G. W. F. Hegel - Estética - Introdução

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    CURSO DE ESTETICA

    o BELO NA ARTEG.W F . Hegel

    TraducaoORLANDO VITORINO

    M artin s F on tess ao P au lo 1996

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    INTRODU{:AO

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    A CONCEP9AO OBjE71VA DA ARTE

    Definicoes gerais1. Relacoes entre 0bela artistico e 0bela natural

    Esta obra e dedicada a estetica, quer dizer: a filosofia, aciencia do bela, e, mais precisamente, do bela artistico, poisdela se exclui 0bela natural. Para justificar esta exclusao, po-deriamos dizer que a toda ciencia cabe 0direito de se defi-nir como queira; nao e , porem, em virtude de uma arbitra-ria decisao que s6 0bela artistico e 0objeto escolhido pelafilosofia.o habito que temos de, na vida cotidiana, falar de urnbela ceu, de uma bela arvore, de urn bela homem, de umabela demonstracao, de uma bela cor etc. leva-nos a ver comodefinicao arbitraria a qual exclui 0bela natural. Nao podemosagora examinar a questao de saber se ha razao em qualificarde belos objetos da natureza como 0ceu, 0som, a cor etc., setais objetos merecem em geral aquela qualificacao ese, porconseguinte, na mesma definicao deveremos abranger 0belanatural e 0bela artistico. Segundo a opiniao corrente, a belezacriada pela arte seria muito inferior a da natureza, e 0maiormerito da arte residiria em aproximar as suas criacoes do belanatural. Se, na verdade, assim acontecesse, ficaria excluida daestetica, compreendida como ciencia unicamente do belaartistico, uma grande parte do dominio da arte. Mas, contraesta maneira de ver, julgamos n6s poder afirmar que 0belaartistico e superior ao bela natural por ser urn produto do

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    4 INTRODU9AOespirito que, superior a natureza, comunica esta superioridadeaos seus produtos e, por conseguinte, a arte; por isso e 0belaartistico superior ao belo natural. Tudo quanta provern doespirito e superior ao que existe na natureza. A pior das ideiasque perpasse pelo espirito de um homem e melhor e mais ele-vada do que uma grandiosa producao da natureza - justa-mente porque essa ideia participa do espirito, porque 0espiri-tual e superior ao natural.Examinando de perto 0conteudo do bela natural, 0Solpor exemplo, deparamos com um momenta absoluto, essen-cial, na existencia, na organizacao da natureza, ao passo que arna ideia e algo de passageiro e fugidio. Mas, quando assimconsideramos 0Sol do ponto de vista da sua necessidade e dafuncao necessaria que ele desempenha no conjunto da nature-za, excluimos a beleza, como que nos abstraimos dela, paraapenas repararmos na existencia necessaria do Sol. Ora, s6 0esplrito engendra 0belo artistico, que, como produto do espi-rito, e superior a natureza.Bem sabemos que su perio r e um qualificativo vago. E, aodizermos que 0belo artistico e superior ao bela natural, con-vern precisar 0que por isso entendemos. 0 comparativo supe-rior apenas indica uma diferenca quantitativa, isto e , nada sig-nifica. 0 que esta acima de uma coisa difere dessa coisa s6 nodominio espacial, podendo ser-lhe identico em outros domi-nios. Ora, a diferenca entre 0bela artistico e 0belo naturalnao e uma simples diferenca quantitativa. A superioridade dobelo artistico provern da participacao no espirito e, portanto,na verdade, se bem que aquilo que existe s6 exista pelo quelhe e superior, e s6 grar;,:asa esse superior e 0que e e possui 0que possui. S6 0espirito e verdade. S6 enquanto espiritualida-de existe 0que existe. 0 bela natural sera, assim, um reflexodo espirito, pois s6 e belo enquanto participante do espiri-to, e dever-se-a conceber como um modo imperfeito do espi-rito, como um modo contido no espirito, como um modo pri-vado de independencia e subordinado ao espirito.A definicao que propusemos para a nossa ciencia nadatem, pois, de arbitraria, 0 bela produzido pelo espirito e 0objeto, a criacao do espirito, e toda criacao do espirito eum objeto a que nao se pode recusar dignidade. No cerneda nossa ciencia, vamos pois estudar as relacoes entre 0bela

    A CONCEP9AO OBJE17VADA ARTE 5artistico e 0belo natural, questao na verdade muito importan-teo Basta-me, por agora, afastar a acusacao de arbitrariedade aodeterminar que s6 e bela 0que possui expressao artistica, 0que e criacao do espirito, e que s6 enquanto relacionado como espirito ao natural se pode atribuir a beleza. Tudo quanto,em suma, queremos dizer e que as relacoes entre as duas va-riedades da beleza nao sao as de simples vizinhanca,Podemos, pois, precisar 0objeto do nosso estudo dizen-do-o formado pelo dominic do bela e, com maior rigor, pelodominio da arte.Nao ha situacao da vida em que nao intervenha a beleza,genic amigavel com que nos encontramos sempre. Basta-nosolhar a nossa volta e perguntarmo-nos onde, como, em queforma este genio se nos apresenta para 0encontrarmos vincu-lado por laces remotos e intimos a religiao e a filosofia. Sem-pre a arte foi para 0homem instrumento de consciencializacaodas ideias e dos interesses mais nobres do espirito. Foi nasobras artisticas que os povos depuseram as concepcoes maisaltas, onde as exprirniram e as consciencializaram. A sabedoriae a religiao concretizaram-se em formas criadas pela arte, quenos oferece a chave para decifrar 0segredo da sabedoria e dareligiao dos povos. Religioes ha em que a arte foi 0unicomeio que a ideia nascida no espirito utilizou para se tornarobjeto de representacao. Este e 0problema que vamos sub-meter a um exame cientffico ou, antes, filos6fico-cientifico.

    2. 0 ponto de partida da esteticaA questao inicial que se nos apresenta e a seguinte: poronde iremos abordar a.nossa ciencia, que nos ira servir de intro-ducao na filosofia do belo? Claro que e impossivel abordar umaciencia sem preparacao, que e sobretudo necessaria quando setrata de uma ciencia cujo objeto seja de ordem espiritual.Qualquer que seja 0objeto de uma ciencia e qualquerque seja a pr6pria ciencia, em dois pontos se deve demorar anossa atencao: um, 0de que tal objeto existe, outro, 0de sa-ber aquila que ele e .Nas ciencias ordinarias, 0primeiro ponto nao oferece ne-nhuma dificuldade. Pareceria ate ridicule exigir a geometria a

    demonstracao da existencia de um espar;,:o, de triangulos, de

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    6 IN7RODU(:AO A CONCEP(:AO OBJETIVA DA ARTE 7quadrados etc.; exigir a fisica a demonstracao da existencia doSol, das estrelas, dos fenomenos magneticos etc. Em cienciascomo estas, que se ocupam daquilo que existe no mundo sen-sivel, esta na experiencia exterior a origem dos objetos quenao e preciso demonstrar, mas que basta mostrar. Mas ja emcertas disciplinas, nao filosoficas ate, podem surgir duvidasquanto a existencia dos seus objetos, como, por exemplo, empsicologia, na doutrina do espirito, pode-se, evidentemente,perguntar se existe uma alma, um espirito, isto e, entidadessubjetivas, imateriais, tal como, em teologia, se pode perguntarse Deus existe. Quando e subjetiva a naturezados objetos,quer dizer, quando os objetos existem no espirito, nao fazemparte do mundo do material sensivel, sabemos que existem noespirito como produtos da propria atividade espiritual. Variaseventualidades surgem entao: a atividade do espirito ou se tra-duziu na formacao de representacoes e intuicoes internas ouse manteve esteril; e, no primeiro caso, aquelas formas podemtarnbem ter desaparecido ou degenerado em representacoespuramente subjetiuas a cujo conteudo nos e vedado atribuirum ser em si e para si. A realizacao de uma ou outra destaseventualidades vira entao a depender apenas do acaso. Eassim e que, par exemplo, 0 bela muitas vezes aparece na re-presentacao nao como necessario em si e para si, mas comoorigem acidental de mera adesao subjetiva. Mesmo as intui-coes, observacoes e percepcoes externas frequentemente saoenganadoras e erroneas; com mais forte motivo 0serao as re-presentacoes intemas ate que possuama vivacidade irresistivelque nos arrasta a paixao,

    Esta duvida quanta a saber se urn objeto da representacaoe da intuicao intemas existe ou nao existe de urn modo geral,assim como 0acaso que preside a formacao desta representa-cao ou intuicao na consciencia subjetiva e a sua correlacao ounao-correlacao com 0 objeto enquanto ser em si e para si sao aduvida e 0 acaso que justamente despertam a mais nobre exi-gencia cientifica de, perante a propria existencia de urn obje-to, demonstrar a sua necessidade.

