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FUNDAMENTOS E CONCEPÇÕES BÁSICAS DE DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS ELEMENTS AND BASIC CONCEPTS OF HUMAN RIGHTS AND FUNDAMENTAL RIGHTS Fabricio Agnelli Barbosa [email protected] Estudante do curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Adventista de São Paulo, UNASP, campus de Engenheiro Coelho/SP. Estagiário do Ministério Público do Estado de São Paulo, aprovado no 19º Concurso de Credenciamento, subordinado à Promotoria de Justiça de Conchal/SP. Afeto às áreas de Direito Penal, Filosofia do Direito, Direito Civil, Constitucional, Direitos Humanos e Gramática Histórica.

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FUNDAMENTOS E CONCEPÇÕES BÁSICAS DE DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

ELEMENTS AND BASIC CONCEPTS OF HUMAN RIGHTS AND FUNDAMENTAL RIGHTS

Fabricio Agnelli Barbosa

[email protected]

Estudante do curso de Graduação em Direito do Centro Universitário Adventista de São Paulo, UNASP, campus de Engenheiro Coelho/SP. Estagiário do Ministério Público do Estado de São Paulo, aprovado no 19º Concurso de Credenciamento, subordinado à Promotoria de Justiça de Conchal/SP. Afeto às áreas de Direito Penal, Filosofia do Direito, Direito Civil, Constitucional, Direitos Humanos e Gramática Histórica.

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RESUMO

Os direitos humanos possuem importância internacional e nacional. Quanto ao seu alicerce filosófico, sustenta-se que podem ser relativos, históricos, absolu-tos ou sociais, com certas variações. Porém, é necessário uma garantia de um padrão ético mínimo para esses direitos, que são influenciados pelo progresso científico e tecnológico, que produz novos direitos fundamentais que necessi-tam ser entendidos, com respaldo conceitual. A Constituição da República de 1988 consagra a proteção e o reconhecimento de direitos humanos e funda-mentais, e se influencia pelos tratados internacionais aderidos pelo Brasil. Den-tro dessas questões, elucidaremos explicações para o surgimento, fundamento, concepção e origem dos direitos humanos e fundamentais, a partir de diferentes pontos de vista doutrinário-jurídicos. Pela contraposição de tais ideias, espera--se obter um texto que ofereça os princípios básicos para o entendimento dessa temática de suma relevância, tanto para o Direito em si quanto para o cotidiano das pessoas, que, sem sua dignidade humana, não possuem condições mínimas de sobrevivência ou atuação em seu grupo. Entende-se que o registro deve ser básico porque os direitos humanos são, a princípio, inesgotáveis.

PALAVRAS-CHAVE

Direitos humanos. Constituição. Concepção. Fundamentos. Justificativas.

ABSTRACT

Human rights have national and international importance. In his philosophical foundation, it states can be relative, historical, social or absolute, with varian-ces. However, it is necessary to ensure an ethical standard for these rights, which are influenced by scientific and technical progress, which produces new rights that need to be understood, to conceptual support. The Constitution of 1988 de-votes paramount importance to protection and recognition of human rights. It is influenced by international treaties of Brazil. Into these issues, we will elucidate explanations for the arising, foundation and conception of human rights, from different doctrinal positions. We will contrast such ideas, and it is expected get a text that provides the basis for understanding this issue of paramount impor-tance, as for the Law itself, as for the daily lives of people, who, without their human dignity, do not possess minimum conditions for survival and performan-ce in their groups. It is understood this record should be basic because human rights are, in principle, inexhaustible.

KEYWORDS

Human rights. Constitution. Conception. Basis. Justificatives.

SUMÁRIO

Introdução. 1. Fundamentos dos direitos do homem. 2. Concepções universalis-tas e relativistas de direitos. 3. Explanação acerca da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e os direitos humanos internacionais. 4. A redemo-cratização do Brasil e seu reflexo na concepção de direitos humanos da Cons-

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tituição. 5. Direitos humanos e sua influência nos tratados internacionais. 6. A relevância dos direitos humanos dentro do prisma constitucional nas relações internacionais do Brasil. 7. Destaque social dos direitos humanos e fundamen-tais: necessidade contemporânea. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O texto em exposição analisa, primeiramente, uma das mais clássicas con-cepções de direitos humanos, no que concerne à historicidade do homem e a sua determinação de direitos pela época em que vive, além do modo como isso influen-cia nas características dos, denominados por Bobbio, direitos do homem, a respeito de seus fundamentos ou bases.

Também se verá diferenças conceituais dos entendimentos universais ou re-lativos acerca da origem dos direitos humanos, de qual objeto eles provêm, se da cultura e moral da sociedade ou se de certos traços inseparáveis da pessoa humana – que, inclusive, podem ser discutíveis se existem realmente ou não. Notadamente, a dignidade da pessoa humana influencia tanto uma quanto outra forma de pensa-mento sobre concepção de direitos fundamentais, posto que, a partir do século XX, ganhou relevância internacional na constitucionalização pós-guerra.

Com essas bases, passa-se a uma direta explanação do posicionamento da Constituição da República de 1988 sobre a natureza e adjetivos que estão consa-grados no ordenamento jurídico brasileiro em relação aos tais direitos humanos, ou direitos e garantias individuais, que são de várias espécies, individuais, coletivos, políticos e difusos, por exemplo, entre outras. A redemocratização de nosso país, após a ditadura, é, destarte, prova da influência que a história exerce no surgimento e reconhecimento de direitos humanos.

Some-se a este conteúdo as previsões constitucionais em vigor na nossa le-gislação excelsa que versam sobre a orientação internacional que o Brasil deve obe-decer sobre os direitos humanos ou fundamentais da pessoa, ou seja, a prevalência desses direitos nas relações internacionais que envolvam a nossa pátria.

Com isso, considera-se a importância da concepção e fundamento, ou pre-ponderância, de uma definição de direitos humanos como estipulação da utilidade social e como resultado da soma dos direitos fundamentais de vários indivíduos que formam o seio social em que vivem, que deve ser protegido, em certos casos, permanecendo superior ao interesse do particular na questão de direitos humanos, se isso comprometer a ordem pública ou a saúde social. Dentro desta parte, também evidenciamos certos detalhes, como a estrutura da norma que propõe Robert Alexy, dividindo-a em princípios e regras, que tem eficácia no ordenamento jurídico.

A classificação do enfoque anterior relaciona-se à globalização tecnológica, científica e dos meios de comunicação que repercutem diretamente na sociedade humana e na sua sistemática de reconhecimento de direitos que, confrontados com

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novas realidades e demandas, necessitam se renovar e acompanhar o desenvolvi-mento, para que os conflitos dele emergentes sejam supridos e regulamentados, já que não podem ser deixados de lado e a Lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Vencidos estes conteúdos, alude-se algumas considerações finais, humilde-mente resultantes de uma leitura que pretendeu se expor, por este meio, tanto siste-mática quanto crítica. Devido a nossa formação iniciante, ainda, não se chegou à perfeição. Mas nada obsta que se consiga estabelecer preceitos básicos sólidos, com base em doutrinadores da mais elevada categoria e densidade, acerca das concep-ções e fundamentos de direitos humanos que a comunidade jurídica tem produzido, de modo geral.

