Fundamentos de Bioquimica - Ricardo Vieira

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Ricardo Vieira Ricardo Vieira Fundamentos de Bioquímica Textos didáticos Fundamentos de Bioquímica Textos didáticos Belém-Pará 2003 Belém-Pará 2003

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  • Ricardo VieiraRicardo Vieira

    Fundamentos de Bioqumica

    Textos didticos

    Fundamentos de Bioqumica

    Textos didticos

    Belm-Par2003

    Belm-Par2003

  • Apresentao

    A bioqumica , sem dvida, uma das cincias mais fascinantes porque desmonta o ser vivo em seus componentes bsicos e tenta explicar o funcionamento ordenado das reaes qumicas que tornam possvel a vida, freqentemente adjetivada como milagre ou fenmeno. Entretanto, o processo qumico muito bem organizado que estabelece toda a existncia da vida em nosso planeta, tem sido desvendado, continuamente, por cientistas do mundo inteiro. Muito j se sabe, porm o desconhecido a essncia do conhecimento humano e a luta para desvend-lo advm da natureza desbravadora da humanidade, que no se furta com explicaes empricas e procura a razo dos fatos ao invs de eterniz-los mitos.

    Os captulos que se seguem representam a organizao de informaes bsicas para o aprendizado de Bioqumica Humana, resultado do contedo das aulas que ministro h pouco mais de uma dcada. Como tal, possuem um carter estritamente didtico, no dispensando, de forma alguma, a consulta s referncias bibliogrficas sugeridas ao final de cada captulo e outras, existentes na literatura especializada.

    Entretanto, no se tratam de apostilas repletas de dicas e macetes que tornam o ensino estereotipado. Pelo contrrio, um trabalho realizado com carinho e ateno para facilitar o aprendizado em bioqumica nos cursos de Farmcia, Medicina, Biologia, Biomedicina, Nutrio, Enfermagem, Odontologia e reas afins.

    O formato eletrnico em arquivos PDF uma alternativa econmica e prtica de acesso aos meus textos originais, contornando dificuldades editoriais prprias de nossa regio. Acima de tudo, este E-book (livro eletrnico) corresponde a um prottipo para uma futura publicao em formato tradicional e, como todo material didtico, estes textos esto em constante atualizao, sendo a sua opinio (informando falhas, sugerindo mudanas etc.) de extrema valia para a realizao de um trabalho cada vez mais completo, possibilitando um retorno positivo para o processo ensino-aprendizagem.

    Prof. Ricardo Vieira Universidade Federal do Par

    Centro de Cincias Biolgicas Laboratrio de Gentica Humana e Mdica

    Av. Augusto Corra no 1 Guam Belm - Par - CEP: 66.075-900

    Fone/Fax: (091) 211-1929 E-mail: [email protected]

    HomePage: http://www.fundamentosdebioquimica.hpg.com.br

    Belm-Par

    2003

  • Georgete, minha companheira e cmplice.

    A meus pais,

    Benedito e Scila Vieira, meus mestres.

    A meus alunos, meus inspiradores.

  • Captulo 1 O que estuda a Bioqumica?

    O

    estudo da Bioqumica infere um conceito nato de que exis-te uma qumica da vida, ou

    ento que h vida pela qumica. Antes que um conceito filosfico ou religioso, a vida, aqui, deve ser tratada como o resultado da maximi-zao de fatores fsicos e qumicos presentes em um sistema aberto extremamente frgil: a clula. Neste microscpico tubo de ensaio esto os componentes necessrios para que o ser vivo complete o clssico ciclo da vida, ou seja, nascer, crescer, reproduzir e morrer, tudo resultado de um processo natural de de-senvolvimento de reaes qumicas tpicas com reagentes, produtos e catalisadores que, quanto melhor as condies timas de reao, melhor a eficcia com que sero executadas. Do ponto de vista qumico, os seres vivos so constitudos de elementos bastante simples e comuns em todo o universo: carbo-no, hidrognio, nitrognio e oxignio (bases dos compostos orgnicos), alm de uma infi-nidade de outros elementos presentes em quantidades relativamente menores, mas de funes imprescindveis ao funcionamento celular (p.ex.: ferro, enxofre, clcio, sdio, potssio, cloro, cobalto, magnsio etc.) O agrupamento desses elementos, em molculas com funes distintas, foi um pas-so longo e decisivo para a afirmao do pro-cesso de vida em nosso planeta. O processo de obteno de energia atravs da glicose na ausncia de oxignio, por exemplo, um pro-cesso to organizado que ele exatamente o mesmo em todos os seres vivos, diferindo somente na forma como o produto final pro-cessado, sendo que a maioria dos seres vivos prossegue com o metabolismo aerbio, porm todos os seres vivos, sem exceo, realizam o metabolismo anaerbio de degradao da gli-cose.

    Existe uma relao direta entre a produ-o de oxignio pelas cianofceas e o surgi-mento dos seres multicelulares levando a incrvel diversidade de espcies dos dias atu-

    ais. Sobre este aspecto, veja o que dizem Al-berts, B. et al. (1997).

    "Evidncias geolgicas sugerem que houve mais de um bilho de anos de intervalo entre o aparecimen-to das cianobatrias (primeiros organismos a libe-rar oxignio como parte do seu metabolismo) e o perodo em que grandes concentraes de oxignio comearam a se acumular na atmosfera. Esse in-tervalo to grande deveu-se, sobretudo, grande quantidade de ferro solvel existente nos oceanos, que reagia com o oxignio do ar para formar e-normes depsitos de xido de ferro."

    Certamente, este processo lento de libe-rao de oxignio como um dejeto indesejvel dos primeiros habitantes de nosso planeta, foi responsvel pelo surgimento de um outro orga-nismo adaptado em consumir este oxignio como comburente de molculas orgnicas libe-rando, assim, a energia trmica to necessria para a manuteno da vida. Mas, descrever o processo complexo que a vida no tarefa to simples quanto possa parecer. Na verdade desde que o universo surgiu h cerca de 20 bilhes de anos, a vida na Terra tem apresentado mecanismos mpares de reproduo e desenvolvimento que muitas ve-zes so nicos na natureza e desafiam os con-ceitos bioqumicos como por exemplo os seres que habitam as fossas abissais vulcnicas do Pacfico, que sobrevivem temperaturas supe-riores a 120oC; ou os vrus, que no possuem estrutura celular sendo formados, basicamente, apenas por protenas e cidos nuclicos. Um fato comum a todos os seres vivos, porm, a presena de macromolculas exclu-sivas dos seres vivos (carboidratos, lipdios, protenas, vitaminas e cidos nuclicos) deno-minadas de biomolculas. Desta forma, a qu-mica da vida est atrelada a composio bsica de todo ser vivo, uma vez que todos possuem pelo menos dois tipos de biomolculas, como no caso dos vrus. Lavosier e Priestly (final do sculo XVIII), Pasteur, Liebig, Berzelius e Bernard (sculo XIX) foram pioneiros na pesquisa de qual seria a composio dos seres vivos, sendo

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 1 - O que Estuda a Bioqumica? 2

    o termo bioqumica introduzido em 1903 pelo qumico alemo Carl Neuberg. Inicial-mente, esta nova cincia era denominada qumica fisiolgica ou ento qumica biolgi-ca, tendo a Alemanha, em 1877, publicado a primeira revista oficial desta nova disciplina (Zeitschrift fr Physiologisce Chemile) e, em 1906, a revista norte-americana Journal of Biological Chemistry consagrou-se como im-portante divulgadora das novas descobertas no campo da bioqumica, sendo editada at hoje. Aps 1920, os Estados Unidos tiveram uma participao decisiva para o crescimento desta nova cincia com a descoberta, isola-mento, sntese e descrio do mecanismo de regulao biolgica de incontveis compostos bioqumicos com a utilizao de istopos ra-diativos como marcadores. Desde 1950, a bioqumica tm-se tornado, cada vez mais, uma das cincias que mais crescem no campo do conhecimento humano tendo papel decisi-vo na elucidao do mecanismo fisiolgico e patolgico de regulao de vrios compostos bioqumicos de fundamental importncia para a sade do ser humano. Atualmente, os mto-dos de diagnstico e tratamento da maioria das doenas, so estudados a partir de uma base bioqumica, revelando as causas, as con-seqncias e maneiras de se evitar o incio ou a propagao das mais diversas patologias. Neste captulo, sero apresentadas as principais molculas envolvidas no processo da vida, introduzindo o estudo dos fundamen-tos de bioqumicas que ser efetuado nos ca-ptulos posteriores.

    A Natureza das Biomolculas As biomolculas possuem caracters-ticas qumicas comuns s demais molculas da natureza. Porm, quando associadas em um sistema biolgico, possuem uma dinmica prpria de regulao e sntese, que proporcio-nam as caractersticas de cada ser vivo. O ambiente ideal para que ocorram estas reaes a clula, com uma srie de organelas especi-alizadas nas mais variadas funes bioqumi-cas. A princpio, os seres vivos dos cinco reinos da natureza (Animalia, Plantae, Fungi,

    Monera e Protista) possuem mecanismos pr-prios de organizao celular, de acordo com sua relao com o meio ambiente (as plantas so auttrofas, por exemplo) ou entre si (os Mone-ras e Protistas so unicelulares), ainda havendo distino quanto organizao das organelas celulares (os moneras so procariotas, e portan-to, ao contrrio dos demais, no possuem ne-nhuma estrutura intracelular de membrana). Apesar das diferenas, contudo, todos os seres vivos apresentam uma dinmica bioqumica celular muitssimo parecida, evidenciando o sucesso evolutivo dos processos experimenta-dos nos bilhes de anos de aperfeioamento. As vias metablicas celulares constituem um ema-ranhado de reaes qumicas que se superpem, mas, maravilhosamente, no se atropelam e sim se completam formando um complexo e preciso ciclo qumico de consumo de reagentes (em bioqumica denominado de substratos) e for-mao de produtos, como em uma reao qu-mica qualquer. A forma de regulao destas reaes levam a uma intricada mecnica meta-blica tendo ao centro a degradao (catabo-lismo) e sntese (anabolismo) de biomolculas, Os vrus traduzem um captulo parte no estudo da bioqumica por apresentarem me-canismos nicos de reproduo e desenvolvi-mento. Possuem apenas dois tipos de biomol-culas, protenas e cido nuclico (DNA ou RNA), necessitando do ambiente celular para seu desenvolvimento, podendo permanecer cristalizados por milhares de anos em estado de inrcia quando fora do meio biolgico. Alguns vrus mais complexos, possuem carboidratos e lipdios em sua composio oriundos da mem-brana do hospedeiro durante o processo ltico.

    gua o composto qumico mais abundante (de 60 a 85% do peso total da maioria dos teci-dos) sendo o solvente adequado para os com-postos minerais e bioqumicos (Figura 1-1). Apesar de no ser uma biomolcula verdadeira (existe em grande quantidade livre na natureza, independente, at, da existncia organismos vivos - existe gua na lua e livre no vcuo do espao), graas sua polaridade, a gua conse-gue dissolver a maioria das biomolculas (ex-ceo s gorduras) criando uma capa de solva-

