Futebol bailarino - Diário de S. Paulo

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DIÁRIO DE S. PAULO - DOMINGO / 4 DE MAIO DE 2014 22 ENTREVISTA Vadão_ Técnico da seleção feminina ‘Estou indo para o futebol, não é vôlei ou basquete’ esportes FUTEBOL FEMININO Futebol Arthur Stabile Especial para o DIÁRIO Carolina tinha apenas 11 anos de idade quando decidiu ser jo- gadora de futebol. O pai dela, Oswaldo Alvarez, agiu como a maioria e não deixou sua me- nina calçar chuteiras. Esta po- deria ser só mais uma história frustrada de uma garotinha, a não ser por se tratar de Carolina Alvarez, filha do treinador Va- dão, que assumiu na última se- gunda-feira o comando da se- leção feminina de futebol. “Quando era pequena, quis ser jogadora, mas meu pai não deixou. Ele dizia: ‘Minha filha não jogará, é um meio muito complicado’”, explica Caroli- na, reconhecendo a curiosida- de da história. Vadão decidiu, então, “recompensar” a filha. “Ele acabou me colocando no balé”, conta ela, hoje com 30. Passados quase 20 anos des- de o “não” à filha, ele disse “sim” pa- ra dirigir as meni- nas do Brasil. E com direito a uma iro- nia: depois de tu- do, Carolina virou assessora de im- prensa do pai. A resposta negativa no passado não dei- xou mágoas. Ela tem “certeza absoluta” de que o no- vo desafio de Vadão dará certo. E vai além: “As meninas do Brasil estão ganhando um pai”. INÍCIO/ Agora, Oswaldo Alvarez terá pela frente o desafio de re- novar a seleção nacional. E a fa- se atual da equipe é tão desafia- dora quanto o papel de coman- dar mulheres em campo. “No Brasil, o futebol feminino não tem incentivo. São poucas equipes e os clubes que criaram times acabaram desistindo, co- mo o Santos. Nos últimos anos, não houve reformulação e a se- quência fica comprometida”, lamenta-se Vadão. Para ele, que há 22 anos só treinou ho- mens, a maior dificuldade na mudança de ares será descobrir onde garimpar novos talentos. O novo trabalho já começou. Entre 12 e 26 de abril, a seleção feminina sub-20 passou por treinamentos em Volta Redon- da (RJ), todos eles observados de perto pelo novo técnico. A estreia do treinador no co- mando das meninas será con- tra a França, na Guiana Francesa, no dia 11 de junho. Arquivo pessoal/Carolina Alvarez Novo treinador da seleção feminina de futebol, Vadão não deixou sua filha ser jogadora na infância. Assim, Carolina acabou no balé... Desafio será renovar geração campeã n A nova fase da carreira aparece como uma das mais desafiadoras para Vadão. A missão do ex-téc- nico de Corinthians, São Paulo, Portuguesa, entre outros, será renovar uma geração de atletas campeãs e hoje já veteranas. “A queda de rendimento do ti- me é uma das preocupações. Sem estudar, falando superficial- mente e de fora, como torcedor. Agora, vou me infiltrar na catego- ria. Tivemos uma safra muito boa, maravilhosa, numa época em que outros países não estavam tão bem”, afirma o novo comandante. Nomes conhecidos como Mar- ta, Cristiane e Formiga darão, em breve, lugar a Laisy, Cássia e Byanca, atletas do sub-20, que disputará o Mundial da categoria em agosto. Se hoje são desco- nhecidas, as jogadoras buscam virar as novas campeãs. “Antes, o Brasil sempre estava nas finais. O René (Simões) con- quistou medalha de prata na Olimpíada de Pequim”, relembra- se Vadão. “A partir de agora, eu começo de verdade.” MINHA FILHA, NÃO! Vadão assumiu o comando da seleção feminina. Porém, quando a sua filha era pequena (acima), o treinador não deixou que ela se tornasse jogadora. Em troca, Carolina acabou inscrita em aulas de balé bailarino ENFIM, O AUGE “Feminina ou masculina, todo treinador tem o sonho de chegar à seleção. E eu cheguei” _Vadão, novo comandante da seleção feminina de futebol DIÁRIO_ Como foi aceitar o comando do time feminino? VADÃO_ Independentemente de ser feminina ou masculina, todo treinador tem o sonho de chegar à seleção. E eu cheguei. O futebol feminino é um fato novo na minha carreira, nunca trabalhei com mulheres. O trabalho pode ser compro- metido por isso? Sou sempre bem franco, com homens ou mulheres. Tenho um casamento de 33 anos. Cla- ro que há diferenças de trata- mento entre esposa e atletas, mas acho difícil não dar certo. Mesmo sendo o feminino, eu estou indo para o futebol. Não é vôlei ou basquete. Terá ajuda na adaptação? O próprio Márcio (Oliveira, ex- treinador da seleção), como in- formante. Ele se colocou à dis- posição. Outro é o Fabrício (Maia), auxiliar técnico da Fer- roviária. Ele conhece muito do futebol feminino em São Paulo. Acredito que essa adaptação vai ser rápida, pela experiência que eu tenho no futebol e pela motivação diferente. Treinar a jogadora Marta é também um incentivo? É um privilégio treinar a Marta. Só não levei ela para as minhas equi- pes do masculino porque não poderia. Já treinei o Kaká e o Rivaldo, os dois foram melhores do mundo. A Marta será a ter- ceira dessa lista. Divulgação

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Como novo técnico da Seleção Brasileira de Futebol Feminino, Vadão fala sobre o desafio na carreira e o privilégio de treinar Marta.