A pesquisa, através da contraposição de visões e pontos de vista diferentes, iluminadores do profundo e essencial campo do Direito que são os Direitos Huma-nos, almeja mostrar uma conclusão tão prática quanto complexa é a extensão do significado dos direitos fundamentais, convergentes para a efetivação da dignidade da pessoa humana e infinitos, à medida que novas demandas e conflitos surgem com o desenvolvimento do ser humano, que é, ao nosso ver e a princípio, ilimitado, dado o potencial tecnológico que observamos no dia a dia.

As definições empregadas se limitam a essas questões, não sendo definições, de fato, mas conceitos, que não são completos. Buscou-se uma sistematização gené-rica a respeito das diversidades de explicações para o sentido dos direitos humanos, suas origens, concepções e fundamentos, ao invés de uma dissertação sobre apenas uma vertente jurídica, posto que, como profissional do Direito, deve-se ter a corren-te filosófica ou ideológica a qual se adere sem prejuízo do entendimento básico das ideias não correspondentes à preferência do estudioso.

1. FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DO HOMEM

Os direitos do homem, ou fundamentais, devem ser reconhecidos para que exista uma democracia, para que “súditos se transformem em cidadãos”. Com tal instrumento jurídico, pode subsistir uma democracia, que proclame sua constitui-ção. Por consequência, a paz e a solução pacífica dos conflitos só são possíveis dentro do reconhecimento dos direitos do homem, com sua proteção, dentro de condições democráticas, para que o cidadão seja protegido pelo seu Estado, bem como pelo mundo, gerando uma paz estável (BOBBIO, 1992, p. 1).

Há quem sustente que os direitos naturais são históricos e surgem com o início da “era moderna, juntamente com a concepção individualista da sociedade” e, por isso, registram o progresso histórico do homem, tese defendida por Bobbio em seu primeiro escrito sobre os direitos do homem, de 1951, em 4 de maio, Turim, posição mantida no decorrer de sua vida. O fundamento absoluto de tais direitos, históricos em sua visão, é abandonado, porque a eficácia e legitimidade deles pro-vêm da historicidade humana (BOBBIO, 1992, p. 2).

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Além disso, ao se nomear os direitos do homem, deve-se ter em vista a inver-são da relação de direitos, política, antes, entre súdito e soberano, agora, no Estado moderno e democrático, entre cidadão e Estado, conferindo-se maior importância ao cidadão em face do Estado, já que, para que se conheça uma sociedade, deve-se começar pela sua base e seus elementos constitutivos (é a concepção individualista de sociedade). Os cidadãos gozam, agora, de liberdades fundamentais que devem ser respeitadas pelo Estado (BOBBIO, 1992, p. 4).

Tais liberdades mencionadas garantem o direito de resistência à opressão, que o cidadão, outrora súdito, possui em relação ao Estado. Foram desencadeadas, principalmente, pelos conflitos advindos de liberdade religiosa. E o resultado de sua evolução é o reconhecimento de direitos para o que Bobbio chama de cidadão do mundo, que tem um direito cosmopolita (expressão influenciada pela filosofia de Kant), marcado pela “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, que iniciou um movimento irreversível (BOBBIO, 1992, p. 5).

Quando se afirma que os direitos fundamentais do homem são históricos o leitor precisa compreender que eles não são adquiridos de uma só vez, e não surgiram de uma só vez, mas são concebidos gradualmente pelo indivíduo, em face de suas lutas contra os poderes já estabelecidos em sua sociedade e da construção histórica desses movimentos, que pedem novas liberdades, demandadas das cir-cunstâncias da época vivida pelo homem (BOBBIO, 1992, p. 5).

Assim sendo, a liberdade religiosa é fruto da guerra religiosa, as liberdades civis, da “luta dos parlamentos contra os soberanos absolutos”, os direitos sociais, dos movimentos dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, saúde e ha-bitação, enfim, esse posicionamento abarca a teoria das tradicionais três dimensões de direitos. Uma peculiaridade é que Bobbio prevê uma quarta geração de direitos do homem, oriundos da pesquisa biológica do patrimônio genético do homem (con-sideração a favor de direitos históricos) (BOBBIO, 1992, p. 6).

Logo, na concepção histórica dos direitos humanos, quando surgiram os di-reitos de segunda geração, sequer podiam ser imaginados os de terceira geração, verbi gratia, porque os direitos do homem surgem conforme as exigências do pe-ríodo histórico-filosófico em que se vive, dadas pelas suas necessidades sociais. Conforme o grupo e o meio em que o homem vive se modificam, seus direitos tam-bém se modificam, conforme as demandas existam, o que não torna esses direitos naturais, fundamentais ou invioláveis, para a teoria do Direito de Bobbio (BOBBIO, 1992, p. 7).

No direito europeu é costume se dividir o direito em positivo e natural, e, dentro dos ensinamentos de Dworkin, em moral rights e legal rights, que possuem fundamentos e origem diversos entre si. Na visão de Bobbio, essa distinção não tem sentido, uma vez que direito é dever ser, norma, e não tem função dentro das leis morais e nem das leis naturais. Assim, os direitos do homem correspondem a uma obrigação, e obrigação moral não corresponde a um direito legal (BOBBIO, 1992, p. 7-8).

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O objetivo de encontrar um fundamento absoluto para os direitos do homem foi preponderantemente dos jusnaturalistas, porém a natureza do homem não ofe-rece precisão para definição de certos direitos, embora os direitos que zelam pela natureza humana sejam desejáveis e não estejam todos reconhecidos. O fundamen-to absoluto pretende ser inegável, e Kant o reduziu a um, a liberdade, como “direito irresistível” (BOBBIO, 1992, p. 16-17).

A definição dos direitos humanos é imprecisa, ou melhor, muito variada, por conduzir seu investigador a afirmações circulares ou a avaliações da finalidade de tais direitos que são tão gerais quanto a sua definição. Poder-se-ia dizer que são direitos que permitem o “aperfeiçoamento da pessoa humana”, verbi gratia, mas isso não os define, porque basear os direitos em valores últimos é justificá-los sem fundamentos, já que o valor último não possui fundamento anterior (BOBBIO, 1992, p. 18).

Os entendimentos morais, religiosos, sociais que o homem tem são relati-vizados pelo seu contexto histórico, que determina seus direitos. Direitos funda-mentais de certo momento podem não o ser em outro. Exemplos que se amoldam perfeitamente a esse relativismo, ou que se fundam nele, são os direitos de liberdade de expressão e liberdade religiosa. Como já se argumentou, a definição dos direitos do homem é variável e “heterogênea” e, nessa visão, deve-se buscar fundamentos diversos para direitos de natureza diversa (BOBBIO, 1992, p. 19-20).

