respeito constatao, premissa para Maturana, de queTudo que dito, dito por um observador. No podemos compreender as leis danatureza, posto que essa utopia advm da interpretao humana para lei e paranatureza. Os fenmenos vo continuar ocorrendo, mesmo que no exista mais Homem

    para entend-lo. A subjetividade implcita na noo de experincia e razo tornaconturbada a diferenciao cientfica clssica entre sujeito e objeto.

    Tanto para Maturana quanto para Damsio, agimos na cincia sobre descriesfeitas por outros observadores imersos em suas subjetividades ontolgicas. Os autoresdivergem quando tratam da teleologia deste ato, desta saga do conhecimento. Na EscolaChilena a cincia tratada como mais uma forma de linguagem humana, ou domnio deconduta, que inevitavelmente se realiza pela coordenao consensual de aes. S temexistncia no seu domnio especfico e resultado da interao de homens em um espaoconvencional. Pode, nesse caso, perpetuar equvocos conceituais sendo resultado doacoplamentos em determinados contextos (cincia escolstica, como exemplo de qualquercorrente hermtica de pensamento). Destoando um pouco dessa linha de raciocnio,Damsio interpreta tanto cincia quanto linguagem como materializaes da evoluo

    biolgica. A histria da cincia confunde-se com a evoluo humana na adaptao aomeio.

    Seguindo a anlise feita aqui, com respeito evoluo e as linhagens decorrentesdela, Maturana enftico em afirmar que o paradigma deve ser reinterpretado para queno se incorra no erro de pens-la como se fosse uma via de mo nica. Alude-se aqui omodo no apropriado pelo qual o positivismo fez uso na construo do conceito deprogresso. O chileno claro em desprezar a noo de interaes instrutivas entreorganismo e meio. Damsio silencia-se neste ponto, j que essa idia de evoluo linear

    base para o seu pensamento.

    Outro ponto em que se apoia a fundamentao biolgica dos processos mentaisdiz respeito ao Homem. Damsio, para dimensionar seu tema de trabalho, categoriza duaspartes do corpo. Tem-se que: o corpo o conjunto dos rgos e membros,excetuando-se o crebro, que composto por sistema nervoso central e perifrico. Paraa transmisso das informaes sobre o ambiente externo e para a coordenao domovimento desse dado organismo que se interpolam clulas (que se tornam nervosasno processo evolutivo).

    J para Maturana, a origem da linhagem evolutiva humana se d na ampliao dodomnio cognitivo que engendrou a formulao de descries semnticas da realidade.Esse domnio da existncia desses indivduos, pertencentes mesma classe apoiados no

    amor como espao relacional de pertena, recriou seus padres at atingir maiorcomplexidade. S podem ser compreendidas as construes culturais humanas atentando-

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    se para os fatores que originam essas aes do ponto de vista ontolgico. Na opinio doautor, as relaes humanas, assim como o pensamento, s podem ser encarados comohumanos se fizerem parte de um domnio especfico de anlise. O gnero humano s serealiza estabelecendo relaes consensuais, com forte carter altrusta, que expandemindefinidamente sua plasticidade com o meio.

    Nunca demais ressaltar que do ponto de vista da sistmica, o Homem no poderser visto como uma entidadeper si. S existe e s se define pela qualidade das relaesestabelecidas ao longo das ontogenias, mas concomitantemente, delimitadashistoricamente pela filogenia da espcie. Cabe aqui uma proposta pedaggica advinda do

    paradigma da biologia do amor, como forma de recompor os espaos no qualcircunscreve-se a atividade do gnero humano. Uma ao pedaggica nesses moldes

    possvel ser pensada nos seguintes termos: atividade com vistas permanncia naintimidade, uso de diferentes repertrios vivenciais na construo coletiva do saber,diferentes formas de notaes para expresso do conhecimento, atividade que apresentadiversos universos conceituais.

    Pelo que se viu nessa monografia, torna-se importante esse momento como idiapara adequao do nosso aparelho cognitivo realidade mediada pelos instrumentoscriados pela sua cultura. Os instrumentos de aferio dos fenmenos naturais,instrumentos estes voltados comprovao das suas prprias explicaes sobre o mundocircundante, nos colocam dvidas. A coincidncia entre as sensaes que adquirimos pelaexperincia com nossos rgos do sentido e a natureza em sua riqueza de detalhes noexiste.

    Neste ponto de vista, o sistema nervoso mais uma parte integrada e integrantedo organismo vivo. Existe uma materialidade e uma historicidade, mais reconhecvel se olevarmos em conta como sistema histrico do que como rgo dos diferentes seres queso seus fiis depositrios. Uma explicao ou interpretao vlida, defendida aqui, s

    pode existir quando reconhecemos nos corpos uma parcela de racionalidade e na razouma subjetividade intrnseca. Deve-se entender, ento, o relacionamento socialmenteestabelecido (principalmente no caso do Homem) como prerrogativa para o bomfuncionamento dos mecanismos tanto fsicos como psquicos.