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  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 1 - O que Estuda a Bioqumica? 3

    tao ao redor delas, induzida por pontes de hidrognio. Entretanto, a gua tambm parti-cipa ativamente em reaes bioqumicas (p. ex.: hidrlise, condensao) o que a torna um dos componentes qumicos mais importantes para a vida. De fato, o simples achado de gua na forma lquida permite a inferncia de exis-tncia de formas de vida (pelo menos como ns a concebemos) seja no mais rido e quen-te deserto, nos glidos e secos plos da Terra ou nas mais profundas, escuras e ferventes fossas abissais do Pacfico (e, quem sabe, em outros planetas do nosso sistema solar). Figura 1-1: A molcula da gua possui polaridade devido diferena de carga entre os tomos de hidro-gnio e o de oxignio que, por ser mais eletronegativo, favorece a criao de uma nuvem eletrnica em torno de seu ncleo, induzindo a uma carga formal positiva para os tomos de hidrognio. Esta polaridade permite o surgimento de pontes de hidrognio o que torna a gua um soluto perfeito para a maioria das biomolcu-las. (Adaptado de Lehninger, A.L et al., 1995). Em organismos multicelulares, a gua dcqvtcepbcvc

    metablicos, baseiam-se na composio plas-mtica (a parte lquida do sangue). O sangue exerce um importante papel no estudo da bioqumica, uma vez que possui funes chaves na manuteno dos processos fisiolgicos. indispensvel pelo transporte de nutrientes, metablitos, produtos de excreo, gases respiratrios, hormnios e de clulas e molculas de defesa. Em animais de grande porte, indispensvel como dissipador do calor produzido pela alta taxa metablica celular, impedindo que as clulas entrem em colapso qumico em virtude do aumento da temperatura ambiente. A capacidade de coagulao uma importante propriedade sangnea que garante o fluxo constante do sangue nos vasos, evitando perdas por hemorragia. A maioria dos seres multicelulares pos-sui sangue ou algum tipo de lquido com funo correlata (p.ex.: a hemolinfa de insetos), sendo que mamferos e aves possuem um sistema de manuteno da temperatura corprea extrema-mente eficaz ("sangue quente"), o que no per-mite modificaes bruscas na temperatura de reao bioqumica. Os demais animais de "san-gue frio" no conseguem evitar as trocas de temperatura com o meio ambiente e a tempera-tura interna varia consideralvelmente, levando a um metabolismo energtico diversificado dos de "sangue quente". Entretanto, vrios peixes velozes (p.ex.: tubaro, salmo) possuem me-canismos particulares de aquecimento constante do sangue para manter uma temperatura cons-tante para suas as altas atividades metablicas de predadores, o que os torna verdadeiros pei-xes de "sangue quente". A gua, ainda, importante na manu-teno do equilbrio qumico celular mantendo as concentraes de H+ e demais eletrlitos istribui-se em dois ambientes: lquido intra-

    elular (LIC) e lquido extracelular (LEC) ue, por sua vez, compe-se do lquido intra-ascular (plasma sangneo) e lquido inters-icial nos seres mais complexos, como o aso do ser humano, objeto central de nosso studo. O sangue o mais importante com-artimento lquido do organismo e serve de ase para o estudo do metabolismo de vrios ompostos bioqumicos. Freqentemente, os alores mdios da concentrao das biomol-ulas em um indivduo, para efeito de estudos

    dentro de faixas estreitas evitando variaes letais de pH e osmolaridade. claro que esta manuteno s possvel graas a um comple-xo processo bioqumico e fisiolgico envolven-do hormnios (p.ex.: aldosterona, cortisol), rgos especializados (p.ex.: rins, pulmes, adrenais) e um sistema fisiolgico de tampes bioqumicos (p.ex.: Hb/HbO2; H2CO3/HCO3-). Em organismos marinhos, a gua a responsvel pelo fornecimento do oxignio e disperso de excrementos, como o CO2 e com-postos nitrogenados, que favorecem a matria

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    prima para o fitoplncton produz carboidra-tos, aminocidos (e outros nutrientes) e o O2, essenciais para a manuteno do equilbrio ecolgico da Terra.

    Protenas So as biomolculas mais abundantes, possuindo inmeras funes, dentre elas a indispensvel funo catalisadora exercida pelas enzimas, sem a qual no seria possvel a maioria das reaes celulares (apesar de al-gumas molculas de RNA possurem ao cataltica idntica a enzimas). So formadas por aminocidos ligados por ligaes qumicas extremamente fortes entre seus grupamentos funcionais amino (NH2) e cido carboxlico (COOH), as liga-es peptdicas (Figura 1-2).

    H - C - CO O H

    N H 2

    R

    H - C - CO

    N H 2

    R

    Figura 1-2: A ligao peptdica entre dois aminoci-dos extremamente rgida e no gira, porm pode doar ou receber prtons quando em meio bsico ou cido. Outras ligaes ocorrem entre o res-tante da cadeia carbonada dos aminocidos, como ligaes covalentes entre os grupamen-tos -SH de dois aminocidos cistena, for-mando uma ponte dissulfeto, pontes de hidro-gnio entre grupamentos polares da cadeia carbonada, ou at ligaes fracas do tipo de van der Waals, mas que garantem uma incr-vel estabilidade e conformao tridimensional nica s protenas, relacionada diretamente com sua funo (Figura 1-3).

    Figura 1-3: A estrutura tridimensional da mioglobina, protena especializada em liberar o O2 que transporta, somente em baixa pO2 o que traduz sua importncia no metabolismo muscular. (Adaptado de Campbel, M.K., 1995)

    H -N - C - H

    CO O H

    R

    N - C - H

    CO O H

    R

    H

    Extremidadeamino-terminal

    Extremidadecarboxila-terminal

    Ligaes peptdicas

    -aminocidos De fato, essa propriedade de assumir formas variadas proporciona um papel impor-tante na estereoqumica celular, onde as reaes so quase todas enzimticas e ocorrem com uma especificidade da enzima ao substrato ga-rantida pela forma tridimensional final das pro-tenas. Quaisquer modificaes nesta estrutura modificar a afinidade da enzima pelo substrato e isso ser utilizado pela clula para regular a ao enzimtica. As protenas normalmente abastecem e suprem as necessidades corpreas de aminoci-dos e do nitrognio neles contido. Toda prote-na presente na dieta de seres humanos digeri-da e entra na circulao como aminocidos individualizados ou mesmo como dipeptdeos (compostos por dois aminocidos), indo ao fgado que inicia seu processo metablico. Os animais so capazes de sintetizar somente 10 dos 20 aminocidos necessrios para a sntese protica (os aminocidos deno-minados no-essenciais: glicina, alanina, seri-na, prolina, cistena, cido asprtico, cido glu-tmico, asparagina, glutamina e tirosina), e os outros 10 so incapazes de serem sintetizados e devem estar presente na alimentao (os ami-nocidos essenciais: treonina. lisina, metioni-na, arginina, valina, fenilalanina, leucina, trip-tofano, isoleucina e histidina). Ricardo Vieira

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    Alguns aminocidos podem ser sinte-tizados no organismo mas a uma taxa que o torna essencial na alimentao, como o caso da arginina que utilizada quase que inte-gralmente na sntese da uria e da histidina que produzida em quantidade insuficiente para a sntese protica, porm tornam-se qua-se que desnecessrios na dieta de adultos, quando o crescimento (e, portanto, a fase de maior sntese de protenas estruturais) chega ao fim. Em contrapartida, os aminocidos ditos no-essenciais cistena e tirosina so sintetizados a partir dos aminocidos essenci-ais metionina e fenilalanina, o que os torna, de cera maneira, dependentes da presena desses aminocidos essenciais. No fgado, os aminocidos absorvidos no processo digestivo so convertidos nas protenas plamticas: 1) albumina (funo de transporte); 2) 1-globulina (glicoprotenas e lipoprotenas de alta densidade); 3) 2-globulinas (haptoglobinas, transportadoras de hemoglobina que saem das hemcias); 4) -globulinas (transferrina, lipoprotenas de bai-xa densidade) e 5) fatores da coagulao san-gnea (fibrinognio e protrombina). No plasma sangneo encontra-se, ainda, uma infinidade de protenas produzidas em outros locais do organismo, como o caso das -globulinas (os anticorpos) que so sintetizadas por linfcitos e outras protenas teciduais. Alguns aminocidos so convertidos, no fgado, em bases nitrogenadas (para a sn-tese de cidos nuclicos) e outros produtos nitrogenados. Em vrios tecidos, possuem funes das mais diversas, como base de sn-tese de hormnios e neurotransmissores. A parte nitrogenada dos aminocidos metabolizada no fgado de mamferos, anf-bios adultos, e tartarugas convertida em uria e excretada pelos rins. Aves, rpteis, insetos e invertebrados terrestres excretam o nitrognio protico como cido rico, enquan-to que peixes, invertebrados aquticos, anf-bios na forma larvria excretam na forma de amnia (crocodilos sintetizam, tambm, am-nia e tartarugas uria a partir do nitrognio protico). A cadeia carbonada dos aminocidos convertida em intermedirios do metabolismo energtico celular, porm esta funo corres-

    ponde a uma pequena frao do poderio biol-gico das protenas que so, sem dvida nenhu-ma, as biomolculas de maior nmero de fun-es em um organismo vivo. A funo energ-tica prioridade de duas outras molculas: os carboidratos e os lipdios.

    Carboidratos So os principais substratos energticos da clula, atravs da degradao da glicose por via anaerbia e aerbia (Figura 1-4). Popular-mente so chamados de acares em virtude do seu mais conhecido representante, a sacarose, formada por um molcula de glicose e outra de frutose com sabor doce caracterstico. O amido (um polmero linear ou ramificado de glicose), entretanto, a forma de carboidrato mais co-mum na alimentao, representando cerca de 90% dos carboidratos da dieta. Em mamferos, a lactose (formada por glicose e galactose) importante fonte energtica presente no leite, apesar da maioria dos mamferos utilizarem o leite como nica fonte de alimento somente em seus prim iros perodos de vida (em ratos al-guns dias Figura 1-4boidrato de Das principo metabomum de vrus porconsideraintermediqumicas como os protenase

    , em humanos cerca de um ano).

    : A molcula de glicose (uma hexose - car- seis carbonos) em sua forma cclica.

    e qualquer forma, os carboidratos so ais biomolculas energticas, uma vez lismo glicoltico anaerbio via co-todos os seres vivos ( exceo dos no terem estrutura celular, sendo dos por muitos autores como formas rias entre seres vivos e partculas de transmisso de infeces, assim prons, estes compostos apenas de

    ).