Os direitos fundamentais podem ser denominados de relativos porque entre eles há concorrência e eficácia diferentes, ao passo que não existe, absolutamen-te, ou não se tem registrado ainda um direito fundamental que não possa sofrer restrição em seu âmbito de proteção. Além disso, quando há direitos opostos ou “antinômicos”, não é possível determinar um fundamento absoluto e “irresistível” para ambos, excluindo completamente um deles (e. g. os direitos sociais que eram barrados pelo fundamento jusnaturalista do direito à liberdade e à propriedade com fundamento absoluto) (BOBBIO, 1992, p. 21-22).

Bobbio argumenta que definições teóricas sobre o fundamento dos direitos do homem, mesmo que restem irrefutáveis, não asseguram o seu cumprimento, a proteção ou o exercício e garantia desses direitos. São objetos distintos. O principal é que se garanta a efetivação de tais direitos, ao invés de se circundar suas classifi-cações (essas que, para o racionalismo ético, encontrado um fundamento absoluto para os direitos, já estariam eles assegurados, fato que não corresponde à realidade) (BOBBIO, 1992, p. 23).

Atualmente, a “justificação” dos direitos humanos, postos em pauta na De-claração Universal dos Direitos do Homem como universais, é menos importante que sua proteção. Essa proteção não é de ordem filosófica, mas política. São deci-sões desse feitio que, mais eficazmente, poderão assegurar sua proteção.

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2. CONCEPÇÕES UNIVERSALISTAS E RELATIVISTAS DE DIREITOS

A ideia inicial para estipulação de direitos humanos é a igualdade da condi-ção humana entre nossos pares. Porém, há teorias relativistas e universalistas sobre o fundamento dos direitos humanos, este que os torna ou universais ou relativos, conforme a teoria adotada para sua compreensão (IKAWA, 2004, p. 117).

Jack Donelly propõe vários graus de universalismo e relativismo, estando ambos os radicais em cada ponta do ponto de vista. Exemplo: universalismo radical contra o liberalismo. O relativismo radical advém exclusivamente da moral presente em cada cultura, que é a validade e fundamento dos direitos morais. Já o universa-lismo radical não considera a cultura como formadora dessas regras, devido à razão universal (apud IKAWA, 2004, p. 117).

Logo, dentro dessa escala, há a proposta, da parte de Donelly, do relativismo forte, em que a cultura é principal, não exclusiva, fonte de direitos morais, do rela-tivismo fraco, em que a cultura não é a principal fonte desses direitos, entre outros. A classificação adotada influenciaria bastante, na visão desse autor, tanto a “quanti-dade de direitos adquirida” quanto a “qualidade desses direitos”, bem como a forma de se “implementar” seus reconhecimentos. A gradação, nessa visão, se dá para o relativismo (apud IKAWA, 2004, p. 117-118).

Porém, há quem proponha uma escala do universalismo, já que a afirmação fundamental do relativismo é de que tudo é relativo e, assim, não admite um padrão mínimo ético que deva ser obedecido, pois tal concordância implica em uma forma de universalismo. E este se alicerça na dignidade da pessoa humana como “valor intrínseco”. A gradação do universalismo se dá no radical (que admite a dignidade e exclui a cultura como fontes de direitos), forte (que até admite a cultura, com pre-ponderância da dignidade) e fraco (que dá bastante importância à cultura, sendo um universalismo histórico) (IKAWA, 2004, p. 118).

O universalismo quase sempre se baseia na intrínseca dignidade do ser hu-mano (que por ser inseparável acaba desconsiderando um pouco a diferença das produções culturais do homem), que pode ser vista por meio da igualdade da con-dição humana, da humanidade presente nas pessoas, se elas forem vistas (IKAWA, 2004, p. 118). Nessa perspectiva, pode-se dizer que existem direitos humanos po-sitivados e direitos humanos não positivados, conforme a posição filosófica que se adote para sua definição.

No utilitarismo clássico, o ser humano é um meio para a consecução do fim último: maximização da felicidade em certa sociedade, a partir dos valores de cada um de seus integrantes que possam possibilitar, com igual peso, a consecução da felicidade geral. Isso se contrapõe à dignidade, que é um valor humano intrínseco, que dá ao homem a característica de ser um fim em si mesmo, e não um meio para consecução de outros fins, conforme Kant, que se baseia na razão moral humana e na sua busca pela liberdade (IKAWA, 2004, p. 119).

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Na teoria do homem histórico de Norberto Bobbio, entende-se que o homem é completamente determinado pelo seu meio, sem possibilidade de estabelecer um dever-ser pela sua esfera íntima, ou seja, ele não considera que o homem tenha um valor inerente por ser pessoa (IKAWA, 2004, p. 119). Konder Comparato critica essa posição, por entender que direitos humanos devem se fundamentar em um elemen-to absoluto e humano. Porém, Bobbio, no homem histórico, admite uma universali-dade do consenso da época em que se vive, nunca uma universalidade “atemporal” (apud IKAWA, 2004, p. 120).

Ao reconhecer um dever-ser para a liberdade e igualdade dos homens, Bob-bio implicitamente reconhece o potencial para a liberdade e para a igualdade, este que se manifesta na natureza humana intrínseca alegada pelo universalismo, e é uma crítica a sua teoria determinista, que exclui, a princípio, a liberdade humana de autodeterminação, que não deveria permitir o estabelecimento de um dever-ser (apud IKAWA, 2004, p. 120).

Com isso, esclarecem-se mais alguns conceitos. O universalismo radical é “acultural” e se baseia na “razão moral individual”. Seu perigo reside no que cha-mou Boaventura de Sousa Santos, em seu artigo “Por uma concepção multicultural de direitos humanos”, de localismo globalizado ou globalismo localizado, que, des-considerando a cultura como influente nos direitos, pode resultar na imposição de um ideal ocidental de direitos humanos a outros países (apud IKAWA, 2004, p. 121).

Assim, o localismo globalizado de Boaventura de Sousa Santos é uma crítica ao universalismo radical, que vê uma total separação da natureza humana em rela-ção a sua cultura (apenas direitos baseados na razão moral individual). Já no relati-vismo radical, o homem é puramente um fruto de seu meio e de sua época, sendo sua sociedade fonte do direito e de sua moral, não se admitindo diálogo intercultural para produção de direitos (IKAWA, 2004, p. 122).

Quanto ao universalismo forte, pode-se vinculá-lo à ideia de Kant, de que há um valor intrínseco do homem que é fonte de sua moral e direitos. Destarte, a partir do uso de sua razão, o ser humano seria um fim em si mesmo e autônomo, livre (a razão é conseguida individualmente, fato que privilegia os direitos civis e políticos e dificulta verdadeira eficácia dos direitos sociais). Além disso, o “homem kantiano” é um ser dual, composto pelas suas paixões e ainda, obviamente, pela sua razão (IKAWA, 2004, p. 122-123).

O universalismo fraco pode ser o ponto de vista de Boaventura de Sousa San-tos, com relação em ser a cultura o fundamento da moral e dos direitos dos homens, que deve se abrir ao diálogo com outras culturas (que possuem valores básicos inco-mensuráveis para outras culturas). Outra possibilidade seria o reconhecimento tanto de um valor intrínseco quanto o da cultura (relativo) para o fundamento dos direitos, que, voltando à concepção multicultural, podem ser o resultado de um diálogo in-tercultural dos direitos já estabelecidos, a partir de uma hermenêutica diatópica, de Boaventura (IKAWA, 2004, p. 123-124).

