Fundamentos Psicologicos Da Educacao

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Fundamentos Psicológicos da Educação Prof. Dr. Francisco J. Lima 1 Apresentação O conhecimento humano é resultado da produção de cada um e de todos na humanidade. Compreender os aspectos psicológicos que envolvem a pessoa humana é crucial para uma interação social esteada na cooperação, no respeito e na participação social de cada indivíduo, independentemente de quaisquer características que venha ter. No presente texto, indicaremos, de maneira breve, um pouco do percurso que o homem faz para aprender, considerando os constructos da Psicologia da Educação como matéria a ser estudada por discentes, não necessariamente do curso de Psicologia. Assim, antes de ser um texto que esgota esta área do conhecimento, é um texto que deixa possibilidades a serem construídas pela interação indispensável de professor/tutor/aluno, por intermédio do recurso educativo, que é o texto materializado no papel e na interação virtual. As várias questões, que deverão ser suscitadas a partir da leitura do presente material, serão (por intermédio de recursos tais como chats virtuais) debatidas, refletidas e ampliadas pelos agentes mediadores da disciplina. Exatamente, por este material ter sido produzido para uma educação a distância, é que construímos um texto que requer dos agentes de ensino e 1 Professor adjunto do Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco, tradutor e intérprete, psicólogo, coordenador do Centro de Estudos Inclusivos. E-mail: [email protected]

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Fundamentos Psicológicos da Educação

Prof. Dr. – Francisco J. Lima1

Apresentação

O conhecimento humano é resultado da produção de cada um e de

todos na humanidade. Compreender os aspectos psicológicos que envolvem a

pessoa humana é crucial para uma interação social esteada na cooperação, no

respeito e na participação social de cada indivíduo, independentemente de

quaisquer características que venha ter.

No presente texto, indicaremos, de maneira breve, um pouco do

percurso que o homem faz para aprender, considerando os constructos da

Psicologia da Educação como matéria a ser estudada por discentes, não

necessariamente do curso de Psicologia.

Assim, antes de ser um texto que esgota esta área do

conhecimento, é um texto que deixa possibilidades a serem construídas pela

interação indispensável de professor/tutor/aluno, por intermédio do recurso

educativo, que é o texto materializado no papel e na interação virtual.

As várias questões, que deverão ser suscitadas a partir da leitura do

presente material, serão (por intermédio de recursos tais como chats virtuais)

debatidas, refletidas e ampliadas pelos agentes mediadores da disciplina.

Exatamente, por este material ter sido produzido para uma educação

a distância, é que construímos um texto que requer dos agentes de ensino e

1 Professor adjunto do Centro de Educação, Universidade Federal de Pernambuco, tradutor e intérprete,

psicólogo, coordenador do Centro de Estudos Inclusivos. E-mail: [email protected]

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aprendizagem uma interação, pois como veremos com os estudos de Vygotsky e

Piaget, estarão na interação social e na atividade do indivíduo, a aquisição do

conhecimento. Logo, não poderíamos construir um material de sustentação para

esta disciplina, que na sua própria forma, não presumisse a participação do

professor mediador.

O ensino a distância não é a distância do aluno em relação ao

professor, não é seu afastamento físico dos demais colegas e nem mesmo é a

comodidade de cursar uma disciplina longe do espaço físico da universidade. A

educação a distância é a oportunidade de levar a mais pessoas a educação,

ampliar a essas pessoas o universo de relações sociais, mesmo quando um

colega de curso está a quilômetros de distância ou mesmo na mesa ao lado.

Contribuirmos, pois, com a educação a distância pelo ensino da

Psicologia Educacional é propiciarmos com que a reflexão e a cooperação entre

as pessoas se dêem, ainda que uma não esteja fisicamente ao lado da outra.

A construção lógica do presente material fará, pois, pleno sentido,

quando a participação do professor e dos demais colegas for materializada por

intermédio desta via que hoje encurta distâncias, inclui pessoas, desenvolve o

pensamento crítico, a cooperação e integra recurso tecnológico com a pessoa

humana, sem tirar desta a prioridade.

O texto que aqui é sucinto será significativamente ampliado pela

provocação/estimulação do docente. Entretanto, na forma em que se encontra,

permitirá ao aluno caminhar por si só e/ou com seus colegas na investigação de

seu conteúdo, buscando aprofundamento dos conceitos apresentados, bibliografia

complementar, relatos de aplicabilidade, ideias que discordam e ideias acordes

com o que aqui apresentamos.

Esperamos que o presente material seja um ponto de partida, pois

certamente, não construímos, nem tivemos a intenção de fazê-lo, um ponto de

chegada. De fato, ao apresentar a Psicologia da Educação, visamos trazer dela

contribuições para a prática cotidiana do docente.

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Acreditamos que os alunos desta disciplina possam, a partir deste

material, responder a uma necessidade social, presente em nosso país, qual seja,

a de ter recebido uma educação de qualidade, crítica, ética, respeitosa e cidadã.

O professor está pronto para aprender e espera que o aluno lhe

mostre o quê, como e o ritmo de ensinar, conforme a necessidade de cada

estudante.

Ao ter se deparado com este texto, esperamos que o estudante

possa extrair, das teorias psicológicas, as orientações que lhe sirvam ao melhor

ensino de seus futuros alunos. Esperamos que tenha desenvolvido um

pensamento reflexivo a respeito da prática docente, por intermédio do despertar

crítico, quanto aos modos tradicionais de ensino, sempre que desrespeitam o

aluno, sua individualidade, potencialidade e necessidade de estudante e pessoa

humana.

Por fim, almejamos que o aluno possa ter tido a oportunidade de

conhecer, não só pela leitura retilínea deste texto, mas pela reflexão sobre ele,

um pouco dos elementos que envolvem o processo de ensino-aprendizagem e a

prática docente, consciente de que esse processo não pode excluir o estudante

como agente ativo, interativo e cognoscitivo. Assim, convidamos a cada

estudante a ajudarmos a construir o conhecimento.

1- Introdução

Todo estudo de uma área implica no reconhecimento, entendimento

e aplicação de conceitos específicos do campo estudado. As

terminologias/conceitos que esteiam o corpus científico/teórico de estudo,

portanto, devem ser entendidos sob a perspectiva da área específica, muito

embora possam ser utilizados, com nuances diversas, em áreas afins e, por

vezes, antagônicas. A esse respeito Laface (1997) diz que:

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Vocabulários terminológicos determinam-se como objetos históricos e institucionalizados. Apresentam-se sob a forma de um repertório de termos definidos em áreas diversas de conhecimento e descrevem um certo objeto de valor. Estruturam-se, cognitivamente, fora da língua, mas instrumentalizam-se dela e, com ela, dinamizam o sistema de representação do universo humano. Manifestam-se no discurso e, como parte dele, significam coisas. (Laface, 1997: 35)

A seu turno Barbosa apud Laface op.cit ensina que:

(...) o universo de discurso metalingüístico de uma ciência - representação e síntese das suas descobertas e do saber construído -, quando bem elaborado e dotado da desejável precisão, conduz ao aprimoramento da atividade investigadora e da prática profissional correlata, em sua abrangência, de tal forma que esse discurso vem a ser enriquecido com novos ―fatos‖ e correspondentes unidades lingüísticas, reafirmando-se o processo dialético de alimentação e realimentação entre ciência básica e ciência aplicada. (BARBOSA, In LAFACE, 1997:13)

Ao estudarmos, então, os Fundamentos Psicológicos da Educação,

é importante construirmos as bases sobre as quais esta disciplina será erguida.

Por fundamentos entenderemos tudo que for pertinente e/ou inerente aos

princípios que regem, sustentam e orientam o campo de estudo da psicologia da

educação.

Por psicologia abarcaremos, no sentido mais amplo, a ciência que

estuda o comportamento humano, a partir de processos subjetivos e inter-

relacionais. Como alertam diversos estudiosos, entre eles Bock, Furtado &

Teixeira (2002), a Psicologia possui diversos objetos de estudos, cada um dos

quais entendidos em teorizações específicas. Assim,

se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista, ele dirá: ‗O objeto de estudo da Psicologia é o comportamento humano‘. Se a palavra for dada a um psicólogo psicanalista, ele dirá: ‗O objeto de estudo da Psicologia é o inconsciente‘. Outros dirão que é a consciência humana, e outros, a personalidade‖ (Bock, Furtado & Teixeira, 2002: 21).

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Os autores citados entendem que a complexidade na definição do

objeto de estudo da Psicologia dá-se também pelo fato de que o pesquisador se

confunde com o objeto estudado. Significa dizer que é o homem o objeto de

estudo da Psicologia e, neste caso, o pesquisador se inclui na mesma categoria

―homem‖, ou seja, ―estudar o homem é estudar sobre si mesmo‖ (Bock, Furtado &

Teixeira, 2002: 20). É diferente, por exemplo, quando se pensa no objeto de

estudo das ciências naturais, da biologia, da matemática, da química, da física. É

o que diferencia, portanto, o campo de estudo das ciências humanas, no qual se

inclui a Psicologia, a Educação.

Já por educação estenderemos o conceito à amplitude de todo o

processo que envolve a aquisição, transmissão e construção do conhecimento,

não só nos espaços escolares, tipicamente conhecidos como espaços

educacionais, mas também em todo e qualquer ambiente físico e social, inclusive

internet, em que haja a interação humana com vistas, ou como resultado de

ensino, à aprendizagem e transmissão/troca de conhecimento.

Em consonância com o que ensinam Barros e Barros (1999),

os fundamentos psicológicos da educação, portanto, consideram o indivíduo,

desde zero ano, à vida adulta, na extensão da longevidade humana.

Educação, em sentido lato, é um processo contínuo e complexo que vai desde o nascimento até à morte, abrangendo todos os espaços. O homem é um ser educando e educável, sempre e em toda a parte. Porém, em sentido mais restrito, a educação pode limitar-se topográfica e cronologicamente. O primeiro espaço educativo é a família, logo seguido da escola. Ambas as instituições devem visar a educação global da criança, cabendo à escola uma incidência particular na área cognitiva ou instrucional. Por seu lado, o tempo educativo por excelência abrange a infância e a adolescência. A Psicologia da Educação limita-se essencialmente ao espaço e ao tempo escolar, sem contudo menosprezar outras instâncias educativas, designadamente a família, dada a sua importância decisiva, colaborando a escola com os pais na causa comum que é a promoção do educando, a todos os níveis, em ordem à sua perfeição e felicidade. Quanto ao tempo, investe particularmente na primavera da vida, quando o educando é mais moldável e susceptível de ser ajudado a desenvolver-se em todas as dimensões, mas na consciência de que a pessoa, em qualquer etapa ou estação da vida, deve progredir até à maturidade plena. A

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Psicologia Educacional tem como núcleo central o processo dinâmico ensino/aprendizagem ou os diversos sistemas instrucionais, para que a aquisição e administração de conhecimentos se tornem mais científicas (Barros e Barros, 1999:5)

Segundo os autores, a compreensão do que vem a ser psicologia da

educação passa pelo entendimento das áreas que compõem esta ciência que, a

propósito, não constitui a ―psicologização‖ da educação, mas a psicologia atuando

em aspectos educacionais junto à educação. Nas palavras dos autores (op. cit:

12):

Para compreender e definir melhor a Psicologia da Educação, é conveniente definir os termos de que é composta esta designação Psicologia e Educação - e ainda Pedagogia. Muitos autores preferem a denominação de Psicologia Pedagógica ou de Psicopedagogia à de Psicologia da Educação. Outros chamam-lhe ainda Psicologia da Aprendizagem ou Psicologia Escolar, mas estas não esgotam nem se identificam totalmente com a Psicologia da Educação.