    Uma vez realizada esta demonstracao, de urn modo verda-deiramente cientifico, logo ela implica a resposta a uma outraquestao: a de saber 0que e 0 objeto. Insistir neste ponto seria

    alongarmo-nos demasiado; por isso nos limitaremos as obser-vacoes seguintes.

    Sao as ciencias filosoficas as que mais solicitam uma intro-ducao, visto que nas outras ciencias se conhecem 0 objeto e 0metodo: deste modo, as ciencias naturais tern 0 objeto naplanta ou no animal, e a geometria, no espaco,o objeto de uma ciencia natural e, pois, algo de dado quenao necessita definicao nem rigor. 0 mesmo acontece com 0rnetodo, definitivamente fixado e por todos admitido. Pelocontrario, as ciencias sobre produtos do espirito solicitam umaintroducao, urn prefacio. Quer se trate do direito, da virtude,da moralidade, etc., quer se trate do belo, nunca 0 objeto pos-sui as determinacoes tao firmemente estabelecidas e tao geral-mente aceitas que dispensem que urn trabalho previo lhes sejaespecialmente dedicado.A solicitacao deste trabalho na esteti-ca, por exemplo, apresenta-se logo que consideramos, umaapos outra, as diferentes concepcoes do belo, que revemos osdiferentes pontos de vista e as diversas categorias aplicadas aobelo, os analisamos e os confrontamos racionalmente com oselementos que possuimos para tentar extrair 0 conceito e ob-ter uma definicao do belo. Com este fito, devemos utilizar asideias que ja possuimos para ver se 0 conceito demandadonao promanara da mesma introducao,

    justifica-se este processo porque, como dissemos, a consi-deracao filosofica de urn objeto nada tern de comum com 0raciocinio vulgar, seus silogismos, sua sucessao de ideias, etc.Urna ciencia filosofica tern de afastar os pontos de vista e osprocessos adotados pelas outras ciencias, e elaborar ela mes-rna 0seu proprio conceito e jusrifica-Io.

    Pode acontecer que, no decorrer da meditacao filosofi-ca de urn assunto, outras sucessoes de ideias, outras repre-sentacoes e concepcoes venham ocupar 0primeiro lugar esubstituir 0 puro metodo da filosofia. Ainda assim e precisoque estas ideias, representacoes e concepcoes incluam ele-mentos de necessidade e nao constituam produtos mera-mente arbitrarios, acidentais, sem consistencia e sem futu-ro. Quando isso acontece, temos 0 recurso de renunciar arepresentacao exterior, como corneco, para abordarmos direta-mente a propria coisa.

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    8 INTRODU(:AO A CONCEP(:AO OBjETIVA DA ARTE 9Tambem acontece que toda a ciencia particular, quandoconsiderada como ciencia filos6fica, apresenta ligacoes com

    uma ciencia antecedente. Corneca ela pelo conceito de urnobjeto determinado, por urn conceito filos6fico determinadomas que se deve ja ter revelado como necessario. Tudo 0quefor pressuposto devera se-lo de tal modo que se imponhacomo necessario, Em filosofia, nao podemos invocar represen-tacoes a partir de principios que nao resultem de uma antece-dente elaboracao, A necessidade das pressuposicoes deveestar provada e demonstrada, pois a filosofia s6 aceita 0quepossua 0carater de necessidade, isto e, tudo nela deve apare-cer com 0valor de urn resultado.

    A filosofia da arte constitui urn capitulo necessario noconjunto da filosofia, e e integrada neste conjunto que podeser compreendida. S6 assim a sua existencia e suscetivel dedemonstracao e justificacao, pois demonstrar algo e mostrar asua necessidade. Esta dernonstracao, que viria a reconstituir aformacao da filosofia a partir do seu conceito, nao esta nosnossos prop6sitos. Propomo-nos apenas considerar a filosofiada arte de urn modo tematico, que e 0modo de considerar se-paradamente qualquer ciencia filos6fica. No seu conjunto eque a filosofia nos da 0conhecimento do universo como tota-lidade organica, totalidade que se desenvolve a partir do con-ceito e que, nada perdendo do que faz dela urn conjunto, urntodo cujas partes estao unidas pela necessidade, a si mesmaregressa e no regresso a si mesma forma urn mundo de verda-de. Cada parte, na coroa assim formada pela necessidade cien-tffica, representa urn circulo regressando a si mesmo sem ces-sacao das relacoes de necessidade com as outras partes; erepresenta nao s6 urn aquem donde extrai a origem comourn alern que de novo a atrai, assim engendrando, no seio fe-cundo, os elementos novos com que enriquece 0conheci-mento cientifico. Nosso prop6sito atual nao consiste, pois, emdemonstrar a ideia do belo como urn resultado necessariodeduzido dos pressupostos preliminares a ciencia que ne-les se formou, mas em seguir 0desenvolvimento enciclopedi-co da totalidade da filosofia assim como 0das suas discipli-nas particulares. Pensamos n6s que 0conceito do bela eda arte e urn pressuposto advindo do sistema da filosofia. Mas

    porque e impossive! examinar agora este sistema e as suasrelacoes com a arte ficamos distanciados do conceito cien-tifico do be!o, e temos de nos contentar em conhecer seusdiversos elementos e aspectos tais como se encontram ou fo-ram anteriormente concebidos nas diversas representacoes dobelo artistico pertencentes a consciencia VUlgar. Partindo des-tas representacoes, havemos de chegar a concepcoes maisfundamentadas que logo nos permitirao formar uma ideia ge-ral do nosso objeto e adquirir, mediante uma rapida analisecritica, urn conhecimento compreensivo das deterrninacoesmais e!evadas que se nos virao a deparar. Deste modo, nossaultima consideracao introdutoria sera, simuitaneamente, umaintroducao ao exame da coisa mesma e urn meio de orienta-~ao para 0objeto do nosso interesse que vai passar a absor-ver-nos toda a atencao.

    Uma vez isolada esta ciencia, vamos agora comecar demodo direto; nao a podemos dar como urn resultado, vistoque nao consideramos os antecedentes. Por isso, comecamospor encontrar uma unica representacao perante nos: a de queha obras de arte. Esta representacao geral e suscetivel de nosfornecer urn ponto de partida apropriado. Comecaremos porformar uma ideia clara desta representacao e dos pontos devista de onde precedentemente era considerada, Isso nospermitira verificar e justificar a representacao geral e mostrar asrelacoes que ela apresenta com 0conteudo e com 0lade mate-rial da arte.

    Temos na arte urn particular modo de manifestacao doespirito: dizemos que a arte e uma das formas de rnanifestacaoporque 0espirito, para se realizar, pode servir-se de rnultiplasformas. 0 modo particular da rnanifestacao do espirito consti-tui, essencialmente, urn resultado. A investigacao do caminhoseguido ate uma forma particular e a demonstracao da necessi-dade desta forma pertencem ao dorninio de uma outra ciencia,que previamente deve ter side tratada. Assim e que nunca a fi-losofia, ao comecar qualquer assunto, procede como se essefosse urn comeco direto, antes 0apresenta como uma deriva-cao, como algo ja demonstrado, a filosofia exige a provacao deque 0ponto de vista escolhido se impoe como necessario, E apr6pria filosofia que exige, para 0comeco, para 0conceito da

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    10 INIRODU(:AO A CONCEP(:AO OBJEl1VA DA ARTE 11arte, urn antecedente, a fim de que esse conceito seja urn re-sultado demonstrado, urn ponto de chegada necessario, Pode-mos dizer que nao ha, em ciencia, comeco absoluto, Por co-meco absoluto entende-se muitas vezes urn comeco abstrato,urn comeco que ndo passa de comeco. Mas, sendo a filosofiauma totalidade, como tal tern 0seu comeco em tudo. Ora, es-sencialmente, em tudo este comeco e urn resultado. E precisoconceber a filosofia como urn circulo regressando a si mesmo.

    Considerando que s6 vamos tratar de uma parte da filoso-fia, e nao dos seus antecedentes, somos portanto obrigados aprecisar, nesta introducao, 0ponto de vista em que nos decidi-mos situar. Como sao representacoes da nossa consciencia osantecedentes que podemos utilizar, a elas iremos ligar osesdarecimentos do nosso ponto de vista; comecemos, pois,pelas representacoes que possuimos.

    Numa primeira introducao, e pelo menos de urn modo ge-ral, mostraremos a mane ira por que vamos estudar 0nossoassunto, por mais nao seja do que pela oposicao em queela se encontra com as outras maneiras de 0tratar. Em segun-do lugar, procuraremos, nas representacoes que possuimos,aqueles elementos que sejarn suscetiveis de nos fornecer osmateriais para a construcao do conceito. Quer dizer que naodeixaremos as representacoes na forma em que as encontra-mos, mas conferiremos ao seu conteudo 0que for necessarioe essencial para 0conceito filosofico. Em contrapartida, cons-tituirao as outras partes da filosofia a introducao verdadeira-mente cientifica. Comecaremos, portanto, pela exposicao danossa maneira de tratar 0assunto para, em seguida, examinar-mos as determinacoes em relacao com 0conteudo.