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Os requisitos para uso dessa hermenêutica são, geralmente, “a produção coletiva do conhecimento, a escolha, por membro de determinada cultura, que en-volva o círculo mais amplo de reciprocidade e o reconhecimento da incompletude da própria cultura”, características que produziriam uma concepção de direitos hu-manos a partir de um intercâmbio intercultural, podendo até ser encarado como um universalismo fraco (SANTOS, 2003, p. 443-444 apud IKAWA, 2004, p. 124).

3. EXPLANAÇÃO ACERCA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E OS DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS

Para a Carta Magna vigente no Brasil, os direitos humanos também podem fazer parte de seu rol de direitos fundamentais a partir de tratados internacionais e de direitos decorrentes dos regimes ou princípios por ela adotados. Assim, ao mesmo tempo em que foi o marco democrático da História do Direito brasileiro, também foi a constituição que institucionalizou os direitos humanos, em todos os seus aspectos, civis, políticos, sociais, difusos (embora alguns difusos não se encontrem no rol de garantias fundamentais). Com isso, o Brasil se insere no cenário internacional para busca pela efetivação dos direitos humanos (PIOVESAN, 2013, p. 65-66).

A definição de direitos humanos não é unânime para a doutrina. Esses direi-tos são as reivindicações morais e políticas que consensualmente todo ser humano, por ter nascido como tal, tem em relação a sua sociedade e governo. São direitos dados por direito (HENKIN, Louis, The rights of man today, p. 1-3 apud PIOVESAN, 2013, p. 65).

Assim, os direitos humanos também surgem subjetivamente em cada mo-mento histórico, para concretizar as exigências por direitos do homem, sua digni-dade, liberdade e igualdade, direitos estes que devem ser reconhecidos pelos países (PÉREZ LUÑO, Derechos humanos, p. 48, apud PIOVESAN, 2013, p. 65).

Direitos humanos são reivindicações universais de direito para qualquer ser humano, que tendenciam a serem positivadas pelos Estados como base de seu pacto social. Há a esfera, assim, nacional e internacional de proteção aos direitos huma-nos (PIOVESAN, 2013, p. 67).

Para o ordenamento jurídico pátrio, tanto a Constituição da República quanto os tratados internacionais em que o Brasil seja parte (e sobre direitos humanos) são fontes da declaração ou reconhecimento desses direitos pelo Brasil, de forma positiva. O status dos tratados é, em tese, de emenda constitucional (PIOVESAN, 2013, 114).

A universalização dos direitos humanos (sua internacionalização) é recente na História do Direito, sendo solidificada a partir da 2ª guerra mundial, que de-sencadeou essa necessidade devido às atrocidades cometidas. Ou seja, os direitos humanos são de interesse nacional e internacional, fato que humaniza o direito internacional (BUERGENTHAL, prólogo do livro de Cançado Trindade, p. XXXI apud

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PIOVESAN, 2013, p. 67). Dessa relação há interdisciplinariedade entre constitucio-nalismo internacional e direitos humanos (PIOVESAN, 2013, p. 78).

Assim, há direitos humanos, de certo modo, protegidos pelo direito inter-nacional, ao reconhecer que os Estados têm obrigações para com todas as pessoas humanas e não apenas para com seus nacionais. Logo, os direitos humanos são ma-téria constitucional de interesse recíproco entre os países (PIOVESAN, 2013, p. 78).

Vale lembrar ainda que o movimento em defesa de direitos humanos inter-nacionais nasceu após a segunda guerra. Embora a ideia de direitos inerentes ao ser humano seja antiga, o seu reconhecimento internacional é recente, pois se deu a partir da criação da ONU em 1945, que teve como maior causa o holocausto e outros crimes do nazismo contra a humanidade (BILDER, Richard B., An overview of international human rights Law apud PIOVESAN, 2013, p. 68).

Logo, os direitos humanos, ao serem motivo do pacto social, influenciam diretamente a soberania de um Estado e sua relação com seu povo (as pessoas po-dem exigir um comportamento positivo do Estado ou negativo para manutenção de seus direitos fundamentais, pois, caso contrário, o Estado pode ser responsabilizado, como decorrência do reconhecimento de direitos do homem no cenário internacio-nal) (PIOVESAN, 2013, p. 70).

Outro aspecto importante é que, pela declaração dos direitos humanos de 1948, as pessoas possuem direitos em qualquer lugar, aplicáveis ou exigíveis em qualquer tempo, que, se negados, podem resultar em responsabilidade para o Estado que se comprometeu com a proteção dos direitos humanos perante algum mecanis-mo internacional (HENKIN, The age of rights, p. 16 apud PIOVESAN, 2013, p. 68).

Com toda essa informação sobre direitos humanos internacionais, pode-se indagar a respeito da relação do sistema internacional com o nacional de positiva-ção dos direitos humanos. Piovesan argumenta, nas ideias de Henkin, que as nor-mas, políticas e instituições de direitos humanos internacionais não são substitutos para os ordenamentos jurídicos nacionais, mas sim uma “proteção adicional para os direitos que são assegurados no plano interno” (HENKIN, The age of rights, p. 17 apud PIOVESAN, 2013, p. 71).

Logo, pode-se deixar uma pergunta: os direitos humanos são um assunto in-terno ou internacional? Penso que seja de interesse comum, tanto interno quanto in-ternacional (para o progresso da humanidade). Entretanto, há países que consideram os direitos humanos como um assunto meramente interno, “de legislação domésti-ca”, como a China, baseados na teoria da soberania absoluta e na não intervenção nos assuntos internos de um país (princípios de direito internacional) (International Law in theory and practice, p. 332 apud PIOVESAN, 2013, p. 72).

Para a Carta Magna brasileira, os direitos humanos são indivisíveis, unos, interdependentes e inter-relacionados, com os valores de igualdade e liberdade se completando mutuamente (na figura dos direitos sociais, o indivíduo goza tanto de liberdades quanto de créditos para efetivação de seus direitos pelo Estado, por exemplo) (PIOVESAN, 2013, p. 75).

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Logo, como não há direitos fundamentais absolutos, ou como geralmente não o são, eles são correlacionados em seus limites. Essa é a concepção contempo-rânea de direitos humanos e, por isso, a Constituição de 88 foi a que melhor preen-cheu essas características na declaração de seus direitos e garantias fundamentais, ou seja, é a Constituição o instrumento que protege ou reconhece os direitos funda-mentais, e o mais eficaz nesse sentido, principalmente quando se nota a rigidez de seu texto em relação a esse tema (PIOVESAN, 2013, p. 86-88).

Os direitos fundamentais são direitos humanos positivados, mas os direitos humanos também são internacionais quando presentes em tratados, que, por sua vez, podem fazer parte do rol de direitos constitucionalmente assegurados pelo Bra-sil (artigo 5º, § 2º da Constituição de 1988). Também é a Constituição que garante proteção aos direitos humanos, por meio de regimes processuais diferenciados, por exemplo.