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DIÁR IO DE S. PAULO - DOMINGO / 4 DE MAIO DE 201422

E N T R E VISTAVadã o _ Técnico daseleção feminina

‘Estou indo parao futebol, não évôlei ou basquete’

esportes FUTEBOL FEMININO

F u teb ol

Arthur StabileEspecial para o DIÁRIO

Carolina tinha apenas 11 anosde idade quando decidiu ser jo-gadora de futebol. O pai dela,Oswaldo Alvarez, agiu como amaioria e não deixou sua me-nina calçar chuteiras. Esta po-deria ser só mais uma históriafrustrada de uma garotinha, anão ser por se tratar de CarolinaAlvarez, filha do treinador Va-dão, que assumiu na última se-gunda-feira o comando da se-leção feminina de futebol.

“Quando era pequena, quisser jogadora, mas meu pai nãodeixou. Ele dizia: ‘Minha filhanão jogará, é um meio muitocomplicado ’”, explica Caroli-na, reconhecendo a curiosida-de da história. Vadão decidiu,então, “re comp ensar” a filha.“Ele acabou me colocando nobalé ”, conta ela, hoje com 30.

Passados quase 20 anos des-de o “nã o ” à filha,ele disse “sim ”pa -ra dirigir as meni-nas do Brasil. E comdireito a uma iro-nia: depois de tu-do, Carolina virouassessora de im-prensa do pai. Aresposta negativano passado não dei-xou mágoas. Ela tem“certeza absoluta”de que o no-vo desafio de Vadão dará certo.

E vai além: “As meninas doBrasil estão ganhando um pai”.

INÍCIO/ Agora, Oswaldo Alvarezterá pela frente o desafio de re-novar a seleção nacional. E a fa-se atual da equipe é tão desafia-dora quanto o papel de coman-dar mulheres em campo.

“No Brasil, o futebol femininonão tem incentivo. São poucasequipes e os clubes que criaramtimes acabaram desistindo, co-mo o Santos. Nos últimos anos,não houve reformulação e a se-quência fica comprometida”,lamenta-se Vadão. Para ele,que há 22 anos só treinou ho-mens, a maior dificuldade namudança de ares será descobrironde garimpar novos talentos.

O novo trabalho já começou.Entre 12 e 26 de abril, a seleçãofeminina sub-20 passou portreinamentos em Volta Redon-da (RJ), todos eles observadosde perto pelo novo técnico.

A estreia do treinador no co-mando das meninas será con-

tra a França, na GuianaFrancesa, no dia 11

de junho.

Arquivo pessoal/Carolina Alvarez

Novo treinador da seleção feminina de futebol,Vadão não deixou sua filha ser jogadora nainfância. Assim, Carolina acabou no balé...

Desafio será renovar geração campeãn A nova fase da carreira aparececomo uma das mais desafiadoraspara Vadão. A missão do ex-téc-nico de Corinthians, São Paulo,Portuguesa, entre outros, serárenovar uma geração de atletascampeãs e hoje já veteranas.

“A queda de rendimento do ti-me é uma das preocupações.Sem estudar, falando superficial-

mente e de fora, como torcedor.Agora, vou me infiltrar na catego-ria. Tivemos uma safra muito boa,maravilhosa, numa época em queoutros países não estavam tãobem”, afirma o novo comandante.

Nomes conhecidos como Mar-ta, Cristiane e Formiga darão, embreve, lugar a Laisy, Cássia eByanca, atletas do sub-20, que

disputará o Mundial da categoriaem agosto. Se hoje são desco-nhecidas, as jogadoras buscamvirar as novas campeãs.

“Antes, o Brasil sempre estavanas finais. O René (Simões) con-quistou medalha de prata naOlimpíada de Pequim”, relembra-se Vadão. “A partir de agora, eucomeço de verdade.”

MINHA FILHA, NÃO!Vadão assumiu o comandoda seleção feminina.Porém, quando a sua filhaera pequena (acima), otreinador não deixou queela se tornasse jogadora.Em troca, Carolina acabouinscrita em aulas de balé

ba i la r i no

ENFIM, O AUGE

“Feminina ou masculina, todo treinador temo sonho de chegar à seleção. E eu cheguei”_Vadão, novo comandante da seleção feminina de futebol

DIÁRIO_ Como foi aceitar ocomando do time feminino?VADÃO_ Independentementede ser feminina ou masculina,todo treinador tem o sonho dechegar à seleção. E eu cheguei.O futebol feminino é um fatonovo na minha carreira, nuncatrabalhei com mulheres.

O trabalho pode ser compro-metido por isso?Sou sempre bem franco, comhomens ou mulheres. Tenhoum casamento de 33 anos. Cla-ro que há diferenças de trata-mento entre esposa e atletas,mas acho difícil não dar certo.Mesmo sendo o feminino, euestou indo para o futebol. Não évôlei ou basquete.

Terá ajuda na adaptação?O próprio Márcio (Oliveira, ex-treinador da seleção), como in-formante. Ele se colocou à dis-posição. Outro é o Fabrício(Maia), auxiliar técnico da Fer-roviária. Ele conhece muito dofutebol feminino em São Paulo.Acredito que essa adaptaçãovai ser rápida, pela experiênciaque eu tenho no futebol e pelamotivação diferente.

Treinar a jogadora Marta étambém um incentivo?

É um privilégio treinar aMarta. Só não levei ela

para as minhas equi-pes do masculinoporque não poderia.Já treinei o Kaká e oRivaldo, os doisforam melhoresd o m u n d o . AMarta será a ter-ceira dessa lista.

D i v u l ga çã o