    Propunha-me eu, no que acabo de dizer, mostrar comodeve ser feita a introducao a uma ciencia filos6fica. Nao podeela ser completa, porque uma introducao completa seria ja aoutra parte, 0conjunto da filosofia. Ora, 0que nos interessaaqui e a parte e nao 0conjunto. Para esclarecer este ponto devista, temos de nos voltar para as representacoes que, por seligarem ao nosso assunto, determinam 0conteudo possivel doconceito que procuramos.

    Exponhamos, pois, a maneira por que entendemos deveser tratado 0assunto. Para abordarmos esta exposicao, procu-

    raremos as representacoes referentes ao bela que guardamosna nossa mem6ria, quais ideias os homens formam da arte, elogo se nos depararao ideias e representacoes que se opoem auma filosofia da arte, crivando de dificuldades 0seu caminho.

    Essas representacoes sao duas.

    3. Objecoes a ideia de uma filosofia da arteUma objecao proviria da infinidade do dorninio do belo,

    da infinita variedade daquilo a que se chama belo. A outraobjecao partiria do pretexto de que 0bela e objeto da imagi-nacao, da intuicao, do sentimento, para, por conseguinte, con-duir que ele nao podera constituir objeto de uma ciencia nemprestar-se a especulacao filos6fica.

    Diz-se ainda que e gracas a arte que nos nos libertamosdo reino perturbado, obscuro, crepuscular dos pensamentospara, recuperada a nossaliberdade, ,ascendermos ao reinotranquilo das aparencias amigaveis. A primeira vista, assimaparece como uma veleidade contradit6ria querer subordinaro belo as ideias,

    Comecemos por considerar estas primeiras objecoes.Quanto a prirneira, sabemos, de urn modo geral, que os

    objetos belos sao de infinita variedade: criacoes da escultura,da poesia, da pintura, para s6 destas falarmos. Cada uma dasartes oferece ja uma quantidade infinita de formas, pois inu-meraveis sao as formas produzidas por cada arte entre os di-ferentes povos e nas diferentes epocas, 0 que nao foi considera-do bela na diversidade das epocas? Que diferenca entre estesinumeraveis objetos! E como haveriarnos de os classiflcar? Avariedade e a multiplicidade caracteristica dos produtos daarte, mais do que de qualquer outra producao do espirito, le-vantariam urn obstaculo mtransponivel a constituicao de umaciencia do belo. E , pois, apresentada a arte como incapaz dese prestar a urn estudo cientifico porque, alem de produto daimaginacao que dispoe de toda a riqueza da natureza, possuiainda 0dom de criar formas extraidas de si propria. Ora, s6 haciencia do necessario, nao ha ciencia do acidental.

    o procedimento habitual nas ciencias consiste em consi-derar como base certos objetos particulares, fatos, experien-

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    12 IN7RODU9AOA CONCEP9AO OBjEllVA DA ARTE 13cias, fenomenos etc., e deduzir em seguida urn conceito que

    seria, no nosso caso, 0bela e a sua teoria. Segundo este crite-rio, comeca-se por dominar as formas particulares, classifica-las em generos e deduzir em seguida as regras particulares va-lidas em cada genero e aplicaveis como receitas para apreparacao, para a fabricacao das obras de arte. Chegar-se-iaassim a constituir uma teoria da arte. Nao se trata aqui de urnexame inteligente, perspicaz, engenhoso das obras de arteparticulares; trata-se de uma coisa muito diferente que deu re-sultados mais instrutivos, mais fundamentais e mais perfeitos,mas que em nada contribuiu para a constituicao de uma teoriageral. Os resultados obtidos por esta maneira de tratar a varie-dade e a multiplicidade da arte revelaram-se negativos, e nempoderia ser de outro modo.

    Seguindo este caminho, e impossivel descobrir uma re-gra que distinga 0que e bela do que nao 0seja, quer dizer,e impossivel formular urn criterio do belo. Sabe-se como osgostos diferem infinitamente, de gustibus non disputandum;e , portanto, impossivel fixar regras gerais aplicaveis a arte. Equando 0resultado obtido daquele modo se revelar menosnegativo, quando, apesar da sua negatividade, tiver urn con-tendo afirmativo, entao este conteudo s6 podera ser abstrato esuperficial. Com efeito, as determinacoes sao de tal modo di-versas e diferentes entre si que nenhuma delas se revela es-sencial e aplicavel a tudo 0que e belo. Poder-se-a sempredescobrir outras determinacoes, igualmente aplicaveis aoque e bela, mas nao a esta ou aquela beleza que nos inte-ressa. A determmacao geral que permanece ap6s todas as eli-minacoes e a de que a arte destinar-se-ia a despertar emn6s sensacoes agradaveis mediante a criacao de formascom a aparencia da vida. Alem de nada poder ser mais vagodo que esta definicao, a expressao "sensacoes agradaveis" ede uma trivialidade impressionante. Tempo houve em que s6se tratava destas sensacoes agradaveis, do seu aparecimento edesenvolvimento, e foram entao publicadas muitas teoriasda arte. Mais precisamente, foi durante a ultima fase da filoso-fia de Wolf que esta concepcao ou, antes, esta categoria moti-YOU numerosas discussoes, mas 0 assunto era demasiado mes-quinho para se prestar a ser desenvolvido. Dessa epoca data 0

    aparecimento da palavra estetica. Foi Baumgarten! quem de-nominou de estetica a ciencia das sensacoes, esta teoria dobelo. S6 aos alemaes esta palavra e familiar. Os franceses di-zem tbeorie des arts ou des belles lettres. Os ingleses incluem-na na critic. Os principios criticos de Home gozaram de gran-de prestigio no tempo em que este autor publicou a sua obra-,Na verdade, 0termo estetica nao e 0mais conveniente. Ja sepropuseram outras denominacoes - "teoria das belas cien-cias", "das belas-artes" - que nao foram aceitas, e com razao,Empregou-se tambern 0termo "calistica", mas do que se tratae nao do bela em geral, mas do bela como criacao da arte.Conservemos, pois, 0termo estetica, nao porque 0nome nosimporte pouco, mas porque este termo adquiriu direito de ci-dadania na linguagem corrente, 0que ja e urn argumento emfavor da sua conservacao.o referido modo de raciocinar nao vai alem de resultadosinteiramente superficiais na questao que nos interessa: a doconceito da arte. 0 mesmo acontece nas outras ciencias, Nao ecaracterizando uma especie por uma definicao qualquer quese chega ao conceito dessa especie. Para chegarmos a saber 0que e , por exemplo, urn animal, recorremos n6s aos animaisque conhecemos? De modo nenhum. Se, por exemplo, defi-nirmos oanirnal pela livre mobilidade, pela possibilidade dedeslocacao etc., logo nos aperceberemos de que a ostra e muitosoutros animais nao entram nesta definicao; se 0definirmospela sensibilidade, logo encontraremos a mimosa, que, embo-ra nao sendo urn animal, possui sensibilidade. Sempre que setentar distinguir as especies e os generos mediante determina-coes isoladas, encontrar-se-ao exemplos que escapam a essasdeterminacoes, Engana-se, pois, quem pensa que a ciencia se-gue sempre este caminho, caminho completamente vedado afilosofia.

    A orientacao da filosofia modificou-se em geral, e a inves-tigacao filos6fica aventurou-se por outras vias. Seria necessaria

    1. Baumgarten, Alexander Gottlieb, 1714-1762, professor em Halle eem Francfort-an-der-Oder, A Estetica, 2 vol., Francfort-sobre-o-Oder, 1750-1758.2. Home-Henry, Lord Kaymes, 1690-1782, juiz na Esc6cia, Elements ofCriticism, Edimburgo, 1762-1766.

