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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES RAQUEL MAIA MATTOS FUNÇÃO SIMBÓLICA DAS MÁSCARAS INTEIRIÇAS DO RITUAL TIKUNA NA EXPOSIÇÃO DE LONGA DURAÇÃO DO MUSEU AMAZÔNICO EM MANAUS/AM CAMPINAS 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

RAQUEL MAIA MATTOS

FUNÇÃO SIMBÓLICA DAS MÁSCARAS INTEIRIÇAS DO

RITUAL TIKUNA NA EXPOSIÇÃO DE LONGA DURAÇÃO DO

MUSEU AMAZÔNICO EM MANAUS/AM

CAMPINAS

2015

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RAQUEL MAIA MATTOS

FUNÇÃO SIMBÓLICA DAS MÁSCARAS INTEIRIÇAS DO

RITUAL TIKUNA NA EXPOSIÇÃO DE LONGA DURAÇÃO DO MUSEU

AMAZÔNICO EM MANAUS/AM

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra EM ARTES. ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: ARTES VISUAIS

ORIENTADOR: HERMES RENATO HILDEBRAND

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA RAQUEL MAIA MATTOS, E ORIENTADO PELO

PROF. DR. HERMES RENATO HILDEBRAND.

CAMPINAS

2015

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Dedico este trabalho à memória da querida mestra Profa. Dra. Maria Bernadete Andrade.

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AGRADECIMENTOS

A Deus À Prefeitura de Manaus/Secretaria Municipal de Educação – SEMED/DDPM

pelo apoio dado à realização dessa pesquisa À Fundação de Amparo à Pesquisa da Amazônia – FAPEAM

À Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP Ao orientador e amigo Prof. Dr. Hermes Renato Hildebrand

Ao Museu Amazônico – UFAM Às amigas e aos amigos queridos que tanto me apoiaram

À minha amada família, por fazer tudo valer a pena!

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RESUMO

O objetivo da pesquisa foi compreender e comunicar a importância simbólica

das máscaras utilizadas no ritual de iniciação feminino do povo Tikuna as quais se

encontram expostas no Museu Amazônico na cidade de Manaus-Am. Como patrimônio

cultural que se constitui, acreditamos ser de extrema importância a reflexão sobre os

conhecimentos significativos que compõem a identidade desse povo para um melhor

usufruto da exposição. Através da pesquisa concluímos que, para alcançar nossos

objetivos, precisaríamos envolver o visitante num processo que ultrapassasse o campo

da visualização, despertando, neste, o senso de apropriação necessário ao

estabelecimento de posturas não preconceituosas de modo a manifestar maior respeito

por esse povo. Para tanto, desenvolvemos uma proposta de intervenção na exposição

atual das máscaras que se baseia na utilização de atividades lúdicas interativas criadas

no decorrer deste trabalho com a finalidade de contribuir para a ressignificação do

objeto exposto motivando uma maior interação entre o visitante e o museu.

Palavras-chave: Arte, Educação, Patrimônio Cultural, Museologia, Cultura Tikuna.

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ABSTRACT The objective this work was to understand and communicate the symbolic

importance of the masks Tikuna which are on the Amazônico Museum in the city of

Manaus-Am. Through research we concluded that to achieve our goals to engage the

visitor in a process that exceeds the observation awakening in this the greater respect

for Tikuna. We produce a proposal for intervention in the current exhibition of masks

based on the use of interactive and fun activities created in order to contribute to the

redefinition of the object exposed encouraging greater interaction between the visitor

and museum.

Key word: Art, Education, Cultural Heritage, Museology, Tikuna Culture.

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Lista de ilustrações

Figura 1 - Terra Indígena Évare I - local sagrado que representa a origem do povo Tikuna ................................... 16

Figura 2 - Preparo do moqueado ........................................................................................................................... 29

Figura 3 - Preparação do curral para o Ritual da Moça Nova ................................................................................. 32

Figura 4 - Pintura facial Tikuna .............................................................................................................................. 35

Figura 5 - Dança Cerimonial Tikuna ....................................................................................................................... 36

Figura 6 - Tambor Tikuna ...................................................................................................................................... 37

Figura 7 - Instrumento musical Tikuna Aruré ........................................................................................................ 38

Figura 8 - Entrada dos mascarados no Ritual ......................................................................................................... 41

Figuras 9 - Pelação da Moça Nova fio a fio ............................................................................................................ 43

Figura 10 – O banho de rio simboliza nova vida. ................................................................................................... 45

Figura 11 - Cestarias Tikuna – Museu Amazônico .................................................................................................. 47

Figura 12 - Cesto Tikuna ........................................................................................................................................ 47

Figura 13 - Esculturas Tikuna, acervo Museu Amazônico. ..................................................................................... 48

Figura 14 - Máscaras Tikuna .................................................................................................................................. 48

Figura 15 - Rede Tikuna ......................................................................................................................................... 49

Figura 16 - Desenho Tikuna da Terra Évare ........................................................................................................... 50

Figura 17 – Desenho de mascarado ....................................................................................................................... 51

Figura 18 - Museu Amazônico ............................................................................................................................... 52

Figura 19 - Máscaras Tikuna, Museu Amazônico. .................................................................................................. 57

Figura 20 - Detalhe da máscara Tikuna.................................................................................................................. 57

Figura 21 - Realização da ação educativa Catamito ............................................................................................... 69

Figura 22 - Contando e recontando a História do Guaraná .................................................................................... 69

Figura 23 - Fontes de iluminação artificial, acervo Museu Amazônico................................................................... 73

Figura 24 - Jogo da Etimologia............................................................................................................................... 75

Figura 25 - Jogo de futebol interativo ................................................................................................................... 75

Figura 26 - Aldeia Virtual....................................................................................................................................... 77

Figura 27 - Croqui construção do curral................................................................................................................. 78

Figura 28 - Croqui pelação da Moça Nova ............................................................................................................. 79

Figura 29 - Croqui preparação da Moça Nova ....................................................................................................... 79

Figura 30 - Croqui entrada dos mascarados .......................................................................................................... 80

Figura 31 - Croqui banho de rio ............................................................................................................................. 80

Figura 32 - Mostra Jogo da memória digital Edilim ............................................................................................... 82

Figura 33 - Mostra do jogo quebra-cabeça – Máscaras rituais Tikuna ................................................................... 83

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Quadro 1 - Terras Tikuna situadas nos munícios do Amazonas ............................................................................. 25

Quadro 2 - Terras Tikuna e sua situação jurídica atual (2014) ............................................................................... 26

Quadro 3 - Mostra da medicina Tikuna ................................................................................................................. 49

Quadro 4 - Recursos naturais empregados na pintura Tikuna ............................................................................... 55

Quadro 5 - Etapas da Metodologia da Educação Patrimonial ................................................................................ 72

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13

CAPÍTULO I – O POVO TIKUNA.................................................................................... 16

1.1 Localização geográfica ............................................................................................................... 24

1.2 A língua Tikuna .......................................................................................................................... 27

1.3 Estrutura social .......................................................................................................................... 27

1.4 O Ritual da Moça Nova .............................................................................................................. 28

1.5 A reclusão da moça e a construção do “curral” .......................................................................... 31

1.6 Pinturas dos convidados ............................................................................................................ 33

1.7 A dança ...................................................................................................................................... 35

1.8 A preparação do corpo e ornamentos da Moça Nova ................................................................ 38

1.9 Entrada da Moça Nova na casa de festa .................................................................................... 39

1.10 Máscaras rituais ....................................................................................................................... 39

1.11 A pelação ................................................................................................................................. 43

1.12 Final da festa: o banho de rio................................................................................................... 45

CAPÍTULO II – ARTE E CULTURA MATERIAL TIKUNA NO CONTEXTO

MUSEOLÓGICO.................................................................................................................. 46

2.1 Análise descritiva ....................................................................................................................... 52

2.1 As máscaras no contexto ritual ............................................................................................. 58

CAPÍTULO III – (RE)SIGNIFICANDO O ESPAÇO MUSEOGRÁFICO ..................... 62

3.1 Ação educativa “Catamito” um processo de criação e reflexão ............................................. 65

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3.2 Educação Patrimonial e o processo de mesealização ............................................................ 70

3.3 Propostas e intervenção: ludicidade e apreciação ................................................................. 74

3.3.1 Atividade interativa Trilha Verde .......................................................................................... 76

3.3.1.1 Descrição da atividade interativa e modo de jogar ........................................................... 78

3.3.2 Atividade interativa Jogo da memória e jogo quebra-cabeça digital ................................... 81

3.3.3 Espaço Catamito: leitura e contação de histórias ................................................................. 83

3.3.4 Curtacine: oficina de animação no museu............................................................................ 86

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 88

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 90

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem por finalidade apresentar um diálogo entre a expografia e

a simbologia das máscaras utilizadas nos rituais do povo Tikuna que compõem a

exposição de longa duração do Museu Amazônico na cidade de Manaus-Am. A

execução do objetivo proposto foi baseada no uso de fontes bibliográficas que

permitiram a compreensão do objeto real como fonte de informação cultural.

A importância do trabalho voltado à extração das informações intrínsecas nas

máscaras expostas no museu está no fato de permitir a compreensão do processo

cultural em que elas estão inseridas, uma vez que esses bens passaram da categoria

de bem cultural de um povo para bem museológico acessível aos mais diversos

públicos.

Professora de Artes Visuais, trabalhando com formação de professores

através do Projeto de Educação Patrimonial: construindo identidades SEMED/Manaus

(2007), percebi o desinteresse dos professores cursistas pelas máscaras do Ritual da

Moça Nova do povo Tikuna durante a visitação ao Museu Amazônico.

A escolha do tema, então, se deu a partir da experiência acima mencionada

e por acreditar que a valorização e a preservação dos acervos museológicos como

patrimônio são de responsabilidade coletiva, no entanto, só através da criação de laços

afetivos individuais adquiridos por meio de experiências mais profundas vivenciadas a

partir do diálogo entre as partes, pode-se gerar um sentimento de apropriação, a

diminuição de preconceitos e consequentemente a promoção do devido respeito a toda

forma de expressão cultural.

O problema apresentado neste projeto de pesquisa foi gerado a partir da

observação dos professores de Ensino Fundamental da SEMED/Manaus durante a

visitação ao Museu Amazônico que apresentaram desinteresse pelas máscaras do

Ritual da Moça Nova do povo Tikuna. Portanto, o problema norteador desta pesquisa é

como proporcionar uma visitação museológica com maior fruição promovendo a

valorização e a apropriação das máscaras do Ritual da Moça Nova do povo Tikuna que

fazem parte da exposição de longa duração do Museu Amazônico?

A opção pelo programa de Mestrado em Artes Visuais na UNICAMP se deu

pela necessidade de buscarmos subsídios para realização de uma análise das

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máscaras para, posteriormente, criarmos uma intervenção informal tendo como suporte

a utilização de novas tecnologias, nos moldes dos museus contemporâneos que se

apropriam das TIC’s para criar exposições interativas buscando maior fruição entre

exposição e público.

Para alcançarmos nosso objetivo, realizamos, como base metodológica, um

estudo de caso com abordagem qualitativa, ocasião em que buscamos qualificar o

objeto de estudo. A coleta e tratamento dos dados foram feitos por meio de observação,

entrevistas, pesquisa documental e a criação de uma proposta de intervenção na

expografia em que as máscaras em estudo estão inseridas.

Dessa forma, a dissertação se apresenta dividida em três capítulos.

No primeiro capítulo: O povo Tikuna, discorremos sobre alguns aspectos que

consideramos importantes para compreendermos o contexto cultural em que vive o

povo Tikuna, como por exemplo: suas primeiras referências registradas na região

Amazônica por Cristóbal de Acuña, padre jesuíta e escrivão da expedição de Pedro

Teixeira, que foi realizada de Belém a Quito de 1637 a 1639; sua localização geográfica

que, segundo dados do Instituto Socioambiental – ISA1, é um dos maiores grupos

indígenas do Brasil que habita o alto Solimões em aldeias nos municípios de Tabatinga,

Benjamim Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Iça e Tonantins

no estado do Amazonas na área de fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru; aspectos

históricos relevantes como a criação do Conselho Geral da Tribo Tikuna – CGTT em

1982, e, posteriormente, a Organização dos Professores Tikuna Bilíngues – OGPTB,

em 1986; a produção artística realizada por esta etnia e, por fim, uma descrição do

ritual de iniciação feminino denominado “Festa da Moça Nova”, que consiste na

transição da menina de um status social para outro na comunidade Tikuna, após sua

menarca, momento composto por uma complexa riqueza simbólica, dentre eles, a

confecção das máscaras rituais, nosso objeto de estudo.

O segundo capítulo denominado: Arte e cultura material Tikuna no contexto

museológico apresenta um uma análise descritiva das máscaras do Ritual da Moça

Nova que fazem parte da exposição de longa duração do Museu Amazônico. Levamos

em consideração os elementos representativos dos desenhos das máscaras, suas

1Ver: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/Tikuna/1343 (Acesso: 26/09/2009 às 19h26min).

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cores, simbologia dos rostos e o contexto ritualístico. Também se abordam, nesse

capítulo, a visão de mitologia, a arte e identidade para o povo Tikuna.

No terceiro capítulo intitulado: (Re)significando o espaço museográfico,

apresentamos como proposta algumas atividades interativas informais para

“complementar” a atual expografia das máscaras Tikuna com base na Metodologia

Educação Patrimonial utilizando como suporte a Informática Educativa nos moldes dos

museus contemporâneos que se apropriam das TIC’s para criar exposições interativas

buscando maior fruição entre exposição e público extraindo a poesia destes objetos

expostos e comunicando-os através de práticas de experimentação e autoria,

oferecendo, assim, uma experiência memorável. Também realizamos uma reflexão

sobre a ação educativa “Catamito” experiência desenvolvida no Museu Amazônico no

ano de 2003 cuja proposta era “catar”, no sentido de pesquisar e conhecer, contar e

recontar a mitologia indígena intrínseca nos diversos objetos rituais expostos, através

do potencial de envolvimento e interação do teatro de bonecos confeccionados com

material alternativo, tornando a visitação um momento criativo e encantador. Levando

em consideração os aspectos positivos da citada experiência, partimos para o desafio

de desenvolver uma ação educativa que possa envolver o visitante do museu num

processo que ultrapasse o campo da visualização, despertando, no espectador, o

interesse e, consequentemente, o senso de apropriação necessário para uma tomada

de posturas não preconceituosas de modo a manifestar maior respeito pelo patrimônio

material dos povos indígenas representados na exposição de longa duração do museu

Amazônico.

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“Especialmente nas festas, nas máscaras,

nos cânticos e nos ritos(...) aparece o patrimônio das suas convicções”.

Alviano

CAPÍTULO I – O POVO TIKUNA

Segundo os registros da tradição oral, a origem dos Tikuna que se

autodenominam povo Magüta, palavra que literalmente significa “pessoas pescadas

com vara” se inicia quando Yo’i, um dos principais heróis mitológicos do povo Tikuna,

os pesca no Igarapé Évare, lugar sagrado, que estaria situado nas nascentes do

igarapé São Jerônimo, afluente da margem esquerda do rio Solimões, no trecho entre

os municípios de Tabatinga e São Paulo de Olivença no estado do Amazonas (Figura

1).

De acordo com o mito Tikuna, Tetchi arü Ngu’i, mulher de Yo’i traiu-o com

seu irmão Ipi. Ele é considerado o herói travesso que viola as proibições e pratica ações

Figura 1 - Terra Indígena Évare I - local sagrado que representa a origem do povo Tikuna Fonte: http://ti.socioambiental.org/pt-br/#!/pt-br/terras-indigenas/3661

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incorretas. E, dessa traição, segundo o mito, resulta para as mulheres o ato do parto

com sofrimento.

Como o mito revela ao povo a origem das coisas, com o nascimento do filho

e para se vingar do irmão, Yo’i mandou Ipi buscar a fruta do jenipapo para mãe pintar a

criança recém nascida. Esta prática está embasada no mito que, até hoje, é cultivada

pelos indígenas nas cerimônias de iniciação feminina e nomeação das crianças.

Ipi teve muita dificuldade para apanhar a fruta da árvore que, segundo a

mitologia, não parava de crescer chegando próxima ao céu. Depois de um grande

esforço, Ipi conseguiu alcançar a fruta e desceu rolando da árvore, transformando-se

em tucandeira2 com a fruta na boca. Então, Yo’i ordenou que Ipi ralasse a fruta sem

parar. Ele obedeceu e ralou a fruta, sem parar, até que ralou o próprio corpo por inteiro.

Assim, Tetchi arü Ngu’i pegou o sumo do jenipapo e pintou a criança e, em seguida,

jogou a borra no Igarapé Évare, que é a terra sagrada dos Tikuna. A borra do jenipapo

desceu água abaixo e foi parar num lugar onde havia muito ouro. Depois a borra tornou

a emergir e transformou-se em peixinhos, numa grande piracema. Quando a piracema

passou, Y’oi fez um caniço e foi pescar usando um caroço de tucumã maduro. Mas, os

peixes, quando caíam na terra, viravam animais: queixada, anta, veado, caititu e muitos

outros. Então Y’oi usou isca de macaxeira, e, com essa isca, os peixinhos pescados

transformavam-se em gente. Y’oi aproveitou e pescou muita gente, que gerou o povo

Tikuna (GRUBER, 1999, p.18).

Historicamente, esse povo tem suas primeiras referências registradas na

região Amazônica por Cristóbal de Acuña, padre jesuíta e escrivão da expedição de

Pedro Teixeira, que foi realizada de Belém a Quito de 1637 a 1639. Em seu texto,

“Acuña se refere aos Tocunas como inimigos dos Omágua das margens norte do

Solimões” (apud. NIMUENDAJU, 1952, p.8).