Em suma, definem os autores que a psicologia da educação é

ciência que organiza cientificamente os conhecimentos pertinentes à educação,

colaborando na escola, porém de modo diverso à da psicologia da educação,

muito embora a diferenciação terminológica não seja muito clara e encontre

unanimidade entre os autores. De qualquer modo, os autores chamam a atenção

para o fato de isso não ser o que mais importa, sendo, de fato necessário

considerar que:

(...) Na realidade, a Psicologia da Educação deve ter em conta todos os componentes do complexo processo educativo e dos dois pólos ou agentes educativos (educador e educando), bem como a relação entre ambos. Podemos afirmar que o seu objecto é a análise, promoção e avaliação do comportamento do educador e do educando em situação educativa, através de métodos científicos, com objectivos mais ou menos a curto ou a longo prazo, mais ou menos próximos (operacionais) ou finais, específicos ou gerais. A Psicologia da Educação estuda as condições psicológicas que rodeiam o acto educativo ou as implicações (mais do que aplicações) da Psicologia do Desenvolvimento e de outros ramos da psicologia no processo instrucional e educativo. Ela tenta fazer com que o ensino revista um carácter mais científico, para além do amadorismo e da simples boa vontade, através da elaboração de

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desenhos de planificação do processo instrucional que o psicólogo da educação deve ser capaz de programar, ajudando os professores no tratamento científico do acto educativo para que ele seja mais rigoroso e eficaz e se processe através das etapas estabelecidas (cf. Mayor (Dir.), 1985, pp. 557-561). A Psicologia da Educação tenta dar ao professor princípios e técnicas que lhe permitam compreender e intervir eficazmente no processo ensino-aprendizagem e capacidade para avaliar o produto, levando a um funcionamento mais eficaz da dinâmica escolar. Sprinthali e Sprinthall (1993, p. 8) falam de quatro pontos da agenda do processo de ensino-aprendizagem a ter em conta pelo psicólogo educacional: características dos alunos, atitudes dos professores, estratégias de ensino, matéria ou conteúdos. Esquematicamente devem definir-se as diversas circunstâncias: quem educa e a quem (agente e ‘paciente‘), o quê (conteúdos), como (métodos), porquê (objectivos) e o que resulta (avaliação). Em linguagem mediática ou telemática poderíamos falar de emissor (educador), mensagem (conteúdos), canal (métodos, estratégias), receptor (educando), em constante interacção e ‘feedback‘. (Barros e Barros ,1999:17-18)

Pelo que podemos notar, pois, a psicologia da educação tem

amplitude de ação, sem, contudo, dever ingerir no ato educacional, por assim

dizer, substituindo ou assumindo o papel do pedagogo, do professor regente de

uma dada escola, independentemente do nível de estudo, do espaço educativo ou

do sujeito que aprende.

2- Introdução ao estudo das relações entre Psicologia e

Educação

2.1- Possibilidades e limites da interação

Segundo Larocca (1999:13), ―as raízes da difícil, porém necessária,

relação entre Psicologia e Educação podem ser encontradas na própria história

da ciência psicológica‖, quando a autora relembra a conquista do estatuto

científico da Psicologia no final do século XIX.

Fortemente marcada pelas descobertas da Biologia e influenciada pelo ideário burguês, a Psicologia preocupou-se mais com o estudo da natureza

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individual do homem, deixando de lado, neste primeiro momento, as questões

sociais que afetam o individual (LAROCCA, 1999:14).

Segundo a autora, o contexto histórico permitiu perceber que a

relação da Psicologia com a Educação, desde seu início, se baseou na tentativa

de adequar o homem à vida em sociedade. Caberia, assim, à Educação, com o

auxílio da Psicologia, ―promover este ajustamento ao mesmo tempo em que os

conflitos sociais e a origem das diferenças de classe permaneciam ocultos‖ (p.

14).

A autora versa que a principal influência da Psicologia na Educação

deu-se no Movimento da Escola Nova que, ―surgido no seio do liberalismo

burguês, tomou-a como ciência fundamental da Pedagogia segundo o princípio de

que os homens diferem entre si em potencialidades e aptidões e que é preciso

favorecer, pela educação, o seu pleno desenvolvimento‖ (Urt, 1989, apud

Larocca, 1999: 14).

A partir desta contribuição, ―a Psicologia passou a ser a base de

sustentação das propostas que se geraram no meio educacional, como é o caso

do Escolanovismo e do Tecnicismo‖ (op cit, p.14) .

Pode-se, assim, compreender que os limites de interação entre a

Psicologia e a Educação estão no campo dos chamados psicologismos, quando

se prioriza perspectivas a-históricas que excluem os indivíduos da relação com a

sociedade.

Para Urt (1989), a psicologia da educação está em constante

evolução, contudo se limita ao que lhe é inerente como ciência.

A atuação do psicólogo educacional, assim, não pode ultrapassar as

fronteiras da psicologia educacional, promovendo na escola ou nos estudantes, o

setting clínico ou a clinicalização do sujeito aprendiz.

Se, de um lado, é possível que um estudante ou professor venha

precisar de um psicólogo para atendimento clínico, de outro, esse atendimento

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não deve ser do mister do psicólogo da educação, o qual estará na escola como

um profissional na escola, não um profissional da escola.

Este último é claramente, o professor, enquanto o primeiro é o

psicólogo, cujo conhecimento colaborará com a relação professor/aluno/família na

composição escolar, na interação desses membros da comunidade educacional.

Em suma, um psicólogo da educação, psicólogo educacional, não é

a resposta para eventos psicológicos, distúrbios psíquicos ou mesmo psiquiátricos

de operadores educacionais ou dos alunos destes, mas é profissional, cuja

atuação, certamente poderá colaborar ou pelo menos, minimizar a necessidade

desses sujeitos em procurar os serviços psicológicos de ordem clínica.

A delimitação da atuação do psicólogo educacional, portanto, é

importante e requer estreita atenção, visto que se pode, equivocadamente, ver

nesse profissional a figura daquele que resolverá ―problemas‖ que são do ofício

do professor resolver, ainda que com a colaboração profissional de um psicólogo

formado e bem preparado para trabalhar com a escola, nela sendo um

profissional na educação, não da educação.

2.2- Papel da Psicologia na formação de professores

A educação, termo que vem do latim educare ou educere2, não

pode ser entendida como uma ciência cujo o fim em si mesma dá conta de todas

as vicissitudes do ensinar, do aprender e do fazer pedagógico. São várias as

áreas de conhecimento que sustentam e, ao mesmo tempo, se nutrem da

educação. Tais áreas são, de fato, adjetivadas pela educação, sendo modificadas

2 sf - 1 Ato ou efeito de educar. 2 Aperfeiçoamento das faculdades físicas intelectuais e morais do

ser humano; disciplinamento, instrução, ensino. 3 Processo pelo qual uma função se desenvolve e

se aperfeiçoa pelo próprio exercício: Educação musical, profissional etc. 4 Formação consciente

das novas gerações segundo os ideais de cultura de cada povo. 5 Civilidade.(In Michaelis on line,

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues)

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por ela e a ela modificando. É assim que falamos que há uma filosofia na

educação, entendida pela filosofia da educação; há uma história na educação, a

qual exprime a história da educação e há, também, entre outras, a psicologia da

educação em que se encerra uma psicologia educacional.

Logo, a psicologia escolar, a psicologia da aprendizagem, a

psicopedagogia são, por assim dizer, um amalgamo de psicologia e educação,

não mais sendo apenas psicologia e nem educação.

De fato, como vimos, psicologia da educação é uma ciência de

objeto e método próprios e distintos, seja da educação, seja de outras

―psicologias‖. No entanto, será da psicologia que os princípios fundadores da

psicologia da educação serão oriundos, sistematizados e orientados para

contribuir com a educação e vários dos processos a ela pertinentes, a exemplo da

organização metodológica de ensino e aprendizagem, da avaliação, da interação

professor-aluno, dentre outros.

E isso será possível, porque desde seu surgimento no século XIX,

a psicologia interessa-se pelo comportamento humano, o processo cognitivo do

homem, sua interação social, seu desenvolvimento e demais relações afetivas,

além de constructos relativos à linguagem humana, a expressão do pensamento

das pessoas, os modos de aquisição do conhecimento etc. Logo, a psicologia

como ciência do ―SER HOMEM‖, mais do que defini-lo, é definida por ele, pelas

características humano-psicológicas (consciente ou inconsciente) desse sujeito

que, em última instância, se confunde com a própria psicologia, diferentemente do

que ocorre em áreas como a da biologia, da astronomia e outras.