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    [1] Damsio admite como de suma importncia, para sua carreira, os trabalhos e o apoiodevotado pelos mdicos que o acompanham no Departamento de Neurologia, Diviso de

    Neurocincia Cognitiva, da Universidade de Iowa. Podemos destacar, alm de sua mulherHanna Damsio: Daniel Tranel, Gary van Hoesen, Arthur Benton, Kathleen Rockland,Matthew Rizzo, Thomas Gradowski, Steven Anderson, Ralph Adolphs, Antoine Bechara,Robert Jones, Joseph Barrash, Julie Fiez, Ekaterin Semendeferi, Ching-Chiang Chu, JoanBrandt e Mark Nawrot.

    [2] Sobre neuroanatomia e fisiologia da viso: J. Y. Lettvin, H. R. Maturana, W. S.McCulloch and W. H. Pitts, What the Frog's Eye Tells the Frog's Brain, Proc. IRE 47(1959) 1940--1951, reprinted in Warren S. McCulloch, Embodiments of Mind (MITPress, 1965)

    [3]Nascido no Chile em 1946, Varela morre na Frana (Paris) em Maio de 2001 vitimadopela Hepatite C. Varela era doutor em biologia por Harvard e catedrtico emEpistemologia e Cincias Cognitivas no Centro de Investigao de EpistemologiaAplicada em Paris.

    [4] Maturana mantm uma perspectiva prxima da antropologia de Bateson, e sua noode Creatura. Mesmo afastado de Maturana por razes cientficas, tendo sido inquirido emuma de suas ltimas entrevistas sobre quem expandiria o legado de sua obra GregoryBateson no exitou em responder: A Escola Chilena de Biologia...

    Tirado de Mente e Natureza temos: A pata, por exemplo, no aDing an sich; ela no

    precisamente a 'coisa em si'. Mais exatamente, ela o que a mente faz dela, um exemplode uma coisa ou outra... (Bateson: 1986, p. 19)

    [5] Por perspectiva sistmica entende-se a posio epistemolgica implantada por Ludwigvon Bertalanffy na biologia, e posteriormente descrita por Fritjorf Capra em A teia avida.

    [6] Sobre as relaes entre autopoieses e filosofia ocidental indica-se a dissertao demestrado da professora Miriam Graciano de Castro Monteiro, para a UFMG Teoria

    biolgica de Maturana e sua repercusso filosfica

    [7] Preconizando em alguns anos a malfadada experincia das organizaes privadas epblicas na busca do cdigo que possibilitasse a criao artificial de seres: " muito

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    freqente ouvirmos dizer que os genes constituem a 'informao' que especifica um servivo. Isso um erro por duas razes fundamentais. Primeiro, porque confunde ofenmeno da hereditariedade com o mecanismo de rplica de certos componentescelulares (os DNAs), de grande estabilidade transgeracional. Segundo, porque dizer que oDNA contm o necessrio para especificar um ser vivo tira esses componentes (parte da

    rede autopoitica) de sua interelao com o restante da rede. a rede de interaes emsua totalidade que constitui e especifica as caractersticas da clula, no um de seuscomponentes..." (Maturana, Varela: 1995 p. 107)

    [8]Na origem da ciberntica, temos os pioneiros (ciberntica de primeira ordem)investigando a atividade mental como um processo comunicacional ditado pelarepresentao do real. Um behaviorismo ideal, no fosse a varivel caracterstica dessacincia cognitiva: ofeed backou retroalimentao. A neurologia do pensamentoreafirmaria, nesta analogia, o determinismo ingnuo da gerao de Wiener. (DUPUY:1996)

    [9] Franz Joseph Gall (1758-1828) foi mdico e anatomista alemo, trabalhando emViena desde 1785. Ele criou uma teoria que ficou conhecida como organologia oufrenologia que consistia, basicamente, no reconhecimento das potencialidades eespecificidades do crebro humano a partir de seu aspecto fsico ou de seu desenhoespecializado.

    [10] O conceito de meio, ou media, prximo quele idealizado por MacLuhan emUnderstanding Media: 1969 entre outros. Acompanhando essa idia, o meio tomaautonomia em relao aos mecanismos que o engendram, mesmo que ainda esteja aservio do meio que o originou.

    [11] Imagens, para Damsio, podem ser auditivas, olfativas, tcteis, gustativas, ou ainda,visuais.

    [12] Em Descartes, Discurso do Mtodo op. Cit. temos que, na quarta parte, na acepode seu mtodo poderia imaginar-se sem corpo (p. 67).

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