Oro (1997, p.13) observa também que vários viajantes registraram que os

Omágua, também conhecidos por Cambeba ou Cambeva, de tradição guerreira,

ocupavam as margens e inúmeras ilhas do alto Solimões antes dos Tikuna. E que só

após o desaparecimento dos Omágua os Tikuna passaram a residir nas margens

superiores do rio Solimões. Ele ainda acrescenta que:

2 A Paraponera Clavata é uma formiga conhecida na região Amazônica como Tucandeira..

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As referências que obtivemos dão conta de que os Tukúna foram inicialmente atraídos para o mundo ocidental pelos caucheiros peruanos e depois, isto é, por ocasião dos adventos cíclicos da borracha, pelas frentes pioneiras de expansão nacional que subiam os igarapés em busca do látex. Destarte, nota-se que houve um repovoamento do vale do Solimões. Outrora ele era habitado pelos Omágua, porém, em parte devido ao desaparecimento dos mesmos, e, em parte, devido à atração que a sociedade nacional exerceu sobre os Tukúna, estes, especialmente, a partir do século passado, desceram dos igarapés instalando-se nas margens superiores do rio Solimões (ORO, 1977, p.14).

Sobre o desaparecimento dos Omágua, Soares (1999, p.193) ressalva que,

nos relatos do Padre Acunã, esta etnia começou a ser catequizada pelos padres

jesuítas em 1945, quando foi instalada a missão nessa região. Entretanto, as

constantes epidemias e guerras entre os portugueses e espanhóis pelo controle da

terra que provocava fuga e matança fizeram com que os Omágua desaparecessem

quase que completamente no século XVIII. Definida a disputa entre portugueses e

espanhóis e exterminados os Omágua, aos poucos, os Tikuna foram descendo os

igarapés e ocupando as áreas onde hoje habitam.

Oliveira (1996, p.71) observa que o povo Omágua, por muito tempo, impediu

a descida dos Tikuna para as margens do grande rio, fato que os livrou de receberem o

impacto com a civilização, ao menos com a mesma intensidade com que foram

atingidos os Omágua. Eles ocupavam as inúmeras ilhas do alto Solimões e ficaram

bastante expostos às invasões de todos aqueles que disputavam a região.

O contato dos Tikuna com os não índios aconteceu a partir da segunda

metade do século XVII, mas somente intensificou-se no final do século XIX quando

grande parte de suas terras foram ocupadas pelos seringalistas e comerciantes que

viviam da extração da borracha. Sobre essa relação, destacamos quatro diferentes

momentos históricos.

O primeiro momento dessa trajetória é definido por Paulo Roberto Abreu

Bruno de “Catequese dos índios”:

Para que pudessem se impor, numa região habitada por diversos grupos indígenas diferenciados entre si, principalmente, em função das práticas socioculturais e da linguagem, os invasores europeus – espanhóis (inicialmente) e portugueses – buscaram aperfeiçoar as formas de comunicação que lhes

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assegurassem a difusão de valores culturais e econômicos, necessários ao êxito das suas estratégias colonizadoras. Para tanto, a partir do século XVI, desenvolveram projetos de educação escolar, inspirados nas experiências de “conversão religiosa”. Inicialmente, tais projetos tiveram como executores missionários jesuítas que, observando rigorosas normas, tentaram estabelecer mecanismos de controle – individual e coletivo – sobre os índios atraídos e/ou aprisionados. Através desse processo aprimoraram os seus métodos de intimidação e convencimento, conformando-os numa pedagogia específica, batizada como “catequese dos índios” (2006, p.240).

Esse período de “catequese” teve início com a instalação das missões

religiosas no Alto Solimões, nas cabeceiras do rio. Neste período é que se reorganizou

a estrutura social indígena local pela escalação de um superior da ordem religiosa que

se dirigia a missão e controlava o contato dos índios com os “civilizados”. Um índio era

escolhido pelos padres para controlar a população indígena e facilitar a comunicação

entre ambos. Também, neste momento, eles eram obrigados a trabalhar na extração

das drogas do sertão e nas atividades de subsistência (SOARES, 2004, p.34).

A economia do Amazonas, no século XVII, girava em torno das “drogas do

sertão” as quais encontravam boa receptividade nos centros consumidores europeus

(ORO, 1977, p.27). No século XVIII, verificamos o cultivo das drogas do sertão e a

policultura agrária, com o cultivo da cana-de-açúcar, mandioca, tabaco e algodão, entre

outros. Porém, esse ciclo foi deixando de existir rapidamente com a vertiginosa

valorização da borracha que teve início no século XIX e que teve a sua fase áurea na

primeira década do século XX.

O segundo momento histórico de contato Tikuna com os não índios envolve

uma nova situação: a criação dos diretórios dos índios, com a retirada dos missionários,

ficando o poder entregue às autoridades civis. As missões foram transformadas em

vilas, e o diretor dos índios era nomeado pelo Presidente da Província e promovia a

distribuição do trabalho. Os Tikuna que habitavam essas vilas, além de outros serviços,

também prestavam serviços domésticos.

O terceiro momento refere-se ao período áureo da borracha na região

amazônica, quando as terras às margens do rio Solimões foram divididas entre poucos

“patrões” e comerciantes em sua maioria nordestinos, fundadores dos seringais que

conseguiram obter título de propriedade de extensas áreas de terra (SOARES, 2004,

p.34). Os Tikuna foram utilizados como mão de obra escrava dos seringalistas na

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exploração do látex. Assim, passaram por mais uma etapa de transformação, tendo,

mais uma vez, que se adaptarem às novas situações de vida.

A habitação do patrão era chamada de barracão e situava-se à margem do

rio principal e em terra firme. O barracão, que geralmente era construído de madeira,

além de ser a residência dos seringalistas, servia também de depósito de mercadorias a

serem vendidas aos seringueiros, servia, também, de escritório e, eventualmente, de

prisão. Por isso, normalmente possuía dois andares, sendo o térreo para depósito das

mercadorias e o de cima para residência do patrão. Todo seringal era uma

comunidade, e o “patrão” era a figura principal e, geralmente, um “tirano”. Abaixo dele

estava o “gerente” do seringal que distribuía as ordens de serviço; em seguida, vinha o

“guarda-livros” que era responsável pela contabilidade do seringal; os “caixeiros” tinham

como responsabilidade guardar os depósitos de mantimentos e a pesagem de peles e

borracha que chegavam do interior da selva e, por fim, os “camboeiros” que eram

encarregados de conduzir mantimentos e utensílios para os seringueiros.

Além dessas pessoas com funções específicas, havia os homens do campo:

os mateiros, exploradores do mato, e os seringueiros que eram as pessoas com maior

importância no trabalho do seringal, a eles cabiam a extração látex (ORO, 1977, p.28-

29). A vida escrava dos Tikuna era orientada pelo regime do barracão que foi descrita

do seguinte modo por Oro:

As informações que logramos obter sobre as atividades dos patrões indicam que os mesmos, ao se adornarem das terras indígenas, apropriaram-se de sua mão de obra, ou forçando-a a trabalhar no seringal, dando, muitas vezes, somente comida em troca, ou ludibriando-a a custa de bugigangas e aguardente. Era também norma de quase todos os patrões de que os peixes, pescados pelos índios nas horas de lazer, deveriam ser depositados no barracão, ou entregues aos “gerentes” dos patrões. A produção de farinha de mandioca, peles, manufaturados artesanais, e outros produtos silvestres, também deveriam, obrigatoriamente, ser encaminhados ao barracão, onde os índios recebiam “em troca” aguardente, fósforo, querosene, vestuários, remédios, etc. O transgressor de uma dessas normas sofria duros castigos corporais. Os mais comuns eram a palmatória ou o acorrentamento durante algumas horas ou até dias, muitas vezes, sem alimento, no porão do barracão. A estratégia dos patrões era criar, cada vez mais, novas necessidades para os índios (açúcar, sal, armas, fósforo, fazenda, bebida, remédios, etc.), deixando-os assim numa constante situação de dependência do barracão (1977, p. 35-36).

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Essa coação aos Tikuna dava-se muitas vezes através da violência, e este

aspecto intimidava-os e persuadia-os. Os castigos eram severos quando um índio era

apanhado ou simplesmente considerado suspeito de estar infringindo uma norma do

seringal. Os castigos mais comuns eram o uso de palmatória, a surra com chicote

seguido da salga de suas feridas, a prisão do índio em um cubículo apertado e escuro

por vários dias, e, nos casos considerados mais “leves”, pelos patrões o índio era

publicamente humilhado. Raspavam-lhe a cabeça, pintavam com piche e acorrentavam-

no por vários dias em praça pública para servir de exemplo. Outras técnicas comuns

para promover a obediência dos índios eram o confisco ou destruição de seus bens, a

extensão dos castigos aos familiares e a expulsão do terreno em que eles moravam

(OLIVEIRA, 2000, p.20).

Com a chegada da borracha asiática ao mercado internacional, a produção

brasileira declinou vertiginosamente e, como consequência, tivemos a queda do preço e

da demanda. Os seringalistas diversificaram suas atividades passando a utilizar a mão

de obra indígena na lavoura, na pesca, no comércio de peles e em outras atividades.

Embora as empresas tenham mudado de atividade, o mesmo padrão de dominação

continuou, isto é, o monopólio de compra e venda no barracão, os castigos corporais

impostos aos índios, a ameaça de prisão e expulsão de suas terras. Com a derrocada

da produção da borracha, os Tikuna continuaram a prestar serviços na lavoura e na

pesca e, aos poucos, foram retornando às suas atividades tradicionais (SOARES, 2004,

p.34).

Em 1941, o Serviço de Proteção ao Índio – SPI iniciou sua atuação no Alto

Solimões, adquirindo, em 1946, a fazenda Umariçu, na qual foram morar dezenas de

famílias Tikuna que saiam dos seringais, e onde se fundou o Posto Indígena Tikuna –

PIT.

A presença do PIT incomodava os seringalistas porque se tornou um refúgio

dos índios que atritavam com seus patrões. A luta dos seringalistas para dominar os

Tikuna foi igual em toda a Amazônia e ia do oferecimento de mercadorias em troca de

trabalho ou bens, até ao castigo físico. Essas tentativas de domesticar os índios não

foram bem sucedidas, os Tikuna, mesmo acomodados, não se tornaram seringueiros.

Os Omágua, como descobridores da seringueira e culturalmente condicionados para

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sua exploração, em escala doméstica naturalmente, poderiam ter maior rentabilidade

em seu trabalho quando aplicado na indústria extrativa (OLIVEIRA, 1996, p.76).

Oliveira Filho (1988) aponta uma “nova” situação histórica: o convívio com os

não índios estabelece um termo de compromisso entre os atores sociais SPI, os

seringalistas e os militares. O SPI limitou sua atuação à Umariaçu, deixando de tratar

das questões que envolvessem o restante da população indígena. Criou-se a figura do

“capitão” que, em outras palavras, representava a instância administrativa nas aldeias,

impondo suas diretrizes.

Esse quadro só começa a mudar a partir da década de 60, quando a Prelazia

do Alto Solimões intensificou sua presença junto aos Tikuna, contribuindo para a

superação do domínio absoluto dos patrões seringalistas sobre os Tikuna na região.

Outra situação histórica que chamou a atenção, na segunda metade da

década de 60, foi quando a Amazônia e a sua faixa de fronteira foram caracterizadas

como área de segurança nacional para o exército brasileiro, passando a receber

tratamento especial do Governo Federal. Foi instalado, em Tabatinga, o Comando de

Fronteiras do Solimões – CFSOL trazendo muitas mudanças, inclusive, tornando-se

responsável pela decisão de muitas questões da administração municipal. Com isso, a

relação entre patrões e índios foi profundamente alterada, sem a possibilidade da

repressão por castigos físicos, restringida pelo exército, os patrões descobriram outros

modos de fazer valer seu controle sobre a população indígena.

No entanto, houve algumas contribuições relevantes nesse processo de

contato que alguns autores ressalvam de modo “positivo”. Segundo Almeida (2005), a

atuação da Igreja Católica, por meio da província apostólica do alto Solimões,

inaugurada pelos capuchinhos vindos da província da Úmbria, na Itália, em 1910, gerou

uma razoável infraestrutura de saúde e educação, visto que Belém do Solimões tornou-

se uma das maiores aldeias Tikuna. Oro (1977, p.23) atribui o crescimento populacional

de Belém do Solimões a dois motivos:

1) Pelo fato de o igarapé Belém possuir as suas nascentes perto do igarapé Preto (São Jerônimo), lugar importante na mitologia Tükuna, porque aí nasceu o herói cultural “Dyo’i”. Desta maneira, quando a família Tükuna não se dá bem em outra localidade, vem para perto do seu herói mítico, para estar sob a proteção dele;

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2) Por ter o missionário, Frei Arsênio Sampalmieri, encarregado pela Prelazia do Alto Solimões do apostolado junto aos indígenas e com ele uma equipe de professoras. Aos índios, na época presos ao regime de barracão, a constante presença deles em Belém era motivo de apoio e segurança.

Bruno (2006, p.254) observa que a Igreja Católica, na segunda metade do

século XX, era representada pelo frei italiano Arsênio Sampalmieri. Ele introduziu o

ensino bilíngue nas aldeias Belém do Solimões e Feijoal (Tabatinga) e criou um esboço

de “Gramática Tikuna” baseado na metodologia do Summer Institute of Linguistic. Além

de ter ajudado a fundar e manter escolas nas duas aldeias, Frei Arsênio Sampalmieri,

de modo distinto dos líderes batistas e “cruzados”, convivia com as práticas rituais

relacionadas à cosmovisão dos Tikuna sem proibi-las. Ele também participava dos

cursos de formação de professores, realizando um trabalho diferenciado. Entretanto,

assim como ocorria com as iniciativas educacionais de outras religiões, as escolas que

apoiava possuíam um raio limitado aos índios convertidos ao catolicismo.

Durante a década de 1960, missionários batistas americanos chegaram ao

alto Solimões com o objetivo de catequizar os índios. Em 1971, surgiu o Movimento da

Santa Cruz, centrado nas ideias do Irmão Francisco da Cruz. Assim, inúmeros Tikuna

aderiram a esse movimento, onde viam alguns aspectos positivos, já que admitia a

possibilidade de punição divina em momentos de intensa desagregação sociocultural.

Muitas proibições estavam contidas nessa crença onde enfatizavam o valor do trabalho,

do cumprimento das obrigações familiares, o desprezo às festas e aos rituais, ao uso de

bebida e crença nos pajés.

A cultura Tikuna sofre grande interferência uma vez que, sem a prática de

festas, o Ritual da Moça Nova deixou de ser realizado. O índio deixa de ser tratado de

forma preconceituosa como “caboclo” e passa a ser tratado como “irmão”, sendo

correligionário o índio passa a pertencer ao “mundo” dos brancos, o que, para ele, era

um novo status (SOARES, 2004, p.35).

Em seus apontamentos, Oro discorre sobre os apelos que Francisco da Cruz

utilizou para seduzir os Tikuna e levá-los a conversão:

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O movimento da Santa Cruz foi fundado por José Francisco da Cruz, um brasileiro de Minas Gerais, que teve visões e que peregrinou durante alguns anos pela América Latina, conseguindo maior número de adeptos entre os Tukúna peruanos e brasileiros, pois estes, segundo a concepção mítica tribal, aguardavam um Messias Libertador. Segundo prega Irmão José, o século XX é perverso e incrédulo a Deus e por isso terá um fim cheio de dor, devido a um catolicismo que acontecerá futuramente. Dele se salvarão somente aqueles que aderirem ao seu Movimento. A grande maioria da população Tukúna aderiu ao Movimento da Santa Cruz. Poucos brancos a ele se vincularam. Jose Francisco da Cruz é considerado pelos Tukúna como sendo Cristo, o Messias esperado que os libertará dos brancos. Por isso, os Tukúna aguardam para o futuro o catecismo anunciado por Irmão José, pelo qual os católicos, e os brancos, desaparecerão, enquanto que eles, da Santa Cruz, se salvarão, vivendo a partir daí em perfeita felicidade, visto que estarão livres de quem os oprime (ORO, 1977, p.117).

Em 1975, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) criou o primeiro Posto

Indígena da região, na aldeia de Vendaval, e, nos anos seguintes, em outras aldeias. A

partir daí podemos verificar mudanças mais rápidas na realidade Tikuna com ampliação

dos contatos com a sociedade.

1.1 Localização geográfica

Segundo dados do Instituto Socioambiental – ISA3, o povo Tikuna, um dos

maiores grupos indígenas do Brasil, habita o alto Solimões em aldeias nos municípios

de Tabatinga, Benjamim Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do

Iça e Tonantins no estado do Amazonas na área de fronteira entre Brasil, Colômbia e

Peru.

A luta Tikuna pela terra tem sido intensa e faz parte da história deste povo.

Segundo Almeida (2005), no final de 1981, as principais lideranças Tikuna convocaram

uma reunião na aldeia de Campo Alegre, onde foi discutida a proposta de demarcação

de suas terras, encaminhada à FUNAI. Nesta reunião, foi escolhida, também, uma

comissão para ir até Brasília apresentar ao presidente a proposta ali debatida. Como

resultado dessa pressão dos Tikuna, em 1982, a FUNAI mandou um grupo de trabalho

para identificar as áreas que seriam dos Tikuna nos municípios de Fonte Boa, Japurá,

Maraã, Jutaí, Santo Antônio do Içá e São Paulo de Olivença.

Neste mesmo ano, foi criado o Conselho Geral da Tribo Tikuna – CGTT.

Posteriormente, outras organizações indígenas foram criadas: a Organização dos

3Ver: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/Tikuna/1343 (26/09/2009 às 19h26min).

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Professores Tikuna Bilíngues – OGPTB, em 1986; a Organização dos Monitores de

Saúde do Povo Tikuna – OMSPT e a Organização de Saúde do Povo Tikuna do Alto

Solimões – OSPTAS, em 1990 cuja atuação teve como marco o combate à cólera vinda

da Colômbia e do Peru.

Em 1986, foi criado também o Centro Magüta – Centro de Documentação e

Pesquisa do Alto Solimões, onde uma de suas principais conquistas foi o

desenvolvimento do processo de reconhecimento fundiário que culminou com a

demarcação, em 1993, de cerca de um milhão de hectares de terras naquela região.

