Fundamentos Historicos Filosóficos

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Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosócos e Jurídicos dos Direitos Humanos 1 Fundamentos Históricos, Filosócos e Jurídicos dos Direitos Humanos Apresentação Uma herança de dois contituionalismos Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais Direitos, liberdades e garantias Características dos direitos humanos fundamentais Direitos como sistema de princípios Alguns direitos humanos fundamentais em espécie Direitos humanos, minorias e democracia Bibliograa Textos Complementares Desenvolvimento histórico dos direitos humanos Fundamentos dos direitos humanos O fundamentos dos direitos humanos Liberdade e Igualdade Educação para a Diversidade e Cidadania Fundamentos Históricos, Filosócos e Jurídicos dos Direitos Humanos Douglas Antônio Rocha Pinheiro Olá Especializandos, A expressão “Direitos Humanos (DH)” tem sido veiculada por diversos meios de comunicação cada vez mais frequen- temente e utilizada em diversos contextos, muitas vezes tratada com falta de conhecimento mínimo e eivada de pré-concepções que desviam o debate sobre DH para ca- minhos nebulosos. Assim, os objetivos desta disciplina relacionam-se, a com- preensão de que os elementos que formam as origens e o conjunto desses Direitos estão no diálogo entre as trilhas da História, da Filosoa e do Direito, posto que precisamos nos qualicar, nós educadores para enfrentarmos o fato de que as violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igual- mente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegura- dos pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. Doutorando e mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universi- dade de Brasília. Professor assistente da Universidade Federal de Goi- ás, coordena o curso de Direito no Campus Cidade de Goiás. Integra o Observatório da Constituição e da Democracia, coletivo de reexão permanente vinculado ao grupo de pesquisa Sociedade, Tempo e Direito (CNPq – UnB). Integrou a coordenação da equipe responsá- vel pela estruturação e fortalecimento do Comitê Estadual de Edu- cação em Direitos Humanos – Goiás (2009). Documentarista, dirigiu dois curtas sobre questões relativas a direitos humanos: Memórias de sombras (2008, 13min), melhor documentário no Festival Nacional de Vídeo de Teresina e que registra a narrativa de mulheres vítimas de violência doméstica, e Bem educado (2010, 15min), que aborda a autonomia e a carnavalização no processo de ensino-aprendizagem. Mestre em Ciências da Religião pela PUC Goiás, desenvolve estudos sobre o princípio de laicidade do Estado, tendo publicado pela Edi- tora Argvmentvm o livro “Direito, Estado e Constituição”. Membro do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Direitos Humanos (UFG). Currículo Lattes Fundamentos Históricos, Filosócos e Jurídicos dos Direitos Humanos

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CIAR Texto 85 páginas direitos humanos. Educação para diversidade.

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    Fundamentos Histricos, Filos!cos e Jurdicos dos Direitos Humanos Apresentao

    Uma herana de dois contituionalismos

    Dos direitos humanos aos direitos humanos

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    Direitos, liberdades e garantias

    Caractersticas dos direitos humanos

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    Direitos como sistema de princpios

    Alguns direitos humanos fundamentais em

    espcie

    Direitos humanos, minorias e democracia

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    O fundamentos dos direitos humanos

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    Douglas Antnio Rocha Pinheiro

    Ol Especializandos,

    A expresso Direitos Humanos (DH) tem sido veiculada por diversos meios de comunicao cada vez mais frequen-temente e utilizada em diversos contextos, muitas vezes tratada com falta de conhecimento mnimo e eivada de pr-concepes que desviam o debate sobre DH para ca-minhos nebulosos.

    Assim, os objetivos desta disciplina relacionam-se, a com-preenso de que os elementos que formam as origens e o conjunto desses Direitos esto no dilogo entre as trilhas da Histria, da Filoso!a e do Direito, posto que precisamos nos quali!car, ns educadores para enfrentarmos o fato de que as violaes a direitos fundamentais no ocorrem somente no mbito das relaes entre o cidado e o Estado, mas igual-mente nas relaes travadas entre pessoas fsicas e jurdicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegura-dos pela Constituio vinculam diretamente no apenas os poderes pblicos, estando direcionados tambm proteo dos particulares em face dos poderes privados.

    Doutorando e mestre em Direito, Estado e Constituio pela Universi-dade de Braslia. Professor assistente da Universidade Federal de Goi-s, coordena o curso de Direito no Campus Cidade de Gois. Integra o Observatrio da Constituio e da Democracia, coletivo de re"exo permanente vinculado ao grupo de pesquisa Sociedade, Tempo e Direito (CNPq UnB). Integrou a coordenao da equipe respons-vel pela estruturao e fortalecimento do Comit Estadual de Edu-cao em Direitos Humanos Gois (2009). Documentarista, dirigiu dois curtas sobre questes relativas a direitos humanos: Memrias de sombras (2008, 13min), melhor documentrio no Festival Nacional de Vdeo de Teresina e que registra a narrativa de mulheres vtimas de violncia domstica, e Bem educado (2010, 15min), que aborda a autonomia e a carnavalizao no processo de ensino-aprendizagem. Mestre em Cincias da Religio pela PUC Gois, desenvolve estudos sobre o princpio de laicidade do Estado, tendo publicado pela Edi-tora Argvmentvm o livro Direito, Estado e Constituio. Membro do Ncleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Direitos Humanos (UFG). Currculo Lattes

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    Afinal, por ser participante do processo de interpretao constitucional, ao ressemantizar significantes constitucio-nais pela prtica do ensino-aprendizagem, o educador as-sume verdadeiro nus, qual seja, o de se utilizar do discurso reconstrutivo, bem como de suas ferramentas, para denun-ciar os simulacros de harmonia entre Constituio e consti-tucionalismo existentes na ordem vigente, tudo com vistas elaborao de um novo discurso e reconstruo de uma identidade mais inclusiva do sujeito constitucional.

    Que sejamos muito produtivos nessa jornada que se inicia!

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    1. Uma herana de dois constitucionalismos

    A Reforma Protestante, iniciada no sculo XVI, alm de ter marcado uma ruptura da unidade crist ocidental, foi o ber-o de uma primeira luta por direitos, visto que as minorias religiosas passaram a reivindicar o direito de professar f diversa da catlica no sem razo, para Jellinek, rastrear o surgimento da liberdade de crena equivaleria a rastre-ar a prpria origem dos direitos fundamentais. Canotilho (2002, p. 383), contestando essa hiptese, entende que tal momento consagra muito mais uma idia de tolerncia do que propriamente uma concepo de direito inalienvel.

    Mas tolerncia e reconhecimento no so conceitos semelhantes?

    A diferena entre liberdade religiosa e tolerncia radi-ca, fundamentalmente, no facto de que a primeira vista como integrando a esfera jurdico-subjectiva do seu titular, ao passo que a segunda vista como uma concesso gra-ciosa e reversvel do Monarca, do Estado ou de uma maioria poltica e religiosa. A tolerncia religiosa consistiu, assim, num momento de transio no processo que conduziu consagrao constitucional do direito liberdade religiosa (MACHADO, 1996, p. 73).

    Norberto Bobbio, por sua vez, aclara a questo ao relem-brar que as guerras religiosas, antes mesmo de invocarem uma liberdade de crena, materializavam o direito de re-sistncia opresso, o qual pressupe um direito ainda mais substancial e originrio, o direito do indivduo a no ser oprimido, ou seja, a gozar de algumas liberdades fun-damentais (BOBBIO, 2004, p. 24) dentre as quais, agora sim, a liberdade religiosa encontrava-se em primeiro lugar.

    Esse direito de resistncia encontrou em John Locke uma consistente defesa terica e, nas Revolues Inglesas do s-culo XVII, fomentou uma primeira corrente do constitucio-nalismo. At ento, a Inglaterra era regida por uma monar-quia absolutista, forma de governo que se justificava pela argumentao hobbesiana. Para Thomas Hobbes, o estado de natureza era caracterizado por um estado de guerra de todos os homens contra todos os homens por motivos de competio, desconfiana e glria. Nesse momento, no havia regra que estabelecesse parmetros de conduta, de tal modo que toda ao era legtima. Ocorre, porm, que isso tornava a vida dos homens solitria, embrutecida e curta.

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    O fundamentos dos direitos humanos

    Liberdade e Igualdade

    Tal percepo os teria impulsionado a pactuarem entre si a criao do Estado, fazendo-a nos seguintes termos: cada homem renunciaria toda a sua liberdade, entregando-a nas mos do soberano, tendo como contrapartida por parte deste a garantia de sua segurana. Liberdade e segurana colocavam-se, assim, como grandezas inversamente pro-porcionais de tal sorte que a estabilidade social se fazia ao custo da liberdade dos indivduos e da concentrao de poderes nas mos do monarca.