Ao discorrer sobre a natureza científica da psicologia BOCK et al

(2002), exprime:

No caso da Astronomia, o cientista-observador está, por exemplo, num observatório, e o astro observado, a anos-luz de distância de seu telescópio. Esse cientista não corre o mínimo risco de confundir-se com o fenômeno que está estudando. O mesmo não ocorre com a Psicologia, que, como a Antropologia, a Economia, a Sociologia e todas as ciências humanas, estuda o homem. Certamente, esta divisão é ampla demais e apenas coloca a

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Psicologia entre as ciências humanas. Qual é, então, o objeto específico de estudo da Psicologia? Se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista, ele dirá: ―O objeto de estudo da Psicologia é o comportamento humano‖. Se a palavra for dada a um psicólogo psicanalista, ele dirá: ―O objeto de estudo da Psicologia é o inconsciente‖. Outros dirão que é a consciência humana, e outros, ainda, a personalidade. (Bock et al, 2002: 20-21)

É percebido, pois, que ao tratarmos de psicologia estamos, de fato,

tratando de psicologias, mesmo porque, esta é uma área estritamente ligada à

pessoa humana, cuja diversidade é expressa pelo número exato de seus

membros, isto é, de cada uma das pessoas que compõe a humanidade. Logo, a

psicologia, embora aglutinando algumas das áreas em que se inserem os estudos

da natureza humana, não é única. Sob esse entendimento, BOCK et al (op. cit.)

explica:

A diversidade de objetos da Psicologia é explicada pelo fato de este campo do conhecimento ter-se constituído como área do conhecimento científico só muito recentemente (final do século 19), a despeito de existir há muito tempo na Filosofia enquanto preocupação humana. Esse fato é importante, já que a ciência se caracteriza pela exatidão de sua construção teórica, e, quando uma ciência é muito nova, ela não teve tempo ainda de apresentar teorias acabadas e definitivas, que permitam determinar com maior precisão seu objeto de estudo. Um outro motivo que contribui para dificultar uma clara definição de objeto da Psicologia é o fato de o cientista — o pesquisador — confundir-se com o objeto a ser pesquisado. No sentido mais amplo, o objeto de estudo da Psicologia é o homem, e neste caso o pesquisador está inserido na categoria a ser estudada. Assim, a concepção de homem que o pesquisador traz consigo ―contamina‖ inevitavelmente a sua pesquisa em Psicologia. Isso ocorre porque há diferentes concepções de homem entre os cientistas (na medida em que estudos filosóficos e teológicos e mesmo doutrinas políticas acabam definindo o homem à sua maneira, e o cientista acaba necessariamente se vinculando a uma destas crenças). (p. 20)

Por isso, dizemos que não há neutralidade em ciência, porém um

afastamento relativo do pesquisador do seu objeto de estudo. Isso quer dizer que

cada pesquisador deve evitar deixar-se levar por crenças pré-estabelecidas,

historicamente construídas e de senso comum e colocar à prova aquilo que

investiga e os achados que encontra. Portanto, ele deve distinguir-se do que

estuda, sem se deixar ficar, ao mesmo tempo, alheio aos fatos que a ele se

apresenta como resultado de sua investigação.

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Desse emaranhado do ser pesquisador e do ser pesquisado surge a

formação de quem pesquisa, de quem a investigação científica teve acesso, dos

que transmitem o conhecimento advindo do acesso que tiveram aos estudos

científicos, historicamente construídos, e dos que aplicam esse conhecimento, por

essa transmissão alcançada, no dia-a-dia da humanidade.

Posta de maneira mais plana, a Psicologia contribuirá para o

entendimento de que cada um é historicamente construído, tanto por sua história

pregressa (do momento de sua concepção, não necessariamente do momento de

seu nascimento, mas do momento que começa a constituir-se como possibilidade

na família), quanto de sua história como membro social, pertencente à

humanidade.

O que somos, pois, é aquilo que fizemos de nós, dentro do que

fomos ―permitidos a nos fazer‖. Na construção do Eu, em suma, há um Nós

social, de hoje, mas que foi construído histórica, social, cultural, política, religiosa

e psicologicamente.

Destarte, aquele que ensina, ensina o que aprendeu dos

conhecimentos construídos pela humanidade, filtrado por sua história pregressa,

consoante suas crenças, de acordo com seus valores morais, fundado em seus

ideais, conforme o momento histórico, lugar geográfico, posição social e condição

psicológica em que se encontra etc., o que não permite a neutralidade do

pesquisador, do juiz, do médico, do professor ou do aluno, mas que, também, não

significa que todos estes não devam buscar/primar-se pela imparcialidade/isenção

no seu fazer profissional.

Então, aquele que educa ensina e, ao ensinar, aprende,

reeducando-se na construção de um conhecimento que o permitirá descobrir

como ensinar, através do como o outro aprende.

Nesse processo, ou movimento, o professor afeta e é afetado pelo

estudante, pessoa humana como ele próprio, com toda a construção histórica

pregressa de si e da humanidade, tal qual ele, o professor, foi afetado. E a

respeito do afeto, Rocha e Kastrup (2009) escrevem:

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A palavra latina affectio originou os vocábulos afeto, afecção, afetividade. Refere-se ao plano da facticidade, ou seja, o que me chega, o que se impõe a mim, aquilo que me faz, me constitui. O vocábulo exmovere origina os termos emoção, mover, colocar-se para fora de si. Enquanto o afeto está relacionado a um plano de constituição, a emoção (e-moção) está estreitamente relacionada com o campo do movimento (motus), sendo definida por ela como um ―movimento im-pulsionado por outra coisa que eu mesmo e que me transporta para fora de mim, sem que esse movimento contenha, entretanto, implicado nele, qualquer direção ou finalidade‖ (s/p).

Pode-se dizer, a partir daí, que aquilo que nos afeta produz algum

tipo de movimento ou emoção e que essa emoção não se separa do afeto que a

produziu. Em outras palavras, ao ensinar, o professor interage com os alunos,

―interferindo‖, afetando-os. Nesse momento há uma transformação nos e pelos

estudantes, daquilo que o professor ministrou.

Sendo, pois, afetados, os alunos repercutem, construindo o

conhecimento, e, na devolução ao professor, afetam-no, num círculo de

desequilíbrio e acomodação construtor do conhecimento.

Então, se na cadeia de eventos algo não funcionar, ou funcionar

inadequadamente, a construção do conhecimento, seja quando da oferta deste,

seja quando de sua recepção, ficará prejudicada, podendo mesmo haver uma

falha no processo de ensino e/ou no da aprendizagem. Neste caso, o vínculo

entre professor e aluno estará, por conseguinte, quebrado, o que poderá levar,

entre outros fatores, à desmotivação para o aprender e mesmo para o ensinar.

A Psicologia da Educação, ao dedicar-se sobre os aspectos afetivos

na interação professor/aluno, pode contribuir para o estabelecimento e/ou re-

estabelecimento do vínculo afetivo na escola, e isso será melhor alcançado, e às

vezes só será alcançado, se houver a participação efetiva da família no processo

educacional da criança, o que implica dizer a participação da família na escola.

Em termos mais gerais, a psicologia, preocupada com o

desenvolvimento humano, com a interação entre as pessoas, com os processos

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cognitivos da aquisição, transmissão e construção do conhecimento vem, então,

por meio da psicologia da educação, da psicologia da aprendizagem, da

psicologia cognitiva, da psicologia do desenvolvimento, entre outras ―psicologias‖

de seus campos de abrangência, auxiliar a educação e, portanto, os educadores

e educandos, no bem decorrer do ofício que envolve professores e alunos, em

todas as estações da vida humana, sejam elas as vividas nos espaços escolares,

sejam as decorrentes de interações sociais e de aprendizagem experimentadas

nos mais diversos ambientes físicos ou virtuais.

Logo, pode-se afirmar que a Psicologia pode contribuir com todos os

momentos da vida escolar, desmistificando perspectivas que priorizam apenas o

ensino infantil. Neste sentido, ela pode contemplar diferentes necessidades dos

alunos, da mais tenra idade à idade adulta, no educação infantil, no alfabetização

de adultos, na universidade. Tal compreensão pode evidenciar outras práticas

em Psicologia Educacional que atendam diferentes atores, crianças, jovens,

adultos e um campo de estudo não privilegiado ou pouco privilegiado.

Dessa forma, a Psicologia estará presente na escola em todos os

momentos, contemplando as necessidades dos alunos de mais tenra idade (no

ensino infantil, por exemplo), até os estudantes adultos na Universidade,

acompanhando todo o desenvolvimento do indivíduo.

3- Desenvolvimento na infância, na adolescência e na vida adulta

A Psicologia da Educação se atentará primordialmente para

questões cognitivas/de aprendizagem comportamentais/de interação social e do

desenvolvimento, nas duas primeiras décadas do desenvolvimento humano.

A esse respeito, Mota (2005) diz:

O desenvolvimento humano envolve o estudo de variáveis afetivas, cognitivas, sociais e biológicas em todo ciclo da vida. Desta forma faz interface com diversas áreas do conhecimento como: a biologia, antropologia, sociologia, educação, medicina entre outras. Tradicionalmente o estudo do desenvolvimento humano focou o estudo da criança e do adolescente, ainda

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hoje muitos dos manuais de psicologia do desenvolvimento abordam apenas esta etapa da vida dos indivíduos (Bee, 1984; Cole & Cole, 2004). O interesse pelos anos iniciais de vida dos indivíduos tem origem na história do estudo científico do desenvolvimento humano, que se inicia com a preocupação com os cuidados e com a educação das crianças, e com o próprio conceito de infância como um período particular do desenvolvimento (Cairns, 1983; Cole & Cole, 2004; Mahoney, 1998). No entanto, este enfoque vem mudando nas últimas décadas, e hoje há um consenso de que a psicologia do desenvolvimento humano deve focar o desenvolvimento dos indivíduos ao longo de todo o ciclo vital. Ao ampliar o escopo de estudo do desenvolvimento humano, para além da infância e adolescência, a psicologia do desenvolvimento acaba por fazer interface também com outras áreas da psicologia. Só para citar algumas áreas temos: a psicologia social, personalidade, educacional, cognitiva. (Mota, 2005:105 – 111)

Destas psicologias, como temos destacado neste texto, a psicologia

da educação tem papel preponderante na formação docente, bem como no fazer

pedagógico do professor, visto que abrange, de uma maneira ou de outra, os

conhecimentos da psicologia do desenvolvimento, cognitiva e outras.

Agora que já vimos como a psicologia educacional pode contribuir

com e na educação, dediquemo-nos a tratar de quando ela apóia os professores

em seu ofício de ensinar, perguntando: a partir de que momento a psicologia da

educação pode auxiliar na educação?

Conforme reza a Lei de Diretrizes e Bases (LEI n.º 9.394, de 20 de

dezembro de 1996), a educação começa ao zero ano, estendendo aos níveis

mais superiores técnicos e científicos, o que significa a vida adulta em toda sua

extensão educacional, na universidade, por exemplo. Logo, a psicologia da

educação está com a educação desde o momento em que a criança é abrigada

pela referida lei, até o momento em que a Lei deixa de ter efeito sobre os

cidadãos:

TÍTULO III

Do Direito à Educação e do Dever de Educar

Art. 4º. O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

Page 16: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;

V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;

Tal abrangência da educação implica em que se deva pensar essa

área do conhecimento, não só sob a égide da educação propriamente dita, mas

também sob os constructos do desenvolvimento biológico e afetivo da criança, do

adolescente e do adulto, como já mencionamos.

3.1- Aspectos biológicos do desenvolvimento

Do ponto de vista da criança, a primeira grande fase que podemos

mencionar engloba do zero aos 36 meses, época em que a criança passa pela

aquisição da linguagem; aprende a andar e tem interações sociais que vão do

amamentar-se (interação com a mãe) até os primeiros contatos escolares

(interação com coleguinhas, cuidadores e professores, na creche ou na escola

infantil).