Entre 1996 e 1997, devido a dificuldades com o financiamento de suas ações e após o

processo de demarcação das principais terras Tikuna, o Centro deixou de existir, e, na

sua sede passou a funcionar o CGTT.

Segundo dados recentes, os Tikuna totalizam cerca de 35 mil índios, dos

quais 26 mil vivem dentro dos limites do país, distribuídos em 118 aldeias localizadas

em 15 unidades territoriais (OLIVEIRA, 1998). Como podemos observar nos Quadros 1

e 2, as áreas que constituem o território dos índios Tikuna no Brasil atualmente são:

Quadro 1 - Terras Tikuna situadas nos munícios do Amazonas Munícipio (Amazonas) Terra Indígena Alvarães Tupã-Supé Amaturá Maraitá, Nova Itália Anamã Ilha do Camaleão Benjamim Constant Bom Intento, Santo Antônio, Lauro Sodré, Porto

Espiritual, São Leopoldo, Feijoal Beruri Lago do Beruri Fonte Boa Uati-Paraná (também em Tonantins e Alvarães) Jutaí Espírito Santo, Estrela da Paz, Macarrão, Riozinho Santo Antônio do Iça Matintin (também em Tonantins), Betânia São Paulo de Olivença Évare I (também em Tabatinga), Évare II, Nova

Esperança do Rio Jandiatuba, São Francisco do Canamari

Tabatinga Umariaçu Tefé Barreira da Missão Uarini Porto Praia

Fonte: Oliveira, 1998.

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Quadro 2 - Terras Tikuna e sua situação jurídica atual (2014)

Fonte: http://ti.socioambiental.org/pt-br/#!/pt-br/terras-indigenas/pesquisa/povo/259

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1.2 A língua Tikuna

Conforme Hüttner (2007, p.34), os estudos sistemáticos sobre a língua

Tikuna se iniciou com a gramática de Frei Fidelis Alviano. Outro trabalho que merece

destaque nesse processo de compreensão da língua Tikuna foi à pesquisa de campo

de Curt Nimuendaju que possibilitou a elaboração de preciosos escritos. Segundo

Montes Rodriguez, a família linguística Tikuna é classificada como língua isolada ou

predominantemente independente, sem nenhuma vinculação com outra língua

conhecida. Os Tikuna usam diferentes alturas na voz, peculiaridade que classifica como

uma língua tonal.

Atualmente existe o interesse do resgate da tradição oral da etnia Tikuna,

pois acarreta, para o presente, aspectos inéditos do passado e da história recente.

Nessa linha, Hüttner destaca o trabalho da professora Jussara Gomes Gruber que foi

desenvolvido com os professores Tikuna. Ela orientou um curso bilíngue (língua Tikuna

– português do Brasil) como um meio eficaz de preservação e divulgação dessa cultura.

Um dos frutos dessa parceria foi a publicação do livro “Torü Duit ‘íigü – Nosso Povo”,

preparado em 1983 pelo Museu Nacional/UFRJ-FNDE-MEC, com recursos do Projeto

Interação, da Secretaria da Cultura do MEC/Fundação Pró-Memória e com o auxílio de

professores autóctones junto aos moradores das aldeias Tikuna em Benjamin Constant,

onde se relataram as histórias, bem como o mito da criação de seu povo.

1.3 Estrutura social

Várias sociedades indígenas brasileiras estão divididas em duas partes,

devendo seus membros, mediante certa regra estabelecida e regida geralmente por um

mito, pertencer a uma ou à outra. A essas partes, costuma-se dar o nome de metades

(MELATTI, 2007, p.123).

A estrutura da sociedade Tikuna é patrilinear e se caracteriza por ser do tipo

dual, dividida em metades exogâmicas, ou seja, seus membros devem procurar cônjuge

na metade oposta. Por sua vez, essas metades se subdividem em clãs e subclãs

identificados com elementos da natureza. Segundo Sampaio-Silva, a sociedade Tikuna

é também marcada pela endogamia tribal, onde os casamentos se dão entre indivíduos

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com graus de parentesco, e, assim, estabelecem-se as alianças interclãnicas (2000,

p.271).

A condição de membro de um clã confere a um indivíduo o status de

pertencimento à comunidade indígena, sem o qual ele não teria lugar entre os Tikuna

(SOARES, 1999, p.198). Conforme o mito explica, esses grupos ou clãs estão divididos

em duas metades, sendo uma identificada com nome de pássaros, e outra com nome

de outros animais e plantas:

Cada um de nós Tikuna pertence a uma nação, nacüã, que em português também pode se chamar clã. Alguns animais e algumas árvores dão nome a essas nações. Assim as pessoas sabem com quem devem e com quem não devem se casar. Desde o principio foi assim. A história conta que antigamente o povo de Yo’i estava misturado. Ninguém tinha nome e ninguém podia se casar. Então Yo’i preparou um caldo de jacarerana e deu um pouco para cada pessoa. Provando o caldo, a pessoa descobria a sua nação. Depois disso, as pessoas começaram a se casar (GRUBER, 1999, p.20).

Sampaio-Silva (2000, p.280) observa que são, nos mitos e nos ritos

tradicionais, que se sustentam os princípios de preservação da vida social tribal e o

fortalecimento da identidade étnica Tikuna. Apesar de quatro séculos de contato com o

não indígena da sociedade brasileira, das mudanças motivadas pelas frentes de

expansão, agências de contato e missões religiosas, o povo Tikuna ainda mantém suas

características étnicas. Ainda hoje, eles conservam sua cultura viva incorporando com

mais facilidade práticas econômicas e tecnológicas do que abandonando seus

costumes e valores (GRUBER, 1992, p.250).

Neste sentido, a seguir, descreveremos um dos principais rituais do povo

Tikuna que se dá na “Festa da Moça Nova” que ainda se mantém vivo e busca a

interação entre a cultura tradicional e as práticas contemporâneas desta etnia.

1.4 O Ritual da Moça Nova

Talvez por sua complexidade e riqueza de detalhes, muitos autores

consideram o Ritual da Moça Nova como sendo um dos mais importantes para os

Tikuna. Trata-se de um rito de passagem feminino, e consiste na transição da menina

de um status social para outro na comunidade Tikuna, após sua menarca.

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De acordo com Koss (2004, p.73), se na contemporaneidade a menarca é

acontecimento que se dilui na vivência do cotidiano, deixando a menina sozinha com

suas angústias, os povos ancestrais entendiam que a menarca era um fato importante

para todo o grupo. Para auxiliar a menina em sua passagem de condição de criança

para o ser mulher, festejavam esse evento com um ritual.

O período menstrual para os Tikuna é muito importante, nessa ocasião, a

mulher, vista com temor, sai totalmente de sua rotina e se resguarda inteiramente. Seu

corpo se “abre”, fica susceptível a todos os males e ameaças tanto de ordem natural

quanto de ordem metafísica (SOARES, 2004, p.44).

Celebrado em períodos de abundância de peixes, o Ritual da Moça Nova é a

oportunidade em que se reúnem parentes e convidados em uma confraternização de

caráter mítico-religioso, com a ocorrência de danças, consumo de alimentos de caça,

tais como, porco-do-mato, veado, macaco, aves que são assados e transformados em

“moqueada”, e bebida fermentada doce como a caiçuma produzida com macaxeira ou

bebida azeda como o pajuaru preparadas da mandioca brava (SAMPAIO-SILVA, 2000,

p.273).

O moquém (Figura 2) é a técnica de assar o alimento pelo processo de

defumação que gera a desidratação e a cristalização da carne ocasionando sua

conservação por vários dias.

Figura 2 - Preparo do moqueado Fonte: Doc. Festa da Moça Nova: um Ritual Tikuna, DVD, 2000.

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De acordo, com Alviano (1943, p.16), a Festa da Moça Nova é um conjunto

de cerimônias, de atos purificatórios e propiciatórios com que a menina moça índia dará

início ou se disporá às funções sexuais, alcançando, por meio de seu sofrimento, o

merecimento de se tornar esposa, pois a família do futuro esposo “nunca” permitiria que

uma menina moça se unisse a um membro da família se não for de antemão submetida

a tais provas de paciência e tais atos de penitência.

Conforme Gruber (1999, p.84), o povo Tikuna descreve, assim, seu ritual:

Quando uma menina fica moça, deve permanecer isolada, no mosqueteiro, em contato apenas com sua mãe ou a tia. Enquanto a família prepara as bebidas e os moqueados, a moça aprende a fazer fios de tucum e a tecer bolsas. Depois de uns meses, quando já está tudo pronto, a festa pode começar. É a festa sagrada que Yo’i criou e deixou no mundo para o povo Tikuna nunca esquecer suas tradições. A cerimônia dura três dias e é muito bonita. Tem danças e cantos. Tem o som das flautas. Tem a apresentação das máscaras. Tem muita alegria. Os braços do buriti servem para construir o turi: lugar onde a moça fica isolada durante a festa. O turi é pintado com tintas tiradas das plantas, principalmente da açafroa, pacova, pau-brasil, urucu, pupunha e bure. O buriti também é usado para confeccionar a esteira onde a moça fica sentada enquanto as mulheres cortam ou arrancam pouco a pouco os seus cabelos. O taperebá é importante na festa. Suas folhas servem para abanar a moça depois da pintura do jenipapo. Assim todos os males se afastam de seu corpo. Ela deve ficar acordada a noite toda para ouvir a aricana. Depois a moça sai do turi, ela corre pelo terreiro e atira um tição no tronco do taperebá para ter vida longa, muita sorte e muita fartura de peixe.

É através do Ritual da Moça Nova que a mulher Tikuna sai de uma condição

passiva e lhe é reconhecido o poder da “maternidade”, garantindo, assim, a

continuidade, a imortalidade de seu povo. Entretanto, Soares (1999, p.182-186) relata

que essa prática atualmente vem desaparecendo:

Hoje, esse procedimento tem rareado. Nestas sociedades, as delimitações ciclo a ciclo são manifestações religiosas. Estes são momentos de uma religiosidade profunda, nos quais o povo revive as suas origens: os mitos e contos da cerimônia de iniciação feminina conhecida também com o nome “Festa da Pelação” na Colômbia, ou “Festa da Moça Nova” no Brasil é entre os Tikuna (Amazônia Brasileira), o ritual de celebração mais importante e emotivo, uma vez que através dele se fundamenta grande parte de sua visão de mundo e sua ordem social. Sentimento que, pese a situação de perda cultural, ainda sobrevive. Quando a sociedade se vê ameaçada, e para a própria sobrevivência o Tikuna sabe que a única coisa que se pode fazer é a Festa da Moça Nova. Nesta oportunidade, é necessário recordar os ensinamentos dos heróis e sábios

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que antigamente tiveram que enfrentar também as ameaças das feras contra a harmonia do mundo e sobrevivência dos homens.

Contudo, apesar dos séculos de catequização, da invasão dos veículos de

massa, enfim, da influência de outras culturas externas, apesar da sua dispersão e

quase extermínio, podemos afirmar que a sociedade Tikuna é um povo que ainda vive

sob a égide de seu mito de origem, inclusive, sendo muitas vezes, duro nas decisões,

quando se trata de resguardar os seus deuses e heróis civilizadores, através do

respeito aos seus ensinamentos.

A Festa ou Rito da Moça Nova é um conjunto de ações, cerimônias, atos

purificatórios e propiciatórios que possui analogia com a metamorfose da larva da

borboleta (FAULHABER, 2000, p.106) e se desenvolve através de vários atos

simbólicos que descreveremos a seguir.

1.5 A reclusão da moça e a construção do “curral”

Soares (2004, p.53) explica que, no dia em que a menina Tikuna menstrua

pela primeira vez, ela deve retirar todos os adornos que possui no corpo e colocá-los

pendurados em algum local visível na casa, como um sinal. Em seguida, deve

esconder-se na floresta. A família, ao reconhecer o sinal deixado pela moça, logo

providencia a construção de um pequeno quarto, num dos compartimentos da sua casa.

Segundo relatos de Alviano, quando os pais da Moça Nova determinam a

Celebração da Festa da “Depilação” – o ápice do ritual, a menina moça Tikuna é

reclusa em um “Curral” ou prisão onde ela não poderá conversar com pessoa alguma, a

não ser com sua mãe ou tias.

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O “Curral”, segundo esse autor, é uma espécie de quarto bem apertado, num

ângulo da choupana. Os estranhos não serão admitidos na presença da Moça Nova,

nem deverão vê-la nos três meses anteriores à depilação. É permitida sua saída

apenas por alguns momentos sob a condição de não haver pessoa estranha ao redor

da barraca, de maneira que ela não seja vista e que não veja ninguém estranho (1943,

p.16).

Na Figura 3 extraída do Diário de Viagem de Roberto Cardoso de Oliveira, de

25 de abril de 1959, podemos observar a preparação de um curral por um dos parentes

da Moça Nova. Esta cerimônia ocorreu em Vera Cruz às margens do Solimões.

Oro (1977, p.64) relata que a reclusão da Moça Nova será breve ou longa,

dependendo da maior ou menor facilidade que os parentes da moça têm em conseguir

alimentos. Durante o período de isolamento, a menina moça aprenderá a executar

vários trabalhos domésticos e artesanais com sua mãe e avós, tais como, tecer com o

tucum (fibra) redes, bolsas, colares, etc., além de receber lições de educação moral e

religiosa.

Figura 3 - Preparação do curral para o Ritual da Moça Nova Fonte: Oliveira, 1959

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Em seus estudos, Soares (2004, p.66) denomina o curral da Moça Nova de

“Turi”, sua construção é uma tarefa extremamente masculina realizada pelos parentes e

compadres dos pais da menina iniciada, sua construção, segundo essa autora, envolve

desde a retirada das árvores até a preparação das folhas de palmeiras:

Inicialmente ficam-se alguns paus no solo, em forma de semicírculo colocando-se um cipó descascado em volta, fixando-se nos paus a 20 cm do solo e outro na parte de cima, para servir de apoio. A seguir todos saem da casa, um atrás do outro, em coluna, e retornam da mesma forma, todos trazendo talos de buriti nos ombros. Após descascar esses talos procede-se ao corte no sentido longitudinal, fazendo 3 tiras. Para isso usam um pequeno objeto feito com dois fios de tucum. Esses fios é que entram na tala, e para cortar basta puxar com força até o final. As talas são arrumadas no centro da casa de festa. Enquanto trabalham continua o ritual da bebida: todos bebem o pajuaru na mesma cuia. Começam então a preparação da cercadura do curral, que é feita ali mesmo no centro da casa, para depois ser suspensa. Com um pequeno bastão pontiagudo, fura-se cada tala de buriti lateralmente no centro e próximo às pontas, num total de três furos. Por aí passa-se um cipó. E assim as ripas vão sendo colocadas lado a lado, e armadas numa peça única, parecendo uma cortina. À proporção que vai aumentando de tamanho, para trabalhar melhor, a cercadura é enrolada. Ao ficar pronta, coloca-se de pé e leva-se para frente do curral, para se amarrar nos apoios já colocados. Deixa-se uma pequena porta lateral parar a entrada da Moça Nova.

O curral simboliza, na Festa da Moça Nova, o que seria a crisálida no

processo de metamorfose de larva em borboleta (FAULHABER, 2000, p.106). A menina

fica inteiramente sem contato com os demais de sua comunidade, e, em caso de

desobediência, pode vir a ser punida severamente.

1.6 Pinturas dos convidados

Nos rituais de iniciação Tikuna, todos os participantes pintam a face (Figura

4). Como nas festas são revividos episódios da mitologia e reafirmados valores

culturais, o uso dessa pintura também confere às pessoas simbolicamente a qualidade

de seres imortais (GRUBER, 1996, p.93).

Os convidados, ao chegarem à casa da Moça Nova, ou local onde será

realizada a festa, armam suas redes em lugar apropriado e iniciam o processo de

pintura das faces com a massa do jenipapo verde ralado. Conforme o mito: Yo’i, que é o

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herói do povo Tikuna, ensinou que o jenipapo significa vida ou morte, é como renascer.

Quando o Tikuna se pinta, cobre seu corpo com uma nova pele e quando a pintura se

apaga, sai com ela tudo de maléfico. A pintura do jenipapo protege as pessoas contra

as doenças e outros males. Quem não se pinta na festa tem um castigo, não se torna

encantado, não se tornará imortal. Compreendemos, com esse simbolismo, que os

Tikuna, ao reviver tais ensinamentos reafirmam seus valores culturais. Porém, ao

negar-se em realizá-lo, teoricamente condena sua cultura ao desaparecimento.

De acordo com Soares (2004, p.35), a pintura facial é obrigatória nos dias de

rituais e é realizada em ambos os sexos, feita com jenipapo, a pintura facial é utilizada

para identificação dos clãs ou nação de cada convidado. Em geral, a maneira de

combinar os elementos da pintura facial varia de acordo com cada pessoa. É um

processo individual e único onde se deve levar em consideração, dentre outros fatores,

o local de origem do indivíduo, pois, de uma aldeia para outra, podem ocorrer variações

bastante acentuadas.

É possível detectar, em alguns ornamentos faciais, certa similaridade com os

animais e plantas que dão nome aos clãs. A “nação onça”, por exemplo, pode ser

representada por um traço que parte das extremidades externas dos olhos seguindo em

direção à raiz dos cabelos, “porque a onça tem esse desenho”, por linhas mais

alongadas que saem da boca representando as “barbas” desse animal e ainda por

pontos colocados nas maçãs do rosto.

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Dentre as tantas soluções gráficas para a pintura facial, segundo Gruber

(1992, p.258) é possível perceber algumas regras e formas mais recorrentes.

Geralmente essa decoração consiste em uma linha que contorna a boca e da qual

partem traços nas direções inferior, superior ou lateral, ou ainda em formas triangulares,

cujos vértices se dirigem para o queixo ou nariz. Nas maçãs do rosto, aplicam-se

pequenas linhas paralelas, pontos, círculos ou cruzes, sendo uma constante, também, a

pintura das sobrancelhas.