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    H a necessidade de ingesto mnima de cerca de 50 - 100 g de carboidratos por dia para garantir o suprimento de glicose sang-nea (glicemia) que, por sua vez, nutrir os tecidos, permanecendo a glicemia normal em torno de 70 - 110 mg/dl. A hipoglicemia ca-racteriza-se por vrios sinais e sintomas como tonturas, fraqueza muscular, suor firo, irritabi-lidade, fome, palpitao, dor de cabea, sono-lncia, convulso, podendo atingir o coma e a morte. A hiperglicemia quase sempre um achado patolgico laboratorial, sendo difcil a percepo de sinais e sintomas clnico diretos, sendo observada, principalmente, em patolo-gias especficas como o diabetes mellitus, caracterizada pela ausncia ou produo insu-ficiente de insulina (ou de seus receptores celulares). As principais fontes de carboidratos so os vegetais produtores de amido como reserva energtica (p.ex.: milho, mandioca, beterraba, arroz e todos os cereais), seguido dos produtores de sacarose (cana-de-acar, beterraba). As frutas contm grande quantida-de de frutose, alm de outros carboidratos; o leite e seus derivados, contm a lactose. Os alimentos de origem animal (fora o leite e seus derivados) contm muito pouco teor de carboidratos, reservando-se ao fgado e aos msculos as principais fontes em virtude de serem sede da sntese de glicognio (pol-mero de glicose bem mais ramificado que o amido, sintetizado, tambm por fungos e al-guns protozorios). Entretanto, aps o abate do animal, as reservas de glicognio rapida-mente se esgotam em virtude da continuidade do metabolismo celular mesmo aps a morte fisiolgica. Assim sendo, a quantidade de glicognio presente na alimentao humana quase inexistente, estando presente, portanto, somente na dieta de animais carnvoros que devoram suas presas imediatamente aps o abate. Os carboidratos podem ser convertidos em gorduras quando h a ingesto de quanti-dades excessivas s necessidades energticas podendo levar a patologias associadas ao ex-cesso de alimentao (obesidade, aterosclero-se coronria etc.). Uma m-higiene dentria proporciona a utilizao dos carboidratos pe-los microorganismos presentes na boca o que

    aumenta a incidncia de cries dentrias em virtude da destruio da dentina pelo cido lc-tico ou etanol (produto final do metabolismo anaerbio de bactrias e fungos). Da mesma forma, uma ingesto aumentada de carboidratos pode proporcionar distrbios intestinais com as bactrias produzindo grande quantidade de ga-ses, com comprometimentos patolgicos diver-sos. A carncia de carboidratos na alimenta-o, por sua vez induz ao consumo aumentado das gorduras e protenas musculares para a pro-duo de energia, caractersticas o que co-mumente utilizado em dietas de programas de reduo de peso corpreo. Deve-se levar em considerao, entretanto, que a utilizao em excesso de lipdios (principalmente) e protenas para a produo de energia, poder trazer in-convenientes fisiolgicos, com a produo de dejetos metablicos danosos ao organismo quando em grande quantidade, como o caso dos corpos cetnicos que induzem a queda do pH e da destruio da camada mielnica dos neurnios.

    Lipdios A gorduras, como so conhecidas popu-larmente, so a principal fonte de armazena-mento energtico, podendo manter alguns tipos de clulas vivas por vrios anos (p.ex.: semen-tes oleaginosas). Os lipdios fornecem significativa quan-tidade de energia (quase o dobro dos carboidra-tos), porm no esta a sua funo primria na alimentao, uma vez que a absoro intestinal dos lipdios se d pela linfa e no pela corrente sangnea como os demais nutrientes. Desta forma, os lipdios energticos (cidos graxos na forma de triglicerdeos - Figura 1-5) so capta-dos pelos tecido adiposo l ficando armazenado at que haja necessidade energtica (como no caso de dietas hipoglicdicas ou no paciente diabtico o qual no consegue produzir energia atravs da glicose, uma vez que ela no penetra na clula). Por esta razo, os cidos graxos no so to bem aproveitados para o metabolismo energtico como a glicose que, apesar de menos calrica, bem mais rapidamente degradada pelas clulas.

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    Figura 1-5: Os lipdios energticos. O cido esterico possui 18 carbonos sem nenhuma dupla ligao (satu-rado); o carbono 1 denominado alfa () e contm o grupamento funcional (COOH); o segundo denomina-se e o ltimo carbono (18) denominado mega-1 (), sendo o carbono 17 denominado -2, o 16 de -3 e assim sucessivamente. Alm de conferir um sabor caracters-tico aos alimentos e de proporcionar uma sen-sao de saciedade, a dieta lipdica veicula as vitaminas lipossolveis e supre o organismo dos cidos graxos essenciais poli-insaturados que o ser humano incapaz de sintetizar, co-mo o cido linolico (-6); linolico (-6 e 9); aracdnico (20:4). Os cidos graxos saturados (presente nas molculas de triglicerdeos) fornecem energia quando as fontes de carboidratos se esgotam, sendo bem mais calricos que os insaturados. O excesso da utilizao dos lip-dios para o metabolismo energtico fornece uma quantidade de um composto energtico alternativo, os corpos cetnicos, que suprem msculos e neurnios na falta de glicose (neu-rnios s consomem glicose e corpos cetni-cos como combustvel energtico), porm trazem complicaes clnicas quando produ-zidas em excesso (como a degenerao da bainha mielnica de proteo dos neurnios e a o e a g i f s s a q o d o e e ,

    o que corresponde a uma redundncia, uma vez que nenhum leo de origem vegetal contm colesterol, mas leva as pessoas a relacionarem a ausncia colesterol com uma melhor qualida-de do leo, o que no verdade (a qualidade de um leo vegetal est em uma maior quantidade de cidos graxos poli-insaturados, menos cal-ricos).

    cido esterico (18:0)

    Figura 1-6: A molcula de colesterol est presente exclusivamente em gorduras animais. Quimicamente, um lcool de cadeia longa, mas que classificado como lipdio em virtude de sua insolubilidade na gua. O excesso de lipdios da alimentao induz a uma rpida deposio dos triglicerdeos nos adipcitos e a saturao do fgado na de-gradao do colesterol. A no realizao de exerccios fsicos para compensar uma ingesto aumentada de lipdios, pode refletir-se em so-brepeso e at a obesidade, principalmente quando a alimentao ocorre em perodos de baixa atividade fsica (como noite, antes do sono).

    cidos Nuclicos Os cidos desoxirribunuclico (DNA) (Figura 1-7) e ribonuclico (RNA) so as mol-culas informacionais, atravs das quais so sin-tetizadas todas as protenas do organismo. O processo de replicao (sntese do DNA) rea-lizado de forma extremamente cuidadosa para que no resulte em erros na seqncia de DNA do genoma das clulas filhas e, consequente-mente, erros na produo de protenas, uma vez q e durante o ciclo de vida de uma clula, h a sntese de RNAm (mensageiro) a partir de um molde da molcula de DNA. Este processo (transcrio) est intimamente atrelado snte-se de protenas (traduo), onde o RNAm processado de maneira tal a se encaixar nos RNA dos ribossomos (RNAr) e favorecer a adio de aminocidos que chegam transporta-dos pelos RNA transportadores (RNAt). queda do pH plasmtico). O colesterol (Figura 1-6) encontrad

    xclusivamente em gorduras animais, sendo ema do ovo a principal fonte, mas no possuuno energtica e acumula-se nos vasoangneos quando a ingesto diria supera uantidade de 1g. Atualmente, o Ministrie Sade tem proibido a divulgao do rtulno contm colesterol que comumentram colocados em frascos de leos vegetaisuRicardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 1 - O que Estuda a Bioqumica? 8

    Figura 1-7: A descoberta da estrutura de dupla hli-ce em espiral da molcula de DNA em 1953 por Wat-son e Crick, trouxe informaes importantssimas para desvendar o papel dos cidos nuclicos para o metabo-lismo de todos os seres vivos. Tanto o RNAr quanto o RNAt (assim como os RNAm), so sintetizados a partir de uma ou mais seqncias de nucleotdeos de DNA (unidade de polimerizao dos cidos nuclicos, formados por uma pentose, uma base nitrogenada e um grupamento fosfato). Estas seqncias que codificam uma informa-o (protenas ou molculas de RNA) so demoninadas de genes, as unidades bsicas das caracterstas genticas. O cromossomo formado por uma nica molcula de DNA superenovelada e que possui um tamanho enorme, perto das propor-es microscpicas da clula. Se unssemos todos os 23 pares de cromossomos do ser hu-mano, por exemplo, teramos uma molcula de cerca de 1,5m (imagine tudo isso enovela-do dentro do ncleo celular!). Entretanto, a-penas cerca de 95% de todo esse DNA cor-respondes a genes (regies codificadoras de informao). A grande maioria do DNA cons-titui-se de regies que no codificam nenhu-ma informao (sntese de protenas ou RNA), mas possui funo de espaamento entre os genes (possibilitando um enovela-mento ordenado do cromossomo) alm de conter regies de controle da expresso gni-ca e zonas de DNA repetitivo (utilizadas na

    identificao individual tal como uma "impres-so digital de DNA"). Dentro das seqncias codificadoras dos genes (os xons) existem outras que no codifi-cam absolutamente nada (os ntrons), mas que podem possuir funes de regulao da expres-so do gene bem como informaes que so utilizadas no estudo da evoluo molecular que permite relacionar a caracterizao de espcies, gneros e grupos filogenticos bem definidos, estabelecendo os caminhos evolutivos que as espcies atuais devem ter percorrido, o que faz de seu estudo uma poderosa ferramenta da pa-leontologia, antropologia ou qualquer ramo da biologia evolutiva. A tecnologia da manipulao da mol-cula de DNA (p.ex.: sntese in vitro , reaes de hibridizao) tem sido utilizada com grandes vantagens no diagnstico de doenas metabli-cas de cunho gentico e doenas infecciosas (pela identificao de DNA de microorganis-mos em amostras biolgicas). Entretanto, os custos e da mo-de-obra altamente qualificada para sua execuo, ainda restringem a maioria das tcnicas laboratrios de pesquisa. Contu-do, h um futuro bastante promissor para esta prxima dcada na popularizao dos mtodos diagnsticos por biologia molecular.

    Vitaminas Fazem parte de um grupo de biomolcu-las no sintetizadas pelo ser humano e que pre-cisam estar presentes em pequenssimas con-centraes na clula para que ocorram vrias reaes celulares indispensveis para a vida, (a maioria funcionando como co-fatores enzimti-cos), o que garante o elo indispensvel entre os animais e vegetais na cadeia alimentar, uma vez que so produzidas por vegetais, bactrias, fun-gos e animais, tornando-se indispensveis na alimentao. Quimicamente, as vitaminas so difceis de serem classificadas, uma vez que pertencem s mais variadas classes qumicas (p.ex.: a vi-tamina A um terpeno, a B1 uma amina, a C um cido carboxlico). De uma maneira geral, classificamos as vitaminas, quanto s caracte-rsticas de solubilidade, como hidrossolveis (B1, B2, B6, B12, C, biotina, cido flico, ci-do pantotnico) e lipossolveis (A, D, E, e K).

    Ricardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 1 - O que Estuda a Bioqumica? 9

    So requeridas na dieta em quantida-des mnimas, sendo chamadas de oligoele-mentos (do grego oligos= pouco) juntamente com alguns minerais. A maioria delas possui baixa resistncia ao calor o que faz com seja necessrio ingerir os alimentos que as contm crus, pois a coco destruiria as vitaminas (as vitaminas lipossolveis so as menos termo-lbeis). Entretanto, apesar do conceito geral de que vitaminas so indispensveis na dieta, nem sempre isso verdade. Algumas no so necessrias na dieta de todos os animais, em virtude de serem sintetizadas no organismo (p.ex.: somente os primatas, alguns roedores e pssaros no sintetizam a vitamina C). Outras so sintetizadas por microrganismos da flora intestinal normal, sendo absorvidas indepen-dente da ingesto de fontes alimentcias (Vi-tamina B12 e K). A vitamina K pode ser obti-da pela converso de um derivado do coleste-rol aps a ao da radiao ultravioleta solar e considerada por alguns autores mais um hormnio do que uma vitamina. Outra caracterstica marcante das vi-taminas o fato de que a sua ausncia espec-fica na alimentao causa uma doena caren-cial prpria (p.ex.: o escorbuto na carncia de vitamina C; o bri-bri na carncia de B1). Contudo, esta propriedade no evidenciada muito facilmente, pois em um estado de des-nutrio, h a culminncia de vrias carncias vitamnicas levando a um quadro sintomato-lgico complexo e no apenas o aparecimento de uma doena carencial especfica. A maioria das vitaminas so cofatores de reaes enzimticas (o que justifica em si sua necessidade em pequena quantidade, j que as reaes enzimticas so reciclveis) e a sua inexistncia na clula torna invivel o processo de vida. Interessantemente, a admi-nistrao de vitaminas em dosagens acima das necessidades dirias so utilizadas na terapu-tica para corrigir sintomas que nem sempre tem correlao direta com sua ao biolgica (p. ex.: a vitamina B6 utilizada no tratamen-to de enjos). Esta conduta teraputica s pode ser realizada sob prescrio mdica, uma vez que altas dosagens de vitaminas podem ser txicas e s so possveis com a adminis-trao de vitaminas na forma de medicamen-

    tos (somente a vitamina C pode atingir nveis de hipervitaminose por ingesto das fontes ali-mentares). O uso indiscriminado de vitaminas co-mo medicamento por pessoas leigas que acredi-tam serem "elementos milagrosos e energti-cas" uma preocupao constante dos profis-sionais de sade, atualmente, uma vez que tra-ta-se de molculas altamente especializadas e sua ao txica pode trazer a leses graves para o sistema biolgico se no for administrada com percia e precauo.