Page 17: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Podemos dizer que um segundo momento importante no

desenvolvimento humano é aquele compreendido entre 3 e 6 anos, fase em que

muitas das crianças estarão na escola ou prestes a nela entrarem. Em particular,

por essa época, as crianças manifestam comportamentos, por vezes vistos como

comportamentos sexuais, indesejados pelos professores. E isso se deve,

principalmente, ao fato de os professores nem sempre terem informações

científicas e corretas a respeito do desenvolvimento humano. Esse

desconhecimento leva pais, professores e até mesmo médicos a,

equivocadamente, interpretarem/lidarem inadequadamente com comportamentos

de seus filhos, ou alunos, que podem incluir manifestações de sexualidade entre

as crianças, ou delas em relação a adultos, como por exemplo, quando uma

criança levanta a saia da professora, da tia ou mesmo da avó.

Dos seis anos até por volta de 11 ou 12 anos, a criança evolui, agora

consoante seu gênero, para momento de significativa transformação, seja sob o

aspecto psicológico, biológico e cognitivo, seja sob o aspecto social.

Novamente, o professor deve estar alerta para as manifestações

sócio-afetivas e comportamentais de seu aluno, para o que a Psicologia da

Educação constitui importante fonte de conhecimento.

Considerando que a fase da adolescência também será vivenciada

na escola, em toda a sua extensão, será de responsabilidade do professor, para

além de ensinar conteúdos didáticos, contribuir, também aqui, com a formação

humano-crítica e cultural do estudante, responsabilidade esta que não deve fugir

aos professores universitários que recebem, muitas vezes, adolescentes de 17,

18 ou 19 anos, e que os acompanham até o início da vida adulta, quando a

identidade, a moral e a ética desse aluno estarão melhor solidificadas, depois de

tantos anos sob os ensinamentos de seus professores, em ambientes escolares.

Em última instância, pois, será crucial para o docente conhecer as

fases biológicas do desenvolvimento humano e, com igual cuidado, conhecer as

fases psico-afetivas porque passam seus alunos, não achando que tais fases são

fatores determinísticos, mas tendo a certeza de que são componentes de

significativa importância para a interação de ambos, com o consequente

Page 18: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

desenvolvimento no processo de aprendizagem pelo aluno e pelo

desenvolvimento do processo de ensino pelo professor.

Para além de uma linha mestre do desenvolvimento biológico, com

fases mais ou menos determinadas, verifica-se que o desenvolvimento é bem

mais complexo e tem como mola propulsora um conjunto de fatores, dentre os

quais o da emoção, da inteligência, o do afeto e de tudo mais que enriquece o

homem em suas relações e inter-relações humanas. A esse respeito, Dessen e

Guedea (2005) dizem:

(...) para compreender a complexidade do desenvolvimento humano é necessário adotar uma perspectiva sistêmica que seja capaz de integrar os múltiplos subsistemas do indivíduo. Isto requer a contribuição de diferentes disciplinas, tais como, a biologia e a psicologia do desenvolvimento, a fisiologia, a neuropsicologia, a psicologia social, a sociologia e a antropologia. (op. cit., 2005, s/p)

Entretanto, não são as disciplinas em si que ajudarão o professor

no exercício de ensinar, serão os conteúdos por ela trazidos, o olhar e a postura

do docente, para com esses conteúdos, e a quantidade de afeto que dispuser

para o ensinar, que farão a diferença para o aluno.

Como temos visto até aqui, se de um lado há os fatores biológicos e

sociais, influenciando o desenvolvimento do estudante, de outro esse

desenvolvimento influencia psicossocial e afetivamente o indivíduo, conforme

veremos a seguir.

3.2- Desenvolvimento sócio-afetivo e construção da identidade do sujeito

Como já delineamos anteriormente, o homem se constrói pela

construção do outro, na interação do outro com o eu de cada um, numa teia social

em que o afeto deve ser visto como sendo inerente ao indivíduo.

Page 19: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Cada um, ao estar em sociedade é afetado pela composição sócio-

histórica de seu grupo social, sendo, ainda responsável pela construção e/ou

reconstrução e reformulação desse grupo.

Somado a fatores biológicos como os que ocorrem na adolescência

e, antes disso, na infância, há questões cruciais que o homem tem de enfrentar

no decorrer de sua vida. O que ser, no que se transformar e que ―cara‖ ter, são

perguntas feitas, por vezes na inconsciência do indivíduo e que ditarão sua vida.

Responder a essas questões tem sido um desafio para a psicologia,

tanto quanto para outras áreas da ciência. No entanto, a educação tem dado

conta de oportunizar ao sujeito uma reflexão que possibilita perceber que, na

interação humana, se constrói possibilidades de estar com o outro, mais ainda,

de estar junto de outro.

Logo, se de um lado a escola é o segundo ambiente social do

indivíduo, com maior possibilidade de interação social, de outro, ela pode ser

responsável pelo ―isolamento‖ (pela exclusão) desse mesmo indivíduo, cuja

identidade pode estar prejudicada pelo grau de não sentimento de pertença à

sociedade.

Em outras palavras, uma escola plural, que oportuniza o contato

com a diversidade humana, ajuda o estudante na elaboração de constructos que

lhe permitirão viver em sociedade, sendo feliz e causando felicidade.

Consoante Barros e Barros (1999),

Durante todo o desenvolvimento, a criança teve uma longa série de identificações e, assim, foi adquirindo algumas características dos pais, professores e de muitas outras pessoas.

Na adolescência, o indivíduo abandonará alguns aspectos de suas identificações anteriores, fortalecerá outros e, finalmente, deverá encontrar-se, descobrir quem é e ser capaz, enfim, de responder à pergunta central.

Ao conseguir definir sua identidade, o adolescente começa a considerar-se uma pessoa coerente, integrada, única. Se não puder ―se encontrar‖, se não tiver um objetivo na vida, diremos que ele sofreu difusão de identidade‖ (op. cit., 1999:94)

Page 20: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Nos tópicos a seguir veremos de que maneira os constructos da

Psicologia da Educação refletem ou são refletidos na educação, para a qual

oferece conceituação, explicação e sustentação, principalmente advindas da

psicanálise freudiana, do behaviorismo skinneriano, do construtivismo e sócio-

interacionismo de Piaget e Vygotsky, respectivamente.

4 - Perspectivas psicológicas sobre os processos de ensino e

aprendizagem e suas implicações para a educação

4.1 - Construtivismo

Um dos mais influentes autores na

educação moderna, no Brasil, é o suíço

Jean Piaget3 (1896-1980), cuja teoria

inspirou escolas a adotarem um método

construtivista de ensino e que artigos,

dissertações, teses e livros têm sido

escritos, discutindo, refletindo ou repercutindo a teoria piagetiana.

Esse autor, oriundo da biologia, formulou, sustentou e defendeu uma

teoria do conhecimento, esteada na gênese de como o homem aprende, desde

sua mais tenra idade à vida adulta.

Quadro 1- Biografia de Piaget

1896 Jean Piaget nasce em Neuchâtel, na Suíça, em 09 de agosto. Desde

criança, interessa-se por história natural, mecânica, fósseis e

3 A ilustração de Piaget, ao lado, assim como todas as outras ilustrações deste texto, foram

extraídas do Wikimedia Commons, “um acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation”.

Page 21: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

zoologia.

1907 Aos 11 anos, publica seu primeiro trabalho sobre a observação de

um pardal albino.

1915 Licencia-se em Biologia.

1918 Conclui o doutorado em biologia, aos 22 anos de idade. Após

formar-se, Piaget vai para Zurich, onde trabalha como psicólogo

experimental. Tem aulas com Jung e trabalha como psiquiatra em

uma clínica.

1919 Piaget muda-se para a França;

Trabalha no laboratório de Alfred Binet, um famoso psicólogo

infantil;

1921 Piaget retorna à Suíça e torna-se diretor de estudos do Instituto J. J.

Rousseau da Universidade de Genebra.

1923 Casa-se com Valentine Châtenay, com quem tem 3 filhos:

Jacqueline(1925), Lucienne(1927) e Laurent (1931). Teria sido pela

observação do desenvolvimento dos seus filhos, que, em grande

parte, Piaget desenvolveu sua epistemologia genética.

1947 Piaget publica seu primeiro livro de síntese da teoria, ―A psicologia

da Inteligência‖.

1949 Recebe o título de doutor honoris causa da Universidade do Brasil

(hoje UFRJ).

1950 Publica o livro ―Introdução e Epistemologia Genética‖, em que

explica o pensamento matemático, o pensamento físico, o biológico,

psicológico e sociológico.

1980 Piaget falece em 16 de setembro, aos 84 anos, deixando

aproximadamente 70 livros e mais de 700 artigos.

Muito embora a teoria genética de Piaget não seja um método de

ensino (e não pode ser entendida como tal), a clareza e a solidez dos argumentos

Page 22: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

piagetianos de como a criança constrói ativamente o conhecimento, isto é, a

robustez de sua teoria epistemológica, levou, e ainda tem levado, a muitos

confundirem a psicologia genética como método ―construtivista de ensino‖.

Entretanto, a epistemologia genética de Piaget, não é senão uma

explicação de como adquirimos conhecimento, estruturamos este conhecimento

em nossas mentes e o manifestamos em nossas ações.

De fato, para Piaget, o ser cognoscente atua sobre o objeto

cognoscitivo de acordo com fases mais ou menos estabelecidas do

desenvolvimento biológico do indivíduo. Na epistemologia genética, o indivíduo

constrói o conhecimento na medida em que atua sobre esse conhecimento

interage com ele, porém se e quando estiver biologicamente preparado.

Piaget não ignora a interação social na construção do

conhecimento, no entanto, dedica maior importância às fases bio-

desenvolvimentais da criança, para explicar como ela aprende. Assim, é que

para Piaget uma criança não é uma taboa rasa ao chegar à escola, nem tão

pouco se lhe pode impor conhecer aquilo que o professor deseja ensinar.

Sob a égide da teoria construtivista piagetiana, a criança ao chegar á

escola traz consigo conhecimentos a partir dos quais poderá construir outros, de

alguma forma estimulados pelo professor, mas não unilateralmente ensinado por

este.

Com efeito, no processo de ensino/aprendizagem construtivista, a

criança ao construir conhecimento não erra, mas demonstra, por intermédio

daquilo que tradicionalmente se entendia como erro, uma formulação cognitiva do

aprender.

Em outras palavras, o ―erro‖ é uma manifestação do conhecimento

que caberá ao professor identificar para, a partir daí, contribuir com o estudante

na aquisição do conhecimento, isto é, do aprimoramento de sua construção.

Como Piaget considera a existência de uma gênese, ou seja, de

uma origem genética do conhecimento, ele não concebe uma influência

Page 23: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

determinante das relações sociais sobre a construção do conhecimento, embora

considere os efeitos do ambiente físico sobre o processo de aquisição do

conhecimento.

Isso não quer dizer que o conhecimento é ingênito, porém,

significa que já ao nascer estamos estruturados bio-psiquicamente para

construirmos conhecimento, a partir de nossa interação ativa sobre o meio e os

objetos cognoscitivos.