1.7 A dança

A dança que compõe o rito é realizada ao som de cantos rituais, que se

referem ao Évare que é um local sagrado que representa a origem do povo Magüta

(FAULHABER, 2000, p.107). Esses cantos são entoados pelos mais velhos ao som de

alguns instrumentos de percussão como pequenos tambores denominados de tutu e

bastões de ritmo. De acordo com Pedro Inácio Pinheiro, liderança histórica do povo

Tikuna:

Figura 4 - Pintura facial Tikuna Fonte: Gruber (1999, p.19)

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O primeiro canto na longa história Tikuna começa nos tempos de Ngutapa, o “pai criador”, no alto igarapé São Jerônimo (território sagrado para os Tikuna, mais conhecido como Éware). Nele, é narrado o momento em que, aborrecido com sua esposa Mapana por ela não lhe dar um filho, Ngutapa amarra-a em uma árvore para ser mordida por formigas, e sai cantando de satisfação, andando pra frente e para trás (FAULHABER, 2000, p.10).

A dança, para os Tikuna, traz alegria e é realizada durante os rituais. Os

passos consistem no deslocamento dos dançarinos com seus braços entrelaçados em

pequenos passos para frente e para trás, para um lado e para o outro, significando o

aumento da superfície da Terra e a abertura do espaço para espalhar o povo Tikuna no

mundo (Figura 5). De acordo com Gruber (1999, p.87):

Na dança com os tamborins, os homens carregam um bastão, du’pa, feito de balseira, enfeitado com figuras de animais. No bastão prendem o tamborim, tu’tu, feito com tronco escavado de certas árvores, como urucurana, caneleira, cedro, embaúba e balseira. Nessa dança, os participantes usam um manto de folhas novas de buriti ou levam sobre o ombro folhas de uma outra palmeira que chama para.

O tambor (Figura 6) é um instrumento de percussão também utilizado no

Ritual da Moça Nova, composto por um cilindro de madeira fechado em ambos os lados

Figura 5 - Dança Cerimonial Tikuna Fonte: Oliveira, 1959.

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por couro de cutia. Pertenceu à comunidade Vendaval no rio Solimões município de

São Paulo de Olivença-Am. O tambor pode ser tocado diretamente com baquetas

durante o ritual ou também pode ser pendurado no bastão de ritmo. A imagem da

estrela no centro do tambor, desenhada com caneta esferográfica azul, é uma amostra

da acessibilidade e domínio de materiais hoje utilizados pelos Tikuna para se expressar.

O Aruré-ê, outro instrumento utilizado pelos Tikuna confeccionado com uma

haste de madeira e aplicado a ele chocalhos feitos de sementes nativas unidas entre si

com fios de fibra de tucum, quando pronto nos lembra um maracá. É percutido

verticalmente no solo ou no corpo do dançarino e é, também, utilizado durante o Ritual

da Moça Nova. Este exemplo de Aruré-ê (Figura 7) pertenceu à comunidade Vendaval

no município de São Paulo de Olivença/AM, hoje, faz parte do acervo permanente do

Museu Amazônico e estava em exposição (2010).

Figura 6 - Tambor Tikuna Fonte: Acervo Museu Amazônico; Oliveira, 1959.

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1.8 A preparação do corpo e ornamentos da Moça Nova

A decoração corporal da menina moça é realizada segundo normas

rigidamente estabelecidas (GRUBER, 1992, p.258). De acordo com Soares (2004,

p.70), a pintura do corpo da Moça Nova é realizada em três momentos distintos.

Segundo Araújo (1985, p.49), no primeiro momento, a pintura da Moça Nova

é feita com a polpa do jenipapo previamente ralado por um dos tios ou convidado e

colocado em uma bacia. Como “pincéis”, os Tikuna utilizam sabugos de milho para

tingir o corpo nu da menina moça. Um a um, os parentes, primeiros os homens depois

as mulheres, mergulham o sabugo de milho na tinta e pintam uma linha curva em cada

lado da coluna da menina moça, da base até o topo.

Soares (2004, p.70), menciona que apenas as mulheres do mesmo clã da

menina executam a tarefa de molhar o sabugo de milho na tintura e passar no corpo da

iniciada, de cima para baixo, em duas linhas curvas, abertas, para fora, na frente e

atrás.

No segundo momento, o corpo da menina moça é inteiramente “enegrecido”,

tingido com a mesma tinta de jenipapo usada anteriormente, agora derramada sobre

seu corpo e espalhada com as mãos. Em seu rosto é feita uma linha que passa sobre o

nariz e outra contornando o queixo e maxilar.

Segundo Araújo (1985, p.51), a Moça Nova recebe uma tanga de algodão de

cor vermelha para vestir que representa a vida e o sangue. Sobre a tanga, é colocada

Figura 7 - Instrumento musical Tikuna Aruré Foto: Raquel Mattos, 2010.

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uma espécie de cinto ou tanga de menor dimensão feita de cordões e contas de vidro

branco ou miçangas coloridas; vários colares cruzados na altura do seu peito;

braçadeiras e perneiras de fios e penas do pescoço do tucano, penas longas de arara;

e, na cabeça da Moça Nova, é colocada uma coroa confeccionada com tururi e penas

de asa de arara vermelha que possuem um significado sagrado para os Tikuna, pois

essas penas representam o Pai eterno, “Nhutapa”. Depois da vestimenta dos adereços,

a Moça Nova recebe a terceira pintura, na qual utilizam mistura de urucum e resina

vegetal e, sobre essa pintura, aplicam-se penugens brancas de pássaros (SOARES,

2004, p.37).

1.9 Entrada da Moça Nova na casa de festa

De acordo com Soares (2004, p.72), depois que a menina moça passa por

todo o processo de pintura e ornamentação, seu corpo está finalmente preparado para

sair do curral e participar da festa.

Araújo (1985, p.51) relata que a remoção da Moça Nova do curral para a

casa de festa é um momento muito esperado pelos convidados. São responsáveis pela

retirada da iniciante: seu tio paterno, sua mãe, suas parentas femininas e algum irmão

ou primo. Dançando com ela, rompem uma parte da parede do retiro e, com grande

cuidado, levam-na para o pátio e levantam o cocar que até então vendava seus olhos e

libertam seus braços. O “xamã” entrega para a Moça Nova um tição e lhe ordena que o

atire contra uma árvore. Após esse gesto ela pode se mover livremente sem a proteção

dos parentes. Por fim, ela se segura atrás de um mascarado, corre e fica dançando até

a hora da pelação.

1.10 Máscaras rituais

O uso de máscaras em rituais de iniciação em populações “autóctones” sul-

americanas significa uma espécie de resposta cultural masculina ao poderoso processo

de transformação feminino manifestado pela menstruação e, consequentemente,

implica mudança de comportamento e redefinição de personalidade. Os homens, ao

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controlar as máscaras, usurpam a capacidade transformativa natural inerente ao sexo

feminino (VINCENT, 1987, p.160). Na sociedade Tikuna, a confecção das máscaras,

bem como instrumentos musicais, curral, bastões de ritmo e escudos são de total

responsabilidade dos homens.

De acordo com Gruber (1992, p.249), no que se referem às manifestações

artísticas desse povo, os relatos de viajantes etnólogos sempre estiveram com suas

atenções voltadas para as máscaras que são apresentadas nos rituais. O efeito dessas

máscaras no olhar do observador ocidental transparece nas coleções etnográficas de

museus do país e do exterior. A predominância de tais artefatos perante os demais

itens das expressões materiais atesta a tendência em focalizar um produto que, na ótica

dos coletores, era o mais representativo da cultura Tikuna.

Conforme Araújo (1985, p.34), a ornamentação da Festa da Moça Nova pode

ser dividida em: ornamentação da iniciante e ornamentação dos participantes que são

os convidados – os mascarados.

A ornamentação dos convidados é feita previamente, cada qual escolhendo

livremente a máscara a ser utilizada, de demônio ou de animais, bem como os motivos

a serem pintados nas vestimentas de entrecasca, respeitando certas características

tradicionais. Os convidados levam suas máscaras e as escondem na floresta. Alguns

momentos antes da apresentação, os donos das máscaras saem para a floresta até

seus esconderijos e voltam mascarados. Devem permanecer incógnitos até o final da

festa quando, então, se identificam e presenteiam o anfitrião com as máscaras.

Na confecção das máscaras, antigamente, segundo seu mito, os

velhos Tikuna contam que não era preciso tirar tururi para fabricar as máscaras. Elas já saíam prontas do tüerüma. Quando alguém queria a máscara para usar na festa, atirava uma flechinha com a zarabatana bem no tronco da árvore. Depois fazia seu pedido. Na mesma hora a máscara aparecia já pintada por si mesma, com desenhos de todo tipo, bonitos e coloridos. O tüerüma era uma árvore viva. Com ela os Tikuna aprenderam a fazer e a pintar as máscaras (GRUBER, 1999, p.42).

Nimuendaju (1997, p.29) descreve, do seguinte modo, a sua experiência

antropológica com as máscaras Tikuna, em novembro de 1929. Para ele,

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as máscaras são vestimentas completas de turury pintado, com medonhas carrancas pretas com grandes narizes, dentes arreganhados, orelhas gigantescas e olhos de pedacinhos de vidro. O demônio do vento, Ama aparece munido de um enorme phallo de meio metro de comprimento por 10 cm de diâmetro. Algumas destas máscaras carregam pequenos tambores pendurados em paus artisticamente esculpidos em forma de peixes, jacarés e cobras estilizadas.

Os mascarados surgem logo após a primeira pintura da Moça Nova, fazendo

brincadeiras com os convidados e animando a festa. Esse jogo lúdico está associado

ao mito. Sua encenação é singular devido ao seu caráter justificador do modo de ser e

de viver, expresso através dos símbolos e sinais, cujos significados e funções

contribuem para perpetuar a configuração cultural. E, de acordo com Alviano (1943,

p.17), os mascarados têm um grande papel teatral a desempenhar. Antes de a moça

sair do curral, as máscaras entrarão inesperadamente na barraca da festa, jogando

cada um uma flecha contra o curral, atingindo determinada figura simbólica pintada nas

suas paredes, e, depois que a menina moça sai, seus parentes fazem uma roda e se

esforçam para defendê-la dos monstros representados pelas máscaras (Figura 8).

Figura 8 - Entrada dos mascarados no Ritual Fonte: Doc. Festa da Moça Nova: um Ritual Tikuna, DVD, 2000.

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Segundo Gruber (1992, p.256), a confecção das máscaras e o seu uso são

de domínio exclusivo dos homens que, também, são responsáveis pela produção de

grande parte dos objetos rituais, como alguns adereços da Moça Nova, os instrumentos

musicais, o “curral”, os bastões esculpidos, etc.

Na confecção das máscaras, Gruber esclarece que os Tikuna utilizam a

entrecasca de algumas árvores, e os motivos ornamentais podem estar distribuídos

pela vestimenta inteira. Na parte superior ou “cabeça”, a decoração serve para salientar

as feições da entidade sobrenatural, mas é, nas entrecascas, com as quais cobrem o

corpo, que se observa um maior número de desenhos. Esses desenhos podem imitar a

pele (ou outro tipo de revestimento) da entidade representada ou possuir um cunho

mais abstrato, nesse caso, relacionado apenas simbolicamente a uma categoria

sobrenatural. E acrescenta:

Ao lado dos desenhos geométricos e estilizações que evidenciam as características da entidade – motivos altamente simbólicos, os Tikuna usam figuras de caráter realista inspiradas no meio ambiente natural e social, como a estrela da manhã, o sol, vários tipos de animais, plantas, barcos, aviões, etc. Essas inovações vêm se configurando não apenas nas máscaras, mas também na decoração do “curral” e nos bastões de dança entalhados em madeira. Sob o aspecto formal, essas figuras recebem o mesmo tratamento dado aos motivos mais tradicionais, cuja unidade visual denota o surgimento de um novo padrão estético e que corresponde, sem dúvida, a uma nova realidade, construída paulatinamente através da história do contato, revelando, ainda, adaptação e resistência (GRUBER, 1992, p.258).

De fato, as máscaras representam o medo, as forças da natureza, os animais

lendários e ancestrais, o sagrado, as forças desconhecidas, enfim, os fenômenos da

natureza, os lugares, os elementos e os valores da cultura Tikuna. As máscaras e as

vestimentas registram desenhos que devem ser interpretados como relatos míticos

desta etnia e que se traduzem em modos de organização, observação e reflexão do

mundo sensível. As memórias dos Tikuna estão guardadas com os mitos, e, ao serem

colocadas em prática através dos rituais, tornam-se reveladoras da cultura do povo

Tikuna.

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1.11 A pelação

Soares (2004, p.73) ressalta que um dos grandes momentos do ritual é a

pelação da Moça Nova. Esse ato envolve um significado de renovação e de remissão

das faltas cometidas pela menina moça durante sua infância. O Tikuna realiza a festa

da Moça Nova por ser uma tradição ensinada por seus pais e transmitida de geração a

geração, ele acredita que, nesse momento, é reatualizado o mito, fonte de vida e de

renovação para a nação.

O processo de retirada dos cabelos da menina é manual (Figura 9), no

entanto, atualmente, em alguns casos, o pai pode decidir em cortar em vez de arrancar

os cabelos da menina.

A Moça Nova passa por um prolongado período de dor, na maioria das vezes

chorando, mesmo que de forma contida durante a pelação. Para diminuir o sofrimento

durante a pelação, o couro cabeludo deve ser preparado. Uma semana antes da festa

tira-se a tucandeira da árvore, socam-se as formigas fazendo algo como uma pasta de

onde se extrai um sumo que arde mais que limão. Em seguida aplica-se na cabeça da

Figuras 9 - Pelação da Moça Nova fio a fio Fonte: Oliveira, 1959; Doc. Festa da Moça Nova: um Ritual Tikuna, DVD, 2000.

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menina moça. A simbologia explica que as formigas roem os cabelos dando a

impressão de que eles ficam mais fáceis de retirar, assim como quando se escalda

galinha para tirar as penas. A pelação também é um processo educativo: a mãe Tikuna

não castiga sua filha enquanto criança quando ela desobedece aos pais e os

desrespeita. Para “pagar” tudo o que fez no período anterior à puberdade, ela passa

pela dor da retirada dos cabelos. Durante o processo ritual, os mais velhos vão dizendo

tudo o que julgam necessário para que a moça se torne uma adulta segundo os

padrões estabelecidos pelo mito. Justificam a retirada do cabelo como um exemplo de

superação de dor e avisam que outras dores maiores virão como a dor do parto

(SOARES, 2004, p.42; 74).

De acordo com Araújo (1985, p.51-52), o processo da pelação dos cabelos

da Moça Nova inicia-se após sua saída do curral quando o tio paterno arranca uma

mecha de seu cabelo.

Depois, ela é colocada no centro e rodeada por três a seis mulheres que

arrancam todo seu cabelo. O cabelo arrancado é considerado sem importância. A

mecha final é pintada de urucu e arrancada pelo tio paterno que exibe ao público.

Em seu texto, Alviano relata outros detalhes do processo de pelação da

Moça Nova:

(...), os parentes estendem no chão, no centro da choupana um “Aurury” (tapete simbolicamente pintado) e no centro deste tapete os pais irão colocar a jovem sentada, a qual, pelas bebidas alcoólicas ingeridas e pelo fumo de cigarros, esta quase embriagada. Vêm neste momento duas velhas índias, parentes da menina, que, ajoelhadas ao lado dela, começarão a arrancar a dois e a três todos os cabelos, enquanto os presentes entoam um cântico acompanhado pelos os lamentos da menina que se queixa e se contorce de dor. Os pais somente lhe põem na boca novas doses de bebidas para ela se embriagar definitivamente. Acabada esta cerimônia, os parentes esfregam, com substâncias balsâmicas, a cabeça desnudada da menina, cobrindo-a em seguida com penas de arara (ALVIANO, 1943, p.18).

Oro (1977, p.64) relata que o processo é lento, demorando cerca de quatro

horas, e, concluída a depilação, a festa continua por mais algumas horas, enquanto

houver alimento e bebida para servir.

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1.12 Final da festa: o banho de rio

Grande parte da vida Tikuna concentra-se na água. Quase todo Tikuna mora

próximo a rios ou a igarapés dependendo de sua localização. A grande maioria sabe

nadar e aprende desde cedo. Quando as mulheres Tikuna saem para lavar roupa e

louça, levam sua “curumizada” para pular na água. Desta forma, no rio, também se

conclui a Festa da Moça Nova.

De acordo com Soares (2004, p.75), para finalizar a festa, os Tikuna

derrubam o curral onde esteve a Moça Nova, juntam tudo o que sobra da festa e vão

para o rio levando todo o “lixo”. Todos os convidados contribuem com a limpeza do

local. A Moça Nova é conduzida, ainda com toda decoração corporal, ao rio (Figura 10).

Ao chegar à beira do rio, retira sua coroa e todos os enfeites e entrega a sua mãe. A

Moça Nova então entra no rio para tomar banho e completar o ritual dando dois

mergulhos e girando em volta de uma flecha fincada no rio. Ela deve conseguir dar

duas voltas embaixo d’água girando em torno dessa flecha depois retornar á superfície.

Assim, acredita-se que ela estará salva dos perigos da vida. Os outros acompanham e

jogam todas as sobras e o lixo no rio e podem tomar banho também. Quando a Moça

Nova sai do banho, a cerimônia tem fim. Aí ela poderá ir para casa se alimentar e

descansar. Amarra um tecido branco na cabeça e o retirará quando seus cabelos

crescerem. Os convidados continuam dançando enquanto houver música e pajuaru

para beber.

Figura 10 – O banho de rio simboliza nova vida. Fonte: Doc. Festa da Moça Nova: um Ritual Tikuna, DVD,

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Para eles, retirar aquelas coisas do uso corrente e retê-las seria perder a fé de que

os homens sejam capazes de continuar a fazê-las. Berta Ribeiro

CAPÍTULO II – ARTE E CULTURA MATERIAL TIKUNA NO CONTEXTO

MUSEOLÓGICO

Para o artista indígena, a beleza do objeto está na perfeição formal e na

fidelidade aos padrões tradicionais estabelecidos por seu grupo étnico. Sua produção

possui mais ênfase na forma que no conteúdo. É este modo generalizado de fazer

todas as coisas com uma preocupação principalmente estética que caracteriza sua arte.