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    14 INIRODUr;AO A CONCEPr;AO OBJE11VA DA ARTE 1 5esta mudanca de orientacao? E urn problema que nao pode-mos considerar agora, pois pertence a natureza do conheci-mento filosofico que ja tratamos na Logica. Lembraremos ape-nas alguns fatos historicos ou tematicos, 0 que tern de servirde base nao e 0particular, nao sao as particularidades, nao saoos objetos, fenomenos etc. particulares: e a ideia. Pela ideia,pelo universal se deve comecar em tudo e, por conseguinte,tambem no nosso dominio. Iremos, pois, comecar pela ideiado belo. As referidas e pretensas teorias, ao contrario, partemdas particularidades para chegar ao conceito, ao universal. Anos, aparece-nos em prirneiro lugar a ideia em si e para si, naoa ideia derivada, deduzida de objetos particulares. Viremosainda a falar deste comeco,Aceitamos pois, no seu pleno significado, as palavras dePlatao: "Deve considerar-se nao os objetos particulares qualifi-cados de belos, mas 0BelO."30 comeco pela ideia afasta a di-ficuldade, 0embaraco que nos criaria a grande variedade, ainfinita multiplicidade dos objetos chamados belos. Nao nosperturbam, portanto, as oposicoes entre os objetos qualifica-dos de belos: estas oposicoes sao afastadas, suprimidas comotambern se afasta e suprime a quantidade, a multidao dos ob-jetos contraditorios, Nos comecamos pelo belo como tal. Eesta ideia, que e una, ir-se-a diferenciando, particularizando, apartir de si propria ira originando a variedade, a multiplicida-de, as diferencas, as multiplas e diversas formas e figurasda arte que, entao, vern a se apresentar como producoesnecessarias.[Com mais aparencia de razao se poderia objetar que, em-bora as belas-artes se prestem a reflexao filosofica, elas naopodem constituir objeto de urn estudo cientifico propriamentedito. A beleza artistica, com efeito, dirige-se aos sentidos, asensacao, a intuicao, a imaginacao etc., pertence a esse dorni-nio a parte do pensamento, e a cornpreensao da sua atividadee dos seus produtos exige, pois, urn orgao diferente do pensa-mento cientifico. Alem disso, 0que fruimos da beleza artisticae a Iiberdade das producoes e das formas, como se pela cria-1;3.0 e contemplacao das obras de arte escapassemos aos entra-

    yes das regras e regulamentos; como se, fugindo ao rigor dasleis e ao intimo sombrio do pensamento, procurassemos a cal-ma e a acao vivificante das obras de arte; como se trocassemos 0reino das sombras a que preside a ideia pela serena e robus-ta realidade. Enfim, as obras de arte brotaram da atividade li-vre da imaginacao, mais livre do que a da natureza. A arte naodisporia apenas de toda a riqueza das formas naturais, de apa-rencias infinitamente rmiltiplas e variadas, pois seria ainda ca-paz de, pela irnaginacao criadora, exteriorizar-se em intencoesde que ela mesma e nascente inesgotavel. Em face de tao inco-mensuravel plenitude da imaginacao e dos seus produtos,parece que ao pensamento faltaria a coragem para, diante doseu tribunal, citar a arte, pronunciar-se sobre os seus produtos eclassifica-Ios em rubricas gerais".

    Concorda-se, pelo contrario, que a ciencia e obra do pensa-mento entregue a urn esforco abstrativo a partir da multidao dospormenores particulares, 0que implica, por urn lado, 0afasta-mento da imaginacao em tudo 0que a sua atividade tern de aci-dental e arbitraria, quer dizer, 0afastamento do orgao da ativi-dade e do prazer artisticos, Por outro lado, depois de seconsiderar que a arte vivifica a secura arida e sombria do concei-to, que concilia as abstracoes com a realidade, que completa 0conceito com 0real, vern-nos dizer que 0estudo pensante daarte destroi a eficacia deste meio de conciliacao, suprime-o ereconduz 0conceito a simplicidade irreal e ao estado de sombrae abstracto. Mais ainda: pelo proprio conteudo, a ciencia ocupa-se do que e necessario em si. Ora, se a estetica aparta 0bela na-tural, resulta que, alem de nada ganharmos, mais nos afastamosdo necessario. Pois 0termo natureza ja nao impJica a ideia denecessidade e de regularidade, quer dizer, a uma atitude que pa-rece entregar-se e oferecer-se ao estudo cientifico? Ao contrariodo que acontece na natureza, a arbitrariedade e a anarquia rei-nam, absolutas, no espirito em geral e, sobretudo, na imagina-~ao, pelo que os seus produtos, isto e , a arte, se tornam comple-tamente improprios para 0estudo cientifico.Em todos estes aspectos, tanto pela origem como peloconteudo e pela extensao, as belas-artes revelar-se-iam nao

    Os trechos incluidos entre colchetes sao os que foram inseridos naedicao de G. Lasson e nao estao publicados na edicao de 1835.3. Hipias Maior, 287.

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    20 INTRODUC;:AOhoje a arte; por isso, a arte dos nossos dias tern por finalidadeservir de objeto ao pensamento.Ainda se pretende, todavia,. que a arte nao seja apta paraurn tratamento filosofico, Sera a arte, como ja nos disseram,urn amavel genic que adoma os nossos ambientes exteriores einteriores, suaviza a seriedade das circunstancias, atenua acomplexidade do real, deleita com sortilegios os nossos deva-neios, e, quando nada de born produz, ocupa, para maioresproveitos e prazer nossos, 0lugar do mal. Porern, se e verdadeque a arte intervem em tudo, desde 0adomo grosseiro do sel-vagem ate a magnificencia dos templos omamentados com to-das as riquezas imaginaveis, nao e menos verdade que saomuito distintas, que sao ate exteriores e estranhas, as relacoesdestas formas com as verdadeiras finalidades da vida, e, quan-do estas producoes da arte se mostram menos nocivas aseriedade dos fins e ate parecem favorece-los pela abstencaodo mal, nem assim passam de meios de rernissao ou distra-cao do espirito num momento em que os interesses substan-ciais da vida exigem esforco de tensao, de concentracao espiri-tual. Podera, portanto, parecer urn sinal de pedantismo querertratar com seriedade cientifica aquilo que, por sua natureza, edesprovido de seriedade. De todos os modos, a arte aparece,nesta concepcao, como coisa superflua que so por feliz acasonao efemina os sentimentos ao pretender suaviza-Ios com apreocupacao e 0amor da beleza. Muitas vezes, estas razoesobrigam a defender as belas-artes declarando que, emboraadmitindo serem elas urn luxo, nao sao no entanto estranhasas necessidades da vida pratica nem incompativeis com a mo-ral e a piedade, e que, caso sejam efetivamente urn luxo, mes-mo assim of ere cern rna i s vanta gens do que desvantagens.Levando ainda mais longe esta defesa, atribuern-se a arte fi-nalidades serias, apresentando-a no papel de mediadora entrea razao e a sensibilidade, entre as inclinacoes e 0dever, che-gando-se a recomenda-la como suscetivel de se tomar agenteconciliador na luta travada entre aqueles dois elementos opos-tos. Mas antecipadamente se pode estar certo de que nadaresultara para a razao e para 0dever de uma tal tentativa deconciliacao pelo simples motivo de que a razao e 0 dever,igualmente ciosos de uma pureza a que nao renunciam, saorefratarios a qualquer mistura e jamais se prestarao a seme-

    A CONCEPC;:AOOBJEllVA DA ARTE 21lhante acordo. Alias, atribuindo-Ihe aquela missao, nao se tor-naria a arte mais digna do tratamento cientifico, pois apenas seconseguiria submete-la a uma dupla finalidade: por urn lado,seriedade e elevacao dos fins, por outro lado, incentivo a fri-volidade e a indolencia, Em lugar de ser urn fim em si, a artepassaria a constituir urn meio.Outro argumento se poderia ainda opor a possibilidadede urn tratamento cienrifico da arte. Dir-se-ia que a arte e 0 reinoda aparencia e da ilusao e que, portanto, aquilo a que chama-mos belo se poderia tambern chamar aparente e ilusorio, Ora,a aparencia e a ilusao nao conseguem realizar fins veridicos edignos de perseguicao, aos fins veridicos e serios tern decorresponder meios fundados na verdade e na seriedade. 0meio deve estar em relacao com a dignidade dos fins, e a cien-cia so pode considerar os verdadeiros interesses do espiritopor aquilo que neles haja de verdade, quer quanto a realidadeexterior quer na representacao humana.Nada e mais certo: a arte cria aparencias e, caso se cons i-dere a aparencia como algo que nao deve ser, concluir-se-aque a existencia da arte e ilusoria, que as criacoes artisticas saopuras ilusoes,

    Mas que e, no fundo, a aparencia? Que relacoes tern elacom a essencia? Nao esquecamos que, para nao permanecerna pura abstracao, toda essencia, toda verdade, tern de apare-cer. 0 divino deve ser uno, possuir uma existencia diferentedaquilo a que chamamos aparencia, Mas a aparencia nao einessente pois, pelo contrario, constitui urn momento essen-cial da essencia, A verdade existe para si no espirito, apareceem si, rnanifesta-se para outrem. Ha, portanto, varias especies(Ie aparencias que se distinguem quanto ao conteudo do queuparece. Seja pois a arte uma aparencia, tenha pois a aparenciaque the e propria, mas nao sera nem tera simplesmente uma.iparencia.