Segundo a epistemologia genética de Jean Piaget, essa capacidade

vai-se especializando à medida que nos desenvolvemos em diferentes fases ou

estágios do desenvolvimento. A exemplo disso, notemos o quadro a seguir:

Quadro 2- Estágios do Desenvolvimento

Idade Estágios de

desenvolvimento

Principais características

0 a 2 anos

Estágio

sensório-motor

desenvolvimento inicial das

coordenações e relações de ordem entre as

ações;

início de diferenciação entre os objetos e

entre o próprio corpo e os objetos;

com aproximadamente 1 ano e meio a

criança tem capacidade de representar um

significado a partir de um significante;

No estágio sensório-motor o campo da

inteligência aplica-se a situações e ações

concretas.

2 a 6 anos

Estágio pré-

operatório

reprodução de imagens mentais;

uso do pensamento intuitivo;

linguagem comunicativa e egocêntrica;

atividade simbólica pré-conceitual;

pensamento incapaz de descentração.

7 a 11 anos Estágio

operatório

capacidade de classificação,

agrupamento, reversibilidade;

Page 24: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

concreto

linguagem socializada;

atividades realizadas concretamente sem

maior capacidade de abstração;

11/12 anos

em diante

Estágios das

operações

formais

transição para o modo adulto de pensar;

capacidade de pensar sobre hipóteses e

idéias abstratas;

linguagem como suporte do pensamento

conceitual.

Conforme se pode observar do quadro acima, cada estágio tem

características próprias mais ou menos determinadas cronologicamente. Isso não

exclui a possibilidade de que na passagem de uma fase etária para outra, não se

possa observar um misto das características oscilando ora para aquelas da fase

anterior, ora com ênfase nas características pertinentes à atual fase.

De fato, ao passarmos pelos diferentes estágios, adquirimos todas

essas capacidades as quais lançaremos mão, conforme elas melhor se

adequarem à natureza do que estivermos conhecendo.

Assim, enquanto adultos, teremos ao dispor todas as ferramentas

cognitivas necessárias e relevantes à aquisição de novos conhecimentos, tanto

quanto adequadas ao entendimento do conhecimento outrora adquiridos e que na

fase adulta poderão ser melhor elaborados.

Durante todas essas fases do desenvolvimento, algo terá particular

importância na manifestação do conhecimento. Esse algo será a linguagem.

Muito embora será Vygotsky que se deterá com maior profundidade

à linguagem, também Piaget reconhece que será por meio desta que o ser

humano adquirirá e expressará conhecimento e interagirá socialmente.

Na interação sujeito-objeto, a criança manifestará, por meio da

linguagem, as construções que está formulando, permitindo com que possamos,

Page 25: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

indiretamente, identificar os processos cognitivos dos quais ela se está valendo

para conhecer.

Tais processos envolvem conceitos como o da assimilação, da

acomodação, adaptação, organização, equilibração, autonomia, preconceito e

esquema.

Segundo a teoria piagetiana um esquema é um conjunto de

processos dentro do sistema nervoso. Disso entendemos que um esquema não

pode ser observado diretamente, logo só pode ser inferido e, portanto, são

estruturas cognitivas hipotéticas. Tais estruturas não são fixas, pelo contrário

estão em constante transformação, á medida que interagimos intelectualmente

com novos objetos no meio físico e social (Wadsworth, 1996 e Pulaski, 1986).

No quadro abaixo, verifiquemos algumas características dos

principais conceitos piagetianos:

Quadro 3- Processos cognitivos

Processos cognitivos Conceituação

Organização constitui a habilidade de integrar as estruturas

físicas e psicológicas em sistemas coerentes;

a organização, junto com a adaptação, constituem

processos indissolúveis do pensamento humano;

Adaptação Adaptação é o equilíbrio entre os processos de

assimilação e acomodação;

é a essência do funcionamento intelectual, assim

como a essência do funcionamento biológico;

é uma das tendências básicas inerentes a todas as

espécies;

é um processo dinâmico e contínuo, em que a

estrutura hereditária do organismo interage com o meio

externo, de modo a se reconstituir.

Esquema estruturas mentais ou cognitivas pelas quais os

Page 26: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

indivíduos organizam o meio;

estruturas que se modificam á medida que nos

desenvolvemos, psico-biológica e socialmente;

no adulto os esquemas são derivados dos

esquemas sensório-motores da criança e, os processos

responsáveis por esses mudanças nas estruturas

cognitivas são assimilação e acomodação.

Assimilação integração de novos elementos à estrutura já

existente ou construída, seja ela inata, como no caso dos

reflexos no recém-nascido, ou adquirida a partir das

modificações do conteúdo da estrutura inata inicial;

não é um processo suficiente para, sozinho, garantir

o desenvolvimento de novas estruturas cognitivas;

esse processo é contínuo durante toda a vida do ser

humano ;

possibilita ampliação dos esquemas.

A assimilação explica o crescimento da inteligência

(uma mudança quantitativa na vida mental).

Acomodação é o aspecto da atividade cognitiva que envolve a

modificação dos esquemas para corresponderem aos

objetos da realidade. Na acomodação, temos que mudar

nossos esquemas ou criar novos para acomodar os

novos estímulos;

uma vez ocorrida a acomodação, abre-se espaço

para encaixar o estímulo no esquema, ocorrendo, daí, a

assimilação;

a acomodação não é determinada pelo objeto,

porém pela atividade intelectual do indivíduo sobre o

objeto cognoscitivo.

Equilibração trata-se de um ponto de equilíbrio entre a

assimilação e a acomodação;

é considerada como um mecanismo auto-

regulador, necessário para assegurar à criança uma

Page 27: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

interação eficiente dela com o meio-ambiente;

é um processo ativo pelo qual uma pessoa

responde a distúrbios ocorridos em sua maneira comum

de pensar, através de um sistema de compreensão; isto

resulta em nova compreensão e satisfação, ou seja, em

equilíbrio;

na equilibração, o organismo está constantemente

buscando um estado de equilíbrio, de satisfação.

Egocentrismo Incapacidade de se colocar no ponto de vista de

outra pessoa;

A criança consegue perceber apenas um dos

aspectos de um objeto ou acontecimento;

Não relaciona entre si os diferentes aspectos ou

dimensões de uma situação;

A criança, antes dos 7 anos, focaliza apenas uma

única dimensão do estímulo, centralizando em si própria,

sendo incapaz de levar em conta mais de uma dimensão

ao mesmo tempo.

Preconceito o preconceito em Piaget é uma construção

cognitiva prévia a um dado conceito e que tem limites em

relação a este;

o preconceito foi uma construção anterior a respeito

de um dado objeto, a qual sob nova atividade

interacionista do sujeito precisará ser elaborada para que

um novo conceito seja construído;

assim, o preconceito, na epistemologia genética,

não pode ser classificado como: ―Julgamento, opinião

formada, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras

raças, credos, religiões‖.

Autonomia a essência da autonomia é que nos tornamos

capazes de tomar decisões sozinhos;

autonomia não é a mesma coisa que liberdade

completa; significa ser capaz de considerar os fatores

Page 28: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

relevantes para decidir qual deve ser o melhor caminho

da ação.

O estudo do quadro acima nos permite um olhar relâmpago sobre a

psicologia genética de Piaget a partir da compreensão de como Piaget

compreendia os conceitos que explicitam sua epistemologia genética.

Nem de longe este quadro esgota conceitualmente os termos

apresentados. Contudo, oferece um ponto de partida para a compreensão de uma

teoria do conhecimento, tão intimamente ligada com as etapas do

desenvolvimento humano.

Essas etapas constituem, são constituídas e constituintes do

conhecimento, da estrutura cognitiva de e para a aquisição do conhecimento, e

não esgotam as possibilidades individuais e da coletividade humana para a

apreensão do meio social e físico, em que cada indivíduo está inserido, mas não

isolado.

E é por não estarmos isolados numa sociedade que o conhecimento

que construímos está mediado pelo outro e não exclusivamente por nossa

atividade. Isto é, nossa interação com o objeto cognoscitivo é ativa e opera nesse

objeto em função de como e quando se está numa interação social com o outro

regulador.

Logo, nossa construção de mundo é uma construção mediada por

fatores biológicos (desenvolvimentais), físicos (influenciados pelo meio), e sociais

(influenciados pelas relações com o outro).

Em função desses fatores, é importante notar que a construção do

conhecimento envolve a própria construção de uma moral, individual e coletiva.

Por isso, a psicologia genética de Jean Piaget também se dedica a oferecer

subsídios para que entendamos a moral sob a égide de uma construção

epistêmica do conhecimento.

Nessa linha, para Piaget (1977), o desenvolvimento da moral ocorre

por etapas, de acordo com o desenvolvimento humano. Consoante Piaget, ―toda

Page 29: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

moral consiste num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser

procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras‖. São três as

fases do desenvolvimento moral na teoria piagetiana: anomia, heteronomia e

autonomia.

Na anomia (crianças de até 5 anos), não é identificada a moral,

pois a criança ainda não está mobilizada pelas relações bem x mal, e sim pelo

sentido de hábito, de dever.

Na fase da heteronomia (crianças até 9, 10 anos de idade), a lei vem

do exterior, do outro. As regras e deveres são vistos como externos, impostos

coercitivamente e não elaborados pela consciência interna no indivíduo.

Na fase da autonomia, o último estágio do desenvolvimento da

moral, os deveres são cumpridos com consciência de sua necessidade e

significação.

Embora dividida em fases, a moral piagetiana não tem um começo e

fim estanques, aprioristicamente definidos e hierarquicamente determinados em

função do desenvolvimento biológico.

A moral é uma construção contínua, que se funda no

desenvolvimento da pessoa humana, e que se esteia nas estruturas cognitivas,

capazes de, na interação com o outro em sociedade, perceber esse outro,

respeitá-lo e entendê-lo como co-regulador de uma sociedade em que o eu não

está isolado de um nós e que, para uma sociedade desenvolver-se intelectual,

inteligente e socialmente, cada um deverá contribuir para a construção coletiva.

Com efeito, a moral em Piaget é um ato inteligente, visto que as

relações entre moral e inteligência são processos de construção intelectual. Em

outras palavras, inteligência é uma condição necessária para a construção de

uma moral, porém não suficiente para o desenvolvimento desta.

Piaget - Implicações na Educação*

Page 30: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Princípios da teoria de Piaget

– Aprendizagem por descoberta

– Prontidão para a aprendizagem

– Diferenças individuais

• Piaget acreditava que as crianças só aprendiam através da sua ação sobre o ambiente;

• Abordagem construtivista;

• Facilitar em vez de direcionar a aprendizagem;

• Considerar os conhecimentos da criança e o seu nível de pensamento;

• Avaliação contínua;

• Promoção da saúde intelectual dos estudantes;

•Tornar a sala de aula num espaço de exploração e descoberta.