    O zoon politicon e os contratualistas

    Os contratualistas modernos Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau partiam de um pressuposto dis-tinto daquele aristotlico de que os homens eram dotados de um impulso associativo natural. Considerando a existn-cia real ou hipottica de um estado de natureza, um tempo-espao anterior constituio de uma sociedade civil orga-nizada, defenderam que o Estado surgiu artificialmente, ou seja, fruto de um acordo de vontades. Porm, cada um dos contratualistas apontou um contedo distinto do que teria sido pactuado do que resultou, por conseqncia, distin-tas vises sobre o Estado.

    Para Locke, no estado de natureza, a condio de liberda-de no significava uma condio de total permissividade. J existiriam, mesmo previamente sociedade civil, alguns direitos inalienveis cujo conhecimento seria revelado a to-dos os homens por meio da razo. O contrato social garan-

    tiria tanto uma execuo imparcial desses direitos, quan-to a proteo propriedade (da vida, da liberdade e dos bens). A liberdade, nessa perspectiva, no era renunciada, mas apenas confiada ao soberano que, por sua vez, jamais poderia se esquecer dessa condio fiduciria. Do contr-rio, traindo a confiana nele depositada, os cidados pode-riam exercer seu direito de rebelio, tomando-lhe o poder e confiando-o a outro governo.

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    Liberdade e Igualdade

    X so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao;

    XI a casa asilo inviolvel do indivduo, ningum nela podendo pe-netrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por de-terminao judicial;

    XV livre a locomoo no territrio nacional em tempos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

    LIV ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o de-vido processo legal.

    Tais incisos no apontam para alguma atividade a ser de-sempenhada pelo Estado. Pelo contrrio, o que dele se es-pera so inaes: que no impea a livre manifestao de pensamento, que no prive algum de sua liberdade e da possibilidade de ir e vir, que no invada a casa do indivduo ou viole sua intimidade. Porm, os direitos humanos no correspondem apenas a limitaes ao poder do Estado em nome da integridade da vida, liberdade e patrimnio dos indivduos. Uma segunda onda de direitos, que prescrevem prestaes do Estado, tambm se materializa fortemente em nossa Constituio. Para buscar-lhe a origem, preciso identificar as especificidades do constitucionalismo francs do sculo XVIII.

    Nessa outra viso de Estado, no havia espao para um go-verno absolutista. Locke defende, ento, uma diviso das funes de poder entre legislativo, executivo (gesto admi-nistrativa e aplicao legislativa em mbito interno) e fe-derativo (relaes internacionais de guerra e de comrcio), concentrada em dois rgos: o Parlamento e o Rei. Era jus-tamente esse o horizonte poltico existente no ps-Revolu-es inglesas, quando a monarquia absolutista deu lugar monarquia parlamentar.

    Importante recordar, porm, o carter burgus dessas re-volues e o quanto as mesmas orbitaram ao redor da idia de liberdade. A liberdade dos modernos, porm, era um pouco distinta da liberdade dos antigos. A burguesia inglesa revolucionria no pretendia ampliar a participa-o popular nas decises do Estado, mas sim, opor contra ele alguns direitos que fossem limitadores de sua atuao. Uma liberdade que conhecida como negativa e que exige do Estado um dever de absteno: um no-fazer diante de determinadas prerrogativas dos cidados. Uma breve an-lise do art. 5 da atual Constituio do Brasil demonstra que o constitucionalismo ingls, do qual a primeira gerao de direitos humanos tributria, constituiu um legado impor-tante na afirmao histrica das liberdades fundamentais. Vejamos alguns incisos:

    IV livre a manifestao do pensamento, sendo vedado o anoni-mato;

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    Liberdade e Igualdade

    Liberdade e igualdade, como princpios mutuamente cons-titutivos, estabelecem um paradoxo necessrio sobre o qual se estabelece o Estado dos dias de hoje. a conjun-tura presente da complexa da realidade social que vai de-terminar para qual dos dois lados deve pesar a mo estatal sem, contudo, sacrificar integralmente a dimenso opos-ta. O debate sobre a efetivao de direitos fundamentais passa, pois, por esse duplo legado dos constitucionalismos ingls e francs.

    Distintamente da Inglaterra, que possua desde o sculo XII remdios legais para a proteo de prerrogativas individu-ais, cujo exemplo mais evidente o habeas corpus, a Frana no tinha uma memria legislativa que garantisse direitos e permitisse um discurso baseado apenas na liberdade ne-gativa. Para os franceses, no era suficiente exigir do Estado uma no-interveno; mais que isso, diante de uma realida-de ainda feudal em pleno sculo XVIII, a palavra igualdade ganha destaque e passa a exigir uma atuao ativa do so-berano o que, futuramente, vai inspirar os direitos sociais. A liberdade positiva, que em termos polticos significa a participao de todos nas decises do Estado, repercutir no campo dos direitos dando-lhes uma nova feio de ca-rter assumidamente prestacional. Assim, quando o Esta-do garante a todos, indistintamente, o direito educao, sade, previdncia social, adotando polticas pblicas que minorem as desigualdades sociais, o faz fundado mui-to mais na noo de igualdade que no de liberdade.

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    Portanto, dependendo de como o problema se pe, a questo Que devo fazer? ganha um significado pragmtico, tico ou moral. Em todos os casos se trata da fundamentao de decises entre possibi-lidades alternativas de ao; as tarefas pragmticas, porm, exigem um tipo de ao diferente das ticas e morais; as questes que lhe so correspondentes exigem um tipo de resposta diferente das respostas ticas e morais. A ponderao das metas orientada para valores e a ponderao dos meios disponveis mediante a racionalidade de fins servem deciso racional sobre como temos de intervir no mundo objetivo para provocar um estado desejado. Neste caso, trata-se es-sencialmente da elucidao de questes empricas e de questes de escolha racional. O terminus ad quem de um discurso pragmtico correspondente a recomendao de uma tecnologia adequada ou de um programa exeqvel. Outra coisa a preparao racional de uma deciso de valor grave que afeta a orientao de toda uma pr-tica de vida. Neste caso, trata-se de uma elucidao hermenutica da compreenso de si de um indivduo e da questo clnica do xito ou no de minha vida. O terminus ad quem de um discurso tico-exis-tencial correspondente um conselho para a orientao correta na vida, para a realizao de um modo pessoal de vida. Uma outra coisa , por sua vez, o julgamento moral de aes e mximas. Ele serve elucidao de expectativas legtimas de comportamento em face de conflitos interpessoais que atrapalham o convvio regulado de inte-resses antagnicos. Neste caso, trata-se da fundamentao e da apli-cao de normas que estabelecem deveres e direitos recprocos. O terminus ad quem de um discurso prtico-moral correspondente uma compreenso sobre a soluo justa de um conflito no mbito do agir regulado por normas (HABERMAS, 1989).

    2. Dos direitos humanos aos direitos humanos fundamentais

    A compreenso de que os giros hermenutico e pragm-tico encontram-se numa relao de complementaridade, ensejando uma tenso produtiva entre plos ao mesmo tempo opostos e constitutivos um do outro, pe fim in-gnua percepo de que a utilizao de novos significantes ou atribuio de novos significados a antigos significantes no seria capaz de gerar quaisquer efeitos prticos. Com efeito, embora a reocupao semntica inicie-se herme-neuticamente, na medida em que novas interpretaes so dadas a antigas expresses, ato contnuo so abertas novas (no necessariamente melhores) possibilidades de prticas. Diante disso, preciso resgatar de que maneira a terminologia direitos fundamentais pode significar uma diferenciao do termo direitos humanos.

    Nesse sentido, importante reforar o resgate que o filsofo alemo Jrgen Habermas fez em relao tradi-o kantiana da razo prtica. O fez, entretanto, no mais nos termos de uma filosofia da conscincia (que tomava o sujeito cognoscente como referencial e ponto de partida), mas sim, de uma filosofia da linguagem (baseando-se na validao intersubjetiva de todo saber). Assim, discursos pragmticos, ticos e morais seriam usos distintos de uma mesma forma de racionalidade: a razo prtica.