    Minerais So compostos de origem inorgnica necessrios para uma srie de funes bioqu-micas importantes como, por exemplo, co-fatores de reaes enzimticas (Mg++, K+), fato-res da coagulao (Ca++), regulao do equil-brio hidro-eletroltico e cido bsico (Na+, K+, Cl-), elementos estruturais (Ca++, P-3, F-), trans-porte (Fe++) e muitas outras funes. As necessidades de minerais para as funes fisiolgicas podem ser divididas, arbi-trariamente, em dois grupos: os macromine-rais necessrios em quantidades acima de 100 mg/dia (clcio, fsforo, sdio, potssio, clore-tos, magnsio) e microminerais necessrios em quantidades abaixo de 100 mg/dia (cobalto, iodo, ferro, flor, crmio). De maneira diferente aos demais nutri-entes, os minerais possuem um processo de absoro intestinal incompleto, ou seja enquan-to todos os carboidratos, lipdios e protenas ingeridos devem ser absorvidos (seno haver proliferao bacteriana e, consequentemente, distrbios digestivos) os minerais possuem um limiar prprio para cada um deles (p.ex.: o Na+ de cerca de 180 mEq/l) acima do qual no h a passagem do mineral para a veia porta-heptica (que comunica o intestino e o fgado) e o excesso excretado pelas fezes. Desta maneira, h um controle digestivo importante da concetrao plasmtica dos mi-nerais. Contudo, quaisquer distrbios digestivos (p.ex.: parasitrios, inflamatrios, medicamen-tos) podem alterar a absoro dos minerais le-vando a sua depleo e tambm de gua, uma vez que haver distrbio no balana hidro-

    Ricardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 1 - O que Estuda a Bioqumica? 10

    eletroltico, levando a diarrias e a conseqen-te desidratao, que muitas vezes fatal. A clula: o tubo de ensaio da vida a unidade morfo-fisiolgica dos se-res vivos, possuindo estruturas como as mito-cndrias (em todos os seres vivos, com exce-o dos procariotas) e glioxiomas (vegetais e uns poucos protistas) que so a sede da pro-duo de energia da clula (Figura 1-8). Nas clulas das folhas dos vegetais existem os cloroplastos, estruturas semelhan-tes s mitocndrias responsveis pela fotos-sntese (Figura 1-9). Existe uma semelhana estrutural muito grande entre mitocdrias e cloroplastos, apesar das funes diametral-mente opostas (produo de energia a partir d a pAmvvm totgr Fg Rrpp

    celular ou extracelular. Os peroxiomas so importantes para desdobrar os radicais livres formados pelo oxignio evitando assim o enve-lhecimento e a morte celular. Os lisossomas, por sua vez, contm enzimas hidrolticas que degradam alimentos ou a prpria clula (apop-tose = morte celular programada) sendo importante para determinar o tempo de vida til de uma clula. As clulas eucariotas possuem um n-cleo organizado que regula as atividades de reproduo e sntese proticas (atravs do DNA). A maioria das reaes bioqumicas o-correm no citosol, que mantm relao com o meio externo e com as organelas atravs de um sistema de membranas lipdico-protico, idn-tico membrana plasmtica. Os procariotas no possuem sistema de membrana intracelular organizado, no possu-indo as organelas que apresentam esta estrutura e biomolculas e captao de energia para

    roduo de biomolculas, respectivamente). credita-se que tais organelas eram organis-os independentes, em um passado evoluti-

    o muito distante, mas que criaram uma rela-o simbitica com algumas clulas primiti-as gerando as atuais clulas vegetais e ani-ais atuais.

    De fato, a existncia de DNA comple-amente diferente do ncleo, qualifica essas rganelas como candidatas s primeiras estru-uras vivas auto-suficientes, no sentido ener-tico, a surgirem na histria da vida na Ter-a.

    igura 1-8: A mitocndria a sede das reaes ener-ticas em eucariotas.

    Os ribossomos so formados por NAr e so a sede da sntese protica, libe-

    ando-as para o retculo endoplasmtico e, osteriormente, aparelho de Golgi onde as rotenas podero ser liberadas para o uso

    (p.ex.: ncleo, mitocndrias). Possuem (assim como os vegetais) uma parede celular extre-mamente resistente formada de polissacrides. Compreender os mecanismos que levam interao das biomolculas com o sistema celular, seja na sntese, metabolismo ou degra-dao, funo da Bioqumica. Utilizando-se de conceitos interdisciplinares (Biologia, Histo-logia, Fisiologia etc.), a Bioqumica procura explicar o funcionamento da clula a partir de um ngulo molecular, possibilitando, inclusive, a manipulao in vitro de condies exclusivas das clulas vivas, podendo recriar o processo da qumica da vida com o advento da engenharia gentica. Estamos vivendo tempos de mudan-as extremamente importantes no pensar cient-fico acerca de questes vitais para a perpetua-o de nossa espcie - ameaada de extino pela superpopulao e destruio desgovernada do ecossistema. A compreenso dos mecanis-mos bsicos de manuteno da vida no ambien-te celular, indispensvel para o profissional da rea de sade e cincias biolgicas para que possa se posicionar em assuntos vitais e, inclu-sive, ticos dentro do exerccio de sua profis-so. Na Figura 1-9 representa as principais organelas de uma clula eucariota.

    Ricardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 1 - O que Estuda a Bioqumica? 11

    Figura 1-9 - Representao esquemtica de uma clula eucariota.

    Curiosidades O estudo da bioqumica j rendeu 63 ganhadores do Prmio Nobel de Qumica e Medicina, a mais importante premiao cien-tfica, instituda desde 1901. Dentre eles, est um dos nicos cientistas que ganhou duas vezes o prmio Nobel: Frederick Sanger que em 1958 descobriu a estrutura da insulina e em 1980 desenvolveu tcnicas de seqencia-mento de DNA. Linus Pauling tambm ga-nhou dois prmios: em 1954 por seus estudos com ligaes qumicas de biomolculas e em 1962 o prmio Nobel da Paz. Neste seleto clube de ganhadores de mais de um prmio Nobel consta, ainda, Marie S. Curie em 1911 ganhou o Nobel de Qumica e em 1903 o de Fsica. A seguir, a listagem completa dos ga-nhadores do Prmio Nobel de Qumica e Me-dicina com estudos bioqumicos. 2000 - MEDICINA: Arvid Carlsson, Paul Greengard e Eric R

    Kandel pelos estudos na transduo de sinais no sistema nervo-so.

    1999 - MEDICINA: Gnter Blobel por descobrir que protenas possuem sinais que regem sua localizao e transporte celular.

    1998 - MEDICINA: Robert F. Furchgott, Louis J. Ignarro e Ferid Umrad pela descoberta da sntese de cido ntrico no or-ganismo e sua funo no sistema cardiovascular.

    1997 - MEDICINA: Stanley B. Prusiner pela descoberta dos prons, novo modelo biolgico de infeco de origem protica.

    1997 - QUMICA: Paul B. Boyer e Jonh E. Walker pela eluci-dao do mecanismo enzimtico da sntese do ATP e Jens C. Skou pela descoberta da enzima responsvel pela sntese do ATP.

    1994 - MEDICINA: Alfred G. Gilman e Martin Rodbell pela descoberta das protenas-G.

    1993 - Richard J. Roberts e Phylip A. Sharp pela descoberta de split-genes.

    1993 - QUMICA: Kary B. Mullins pela inveno do mtodo da PCR (Polymerase Chain Reaction - Reao em Cadeia da Polime-rase) para a sntese in vitro de DNA e Michael Smith pelo estudo em protenas mutagnicas.

    1992 - MEDICINA: Edmond H. Fisher e Edwin G. Krebs pela descoberta da fosforilao reversvel de protenas.

    1991 - MEDICINA: Erwin Neher e Bert Sakmann pela descoberta das protenas canais de ons celulares.

    1989 - QUMICA: Sidney Altman e Thomas Cech pela descober-ta de RNA com propriedade cataltica.

    1988 - QUMICA: Johann Deisenhofer, Robert Huber e Harmut Chel pela determinao da estrutura tri-dimensional do centro da reao fotossinttica.

    1985- MEDICINA: Michael S. Brown e Joseph L. Goldstein pela descoberta da regulao do metabolismo do colesterol.

    1984 - MEDICINA: Niels K. Jerne, Georges J. F. Khler e Csar Milstein pela descoberta do controle do sistema imune.

    1982 - MEDICINA: Sune K. Bergstrm, Bengt I. Samueksson e Jonh R. Vane pela descoberta das prostaglandinas.

    1982 - QUMICA: Aaron Klug pelo dewsenvolvimento de tcni-cas de microscopia eletrnica por cristalografia para elucidar inte-raes protenas/cidos nuclicos.

    1980 - QUMICA: Paul Berg pelos estudos de DNA recombinate e Walter Gilbert e Frederik Sanger por seus estudos de sequenci-amento de DNA.

    1978 - MEDICINA: Werner Arber, Daniel Nathans e Hamilton O. Smith pela descoberta das enzimas de restrio.

    1978 - QUMICA: Peter D. Mitchel pela formulao da teoria quimiosmtica para a sntese do ATP.

    1977 - Roger Guillemin, Andrew V. Schally e Rosalyn Yalow pela descoberta da produo de hormnios peptdeos cerebrais.

    1975 - QUMICA: Jonh Warcup Conforth e Vladimir Prelog pelo estudo da estereoqumica de reaes enzimticas.

    1972 - MEDICINA: Gerald M. Edelman e Rodney R. Porter pela descoberta da estrutura protica dos anticorpos.

    1972 - QUMICA: Christian B. Anfinsen, Stanford Moore e William H. Stein pelos estudos na enzima ribonuclease.

    1971 - MEDICINA: Earl W. Jr. Sutherland pela descorberta do mecanismo de ao dos hormnios.

    1971 - QUMICA: Gerhard Herzberg pelo estudo da estrutura eletrnica e geomtrica dos radicais livres.

    1970 - QUMICA: Luis F. Leloir por estudos na biossntese de carboidratos

    1968 - MEDICINA: Robert W. Holley, Har Gobind Khorana e Marshall W. Nirenberg pela interpretao do cdigo gentico e a sntese protica.

    1964 - QUMICA: Dorothy Crowfoot Hodgkin pela criao de tcnicas de Raios-X para estabelecer a estrutura de compostos bi-oqumicos.

    1964 - MEDICINA: Konrad Bloch e Feodor Lynen pela descoberta do mecanismo e regulao do metabolismo do colesterol e cidos graxos.

    1962 - MEDICINA: Francis Harry Compton Crick, James Dewey Watson e Maurice Hugh Frederick Wilks pela descoberta da es-trutura do DNA.

    1962 - QUMICA: Max Ferdinand Perutz e John Cowdery Ken-drew pelo estudo da estrutura de protenas globulares.

    1961 - QUMICA: Melvin Calvin pelo esclarecimento da fotos-sntese.