    Dissemos nos que a aparencia propria da arte pode ser(.(insiderada como enganadora quando comparada com 011HIndo exterior, tal como 0 vemos do ponto de vista utilitario,Oil quando comparada com 0 nosso mundo sensivel e interior.N;jo chamamos ilusorios aos objetos do mundo exterior nem.ro que reside no nosso mundo interior, na nossa consciencia.Nnda nos impede de afirmar que, comparada com esta realida-

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    22 INIRODU(;AO A CONCEP(;AO OBJETIVA DA ARTE 23de, a aparencia da arte seja ilusoria; mas com identica razao sepode dizer que a chamada realidade e uma ilusao ainda maisforte, uma aparencia da arte. Na vida empirica e sensitiva, chama-mos realidade e consideramos como tal 0conjunto dos ob-jetos exteriores e das sensacoes por eles provocadas. No en-tanto, todo este conjunto de objetos e sensacoes e nao urnmundo de verdade, mas urn mundo de ilusoes. Sabemoscomo a veridica realidade existe alern da sensacao imediata edos objetos que apercebemos diretamente. Antes, pois, aomundo exterior do que it aparencia da arte se aplicara 0quali-ficativo de ilusorio.Com efeito, so e verdadeiramente real 0que existe em si epara si, 0que constitui a substancia da natureza e do espirito, 0que, existindo no espaco e no tempo, nao deixa de, com umaexistencia verdadeira e real, existir em si e para si. E a arte quenos abre os horizontes das manifestacoes destas potenciasuniversais, que no-las torna aparentes e sensiveis, A essencia-lidade tanto se manifesta no mundo exterior como no interior,tais como no-los revela a experiencia cotidiana; mas manifesta-senum caso de acasos e acidentes, aparece deformada pelaimediateidade de elemento sensivel, pela arbitrariedade das si-tuacoes, dos acontecimentos, dos caracteres etc. Entre a apa-rencia e a ilusao deste mundo mau e perecivel e 0conteudoveridico dos acontecimentos, cava a arte urn abismo paraerguer tais acontecimentos e fen6menos a uma realidade maisalta, nascida do espirito. Mais uma vez ainda, as obras de artenao sao, em referencia a realidade concreta, simples aparen-cias e ilusoes, mas possuem uma realidade mais alta e umaexistencia veridica.

    E certo que (e deste ponto tornaremos a tratar mais adian-te), comparada com 0pensamento, a arte pode ser considera-da como possuidora de uma existencia formada de experien-cias, e assim ter uma forma inferior it do pensamento. Massobre a realidade exterior apresenta a mesma superioridadedeste: na arte, como no pensamento, e a verdade que procura-mos. Em sua propria aparencia, a arte deixa entrever algo queultrapassa a aparencia: 0pensamento; ao passo que 0mundosensivel e direto nao so nao e a revelacao do pensamento im-plicito como ainda 0dissimula numa acumulacao de impure-zas para que ele proprio se distinga e apare~a como iinico re-

    presentante do real e da verdade. Adestra-se em tornar inaces-sivel 0dentro que encerra no fora, isto e , na forma. Pelo con-trario, em todas as suas representacoes, a arte poe-nos em pre-senca de urn principio superior. Naquilo a que chamamosnatureza, mundo exterior, muito dificilmente 0espirito se en-contra, se reconhece.De todas as observacoes anteriores sobre a natureza dobelo, resulta que, se a arte pode ser considerada como aparen-cia, tern uma aparencia de natureza muito particular e aparentede urn modo que nada tern de comum com 0sentido que da-mos it aparencia em geral.Depois da objecao fundada no carater pretensamente apa-rente, ilusorio, da arte e das criacoes artisticas, apresenta-se aque recusa a arte a possibilidade de constituir objeto da cien-cia, embora admitindo que ela pode proporcionar considera-coes puramente filosoficas. Assenta esta objecao numa falsa

    premissa, que consiste em negar carater cientifico as conside-racoes filosoficas, Sobre este ponto, limitar-me-ei a dizer que,quaisquer que sejam as ideias professadas sobre a filosofia, euconsidero a reflexao filosofica inseparavel da reflexao cientifi-ca. 0 papel da filosofia consiste em considerar urn objeto pelasua necessidade, nao pela necessidade subjetiva ou pelas ex-teriores ordem, classificacao etc., mas por aquela necessidadeque provem da natureza do objeto e que it filosofia incumbemostrar e demonstrar. E , alias, esta demonstracao que conferecarater cientifico a urn estudo. Mas, dado que a necessidadeobjetiva de urn objeto reside em sua natureza logico-metafisi-ca, nas consideracoes sobre a arte (que assenta num tao gran-de mimero de premissas em relacao quer com 0 conteudoquer com a materia e com os elementos pelos quais beira 0acidental) pode-se, deve-se, renunciar ao rigor cientifico e soaplicar 0ponto de vista da necessidade ao desenvolvimentointerno do conteudo e dos meios de expressao, A filosofia soconhece as coisas pela sua necessidade interna, e pelo seu de-senvolvimento necessario a partir delas mesmas. E e nisso queex msiste 0 carater da ciencia em geral.

    Poder-se-a ainda objetar a que a arte seja digna de consti-tuir objeto de urn estudo cientifico, apresentando-a como jogofugidio ao servico dos nossos prazeres e distracoes, como des-tinada a ornamento dos nossos ambientes e objetos exteriores

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    24 IN7RODU(,'A0 A CONCEP(:AO OBJETIVA DA ARTE 2 5e a dar relevo, pela ornamentacao e pela decoracao, a outrosobjetos. Assim compreendida, a arte nao seria livre nem inde-pendente. Ora, 0que nos interessa, 0que consideramos, e,precisamente, a arte livre. Pode a arte servir de meio a fins queIhe sejam estranhos, ser um jogo jogado par divertimento. Masisso tem ela de comum com 0pensamento que, por um lado,basta a si proprio e que, pm outro lado, pode tambem servirde meio a fins de que e completamente excluido, pode tam-bern estar a service do acidental e do transitorio, No entanto,quando 0nosso interesse sc volta para 0pensamento, nos 0consideramos em toda a sua independencia, e 0mesmo deve-mos fazer quando se trata da arte.o seu mais alto destino, tern-no a arte em comum com areligiao e com a filosofia. Como estas, tarnbem cla e um modode expressao do divino, das necessidades e exigencias maiselevadas do espirito, J{l0dissernos antes: os povos depuseramas suas mais nobres ideias na artc, que constitui, muitas vezes,o unico mcio que temos para compreender a religiao de umpovo. Mas a arte difcrc da religiao e cia filosofia pelo poder dedar, das ideias elevadas, uma reprcsentacao sensivel que no-las torna acessiveis, 0pensamento penetra nas profundidadesde urn mundo supra-scnsivel que opoc, como urn alcm, aconsciencia imediata C a sensacao direta; procura, com inteiraliberdade, satisfazer as suas exigencias de conhecimentoerguendo-se acima do aqucm que a realidade finita represen-taoMas a tal ruptura, operada pelo espirito, segue-so uma con-ciliacao, tambem pelo espirito operada. De si mesrno 0espiritoextrai as obras artisticas que constituent 0primeiro anel inter-medio destin ado a ligar 0exterior, 0sensivel e 0perecivel aopensamento pu 1'0, a conciliar a natureza e a realidade fin itacom a liberdade infinita do pensarnento compreensivo.

    Digamos, ainda no mesmo proposito, que, se a cute servepara tornar 0espirito consciente dos seus interesses, nao cons-titui 0mais elevado modo de expressao da verdade, emboraassim se tenha julgado durante muito tempo e ainda se julguedevido a um erro de que mais adiante nos ocuparernos. Poragora, contentemo-nos em observar que a arte, ate pelo seuconteudo, se encerra em certos lirnites, que atua sobre umamateria sensivel e, portanto, apenas tem par conteudo urn de-terminado grau de verdade. A ideia possui, hoje, uma existen-

    cia mais profunda que ja nao se presta it expressao sensivel: eo conteudo da nossa religiao e da nossa cultura. Hoje, a arteapresenta um aspecto diferente do que teve em epocas ante-riores. E esta ideia mais profunda, cujo ponto externo e repre-sentado pelo cristianismo, escapa inteiramente it expressaosensivel, Nada tern de comum com 0mundo da sensibilidadee em nada afeta as relacoes amigaveis. Na hierarquia dosmeios que servem para exprimir 0absoluto, a religiao e a cul-tura provindas da razao ocupam 0grau mais elevado, muitosuperior ao da arte.

    A arte e , pois, incapaz de satisfazer a nossa ultima exigen-cia de Absoluto. Em nossos dias, ja nao se veneram as obrasde arte, e a nossa atitude perante as criacoes artisticas e fria erefletida, Em presenca delas sentimo-nos livres como nao seera outrora, quando as obras de arte constituiam a mais eleva-da expressao da Ideia. A obra de arte solicita 0nosso juizo:seu conteudo e a exatidao da sua represenracao sao submeti-dos a um exarne refletido. Respeitamos, admiramos a arte, masacontece que ja nao vernos nela qualquer coisa que naopoderia ser ultrapassada, a manifestacao intima do Absoluto, esubmetemo-la a analise do pensamento, nao com 0intuito deprovocar a criacao de novas obras de arte, mas antes com 0fim de reconhecer a funcao e 0lugar da arte no conjunto danossa vida.