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    seu espectro argumentativo, por ser um sistema de ao, alm de um sistema de conhecimento. Disso decorre que o direito se compromete com resultados e necessita de um aparato coercitivo que lhe empreste efetividade. O direito no pode depender apenas, como a moral, da motivao interna de cada indivduo. Alm disso, o ordenamento jur-dico se refere a uma comunidade poltica concreta, a uma repblica de cidados. Dessa forma, seu mbito de univer-salidade reduzido em relao moral, que se refere a toda a humanidade. Os Direitos Humanos se situam muito mais no mbito moral do que no jurdico. Porm, nos Estados de Direito, enquanto Direitos Fundamentais, que podem ganhar densidade e efetividade.

    Assim, o termo Direitos Humanos, dotado de uma car-ga maior de universalidade e generalidade, mesmo diante da importncia com que recentemente tem se revestido os tratados internacionais, por vezes sofre obstculos de efeti-vao. Os Direitos Fundamentais, que se densificam numa dada comunidade poltica, se por um lado ganham em concretude, por outro, perdem em amplitude, podendo, s vezes, restringir-se quilo que seja bom para ns, e no, o que seja justo para todos.

    Em resumo, a razo prtica volta-se para o arbtrio do su-jeito que age segundo a racionalidade de fins (uso prag-mtico), para a fora de deciso do sujeito que se realiza autenticamente (uso tico) ou para a vontade livre do sujei-to capaz de juzos morais (uso moral), conforme seja usada sob os aspectos do adequado a fins, do bom ou do justo.

    Os discursos jurdicos, por sua vez, incorporam argumentos das mais variadas ordens. Habermas, depois de mudar de entendimento, adotou a tese de que no h uma espcie de subordinao entre moral e direito, deixando o mesmo de ser um mero caso especial da argumentao moral. En-quanto argumentao prtica, a argumentao jurdica se vale, no plano da justificao das normas que se d, de maneira central, nas arenas parlamentares , tanto de dis-cursos pragmticos quanto ticos e morais, alm das nego-ciaes reguladas por procedimentos.

    Uma vez integrados na norma jurdica, entretanto, tais ar-gumentos morais (que dizem respeito ao que justo), ti-co-polticos (referentes auto-compreenso valorativa dos cidados e aos projetos de vida coletivos que pretendem empreender), bem como pragmticos (de adequao de meios a fins) passam a obedecer lgica deontolgica dos discursos jurdicos, com seu cdigo binrio de validade.

    O direito (com seu cdigo jurdico/no-jurdico) deonto-lgico como a moral (cujo cdigo binrio implica na dis-tino justo/injusto), mas dessa se diferencia, para alm de

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    As garantias tm status activus processualis e refe-rem-se ao carter instrumental de proteo dos direitos. Afinal, do que adiantaria ter um direito ou uma liberdade se no houvesse um instrumento judicial para garantir sua efetivao quando fossem os mesmos descumpridos? As garantias constitucionais podem ser, segundo Paulino Jac-ques:

    a) Criminais preventivas: garantem a plenitude da de-fesa, a inexistncia de tribunais de exceo, a legalidade do processo e da sentena, o tribunal do jri em crimes do-losos contra a vida, a comunicabilidade da priso, dentre outros;

    b) Criminais repressivas: garantem a individualizao, personalizao e da pena, a inexistncia de priso civil por dvida e de extradio de brasileiros e de estrangeiros por crime poltico ou de opinio, dentre outros;

    c) Tributrias: garantem a legalidade do tributo, impe-dem que o mesmo tenha natureza de confisco, que incida sobre situaes passadas, dentre outros;

    d) Civis: abrangendo a assistncia judiciria gratuita, a cincia dos despachos e informaes nas reparties pbli-cas, a expedio de certides, dentre outros.

    3. Direitos, liberdades e garantias

    O inciso XLI do art. 5 da Constituio Federal diz o seguinte:

    XLI a lei punir qualquer discriminao atentatria dos di-reitos e liberdades fundamentais;

    O inciso parece, assim, indicar que existe uma distino en-tre direitos e liberdades. Por outro lado, o Ttulo II do enun-ciado normativo constitucional, em que se situa o art. 5, refere-se a Direitos e Garantias Fundamentais. Ora, as ga-rantias e as liberdades estariam excludas do que entende-mos ser os direitos fundamentais?

    Na verdade, devemos pensar direitos como sendo um g-nero bastante amplo que se subdivide em (i) liberdades, (ii) direitos em sentido estrito e (iii) garantias. As liberda-des tem status negativus, ou seja, defendem a esfera do cidado perante o Estado e, como vimos, remetem primei-ramente ao constitucionalismo ingls. Constituem fortes elementos de proteo gerando para o Estado um dever de absteno, de no-fazer. Os direitos em sentido estrito, por outro lado, tem status positivus ou activus o que signi-fica dizer que apresentam um duplo aspecto: ou relativo participao ativa na sociedade (do que o voto o exem-plo mais evidente) ou relativo s prestaes necessrias ao desenvolvimento da existncia individual, no que incluir-amos direitos econmicos, sociais, culturais e ambientais, que devem ser cumpridas pelo Estado.

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    abusiva essa ao que vai garantir a liberdade de locomo-o. O Habeas Corpus possui algumas caractersticas im-portantes: uma ao gratuita, sem muitas exigncias for-mais, podendo ser ajuizada por qualquer pessoa ou seja, uma das poucas situaes em que cada um de ns pode bater s portas do Judicirio, sem precisar de advogado, para garantir uma liberdade nossa ou de um terceiro.

    Outra garantia o Habeas Data. Ele resguarda o direito in-dividual de ter acesso s prprias informaes pessoais que constem de registros ou banco de dados de entidades go-vernamentais ou de carter pblico, prezando-se tambm correo de tais dados quando no se preferir faz-lo via processo sigiloso, judicial ou administrativo. O Habeas Data tambm uma ao gratuita, porm exige que o interessa-do esteja representado por um advogado.

    Uma terceira garantia o Mandado de Segurana que ser-ve para proteger direito lquido e certo, excetuados aque-les que j so resguardados pelo Habeas Corpus e Habeas Data, quando o responsvel pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pblica ou agente de pessoa jurdica no exerccio de atribuies do Poder Pblico.

    Podemos citar, ainda, o Mandado de Injuno que utili-zvel quando o exerccio dos direitos e liberdades consti-tucionais e das prerrogativas inerentes nacionalidade, soberania e cidadania forem inviabilizados pela ausncia de uma norma regulamentadora. Afinal, existem direitos

    Voc sabia que...

    Em 23 de fevereiro de 2006, contrariando a jurisprudncia at ento prevalente, em apertada votao, por seis votos a cinco, o Plenrio do Supremo Tribunal Federal (STF) reco-nheceu a inconstitucionalidade do pargrafo 1, do artigo 2, da Lei 8.072/90 (conhecida como Lei de Crimes Hedion-dos), que proibia a progresso de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos, ou seja, proibia que conde-nados por tais crimes pudessem passar do regime fechado de cumprimento de pena para o semiaberto, e depois para aberto, caso apresentassem comportamento adequado? E que o fundamento para declarar tal inconstitucionalidade foi que o pargrafo 1, do artigo 2, da Lei 8.072/90 feria o princpio da individualizao da pena, uma garantia consti-tucional conforme vimos acima?

    Dentre as mais recentes garantias, inclui-se a garantia ra-zovel durao do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitao (inciso LXXVIII do art. 5 inclu-do pela Emenda Constitucional n. 45 de 2004). Algumas garantias, porm, assumem a forma de verdadeiras aes algumas delas conhecidas de todos ns. Quais seriam essas aes mandamentais (tambm chamadas de writs)?

    A primeira delas seria o Habeas Corpus. Sendo uma garan-tia, precisamos lembrar que ela em si resguarda uma liber-dade ou um direito no caso, a possibilidade de ir e vir. Desse modo, quando algum sofre uma priso ilegal ou

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    Direitos, liberdades e garantias

    Caractersticas dos direitos humanos

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    Direitos como sistema de princpios

    Alguns direitos humanos fundamentais em

    espcie

    Direitos humanos, minorias e democracia

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    O fundamentos dos direitos humanos

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    elencados pela Constituio que precisam de uma lei espe-cfica, de um decreto para serem efetivados. E, ante a omis-so do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, no pode o indivduo ser privado de um direito ou de uma liberdade que a Lei Maior lhe garantiu. Assim, o Poder Judicirio po-deria suprir-lhe a ausncia at que o rgo encarregado da regulamentao o fizesse.

    Aclaradas o que sejam as garantias, voltemos distino entre direitos em sentido estrito e liberdades. H situaes em que a diferenciao entre uma e outro bastante t-nue. Seno, vejamos: a vida, afinal, seria o qu: liberdade ou direito? De um lado, poderamos dizer que as presta-es ou aes positivas do Estado, como, por exemplo, a manuteno do sistema de sade, da segurana pblica e do sistema previdencirio estariam diretamente vinculados mantena da prpria vida, razo por que esta seria um direito. Por outro lado, poderia-se apontar que, por vezes, a oponibilidade tortura e morte indevida perpetrada pe-los agentes do Estado aproximam a vida da noo de liber-dade, materializando um dever de absteno para o ente pblico.