    1958 - QUMICA: Frederick Sanger pela determinao da estru-tura da insulina

    1959 - MEDICINA: Severo Ochoa e Arthur Kornberg pela des-coberta da biosntese de DNA e RNA.

    1957 - QUMICA: Alexander R. Todd pelo trabalho com nucleo-tdeos e co-enzimas.

    1955 - MEDICINA: Axel Hugo Theodor Theorell pela descoberta da natureza oxidativa de enzimas.

    1955 - QUMICA: Vincent Du Vigneaud pela sntese de horm-nios polipetdeos.

    1953 - MEDICINA: Hans Adolf Krebs e Fritz Albert Lipmann pela descoberta do ciclo do cido ctico e do papel da coenzima-A.

    Ricardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 1 - O que Estuda a Bioqumica? 12 1954 - QUMICA: Linus Carl Pauling pelo estudo nas ligaes

    qumicas de biomolculas. 1950 - MEDICINA: Edward Calvin Kendal, Tadeus Reichstein

    e Philip Showalter pela descoberta dos hormnios da crtex a-drenal.

    1943 - MEDICINA: Henrik Carl Dam e Edward Adelbert Doisy pela descoberta da Vitamina K.

    1948 - QUMICA: Arne Wilhelm Kaurin Tiselius pela pesquisa em eletroforese de protenas plasmticas.

    1947 - QUMICA: Robert Robinson pelo estudo de bioqumica vegetal.

    1947 - MEDICINA: Carls Ferdinand Cori, Gerty Theresa Cori e Bernardo Alberto Houssay pela pesquisa no metabolismo do glicognio e da glicose.

    1946 - QUMICA: James Batcheller Sumner, Jonh Howard Northrop e Wendell Meredith Stanley pelos estudos em enzi-mas.

    1939 - QUMICA: Adolf Friedrich Johann Buternandt pelo estudo dos hormnios sexuais e Leopold Ruzicka pelo estudo de terpenos e polimetilenos.

    1938 - QUMICA: Richard Khun pela pesquisa com caroteni-des e vitaminas.

    1937 - MEDICINA: Albert Szent-Gyrgyi Von Nagyrapolt pela descoberta do metabolismo energtico celular.

    1936 - MEDICINA: Hallert Dale e Otto Loewi pela descoberta da trasnmisso qumica do impulso nervoso.

    1937 - QUMICA: Walter Norman Haworth e Paul Karrern pelo trabalho com carboidratos, carotenides, vitaminas A, B2 e C.

    1931 - MEDICINA: Otto Heinrich Warburg pela descoberta da natureza da ao das enzimas respiratrias.

    1930 - QUMICA: Hans Fisher pela pesquisa dos grupamentos metlicos da hemoglobina e clorofila.

    1929 - QUMICA: Arthur Harden, Hans Karl August Von Euler-Chelpin pelo estudo das enzimas fermentadoras de a-car.

    1929 - MEDICINA: Christiaan Eijkman e Frederick Gowlans Hopkins pelo estudo com vitaminas.

    1928 - QUMICA: Adolf Otto Reinhold Windaus pelo estudo de vitaminas.

    1927 QUMICA: Heinrich Otto Wieland pelo estudo da constituio dos cidos biliares.

    1923 - MEDICINA: Frederick Grant e John James Richard Macleod pela descoberta da insulina.

    1922 - MEDICINA: Archibald Vivian Hilll e Otto Fritz Meye-rhof por estudos do metabolismo muscular

    1915 - QUMICA: Richard Martin Willsttter pela pesquisa com clorofila.

    1910 - MEDICINA: Albrecht Kossel por seu trabalho em bioqumica celular com protenas e substncias nuclicas.

    1907 QUMICA: Eduard Buchner pela descoberta da fermenta-o celular.

    1902 - QUMICA: Hermann Emil Fisher pela pesquisa em sntese de carboidratos e purinas.

    1901 - QUMICA: Jacobus Henricus Van't Hoff pela lei de presso osmtica.

    Para testar seus conhecimentos 1. O que estuda a Bioqumica? 2. Qual a composio qumica dos seres vivos? Que

    so biomolculas? 3. Quais as funes das biomolculas? 4. Quantos aminocidos so verdadeiramente essenci-

    ais e no-essenciais? Justifique sua resposta. 5. Qual o destino dos aminocidos no metabolismo

    heptico? 6. Organize um quadro com as formas de excreo do

    nitrognio protico nas diversas classes de animais. 7. Comente sobre a importncia da lactose como fonte

    de energia em mamferos? 8. O que hiper e hipoglicemia? 9. Porque h reduo do peso corpreo quando restrin-

    ge-se o consumo de carboidrato? 10. Porque um paciente diabtico assemelha-se a um

    paciente em jejum prolongado, no que diz respeito ao metabolismo energtico?

    11. Quais dos ganhadores (ou seus trabalhos) do Prmio Nobel de Qumica e Medicina que trabalharam com modelos bioqumicos, voc j tinha ouvido falar? Qual a molcula que mais prmios deu a seus pes-quisadores?

    Para navegar na Internet HomePage do Prof. Ricardo Vieira: http://www.fundamentosdebioquimica.hpg.com.br The World Wide Web Virtual Library: Biosciences: http://golgi.harvard.edu/biopages/all.html Revista Brasileira de Anlises Clnicas: http://www.terravista.pt/aguaalto/1207/boyle.html AllChemy Web- Qumica e Cincias afins: http://allchemy.iq.usp.br/ The Nobel Prize Oficial Site: http://www.nobel.se/ A Brief History of Biochemistry: http://www.wwc.edu/academics/departments/chemistry/courses/chem431/lectures/introlect.html Biomania: http://www.biomania.com.br/mapasite/map.htm Biochemistry On-Line: http://www.biochemist.com/home.htm Bioqumica y Biologa Molecular en la Red: http://www.yi.com/home/PerdigueroEusebio/bioquimica.html Science: http://intl.sciencemag.org/ Nature: http://www.nature.com/

    Ricardo Vieira

  • Captulo 2 Bioqumica dos Alimentos

    A evoluo das espcies sempre se apoiou em novas maneiras de se obter energia das mais variadas fontes para assim melhor aproveitar as matrias primas que a natureza oferece aos seres vivos. Seres mais sofistica-dos na forma de obter energia, tm-se mostra-do superiores nesta escala evolutiva e seus descendentes impem-se na pirmide evoluti-va. Um grupo numeroso de seres vivos especializou-se em captar a energia luminosa e convert-la em energia qumica para sintetizar algumas molculas energticas: so os aut-trofos. As matrias-primas bases para essa

    Acontece que os compostos alimenta-res so sintetizados em tamanha quantidade que esses seres se viram obrigados a armaze-nar parte de dele e excretar o excesso junto com oxignio (sem dvida, um lixo de luxo deste processo metablico). Entretanto, o apa-recimento de oxignio livre na atmosfera de-morou cerca de um bilho de anos desde o aparecimento dos primeiros organismos fotos-sintticos, as cianobactrias, como pode ob-servar nos registros geolgicos. Somente aps esse longo perodo outro grupo de seres vivos, especializou-se em obter a energia necessria para suas reaes orgni-sntese de alimentos eram compostos abundan-tes na atmosfera primitiva, como o gs carb-nico (CO2), amnia (NH3), gua (H2O). Com a ajuda de energia proveniente das radiaes luminosas do sol, por fotossntese, comeou-se a acumular um composto at ento escasso na atmosfera: o oxignio (O2) que era expelido pelos organismos fotossintticos como dejeto metablico.

    cas alimentando-se dos nutrientes produzidos pelos organismos auttrofos e o O2 da atmos-fera: so os hetertrofos. As formas primitivas eram, entretanto, unicelulares, sendo necess-rio mais um bilho de anos para a organizao em seres multicelulares mais complexos (Figu-ra 2-1).

    Figura 2-1 - A idade da terra estimada em cerca de 4,5 bilhes de anos, sendo proposto que por volta do primeiro bi-lho tenha surgido as primeiras clulas fotossintticas auttrofas. No entanto, o O2 atmosfrico necessrio para o surgi-mento dos auttrofos s torna-se disponvel cerca de 2 bilhes de anos depois, devido absoro do oxignio produzido pelo ferro da superfcie da terra, fato comprovado pela existncia de enormes depsitos de xido de ferro nos sedimen-tos mais antigos do planeta. Os seres muticelulares demoraram cerca de 3 bilhes para surgirem, o que mostra a dificul-dade da organizao celular parcialmente possibilitada pelo metabolismo aerbio. (Adaptado de Biologia Molecular da Clula - Albert B. et al., p.16, 1997.)

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 2 - Alimentos 14

    Desta forma, comea-se a desenhar a complexa rede de relacionamento ecolgico entre produtores e consumidores, havendo total harmonia entre eles, uma vez que os compostos nitrogenados produtos da degrada-o dos hetertrofos eliminados para o meio (amnia, uria, nitritos, nitratos) juntamente com o CO2 produto das oxidaes biolgicas, passam a ser a principal fonte de matria-prima para a fotossntese. Uma srie de organismos especializou-se em reciclar os dejetos metablicos desses organismos (p.ex.: fezes e urina), assim como os seus corpos aps a sua morte: os decompo-sitores)

    Forma-se, ento, um elo importante entre os seres vivos, construindo a complexa teia alimentar que faz com que a Terra funcio-ne como um gigantesco ser vivo e prossiga, lentamente, seus passos evolutivos. O relacionamento entre consumidores e produtores est ligado disponibilizao de carbono o oxignio para os processos metab-licos, enquanto que os decompositores forne-cem, principalmente, o nitrognio reciclado dos tecidos mortos e dejetos, apesar de o ciclo dos nitrognio, carbono e oxignio ser comum para todos os seres vivos, de certa forma (Fi-gura 2-2).

    Figura 2-2: O ciclo do carbono entre produtores (vegetal), consumidores (animal) e decompositores (fungos e bactrias).Consumidores e produtores trocam entre si, principalmente, carbono e oxignio enquanto que os decompositores reciclam onitrognio.

    Ricardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 2 - Alimentos 15

    O ser humano, objeto de nosso estudo, posiciona-se no topo desta teia alimentar, che-gando a mudar o ecossistema em prol de sua sobrevivncia, na procura da matria-prima para suas reaes metablicas. A despeito da discusso ecolgica, o conhecimento da estru-tura e funcionamento do corpo humano ne-cessrio para poder adaptar-se melhor s ad-versidades impostas pela evoluo e, como tem feito, impor sua soberania entre as esp-cies, sob o preo, infelizmente, da devastao do ambiente e a extino de vrias espcies. Desta forma, o ato de obter substratos para as reaes orgnicas bsicas que ocorrem no interior das clulas do organismo, em suma, constitui o ato da alimentao. Basicamente, os nutrientes de origem alimentar so forneci-dos pelos carboidratos (acares), lipdios (gorduras) e protenas e possuem funo pri-mordial a produo de energia celular. Entre-tanto, essa concepo, puramente energtica, pode cometer alguns equvocos uma vez que muitas outras molculas so requeridas para o funcionamento celular ou mesmo para propor-cionar a absoro adequada dos nutrientes e no esto envolvidas diretamente no processo de produo de energia. Assim sendo gua, eletrlitos e vita-minas, que no possuem uma funo energti-ca direta, so alimentos indispensveis para o ser humano; precisam estar presentes na dieta para suprir as necessidades dirias do orga-nismo nas reaes orgnicas uma vez que no so sintetizados pelo organismo (a gua pro-duzida nas reaes orgnicas supre apenas cerca de 5% das necessidades dirias do ser humano). De maneira semelhante, as fibras vege-tais, que no possuem digesto intestinal no sendo absorvidas, so indispensveis na ali-mentao por manter a forma do bolo fecal, facilitando a absoro dos demais alimentos. Somente algumas bactrias e protozorios, presentes no sistema digestivo de ruminantes e cupins, conseguem digerir as fibras vegetais (feitas, principalmente, de celulose) sendo, nestes animais, a principal fonte energtica. O conceito clssico de alimento varia de acordo com o ponto de vista, como, por exemplo: A matria prima para a fabricao dos materiais de renovao do organismo

    (Vioult & Juliet); Substncias, em geral natu-rais e complexas, que associadas s de outros alimentos em propores convenientes, so capazes de assegurar o ciclo regular da vida de um indivduo e persistncia da espcie a qual ele pertence (Randon & Simonnet); As matrias, qualquer que seja a natureza, que servem habitualmente ou podem servir nu-trio (Littr); Substncias necessrias manuteno dos fenmenos do organismo sa-dio e reparao de partes que se faz cons-tantemente (Claude Bernard); Substncia que, incorporada ou no ao organismo, nele exerce funo de nutrio (Escudero). Entretanto, o termo alimento possui significado bastante complexo que ultrapassa os limites da bioqumica devendo ser estudado com um carter multidisciplinar, uma vez que envolve a qumica, biologia, agronomia, vete-rinria, nutrio, alm das cincias da sade. Desta forma, a abordagem a ser realizada neste captulo, diz respeito ao estudo da composio qumica dos alimentos e da forma como a-presentado para o metabolismo humano. Den-tro deste ponto de vista, a digesto dos ali-mentos ser abordada neste captulo por se tratar de uma fase fisiolgica adaptada s pro-priedades dos alimentos. Nos captulos corres-pondentes aos estudos de cada biomolcula, sero abordadas peculiaridades de cada pro-cesso digestivo de interesse para o metabolis-mo da biomolcula em questo.

    Classificao dos alimentos Do ponto de vista biolgico, os alimen-tos se agrupam em trs classes: a) Energticos: so os que fornecem substra-

    tos para a manuteno da temperatura cor-prea, liberando energia trmica necessria para as reaes bioqumicas. So os carboi-dratos, lipdios e protenas. Os carboidratos so os alimentos energticos por excelncia, pois so diretamente produzidos na fotos-sntese dos auttrofos e degradados em to-dos os organismos vivos, sem exceo, a partir de enzimas especficas. Os lipdios e as protenas, apesar de possurem poder e-nergtico superior ou igual aos carboidratos (Tabela 2-1), tm funes outras no orga-nismo, possuindo digesto e absoro len-

    Ricardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 2 - Alimentos 16

    tas, sendo utilizados secundariamente como produtores de energia.

    Tabela 2-1: Calor de combusto e energia disponveis nas fontes de alimentos mais importantes.

    Calor de Combus-to in vitro

    (bomba calorim-trica) em kcal/g

    Oxidao humana (in

    vivo) em kcal/g

    Protenas 5,4 4,1 (*) Lipdios 9,3 9,3 Carboidratos 4,1 4,1 Etanol 7,1 7,1

    (*) Oxidao das protenas corrigidas pela perda dos aminocidos excretados na urina. Fonte: Harper, 1994, p. 608.

    A capacidade energtica dos alimentos d-se devido ao alto calor de combusto das li-gaes C-C (cerca de 54 kcal). No captulo 3 sobre Bioenergtica, sero abordados te-mas relativos ao poder calrico das biomo-lculas.

    b) Plsticos ou estruturais: atuam no cresci-mento, desenvolvimento e reparao de te-cidos lesados, mantendo a forma ou prote-gendo o corpo. Novamente, protenas, lip-dios e carboidratos so os principais repre-sentantes, estando presentes na membrana celular e regio intersticial. Em vegetais, o carboidrato celulose (um polmero de glico-se) representa o principal composto da pa-rede celular que garante a forma da clula vegetal, mesmo em perodos de excesso ou escassez de gua. O depsito cumulativo de celulose em algumas rvores apresenta re-sistncia comparada aos metais resistentes como o ferro. A quitina um polmero muitssimo parecido com a celulose (a ex-ceo de um grupamento -OH substitudo por um NH2 no C2) e que confere extrema resistncia ao exoesqueleto dos artrpodes. A gua e os sais minerais representam os componentes da alimentao que no so exclusivos de organismos vivos, mais pos-suem funes estruturais importantssimas.

    c) Reguladores: aceleram os processos org-

    nicos, sendo indispensveis ao ser humano. So as vitaminas, gua, sais minerais e fi-bras vegetais. Favorecem a dinmica celular como catalisadores (vitaminas) ou propor-

    cionando a concentrao exata dos substra-tos (gua), bem como agentes estabilizado-res de vrias enzimas ou mesmo regulando a quantidade de gua intracelular ou a exci-tabilidade da membrana (minerais). Apesar de no serem digeridas ou absorvidas, as fi-bras vegetais desempenham funo impor-tante no processo digestivo, como ser visto ainda neste captulo.

    Necessidade de alimentos

    O organismo requer nutrientes suficien-tes para proporcionar energia livre correspon-dente s necessidades dirias. A manuteno do peso corporal constante o melhor indica-dor de que existe energia suficiente na dieta e cada grupo alimentar fornece energia prpria sua composio qumica, com as necessidades individuais de energia dependendo de vrios fatores prprios do alimento e outros fatores inerentes de quem se alimenta. A ingesto dos nutrientes deve ser feita de forma balanceada de modo a permitir a ab-soro sem carncias ou excessos, pois caso isso no seja observado, sobrevm a desnutri-o e a obesidade, respectivamente, que so distrbios patolgicos oriundos da alimentao inadequada seja qualitativa ou quantitativa-mente. A desnutrio constitui-se um grave distrbio alimentcio inerente a ingesto de quantidades insuficientes para manter o meta-bolismo basal. As substncias de reserva so rapidamente esgotadas e os subprodutos meta-blicos acarretam vrios distrbios que podem deixar seqelas graves, apesar de, na maioria dos casos, o restabelecimento da dieta normal, promove a volta s condies de normalidade metablica do indivduo. So comuns doenas nutricionais em crianas (principalmente por um fator social, tpico de pases do terceiro mundo) e em adul-tos em processo de emagrecimento espontneo realizado por meio de dietas que levam em considerao simplesmente a privao da ali-mentao calrica. Na ocorrncia de desnutrio calrica associada a carncia de protenas, estabele-cem-se as sndromes de m-nutrio conheci-das como kwashiakor e marasmo.

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  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 2 - Alimentos 17

    O kwashiakor caracterizado por e-dema (devido a baixa quantidade de protenas no sangue o que leva reteno de gua nos tecidos), leses na pele, despigmentao do cabelo, anorexia, hepatomegalia. conse-qncia ingesto inadequada de protenas, mesmo com quantidade suficiente de calorias. O marasmo caracteriza-se pela ausncia de edema, para no crescimento e perda muscular extrema e resultante de uma deficincia cal-rica prolongada com uma alimentao protica adequada. Freqentemente, uma sndrome desnutricional resultante da combinao dessas duas doenas leva o indivduo morte. A obesidade, por outro lado, corres-ponde a uma doena dos maus hbitos alimen-tares, onde o excesso de lipdios e carboidratos (que se convertem em lipdios no fgado, como veremos em captulos posteriores) leva a um acmulo de lipdios nos adipcitos acima dos nveis normais de massa corprea para o indi-vduo. Este acmulo promove a duplicao do nmero de adipcitos favorecendo o aumento da massa corprea alm nos limites normais para o indivduo. Isso se d devido ao tipo de tecido adiposo existente nas primeiras fases da vida, o tecido adiposo multilocular ou verme-lho, que desaparece rapidamente podendo permanecer, entretanto, at a adolescncia. J no incio da maturao sexual, entre-tanto, h somente o tecido adiposo do tipo unilocular ou amarelo, que no mais se dupli-ca, mas aumenta de tamanho at 100 vezes levando a um aumento no volume do tecido adiposo sem, no entanto, o aumento no nme-ro de clulas. Um fato interessante observado quando um pr-adolescente obeso submetido a dieta hipocalrica e perde uma quantidade significativa de massa corporal em um curto perodo. Nestes casos, observado o esvazia-mento progressivo das reservas de lipdios dos adipcitos, sendo este estmulo desencadeante do processo de diviso celular o que faz com que haja um nmero maior de adipcitos aps o trmino da dieta, apesar de conterem menos lipdios do que anteriormente. Entretanto, esse nmero duplicado de adipcitos permite uma maior absoro de lipdios quando o indivduo retorna s condies alimentcias normais an-terior dieta, fazendo com que aumente a

    massa corporal mais rapidamente do que o tempo que levou para perd-la, e em quantida-de, freqentemente, superior quela observada antes da dieta. Em adultos, o aumento da massa gor-durosa se d pelo aumento do volume dos adi-pcitos, o que torna o esvaziamento brusco, no caso das dietas exageradas, um fator de flaci-dez para o tecido adiposo que fica propcio a ser reposto em seu volume quando termina a dieta. Desta forma, para o controle da obesi-dade (exceto para as formas geneticamente determinadas) o controle da massa corporal s possvel por um programa de reeducao alimentar aliado a incorporao de hbitos de atividades fsicas para queimar o excesso de alimentos calricos ingeridos diariamente. Na figura 3-1 est apresentada a frmu-la de clculo do ndice de massa corporal (IMC) e as faixas de limite inferior e superior do peso ideal para um indivduo, levando em considerao sua altura e peso.

    IMC = 2(m)] [altura(kg) peso

    18,5 = subpeso 18,5 24,9 = normal 25 29,9 = sobrepeso >30,0 39,9 = obeso

    40 = obeso grave (obesidade mrbida)

    Limite inferior de peso: 20 x [altura (m)]2 Limite superior de peso: 25 x [altura (m)]2

    Figura 2-3 - Frmula de clculo de ndice de massa corprea (IMC) e limites de peso a partir do peso e altura de um indivduo. (Fonte: software Biobrs para consultas mdicas - http://www.biobras.com.br) Alguns tipos de cncer esto intima-mente relacionados com o tipo de dieta, como o cncer de esfago, estmago, intestino gros-so, mama, pulmo e prstata. Aparecem, ge-ralmente, entre os 70 e 80 anos sendo que 15% tm sobrevida de 5 anos.

    Outros fatores ambientais e genticos influenciam na gnese desses tipos de cncer, porm observado que em pases onde a inci-dncia de um tipo de cncer baixa observa-se que os imigrantes para pases onde a incidn-cia do cncer alta, passam a ter um aumento na incidncia da doena, o que sugere a rela-

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  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 2 - Alimentos 18

    o do surgimento da doena com fatores cul-turais do pas, como o caso dos tipos de ali-mentao. A crie dentria um exemplo tpico de doena causada pelo acmulo de alimentos na cavidade bucal, nos espaos interdentrios, que possibilita s bactrias e fungos da flora oral e quelas presente na alimentao, prolife-rem e produzir produtos abrasivos (p.ex.: cido lctico, etanol, aminas) que destroem progres-sivamente a dentina dando origem crie. As protenas so utilizadas pelas bactrias para produzir uma matriz viscosa que se fixa aos dentes (placa bacteriana) que permite a prolife-rao de microorganismos para a produo dos produtos abrasivos. Muitas outras doenas esto relaciona-das a distrbios alimentares, dentre elas desta-cam-se: lceras: relacionada com fatores alimenta-

    res, genticos e psicolgicos. Obstruo pilrica: por contrao de uma

    lcera, processo tumoral ou anomalia con-gnita e caracterizada por vmitos, dis-tenso abdominal e acidose metablica por perda de cido clordrico;

    Sndrome de Zollinger-Ellison: lcera pptica causada por um tumor pancretico;

    Anorexia: distrbio nervoso que induz a fobia de ganhar peso.