O artista indígena, consciente de que sua arte é comunal e não individual, não

reivindica para suas produções a condição de criação única e pessoal. Neste sentido,

podemos concluir que o artista indígena expressa, em sua obra, mais sua identidade

social e tradições que sua personalidade própria (RIBEIRO 1987, p.29-31).

Vários utensílios utilizados na casa e no trabalho Tikuna são fabricados com

a técnica do trançado a partir de matéria prima extraída da floresta. Os cestos, por

exemplo, são confeccionados com cipó-titica, cipó-vambé e cipó-chato. Com o arumã

são fabricados os pacarás (cestos com tampa), paneiros, tipitis e peneiras (Figura 11).

Com a palha do urucuri, da jarina e de outras palmeiras são feitos os cestos para

transportar caça, frutos e produtos da roça (GRUBER, 1999, p.74).

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Para os cestos, utilizam vários motivos bicromados com abstrações e

texturas extraídas de elementos da natureza como tema principal. Segundo Soares

1999, um dos motivos mais utilizados é uma sequência de losangos ou “paiwecü” entre

duas linhas (Figura 20).

Em sua produção, o Tikuna desenvolve um acabamento com reforço

apartado, remate típico dos cestos-cargueiros de diversas tribos e, em particular, dos

Urubus-Kaapor, Tembé e Tiriyó. Uma farpa de madeira é anexada ao bordo do cesto e,

em torno dela, são reunidas as talas da urdidura em molhos, separados uns dos outros

por intervalos regulares e amarrados em espiral, sendo possível observarmos do lado

avesso pontas aparadas (RIBEIRO, 1985, p.70).

Figura 11 - Cestarias Tikuna – Museu Amazônico Foto: Bechman, 2010

Figura 12 - Cesto Tikuna Acervo: Centro Cultural Povos da Amazônia

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Os Tikuna possuem uma arte em madeira bastante elaborada (Figuras 13 e

14), entalham figuras zoomorfas e antropomorfas (Melatti, 2007, p.229). Para esculpir, o

Tikuna utiliza a madeira da muirapiranga, balseira ou pau-balsa. E, para lixar as peças,

utilizam a folha da mapatirana. Essa prática é realizada para fim comercial.

Para construir sua moradia, a casa de farinha, a casa de festa, a escola, a

igreja e o posto de saúde, o Tikuna utiliza madeira de várias espécies de árvores como:

jacareúba, acapu, paracuuba, taniboca, maçaranduba, muirapiranga, matamatá, pau-

brasil, cedro, cedrorana, coquita, tento, louro-inhamuí, capinuri, envireira, jacareúba,

andiroba, itaúba, mulateiro e sucupira. E, para suas construções, utilizam,

Figura 13 - Esculturas Tikuna, acervo Museu Amazônico. Foto: Raquel Mattos, 2010.

Figura 14 - Máscaras Tikuna Fonte: Acervo Museu Amazônico, 2010.

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principalmente, o caraná, mas também aproveitam outras folhas de palmeiras como a

jarina, patuá, urucuri, bacaba, folhas que servem ainda para cercar a cozinha, cobrir a

casa de farinha e o tapiri da roça (GRUBER, 1999, p.72).

Além da madeira, como podemos observar no Quadro 3, o Tikuna também

usufrui da sua flora para produzir vários remédios para tratamento de doenças comuns,

como por exemplo:

Quadro 3 - Mostra da medicina Tikuna

Indicação Produto Modo de uso

Fraqueza, palidez e reumatismo Chuchuacha (casca) Chá Problema dos rins, fígado, anemia e dor no estômago

Carapanaúba (casca) Chá

Dor no corpo, curar amebas e palidez Cedro (casca) Banho Diarreia, lavar ferimentos Taperebá (casca) Chá e banho Cólicas, diarreia e amebas Matamatá (casca) Chá Tosse, dores musculares, ferimentos Andiroba Óleo Asma, gripe, febre, dor de cabeça Copaíba Óleo Fonte: GRUBER, 1999, p.82

Com o tucum, as mulheres Tikuna produzem fios de várias espessuras para

tecer maqueiras, pulseiras, bolsas, tapetes. A rede também é um artefato bastante

confeccionado e apreciado. Seu tear é realizado com uma complexa técnica (Figura

15).

Figura 15 - Rede Tikuna Acervo: Centro Cultural Povos da Amazônia

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O desenho (Figura 16 e 17) é a arte na qual os Tikuna se destacam. Seu

estilo é próprio demonstrando uma grande capacidade criativa. Podemos considerar

seus desenhos como recursos visuais que permitem resgatar e guardar a memória e

tradição de seu povo, passando-as às novas gerações (SOARES, 1999, p.208). Em

suas publicações, também podemos observar um imenso prazer em expressar o

cotidiano da comunidade, desenhos de animais com grande realismo e formas

abstratas. Geralmente utilizam um colorido farto. As cores mais utilizadas são o azul

extraído da folha do bure, o amarelo, da açafroa, o vermelho, da casca do pau-brasil ou

da semente do urucum, o roxo, do fruto da pacova, o verde, da folha da pupunheira.

Figura 16 - Desenho Tikuna da Terra Évare Fonte: Gruber (1999, p.23).

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Para fabricar canoas, os Tikuna utilizam o tronco da itaúba, taniboca, tento,

louro-inamuí, cedro, guariúba e maúba e anauirá. Para calafetar a canoa, é usada

resina de anani, resina que também pode ser misturada com o leite de outras árvores

como a sorveira e o tururi-vermelho. O remo é feito de madeiras como o pau-brasil,

mulateiro, jacareúba e pintado com cumatê. Os brinquedos são confeccionados pelos

pais, mas também pela criança; com balseira (madeira de fácil manipulação) são

fabricados remos, barcos e pequenas canoas. Com a muirapiranga, confeccionam

bonecos, pássaros, jabutis, macacos e outros animais. Com o caroço do tucumã-

piranga, fazem piões e, com o caroço de umari, fazem apitos (GRUBER, 1999, p.78-

81).

A nação Tikuna possui uma intensa relação com seu território, e a

conservação de seus recursos naturais está intrinsicamente ligada a sua cultura. Para

os Tikuna, sua terra, suas memórias e sua cultura material são seus maiores

patrimônios.

Figura 17 – Desenho de mascarado Fonte: Painel de tururi - Acervo Museu Amazônico, 2010.

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2.1 Análise descritiva

A realização da análise descritiva do grupo de máscaras estudadas foi

baseada em informações cedidas pelo Departamento de Museologia do Museu

Amazônico. O aspecto inicial observado nas máscaras foi a qualidade do material com

que foram confeccionadas, tais como: aromas, cores, tamanhos, matéria prima,

consistência dos elementos utilizados, as sensações produzidas e tudo mais explícito

pelos elementos materiais que caracterizam as peças.

As peças fazem parte do acervo etnográfico do Museu Amazônico que é um

órgão público suplementar à Universidade Federal do Amazonas – UFAM criado no

final da década de 80 e está sediado à Rua Ramos Ferreira n° 1036, no centro histórico

da cidade de Manaus (Figura 18).

Além de organizar e promover exposições de curta e longa duração, abrigar

o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFAM (mestrado e

doutorado), o museu possui uma biblioteca especializada sobre a Amazônia, as

divisões de Antropologia, de Arqueologia, de Documentação, de História e de Difusão

Cultural.

Figura 18 - Museu Amazônico Foto: Raquel Mattos, 2004.

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O acervo etnográfico do Museu Amazônico é constituído por utensílios que

rememoram as necessidades do cotidiano, as crenças, as histórias dos povos que

habitaram ou habitam a região Amazônica, peças que podem ser consideradas

verdadeiras obras de arte e que são fontes riquíssimas de pesquisas acadêmicas.

De acordo com Vidal (2000, p.13), os acervos etnográficos e arqueológicos

vêm despertando grande interesse e reconhecimento por serem obras de arte dotadas

de notável especificidade histórica e cultural e que, ao serem retirados do seu contexto

original, tornaram-se frutos de uma gama imensa de sensações estéticas.

As máscaras rituais inteiriças estudadas fazem parte da “Coleção IBAMA4” e

da Coleção Jacqmont. A forma de aquisição das peças das duas coleções foi através

de doação; no entanto, muitas peças da Coleção IBAMA foram danificadas e as que

ficaram sob a tutela do museu, depois de um longo período de tratamento, possuem

estado de conservação considerado bom. Segundo a museóloga do Museu Amazônico

Jane Clotilde Cony Cruz, conforme informações transmitidas pelos técnicos do IBAMA e

de indígenas contatados, a Coleção IBAMA é constituída por peças que foram

apreendidas no aeroporto internacional Eduardo Gomes em Manaus e pertenciam a um

comerciante italiano que mora nos Estados Unidos que estaria levando-as para Miami,

UEA.

A Coleção Jacqmont foi constituída pelo próprio artista plástico amazonense

Jair Jacqmont que passou a comprar as peças Tikuna como artesanato no Mercado

Municipal Adolpho Lisboa, em Manaus. Para estudo e inspiração de sua arte, chegou a

reunir 135 peças, que estão sob a tutela do Museu Amazônico desde 1994, entre

esculturas antropomorfas, bastões de ritmo e máscaras rituais inteiriças e esculpidas

em madeira.

Quanto aos aspectos descritivos das máscaras, iniciamos pelo material do

qual foram confeccionadas que é o tururi, uma espécie de “tecido” feito da entrecasca

de árvore. Segundo Gruber (1999, p.86), “as máscaras são fabricadas pelos Tikuna

com a entrecasca de várias árvores”. Algumas árvores fornecem o tururi branco, como

podemos observar na 3ª máscara, outras o tururi vermelho como na 4ª máscara ou

tururi marrom como nas demais máscaras (Figura 19).

4 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

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De acordo com Araújo, depois que os Tikuna escolhem e derrubam a árvore

no comprimento ideal desejado, começam os preparativos para a retirada da

entrecasca. Em síntese, o líber é removido a partir das batidas de um “porrete

muirapiranga aplainado e pequeno que não possui lâmina cortante”. A casca é retirada

da madeira, virando-a de dentro para fora como uma luva, terminando na forma de um

tubo. O autor descreve, também, que os Tikuna tomam cuidado em preparar um abrigo

com cobertura de folhagens sobre o lugar de trabalho, a fim de proteger o tururi do sol,

resguardando-o de um possível ressecamento e consequentemente sua invalidação.

Também não é permitida a presença de crianças no local, porque os Tikuna acreditam

que isso causaria chuvas prolongadas (1985, p.68 e 69).

Após a separação, a casca interna da árvore é lavada e estendida para secar

à sombra. A maioria das vezes, o tubo é aberto para formar uma peça retangular que é

mais facilmente trabalhada, mas a vestimenta pode também ser feita do próprio tubo

como um todo (ARAÚJO, 1985, p.69).

A dimensão das máscaras varia aproximadamente entre 1,30cm a 1,60cm de

altura, por 0,40cm a 0,60cm de largura e estão expostas sobre suportes de metal fixos

com parafusos no chão de madeira do museu.

Segundo Gruber (1992, p.260), as figuras decorativas Tikuna podem se

apresentar separadamente ou em conjunto, os desenhos da cobra, por exemplo,

dificilmente aparecem isolados. Na maioria das representações, a cobra está sempre à

caça de algum animal como a borboleta, o sapo, o peixe ou pássaro, significando uma

ação. O corpo das cobras é sempre destacado por uma pintura colorida, com motivos

compostos por linhas sinuosas, linhas poligonais e por formas losangulares, variações

que servem, segundo a autora, para distinguir as diferentes espécies desses répteis.

Na parte central das máscaras (o corpo), ficam os desenhos que

representam a “pele” da entidade escolhida, ou os motivos que fazem parte de seu

meio ambiente como animais e plantas.

Nas máscaras que analisamos, podemos observar desenhos astrológicos

como, sol e estrela; figuras geométricas como, triângulo, losango; flora e figuras

abstratas.

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Para a decoração das máscaras, desenho e pintura em outros suportes

como o papel, os Tikuna utilizam um enorme elenco de figuras representadas quase

sempre de maneira naturalista de preferência inspirados na fauna regional (pássaros,

cobras, onças, várias espécies de peixes e insetos), com colorido farto extraídos de

recursos naturais fornecidos por uma gama variada de tintas descritas abaixo:

Quadro 4 - Recursos naturais empregados na pintura Tikuna Cor Origem vegetal

Amarelo Rizoma da açafroa (Dieffenbachia bumulis)

Azul claro Folhas do bure (Calathea loeseneri)

Preto ou azul-escuro Frutos da pocova (Renealmia sp)

Verde Folhas da pupunheira (Gulielma humulis)

Vermelho Urucu (Bixa orellana)

Vermelho claro e rosa Casca do pau-brasil (Caesalpinia echinata)

Fonte: GRUBER (1994, p.88).

Como podemos observar (Figura 19), as máscaras possuem o acabamento

em franjas na parte inferior do mesmo material. A superfície das máscaras é áspera,

porém frágil. Seu aroma é de folha seca, elas também não emitem qualquer tipo de

som. Sua forma é figurativa estilizada. Nos rostos, identificamos olhos levemente

incisos, não perfurados, com as pálpebras em alto-relevo, sem menção de íris, exceto a

máscara IV; a forma dos olhos é amendoada uma característica física predominante

dos povos da região amazônica.

Percebemos que os narizes foram esculpidos em madeira balsa sendo uns

mais largos e outros mais estreitos e aplicados no rosto (colados). Sua forma é

triangular levemente curvado para baixo, lembrando o bico de uma ave. Apenas o nariz

da máscara III não foi pintado completamente como os demais, podemos observar que

o artista Tikuna quis enfatizar mais o “bigode” de tom mais claro e farto no rosto,

fazendo menção provavelmente a algum animal com essa característica.

As bocas são todas entreabertas incisas sobre o tecido com lábios em alto-

relevo protuberante sem dentição.

As máscaras I, II e III possuem orelhas grandes esculpidas, também, em

madeira balsa e aplicadas; a máscara IV não possui orelhas visíveis e, sim, uma

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espécie de “brinco” trançado de tamanho mediado à mostra, talvez o artista tenha

retratado uma divindade feminina com farta cabeleira de líber.

A protuberância das bochechas na máscara I nos lembra da imagem do

macaco, elemento fundamental no ritual, pois, geralmente, é o personagem animador

da festa.

Os rostos são aplicados e fixos no corpo da máscara com amarração fio a fio

realizada manualmente. O tururi é perfurado com o espinho de tajá e com o fio de

tucum ou fio de envira, extraída da árvore da envieira, é realizada a “costura” uniforme.

A “cabeça” das máscaras foi trançada em arumã5 coberta com tururi e

pintada, provavelmente, a dedo com breu; de acordo com Gruber (1999, p. 79), o breu é

extraído da resina do anani que pode também ser misturada com o leite (seiva) de

outras árvores, como a sorveira. Geralmente, as máscaras de caras pretas representam

O’ma – o pai do vento.

Segundo Alviano (1943, p.12), as principais máscaras do Ritual da Moça

Nova são: a mãe do vento, o pai do vento, o Jurupary (demônio), o Manguary, o

macaco e a onça. Todas as máscaras representam, em geral, as forças adversas da

natureza elevadas a mito, os espíritos malignos ou, enfim, um totemismo parcial que

representa, no todo ou em parte, o totem do clã a que pertence à família que celebra a

ocorrência festiva.

5 Planta da família das marantáceas, de cuja casca fazem balaios, cestos, etc.

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O conjunto de máscaras estudadas, como podemos observar (Figura 19), é

constituído por quatro peças que têm forma antropomorfa, isto é, possuem

características humanas, como rosto. Em princípio, ao observarmos o conjunto, com um

leigo olhar, notamos que as máscaras poderiam estar representando “bonecos” com

uma determinada vestimenta rústica de um passado distante. Atinamos que nada

inicialmente nesses objetos nos remete à imagem de figurino, mas sim, à ideia de

escultura, uma obra pronta.

Figura 20 - Detalhe da máscara Tikuna Foto: Raquel Mattos

Figura 19 - Máscaras Tikuna, Museu Amazônico. Foto: Raquel Mattos, 2012.

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No entanto, as máscaras, em sua função original, possuem caráter

experimental e são portadoras de grande elaboração teórica baseada na mitologia

Tikuna.

2.1 As máscaras no contexto ritual

Iniciado o processo de conhecimento das máscaras rituais no museu

Amazônico, tomamos consciência da importância da mitologia dos povos autóctones,

não no seu sentido figurado, mas tal como essas comunidades o vivenciam, como uma

experiência sagrada, constituída por todo o conhecimento transmitido de geração em

geração através dos tempos primordiais. Nossa preocupação passou a ser como

reconhecer essa mitologia e comunicá-la a partir do acervo com que estávamos

trabalhando.

Muitas vezes, o mito foi apresentado como um elemento de pouca

“relevância e imaginado” durante um longo período de nossa história, como um

inconveniente para o conhecimento. Podemos situar esta compreensão no espaço

marcado pelo homem como o espaço da razão, compreendido no período que

designamos modernidade (SOARES, 1999, p.169).

Hoje, todavia, é, de certa forma, comum ou pelo menos aceitável a ideia de

que o mito ocupa um lugar no ponto extremo da superestrutura da sociedade e da

atividade do espírito. É uma afirmação ou aceitação de um fato que durante muito

tempo, quis ser mantido no esquecimento, mas que, por outro lado, exige novas

reflexões.

Com um campo fértil, novas pesquisas antropológicas contribuíram, por

exemplo, para compreendermos que o mito e seu rito adquirem pleno valor e

significado, só e unicamente dentro de seu próprio e específico âmbito social e cultural

que respondem a realidades mentais, a outras lógicas com um sentido profundo que

resiste ser revelado.