*adaptado de Ana Almada, 2006.

Livros de Piaget, recomendados para leitura:

Para onde vai a educação? RJ, José Olympio, 1973.

O desenvolvimento do raciocínio na criança. RJ, Record, 1977.

Epistemologia Genética. SP, Martins Fontes, 1990

A formação do símbolo na criança. RJ, Sahar, 1973.

Psicologia e Pedagogia. RJ, Forense, 1969.

A linguagem e o pensamento. SP, Martins Fontes, 1986.

4.2- Sócio-construtivismo

Page 31: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Ao longo do desenvolvimento humano, o homem vem aprimorando

suas capacidades mentais sobre suas habilidades físicas. Num passado mais

distante, a força física era imprescindível à segurança do homem. Por essa

época, a via de comunicação relacionava-se, intrinsecamente, à caça e ao

desenvolvimento de ferramentas que permitissem a defesa, e para a própria caça.

A necessidade de transmitir ao outro o conhecimento colaborou com

o próprio desenvolvimento daquilo que hoje chamamos pensamento, e do que, na

sua concretização, chamamos linguagem.

Ontogeneticamente, o cérebro humano foi talhado para pensar e

produzir a linguagem, a qual é entendida como uma via de expressão e registro

do saber humano. Há várias formas de linguagem, dentre as quais a mais

elaborada é, sem dúvida, a língua, seja oral, seja de sinais (Libras, por exemplo).

A língua, por seu caráter indispensável à comunicação humana, tem

sido motivo de reflexão pelo homem, desde o Séc III A.C., quando se fizeram os

primeiros estudos sobre a Língua Sânscrita.

Ao longo de nossa história, filósofos, religiosos, gramáticos,

antropólogos, linguistas, psicólogos e muitos outros cientistas, de diversas áreas,

têm-se dedicado ao estudo da língua e sua influência na sociedade humana, e na

própria condição de saúde e socialização do ser humano.

Assim, psicólogos, como Freud (1856-1939), e linguistas, como

Saussure (1857-1913), são exemplos de investigadores da língua, enquanto sua

manifestação e produção.

É através da língua que manifestamos, pois, aquilo que pensamos

conscientemente e mesmo aquilo que,

inconscientemente, desejamos omitir.

Na Psicologia da Educação,

certamente, o mais importante estudioso da

Page 32: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

linguagem foi Lev Semynovitch Vygotsky (1896 – 1934).

Assim como Piaget, Vygotsky criou seu próprio entendimento de

como conhecemos e de como esse conhecimento é favorecido quando estamos

em sociedade e a nós é disponibilizado um mediador.

A teoria do conhecimento proposta por Vygotsky não restringe o

indivíduo a uma fase do desenvolvimento biológico, embora compreenda que há

conhecimentos que podem ser desenvolvidos em dado momento da vida humana,

e outros que só poderão ser alcançados em momento posterior, quando já

houver sido aprendido conhecimentos prévios e necessários.

Um grande ganho da teoria do conhecimento de Vygotsky é a

ênfase dada ao papel da interação com o outro, compreendendo que o

conhecimento manifesto não é a única expressão do conhecimento do indivíduo.

De fato, a manifestação de um conhecimento é indicativa do

conhecimento real, não exclui, de modo algum, o conhecimento potencial. Isso

significa que uma criança, por exemplo, pode manifestar um conhecimento X e ter

o potencial Y. Na interação dessa criança com outra, a primeira não só poderá

ampliar o conhecimento X, mas, e principalmente, manifestar o conhecimento Y.

Esse processo resultará, portanto, em novo conhecimento real X e novo

conhecimento potencial Y.

A mediação, possibilitada pela interação da primeira criança com a

segunda, facultou o desenvolvimento da primeira, mesmo antes que ela passasse

de um estágio biológico para outro posterior. Para Vygotsky há uma zona de

desenvolvimento em que se pode mediar o conhecimento pela interação com o

outro que já tem construído tal conhecimento.

A aprendizagem é, portanto, não só ativa, mas significativamente

interativa. Essa interação será mediada pela linguagem sempre entendida como

manifestação do pensamento.

Page 33: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Sob a teoria interacionista de Vygotsky, uma criança que ainda não

aprendeu poderá fazê-lo dada as condições e mediação necessárias, dentro da

zona de desenvolvimento proximal, comumente conhecida pela sigla ZDP.

A epistemologia de Vygotsky não é, certamente, uma metodologia

em si, porém uma teoria do conhecimento. Essa teoria, uma vez colocada em

prática, propicia ao educador descobrir conhecimento na criança, onde ele

anteriormente só via uma manifestação de ―baixo conhecimento‖ ou de nenhum

conhecimento.

Foi estudando e colocando seu conhecimento em prática, com

crianças com deficiência, que Vygotsky descobriu que estas crianças aprendem

muito mais com mediadores, e conseguem demonstrar o conhecimento quando a

interação social, as condições para a aprendizagem e os recursos necessários

para suprir a necessidade (ocasionada pela deficiência) são supridos.

Vygotsky, apesar de seus poucos anos de vida (viveu apenas 37

anos, ver quadro abaixo), deixou contribuições que apenas agora estamos melhor

entendendo e que psicólogos e educadores têm aplicado.

Quadro 4- Biografia de Vygotsky

1896 Lev Semynovitch Vygotsky, nasce na cidade de Orsha, na

Bielo-Rússia, em 5 de novembro. De família judaica, sua mãe

era educadora e seu pai trabalhava num banco e numa

companhia de seguros.

1917 a 1923 Funda uma editora, cria uma revista literária, estrutura um

laboratório de psicologia, dirige a seção de teatro do

departamento de educação e ainda profere várias palestras a

respeito de ciência, literatura e psicologia.

1918 Forma-se em Direito pela Universidade de Moscou.

1924 Casa-se com Roza Smekhova, com quem tem duas filhas.

Page 34: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

1924 Aos 28 anos, é descoberto pela comunidade científica russa,

após apresentação de trabalho no II Congresso de

Psicologia em Leningrado. Devido à competência e à firmeza

do conhecimento que apresentou, abriram-se-lhe as portas do

Instituto Moscovita de Psicologia.

1925

Publica:

Os princípios da educação social das crianças surdas-mudas;

O consciente como problema da psicologia do comportamento.

Defende tese de Doutorado sobre Psicologia da Arte.

1928 Publica:

A pedologia de crianças em idade escolar.

1930 Publica o livro Estudos sobre a história do comportamento.

1932 Publica : Lições de psicologia

1934 No ano em que publica Pensamento e Linguagem, morre de

tuberculose, deixando cerca de 200 trabalhos sobre

Psicologia e 100 sobre arte e literatura.

Destarte, trabalhos, como o do Projeto Roma, têm alcançado

sucesso na educação de pessoas com deficiência intelectual (principalmente

pessoas com Síndrome de Down), em que o mediador é parte crucial e

indispensável no processo de ensino de crianças jovens e adultos com essa

deficiência.

Como apontamos anteriormente, este texto busca oferecer uma

compreensão do que vem a ser a Psicologia Educacional como uma ferramenta

na educação e não uma prática de uma Psicologia Clínica da educação.

Page 35: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Assim, a teoria sócio-interacionista de Vygotsky é de rica

contribuição pra educadores, norteando o trabalho deles com subsídios que vão

da postura para com seus alunos à metodologia de como os ensinar.

Perante uma criança, cujo conhecimento real se apresenta aquém

do esperado, o professor não presumirá uma incapacidade para o aprender, pelo

contrário, buscará ele próprio, o professor, ou por intermédio de um outro aluno

que já alcançou o conhecimento, interagir com o primeiro aluno, de modo que

cooperativamente este venha desenvolver seu potencial, alcançando o

conhecimento que aparentemente não seria construído pela atividade individual

do estudante.

Colocando em prática a teoria sócio-interacionista de Vygotsky, o

professor poderia, ainda, propor atividades educativas, em que a parceria na

construção do conhecimento superasse o individualismo na construção do

conhecimento. Por outro lado, o educador, sob a égide da teoria vygotskiana, não

tomará o conhecimento ainda não manifesto como uma construção inatingível, ele

entenderá que, por meio de uma ação sócio-interativa, o potencial para a

aprendizagem aflorará mesmo que de maneira diversa, em diferente tempo, e sob

forma tradicionalmente inesperada.

A teoria do conhecimento de Vygotsky não é simples, acabada e

nem mesmo antiga ou ultrapassada. É uma teoria profunda, que está esteada na

crença de um potencial humano e no entendimento de que o conhecer e o

conhecimento não podem ser atrelados a fatores biológicos (de uma fase

específica do desenvolvimento, ou razão de deficiência sensorial, física,

mental/intelectual e múltipla), fatores sociais, culturais, linguísticos e étnicos.

Alguns dos principais conceitos vygotskianos são resumidos no

quadro abaixo.

Quadro 5- Conceitos básicos

Processos cognitivos Características

Page 36: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Mediação - O ser cognoscente não tem acesso direto aos

objetos cognoscitivos. O acesso é mediado, através de

recortes do real, operados pelos sistemas simbólicos

de que dispõe;

- Vygotsky defende a construção do conhecimento

como uma interação mediada por várias relações;

- O mediador, o outro social, não é apenas e tão

somente o indivíduo, pode aparecer na forma de

objetos, organização, ambiente, mundo cultural que

rodeia o indivíduo.

Linguagem - Sistema simbólico dos grupos humanos;

- Representa um salto qualitativo na evolução da

espécie humana, na medida em que fornece

conceitos, formas de organização do real, mediação

entre sujeito e objeto do conhecimento;

- É por meio dela que as funções mentais superiores

são socialmente formadas e culturalmente

transmitidas, portanto, sociedades e culturas

diferentes produzem estruturas linguísticas diversas.

Cultura - Fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de

representação da realidade, ou seja, o universo de

significações que permite construir a interpretação do

mundo real;

- Ela dá o local de negociações no qual seus membros

estão em constante processo de recriação e

reinterpretação de informações, conceitos e

significações.

Processo de internalização - A internalização envolve uma atividade externa que

deve ser modificada para tornar-se uma atividade

interna;

- É interpessoal na interação social, e se torna

intrapessoal, no potencial humano;

- É Fundamental para o desenvolvimento do

Page 37: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

funcionamento psicológico humano.

Função mental - processos de pensamento, memória, percepção e

atenção;

- o pensamento tem origem na motivação, interesse,

necessidade, impulso, afeto e emoção. Pode ter

origem interna e/ou externa, desenvolve na interação

interpessoal e se transforma intrapessoal.

Zona de Desenvolvimento

Potencial

Atividade ou conhecimento que a criança ainda não

domina, em um dado momento, porém que lhe é

esperado saber e/ou realizar, independentemente de

características genéticas, fenotípicas, sociais, culturais

e outras, a exemplo de existência de deficiência, de

origem cultural, social ou linguística, de origem racial

ou étnica, ou de qualquer outra forma.