    Bulimia: relacionada com compulso para comer forando o paciente a estimular o vmito para poder comer mais.

    Anemia perniciosa: acloridria e atrofia gstrica promovem a incapacidade de se-cretar o fator intrnseco de absoro da vi-tamina B12, fato comum em indivduos anorexgenos.

    Sndromes de m-absoro: devido a le-ses na mucosa gastrointestinal que pode ser causada por microorganismos presentes nos alimentos;

    Esteatorria: falha na digesto ou absor-o dos lipdios;

    Diarria: produo excessiva de matria fecal por excesso de gua nas fezes.

    Balanceamento de alimentos

    Para manter o equilbrio do peso corp-reo, uma dieta balanceada deve conter alimen-tos de origem animal e vegetal composta dos vrios tipos de biomolculas, disposto de for-ma balanceada para suprir as necessidades energticas do indivduo.

    Os carboidratos e lipdios so primari-amente calricos, devendo ser distribudo com parcimnia na alimentao. As protenas pos-suem alto valor biolgico quando possuem grande variedade de aminocidos. As vitami-nas e minerais so requisitadas em pequenas quantidades dirias. A gua tem um volume dirio de acordo com a perda por evaporao, urina e fezes. Os alimentos disponveis para o ser humano so agrupados, de forma didtica, em cinco grupos: Grupo I - Leite e derivados: ricos em

    protenas de alto valor biolgico, grande quantidade de clcio, vitaminas A, D, E e do complexo B.

    Grupo II - Carnes, ovos, peixes e maris-cos - ricos em protenas de alto valor bio-lgico, ferro, vitamina A e do complexo B.

    Grupo III- Gorduras e leos. Grupo IV - Cereais e derivados, legumes

    secos e produtos aucarados : ricos em carboidratos de carbono, protenas de ori-gem vegetal (baixo valor biolgico), ferro, vitamina B1 e fibras.

    Grupo V - Hortalias e frutos: ricos em vitaminas, minerais e fibras, com quanti-dades variveis de carboidratos.

    Para distribuir os vrios grupos de ali-

    mentos dentre as refeies dirias, pode-se estabelecer pores correspondentes a uma xcara de ch (cerca de 200 ml). Grupo I: 2 a 3 pores Grupo II: 1 a 2 pores Grupo III: 2 a 3 pores Grupo IV: 5 a 7 pores Grupo V: 5 a 7 pores

    A orientao nutricional, entretanto, depende de avaliao clnica de doenas que podem ter complicaes com a alimentao de certos grupos de alimentos (p.ex.: hipercoles-terolemia, diabetes mellitus).

    Ricardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 2 - Alimentos 19

    Necessidades calricas A energia gasta por um indivduo de-pende, principalmente dos seguintes fatores: a) Taxa basal metablica: a quantidade de

    energia necessria para a manuteno das funes fisiolgicas bsicas sob condies padronizadas. Para se estabelecer os valores basais, o indivduo deve estar em repouso, acordado, num ambiente de temperatura a-dequada e as medidas devem ser feitas pelo menos 12 horas aps a ltima refeio. Esta taxa proporcional ao peso corpreo e -rea corporal (quanto maior a rea corporal, maior a perda de calor); nos homens e nos jovens maior que nas mulheres e idosos em virtude de suas atividades metablicas serem diferentes (h uma diminuio mdia de 2% na taxa basal metablica por cada 10 anos de vida, com o tecido muscular substi-tudo por gordura e gua). Outras atividades metablicas indicam gasto de energia au-mentado, como o caso de atividade mental e doenas (principalmente com febre).

    b) Efeito termognico: os alimentos possuem

    uma taxa de, aproximadamente, 5 a 10% de energia total fornecida que gasta para ser digerida, o que vai variar de alimento para alimento, dependendo de sua digestibilida-de. Desta forma, uma determinada quanti-dade de um alimento pode ter um rendi-mento energtico final menor do que a mesma quantidade de um outro alimento que possua uma digestibilidade melhor. Ou-tro fator que influencia neste poder termo-gnico o metabolismo da biomolcula, o que faz com que uma alimentao superca-lrica seja convertida em massa gordurosa que se deposita nos adipcitos e no , ver-dadeiramente, convertida em energia, a me-nos que o indivduo realize exerccios fsi-cos alm de sua quantidade normal.

    c) Atividade fsica: a maior varivel, quanto

    maior a atividade fsica, maior ser a ener-gia gasta pelo indivduo.

    d) Temperatura ambiente: quanto a tempera-

    tura est abaixo da temperatura corporal,

    aumenta-se o gasto energtico para que o organismo mantenha-se em temperatura es-tvel (35 - 37oC) o mesmo acontecendo quando a temperatura ambiente est acima da temperatura corporal, sendo que o ser humano resiste bem mais a variaes de temperatura para menos do que para mais, uma vez que o calor passa a ser quase insu-portvel a partir de 35oC em virtude de as trocas calricas com o meio ambiente se tornarem mais difceis. Entretanto, h regis-tro de seres humanos que resistem a inver-nos com temperaturas de at 50oC, o que compreensvel pela existncia de molculas energticas disponveis para mant-lo aque-cido, alm de aparatos de proteo, claro.

    As atividades metablicas dirias vari-am de acordo com a atividade fsica exercida pelo indivduo e seu IMC, tendo, portanto, cada indivduo uma necessidade calrica dife-rente. Na Tabela 2-2 podem ser observados valores gerais propostos pela Sociedade Euro-pia de Cardiologia de acordo com o tipo de atividade fsica diria. Tabela 2-2: Necessidades calricas dirias, de acordo com o tipo de atividade fsica. ATIVIDADE FSICA

    NECESSIDADES CALRICAS DIRIAS

    Sedentria/Repouso 30 kcal /Kg de peso desejvel (*) Ligeira/moderada 35 kcal /Kg de peso desejvel Intensa 45-55 kcal /Kg de peso desejvel

    (*) Peso desejvel de acordo com o ndice de massa corprea (IMC). Fonte: Sociedade Europia de Cardiologia. As necessidades de atletas ou de pesso-as que praticam atividade fsica intensa variam grandemente de acordo com o tipo de ativida-de fsica (Tabela 2-3). Caso no se observe o nvel de energia gasta, o indivduo corre o ris-co de perder peso ou ter hipotrofia muscular. Tais atividades fsicas, contudo, so ampla-mente utilizadas em programa de perda de peso associados dieta correspondente ao peso ideal do indivduo. Deve-se ter o cuidado de observar o progresso da perda de peso e dosar os exerccios e dieta quando atingido o peso ideal.

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  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 2 - Alimentos 20 Tabela 2-3: Consumo aproximado de energia (em kilo-calorias) em cerca de uma hora de atividade esportiva.

    Atividade Esportiva Energia Gasta (kcal/hora)

    Bicicleta ergomtrica 250 Passeio de bicicleta 290 Caminhada 300 Tnis de mesa 300 Ginstica aerbica 350 Ciclismo 490 Tnis 500 Voleibol 500 Halterofilismo 500 Handebol 520 Bal 550 Basquetebol 600 Remo 600 Futebol 650 Natao 650 Jud 800 Boxe 800 Corrida de 12 km 900

    Fonte: Sociedade Europia de Cardiologia. Na Tabela 2-4, pode-se observar que as necessidades energticas variam dentre os se-xos. Assim como as mulheres grvidas, as crianas lactentes possuem uma necessidade calrica maiores que os adultos levando-se em considerao as relaes de IMC, bem como as necessidades dirias de protenas variam de cerca de 0,8g/kg de peso corporal/dia em adul-tos e 2,0g em crianas. Tabela 2-4: Necessidades calricas dirias recomenda-das para homens e mulheres.

    Categoria Idade (anos)

    Peso (Kg)

    Energia neces-sria (kcal)

    Homens 23 - 50 70 2.300 - 3.100 Mulheres 23 - 50 55 1.600 - 2.400 Grvidas - - + 300 Lactentes - - + 500

    Fonte: Harper, 1994, p.608 Observe que a quantidade de energia de um homem adulto de peso e alturas mdias, pode atingir cerca de 3.100 kcal, o que corres-ponde a um aporte energtico enorme. Para efeito de comparao, a queima de um grama de gasolina produz 11,5 kcal, o que significa que teramos que gastar cerca de 269g (cerca de 300 ml) de gasolina diariamente para gerar este calor, o que mostra a "economia" de nossa alimentao diria e quo caro manter um automvel para substituir nossas atividades

    fsicas de deslocamento. Para maiores conside-raes acerca do poder energtico dos alimen-tos, veja o captulo 9 sobre Bionergtica.

    Necessidades de fibras Um dado importante na alimentao a presena de fibras vegetais mesmo que, classi-camente, no sejam consideradas alimento, j que no so absorvidas no trato gastrintestinal no possuindo, portanto, funo na bioqumica intracelular. Entende-se por fibras todos os constituintes das paredes celulares dos vege-tais que no podem ser digeridos pelas enzi-mas animais (p.ex.: celulose, hemicelulose, lignina, gomas, pectinas e pentosanos). Nos herbvoros, tais como os ruminantes, as fibras (significativamente a celulose) so as princi-pais fontes de energia, aps serem digeridas por microrganismos (bactrias e protozorios) existentes no trato digestivo desses animais. No homem, dietas com alto contedo de fibras exercem efeitos benficos por auxili-ar na reteno de gua durante a passagem do alimento atravs do intestino e ainda produ-zindo maiores quantidades de fezes macias, facilitando o trnsito intestinal e o processo digestivo como um todo. Uma alta quantidade de fibras na dieta est associada com incidn-cias reduzidas de diverticuloses, cncer de clon, doenas cardiovasculares e diabetes mellitus. As fibras mais insolveis, tais como a celulose e a lignina, encontradas no gro de trigo, so benficas com respeito funo do clon, enquanto as fibras mais solveis encon-tradas nos legumes e frutas (p.ex.: gomas e pectinas) diminuem o colesterol plasmtico, possivelmente pela ligao com o colesterol e sais biliares da dieta. As fibras solveis tam-bm esvaziam o estmago lentamente e deste modo atenuam o aumento da glicose e, conse-quentemente, a secreo de insulina, sendo este esse efeito benfico aos diabticos e s pessoas que esto de regime alimentar porque diminui o efeito da queda brusca no nvel de glicose sangnea, que estimula o apetite. as principais fontes de fibras so os cereais (prin-cipalmente o trigo, a aveia e o arroz integral), amndoa, coco, castanha-do-par, feijo, espi-

    Ricardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 2 - Alimentos 21

    nafre, amora, uva, banana, bagao de laranja etc. Um excesso de fibras, entretanto, deve ser evitado pois se ligam com micronutrientes (Zn++ e vitaminas lipossolveis, por exemplo) evitando sua absoro. Desta forma, a ingesta diria est restrita a cerca de 25 30g, modifi-cando-se para mais, de acordo com a sua utili-zao como terapia, devendo-se, sempre, ser observado a reposio vitamnica necessria para evitar doenas carenciais.

    Alimentos industrializados Uma caracterstica da alimentao hu-

    mana que h imensa manipulao antes do consumo, com o uso de agrotxicos, conser-vantes qumicos, extrao de gorduras, adio de nutrientes etc.