    Ja se foram bons tempos da arte grega e a idade de ouroda ultima Idade Media. As condicoes gerais do tempo presentenao sao favoraveis c1arte. 0proprio artista ja nao e apenasdesviado e influenciado por reflcxoes que ouve formular cadavez mais alto a sua volta, par opinioes e juizos correntes sobrea arte, mas toda a nossa cultura the torna impossivel, mesmo itforca de vontade e decisao, abstrair-se do mundo que a suavolta se agita e das condicoes a que se encontra sujeito, a naoser que recomece a sua educacao e se retire para um isola-mento onde possa encontrar 0seu paraiso perdido.

    Em todos os aspectos referentes ao seu supremo destino,a arte e para nos coisa do passado. Com se-lo, perdeu tudoquanto tinha de autenticamente verdadeiro e vivo, sua realida-de e necessidade de outrora, e encontra-se agora relegada nanossa representacao. 0 que, hoje, uma obra de arte em nossuscita e, alem do direto aprazimento, urn juizo sobre 0seu

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    2 6 INTRODU(:AO A CONCEP(:AO OBjETlVA DA ARTE' 27conteudo e sobre os meios de expressao e ainda sobre 0graude adequacao da expressao ao conteudo. Que pretende 0homem ao imitar a natureza? Experimen-tar a si proprio, mostrar habilidade e regozijar-se por ter fabri-

    cado uma coisa com a aparencia natural. A questao de saberse e como tal produto sera conservado e transmitido a epocasvindouras, e comunicado a outros povos e outros paises, janao the importa. 0 homem regozija-se, antes de tudo, por tercriado urn artificio, por ter demonstrado a sua habilidade e porter verificado de quanto era capaz; regozija-se com a sua obra,regozija-se com 0 seu trabalho, nos quais conseguiu imitarDeus, dispensador de felicidade e demiurgo. Mas esta alegriae esta admiracao de si mesmo nao tardarao a transformar-seem aborrecimento e insatisfacao tanto mais depress a e comtanta maior facilidade quanto mais fielmente a imitacao repro-duzir 0modelo natural. Retratos ha dos quais se tern dito, comalguma ironia, serem tao parecidos que causam nauseas. Deurn modo geral, 0prazer provocado por uma imitacao feliz eurn prazer muito relativo porque 0conteudo, a materia da imi-tacao, sao dados com os quais nada ha a fazer senao utiliza-los. Maior prazer deveria sentir 0homem produzindo algo queproviesse de si, que Ihe Fosse proprio, a que pudesse chamarseu. Qualquer utensilio tecnico, como urn navio ou, mais par-ticularmente, urn instrumento cientifico, dar-lhe-a, por ser umaobra propria, maior prazer do que uma imitacao. 0 pior dosutensilios tecnicos tera, a seus olhos, mais valor, e pode ficarorgulhoso por haver inventado 0martelo e 0prego, que saoinvencoes originais e nao imitadas. Mostra 0homem mais ha-bilidade nas producoes provenientes do espirito do que nasimitadas da natureza. Pode-se, no entanto, rivalizar com a na-tureza, e nessa rivalidade se pensa quando se diz que as pro-ducoes da natureza sao superiores as do espirito. Diz-se queaquelas sao obras divinas. Mas Deus e Espirito, e melhor se re-conhece no Espirito do que na Natureza. A rivalidade com aNatureza constitui urn artificio scm valor. A urn homem que seorgulhava de tirar lentilhas por urn estreito orificio, ofereceuAlexandre, perante 0qual mostrou aquela habilidade, algunsalqueires de Ientilhas, com que razao procedeu Alexandre,porque 0homem se havia adestrado num exercicio que, alemde inutil, nao possuia qualquer significacao! 0 mesmo se dirade toda a habilidade manifesta na imitacao da natureza, comoos casos de Zeuxis, que pintava uvas com tal aparencia de na-

    As ideias correntes sobre a natureza da arte1. Imitacao da natureza

    S6 temos falado, ate aqui, das concepcoes gerais da arte.Vamos agora falar das determinacoss referentes ao conteudoda arte, Tamhem neste ponto encontramos algumas concep-coes diferentes.

    Segundo uma delas, a arte deve limitar-se a imitacao dar:atureza, mas da natureza em geral, da interior e da exterior.E urn velho preceito este de que a arte dcveimitar a natureza;encontra-se ja em Arist6tcles. Quando a reflexao ainda estavanos ~eus primordios poderia satisfaze-Ia tal concepcao, quecontem sempre alguma coisa de justificavel com boas razoes eque nos aparecera como urn momento, entre outros, do de-senvolvimento da ideia,

    Segundo esta concepcao, 0fim essencial da arte consistiriana habil imitacao ou reprodurao dos objetos tal como existemna natureza, e a necessidade de uma reproducao assim feita emconformidade com a natureza seria uma origem de prazer. Estadefinicao atribui a arte uma finalidade purarnente formal, a derefazer, com os meios de que 0hornem dispoe, aquilo que exis-te no mundo natural e tal como existe. Mas esta repeticao afigu-ra-se.-r:oscomo U~1a ocupacao cuidadosa e superflua, pois quepr~C1saotemos nos de rever, em telas ou em palcos, animais,paisagens C acontecimentos humanos que ja conhecemos por oshavermos visto, ou verrnos, nos jardins, nas moradias e, em cer-tos casos, por termos ouvido falar deles a pessoas do nosso con-vivio?Epodemos ate dizer que estes esforcos inuteis se reduzema uma presuncao cujos resultados sao sempre inferiores aos quea natureza nos oferece. Porque a arte, com as Iimitacoes dos seusmeios de expressao, so pode produzir ilusoes unilaterais, oferecera aparencia da realidade a urn so dos sentidos, com efeito, quan-do nao vai alem de simples imitacao, e incapaz de nos provocar aimpressao de uma realidade viva ou de uma vida real: tudoquanto nos possa oferecer nao passa de caricatura da vida.

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    28 INTRODU9AO A CONCEP9AO OBjE71VA DA AR1E 2 9turais que os passaros, iludidos, as vinham bicar, e de Praxeas,que pintou uma cortina que iludiu aquele pintor. Conhecern-se varias historias de ilusoes criadas pela arte, e delas se falacomo de urn triunfo da arte. Conta Blumenbach? a historia deurn velho camarada de Liceu, chamado Buttner, que, gastandotodo 0seu dinheiro em livros, adquiriu urn dia os Insekten-belustigungen, de Rosel, com as mais belas gravuras coloridasque ele jamais vira (veio a constituir colecoes analogas sobreras). Como estavam soltas as folhas do seu exemplar, Buttnerdeparou urn dia com urn macaco a comer a folha que tinha agravura de urn escaravelho. A alegria que sentiu perante estacena do macaco enganado pela imagem consolou-o da perdada gravura. Em presenca destes exemplos, e de outros seme-lhantes, dever-se-ia, pelo menos, compreender que, em vez delouvar obras de arte por conseguirem enganar passaros e rna-cacos, se deveria antes vituperar aqueles que julgam enaltecero valor de uma obra artistica indicando estas banais curiosida-des e vendo nelas a expressao mais elevada da arte. De urnmodo geral, pode-se dizer que a veleidade de rivalizar com anatureza pela imitacao para sempre condena a arte a perrnane-cer inferior a natureza como urn verme que se esforca porigualar urn elefante. Ha homens que sabem imitar os trinadosdo rouxinol, mas ja Kant observou que logo que nos percebe-mos que e urn homem, e nao urn rouxinol, quem esta cantan-do achamos esse canto insipido, Vemos nele urn mero artifi-cio, nao uma livre producao da natureza ou uma obra de arte.o canto do rouxinol apraz-nos naturalmente, porque ouvimosurn animal emitir, na sua inconsciencia natural, sons que se as-semelham a expressao de sentimentos humanos. 0 que nosapraz e, portanto, a imitacao do humano pela natureza.