Zona de Desenvolvimento

Real

Tudo aquilo que a criança é capaz de realizar sozinha,

manifestando conhecimento do aprendido.

Zona de Desenvolvimento

Proximal

- Distância entre o que a criança já pode realizar

sozinha e aquilo que ela é capaz de desenvolver com

o auxílio ou mediação de alguém;

- É a zona cooperativa do conhecimento;

- O mediador ajuda a criança a transformar o

desenvolvimento potencial em desenvolvimento real.

Em relação geométrica, oposto ao curto tempo de vida de Vygotsky,

sua contribuição pra a psicologia e para a educação é de dimensão ainda

incalculável. Devido ao pouco acesso que se pôde ter aos seus escritos originais

(em russo), em função da censura que ele próprio sofreu na Rússia e que seu

trabalho sofreu no mundo ocidental (mormente por questões políticas do pós-

guerra), muito pouco ainda conhecemos e entendemos, de fato, da proposta

epistemológica de Lev Vygotsky. No entanto, é irrefutável que os preceitos de

Page 38: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

sua ciência têm efeito direto na educação, apesar de, como dissemos, não ser um

método de ensino.

Sem sombra de dúvida, podemos dizer que um educador ou um

psicólogo, que entra em contato com a teoria psicológica sócio-interacionista de

Vygotsky, jamais verá no estudante, no indivíduo cognoscente, o que poderia ver

antes.

O ensinamento de Vygotsky a respeito do potencial humano, o modo

de transformar o conhecimento manifesto pela interação com o outro social é de

tal forma relevante nos dias de hoje, que é impossível pensar numa educação que

não seja socialmente participativa, cooperativa e interativa com o ser aprendiz e

seu mediador, seja professor, colega de sala de aula, amigo, os pais, tudo e todos

que pertençam ao mundo social do indivíduo cognoscente, criança, adolescente

ou adulto.

IMPLICAÇÕES DE VYGOTSKY NA EDUCAÇÃO*

Participação ativa do sujeito e aceitação das diferenças

individuais;

Descoberta assistida vs. Descoberta independente (Piaget);

Jogo do faz de conta é o contexto ideal para promover o

desenvolvimento cognitivo;

Promove aprendizagem cooperativa;

Acompanhamento e utilização da ZDP da criança;

Monitorização e encorajamento da linguagem/discurso

interior;

instrução em contextos significativos;

Transformação da sala de aula.

*adaptado de Ana Almada, 2006.

Page 39: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Livros de Vygotsky recomendados para leitura

A Formação Social da Mente. SP, Martins Fontes, 1999.

Psicologia da Arte. SP, Martins Fontes, 2001

Pensamento e linguagem. SP, Martins Fontes, 1987

Psicologia Pedagógica. Porto Alegre, ARTMED, 2003

4.3- Behaviorismo

Não é por mera

coincidência que, em mesma

época, distintos pensadores,

oriundos de locais diversos, muitas

vezes sem uma interação direta,

acabam por chegarem a

conclusões semelhantes, ou

mesmo diversas, a respeito de uma

dada matéria por eles investigada.

Por exemplo, os irmãos Wright nos Estados Unidos, e Santos Dumont, no Brasil,

investigaram a invenção de uma máquina, mais pesada que o ar, que pudesse

voar.

Na educação, tal ocorrência também não é incomum. Como vimos,

Piaget e Vygotsky foram contemporâneos, embora apenas durante os 37 anos de

vida de Vygotsky. No entanto, à época da postulação da teoria piagetiana,

Vygotsky não tinha conhecimento da teoria do conhecimento, área que ele

próprio se dedicava a construir.

Page 40: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

De um modo também contemporâneo a

Vygotsky, e a Piaget, Burrhus Frederic Skinner (1904-

1990), pensava o processo da aprendizagem não como

uma teoria do conhecimento, porém na vertente de sua

transmissão e aquisição.

Assim, se de um lado o construtivismo e o

sócio-interacionismo são teorias do conhecimento,

tendo reflexo no método de ensino, de outro a teoria comportamental de Skinner

nos remete a refletir a respeito de como o homem conhece o mundo e de como

as informações por ele processadas interferem nas relações humanas, na própria

aquisição do conhecimento, na manipulação, transmissão e manifestação do

conhecimento.

Como a história do conhecimento nos mostra, muitos estudiosos, em

suas respectivas épocas, em seus grupos sociais de origem, em seus países,

etc., não são de pronto compreendidos (por vezes são mal interpretados), são

muitas vezes execrados, e frequentemente ignorados.

Exemplo disso, na área da educação no Brasil, temos com clareza

Paulo Freire (1921-1997) que de certa forma passou, senão por todas, pela

maioria dessas condições.

Skinner, embora advindo da área das Letras, formara-se em Inglês

(Vide quadro abaixo), ao ingressar no campo da Psicologia, acaba por contribuir

significativamente para a área da aprendizagem. Por conta de sua teoria, ele

certamente foi execrado por alguns, ignorado por outros, e mal compreendido por

muitos.

Quadro 5 - Biografia de Skinner4

1904 Em 20 de março de 1904, nasce Burrhus Frederic

Skinner, na Pensilvânia, EUA.

1928 Entra para a Faculdade de Harvard, para estudar

4 Adaptado de Mendoza, 2008

Page 41: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Psicologia.

1931 Recebe o título de Doutor

1936 Casa-se com Yvonne Blue.

Começa a trabalhar como professor na Universidade de

Minnesota.

1938 Nasce sua primeira filha, Julie; publica o livro ―The

Behavior of organsms‖.

1943 Nasce sua segunda filha, Deborah.

1948 Skinner escreve uma novela que trata sobre uma

sociedade baseada no reforço positivo para controlar a

conduta humana.

Aceita o convite para ser professor em Harvard.

1953 Escreve ―Science and Human Behavior‖

1968 Escreve ―The Technology of Teaching‖

1974 Publica ―About Behaviorism‖, como uma resposta às

interpretações equivocadas sobre seu trabalho.

1990 Morre aos 86 anos, vítima de Leucemia.

Não obstante, como viria a ser percebido, porém não

necessariamente admitido, os princípios da teoria skinneriana teriam grande

influência na educação, com especial influência na educação a distância.

Skinner reconhecia que o processo de ensino-aprendizagem

necessita respeitar o ritmo individual do aluno, tendo o professor de ser

conhecedor do método que usa, para a transmissão do conhecimento.

Na teoria comportamental de Skinner, não há lugar para uma

docência que não prime pelo conhecimento do que vai ser ensinado e, sobretudo,

de como e com que se vai ensinar.

Sob a égide do comportamentalismo, o professor deve reconhecer

no aluno as respostas que este dá aos estímulos educacionais que os materiais

educativos fornecem e que os próprios professores oferecem.

Page 42: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Assim sob a condição de uma resposta indicativa da aprendizagem,

o professor deve reforçar o aluno, recompensando-o pelo êxito alcançado.

Se o aluno, ao contrário, não demonstrar a aquisição do

conhecimento esperado, o professor deve manipular o material de que dispõe,

estimulando o aluno a produzir nova resposta, agora positiva, isto é, correta,

conforme se espera que seja.

Conforme a teoria skinneriana, o estudo do comportamento deve

centrar-se naquilo que é percebido, mensurável, identificável. Isto porque, o que

se pretende na teoria comportamental é transformar os comportamentos

inadequados, impróprios, incorretos, naqueles que sejam condizentes com a

aquisição do conhecimento.

Nesse sentido, o material didático, assim como a própria atuação

docente precisa ser agradável, deve ser estimulante, inovadora e considerar o

modo individual que cada aluno aprende, a partir do material a ele oferecido.

Aulas que ofereçam audiovisual, que propiciem experiências diretas

com o objeto estudado, que usem materiais interativos/dinâmicos, enfim que

sejam ricas em estímulos sensoriais, são aulas previstas pela teoria

comportamental de Skinner.

Precursor daquilo que hoje conhecemos como educação a distância,

Skinner, como o computador ainda não era popular e acessível como hoje, criou o

que se veio chamar de máquina de ensinar. Valeu-se do processo de múltipla

escolha para a avaliação e levou o professor a um status de técnico do ensino.

A ênfase da teoria skinneriana residia em levar o estudante a

aprender e a aplicar seu conhecimento no trabalho. Certamente, isso se deu, em

grande parte, devido a Skinner ter vivido no período que englobou as duas

grandes guerras, e a Guerra do Vietnã (esta tendo enorme impacto no povo

americano).

Ao propiciar uma teoria esteada no estímulo e resposta, assim como

no condicionamento para a manutenção ou remoção de uma dada resposta,

Page 43: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Skinner contribuiu, e muito, para a educação, em particular depois que sua obra

passou a ser melhor compreendida.

No entanto, os opositores de Skinner alegavam que ele

desconsiderava a emoção e o afeto, assim como a interação social, no processo

educacional. De fato, Skinner não negava esses componentes, apenas não se

dedicava a investigá-los, por acreditar que eram construções internas, as quais

não poderiam ser mensuradas.

Hoje, muito do que aplicamos na educação tem, de alguma forma,

que ver com os princípios comportamentalistas de Skinner, mas este autor não

tem mais o impacto que Piaget e Vygotsky ainda demonstram ter em nosso país.

Alguns dos principais conceitos da teoria comportamentalista de

Skinner, também conhecida como behaviorismo (do inglês behaviorism), podem

ser conhecidos no quadro abaixo.

Quadro 6- Conceitos da Teoria de Skinner5

Princípios

comportamentais

Conceitos

Estímulo • evento que afeta os sentidos do aprendiz.

Resposta • Reação a um determinado estímulo

• Tipos de Respostas:

• Respondentes- são as respostas involuntárias (por

exemplo reflexos); são controladas por um estímulo

precedente;

• Operantes- são repostas que damos, e que operam

em tudo o que fazemos e que tem um efeito sobre o

ambiente ou outra pessoa.

Condicionamento • a cada tipo de resposta está associado um

5 Adaptado de Rocha, 2003.

Page 44: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

condicionamento, que pode ser:

• Respondente : elicia a resposta, porém não implica

no aumento de freqüência;

• Operante: ocasiona um aumento na frequência da

resposta à qual o estímulo se seguiu.

Reforço • evento que resulta no aumento da resposta ao

estímulo que a produziu. Pode ser:

• positivo: quando os eventos ou objetos que vem

após um comportamento, aumentam sua freqüência;

• negativo: fortalece a resposta que o remove e

enfraquece a resposta que o produz.

Contingências de reforço • arranjo de uma situação para o aluno, na qual a

ocorrência de reforço é tornada contingente à

ocorrência imediatamente anterior de uma resposta a

ser aprendida.