A base para a enumeração de tais direitos é o valor da dignidade humana, até hoje bastante vinculado à ideia da dignidade dada por Kant, de que as pessoas são um fim em si mesmas e existem como tal, não devendo ser meio para conquista de determinados fins (PIOVESAN, 2013, p. 91).

Como o Estado democrático de direito se funda para permitir a consecução da dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais são a base de tal Estado. Nossa Carta Política os detém, principalmente, nos 78 incisos de seu artigo 5º, até o 17. Isso é de destaque porque os valores constitucionais são a base para interpre-tação do direito de todo o ordenamento. Logo, a dignidade da pessoa humana é o núcleo base e informador do nosso ordenamento jurídico, o fim a ser perseguido e protegido, é o valor que lhe confere legitimidade pelo sistema constitucional (PÉREZ LUÑO, Derechos Humanos, p. 288-289 apud PIOVESAN, 2013, p. 89).

Para Kant, a autonomia é a base da dignidade e de qualquer ser racional, que torna as pessoas únicas e insubstituíveis, que devem ser encaradas como um fim em si mesmas. Elas são seres racionais e morais que, pela sua autonomia, possuem dignidade, porque autonomia pessoal é liberdade (PIOVESAN, 2013, p. 91-92).

A vertente kantiana se concretizou no direito internacional dos direitos hu-manos, que se fundamenta no valor intrínseco da dignidade humana, notadamente defendida nos princípios que marcaram o constitucionalismo pós segunda guerra (PIOVESAN, 2013, p. 92).

Logo, na “hermenêutica constitucional contemporânea”, a dignidade huma-na é o ponto de partida e de chegada da ordem jurídica, sendo para ela um “super-princípio” (tanto em esfera local quanto internacional). A dignidade humana é um valor intrínseco porque independe de merecimento pessoal ou social (ideia que a torna um direito pré-estatal) (PIOVESAN, 2013, p. 93).

O próprio preâmbulo de nossa Constituição proclama que nosso país é um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e indivi-duais – que fazem parte dos direitos humanos (ou seja, para nossa Constituição, os direitos de liberdade são tão importantes quanto os direitos de igualdade ou sociais.

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O que os fundamenta são a dignidade da pessoa humana e a cidadania) (PIOVESAN, 2013, p. 88).

Pode-se dizer que o conteúdo de todos os direitos fundamentais ou humanos convergem para o princípio da dignidade da pessoa humana, para sua efetivação, que inclui também os direitos econômicos, sociais e culturais. Essa dignidade incor-pora certos valores éticos mínimos (PIOVESAN, 2013, p. 97).

Como prova do grande destaque jurídico dado para os direitos fundamentais temos o § 1º do artigo 5º da Constituição de 88, que lhes confere aplicação imediata (são diretamente aplicáveis pelo Executivo, Legislativo e Judiciário), para que sua eficácia seja plena. Logo, os direitos e garantias fundamentais são norma normata, são aplicáveis diretamente em uma relação jurídica, e não meramente fundamentos de outras normas (CANOTILHO, Direito Constitucional, p. 578 apud PIOVESAN, 2013, p. 98-99).

Como a Constituição vigente possui um parágrafo que deixa em aberto o reconhecimento de direitos humanos, conclui-se que ela não esgota o rol de direi-tos que quer proteger nos direitos fundamentais positivados e que admite existirem outros (PIOVESAN, 2013, p. 118).

Com isso, classificam-se os direitos fundamentais da constituição em três tipos: 1- direitos expressos na própria Carta Magna, 2- direitos expressos em tratados internacionais em que o Brasil é parte e 3- direitos implícitos (que estão subenten-didos nas regras e garantias fundamentais do artigo 5º ou que são decorrentes do regime e princípios adotados pela Constituição) (SILVA, José Afonso da, Curso de Direito constitucional positivo, 6 ed., p. 174 apud PIOVESAN, 2013, p. 119).

Por isso o rol de direitos não é matematicamente preciso e sim aberto para aumentar. Devido ao § 3º do artigo 5 º da Constituição, há a hipótese de tratados de direitos humanos materialmente constitucionais, apenas (que não se submeteram à votação de 3/5 por 2 turnos) e dos materialmente e formalmente constitucionais (que se tornam verdadeiras cláusulas pétreas, se sobre garantias individuais) (PIOVESAN, 2013, p. 134).

4. A REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL E SEU REFLEXO NA CONCEPÇÃO DE DIREITOS HUMANOS DA CONSTITUIÇÃO

Após 21 anos de regime militar ditatorial, o Brasil passou por um processo de democratização que culminou na promulgação de uma nova ordem constitucional, a Constituição de 1988. A Carta de 1988 institucionaliza um regime democrático no Brasil e instituiu também indiscutível avanço na consolidação das garantias e direitos fundamentais e na proteção de setores vulneráveis da sociedade brasileira. A partir dela os direitos humanos ganham relevo extraordinário, situando-se como documento mais abrangente e pormenorizado sobre direitos humanos jamais ado-tado pelo Brasil, fato que a coloca entre as constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito a matéria de direitos fundamentais (PIOVESAN, 2007, p. 24).

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Esta etapa da sociedade brasileira representa a evolução da consciência de nosso povo que passa a enxergar com mais clareza a importância dos direitos hu-manos fundamentais.

Acentuada é a preocupação da Constituição da República de 88 em assegu-rar os valores da dignidade da pessoa humana e do bem estar da pessoa humana, como imperativo de justiça social. Segundo Pérez Luño, os valores constitucionais possuem uma tripla dimensão:

a) fundamentadora, núcleo básico e informador de todo sistema jurídico polí-tico; b) orientadora, metas e fins pré-determinados, que fazem ilegítima qual-quer disposição normativa que persiga fins distintos, ou que obstaculize a consecução daqueles fins enunciados pelo sistema axiológico constitucional; c)crítica, para servir de critério ou parâmetro de valoração para a interpretação de atos e condutas (apud PIOVESAN, 2007, p. 27).

Portanto, no âmbito do direito constitucional ocidental do pós-guerra, são adotados textos constitucionais abertos a princípios, dotados de elevada carga axio-lógica, com destaque para o valor da dignidade da pessoa humana (PIOVESAN, 2007, p. 29). Neste momento histórico com tantos direitos que foram infringidos por Estados soberanos, nota-se importância de internacionalização de direitos humanos, comentada no capítulo anterior.

Para Paulo Bonavides nenhum princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da constituição que o princípio da dignidade da pessoa humana (apud PIOVESAN, 2007, p.31). Discorreu-se brevemente sobre ele, sobre sua ca-racterística de servir de alicerce ao sistema jurídico, que tem certa hierarquia lógica subordinada aos valores constitucionais.

5. DIREITOS HUMANOS E SUA INFLUÊNCIA NOS TRATADOS INTERNACIONAIS

Rompe-se com a concepção de soberania estatal absoluta, no tocante a atu-ação dos países signatários de tratados, posto que o poder político se torna flexi-bilizado em prol da proteção dos direitos humanos (PIOVESAN, 2007, p. 41). Ou seja, o Brasil tem sua soberania, mas ela pode ser posta em segundo plano quando o assunto for proteção de direitos humanos.