    Assim, o direito (em sentido amplo) vida teria, ao mes-mo tempo, um status negativus (garantia de no ser mor-to pelo Estado) e um status positivus (direito de dispor de condies mnimas de subsistncia). Nesses casos em que a diferenciao se mostra duvidosa, costuma-se utilizar um

    critrio adicional: a diferena dos direitos em relao s li-berdades passa a ter como parmetro a existncia ou no de alternativa de comportamentos: o direito no tem; a li-berdade, tem.

    O direito vida direito e no liberdade porque no posso escolher entre viver e morrer. Nas liberdades, a componen-te negativa dimenso fundamental. A liberdade de cren-a, na verdade, significa tanto ter quanto no ter qualquer crena; a liberdade de locomoo significa tanto a possibi-lidade de ir e vir quanto a de permanecer onde estou. De qualquer modo, no h hierarquia entre direitos, liberdade e garantias, de tal modo que todos receberam status cons-titucional na proteo de um princpio maior, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

    Importante destacar que as violaes a direitos fundamen-tais no ocorrem somente no mbito das relaes entre o cidado e o Estado, mas igualmente nas relaes travadas entre pessoas fsicas e jurdicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituio vin-culam diretamente no apenas os poderes pblicos, estan-do direcionados tambm proteo dos particulares em face dos poderes privados.

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    4. Caractersticas dos direitos huma-nos fundamentais

    Alexandre de Moraes aponta algumas caractersticas dos direitos fundamentais, o que nos ajuda a ter uma dimenso de sua elevada posio hermenutica dentro do ordena-mento jurdico:

    a) Imprescritibilidade: os direitos humanos fundamen-tais no se perdem pelo decurso do prazo. Por isso, h aes que podem ser ajuizadas a qualquer tempo, independe do momento em que se deu a ofensa a prtica de racismo, por exemplo, um crime imprescritvel.

    b) Inalienabilidade: os direitos humanos fundamentais no podem ser transferidos para outro titular, quer a ttulo gratuito, quer a ttulo oneroso. Isso significa dizer que direi-tos no podem ser doados nem alienados ningum, por exemplo, pode vender a prpria liberdade.

    c) Irrenunciabilidade: recentemente, um caso na Euro-pa chamou a ateno. Alguns anes aceitaram participar de um programa de televiso, que os expunha ao ridculo, em troca de valor econmico. No referido programa, uma competio premiava que arremessasse o ano a uma maior distncia. Tal fato gerou indignao social e o com

    prometimento da dignidade da pessoa humana, que no renuncivel nem de todo disponvel, acabou fazendo com que a Justia proibisse tal tipo de programao, ainda que houvesse o consentimento dos indivduos expostos quela situao vexatria.

    d) Inviolabilidade: os direitos humanos fundamentais no podem ser desconsiderados por atos das autoridades pblicas ou por determinaes infraconstitucionais, sob pena de responsabilizao civil, administrativa e criminal dos envolvidos.

    e) Universalidade: a abrangncia desses direitos alcan-a a todos os indivduos indistintamente, independente de sua nacionalidade (mesmo o estrangeiro em trnsito no Brasil titular de tais direitos), sexo, raa, credo, orientao sexual ou convico poltico-filosfica.

    f ) Efetividade: a atuao do Poder Pblico deve ser no sentido de garantir a efetivao dos direitos e garantias pre-vistos, com mecanismo coercitivos para tanto, uma vez que a Constituio no pode se prezar apenas a um reconheci-mento abstrato dos mesmos.

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    g) Interdependncia: as vrias previses constitucio-nais, apesar de autnomas, possuem diversas interseces para atingirem suas finalidades. Assim, o sistema constitu-cional precisa ser percebido em sua rede de garantias e direitos, numa relao de aportes mtuos.

    h) Complementaridade: os direitos humanos funda-mentais no devem ser interpretados isoladamente. A Constituio deve ser entendida como fundadora de uma comunidade de princpios que so mutuamente constituti-vos entre si.

    i) Historicidade: os direitos fundamentais surgiram em vrias geraes. A primeira gerao que remete ao sculo XVII e XVIII deu origem aos direitos civis; a segunda (scu-lo XIX e incio do XX) aos direitos sociais; a terceira (aps a Segunda Guerra Mundial), aos direitos coletivos e difusos. Alguns j apontam na contemporaneidade uma quarta ge-rao de direitos, relativa inclusividade. Todavia, o surgi-mento de novas demandas e de novos direitos, por conse-qncia, no anulam aqueles historicamente construdos. H um acmulo de reconhecimento que, embora possa enfrentar momentos pontuais de recuo e violaes, histori-camente se afirmam e se ampliam.

    Enquanto os direitos de primeira gerao (direitos civis e polticos) que compreendem as liberdades clssicas, ne-gativas ou formais realam o princpio da liberdade e os direitos de segunda gerao (direitos econmicos, sociais e culturais) que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas acentuam o princpio da igualdade, os direitos de terceira gerao, que materializam poderes de titularidade coletiva atribudos genericamente a todas as formaes sociais, consagram o princpio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de de-senvolvimento, expanso e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamen-tais indisponveis, nota de uma essencial inexauribilida-de (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Mandado de segu-rana n. 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30.10.1995, Plenrio, DJ de 17.11.1995).

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    5. Direitos como sistema de princpios

    A princpio, havia um pensamento geral entre os doutrina-dores do campo do Direito de que o ordenamento jurdico era composto de regras e de que os princpios tinham car-ter extra-normativo. Pouco a pouco, os princpios passaram a ingressar nos Cdigos como sendo fonte normativa subsi-diria, invocados na ausncia de uma regra clara e especfi-ca. Recentemente, porm, reconheceu-se que os princpios tambm apresentam carga normativa, do que decorreu um novo entendimento: a Constituio um sistema normati-vo aberto de regras e princpios.

    Norma passou a ser gnero, enquanto regras e princpios tornaram-se duas espcies distintas. Mas, como distingui-las? Para tanto, utilizaremos dois autores:

    I. Ronald Dworkin

    As regras so aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-no-thing), no sentido de que, se a hiptese de incidncia de uma regra preenchida, ou a regra vlida e a conseqn-cia normativa deve ser aceita, ou ela no considerada v-lida. No caso de coliso entre regras, uma delas deve ser considerada invlida. A regra o ltimo a sair da sala deve apagar a luz exclui a regra o ltimo a sair da sala deve dei-xar a lmpada acesa e vice-versa. A regra s no aplicada absolutamente se ela mesma j houver previsto hipteses de exceo.

    No caso dos princpios, os mesmos no determinam nada em absoluto, contendo apenas fundamentos que devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princpios. Os princpios possuem dimenso de peso (mais ou menos), demonstrvel na hiptese de coliso de princpios, caso em que o princpio com peso relativo maior se sobrepe ao outro, sem que este perca sua validade. O direito vida, por exemplo, sobrepe-se liberdade de crena em face de rituais ou dogmas religiosos que com-prometam a integridade fsica da pessoa. Porm, a liberda-de de crena no se torna invlida por isso. Ela continuar se afirmando, em outras situaes como plenamente vli-da como, por exemplo, o direito dos sabatistas de prestar concurso pblico em outro dia que no o sbado.

    II. Humberto vila

    O autor brasileiro cita trs critrios possveis de distino:

    a) Quanto ao modo como prescrevem o comportamento

    Regras so normas imediatamente descritivas, haja vista descreverem a conduta a ser adotada; so, portanto, nor-mas-do-que-fazer (ought-to-do-norms) e seu contedo diz respeito a aes. J os princpios so normas imediata-mente finalsticas, por estabelecerem um estado de coisas a ser atingido; so normas-do-que-deve-ser (ought-to-be-norms) e seu contedo diz respeito a um estado ideal de coisas.