Assim sendo, o mito reflete a situação social presente em que a cultura

referenciada está inserida. Embora as narrativas mitológicas sempre coloquem os

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acontecimentos mitológicos em tempos pretéritos, não linear, essas narrativas não

deixam de refletir o presente, seja no que toca aos costumes, seja no que toca aos

elementos palpáveis e visíveis como objetos utilizados nos rituais.

Gallois cita, por exemplo, o caso dos Wajãpi do Amapá, e nos lembra de que

as ideias e as emoções associadas à história mitológica deste povo não são evocadas

apenas no momento de sua narração, mas:

também através de todo um conjunto de práticas rituais, de cantos e de danças. Assim, é essencial considerar o caráter integrado das práticas artísticas das sociedades indígenas... Para quem a arte gráfica e a arte verbal não são para a contemplação, mas para a transmissão de valores. (2006, p.87)

Em sua obra, Oliveira Filho afirma que, ao observarmos a mitologia Tikuna e

suas características gerais, podemos “entender” a origem dos costumes centrais da

vida deste povo. No mito Tikuna, por exemplo, podemos perceber como este povo se

organizou em metades exogâmicas e, também, detectamos alguma menção a vários de

seus hábitos e crenças vigentes no passado ou ainda presentes nos dias atuais.

De acordo com Hüttner (2007, p.37), o universo da crença dos Tikuna, no

decorrer da história, foi se fragmentando devido à influência dos colonizadores, dos

missionários, das seitas, do comércio extrativista e da exploração de mão de obra

imposta pelos seringalistas das empreiteiras de corte de madeira, dos interesses

políticos e econômicos da região. No entanto, muitos desses índios ainda vivem nas

aldeias, identificados pelo nome que leva seu clã. Com suas danças, preservam a

religiosidade enraizada na crença onde seus heróis, deuses e demônios, a alma, o sol,

cada qual ocupa seu lugar na selva e na terra, num constante ritual de vida conectado

com a natureza e com seus semelhantes.

Conforme Soares (2004, p.61e 63), a função principal do mito Tikuna está

intrinsecamente ligada à preservação da identidade deste povo. É onde ele busca

respostas sobre sua origem social, cultural e ética. O mito revela ao seu povo as suas

origens, e os Tikuna ressalvam que um povo que conhece seu mito, conhece a sua

história “primordial”, conhece a si próprio. O mito da criação elaborado pelos Tikuna

apresenta uma variada gama de simbologia, em linguagem simples, e traz à tona a

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essência e a tradição que fundou a gênese dessa etnia, até os dias de hoje. O estudo

deste mito se orienta a partir da relação dos personagens, dos símbolos e paisagens

que entram em jogo.

Em relação à origem de seus deuses míticos, embora, os professores Tikuna

em suas salas de aulas leiam, traduzam e estimulem os alunos a conhecerem alguns

dos seus mitos de origem, não é seguro afirmar que estes estejam sendo recontados

para além da escola ou dos textos impressos. Pois, ao ser reduzido a simples

apêndices de uma determinada disciplina escolar, geralmente na Língua Portuguesa, os

mitos, aprisionados entre horários e espaços para serem “ensinados”, perdem a

capacidade de transformarem as novas leituras sobre a realidade em interpretações

mais complexas e deixam de realimentar aquilo que alguns “assessores” em educação

indígena costumam denominar como “saberes tradicionais” (BRUNO, 2006, p.269).

Partindo do princípio de que o mito tem uma relação muito estreita com o rito,

Soares (1999, p.172) observa que os ritos reintegram o indivíduo em situações

primordiais, transformando-o em ator principal de acontecimentos vividos por deuses ou

pelos seus antepassados. Com a função de introduzir o indivíduo na esfera mítica, rito e

mito se tornam indissolúveis, e, quando separados, o mito passa a ser literatura.

Para Araújo (1985, p.77), as máscaras são formas de expressões artísticas,

onde o Tikuna registra seu pensamento, seu mundo e seu universo. Neste sentido, para

os Tikuna, as máscaras foram confeccionadas para se tornarem “elo” de “comunicação”

entre um mundo abstrato, sensível, mitológico e o mundo real através do processo

ritual.

De acordo com Lévi-Strauss (1969, p.28), é por meio das máscaras que a

música e a mitologia de uma determinada cultura alcançam uma aproximação

simbólica. Poderíamos ainda acrescentar que, no contexto do rito, a mitologia

associada à máscara perde seu caráter estático para tornar-se um fluxo dinâmico de

imagens sensoriais. Tais imagens movimentam-se através do espaço e do tempo no

ritmo do canto e da dança, influenciando a experiência pessoal e direta de cada

participante.

Quando o ser humano se reveste de uma máscara, dos acessórios e pinturas

rituais, ele abandona a sua práxis cotidiana para naquele momento, para ser e

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representar uma entidade espiritual vital da natureza, o homem torna-se símbolo. A

função da máscara é concretizar o abstrato e travestir o ser humano da qualidade

espiritual (KLINTOWITZ, 1986, p.7 e 8).

O autor ressalva, também, que, ao mesmo tempo em que o homem

transforma em mito a sua cultura, ele também faz o caminho inverso, transformando

sua cultura em mito. A utilização de máscaras nas sociedades ritualísticas realiza,

permanentemente, o intercâmbio entre cultura e mito. O objetivo do indivíduo e da

comunidade é a repetição do modelo mítico que marca sua identidade e reafirma seus

valores culturais.

Em cada caso, vestir e despir as máscaras simbolizam uma mudança de

“pele”, uma nova vida, uma transformação.

Durante o processo ritual não só o usuário da máscara é mergulhado em

sensações manipulativas e táteis, mas também as pessoas que participam do rito são

afetadas por sensações visuais e auditivas.

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A tolerância não é uma posição contemplativa... É uma atitude dinâmica, que consiste em prever,

compreender e promover o que quer existir. Claude Lévi-Strauss.

CAPÍTULO III – (RE)SIGNIFICANDO O ESPAÇO MUSEOGRÁFICO

O conceito de museu, ao longo dos tempos, vem passando por um processo

complexo de modificação e atualização. Etimologicamente museu deriva da palavra

grega museion que nos remete ao templo das Musas, filhas de Mnemósine, a deusa da

memória, protetora das Artes e da História.

Segundo a mitologia, a deusa Mnemósine atribuía aos poetas o poder de

regressar ao passado e de lembrá-lo para a coletividade. Já os historiadores antigos

escreviam suas obras e colocavam sob a proteção das Musas, para que não se

perdessem os efeitos memoráveis dos humanos e para que servissem de exemplo às

gerações futuras (CHAUI, 1999, p.126). Surgiu, assim, o hábito do colecionismo

humano, e o museu tornou-se guardião de tesouros, muitas vezes intocáveis.

Essa concepção de museu-depósito guardião de tesouros e de coisas

exóticas, estranhas ao cotidiano, no decorrer dos fatos históricos vem se atualizando,

hoje segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN o museu

é definido como “instituição permanente, aberta ao público, sem fins lucrativos, a

serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, que adquire, conserva, pesquisa,

expõe e divulga as evidências materiais e os bens representativos do homem e da

natureza, com a finalidade de promover o conhecimento, a educação e o lazer” (2007).

Em seus apontamentos, Cury nos traz uma interessante abordagem sobre a

concepção de museu, reformulada e embasada a partir do Mito de Orfeu. Segundo o

mito, Orfeu era exímio músico. Com sua lira encantada, hipnotizava os animais mais

selvagens da face da terra. Desceu ao inferno, à solidão profunda, ao esquecimento

eterno, para resgatar sua amada Eurídice. Orfeu, com sua arte, comoveu Prosérpina, a

deusa do inferno, e a convenceu libertar Eurídice. Só que Orfeu não resistindo à

curiosidade, contra o aviso da deusa do inferno, olhou para trás e assim transformou

Eurídice numa estátua de sal. No fim da vida, Orfeu foi esfacelado pelas Eríneas e seu

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corpo espalhado nas coisas, pelo mundo, através de um sopro (CURY apud

GUIMARÃES; BARBANTI, 1991):

Em muitas coisas. O museu personificado, filho de Orfeu foi poeta como o pai, tendo assim o poder de agir, de fazer. O poder de ver a poesia das coisas (ou como as coisas se relacionam no mundo poeticamente) e de resgatá-las em sua plenitude, seja recolhendo-as, seja reordenando o seu sentido poético. O museu de que falo não é o lugar, o templo das musas que gerou a conceituação de museu depósito de coisas. O Museu de que falo pensa no sentido das coisas no mundo e na vida e (re)elabora constantemente a sua missão poética... A ação de museu é, também, carregada de poesia, pois ele, à semelhança de seu pai, é poeta. Possui o olhar seletivo do poeta, o olhar que encontra significado nas coisas, o seu valor (CURY, 2005, p.22 e 23).

O museu personificado, filho de Orfeu, tem o poder de agir, de fazer, de criar

ações que diminuam a distância, os preconceitos e promover o diálogo entre as

culturas. Ele possui o poder de ver a poesia nas coisas, ou como as coisas se

relacionam no mundo poeticamente e de resgatá-las em sua plenitude, tirando-as do

esquecimento, da escuridão, da poeira. O museu contemporâneo recolhe seus objetos

e reordena o seu sentido poético, é comprometido com o diálogo entre o patrimônio e

seu público. O prédio em si, as paredes ficam em segundo plano e dá-se maior valor ao

que o objeto tem a dizer. No entanto, essa tomada de consciência vem se

concretizando em um longo processo histórico.

Segundo Guaracira (2004, p.40), desde as primeiras décadas do século XX,

registram-se iniciativas que impulsionaram, em âmbito internacional, a formação de

órgãos orientadores das ações dos museus em todos os seus níveis. Em 1947, os

profissionais de museus, reunidos em Paris, manifestaram-se pela fundação de um

órgão que concentrasse o desenvolvimento do conhecimento na área da museologia.

Surge, assim, o Comitê Internacional de Museus – ICOM, uma organização profissional

não governamental, sem fins lucrativos, que passa a receber apoio da UNESCO e que

se mantém ativo ainda hoje, partidário de uma museologia preocupada com o

desenvolvimento social e não somente com a conservação do passado.

O Seminário do Rio, em 1959, a Conferência de Grenoble, em 1971, a Mesa

Redonda do Chile, de 1972, as Declarações de Quebec e Oxatepec, de 1984, foram

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iniciativas que refletiram grande esforço no sentido de melhor atender ao público

visitante e conferiram novo destaque às questões relativas ao papel cultural e

educacional dessa instituição. O museu se abre à interdisciplinaridade demonstrando a

interdependência entre diferentes áreas do saber, articulando meio natural e patrimônio

cultural (GUARACIRA, 2003, p.42).

Todos os fatos históricos descritos acima possuem grande relevância no

processo de integração museu sociedade, porém, são as resoluções da Mesa de

Santiago do Chile, na década de 70, que se afirma em âmbito internacional a função

social do museu que passa a ser foco dos movimentos sociais.

Neste momento histórico, é rompida a tríade do museu tradicional formada

por edifício-coleção-público e proposta uma integração mais participativa da sociedade.

O museu passa a se constituir de território-patrimônio-população e torna a

desempenhar um papel mais decisivo na educação da comunidade.

De acordo com Nascimento (1994, p.53), os museus brasileiros surgiram no

final do século XIX, dentre eles, o Museu do Exército (1864), o Museu da Marinha

(1868), o Museu Paraense Emílio Goeldi (1894), o Museu Paranaense, o Museu

Paulista (1892) e os Museus dos Institutos Geográfico e Histórico de Pernambuco e da

Bahia. Esses museus eram praticamente constituídos de coleções formadas por plantas

e animais; na época, havia uma política de preservação do exótico, os objetos históricos

e artísticos eram considerados obras primas em exposição. Estes museus funcionavam

como depósitos de peças que satisfaziam à curiosidade de alguns poucos visitantes da

classe “letrada” e um reduzido número de pesquisadores.

Sob a influência do legado de Paulo Freire, nos anos 80, a Nova Museologia

no Brasil ultrapassa seus princípios, equacionando um espaço museológico que

problematiza, questiona e intervém criticamente na complexa estrutura sociocultural. A

ação da Nova Museologia vira-se para o meio físico e humano envolvente, a

comunidade é um agente ativo que trabalha em conformidade com o museu. Nesse

processo de autodefinição e afirmação de seus valores, o museu, no início do século

XXI, passa a ter uma função social mais definida, ou seja, amplia-se e passa a englobar

centros culturais ou outras entidades que facilitem a preservação, manutenção,

continuidade e gerenciamento da herança tangível e intangível – incluindo patrimônios

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vivos e as atividades digitais, caso dos documentos virtuais, sendo seu dever, também,

favorecer ao público em geral o conhecimento e a apropriação dos bens patrimoniais

que guardam e que constituem o patrimônio cultural brasileiro.

Hoje as mudanças na concepção dos museus impedem-nos de continuar

falando dessas instituições como simples depósitos de produções do passado. O

museu que deve estar a serviço da sociedade, passou a ser considerado um processo

e uma prática social (Chagas, 2009, p.21). É possível observar a criação de

ecomuseus, a instalação de produções museológicas nos centros culturais, o

surgimento dos museus comunitários e a criação de produtos com inovações cênicas e

comunicativas (ambientações, serviços educativos, introdução de vídeo, sistemas

hipermidiáticos, etc.) que permitem novos modos de recepção e interpretação dos

elementos culturais que constituem seu acervo (NÉSTOR, 2000, p.170).

Os museus contemporâneos, além de lugares de comunicação e informação,

tendem promover a participação da sociedade nos processos de preservação do

patrimônio cultural. E o ato de “musealizar” tornou-se um ato de cidadania, como nos

aponta Cury (2005, p.31-37):

Na contemporaneidade a cidadania e seu exercício são finalidades almejadas pela disciplina museológica e pelos museus. Nós, profissionais de museus, pensamos e trabalhamos na ótica da preservação do patrimônio cultural para a construção e reconstrução, individual e coletiva, de nossa memória e identidade, considerando que tanto a memória quanto a identidade não estão prontas em algum lugar do passado, aguardando serem resgatadas como elos perdidos cristalizados. Atualmente, a museologia reserva aos museus, no seu sentido mais amplo, o seu caráter de meio de comunicação, sendo a exposição a principal maneira de aproximação entre sociedade e seu patrimônio cultural.

Portanto, cabe também aos museus, como instituições comprometidas com a

memória e preservação do patrimônio cultural, criar ações de valorização de saberes e

práticas culturais tradicionais.

3.1 Ação educativa “Catamito” um processo de criação e reflexão

Em 2003, foi criado, no museu Amazônico, um instrumento de mediação de

conhecimento, denominado “Catamito”. O objetivo desta ação educativa foi promover a

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apropriação da exposição etnográfica vigente de forma lúdica pelo público escolar que

visitava o museu, estimulando-o à pesquisa, à leitura e incentivando-o ao ato de “contar

e ouvir” histórias da região.

A ação educativa Catamito tinha como finalidade realizar uma reflexão sobre

a importância do mito para as diversas etnias ali representadas na exposição e a

valorização deste conhecimento como patrimônio cultural brasileiro.

Denominamos a ação educativa de Catamito por ser uma proposta de “catar”

os “mitos” intrínsecos nos diversos objetos expostos no Museu Amazônico. Através da

utilização de teatro de bonecos com todo seu potencial de envolvimento e interação,

proporcionando, aos alunos que visitavam o museu, algo diferenciado. Nossa proposta

era proporcionar um encontro que se tornasse um momento de criatividade e encanto.

Ao estimular os alunos de diversos níveis escolares que visitavam o museu,

a interessar-se pela mitologia regional, acreditávamos envolvê-los num contexto

simbólico de apropriação dos bens museológicos. A apropriação de um bem cultural,

museológico ou fenômeno cultural só inicia a partir de seu real conhecimento e

reconhecimento, sem preconceitos. E esse conhecimento pode e deve ultrapassar os

limites da apreensão de informações através de um único sentido que, geralmente, é a

exploração visual.

Nossa preocupação imediata foi confeccionar e trabalhar de modo muito

“simples” o que, aos olhos de muitos museus, parece difícil: o teatro no espaço

museológico. Construímos então um teatro de bonecos que não priorizava apenas o

estético, mas que trouxe ao público uma prática social na qual trabalhamos o imaginário

de um povo.

A metodologia da visita ao museu era dinâmica, os visitantes tinham acesso

a vários ambientes distintos coordenados por monitoria realizada inicialmente pelos

funcionários do museu e posteriormente por três estagiárias do curso de Artes Plásticas

da UFAM: Naia Arruda, Orlane Freires e Raquel Mattos sob a coordenação da Profa.

Dra. Maria Bernadete de Mafra Andrade.

Como o museu possui um espaço físico “restrito”, afinal, trata-se de um

prédio histórico adaptado, o público, quando formado por um grande número de

visitantes, era dividido em três grupos menores que se intercalavam em três ambientes

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distintos: 1) visita monitorada à sala da exposição itinerante no térreo do prédio; 2) visita

à sala de Arqueologia com sua exposição de longa duração no primeiro andar e; 3)

participação da ação educativa Catamito realizada na área externa de acesso à

biblioteca do museu. Algumas turmas escolares também tinham acesso às demais

dependências do museu como biblioteca especializada sobre a região amazônica e sala

de restauro.

A ação educativa Catamito foi desenvolvida em quatro momentos:

Primeiramente, o público era acomodado sentado no chão próximo à mesa

onde ficava exposto o teatro de bonecos. Posteriormente, iniciava-se uma conversa

sobre os termos cultura, patrimônio e mito.