    Pretendendo que a imitacao constitua a fim da arte,que a arte consista, por conseguinte, numa fiel imitacao doque ja existe, coloca-se a lembranca na base da producao artis-tica. Priva-se, assim, a arte da liberdade, do poder de exprimiro bela. 0 homem pode, decerto, ter interesse em produziraparencias como a natureza produz formas. Mas nao pode setratar de urn interesse puramente subjetivo em que 0homem

    se limita a querer mostrar destreza e habilidade sem consideraro valor objetivo daquilo que e sua intencao produzir. Ora, 0valor de urn produto provem do conteudo, na medida em queeste participa do espirito. Como imitador, 0homem nao ultra-passa os limites do natural, ao passo que 0conteudo deve serde natureza espiritual.A irnitacao da natureza pela arte possui, apesar de tudo,urn valor e urn lugar. 0 pintor dedica-se a longa aprendizagempara se familiarizar com as relacoes entre as cores, com os efei-tos e os reflexos da luz, e os saber transpor para a tela. Apren-de, alem disso, a conhecer e reproduzir, ate os menores deta-lhes, as formas e figuras dos objetos. Foi, sobretudo, emnome desta aprendizagem que nos ultimos tempos se julgoupoder revigorar 0principio da imitacao da natureza e do natu-ral. Nele se viu urn meio de revigorar uma arte enfraquecida,nebulosa, decadente, ao mesmo tempo que se pretendeu rea-gir contra 0erroneo de uma arte arbitraria e convencional,com tao pouco de artistico como de natural, mediante 0retor-no a natureza sempre fiel a si propria, dirigida por leis imuta-veis e manifesta de urn modo direto. Por louvaveis que sejamtais tendencias e intuitos, nao e menos certo que jamais 0na-turalismo puro e simples constituira 0fundamento substancialcia arte que, embora deva ser natural em suas representacoese manifestacoes exteriores, naquelas representacoes e mani-festacoes, com a natureza exterior mediante a servil imitacao,pois muito diferente e 0fim da arte. Sempre e necessariamenteterao as producoes artisticas uma aparencia sensivel e natural,mas todos concordamos que a arte sempre fica aquem e abai-xo do natural, como sempre os homens habeis se revelaraoineptos desde que procurem colocar as suas imitacoes no danatureza, Na pintura de retratos, em que se trata de fixar os tra-~()s de urn rosto, a sernelhanca constitui, sem duvida, urn ele-mcnto muito importante, e, todavia, nos melhores retratos,n.iqueles reconhecidos como mais bern realizados, nunca aS( -melhanca e perfeita, pois sempre lhes falta qualquer coisa.-m rclacao ao modelo natural. A imperfeicao deste genero depintura provem de que, apesar dos esforcos para a exatidao,:IS suus representacoes sao sempre mais abstratas do que os(.i.jdos naturais de existencia imediata.

    5. Blumenbach, joh. Friede, 1752-1840, professor em Gottingcn, ce-lebre fisiologista e zo6logo.

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    32 INlRODU(;AO A CONCEP(;AO OBjEl1VA DA ARTE 33imitacao ter-se-a, pe!o menos, de fazer urn longo circunl6quio,que subordinara aque!e prop6sito a multiplas condicoes e re-duzira a verdade a mera probalidade. Mas, ainda assim, urngrande obstaculo se encontrara, determinar 0 que e e 0 quenao e provavel, alem disso, nao se podera ter a veleidade deeliminar da poesia todas as invencoes arbitrarias e inteiramen-te fantasticas,o fim da arte nao consiste, portanto, na irnitacao pura-mente formal daquilo que existe, imitacao de que so resultamartificios tecnicos sem nada de comum com uma obra de arte.A natureza, a realidade sao fontes que a arte nao pode dis-pensar, como nao pode dispensar 0ideal que nao e algo denebuloso, de geral, de abstrato. Mas 0fim da imitacao consisteem reproduzir os objetos da natureza tais como sao em suaexistencia exterior e irnediata, 0que s6 e proprio para satisfa-zer a lernbranca. Ora, 0 que nos esperamos e exigimos, noape!o direto a totalidade da vida, nao e apenas a satisfacao dalembranca mas tambem a sua alma.

    va 0humano no homem, desperta sentimentos adormecidos,poe-nos em presenca dos verdadeiros interesses do espirito.Veremos que a arte atua revolvendo, em toda a sua profundi-dade, riqueza e variedade, os sentimentos que se agitam naalma humana, e integrando no campo da nossa experienciao que decorre nas regioes mais intimas desta alma. Nihilhumani a me alienum puto. eis a divisa que a arte pode rece-ber. Produz a arte todos os seus efeitos mediante a intuicao e arepresentacao, sendo-nos completamente indiferente saber deonde provern este conteudo, se de situacoes e sentimentosreais, se simples mente de uma representacao que nos e dadape!a arte. 0 importante e que 0conteudo que temos peranten6s desperte-nos sentimentos, tendencias e paixoes, enos ecompletamente indiferente que tal conteudo seja dado pe!a re-presentacao ou que 0conhecamos por uma intuicao que tive-mos na vida real. Pode a representacao arrebatar-nos, agitar-nos, revolver-nos tao fortemente como a percepcao. Todas aspaixoes, 0amor, a alegria, a colera, 06dio, a piedade, a angustia,o medo, 0 respeito, a admiracao, 0sentimento da honra, 0amor da gl6ria etc., podem invadir a nossa alma por forca dasrepresentacoes que recebemos da arte. Tern a arte 0poder deobrigar a nossa alma a evocar e experimentar todos os senti-mentos, resultado este em que com razao se ve a manifestacaoessencial do poder e da acao da arte, se nao, como muitospensam, 0seu ultimo fim.Utiliza a arte a grande riqueza do seu conteudo no sentidode, por urn lado, completar a experiencia que possufrnos davida exterior, e, por outro, evocar de urn modo geral os senti-mentos e paixoes que ha pouco enumeramos, a fim de que asexperiencias da vida nao nos apanhem insensiveis e a nossasensibilidade permaneca aberta a tudo quanta ocorre fora den6s. Ora, esta sensibilizacao e obtida pela arte nao com 0re-curse a experiencias reais, mas apenas com a aparencia delas,sobrepondo, por meio da ilusao, as producoes artisticas a rea-lidade. Esta ilusao da aparencia e possivel porque, no homem,roda a realidade tern de atravessar, para alcancar a alma e avontade, 0meio intermediario formado pe!a intuicao e pelarcpresentacao, E sempre assim acontece, quer se trate da acaodireta da realidade como tal, quer esta se manifeste de modoiudireto emsinais, imagens, representacoes que possuam urn

    2. Despertar a almaDespertar a alma: este e , dizern-nos, 0fim ultimo da arte, 0efeito que ela pretende provocar. Disso nos vamos ocuparagora. Quando sob este aspecto consideramos 0fim ultimo daarte, perguntando-nos qual seja a acao que ela deve exercer,pode exercer e efetivamente exerce, logo verificamos que 0

    conteudo da arte compreende todo 0conteudo da alma e doespfrito, que 0fim dela consiste em revelar a alma tudo 0quea alma contern de essencial, de grande, de sublime, de respei-tos, a experiencia da vida real, transportando-nos a situacoesque a nossa existencia pessoal nao nos proporciona nem pro-porcionara jamais, situacoes de pessoas que ela representa, eassim, grac;;as a nossa participacao no que acontece a essaspessoas, ficamos rna is aptos a sentir, em par ao alcance daintuicao, 0que existe no espirito do homem, a verdade que 0homem guarda no seu espirito, 0que revolve 0peito e agitao espirito humano. Isso e 0 que compete a arte representar, eela 0faz mediante a aparencia que, como tal, nos e indiferentedesde 0momento em que sirva para acordar em nos 0senti-mento e a consciencia de algo mais elevado. Assim a arte culti-

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    34 INTRODU(:AOA CONCEP(:AO OBJE11VA DA AR1E 3 5

    conteudo real e sirvam de expressao a esse conteudo. E 0ho-mem capaz de se representar em objetos que nao sao reais,como se efetivamente 0fossem.Evocar em nos todos os sentimentos possfveis, penetrar anossa alma de todos os conteudos vitais, realizar todos estesmomentos interiores por meio de uma realidade exterior queda realidade so tem a aparencia, eis no que consiste 0particu-lar poder, 0poder por excelencia da arte.Uma vez mais insistimos no ponto seguinte: qualquer queseja 0 conteudo que exprima, sempre a arte exerce sobre aalma e os sentimentos a acao que acabamos de descrever.Desperta os sentimentos adormecidos, e capaz de ativar todasas paixoes, inclinacoes e tendericias. Tern 0poder de nosexperimentar em todas as infelicidades e miserias, de nos tor-nar presentes 0mal e 0crime. Gracas a ela, podemos ser teste-munhas pavidas de todos os horrores, experimentar todos osmedos, todos os panicos, podemos ser revolvidos pelas emo-coes mais violentas. Pode a arte erguer-nos a altura de tudo 0que e nobre, sublime e verdadeiro, arrebatar-nos ate a inspira-

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    36 INTRODU(;AO A CONCE'P(;AO OBJET/VA DA ARTE 37tacao a qual esta submetido, de modo que so conheco estavontade limitada. Charna-se un bomme entier ao hornem queconc~ntra toda a vontade num firn particular.