Não necessariamente os tratados internacionais consagram novas regras de direito internacional. Por vezes, acabam por codificar regras pré-existentes, conso-lidadas pelo costume internacional, ou ainda optam por modificá-las (PIOVESAN, 2007, p. 44). Os tratados internacionais são uma ferramenta que os Estados sobera-nos encontraram para fazer valer os direitos em mais de um país e tornar as relações internacionais mais harmoniosas.

A ratificação é, pois, ato necessário para que o tratado passe a ter obrigato-riedade no âmbito internacional e interno. Consagra-se assim a colaboração entre

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Executivo e Legislativo na conclusão de tratados internacionais, que não se aperfei-çoa enquanto a vontade do Executivo, manifestada pelo presidente da República, não se somar à vontade do Congresso Nacional (PIOVESAN, 2007, p. 48). É preciso, portanto, a interação entre estes dois poderes para que a ratificação do tratado tenha validade no ordenamento jurídico brasileiro.

Entretanto, não gera efeitos a simples assinatura de um tratado se ele não for referendado pelo Congresso Nacional, já que o Executivo só pode promover a rati-ficação depois de aprovado o tratado pelo Congresso Nacional. Há, portanto, dois atos completamente distintos: a aprovação do tratado pelo Congresso Nacional, por meio de um Decreto Legislativo, e a ratificação pelo presidente da República, se-guida da troca ou depósito do instrumento de ratificação (PIOVESAN, 2007, p. 49).

Considerando-se o processo de formação dos tratados e reiterando a concep-ção de que eles apresentam força jurídica vinculante, resta frisar que a violação de um tratado implica a quebra de obrigações assumidas no âmbito internacional. O descumprimento de tais deveres implica, portanto, responsabilização internacional do Estado violador (PIOVESAN, 2007, p. 50).

O Tratado de Direitos Humanos possui natureza de norma constitucional. Essa conclusão advém ainda de “interpretação sistemática teleológica do texto”, (a Carta Magna), especialmente em face da força expansiva dos valores de dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a com-preensão das disposições constitucionais. (PIOVESAN, 2007, p. 52)

Há que se enfatizar, destarte, que os demais tratados internacionais (que não são sobre direitos fundamentais) tem força hierárquica infraconstitucional (art. 102, III, B da CRFB/88), diferentemente dos direitos enunciados em tratados internacio-nais de proteção dos direitos humanos.

6. A RELEVÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS DENTRO DO PRISMA CONSTITUCIONAL NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL

Conforme Flávia Piovesan, a primeira Constituição brasileira que esclareceu os princípios da prevalência dos direitos humanos, como princípio fundamental do Estado nas relações internacionais, está descrita na Carta de 1988, que fixou os va-lores para orientação de uma agenda internacional no Brasil.

Nos termos do artigo 4º da Carta Magna, os princípios que regem o Brasil nas relações internacionais são: Inciso I - Independência nacional; Inciso II – Prevalên-cia dos direitos humanos; Inciso III – Autodeterminação dos povos; Inciso IV – Não intervenção; Inciso V – Igualdade entre os Estados; Inciso VI – Defesa da paz; Inciso VII – Solução pacífica dos conflitos; Inciso VIII – Repúdio ao terrorismo e ao racismo; Inciso IX – Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e Inciso X – Concessão de asilo político.

Este artigo simboliza a reinserção do Brasil na relação internacional. Como já era de se esperar, nem sempre houve este entendimento, por parte de nossas consti-

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tuições, principalmente na questão de prevalência dos direitos humanos, porque, e. g., as constituições de 1946 e 1967, para Celso Lafer:

Na experiência brasileira, o Império cuidou da independência e da preserva-ção da unidade nacional e a República, tendo consolidado as fronteiras na-cionais, afirmou a vocação pacífica do país, reconhecendo progressivamente a importância da cooperação internacional para a preservação da paz (apud PIOVESAN, 2013, p. 101).

A carta de 1988 consagra especificamente o respeito dos direitos humanos no âmbito internacional, devido à orientação da prevalência dos direitos humanos como princípio a reger o Brasil na ordem internacional. Isso não implica apenas no processo de elaboração de normas vinculadas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas também no compromisso de se adotar, da parte de nosso país, uma posição política contrária aos Estados em que não se respeitam os direitos humanos (PIOVESAN, 2013, p. 102).

Vale lembrar que o princípio da prevalência dos direitos humanos contribuiu para a ratificação de instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos assumidos pelo Estado brasileiro, já que, para Celso Lafer:

O princípio da prevalência dos direitos humanos foi um argumento consti-tucional politicamente importante para obter no Congresso a tramitação da Convenção Americana dos Direitos Humanos – o Pacto de San José. Foi em função dessa tramitação que logrei depositar na sede da OEA, nos últimos dias de minha gestão (25-09-92), o instrumento correspondente de adesão do Brasil a este significativo Pacto (apud PIOVESAN, 2013, p. 104).

Assim, como objeto das relações internacionais, o indivíduo se converte em sujeito, adquirindo capacidade de exercer direitos e obrigações internacionais. Con-forme o advogado internacional Hersch Lauterpacht nos relata em 1950, “os indiví-duos passaram a adquirir um status e uma estatura que os transformaram de objetos de compaixão internacional em sujeitos de direito internacional”.

É importante avaliar a dinâmica da interação entre o Direito brasileiro e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, esclarecendo os limites e possibilida-des de intervenção desse instrumento internacional no processo de redefinição e reconstrução, respeitando a cidadania no Brasil, temática que engajaria a produção de outro trabalho (PIOVESAN, 2013, p. 101).

7. DESTAQUE SOCIAL DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS: NECESSIDADE CONTEMPORÂNEA

Os direitos fundamentais típicos do que se entende por Estado Democrático de Direito foram adquiridos pelos homens no decorrer de sua história, mais acentu-adamente “nas últimas décadas”, pós Segunda Guerra Mundial e ainda com a queda do socialismo e do muro de Berlim, eventos que contribuíram para a implementação

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mais pulsante dos direitos humanos pelo nosso planeta, em maior ou em menor escala, dependendo do país – se democrático de Direito ou não – que os adote (VI-LHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 72).

Hodiernamente, a globalização otimizou as possibilidades de inter-relacio-namento do homem, como a sua comunicação, fato que deve ser levado em conta quanto aos direitos fundamentais da pessoa, observando-se as consequências de seu ato para a sociedade, entendida por um grupo de indivíduos titulares de direitos fundamentais. Essa consequência pode ser a supressão do direito do particular em detrimento da coletividade social, por exemplo, para que o todo não se desmorone, vista sua necessidade de hegemonia (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 72).

A história de conquista de direitos fundamentais os revela adquiridos por meio de vasta luta, merecendo destaque as três gerações de direitos dentro de um enfoque social desses mesmos direitos, ponto chave para que se garanta a pereni-dade do que já foi conquistado, em relação a direitos humanos ou fundamentais, considerada por alguns autores como “evolução natural” das três gerações (VILHE-NA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 72). Até se considera que exista uma quarta geração (BONAVIDES, Paulo, 1999, p. 526 apud VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 72).