Os temas eram abordados de modo informal, através de perguntas e

respostas ao público, quanto à base teórica às reflexões iniciais sobre o mito, utilizamos

os esclarecimentos de Newton:

Mito é a mais antiga forma de conhecimento, de consciência existencial e, ao mesmo tempo, de representação religiosa sobre a origem do mundo, sobre os fenômenos naturais e a vida humana. Deriva do grego mythos, palavra, narração ou mesmo discurso, e dos verbos mytheyo (contar, narrar) e mytheo (anunciar, conversar). Sua função, portanto, é a de descrever, lembrar e interpretar todas as origens seja ela a do cosmo (cosmogonia), dos deuses (teogonia), das forças e fenômenos naturais (vento, chuva, relâmpago, etc.), seja das causas primordiais que impuseram ao homem as suas condições de vida e seus comportamentos. Em síntese é a primeira manifestação de um sentido para o mundo. Por conseguinte, os mitos tanto podem relatar as genealogias (as gerações sucessivas desde o primeiro ser ou causa), como explicar os atributos dos seres e das coisas (poderes e capacidades). Outra característica comum às diversas mitologias, em seus aspectos cosmogônicos, é a existência primeva do caos, ou seja, de um estado amorfo ou indiferenciado de elementos, por isso, embora seja um tipo de pensamento e de consciência pré-analítica (ou seja, pré-filosófica ou pré-científica), o mito oferece explicações para a realidade aparente e para a vida humana, como também para aquilo que, aos olhos dos mais antigos homens, aparecia como mistério, no sentido de algo velado, simbólico, só acessível a iniciados. Por isso, e habitualmente, o mito possui um valor sagrado que merece ser conservado e transmitido por pessoas dotadas ou escolhidas pelos deuses – sacerdotes, xamãs. Seus rituais de renovação ou de comemoração procuraram manter vivas as forças criadoras e mantenedoras da vida. O rito é um mito em ação (2003, p.413).

Após a conversa informal sobre os temas abordados, iniciávamos a

apresentação do “mito” que não se dava através de seu rito, mas por meio de suporte

artístico lúdico em ambiente museológico. O tema escolhido era o “mito” do Guaraná da

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etnia Sateré-Maué utilizando um teatro fácil de manipular, confeccionado a partir de

sucatas, um recurso tão familiar ao público infantil, levando-o a participar da história, a

se identificar e se envolver com a apresentação. Para finalizar, elegíamos um novo

contador de história em meio à plateia para recontar o mito. A expectativa desse

processo de conto e reconto era verificar qual a intensidade com que o público se

apropriava da técnica utilizada para a contação da história e consequentemente motivá-

lo à confecção de um teatro próprio no âmbito escolar incentivando-o à pesquisa e

narração de outros mitos.

Contudo, o mito e seu rito adquirem seu pleno valor e significado, só e

unicamente, dentro de seu próprio e específico âmbito social e cultural. Sabemos que

um ouvinte que não pertence à cultura que vivencia o mito, tende a compreendê-lo

como uma estória fantástica, inexplicável e passa, em alguns casos, a ser considerado

uma lenda.

O significado de lenda segundo Newton (2003, p.373), deriva do latim legens,

legentis, “para ser reunido, acolhido ou lido”, refere-se não só a um texto narrativo ou

poético, mas também as histórias que, no início foram criadas e transmitidas oralmente,

tendo, por temas, eventos míticos, religiosos, sobrenaturais ou ainda fatos históricos.

Neste último caso, entretanto, ocorrem acréscimos de passagens ficcionais ou

maravilhosas, conservadas e transmitidas por tradições literárias e populares.

Após o diálogo, era realizado um “momento de aquecimento” cujo objetivo

era envolver o público de forma criativa na narração da história do nascimento e

crescimento de uma plantinha envolvida num balé causado por uma brisa. Para isso,

utilizávamos música regional e movimentos coordenados de alongamento de forma

lúdica, preparando o público para a história.

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Construído, a partir, de material alternativo (sucata), o Catamito (Figura 21) é

uma prova de que, com criatividade, podemos proporcionar, ao público escolar, uma

visita museológica prazerosa e dinâmica. A apresentação do conto oral como modo de

estratégia de ensino sai dos padrões tradicionais em que se constituem as exposições

taxonômicas, com seus roteiros determinados e leitura definida dos objetos expostos.

Figura 22 - Contando e recontando a História do Guaraná Fonte: Raquel Mattos, IGHA, 2006.

Figura 21 - Realização da ação educativa Catamito Fonte: Biblioteca Mul. Prof. João B. P. Evangelista, 2006.

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Baseado no texto de Silva (s/d, p.30-32), a História do Guaraná consiste no

mito de origem do fruto do guaraná, produto de suma importância simbólica para a etnia

“Sateré-Maué que se consideram os inventores da cultura dessa planta, autoimagem

justificada no plano ideológico por meio do mito, segundo o qual seriam os Filhos do

Guaraná” (LORENZ, 2000).

A ação educativa Catamito foi desenvolvida no Museu Amazônico durante a

visitação de cerca de 30 escolas públicas e privadas, do ensino fundamental ao médio,

atendendo, aproximadamente, a um total de 1.500 estudantes no ano de 2003.

No ano de 2006, o projeto foi retomado e apresentado em outros espaços de

memória como o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas – IGHA (Figura 22), a

Escola Municipal Sagrado Coração de Jesus e a Biblioteca Municipal João Bosco

Pantoja Evangelista (Figura 21).

3.2 Educação Patrimonial e o processo de mesealização

Um dos objetivos da pesquisa foi discorrer sobre a importância simbólica das

máscaras utilizadas nos rituais do povo Tikuna que fazem parte da exposição de longa

duração do Museu Amazônico. Como patrimônio etnográfico e cultural que se constitui,

pensamos ser de extrema importância a apropriação das informações significativas que

compõem a cultura deste povo e que estão presentes nesses objetos museológicos.

Segundo Cury (2005, p.26), podemos entender o processo de musealização

como uma série de ações sobre os objetos, dos quais fazem parte a aquisição,

pesquisa, conservação, documentação e comunicação. O processo inicia-se ao

selecionar um objeto de seu contexto e completa-se ao apresentá-lo publicamente por

meio de exposições, de atividades educativas e de outras formas.

Através da pesquisa realizada, compreendemos a relevância cultural do uso

das máscaras inteiriças dos Tikuna. Então, partimos para o desafio de apresenta-las ao

público através do desenvolvimento de ações educativas que possam envolver o

visitante do museu num processo que ultrapasse a visualização, despertando no

espectador maior interesse e consequentemente o senso de apropriação necessário

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para uma tomada de posturas não preconceituosas de modo a manifestar maior

respeito pelo patrimônio museológico.

Neste capítulo, apresentamos uma proposta de intervenção na exposição

baseada na metodologia da Educação Patrimonial, que busca “explorar ao máximo o

objeto estudado, contextualizá-lo histórico-socialmente e até recriá-lo para que faça

parte da memória afetiva de um indivíduo ou grupo social, reconhecendo-o como

patrimônio, ou seja, uma valiosa herança que se herdou ao longo dos tempos” (HORTA,

1999).

Introduzida no Brasil em termos conceituais e práticos durante o 1º

Seminário sobre o “Uso Educacional de Museus e Monumentos” realizado em julho de

1983 no Museu Imperial em Petrópolis/RJ – a Educação Patrimonial é uma proposta

interdisciplinar de ensino-aprendizagem cujo objetivo é difundir e desenvolver ações

educativas voltadas para o uso e a apropriação dos bens que compõem o patrimônio

cultural brasileiro, num processo contínuo de experimentação e descoberta.

Percebemos, então, ser de suma importância possibilitar experiências que

incentive a pesquisa, o contato direto e o diálogo com acervos museológicos da cidade

de Manaus. Assim, tomamos como base metodológica a Educação Patrimonial cuja

estrutura se baseia em um método investigatório composto por quatro etapas:

observação, registro, exploração e a apropriação. Neste processo educativo, o visitante

do museu é estimulado a se comportar como se fosse um detetive em investigação com

um olhar mais observador, em um processo de descoberta e apropriação do objeto.

Para Horta (1999, p.06), o conhecimento crítico e a apropriação consciente

pelas comunidades do seu patrimônio são fatores indispensáveis no processo de

preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos

de identidade e cidadania.

As etapas da metodologia da Educação Patrimonial (Quadro 5) possuem

objetivos próprios, e as estratégias não diferem das desenvolvidas por professores em

suas aulas no ensino regular, no entanto, a inovação está em sua aplicação em museus

de Manaus e de forma contínua.

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Quadro 5 - Etapas da Metodologia da Educação Patrimonial

Etapas Recursos/Atividades Objetivos

Observação

Exercícios de percepção/sensorial, por meio de perguntas, manipulação de objetos, medição, anotações, dedução, comparação, jogos de detetive, etc.

Identificação do objeto: função/significado; desenvolvimento da percepção visual e simbólica.

Registro

Desenhos, descrição verbal ou escrita, gráficos, fotografias, maquetes, mapas e plantas baixas, modelagem, etc.

Fixação do conhecimento percebido, aprofundamento da análise crítica; desenvolvimento da memória, pensamento lógico, intuitivo e operacional.

Exploração

Análise do problema, levantamento de hipóteses, discussão, questionamento, avaliação, pesquisa em outras fontes como bibliotecas, arquivos, cartórios, documentos familiares, jornais, revistas, entrevistas, etc.

Desenvolvimento das capacidades de análise e julgamento crítico, interpretação das evidências e significados.

Apropriação

Recriação, releitura, dramatização, interpretação em diferentes meios de expressão, como a pintura, escultura, drama, dança, música, poesia, texto, filme, vídeo.

Envolvimento afetivo, internalização, desenvolvimento da capacidade de auto expressão, apropriação, participação criativa, valorização do bem cultural.

Fonte: HORTA, 1999.

De acordo com Grunberg (s/d, p.9), o importante na aplicação da

metodologia da Educação Patrimonial é que ela se inicie a partir do bem cultural e siga

basicamente as etapas: 1) Identificação do Bem Cultural – observação e análise; 2)

Registro do Bem Cultural – atividades de registro da identificação; e 3) Valorização e

Resgate – interpretação e comunicação do observado e registrado.

No que tange à intervenção na expografia das máscaras Tikuna, nosso

desafio é extrair a poesia destes objetos e comunicá-la por meio de práticas de

experimentação, oferecendo, assim, uma experiência de qualidade definida por Cury

como sendo:

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Uma experiência em exposição que se pretenda de qualidade deve desenvolver-se em direção à consumação. Estar na exposição, caminhar por seu espaço, observar os objetos, apreender o seu conteúdo temático, apreciar os efeitos expográficos e sensoriais, observar, analisar, julgar, criticar, comparar, relacionar, lembrar, rejeitar, concordar, discordar, emocionar-se. A conclusão do processo de visitação é a apreciação em si mesma, aquela realizada pelo próprio público que, em sua mente, recria o discurso expositivo. A consumação, por sua vez compreende a integração dos aspectos que envolvem a visita e a apreciação: cada momento da visita tornou-se essencial, (...) o público deve ter consciência de que aquela exposição foi uma experiência única (2005, p.45).

Neste sentido, nosso primeiro desafio será promover a desconstrução da

imagem do museu como um depósito de coisas velhas e desinteressantes, para

promover um museu que seja mediador cultural prestador de um serviço de qualidade

aos mais diversificados públicos.

Na expografia do museu Amazônico, as máscaras (Figura 19) se apresentam

perfiladas horizontalmente expostas no canto esquerdo inferior da Sala dos Rituais no

primeiro andar do museu. As máscaras possuem tons terrosos e apresentam equilíbrio

visual na sala de exposição que possui piso em madeira de lei com tonalidade escura e

com aspecto de aparente conservação, contrastando com as paredes de cor clara.

As máscaras e demais objetos rituais em exposição, para maior efeito

cenográfico, possuem iluminação pontual (Figura 23) elaborada pelo restaurador

Custódio Coutinho, funcionário do museu que possui vasta experiência em cenografia

teatral.

Figura 23 - Fontes de iluminação artificial, acervo Museu Amazônico. Foto: Raquel Mattos, 2010.

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Esta pesquisa, no entanto, não estabeleceu parâmetros para discutir a

eficácia da expografia das peças e sua harmonia visual, o que seria uma proposta para

o desenvolvimento de outra pesquisa. Segundo a museóloga responsável por sua

montagem, a exposição atinge seu objetivo geral que é despertar o interesse do

visitante para o patrimônio cultural exposto de modo apreciativo ou não. Contudo, ao

observamos o desinteresse dos professores do Ensino Fundamental da

SEMED/Manaus, durante a visitação ao museu, pelas máscaras do Ritual da Moça

Nova, optamos em criar uma intervenção informal tendo como suporte à utilização de

novas tecnologias buscando uma maior fruição entre exposição e público.

O valor do patrimônio imaterial não se limita a sua forma, neste sentido,

podemos também comunicar, de outras maneiras, a poesia contidas nesses objetos ou

até mesmo (re)significá-los.

3.3 Propostas e intervenção: ludicidade e apreciação

Atualmente, existem vários museus brasileiros que apresentam atividades

interativas digitais como ferramentas para envolver o público visitante de modo lúdico.

Neste contexto, apresentamos dois exemplos:

O Museu da Língua Portuguesa inaugurado em 2006, situado no histórico

prédio da Estação da Luz em São Paulo, tem por objetivo valorizar e difundir a Língua

Portuguesa como patrimônio cultural brasileiro por meio de instalações multimídias.

Dentre seus vários espaços, consideramos o ambiente que abriga o jogo Beco das

Palavras ou Jogo da Etimologia (Figura 24) o mais lúdico. Neste local, o visitante se

diverte e aprende movimentando com as mãos imagens projetadas de fragmentos de

palavras que parecem flutuar sobre uma mesa com o intuito de formar palavras

completas, conhecer sua origem e significados.

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O Museu do Futebol localizado no Estádio Paulo Machado de Carvalho em

São Paulo, o Pacaembu, foi inaugurado em 2008. Seu objetivo é investigar, preservar e

difundir o futebol como fenômeno indicador de memória social e expressão cultural. O

percurso do torcedor que compõe a expografia do museu é composto por 16 etapas

que misturam os elementos históricos do futebol, tecnologia e ludicidade. A Sala Jogo

do Corpo, por exemplo, proporciona uma experiência interativa onde o visitante é

convidado a “bater um pênalti” com uma bola real num gol com goleiro virtual e saber

qual a velocidade de seu chute, ou jogar futebol num campo projetado no chão onde a

bola é acionada com a sombra dos jogadores (Figura 25).

Figura 24 - Jogo da Etimologia Fonte: http://www.superuber.com.br/museu-da-lingua-portuguesa/

Figura 25 - Jogo de futebol interativo Fonte: http://blogs.estadao.com.br/viagem/entre-um-jogo-e-outro/

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A ludicidade a que nos referimos é a necessidade de o ser humano em

qualquer idade, brincar, jogar, descobrir, experimentar e transformar, ações que

acreditamos oportunizar a aprendizagem e não podem ser vistas apenas como

diversão. O desenvolvimento dos aspectos lúdicos facilita a aprendizagem, o

desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para uma boa saúde mental,

prepara para um estado interior fértil, facilita os processos de socialização,

comunicação, expressão e construção do conhecimento (SANTOS, 1997, p.12).

Como ferramenta didática, optamos pelo uso da tecnologia educativa, no

sentido mais amplo, para a produção de atividade interativa e a releitura de práticas

desenvolvidas como o teatro de bonecos e oficina de animação como atividades lúdicas

a serem acrescentada à expografia atual das máscaras estimulando a curiosidade e a

apropriação do conteúdo intrínseco na exposição.

3.3.1 Atividade interativa Trilha Verde

A primeira etapa da metodologia da Educação Patrimonial é a observação

direta do objeto cultural. Neste caso específico, seria o primeiro contato com as

máscaras Tikuna na exposição.

Após esse primeiro contato com o bem, passamos para a segunda etapa que

é o registro, momento de aprofundamento da análise crítica. Nesta fase, oferecemos ao

visitante diversos materiais como lápis, papel, tinta guache e outros suportes para que

ele possa fazer o registro de suas observações através de desenho, pintura, fotografia e

outros. Após as reflexões sobre as diversas deduções apresentadas nos registros, a

ideia é partirmos para a etapa da exploração quando propomos a interpretação das

evidências e significados. Como forma de exploração do conteúdo, indicamos a

apresentação do vídeo “A Festa da Moça Nova: um ritual Tikuna” produzido por João

Batista e Salette Lima em formato DVD, a leitura do “Livro das Árvores” de Jussara

Gruber como fonte de informação e a aplicação do Jogo Trilha Verde.

Tendo como referência o espaço Aldeia Virtual (Figura 26) criado pelo

Instituto Socioambiental (ISA), cujo objetivo é despertar o interesse e o respeito do

público infantil (de 7 a 12 anos) à diversidade cultural dos povos indígenas do Brasil

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com uma linguagem lúdica e educativa, a Trilha Verde é uma proposta de criação de

um jogo interativo virtual que poderá ser jogado no espaço físico (off-line) ou fazer parte

do site do museu como uma opção educativa fundamentada em referências reais da

cultura do povo Tikuna.

Na Trilha Verde, o jogador é convidado a ajudar a Moça Nova (protagonista)

a atravessar a trilha até chegar ao rio, passando por cinco fases que compõem seu

ritual.

Atividade interativa Trilha Verde

Autores: Prof. Dr. Hermes Renato Hildebrand e Raquel Maia Mattos

Conteúdo: Cultura Tikuna – Ritual da Moça Nova

Objetivo: Compreender a importância do Ritual da Moça Nova para os Tikuna,

levando em consideração a complexidade de cada etapa percorrida pela jovem

iniciada, de forma lúdica.

Público: crianças em idade escolar visitantes do museu

Faixa etária: a partir dos 07 anos de idade

Com a atividade interativa Trilha Verde, o visitante poderá gerar

possibilidades de percepção do Ritual da Moça Nova. Cada fase do jogo possui

informações valiosas para quem deseja conhecer um pouco da vida da menina Tikuna

e sua passagem à vida adulta.

Figura 26 - Aldeia Virtual Fonte: http://pibmirim.socioambiental.org/jogos

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3.3.1.1 Descrição da atividade interativa e modo de jogar

O projeto da atividade interativa prevê que o usuário veja o ambiente e

manipule o avatar da Moça Nova do ponto de vista superior. Joga-se individualmente.