Generalização É responder de modo similar a estímulos diferentes;

é o oposto da discriminação

Discriminação É condicionar uma resposta na presença de um

estímulo e extingui-la na presença de outro;

• existe um estímulo discriminativo (SD), associado

ao reforço; e um estímulo (SDelta), ao qual não

está associado o reforço.

Encadeamento • quando uma resposta pode produzir o estímulo para

a resposta seguinte.

Esmaecimento (Fading) • quando dois estímulos diferentes são apresentados,

diferindo ao longo de duas dimensões.

Como buscamos mostrar, a teoria skinneriana, estudada na

Psicologia da Educação, pode contribuir favoravelmente com o ensino-

aprendizagem, no entanto, assim como as demais teorias, não pode ser a única a

estear a prática docente.

Page 45: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

O Psicólogo da Educação, que tenha conhecimento da teoria

comportamentalista, pode colaborar com o professor, contribuindo com este na

escolha do uso do material didático, tanto quanto na atuação docente, por

exemplo, ao estimular a participação dos alunos nas aulas, ou então, orientar o

professor sobre como operar na remoção de comportamentos impróprios,

praticados pelos estudantes em sala de aula.

Não obstante, é imprescindível notar que não basta propiciar

estímulos, oferecer reforços, usar materiais agradáveis, de maneira técnica, se o

professor desconsiderar o aluno. Skinner não fez isso, e nem foi isso que propôs

com sua teoria.

4.4- Outras perspectivas contemporâneas: retrilhando o caminho e

apontando horizontes

Até aqui, situamos a Psicologia da Educação dentro da área da

Psicologia, apontando para o fato de que ora recebe nomes diferentes, com o

mesmo significado, ora recebe nomes semelhantes com nuances diferentes para

o que quer dizer, área a abranger, etc.

Também, aqui apontamos que a Psicologia da Educação, ao ser

apropriada pelo professor, dever ser como uma ferramenta auxiliar no processo

de ensino. Isto é, o professor, ou mesmo o psicólogo, não devem, na escola,

fazer da sala de aula uma clínica. Psicólogo educacional, certamente, pode e tem

a competência de, em um setting clinico adequado, em função de uma queixa

específica, atender ao aluno ou mesmo ao próprio professor. No entanto, a

―‖psicologização‖ da educação foi aqui negada como uma prática indiscriminada

na escola, mormente esteada em bases genéticas, fenotípicas, sociais,

linguísticas, culturais, étnicas e/ou de deficiência.

Mostramos, ainda, que aspectos biológicos do desenvolvimento

podem influenciar na aquisição do conhecimento, porém nem é determinante,

nem é determinado por eles.

Page 46: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Com efeito, enfatizamos que a aquisição do conhecimento se dará

pela interação social dos indivíduos com o meio; mas, acima de tudo, se dará com

a interação do indivíduo com outras pessoas, numa relação intrapessoal, de

respeito ao potencial individual e cooperação social.

Os aspectos desenvolvimentais foram considerados dentro das

escolas estudadas, tanto quanto delineados foram os aspectos afetivos.

Destacamos que, na interação professor/aluno, um modifica o outro,

e ao fazê-lo ambos se transformam pelo movimento do afeto, fazendo com que o

professor aprenda com o aluno o modo com que este precisa ser ensinado, para

que adquira o conhecimento e o manifeste quando esperado.

Vimos que, sob diferentes teorias, o papel do aluno e do professor

na aquisição e transmissão do conhecimento toma diferentes enfoques. Ora a

aprendizagem é centrada na autonomia construtiva do aluno (epistemologia

genética de J. Piaget), ora é centrada na interação sócio-cultural do aluno (sócio-

interacionismo de Vygotsky), ora é centrada no método de ensino, tomando-se

em consideração o ritmo individual do estudante (teoria comportamental de

Skinner).

O professor, por sua vez é visto de um lado como facilitador do

conhecimento a ser construído pela atividade do aluno (epistemologia genética de

Piaget); ora é mediador do conhecimento sócio-desenvolvido com a interação do

aluno (sócio-construtivismo de Vygotsky); ora é visto como detentor do

conhecimento técnico das ferramentas de ensino (teoria comportamental de

Skinner).

Todas essas percepções de como se transmite o conhecimento,

como é adquirido e como é manifestado, influenciam/interferem na atuação

docente, no modo que vê seu aluno, e na maneira que o professor lida com as

questões pedagógicas em sala de aula, por exemplo, ritmo de aprendizagem,

mais rápido ou mas lento; percepção de erro, ao promover a avaliação do

conhecimento manifestado pelo aluno, etc.

Page 47: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Contudo, há todo um universo de possibilidades educacionais e de

orientações, advindas das diversas áreas da Psicologia, que podem contribuir na

educação, seja de uma maneira direta, seja por um atuação clínica que, em última

instância, reverterá na aprendizagem do estudante. Por exemplo, uma criança

com TDAH pode manifestar comportamentos que vão da ―agitação extrema‖, em

sala de aula, a um comportamento opositivo exacerbado. Essa criança acabara

por angariar, até mesmo, a antipatia dos seus colegas (uma vez que pode

atrapalhar estes, quando querem estudar), e do professor, ao ―responder-lhe de

maneira desrespeitosa ou mal criada‖. Nestas condições, o Psicólogo poderá

orientar o professor a respeito dessa doença, mostrando-lhe que estes

comportamentos são, na verdade, dois sintomas clássicos do Transtorno do

Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Ao atender a criança, o Psicólogo com conhecimento em TDAH a

ajudará compreender os sintomas que manifesta e lidar com as frustrações,

advindas das respostas que recebe, em função da doença (o TDAH) que

manifesta.

No dia-a-dia educacional, não são apenas as doenças ou distúrbios

que interferem no processo de ensino, diferenças sociais, econômicas, distúrbios

familiares, baixa expectativa de futuro, na ―carreira educacional‖, e muito mais,

dificultam, limitam, e até mesmo impedem o bom processo de ensino-

aprendizagem, prejudicando, acima de tudo, as crianças, mas também demais

estudantes e o próprio professor. Este pode deslocar, por exemplo, suas

frustrações para um aluno ou uma dada classe, e isso será danoso para todos.

Da teoria Psicanalítica de Freud (1856-1939), alguns conceitos (ver

quadro abaixo) podem ajudar-nos a entender esse processo, muito embora a

Psicanálise não seja de fato uma teoria da Psicologia da Educação, visto que ela

é, realmente, uma teoria psicanalítica.

Page 48: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Alguns conceitos psicanalíticos6

Instintos- são as forças propulsoras, que incitam as pessoas à ação.

Inconsciente – exprime o conjunto dos conteúdos não presentes no campo

atual da consciência. Trata-se de material recalcado e desconhecido, que possui

as leis próprias de funcionamento; é atemporal.

Pré- consciente – refere-se aos conteúdos acessíveis à consciência. É

aquilo que não está na consciência, neste momento, mas que no momento

seguinte pode estar.

Consciente – é um sistema psíquico que recebe as informações do mundo

externo e interno. Na consciência destaca-se o fenômeno da percepção.

Libido - é uma energia voltada para a obtenção de prazer; é definida como

uma energia sexual.

Projeção- é um mecanismo de defesa em que se desloca aspectos da

personalidade para o meio externo, isto é, quando alguém atribui a outro

(pessoa, animal ou objeto) aquilo que se origina em si mesmo.

Deslocamento - é o mecanismo psicológico de defesa, em que a pessoa

substitui a finalidade inicial de uma pulsão por outra diferente e socialmente mais

aceita.

Identificação- é o processo psíquico em que o indivíduo assimila um

aspecto, um característica de outro, e se transforma, total ou parcialmente,

apresentando-se, conforme o modelo desse outro.

Com o advento das novas tecnologias educacionais, e de interação

social (o computador e a internet, por exemplo); com a utilização de métodos de

ensino que contemplam a possibilidade da aprendizagem individual, ou em grupo,

ainda que se esteja em ambientes diversos; com a transformação de valores

6Adaptação de http://www.mouraocavalcante.net/Pages/Psy/Psy_01.html, e

http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/mecanismosdedefesa.html

Page 49: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

sociais, culturais e mesmo morais; e , acima de tudo, com a atual possibilidade de

acesso imediato à informação, a Psicologia da Educação vem estudar e contribuir

para a compreensão do novo aluno, do novo professor, e da nova sala de aula,

que hoje não se restringe a uma só sala de aula, a um modelo de aluno, e a um

único professor.

As acessibilidades comunicacionais que a internet propicia, por

exemplo, ampliam a possibilidade de acesso ao material didático, reservado,

anteriormente, apenas aos que o podiam comprar. Isso tem provocado, de um

lado, uma isonomia de acesso ao conhecimento, porém, de outro lado, tem

causado um desconforto, junto àqueles que associavam capacidade de aprender

a classes sociais, economicamente definidas.

A via de apresentação da informação é outro fator a ser considerado

na Psicologia da Educação, uma vez que hoje compreendemos, e aceitamos

cada vez mais, que não há um único modo de aprender, um único modo de

manifestar o conhecimento, uma única inteligência.

Assim, teorias ou estão sendo melhor estudadas pela Psicologia da

Educação, e em muitas outras áreas também.

Logo, as teorias aqui apresentadas, nem de longe esgotam a

diversidade humana, mas certamente contribuíram e tem contribuído

significativamente para o desenvolvimento individual e coletivo da atual

sociedade.

5- Conclusão

A Psicologia da Educação é uma das muitas faces da Psicologia,

cujos olhos se voltam ao processo de ensino-aprendizagem, à própria

epistemologia, e aos aspectos sócio-cognitivos e comportamentais, envolvidos e

envolventes, na educação.

Page 50: Fundamentos Psicologicos Da Educacao

Considera a relação professor-aluno, condições de ensino-

aprendizagem, materiais e métodos, nela utilizados, sempre sob a égide do

aspecto humano e sua cognição, seu comportamento e afeto, desprendido nessa

relação.

O Psicólogo da educação pode atuar na educação como um

auxiliar/consultor do professor, e mesmo no atendimento às necessidades dos

alunos, quando aquele profissional tiver conhecimento que lhe permita tal

atendimento.

De qualquer modo ele sempre estará capacitado para direcionar a

um outro profissional, a criança que precise de uma atuação específica da

Psicologia.

Psicologia da Educação não tem todas as respostas para o

professor, e nem deverão professor e psicólogo achar que essa área da

Psicologia lhes será a única via de resposta às suas necessidades. Contudo, o

professor precisa estar aberto para receber as informações, oriundas dessa área

do conhecimento, e o psicólogo, preparado para as oferecer. Juntos, o objetivo

maior da Psicologia da Educação e da Educação, encontrarão o verdadeiro

significado que perpassa a ambas as áreas: a aprendizagem do aluno, com

qualidade, com respeito a seu ritmo e demais necessidades, de acordo com o

modo que aprende , de maneira respeitosa, digna e cidadã.

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