Funk, Relativismo e Etnocentrismo (Antropologia I)
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O Funk Como Cultura Popular
O funk é um estilo musical muito evidente e interessante de ser analisado na
nossa sociedade. Este estilo musical traz aspectos particulares, resistentes e
opositores em sua essência. Mesmo sendo visto com maus olhos, por ser
considerado exótico, desviante e não cultural, o funk é um movimento cultural
riquíssimo que podemos analisá-lo sobre vários aspectos.
Antes de tudo vamos definir o funk como um estilo musical de cultura
popular. Popular, no sentido que foi empregado, é característica da classe
dominada, em oposição ao erudito, que é característica da classe dominante dentro
da sociedade. É aí que está o ponto sustentador de todos os argumentos a serem
expostos aqui.
A cultura só é popular se houver um grupo que a defina assim. Nesse meio
de oposição entre o popular e o erudito as coisas são definidas e defendidas por
interesses próprios de cada agrupamento cultural. Mas no caso, o popular é
legitimado, ou seja, definido e autenticado pelo erudito, pois o erudito está no
comando, logo o erudito mantém uma postura etnocêntrica nesse sistema.
Entretanto, não necessariamente, o funk, por estar numa posição de
dominado, é utilizado pelas classes dominantes como meio alienador dos indivíduos
de certa comunidade.
O aspecto alienador é apenas um ponto de vista sobre essa subcultura, já
que a “consciência” é apenas uma virtude dos dominantes. Outra virtude imposta
sobre o funk é o casamento e os “valores de família” que são agredidos (melhor,
quebrados) nesse movimento cultural popular. A realidade do meio social onde é
produzido o funk é outra.
Entretanto, como estamos numa sociedade de valores burgueses, tudo é
visto a olhos burgueses (como um europeu olhava aos “selvagens”). O funk recebe
características machistas, ultrapassadas e de não possuir criatividade. As rádios,
numa quantidade generalizante, não tocam esse tipo de música e os críticos (que
são os detentores da autoridade de dizer “isto é arte, aquilo não”) repudiam o funk,
pondo aquelas pessoas que o ouvem numa posição de sem cultura, que tem
péssimo gosto ou não entende de cultura. Alguns dizem que estamos em épocas
que se consome muita besteira – besteira para os interesses burgueses. As
instituições são burguesas (hospital, escola, tribunal), quase tudo que parece ser
essencial para nós é burguês.
Há dois mundos: um que tem o controle e outro que foge das imposições
deste. Então, na balança as coisas tornam-se desfavoráveis e nebulosas para as
pessoas envolvidas no contexto em que é ouvido e apreciado o funk, quando elas
tentam se apropriar de coisas burguesas e inserirem a si próprias no tal meio? Por
exemplo, um garoto de uma comunidade pobre está habituado a ouvir e apreciar o
funk, mas como aquilo é contrário aos valores burgueses, ele terá problemas na
adaptação (seja linguística, ideológica ou moral). É como se fosse uma esfera dentro
duma outra maior e abas têm diferenças relevantes. Há certa incompatibilidade em
determinados pontos de cada subcultura inerente aos estilos musicais e suas
ideologias, que refletem assim, nas posições tomadas por parte destes indivíduos.
Tanto que, com certo policiamento, podemos chamar: “mundo do funk”, da música
eletrônica, clássica, do reagae.
Entretanto evitemos uso de catequeses.
Não se pretende usar de sensacionalismos, mas essa subcultura vai além
do contexto imaginado. Além do sensacionalismo deve-se, também, evitar dizer que
o popular é imposto.
Esse balanço inicial dominante/dominado serve apenas para abrir uma
reflexão cultural a respeito do funk. Não é pretendido, aqui, fazer-se de uso duma
análise política ou socioeconômica em torno do funk, mas duma sondagem cultural.