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    b) Quanto justificao que exigem

    As regras possuem um carter retrospectivo (past-regar-ding) na medida em que descrevem uma situao de fato conhecido pelo legislador; assim, ao aplicar-se a regra, exi-ge-se apenas a demonstrao da subsuno, ou seja, da correspondncia entre a situao ftica e a descrio que est no texto da norma. J os princpios tm um carter prospectivo (future-regarding), pois determinam um esta-do de coisas a ser construdo; assim, o que se exige do apli-cador da norma a correlao entre os efeitos da conduta e a realizao gradual de um estado de coisas.

    c) Quanto medida de contribuio para a deciso

    Os princpios possuem pretenso de complementaridade, visto que abrangem apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de deciso, no tendo pretenso de gerar uma soluo especfica. As regras, em contrapartida, pos-suem pretenso terminativa, na medida em que pretendem gerar uma soluo especfica para a questo, abrangendo todos os aspectos relevantes para uma tomada de deciso.

    Diante dessa distino, quando os direitos se apresentam como regras no h maior dvida: devem ser aplicados in-tegralmente. Todavia, ainda que possamos ter regras ga-rantidoras de direitos e liberdades, bem mais comum que os vislumbremos condensados em princpios. Ora, a rigor a Constituio estabelece uma comunidade de princpios que so lidos luz do horizonte histrico e institucional,

    o que promove uma tica reflexiva de parmetros outrora universais. Os princpios, por terem um carter mais aberto, podem se submeter a juzos de adequao normativa, isto , podem ser analisados perante o caso concreto para que sua dimenso de peso ou importncia possibilite a desco-berta da resposta adequada nos casos concretos, quando um dos princpios passveis de aplicao recebe o status de dever em definitivo, em detrimento dos demais.

    Isso, porm, no nos pode levar a pensar que os direitos no sejam igualmente devidos. Afinal, pensar os direitos numa comunidade de princpios, na integridade de toda a rede institucional, histrica e de construo social de conte-dos, faz com que seu mbito de proteo seja conhecido de maneira mais justa. Desse modo, ningum pode supor que a liberdade de manifestao de pensamento seja ilimi-tada, quando essa comunidade de princpios resguardou igualmente a intimidade, privacidade, dignidade da pessoa humana, alm de ter vedado o racismo e outras formas de discriminao.

    Os direitos e garantias individuais no tm carter abso-luto. No h, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de carter absoluto, mesmo porque razes de relevante interesse pblico ou exign-cias derivadas do princpio de convivncia das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoo, por parte dos rgos estatais, de medidas restritivas das prer-rogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela prpria Constituio. O esta-

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    tuto constitucional das liberdades pblicas, ao delinear o regime jurdico a que estas esto sujeitas e considerado o substrato tico que as informa permite que sobre elas incidam limitaes de ordem jurdica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de ou-tro, a assegurar a coexistncia harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em de-trimento da ordem pblica ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Mandado de segurana n. 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16.09.1999. Publicado no Dirio da Justia de 12.05.2000).

    Esse carter principiolgico pe fim ao argumento de que os direitos no enumerados na Constituio seriam ine-fetivos. Ora, o carter histrico dos direitos fundamentais se afirma no teor aberto dos princpios da Constituio Federal. Vejamos um exemplo disso. Quando dos debates constituintes de 1987/1988, o art. 12, III, f do Projeto da Co-misso de Sistematizao, que pretendia estabelecer que ningum seria prejudicado ou privilegiado em razo de sua orientao sexual, foi reiteradamente atacado na imprensa na Folha de So Paulo, de 29.01.1988, um deputado da poca atacou publicamente tal proposta chamando-a pre-conceituosamente de emenda dos viados e na Tribuna do Plenrio at que fosse retirado do texto final da Consti-tuio.

    Destacamos um trecho de um discurso proferido na poca:

    A incluso da expresso Orientao sexual na alnea f, inciso III, art. 12, passa a estabelecer a garantia constitucio-nal aos portadores e praticantes de qualquer impulso, ten-dncia ou inclinao sexual. Permitir que tal expresso seja mantida no texto do Projeto , no mnimo, contribuir para uma Constituio contraditria, j que consideramos fun-damental e bsico a nova Carta Constitucional ser precisa e clara nos dispositivos que defendero a moral, os bons costumes e a famlia (Deputado Salatiel Carvalho, PFL/PE, Dirio da Assemblia Nacional Constituinte de 19.08.1988, p. 4600).

    Todavia, embora tal direito no tenha sido enumerado, a comunidade de princpios instaurada pela Constituio, complementada pela mudana do horizonte histrico, per-mitiu que recentes decises proferidas pelo Poder Judici-rio reconhecesse no prprio texto constitucional, e na com-plementaridade dos princpios de igualdade e dignidade da pessoa humana, argumentos suficientes proteo das unies homoafetivas.

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    6. Alguns direitos humanos funda-mentais em espcie

    6.1. Direito memria e verdade

    A redemocratizao da Amrica Latina ps em pau-ta a existncia de um certo dficit de memria, provocado, principalmente, pelo ocultamento das inmeras violaes de direitos humanos praticadas pelos militares e seus cola-boradores durante os regimes ditatoriais. Surgiram, assim, vrias Comisses de Verdade e Reconciliao, algumas in-clusive oficiais, com a inteno de enfrentar criticamente o passado traumtico e trazer tona as experincias silencia-das de torturas, mortes e desaparecimentos polticos, a fim de repar-las no apenas por meio de indenizaes, mas tambm atravs da apurao dos fatos e responsabilizao dos agentes envolvidos.

    No Brasil, a primeira exposio pblica do passado de vio-laes aos direitos humanos perpetradas pelo militarismo foi realizada por iniciativa no-governamental. O Projeto Brasil: nunca mais, encabeado por D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal-Arcebispo de So Paulo, e Rev. Jaime Wright, pastor presbiteriano, investigou secretamente, de agosto de 1979 a maro de 1985, a dinmica de represso da ditadura, do que resultou a identificao de desaparecidos polticos, al-gozes e mtodos de tortura empregados.

    Todavia, somente com a eleio presidencial de Fernando Henrique Cardoso, ex-perseguido poltico, que a memria clandestina dos opositores ao regime militar encontrou eco no poder institucional, graas aprovao da Lei n 9.140/95 por meio da qual o Estado reconhecia oficial-mente como mortos os que detidos por agentes pblicos em razo de participao em atividades polticas, entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, tivessem de-saparecido sob sua custdia, responsabilizando-se, assim, pelas indenizaes devidas e conseqente criao da Comisso Especial sobre Mortos e Desaparecidos Polticos (doravante designada por CEMDP).

    Posteriormente, por duas vezes o alcance dessa lei foi am-pliado: em 2002, pela Lei n 10.536, passou-se a considerar a data de 5 de outubro de 1988 como termo final do per-odo de abrangncia dos desaparecimentos; em 2004, pela Medida Provisria 176, convertida na Lei n 10.875, os casos de morte em conseqncia de represso policial sofrida em manifestaes pblicas ou em conflitos armados com agentes do poder pblico, bem como os suicdios cometi-dos na iminncia de priso ou em decorrncia de seqelas psicolgicas resultantes de atos de tortura praticados por esses mesmos agentes tambm passaram a ensejar inde-nizao.

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    Nesse contexto, a atuao da CEMDP destacou-se em trs frentes: reconhecimento pblico da morte ou desapareci-mento dos perseguidos polticos; apreciao dos pedidos de indenizao, bem como sua quantificao, quando de-vidos; sistematizao de informaes, inclusive genticas (via banco de DNA), para o fim de futura localizao e iden-tificao dos restos mortais dos desaparecidos.

    Percebeu-se que a cura do trauma social causado pela dita-dura militar no se obtm apenas pelo reconhecimento das violaes aos direitos humanos e pela reparao material s vtimas. Alm desses, dois outros elementos so essenciais para uma superao possvel do passado: a responsabilida-de e a reconstruo, ou seja, a identificao dos culpados e a deciso pblica sobre o tratamento a que fazem jus o que pode incluir at o perdo.

    Alm disso, na esteira das discusses sobre a mem-ria, permanece em evidncia a discusso sobre a Lei n 11.111/2005 que, ao prever a possibilidade de vedao in-definida de consulta aos documentos cujo sigilo seja tido por imprescindvel segurana da sociedade e do Estado, pode impedir o acesso aos registros pblicos contidos nos arquivos dos rgos de informao civis e militares do pe-rodo ditatorial e, conseqentemente, evitar uma recons-truo da narrativa (ou do silncio) oficial sobre inmeros acontecimentos passados.