Ilustrativamente, a primeira geração ou dimensão surge do conflito do cida-dão com o “arbítrio do Estado”, exercido contra ele. Já a segunda posiciona o Estado como mantenedor de seu cidadão menos favorecido em relação aos demais, exer-cidos direitos entre pessoas. A terceira geração tutela os bens coletivos, protegidos do Estado e também das próprias pessoas, ou seja, é um reconhecimento de direitos a favor da sociedade. São os chamados direitos difusos, que observam o indivíduo como parte do seio social (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 73).

Logo, a existência dos direitos fundamentais depende do bom funcionamen-to da coletividade formada pelos indivíduos, ou melhor, o cumprimento desses di-reitos ocorre com isso, posto que as novas demandas da sociedade da informação precisam ser respeitadas e levadas em conta, prevalecendo o interesse social ao invés do individual, dentro de uma visão macroscópica da titularidade dos direitos fundamentais (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 73).

Seria correto, então, afirmar que os direitos fundamentais, vistos por essa ótica, são absolutos entre si, ou seja, se impõem a outros direitos, ou existiria uma limitação entre eles? Que tipo de princípio ou argumento jurídico pode embasar essas considerações? Qual a posição do STF sobre o tema? Essas e outras indagações serão, a princípio, respondidas.

Podemos afirmar que há consenso de que os direitos fundamentais, para a doutrina, não são absolutos. Eles não o são porque podem sofrer limitação, ou por valores constitucionais, ou por outros direitos fundamentais, (MENDES, Gilmas Fer-reira, 2008, p. 240 apud VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 73). Logo, pode-se sacrificar um direito fundamental de um titular para que prevaleça outro

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interesse, já que tais direitos não são absolutos, pelo entendimento pacífico dos estudiosos do Direito (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 73).

Um conceito que embasa essa limitação é o princípio da unidade do orde-namento jurídico, que parte do pressuposto de que os direitos fundamentais consti-tucionais formam um todo harmônico ou em ordem, no qual um direito influencia e limita outro, dentro de suas regras e princípios, que, dentro do território em que vigem, são parte de um único ordenamento jurídico, com coerência interna (SAR-MENTO, Daniel, 2002, p. 27 apud VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 74).

Robert Alexy, em sua “Teoria dos direitos fundamentais”, 2008, p. 111, (apud VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 74), considera que os direitos fun-damentais não podem ser absolutos ou que não podem ter princípios absolutos, de-vido a uma contradição lógica na existência de um direito individual ou coletivo ab-soluto, que impossibilita a existência dos demais no ordenamento jurídico ou que, se individual e absoluto, se contrapõe a outro da mesma natureza, este não existe.

A posição do STF sobre serem os direitos absolutos já foi registrada, favorável à limitação destes, no Mandado de Segurança n. 23.452/RJ, Relator: Celso de Mello, (apud VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 75), como, verbi gratia, no limite das liberdades públicas dado pelo interesse social e na necessidade de “coe-xistência harmoniosa das liberdades” (ou seja, direito fundamental não pode ferir a ordem pública ou ignorar a validade do direito de terceiros).

Entretanto, há quem defenda a presença de certos direitos absolutos, como o de não ser escravizado e o de não ser submetido à tortura e nem a tratamento desu-mano ou degradante, embasando-os no princípio da dignidade da pessoa humana (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008, p. 241 apud VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 75). Porém, essa ideia advém da influência da definição de dig-nidade humana na constituição alemã, que lhe confere características tais, de regra e de princípio, que, na maioria das vezes, faz este princípio prevalecer em relação aos demais (ALEXY, Robert, 2008, p. 111/112 apud VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 75).

Assim, a limitação de um direito fundamental ocorre quando este colide com outro direito fundamental, hipótese em que se deve usar da razoabilidade e ponderação, dentro de uma escala de valores, para a determinação de qual deles deverá prevalecer. Pode-se traçar exemplos que limitem o direito a não ser escravi-zado, e mesmo o sofrimento de tortura, tais como o terrorismo que exerce tortura contra milhões de pessoas contra a tortura contra o terrorista para que cesse a tortura contra a sociedade, da ameaça de bomba (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 76).

Mesmo que certo direito fundamental pareça absoluto, ele poderá ser limita-do, dependendo do caso concreto, por outro direito, igual a ele ou diferente, confor-me a escala de valores estabelecida pelo operador do Direito em pauta. Na colisão de direitos existem certas técnicas para determinar qual deve prevalecer sobre o

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outro. O direito que representar maior valor a ser protegido, subsistirá (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 77).

Não se pode admitir direitos absolutos porque isso esvaziaria o conteúdo dos outros direitos e, com toda certeza, os direitos fundamentais são todos de hie-rarquia constitucional. Cabe a proporcionalidade e a razoabilidade, dentro de um caso concreto, para determinar qual deles deve prevalecer, em um eventual conflito (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 78).

Ora, se, mesmo dentro do enfoque coletivo de uma concepção de direitos, eles são relativos, pois sofrem limitação e se chocam entre si, que tipo de divisão pode ser feita quanto às normas que reconhecem esses direitos e que estão em vigor em nosso ordenamento, principalmente do ponto de vista constitucional?

As normas definidoras de direitos fundamentais se dividem, geralmente, em duas espécies que os tutelam, os princípios e as regras. Logo, há normas regras e normas princípios, ambas estabelecendo um dever ser, uma proibição ou uma per-missão para um titular. Vale lembrar que os princípios são mandados de otimização e as normas são menos abstratas que eles (ALEXY, Robert, 2008, p. 87 apud VILHE-NA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 78).

Além dos argumentos dados até aqui sobre a importância do enfoque social dos direitos fundamentais, podemos acrescentar que o Preâmbulo de nossa Cons-tituição da República de 1988 ressalva os objetivos do legislador constituinte com enfoque social, ao registrar que se deve

instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direi-tos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvol-vimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 86).

Afirma-se isso porque os direitos sociais aparecem antes dos individuais, e os valores constitucionais são supremos “de uma sociedade fraterna”, além do destaque evidente da harmonia social necessária para alicerce de uma sociedade. Portanto, essa sociedade subsiste com a garantia de direitos fundamentais de seus indivíduos, não absolutos entre si, posto que não podem ser exercidos isoladamente. Os valores que estão por trás do preâmbulo são a solidariedade humana e o bem comum (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 86).

Mais um argumento, do ponto de vista social, a favor do relativismo dos di-reitos fundamentais, é que os cidadãos, ao se submeterem a um Estado Democrático de Direito, lhe conferem o status de garante de seus direitos abrindo mão de uma pequena porcentagem de seus próprios direitos fundamentais. Isso tudo porque o todo deve ser preservado pelo pacto social.

Esse todo pode ser entendido como o direito fundamental da sociedade, for-mado pela união dos direitos fundamentais de seus indivíduos (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 87).