Na antropologia não existe cultura popular e erudita, existe apenas variações
culturais. Logo, não se pode julgar certo estilo musical como o melhor ou o mais
correto e/ou racional. Essa divisão é apenas mais uma dentre tantas que têm o
objetivo de justificar a imposição.
Para ilustrar peguemos uma letra de funk carioca:
Muita polêmica, muita confusão.
Resolvi parar de cantar palavrão.
Por isso, negão, vou cantar essa canção...
Quando eu te vi de patrão, de cordão, de R1 e camisa azul,
Logo encharcou minha xota e ali percebi que piscou o meu cu.
Eu sei que você já é casado, mas me diz o que fazer.
Porque quando a piroca tem dona é que vem a vontade de fuder.
Então mama, pega no meu grelo e mama
Me chama de piranha na cama
Minha xota quer gozar, quero dar, quero te dar.
(Valesca Popozuda part. MC Catra)
Essa composição, com certeza não caiu legal para aquelas pessoas que não
estão inseridas no mundo do funk. Tachar-lhe-ão de imoral e destruidor da moral e
dos bons costumes, sendo muitas vezes punidos por conta desse juízo de valor.
Nos dois tópicos seguintes será abordado, de forma mais profunda, quais as
consequências dessa moralização, de certa forma defensiva, e quão essas
conclusões são precipitadas.
Podemos considerar essa visão de juízos como etnocêntrica, sobre o funk.
Mesmo desta forma, o funk não é algo totalmente estranho para as pessoas que têm
essa visão da coisa, pois essa subcultura, como todas as outras existentes num
contexto mais abrangente, coexiste com várias diferentes.
Todo esse processo de dominação e estranheza frente ao funk é algo
transitório, pois a cultura, como as subculturas, sempre está sendo reinventada. O
que é popular hoje pode ser erudito amanhã, assim como o erudito pode tornar-se
popular. Um exemplo disso, distanciando por um momento do meio musical, é o
futebol. O futebol, quando chegou ao Brasil, era um esporte essencialmente elitista,
logo podemos chamá-lo de erudito. Mas depois houve um processo de
popularização, até chegar o ponto de o futebol tornar-se popular.
Nem sempre, também, o popular é oposto ao erudito. Pois há momentos em
que o que é característico na cultura dominante, também é na dominada.
Música clássica é feita apenas na classe dominante para ela mesma? Não.
Estilos musicais nem sempre definem o que é erudito ou popular. Há certos estilos
musicais considerados clássicos que possuem um público popular. E também há em
certas músicas traços de erotismo, mas nem por isso deixam de ser eruditas (por se
acreditar, principalmente por parte da classe dominante, que nessas músicas há um
conhecimento e técnicas muito trabalhadas, logo, superiores).
Então, conclui-se que o popular e o erudito são baseados em interesses de
grupos culturais (ou classes, se preferires), portanto é uma segmentação relativa e
transitória. Os valores podem ser revistos, os interesses podem ser outros. Tudo que
é produzido pelo homem é cultura.
Referências:
VIANA, H. O Baile Funk Carioca: Festas e Estilos de Vida
Metropolitanos. 1987. 151 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu
Nacional, Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1987.
VIANA, H. Funk e Cultura Popular Carioca. In: Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, vol. 3, n. 6, 1990, p. 244-253.
SANTOS, J.L. dos. O Que é Cultura. São Paulo: Brasiliense, 2006. 110 p. (Coleção Primeiros Passos).
MELLO, M.; LEMOS, J. Segura o Funk. Superinteressante, São Paulo, v. 163, p. 72-76, abril, 2001.
COLI, Jorge. O Que é Arte. São Paulo: Editora Brasiliense, 1995. 131 p. (Coleção Primeiros Passos).
GUIMARÃES, E. O Que é Etnocentrismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. 96 p. (Coleção Primeiros Passos).
ARANTES, A. O Que é Cultura Popular. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980. 88 p. (Coleção Primeiros Passos).