    V-se, pois, que a delimitao da fronteira do mbito nor-mativo do direito memria ainda permanece em forte pe-numbra. Mas possvel apontar alguns desdobramentos de seu reconhecimento, tais como a garantia (a) da existn-cia de critrios transparentes e pblicos de classificao de documentos de interesse coletivo, revendo-se o quadro de referncia (reservado, confidencial, secreto e ultra-secreto) remanescente do regime militar; (b) da elaborao de um inventrio de todos os arquivos pblicos e/ou privados de carter pblico; (c) da cincia irrestrita de informaes constantes de documentos que elucidem violaes contra os direitos humanos e que se encontrem sob a guarda do Estado, bem como a possibilidade de seu manuseio; (d) da utilizao consciente de tais registros na responsabilizao dos agentes pblicos e na reparao das vtimas. Em suma, essa dimenso do direito memria responderia s princi-pais reivindicaes feitas por ocasio da atual reconstruo do passado de regime militar no Brasil.

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    6.2. Liberdade de crena e smbolos religiosos

    Numa sociedade aberta e pluralista, a ausncia de um cre-do oficial irremediavelmente suscita uma discusso sobre os limites do proselitismo verificvel na esfera pblica e que se aperfeioa via oferta/consumo de bens religiosos, o que demonstra uma clara tentativa de se estabelecer regras mnimas tanto de convvio pacfico entre as concorrentes empresas de salvao, quanto de neutralidade nas relaes que o Estado mantm com tais empresas. Ora, em face da religio tratar-se de um campo simblico por excelncia, tal neutralidade deve, por conseqncia, impedir que o Esta-do fomente a exibio de um smbolo religioso na esfera pblica entendimento esse que, crescentemente, tem sido desenvolvido nos Estados Unidos, razo por que os to-maremos como parmetro comparativo.

    Em 1980, a Suprema Corte norte-americana, no caso Stone v. Graham (449 U.S. 39), decidiu, pela primeira vez, decidir acerca da exibio de smbolo religioso em edifcio pblico. O caso em particular tinha por estopim uma lei do Estado do Kentucky que determinava: (i) a exibio permanente de uma cpia dos Dez Mandamentos, com 16 polegadas de largura e 20 polegadas de altura, em todas as salas de aula de escolas pblicas; (ii) a obrigatoriedade de constar um aviso A aplicao secular dos Dez Mandamentos claramente vista em sua adoo como um cdigo legal fun-damental da Civilizao Ocidental e da Common Law dos

    Estados Unidos logo abaixo do ltimo mandamento em todas as cpias; (iii) o custeio das referidas cpias mediante contribuies voluntrias.

    A deciso da Corte Constitucional foi no sentido de decla-rar a inconstitucionalidade da lei por violao da primeira parte do Lemon Test e, por conseqncia, inobservncia establishment clause da Primeira Emenda.

    A Primeira Emenda Constituio dos Estados Unidos trata de diversos temas, dentre os quais dois atinentes a ques-tes religiosas: as proibies de extino da liberdade de exerccio da religio (free exercise clause) e de estabeleci-mento de uma religio oficial ou de preferncias a um cre-do em detrimento dos demais (establishment clause).

    Mas, afinal, o que era o Lemon Test? O nome remete ao caso Lemon v. Kurtzman (403 U.S. 602) e se trata de um teste de verificabilidade de violao da Clusula de Estabelecimen-to estruturado em trs partes: 1) a ao estatal deve ter um propsito legislativo secular; 2) seu efeito principal ou primrio deve ser tal que no incentive ou iniba qualquer religio; 3) tal ao no pode gerar uma excessiva imbri-cao (entanglement) entre religio e governo. Voltemos, porm, ao voto da relatoria cuja fundamentao ressaltou trs argumentos:

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    A auto-declarao do ente pblico de que o propsito da exibio secular no exclui a natureza religiosa da mesma, principalmente ante o fato inegvel de que os Dez Manda-mentos correspondem a texto sagrado para os credos ju-daico e cristo, no sendo pois um smbolo indiferente e imparcial quanto a questes de f;

    Os Dez Mandamentos podem integrar o currculo esco-lar em estudos que envolvam histria, civilizao, tica ou comparao entre religies; sua exibio, porm, alm de no atender a nenhuma funo educativa, pode induzir sua leitura, meditao, venerao e/ou obedincia uma questo de devoo privada que no pode contar com es-tmulo ou inibio estatais;

    O custeio privado, mediante doaes, no descaracteriza a parcialidade do Estado em tais questes, haja vista que a exibio do texto sagrado sob seus auspcios j caracteriza apoio estatal.

    Detenhamo-nos um pouco mais no primeiro argumento. George W. Bush, na sua primeira campanha presidencial, afirmou em entrevista coletiva: Eu no vejo problema em serem os Dez Mandamentos expostos na parede de qual-quer edifcio pblico. Questionado acerca de qual verso protestante, catlica ou judaica preferiria ver exibida, o candidato no exitou: A verso padro. Ocorre, porm, que no existe uma verso padro. Paul Finkelman, em estudo exaustivo em que restou comparado o teor dos Dez Man-damentos para quatro grupos religiosos (judeus, catlicos,

    luteranos e demais protestantes), concluiu que as verses divergem quanto numerao dos versculos, sua tradu-o e, at mesmo, ao prprio contedo mandamental.

    O mandamento no matars, por exemplo, consta nas tradues inglesas de dois modos: ou you shall not kill ou you shall not murder. Na primeira traduo, o sentido matar o mais amplo possvel, ao passo que na segunda bastante especfico e relacionado noo de homicdio, as-sassnio. Ora, membros de denominaes pacifistas, como quakers e menonitas, que se utilizam da primeira traduo, invocam-na oportunamente para questionar a validade da pena de morte e justificar a negativa de prestar servio militar. V-se, pois, que, face inexistncia de uma verso padro, no haveria como uma exibio do declogo ser neutra ou no-sectria, mesmo entre aqueles que tem tal texto por sagrado.

    Posteriormente, em 1984, a Suprema Corte voltou a en-frentar o tema no caso Lynch v. Donnelly (465 U.S. 668). Em tal caso, declarou-se a constitucionalidade da exibio da cena da natividade de Jesus na cidade de Pawtucket, Rho-de Island, haja vista que o prespio se inseria numa exibi-o natalina mais ampla, que inclua diversos outros smbo-los, tais como: a rvore de Natal, a casa, as renas e o tren do Papai Noel, postes com listras coloridas, figuras recorta-das representando palhaos, elefantes e ursos, centenas de luzes coloridas e uma faixa saudando a chegada daquela estao. Ademais, o argumento de que tal exibio deveria ser percebida sob as pticas artstica, como uma mostra de

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    arte sacra, e econmica, por estimular o comrcio natalino, reforou o entendimento de que a mesma no incentivava o cristianismo.

    Todavia, destaca-se, em tal deciso, o voto da Juza Sandra Day OConnor que sugeria um novo teste de verificabilida-de de violao da Clusula de Estabelecimento: o endor-sement test, segundo o qual, a Corte deveria verificar no apenas a inteno presente na ao do ente pblico, mas principalmente que mensagem tal ao comunicaria. Des-se modo, ainda que o propsito principal de uma ao es-tatal fosse secular (conforme dispunha a primeira parte do Lemon Test), se a mesma criasse uma percepo na mente de um observador razovel de que o governo estivesse en-dossando ou desaprovando uma religio, comunicando a mensagem de que determinadas pessoas ocupariam uma condio de excludos (outsiders) na comunidade poltica, a clusula de estabelecimento estaria violada.

    Com base nesses critrios, mais que se justificaria o que a terceira verso do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), institudo pelo Decreto n 7.037, de 21 de dezem-bro de 2009, tratou sobre a questo. No Eixo Orientador III (Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades), dentro da Diretriz n. 10 que busca garantir a igualdade na diversidade, constava o Objetivo Estratgico VI que tratava do respeito s diferentes crenas, a liberdade de culto e a garantia da laicidade do Estado. Uma das Aes Program-ticas vinculadas a tal objetivo o de desenvolver mecanis-mos para impedir a ostentao de smbolos religiosos em

    estabelecimentos pblicos da Unio, recomendando tal atitude a todos os Poderes, bem como aos demais rgos estatais, estaduais, municipais e distritais.

    Todavia, a reao de setores religiosos a esta parte do docu-mento, bem como uma deciso anterior do Conselho Na-cional de Justia que determinou a manuteno dos crucifi-xos em Plenrios de Tribunais e salas de audincia do Poder Judicirio, demonstram o quanto a percepo de neutrali-dade do Estado em questes religiosas ainda perpassada por naturalizaes de usos, costumes e tradies, que no deveriam se afirmar por si s numa ordem constitucional plural que buscasse garantir igual respeito e consideraes a todos e a todas.