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Quando se argumenta a prevalência do interesse social sobre o direito fun-damental individual, o motivo deve ser de grande relevância. Essa teoria ganhou destaque após os ataques de 11 de setembro, nos EUA, com o fundamento de que “os Estados democráticos, por vezes, necessitam, em nome da segurança, violar a liberdade e os direitos fundamentais”, claro que dentro de limites pré-estabelecidos, segundo a fonte consultada (MAYER, Dayse de Vasconcelos, 2002, p. 1212 apud VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 88).

O limite dado pelos Estados, tendo em consideração o padrão mínimo de observância de direitos fundamentais pela “lei internacional de direitos humanos” para que as pessoas não sofram “abuso de poder”, é admitido com preenchimento de certos requisitos. Com isso, o interesse do Estado pode suprimir alguns direitos de certos indivíduos, quando há estado de exceção ou de emergência, verbi gratia, fato que não inutiliza a aplicação da Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos à guerra contra o terrorismo (JINKS, Derek, International human rights Law and the war on terrorism, apud VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 89).

A sociedade atual ou moderna produziu certos direitos fundamentais, chama-dos ainda de “coletivos, sociais, ou metaindividuais”. Alguns deles já existiam, só que não tinham espaço jurídico no reconhecimento de direitos, como o direito ao meio ambiente equilibrado, por exemplo (os grandes impactos do homem na natureza só se tornaram alarmantes bem recentemente). Deve-se afirmar o mesmo dos direitos do consumidor, patrimônio histórico, à paz e à democracia, melhores protegidos juri-dicamente a partir do séc. XX (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 90).

Os direitos difusos passaram a ser autonomamente observados, em relação à distinção entre interesse particular e público, com os estudos de Mauro Capelletti, em 1974, isso porque a ideia do metaindividual vai além do público e do privado (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 90). Assim, esses direitos são “ca-tegoria intermediária” que se divide em direitos coletivos (para um conjunto deter-minado de pessoas inter-relacionadas) e os atribuídos a uma categoria indetermina-da de indivíduos (MAZZILLI, Hugo Nigro, 1991, p. 18-19 apud VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 90).

É de bom alvitre destacar que o conceito de interesse público, depois das ideias anteriores, sofreu grande mudança, não se confundindo com o interesse meramente do Estado, que nem sempre coincide com o interesse social, podendo contradizê-lo. Com isso tem-se a dicotomia de interesse público primário (o bem co-mum) e secundário (dado pelas necessidades da Administração Pública) (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 90).

Esses direitos pertencem, teoricamente, à terceira geração de direitos, que considera haver interesses sociais preponderantes que, se não forem garantidos, le-sarão o princípio da dignidade da pessoa humana. Dessa lógica, a proteção do todo social é indispensável para que o indivíduo, parte do grupo, tenha seus direitos assegurados, considerando-se o direito da maioria (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 91).

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Alguns exemplos de liberdades públicas limitadas pelo interesse social ou pelos direitos difusos são a obrigação do serviço militar em detrimento do direito à paz (que exige exército para sua manutenção) e o direito à democracia que limita a liberdade do cidadão ao impor-lhe o serviço eleitoral (sem o qual a democracia estaria ameaçada) (VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes, 2012, p. 91).

CONCLUSÃO

Os direitos humanos são mais abrangentes que os direitos fundamentais, por-que, geralmente, quando nos referimos a direitos fundamentais, se está a versar so-bre direitos de um determinado ordenamento jurídico (em vigência só para ele). Em contrapartida, os direitos humanos abarcam, em sua concepção, ainda, o fenômeno relativamente recente de sua internacionalização.

É do interesse de seu conteúdo a qualidade de vida do ser humano, assim como seu bem estar, a partir de uma manifestação de vontade geral, pela visão de destaque social dos direitos humanos. O progresso tecnológico e econômico dos tempos atuais caminha para essa visão, posto que traz consigo novas necessidades jurídicas.

Discutiu-se, sem a pretensão de completude, mas com a intenção de formar uma base de compreensão, o significado, fundamento e concepções de direitos hu-manos. Porém, muito mais necessário que estudo teórico e filosófico, é a implemen-tação dos direitos que estão vigentes, que as pessoas possuem, muitas vezes sem conhecê-los, devido à exclusão social e outros fatores, como a miséria e a pobreza, alarmantes em nossa sociedade.

A implementação é a proteção desses direitos, a garantia de que eles, na prática, existam, porque afirmações rebuscadas e complexas de temas jurídicos não constituem, de per si, o seu adimplemento. Contudo, o entendimento conceitual é indispensável para o profissional do Direito, já que os textos específicos se orienta-rão por uma determinada visão ou por várias.

O conflito essencial quanto ao sentido da expressão direitos humanos residiu em sua origem, se pautada em fundamento absoluto ou relativo, que necessita, den-tro de nossa realidade fática, garantir certo conteúdo mínimo de direitos, que asse-gurem condições dignas de existência e intervenção do homem em seu grupo social.

Foram comentadas esparsamente ao longo do texto a teoria das gerações de direitos, que é alicerce tanto para a concepção relativista, da historicidade como origem dos direitos, quanto para a concepção universal, posto que a desafia. Um universalista precisa de argumentos que contrastem com esse ponto chave de um relativista, em um debate acadêmico, por exemplo.

Quanto às limitações impostas a esses direitos ditos fundamentais da pessoa, constatamos que, em maior ou em menor grau, o direito fundamental pode sofrer limitações por outros direitos, e há técnicas de decisão para resolver esse problema, embora ainda não ofereçam uma única resposta.

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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.5, 2014: 165-186

As necessidades decorrentes da globalização e de certos eventos históricos resultaram na internacionalização dos direitos humanos, fenômeno tendente a se expandir cada vez mais no reconhecimento do rol de direitos básicos ou específicos do ser humano. Nosso ordenamento jurídico trata de maneira especial essa temá-tica, sumariamente de natureza constitucional, com o quórum determinado de 3/5 para que os Tratados de Direitos Humanos sejam equivalentes às emendas constitu-cionais (eles são uma fonte de direitos).

Ao final, tratou-se também, dentro do enfoque social, dos direitos difusos, pertencentes à terceira dimensão de direitos. Com base nas informações prestadas, chega-se à conclusão de que o conceito dos direitos humanos nunca será completo ou esgotado, bem como a justificação de seu fundamento e natureza, seja por uma investigação conduzida por um doutor ou por um alegre estudante de Direito, já que as implicações da temática e o sentido que os doutrinadores conferiram a esses direitos são inúmeras e profundas.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

IKAWA, Daniela. Universalismo, Relativismo e Direitos Humanos. In: Direito Internacio-nal dos direitos humanos: estudos em homenagem à Profª. Flávia Piovesan. Curiti-ba: Juruá Editora, 2004, p. 117-126.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes. Direitos fundamentais da sociedade. Revista Ju-rídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, ISSN: 2316-6959, vol. 1, 2012, p. 71-95, In: http://www.esmp.sp.gov.br/revista_esmp/index.php/RJESMPSP/article/view/17/6. Acesso em: 30/10/2013.

Recebimento em 31/01/2014

Aprovação em 16/06/2014

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