Roteiro das fases da atividade:

A primeira fase é a construção do “curral” ou “turi”, o jogador deve ajudar o

pai e os tios da Moça Nova a construírem o curral, um quarto pequeno onde a menina

permanecerá recolhida até seus familiares concluírem os preparativos (alimentos,

bebidas e as máscaras) para festa. Com o mouse o jogador deverá clicar para arrastar

os bambus, montar, desenhar e pintar o curral. Ao concluir a construção do curral, o

jogador passa automaticamente para a segunda fase do jogo e, assim, sucessivamente.

Na segunda fase da atividade denominada a “pelação dos cabelos”, o

jogador poderá ajudar as avós da menina Tikuna a arrancar seu cabelo fio a fio. Para os

Tikuna, o nascimento de um novo cabelo tem o significado de purificação, a menina fica

pura para passar para uma nova etapa da vida, a vida adulta. Com o mouse o jogador

poderá selecionar o cabelo da Moça Nova e arrastá-lo para ajudar a avó da menina a

realizar a pelação de sua cabeça.

Figura 27 - Croqui construção do curral Imagem: Raquel Mattos, 2014

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A terceira fase é a etapa da preparação do corpo e ornamentos da Moça

Nova. Os preparativos da festa, o pajuaru e moquém (bebida e comida indígena) já

foram servidos, nesse momento, a menina será apresentada aos convidados. O jogador

deverá ajudar a Moça Nova a ficar pronta, para isso auxiliará a mãe da menina a pintar

seu corpo com o sumo do jenipapo, a colocar o cocar (adorno feito de penas) e o colar.

Para animar a festa, os parentes da Moça Nova e alguns convidados

confeccionam com tururi as máscaras rituais com motivos que representam os clãs e os

deuses Tikuna e as escondem na mata. Na quarta fase da atividade a “entrada dos

mascarados”, o jogador deverá ajudar a Moça Nova a se desviar dos mascarados que

Figura 29 - Croqui preparação da Moça Nova Imagem: Raquel Mattos, 2014

Figura 28 - Croqui pelação da Moça Nova Imagem: Raquel Mattos, 2014

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se movimentaram por todo o cenário. As máscaras também representam deuses ruins

que querem raptar a Moça Nova, mas ela precisará da sua ajuda para fugir.

A quinta e última fase é a chegada da menina ao rio. Se você chegou a esta

fase, parabéns! Você ajudou a Moça Nova a completar seu ritual, para finalizar a

atividade mergulhe-a na água. Esse ritual é muito importante para a menina Tikuna que

agora está preparada para a vida adulta na comunidade. E você conhece outros rituais?

Figura 30 - Croqui entrada dos mascarados Imagem: Raquel Mattos, 2014

Figura 31 - Croqui banho de rio Imagem: Raquel Mattos, 2014

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3.3.2 Atividade interativa Jogo da memória e jogo quebra-cabeça digital

Baseado na primeira etapa da Educação Patrimonial, a observação, que tem

o objetivo de despertar o interesse pelo objeto museológico, propomos o

desenvolvimento e aplicação do Jogo da Memória e Jogo Quebra-cabeça como

exercício de percepção.

Esta ação educativa além de propor a utilização do Sistema LIM, criado pelo

espanhol Fran Macías, possibilita a interação do jogador com o conteúdo proposto para

a realização de atividade interativa lúdica pela equipe educativa do museu utilizando

imagens, textos, sons e vídeos sobre o acervo. Sugerimos também que sejam criadas

parcerias para a viabilização de oficinas para professores interessados sobre Educação

Patrimonial e Produção de atividades interativas utilizando o Sistema LIM que é gratuito

e de fácil manipulação.

Neste espaço, o professor é convidado a se tornar autor de um livro virtual de

atividades que busquem despertar a observação e análise de seu aluno sobre o

patrimônio a ser apreciado.

Atividade interativa Jogo da Memória e Quebra-cabeça

Autores: Prof. Dr. Hermes Renato Hildebrand e Raquel Maia Mattos

Produção: Milene Mírian Araújo Monteiro Haiden6

Conteúdo: Cultura e Arte Tikuna: acervo museu Amazônico.

Objetivo: despertar o interesse do jogador para os elementos básicos da linguagem

visual que compõem as imagens do jogo, tais como formas, texturas, cores, etc.

Público: visitantes em fase escolar e interessados.

Faixa etária: a partir dos 07 anos de idade.

O jogo da memória (Figura 32) é formado por 06 imagens que se repetem do

patrimônio material do povo Tikuna que constituem acervo do museu. O software

utilizado para sua produção foi o EDILIM. Está exportado em formato HTML, que

pode ser manipulado off-line em qualquer computador.

6 Profa. Especialista em Tecnologia na Educação (UFAM) que atua na Gerência de

Tecnologia Educacional – GTE SEMED/Manaus.

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Modo de jogar: pode ser jogado individualmente ou em grupo. Para começar o

jogo cada participante deve na sua vez clicar com o mouse em cima de um dos

quadros a ser desvirado apresentando uma imagem da qual se deve descobrir seu

par. Ganha o jogo quem conseguir formar mais pares de imagens iguais.

O jogo quebra-cabeça (Figura 33) é formado por 01 imagem das máscaras do ritual

da Moça nova do povo Tikuna que constitui acervo do museu. O software utilizado

para sua produção foi o EDILIM. Está exportado em formato HTML, que pode ser

manipulado off-line em qualquer computador. Sonoplastia: aplausos.

Modo de jogar: deve ser jogado individualmente. Para começar o jogo, basta o

jogador arrastar com o mouse as peças para montar o quebra-cabeça. O desafio é

completar a imagem no menor tempo possível.

Material: 01 mesa para computador, 01 CPU, 01 estabilizador, 01 TV de LED de

50″ (para ser utilizado como monitor), 01 mouse, caixa de som.

Figura 32 - Mostra Jogo da memória digital Edilim Imagem: Raquel Mattos, 2014

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A partir das atividades interativas propostas, o monitor do museu ou

professor pode sugerir ao aluno visitante a análise e recriação dos objetos em

exposição através de releitura, pintura, desenho, escultura, produção de texto, partindo,

assim, para a etapa da apropriação cujo objetivo é envolver o observador de modo

afetivo.

3.3.3 Espaço Catamito: leitura e contação de histórias

Nossa sugestão é a criação de um espaço lúdico de mediação de leitura e

narração de histórias utilizando diferentes técnicas e recursos. Nesta sala, podemos

disponibilizar uma literatura diversificada sobre a cultura dos povos indígenas voltada

para o público infanto-juvenil. Dentre os livros que utilizamos para o desenvolvimento

desta pesquisa, gostaríamos de destacar, como fonte de informação para a produção e

desenvolvimento das ações educativas, o Livro das Árvores, uma belíssima obra

organizada por Jussara Gomes Gruber, escrita e ilustrada pelo povo Tikuna. Através

dos textos e desenhos apresentados numa linguagem poética, podemos perceber uma

Figura 33 - Mostra do jogo quebra-cabeça – Máscaras rituais Tikuna Imagem: Raquel Mattos, 2014

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estreita relação desse povo com seu meio ambiente, que vai muito além do seu

consumo. Os Tikuna reconhecem em seu território e em sua biodiversidade a base de

sua identidade cultural e através de suas memórias lhe atribuem valor imensurável. A

ideia inicial é que este ambiente possa ser utilizado para a leitura, debate e

apresentações artísticas sobre o imaginário dos diversos povos ali representados nos

livros e objetos expostos.

O texto a Samaumeira que escurecia o mundo, extraído do Livro das

Árvores, é uma fonte rica de informação sobre a compreensão de mundo do povo

Tikuna, nele é apresentado um trecho da mitologia que explica a origem do dia e o

surgimento do rio Solimões e seus afluentes:

A samaumeira que escurecia o mundo. No princípio, estava tudo escuro, sempre frio e sempre noite. Uma enorme samaumeira, wotchine, fechava o mundo, e por isso não entrava claridade na terra. Yo’i e Ipi ficaram preocupados. Tinham que fazer alguma coisa. Pegaram um caroço de araratucupi, tchã, e atiraram na árvore para ver se existia luz do outro lado. Através de um buraquinho, os irmãos enxergaram uma preguiça-real que prendia lá no céu os galhos da samaumeira. Jogaram muitos e muitos caroços e assim criaram as estrelas. Yo’i e Ipi ficaram pensando e decidiram convidar todos os animais da mata para ajudarem a derrubar a árvore. Mas nenhum deles conseguiu, nem pica-pau. Resolveram, então, oferecer a irmã Aicüna em casamento para quem jogasse formigas-de-fogo nos olhos da preguiça real. O quatipuru tentou, mas voltou no meio do caminho. Finalmente aquele quatipuruzinho bem pequeno, taine, consegui subir. Jogou as formigas e a preguiça soltou o céu. A árvore caiu e a luz apareceu. Taine casou-se com Aicüna. Do tronco da samaumeira caída formou-se o rio Solimões. De seus galhos surgiram outros rios e os igarapés.

A ação educativa Catamito tem o objetivo de “catar” os mitos e as lendas e

comunicá-los através da utilização de teatro de bonecos com todo seu potencial de

envolvimento e interação, proporcionando aos alunos um encontro lúdico, criativo e

encantador. A finalidade da ação é propor uma reflexão sobre a importância da

mitologia para as diversas etnias locais e a valorização desse conhecimento como

patrimônio cultural brasileiro.

Ao estimular visitantes e alunos de diversos níveis escolares a se

interessarem pela mitologia regional, acreditamos envolvê-los num contexto simbólico

de apropriação desses conhecimentos como patrimônio cultural, uma vez que a

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apropriação de um bem cultural, museológico ou fenômeno cultural só se inicia a partir

de seu real conhecimento e reconhecimento, sem preconceitos.

A ação educativa é composta por três momentos que se complementam:

Inicialmente é realizada uma conversa informal com perguntas abertas sobre: cultura,

patrimônio e mitologia. Este é um momento de diálogo, em que se leva em

consideração a opinião, experiências e compreensão dos temas abordados pelo grupo.

O aprofundamento dos termos é indicado posteriormente ao professor através de textos

sugeridos. No segundo momento, contamos uma história utilizando o teatro de bonecos

confeccionados pelo educador do museu. Por fim, convidamos alguém da plateia para

recontar a história incentivando a atenção, e, principalmente, a confecção do teatro com

sucatas em outros espaços como a escola. Em caso de tempo hábil, é proposta a

escolha e leitura de um texto e a confecção do teatro de bonecos de forma coletiva pelo

grupo visitante baseado na história lida, por fim elegemos um narrador para apresentar

o teatro de forma lúdica, prazerosa.

Ação educativa Catamito

Autores: Prof. Dr. Hermes Renato Hildebrand e Raquel Maia Mattos

Conteúdo: Cultura e Arte Tikuna: acervo museu Amazônico.

Objetivo: Incentivar à pesquisa, leitura, contação de histórias e apropriação da mitologia e

lendas regionais no âmbito museológico.

Público: visitantes em fase escolar e interessados

Faixa etária: a partir dos 07 anos de idade

Material: (01) projetor multimídia, (01) mesa para computador, (01) notebook, (01) mouse,

(01) caixa de som amplificada, (01) microfone sem fio, (01) mesa pequena, artefatos

indígenas, sucatas diversas higienizadas (papelão, garrafa pet, embalagens diversas), (02)

tesoura, (01) fita gomada, (02) cola, (01) pistola cola quente com silicone, TNT cores

variadas, (10 cx.) tinta guache cores variadas, (10) pincel de pêlo tamanho variado, (10)

papel cartão, (10) cartolina, (05) fita gomada.

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3.3.4 Curtacine: oficina de animação no museu

As etapas de observação e de registro da metodologia da Educação

Patrimonial podem ser propostas no primeiro momento da visitação ao acervo. Nesta

ocasião, o visitante é convidado a observar com atenção as peças expostas, desenhá-

las, pintá-las, medi-las, fotografá-las, produzir textos ou comentá-las oralmente.

Posteriormente os desenhos e as pinturas realizadas podem ser utilizados como

processo inicial da produção do storyboard, e os textos produzidos podem gerar novas

histórias e roteiros de curta de animação onde se manifesta a capacidade criativa e se

retoma o conhecimento adquirido com um julgamento de valor.

Para as visitações programadas, por exemplo: grupos escolares que

constituem o maior público visitante do museu, com horário definido para início e

conclusão, nossa proposta é a realização da ação educativa Curtacine: oficina de

animação. Esta atividade tem o objetivo de proporcionar oficinas de animação,

utilizando as técnicas Stop Motion e Pixilation como forma de interpretação e

comunicação do todo percebido e registrado durante a visitação ao acervo do museu.

A técnica de animação Stop Motion é o processo de animar objetos reais

como brinquedos e personagens de massinha de modelar, a partir do registro

fotográfico quadro a quadro que apresentado com maior velocidade e em sequência

cronológica nos dão a sensação de movimento, de vida. Enquanto a técnica de

animação Stop Motion utiliza seres inanimados em sua composição, para uma

produção utilizando a técnica Pixilation, são necessários seres vivos muita criatividade e

um toque de teatralização.

A produção de animação pode ser uma importante ferramenta na

apropriação dos objetos museológicos. Ao desenvolver uma animação o aluno visitante

é estimulado a observar, pesquisar, elaborar um roteiro, explorar materiais diversos,

criar, modificar e ressignificar suas percepções estabelecendo maior afinidade com

patrimônio em estudo.

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Curtacinema: oficina de animação no museu

Autores: Prof. Dr. Hermes Renato Hildebrand e Raquel Maia Mattos

Conteúdo: Cultura e Arte Tikuna: acervo museu Amazônico.

Objetivo: Proporcionar a apropriação do bem cultural em exposição através de uma

experiência lúdica de criação e produção de animação no âmbito museológico.

Público: visitantes em fase escolar e interessados

Faixa etária: a partir dos 07 anos de idade

Material para uma oficina para 30 cursistas: (05) câmera fotográfica digital, (30)

caixa de massinha de modelar colorida, (diversos) artefato e brinquedo indígena,

(05) tripé, (05) mesa pequena, (03) notebook, (03) mesa para computador, (01)

projetor multimídia para apresentação de vídeo, (03) mouse, (03) fone de ouvido,

(01) resma de papel sulfite, (30) lápis preto, (10) caixa de tinta guache colorida, (5)

fita adesiva, (12) DVD para gravação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No inicio da pesquisa deparamo-nos com uma situação inquietante, uma

exposição etnográfica com aproximadamente 300 peças confeccionadas por diversos

grupos indígenas da região amazônica. Em meio a tanta riqueza, chamou-nos a

atenção o descaso de um grupo de visitantes com o patrimônio cultural dos povos ali

representados. A partir desse fato, foram muitos os nossos questionamentos: o grupo

de visitantes não possuía experiências de visitação aos museus da cidade? A

exposição das peças não atraiu a atenção do grupo de visitantes de modo a despertar

maior interesse pelo tema abordado? O formato tradicional da exposição alcançou seu

objetivo? Seria possível desenvolver estratégias de envolvimento do público visitante

com a exposição?

Com certeza, as questões mencionadas apontam para o desenvolvimento de

várias pesquisas, no entanto, levando em consideração experiências de contato com

outros museus que utilizam de tecnologia para estimular a apreciação dos patrimônios

expostos pelo visitante de museu, concluímos que sim, é possível acrescentar algo a

mais aos museus da cidade de Manaus.

Neste sentindo, o objetivo dessa pesquisa foi estudar o processo de

musealização das máscaras utilizadas nos rituais do povo Tikuna as quais fazem parte

da exposição de longa duração do Museu Amazônico. O processo de musealização de

um objeto cultural se dá através de uma série de ações das quais fazem parte a

aquisição, pesquisa, conservação, documentação e comunicação. Este processo se

inicia a partir da extração do objeto de seu contexto e completa-se ao apresentá-lo

publicamente por meio de exposições, de atividades educativas e de outras formas

(Cury, 2005, p.26).

A aquisição das máscaras do ritual de iniciação feminino do povo Tikuna foi

através de doação e fazem parte da Coleção IBAMA e da Coleção Jacqmont. Mas,

embora o povo Tikuna seja atualmente considerado, segundo dados do Instituto

Socioambiental – ISA, um dos maiores e mais organizados grupos indígenas da região

Amazônica, deparamo-nos inicialmente com o grande desafio de “garimpar” uma

bibliografia especializada. A segunda maior dificuldade foi elencar, na escassez desses

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documentos, os principais aspectos gerais que ponderamos representativos sobre esse

povo levando em consideração sua miscigenação cultural oriunda de anos de contato

com as comunidades não indígenas que habitam seu entorno.

Constatamos, então, com a pesquisa realizada, que o povo Tikuna ainda

hoje enfrenta muitos desafios para preservar sua cultura e garantir sua sustentabilidade

econômica e ambiental. Organizados socialmente em metades exogâmicas

patrilineares, a condição de membro de um clã confere ao Tikuna sua identidade

cultural.

Nas artes, os Tikuna expressam uma enorme capacidade de resistência,

mantêm vivas suas memórias mitológicas e confeccionam seus suportes rituais com

complexa riqueza de detalhes. Dentre esses objetos rituais, destacamos suas máscaras

cerimoniais.

Com a assimilação das informações básicas, nosso desafio foi comunicar a

poesia contida na visão de mundo do povo Tikuna a partir do acervo de longa duração

exposto no museu Amazônico. Para isso apresentamos, neste trabalho, algumas

propostas de ações educativas que têm como finalidade a intervenção na exposição

atual propondo uma maior interação entre o conteúdo exposto e o visitante, para uma

apropriação de conhecimento e, consequentemente, a difusão e valorizar do patrimônio

cultural desse povo.

Em nenhum momento, tivemos aqui a pretensão de solucionar os problemas

que afligem as políticas administrativas de nossos museus, apenas concluímos que a

efetivação da pesquisa e a comunicação através de outros modos não tradicionais

podem de fato contribuir com a realização de uma visitação mais significativa para o

usuário dos museus da cidade de Manaus.

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