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    6.3. Direito igualdade como direito diversidade

    No plano da Teoria da Constituio e, particularmente, em referncia ao debate acerca dos direitos humanos, o atual quadro de incertezas provocado pela realidade complexa e contingente da presente ordem mundial, marcada por uma pluralidade cultural, tem legado idia universalizante de Direitos Humanos o desafio complexo de sua implemen-tao e, mais ainda, de uma adequada justificao. Assim, a trade da Revoluo Francesa de 1789, ao expressar os ideais revolucionrios da liberdade, igualdade e fraternida-de, tem sofrido diversas tentativas de atualizao, do que decorre uma nova compreenso acerca dos princpios nela consagrados.

    Para Denninger, o maior crtico da superao de tal heran-a francesa, a prtica constitucional atual se fundamenta numa nova trade: segurana, solidariedade e diversidade. Nesse novo contexto, a liberdade no pode continuar sen-do compreendida apenas sob uma tica egostica que se afirma perante o Estado e os demais cidados, mas precisa ser percebida como uma nova comunho de responsabili-dade entre o cidado e o Estado, ou uma nova comunho de riscos e de chances.

    Esta diferena se traduz na figura de um cidado ativo no processo de deciso poltico-administrativa no que se re-

    fere vigilncia e efetiva proteo e tutela dos princpios basilares do ordenamento jurdico e dos direitos inviol-veis da pessoa. A segurana surgiria, assim, como sucesso-ra da liberdade e fundada em dois pilares: na supremacia do interesse social sobre o privado, procurando limitar as atividades particulares que causem riscos integridade da comunidade, e na tentativa de construo de um instru-mento capaz de conter as imprevisibilidades do exerccio das liberdades.

    A fraternidade daria lugar noo de solidariedade, o que permitiria superar o conceito problemtico de nao. Com a Revoluo Francesa, o termo nao foi ressemantizado: o complexo tnico cedeu lugar comunidade democrtica intencional. A bem da verdade, em um primeiro momen-to no chegou a ocorrer a substituio consciente de um significado pelo outro, mas sim, um entrelaamento entre ethnos e demos, ou seja, entre uma conscincia nacional fundada numa origem e cultura comuns e uma comunida-de que exercia seus direitos democrticos de participao e comunicao uma vinculao, porm, muito mais con-veniente que conceitual.

    Afinal, o nacionalismo mostrou-se extremamente oportu-no ao conceito de republicanismo na medida em que foi capaz de criar um pano de fundo propcio para que os sdi-tos pudessem se tornar cidados politicamente ativos, quer atravs da legitimao de uma nova ordem poltica secular que precisava justificar sua autoridade em outros primados que no os religiosos, j extremamente frouxos em razo

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    do pluralismo moderno, quer por meio do apelo mais forte aos coraes e nimos, com vistas integrao das cons-cincias morais e ao fomento de uma solidariedade entre estranhos e tudo isso gestado com o auxlio de uma his-toriografia nacional, da comunicao de massa e do servio militar obrigatrio.

    Todavia, embora tenha havido uma percepo inicial de que nacionalismo e republicanismo estivessem entrelaa-dos, tais conceitos no so, de fato, conceitualmente atre-lados, haja vista que a liberdade nacional, entendida como auto-afirmao coletiva contra as naes estrangeiras, no coincide com a liberdade poltica dos cidados no mbito de um pas. Ademais, o conceito de cidadania possui um referencial prprio e que remete noo de autodetermi-nao, segundo a qual a constituio do Estado de direito no resulta de uma vontade uniforme fruto de uma homo-geneidade preliminar dos contratantes ou de suas formas de vida, mas sim, de um consenso discutido e buscado em meio a uma associao de homens livres e iguais, num pro-cesso democrtico de formao de opinio e busca de de-ciso.

    Assim, diante de traumticas situaes geradas pela natu-ralizao de uma identidade coletiva homognea ou ne-cessariamente homogeneizante, de que a Segunda Guerra exemplo evidente, a superao da fraternidade por uma solidariedade que se afirmasse entre estranhos, efetiva-mente mais que afetivamente, passou a ser extremamente necessria. Desse modo, a diversidade de identidades co-

    letivas super ou contrapostas e que correspondem a for-mas de vida marcadas por tradies nacionais deveriam se refratar nos postulados universais da democracia e dos di-reitos humanos, de tal modo que as identidades coletivas ficassem recobertas por um patriotismo que no se referiria ao todo da nao, mas sim, a procedimentos e princpios abstratos capazes de garantir as condies de convivncia e comunicao de formas de vida diversas, tratadas com igual considerao e respeito (igualdade/liberdade), princ-pios e procedimentos esses que ganhariam concretude nas tradies histrico-culturais que com eles coadunassem promovendo-se assim uma postura tica reflexiva em rela-o prpria herana tradicional.

    Por fim, a igualdade precisaria superar a viso de um todo universal, percebida de modo abstrato e genrico, para a coexistncia de uma pluralidade de identidades t-nicas, culturais e lingsticas, dando lugar diversidade.

    A tensa relao entre o velho ideal de uma igualdade de todos os cidados baseada no Estado-nao e o novo ideal de coexistncia de uma pluralidade de identidades tnicas, culturais e lingsticas tornou-se imediatamente clara no debate sobre a modificao da lei fundamental para incluir a proteo s minorias e dispositivos sustentando interes-ses minoritrios. Isso iria, com efeito, lanar fora o Estado Constitucional baseado numa cidadania nacional comum em favor de uma comunidade poltica multicultural e mul-tinacional (DENNINGER, 2003, p. 30).

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    Desse modo, a igualdade s pode ser pensada porque, na verdade, no somos iguais. O fato de sermos todos diferen-tes que, verdadeiramente, nos faz todos iguais. O direito igualdade, pois, passa a ser percebido como direito di-ferena, o direito de manter as prprias distines e de ser tratado pelo Estado e pelos demais cidados com respeito e consideraes quanto a elas. Isso justificaria tratamentos desiguais de proteo entre homens e mulheres, desde que fundamentado nas razes de sua desigualdade, como, por exemplo, a Lei Maria da Penha bem como as aes afir-mativas, os sistemas de cotas, dentre outras tantas aes de discriminao positiva.

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    Especificamente em relao matria em questo, diversos tratados o abordavam. O Pacto de So Jos da Costa Rica sobre Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, proibiu, em seu artigo 7, pargrafo 7, a priso civil por dvida, excetuado o devedor voluntrio de penso alimen-tcia. O mesmo ocorreu com o artigo 11 do Pacto Interna-cional sobre Direitos Civis e Polticos, patrocinado em 1966 pela Organizao das Naes Unidas (ONU), ao qual o Brasil aderiu em 1990.

    Pacto de So Jos da Costa Rica, artigo 7, pargrafo 7:

    7. Ningum deve ser detido por dvida. Este princpio no limita os mandados de autoridade judiciria compe-tente expedidos em virtude de inadimplemento de obriga-o alimentar.

    Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos, artigo 11:

    Art. 11. Ningum poder ser preso apenas por no poder cumprir com uma obrigao contratual.

    At a Declarao Americana dos Direitos da Pessoa Huma-na, firmada em 1948, em Bogot (Colmbia), com a partici-pao do Brasil, j previa esta proibio, enquanto a Cons-tituio brasileira de 1988 ainda recepcionou legislao antiga sobre o assunto.

    6.4. Proibio da priso civil por dvi-da

    Na discusso sobre a constitucionalidade da priso civil por dvida no Supremo Tribunal Federal, prevaleceu o en-tendimento de que o direito liberdade um dos direitos humanos fundamentais priorizados pela Constituio Fe-deral e que sua privao somente pode ocorrer em casos excepcionalssimos e, no entendimento de todos os mi-nistros presentes sesso de julgamento, neste caso no se enquadrava a priso civil por dvida. Porm, para alm de tal reforo do princpio da liberdade, o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal permitiu, tambm, uma refle-xo sobre o papel dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos na garantia dos mesmos.

    O ento Ministro Menezes Direito filiou-se tese hoje ma-joritria, no Plenrio da Corte, que d status supralegal (aci-ma da legislao ordinria) a esses tratados, situando-os, no entanto, em nvel abaixo da Constituio. Essa corrente, no entanto, admite dar a eles status de constitucionalidade, se votados pela mesma sistemtica das emendas constitu-cionais pelo Congresso Nacional, ou seja: maioria de trs quintos, em dois turnos de votao, conforme previsto no pargrafo 3 do artigo 5 da Constituio Federal (acrescido pela Emenda Constitucional n 45/2004).