    O processo de industrializao visa, ba-sicamente, conservar as propriedades nutricio-nais e organolpticas dos alimentos por um perodo bastante prolongado, o que, freqen-temente, promove a perda de vrios nutrientes. As vitaminas, por exemplo, so quase que to-talmente destrudas pelo calor, outras so foto-lbeis e muitas no resistem ao congelamento, o que faz com que seja necessrio adicion-las aps durante a industrializao dos alimentos.

    Os aditivos alimentares so, portanto, substncias naturais ou sintticas, adicionadas aos alimentos com o fim de os conservar, pro-cessar, intensificar o sabor ou melhorar o as-pecto, largamente utilizado pela indstria ali-mentar e uma constante na dieta humana. Os principais so os conservantes, antioxidantes, corantes, intensificadores de sabor, edulcoran-tes, reguladores de acidez, emulsionantes, es-tabilizadores e espessantes. Na Tabela 2-5 encontram-se relacionados as classes de aditi-vos e seus respectivos conceitos e na Tabela 2-6 os principais aditivos alimentares.

    Durante o processo tecnolgico, so u-tilizados compostos qumicos que devem ser totalmente eliminados do produto final, ou permanecer como traos. So denominados de coadjuvantes de tecnologia de fabricao e correspondem a clarificantes, coagulantes, antimicrobianos, floculantes, inibidores enzi-mticos, catalisadores, detergentes, resinas etc.

    Tabela 2-5: Relao dos aditivos alimentares e seus respectivos conceitos. Funo Aditivo Conceito

    Agentes de firmeza

    mantm firmes ou cro-cantes frutas e hortalias ou fortalecem gis.

    Agentes de corpo

    aumentam do volume sem modificar o valor energtico.

    Antiespuman-tes

    evitam a formao de espuma.

    Antiumectan-tes

    diminuem as proprieda-des de absoro de gua.

    Emulsifican-tes

    permitem a mistura de fases insolveis entre si.

    Espessantes aumentam a viscosidade. Espumantes favorecem a formao ou

    manuteno de fase ga-sosa.

    Estabilizantes mantm estveis emul-ses.

    Gelificantes conferem a textura de gel.

    Seqestrantes formam complexos qu-micos com ons metli-cos, inativando-os.

    Fermentos qumicos

    aumentam o volume com a liberam gs.

    Glaceantes do aparncia brilhante.

    Tecnologia de fabricao

    Melhoradores de farinha

    melhoram o processo tcnico de produo de farinhas.

    Antioxidantes retardam a oxidao dos alimentos.

    Conservado-res

    retardam a ao de mi-croorganismos

    Umectantes protegem contra a desi-dratao.

    Conservante

    Reguladores de acidez

    controlam a variao de pH.

    Acidulantes aumentam a acidez e/ou conferem sabor cido.

    Edulcorantes conferem sabor adocica-do.

    Estabilizantes de cor

    mantm a colorao.

    Corantes conferem, intensificam ou restauram a colorao natural.

    Aromatizan-tes

    conferem ou reforam aromas e/ou sabor.

    Modificao das caracte-rsticas sen-soriais

    Realadores de aroma

    ressaltam o sabor e/ou aroma.

    Fonte: Resolues do MERCOSUL. Em todos os pases, existe uma legisla-

    o extremamente exigente que limita a quan-tidade de aditivos no alimento industrializado

    Ricardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 2 - Alimentos 22

    devido existncia de efeitos txicos severos devido ao consumo exagerado.

    Os edulcorantes sacarina (400x mais doce que a sacarose) e o ciclamato (30x mais doce que a sacarose) chegaram a ser proibidos em 1970 nos EUA devido a estudos que indi-cavam propriedades carcinognicas, sendo readmitidos na dcada seguinte em nveis se-guros de ingesto diria aceitvel (IDA). O aspartame (180x mais doce que a sacarose), apesar de no apresentar efeitos txicos ou mutagnicos, seus metablitos (cido asprti-co, fenilalanina e metanol) podem apresentar efeitos colaterais quando consumido em ex-cesso. A fenilalanina produzida contra-indica o uso desse adoante em pacientes com o erro inato do metabolismo conhecido como fenilce-tonria, uma vez que no podem metabolizar esse aminocido tendo complicaes neurol-gicas severas. Em indivduos normais, entre-tanto, a observao da IDA DE 40mg/kg no possui quaisquer efeitos colaterais.

    Os antioxidantes, em particular, pos-suem uma funo intracelular importante de-vido a muitos compostos que possuem poder oxidante podem promover alteraes irrevers-veis em biomolculas (p.ex.: cidos graxos, DNA, enzimas) de funo essencial vida o que possibilita o aparecimento de doenas co-mo o cncer, aterosclerose etc. Para tal, as clulas tm a capacidade de produzir compos-tos antioxidantes que neutralizam a ao dano-sa desses produtos txicos

    Freqentemente, entretanto, h a neces-sidade obt-los de fontes alimentcias para garantir um estado de saturao plasmtica que impea ou retarde o desenvolvimento de certas doenas (no confundir este alimentos, com os antioxidantes utilizados como conservantes de alimentos).

    As principais biomolculas presentes nos alimentos com esta propriedade so: Vitamina C: frutas e legumes (citrinos,

    morangos, pimentos etc.). Beta-caroteno (precursor da Vitamina

    A): frutas e vegetais de cores fortes (ce-nouras, abbora, alperces, legumes de fo-lha verde etc.).

    Vitamina E: leos vegetais, oleaginosas, grmen de trigo, sementes.

    Selnio: peixe e mariscos.

    Bioflavonides: frutas, vinho tinto, ch, caf.

    Alguns antioxidantes sintticos como o

    BHA (OH-anisol-butilado), o BHT (OH-tolueno butilado), o TBHQ (OH-quinona buti-lada) e os derivados do cido glico apresen-tam efeitos txicos e mutagnicos quando em doses altas em estudos em in vivo, sendo re-comendado baixos valores para a IDA. Conservantes como o cido benzico e sulfitos possuem largo uso na industrializa-o de alimentos e somente em altas concen-traes podem induzir a reaes alrgicas ou destruio celular da mucosa intestinal. Da mesma forma, os aromatizantes naturais so preferveis aos sintticos. O benefcio trazido para a sociedade com o advento da industrializao dos alimen-tos inegvel, porm o cuidado com o uso indiscriminado de produtos txicos, mesmo em baixas quantidades, pode trazer problemas em longo prazo por efeito cumulativo, o que favorece a idia de manter-se na dieta diria uma grande quantidade de produtos frescos ou de confeco caseira. Tabela 2-6: Principais funes de aditivos em alimen-tos Funo Aditivos Alimentos Conservao cido propinico,

    benzoatos, BHA, BHT, nitrito de sdio, cido ctri-co.

    po, queijos, mar-garinas, leos, ge-lias, picles, carnes processadas.

    Tecnologia de fabricao

    alginatos, lecitina, pectina, metil-celulose, goma-guar, citrato de sdio, polissorba-tos, polifosfatos.

    misturas para bolo, balas, molhos para saladas, maionese, leite de coco, sorve-tes, queijos proces-sados.

    Modificao das caracte-rsticas senso-riais

    aspartame, sacari-na, baunilha, -caroteno, glutamato de sdio, eritrosina.

    sorvetes, iogurtes, balas, ps para gelatinas, refrige-rantes, sopas.

    Fonte: Toledo, MCF., 1999 In: Fundamentos de Toxi-cologia, pg.409.

    Ricardo Vieira

  • Fundamentos de Bioqumica - Captulo 2 - Alimentos 23

    Digesto e absoro A forma de introduzir o alimento no organismo por via oral, sendo admitido, em determinadas situaes patolgicas, a alimen-tao parenteral, por via endovenosa. Este padro reservado aos animais de organizao celular complexa onde a existncia de um tubo digestivo com entrada (boca) e sada (nus) bastante freqente tanto em invertebrados quanto nos vertebrados. Bactrias, fungos e protozorios obtm os alimentos do meio por difuso direta atravs de processo seletivo e-xercido pela membrana celular que possui pa-pel decisivo tambm na excreo dos produtos inservveis clula (p.ex.: CO2, NH3 etc.). No obstante, os seres unicelulares tambm possuem certa semelhana a este mo-delo, uma vez que vrios protozorios possu-em uma entrada diferenciada. Os processos de fagocitose e pinocitose e os vaclos digestivos so formas primitivas desses organismos uni-celulares realizarem a degradao de alimentos em molculas mais simples adequadas ao me-tabolismo intracelular. O fato de os organis-mos unicelulares liberarem seus catablitos diretamente para o meio extracelular leva a uma saturao do meio ambiente em que cres-cem modificando as propriedades qumicas do meio podendo torn-lo insuportvel para a manuteno da vida. o que acontece em um meio de cultura de bactrias in vivo onde a produo de cidos (principalmente o lctico) leva morte das bactrias, caso no haja a renovao do meio de cultura. Os organismos multicelulares no po-dem livrar-se de seus catablitos da mesma maneira, uma vez que a morte das clulas vi-zinhas compromete a vida o organismo como um todo. Desta forma, surge a organizao de um complexo sistema de digesto, transporte de nutrientes e excreo realizados em tubos celulares (veias, artrias, vasos linfticos, vias respiratrias, tubo digestivo) e rgos anexos especializados (estmago, fgado, rins, cora-o, pulmes) trabalhando integrados de ma-neira a preservar o equilbrio da composio do meio extracelular dos tecidos (lquido in-tersticial) e, por conseguinte, do meio intrace-lular, evitando a morte celular. Em certas con-dies patolgicas onde se perde este eficaz

    meio de comunicao celular, h problemas graves para a manuteno da vida, podendo levar leses irreversveis ou at a morte (p.ex.: a produo de corpos cetnicos em ex-cesso pelas clulas de pacientes diabticos; a excreo de hidrognios em demasia durante a fadiga muscular). O alimento contm os mais variados tipos de compostos macromoleculares que precisam ser processados at um tamanho ade-quado para a sua absoro e aproveitamento pelo organismo. A maioria dos alimentos sofre um processo enzimtico no trato digestivo, sendo que a sede de maior ao digestiva e absoro ocorre no intestino delgado. Aliado a essa ao enzimtica, a ao mecnica exerci-da pelos msculos lisos do estmago e intesti-no, promove a homogeneizao do bolo ali-mentar, facilitando a ao enzimtica. Em ca-ptulos posteriores, sero abordados os aspec-tos mais especficos deste processo, cabendo, agora, apenas uma abordagem introdutria do assunto.

    Na boca ocorre o incio do processo di-gestivo com a amilase salivar (ptialina ou (14) glicosidase) degradando o amido e o glicognio, quando presente (uma vez que desaparece rapidamente dos alimentos aps o abate dos animais). Este processo incompleto devido o pouco tempo que o alimento passa na boca e a amilase ser incapaz de quebrar as ligaes (16) existentes entre as molculas de glicose. No estmago, a ao do HCl inati-va a amilase salivar, havendo o trmino da digesto no intestino delgado, sob a ao das enzimas do suco pancretico, pela ao da amilase pancretica. Os demais carboidratos sero degradados por enzimas especficas (as dissacaridases e oligossacaridases) presentes no suco entrico liberado pelas clulas de Brunner e Liberkhn, no intestino delgado. Na verdade, devemos considerar a digesto na boca apenas como uma possibilidade e no como um fato pois seriam necessrios cerca de seis minutos para digerir um grama de amido na boca, o que tornaria a alimentao um pro-cesso extremamente lento. As protenas comeam a ser digeridas no estmago atravs de um processo qumico-corrosivo no estmago pela ao do HCl gs-trico e tambm enzimtico pela pepsina gstri-

    Rica