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    6.5. Proibio do racismo

    Escrever, editar, divulgar e comerciar livros fazendo apo-logia de idias preconceituosas e discriminatrias contra a comunidade judaica (Lei 7.716/89, artigo 20, na redao dada pela Lei 8.081/90) constitui crime de racismo sujeito s clusulas de inafianabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5, XLII). (Habeas corpus n. 82.424, Rel. Min. Maurcio Corra, julgamento em 17.09.2003, Plenrio. Publicado no Dirio da Justia de 19.03.2004).

    O Supremo Tribunal Federal, por 8 votos a 3, entendeu que a propagao de idias discriminatrias ao povo judeu crime de racismo, negando o pedido de habeas corpus e mantendo a condenao dada pelo Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul ao editor Siegfried Ellwanger por divul-gar livros de contedo anti-semita.

    Segundo Celso Lafer,

    Em seu prembulo, a Constituio sustenta os valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos e contempla, entre os objetivos da Repblica, o de promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao. No captulo dos direitos, a Constituio brasileira consagra o princpio genrico da igualdade e da no-discriminao. Especifica tambm que a prtica do racismo crime ina-

    Tambm a Conferncia Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em Viena (ustria), em 1993, com participao ati-va da delegao brasileira, ento chefiada pelo ex-ministro da Justia e ministro aposentado do STF, Maurcio Corra, preconizou o fim da priso civil por dvida. Em tal evento, ficou bem marcada a interdependncia entre democracia e o respeito dos direitos da pessoa humana, tendncia que se vem consolidando em todo o mundo.

    Todavia, os tratados internacionais sobre direitos hu-manos no teriam poder de se sobrepor Constituio Fe-deral, nem o de equipar-se a ela a menos que aprovados nas Casas Legislativas segundo o mesmo procedimento de uma Emenda Constitucional. Conforme entendimento ma-joritrio do Supremo Tribunal Federal, tais tratados teriam apenas uma condio de superioridade em relao s leis ordinrias internas do Pas. Se por um lado, isso fortalece a soberania do Estado em seu mbito interno, no sub-metendo o Brasil, de imediato, s decises feitas por seus representantes diplomticos em mesas de entendimento internacionais, por outro pode fragilizar a efetivao de direitos humanos fundamentais principalmente porque, em nvel internacional, a afirmao de tais direitos histori-camente consolidada.

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    A maioria dos ministros, porm, preferiu ampliar a discus-so, no se detendo simplesmente na interpretao se-mntica da palavra raa. Maurcio Corra salientou que a gentica baniu de vez o conceito tradicional de raa, e a di-viso dos seres humanos em raas decorre de um processo poltico-social originado da intolerncia dos homens. Tal grupo entendeu que as idias contidas nos livros editados por Ellwanger no seriam uma mera reviso histrica do conflito entre alemes e judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Para Corra e os demais sete ministros, a divulga-o das obras poderia colocar em risco a segurana dos ju-deus que vivem no Brasil, com a incitao ao preconceito e dio aos semitas.

    O caso Ellwanger, assim, ampliou o alcance jurdico dado pela proibio ao racismo, fazendo-o chegar a todas as formas de preconceito e discriminao, garantindo subs-tancialmente a alteridade e o mtuo reconhecimento das diferenas.

    fianvel e imprescritvel, sujeito pena de recluso nos termos da lei. Enfim, o caso Ellwanger um marco na juris-prudncia dos direitos humanos, cuja prevalncia na Cons-tituio de 1988 uma das notas identificadoras do Estado democrtico de Direito.

    Para ler o artigo de opinio de Celso Lafer na ntegra:

    http://www.verdestrigos.org/sitenovo/site/cronica_ver.asp?id=271

    At chegar a uma deciso final, a Corte enfrentou nove me-ses de debate, centrando na definio de trs conceitos: racismo, liberdade de expresso e manifestao do pensa-mento individual. Os ministros ficaram polarizados em dois grupos. De um lado, o relator Moreira Alves, Carlos Ayres Bri-to e Marco Aurlio Mello eram favorveis ao habeas corpus do editor Ellwanger, e defendiam que os judeus no podem ser considerados uma raa, no podendo assim condenar o editor gacho por um ato de discriminao. O grupo defen-deu ainda a liberdade de expresso e a manifestao do pen-samento individual, uma vez que Ellwanger foi condenado por disseminar idias de contedo anti-semita, e no por ir s ruas distribuir panfletos e incitar a populao pedindo morte aos judeus, como lembrou o ministro Marco Aurlio.

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    Voc sabe quais so as clusulas ptreas constantes da Constituio?

    Art. 60.

    4. No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir:

    I - a forma federativa de Estado;

    II - o voto direto, secreto, universal e peridico;

    III - a separao dos Poderes;

    IV - os direitos e garantias individuais.

    Todavia, quando o sujeito constitucional assume uma iden-tidade parcial (via de regra, majoritria) em detrimento das demais existentes e, ao invs de transitar por entre as mes-mas, opta por proibi-las, inibi-las, oprimi-las ou coagi-las, mediante um simulacro de constitucionalismo, quebra-se a rica tenso acima mencionada e se estabelece uma in-questionvel supremacia da vontade da maioria, ainda que oculta sob um discurso de neutralidade e igualdade. Tome-se, por exemplo, o caso do vu islmico na Frana.

    7. Direitos humanos, minorias e de-mocracia

    O pluralismo, cuja ocorrncia atestada pela diversidade de identidades pr-constitucionais e parciais mutuamente excludentes, a razo prtica de existir do constitucionalis-mo. Afinal, numa ordem poltica plural, a identidade parcial majoritria sempre tem a seu favor o processo legislativo em si; s minorias, por outro lado, resta apenas a proteo dada pelos direitos constitucionais, evidentemente, con-tramajoritrios, o que estabelece uma rica tenso entre democracia e constitucionalismo, princpios que, embora contrrios, no se contradizem antes, constituem-se reci-procamente.

    A liberdade de pensamento ou de expresso (...) realmente significa proteger os pontos de vista com os quais a maioria no est de acordo, porque os pontos de vista com os quais a maioria concorda no precisam de proteo constitucio-nal (ROSENFELD, Michael).

    Esse um dos motivos pelos quais os direitos e as garan-tias individuais foram resguardadas pela Constituio Fe-deral como sendo clusula ptrea (art. 60, 4). Isso signifi-ca dizer que o Poder Constituinte Derivado, ou seja, que as emendas ou revises constitucionais, no podem abolir os direitos e garantias fundamentais que foram includos no texto constitucional, mas to somente ampli-los.

  • Educao para a Diversidade e CidadaniaFundamentos Histricos, Filosficos e Jurdicos dos Direitos Humanos

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    Fundamentos Histricos, Filosficos e Jurdicos

    dos Direitos Humanos

    Apresentao

    Uma herana de dois contituionalismos

    Dos direitos humanos aos direitos humanos

    fundamentais

    Direitos, liberdades e garantias

    Caractersticas dos direitos humanos

    fundamentais

    Direitos como sistema de princpios

    Alguns direitos humanos fundamentais em

    espcie

    Direitos humanos, minorias e democracia

    Bibliografia

    Textos Complementares

    Desenvolvimento histrico dos direitos

    humanos

    Fundamentos dos direitos humanos

    O fundamentos dos direitos humanos

    Liberdade e Igualdade

    Ora, do mesmo modo que pluralismo e heterogeneidade so implcitos noo de constitucionalismo, proporcio-nalidade e no, apenas, similaridade se insere na idia de sujeito constitucional. A ttulo de exemplo, uma lei que, de modo explcito, proibisse o funcionamento do comrcio aos domingos, seguramente tornar-se-ia bem mais onero-sa para sabatistas e adventistas, na medida em que os mes-mos deixariam de trabalhar por dois dias da semana: um, em razo do preceito religioso; outro, em decorrncia da norma jurdica. Assim, no momento em que o sujeito cons-titucional conseguir espelhar, ao mximo, as diferenas e distines existentes entre as diversas identidades parciais, ou ao menos se mostrar sensvel a elas ao invs de masca-r-las mediante o discurso da neutralidade, possivelmente sero visveis, no Estado, o fortalecimento do constitucio-nalismo, o surgimento de um sentimento constitucional e de uma vontade de Constituio.

    Em 1989, na cidade francesa de Creil, algumas alu-nas argelinas e marroquinas, em nome da laicidade, foram proibidas de usar o vu islmico durante as aulas; em ra-zo disso, recorreram ao Conselho de Estado que, por meio de um parecer proferido em 27 de novembro daquele ano, permitiu o uso de sinais religiosos nas escolas, desde que no implicasse em manifestaes de agressividade ou de proselitismo para com os demais alunos numa clara de-fesa do pluralismo. Na poca, porm, os institutos de pes-quisa auferiram qu