    E isso a selvageria, forca e poder do homem dominadopelas paixoes. Sera ela suavizada pela arte na medida em queesta represente ao homem as proprias paixoes, os instintos e,em geral, de proprio tal como e . E lirnitando-se a desdobrar 0paine! das paixoes, ao rnesmo tempo que as lisonjeia, a artemostra ao homem 0que de e para Ihe dar a consciencia de 0ser. J{l nisso reside a acao suavizante da arte, que assim poeo homem perante os instintos como se estes the fossem exte-riores, e the confere, portanto, uma certa liberdade. Deste pontode vista se pode dizer que a arte e libertadora. Pcrdern as pai-xoes a forca peIo fato de se transformarem em objetos de re-presentacoes, em simples objetos. Resulta precisamente que,ao serem objetivados, os sentimentos perdem a intensidade,tornarn-se-nos estranhos, rna is ou rnenos alheios. Ao passa-rem, na representacao, os sentimentos saern do estado de con-centracao em que se encontram dentro de nos, e entregam-seao nosso livre-arbitrio. Acontece com as paixoes 0que aconte-ce com a dor; 0primeiro modo que a natureza nos ofereceupara obter 0alivio de uma dor que nos fere sao as lagrimas;chorar ja e ficar consolado, 0 alivio acentua-se depois com 0decorrer de conversas amigaveis, e 0anseio de alivio e conso-lo pode ate levar-nos a compor poesias.Acontece assirn quan-do urn homern, vencido e absorvido pela dor, consegue ex-terioriza-la, logo se serite aliviado, C0 que rna is 0 consola e aexpressao da dor em palavras, canticos, sons e figuras. Estemeio e 0rnais eficaz, e se fica liberto da dor pela objetivacaoque arranca aos sentimentos 0carater intenso e eoneentradoque os torna, por assim dizer, impessoais e extcriores a nos, Emuito frequente 0caso de artistas que, feridos de uma desgra-fa, conseguem dirninuir, enfraquecer 0seu sentimento exte-riorizando-o nurna obra de arte. Havia outrora 0 costume dasvisitas de condolencias; eram elas muito penosas, mas a sirn-patia testemunhada pel os visitantes, a repeticao das mesmasformulas, a objetivacao do acontecimento, contribuiarn emgrande parte para 0alivio da dor. Era tambem urn excelentecostume, sobretudo em casos de luto, vir de toda a parteexprimir a condolencia com os parentes mais proximos do

    morto, que, falando da Infelicidade que os atingira, sentiamum grande alivio. A antiga insti tuicao das carpideiras tern a ori-gem nesta necessidade de objetivar a dor, Quando alguem ecapaz de compor urn poema sobre a paixao que 0obceca, tor-na-a menos perigosa porque, como dissemos, objetivar urnsentimento e afasta-Io de nos e assumir para corn ele uma ati-tude mais serena.

    Transbordando em poesias e canticos, a alma liberta-se dosentimento concentrado; 0conteudo, dor ou alegria, que sefechava em si rnesrno, fica aberto agora; ao ser representa-do, a sua concentracao rornpeu-se, e a alma reeobrou a liber-dade. A atencao comeca a reparar no que e suscetivel de aconsolar enos conselhos que insistem sobre a necessidade demanter a calma e a serenidade, Esta e a base em que assenta aacao formal que a arte exerce sobre os sentimentos e aspaixoes,

    3. A funcao moralizadora da arteMas a elevacao da alma nao para na fase de ruptura, pura-

    mente formal, da concentracao. 0 processo prossegue ate quea alma receba urn conteudo que Ihe de forcas para combater e,se possfvel, veneer as paixoes. E se se admitir que 0lm da artenao consiste apenas em evocar paixoes mas tambern empurifica-las, ou, melhor, se se admitir que a evocacao nao e 0firn ultimo da arte, nao e um fim em si, dir-se-a portanto que ea moralizacdo, significado preciso da palavra purificacdo, 0fim da arte, Vimos, al ias, que a simples representacao implicaja urn determinado grau de purificacao, de catarse. Confere elaurn cerro dominic sobre as paix5es e os Impulses indisciplina-dos e selvagens. Aqueles que proclamam que 0homern devepermanecer ligado a natureza nao reparam que com isso soenaltecern a grosseria e a seIvageria. Ora, a arte , embora repre-sentando 0hornem em uniao com a natureza, eleva-o acimadela. E este e 0ponto essenciaLA arte agiria, pois, como vivificante, como um fortalecedorda vontade moral, preparando a alma para se opor com efica-cia as paixoes. Neste sentido se diz que a arte deve presidir umintuito moral, que a obra artistica deve possuir um conteudomoral, Precisa a arte conter algo de tao elevado que subordine

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    38 INIRODU9AO A CONCEP9AO OBjEl1VA DA ARTEonde se indica sempre aquilo em que consiste a ale?oria, q~~rdizer, ensino geral que cada canto supoe. Este me5odo utili-za a arte para formular urn ensinamento, para protege-lo ~o~ aautoridade e justifica-lo com prestigio de uma obra arnstica.Nada temos a dizer contra este metodo, desde que a forma ar-tistica nao degenere em simples ornato para amenizar u~ en-sino abstrato e que 0contellclo mantenha, com a fo~ma flgu~a-da uma unidade que constitui 0 aspecto essencial. ~qU1loque, sobretuclo, se exprobrou, nesta maneira de ver, f01a s~-bordinacao do que ha de sensivel na obra de arte a propos 1-coes mc;rais abstratas.. Nao continuaremos a insistir sobre este ponto. No entan-to as contradicoes implicitas nesta maneira de vcr importa ques~jam apreciaclas mais de perto porque ?os.abrirao 0c.aminhopara 0verdadeiro conceito da arte. MalS ainda: CO~s~ltue~0ponto de passagem para 0conc~ito. Com este ~:OP~SltO,,poe-se a questao de saber se 0ensino moral, con_sl?eraclo comofim supremo da arte, deve estar contido impltexta:nente, semser formulado como cnsino, ou se deve ser enun_C1ado,de urn'modo explicito. 0 que, em primeiro lugar, nos dizem e qu~ aobra de arte tern de compreender, implicitamente, urn ensmomoral que este ensino, como fim supremo que e da arte,_cleveenco~trar-se nela num estado em que nao se reake,. nao s~imponha como doutrina, lei, imperativo. Na generahdade, eadmissivel que uma boa moral possa ser cleduzida de :1111ae-presentacao concreta, da repr:senta

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    40 INTRODU9AO A CONCEP9AO OBjE71VA DA AR1E 4 1moral tem aqui um carater demasiado geral, demasiado vago;tambem a hist6ria se pode fazer esta mesma exigencia por-que, digamo-Io mais uma vez, todas as representacoes quetern por objeto os assuntos e acontecimentos humanos saosempre suscetiveis de implicar uma moral.

    J a 0mesmo nao acontece quando se diz que a moral deveestar representada explicitamente na obra artistica, que estadeve exprimir um ensino, leis claras, ser uma fabula docet. E caso das fabulas de Esopo. Cada fabula constitui, ai, um todo,so rnais tarde, e de urn modo desastrado, delas se extraiu ou aelas se acrescentou uma moral (ho mytbos deloi). J a por sipr6pria, a fabula e um ensinamento.Considerando mais atentamente, trata-se, na verdade, dadefesa do ponto de vista da lei, e e isso que temos de exami-nar. Por corresponder a moral, na vida humana, a verdade emgeral, pretendeu-se que a rnoralidade constituisse um aspectoessencial da arte, E a verdade, a lei da vontade e da conscien-cia e, portanto, nela a arte deve inspirar todas as suas criacoes.Ha, de um lado, a lei, ha, do outro lado, as tendencias, senti-mentos e paixoes, e entre estes e aquela situa-se 0ponto devista moral que obriga 0homem a reconhecer e acatar a leipara cornbater e dorninar as paixoes, a reconhecer e ter pre-sente, sempre que age, 0 dever, para repelir os interessesegoistas,

    Segundo tal concepcao, 0hornem moral teria conscienciado dever, da lei universal que subordinaria as suas decisoes eque seria arvorado em sua maxima. Dir-se-ia de acordo com 0dever, como dever, em nome da lei geral, da maxima que seria arazao determinante dos seus atos. A lei, 0dever, 0dever pelodever, e 0 universal, 0 abstrato que tem, na natureza, acontrapartida nos sentimentos naturais, nas inclinacoes, navontade natural, no coracao, na alma. 0 homem seria 0que 0dever e 0dire ito sao; 0que fizesse, fa-lo-la refletidamente econvicto. Sujeito e aquele que escolhe; ao escolher 0bem,utiliza-lo-ia contra as suas tendencias e os seus interesses sub-jetivos. Gracas a este ponto de vista, encontra-se formulada aoposicao da vontade no que tem de completamente geral avontade particular, natural, oposicao que e estabelecida demodo a indicar que a acao moral deve combater perrnanente-mente a vontade natural, que 0moral, ate por sua essencia, e

    uma luta travada para dominar, para vencer decisamente 0na-tural. Deriva, pois, do ponto de vista moral esta oposicao quenao se deve conceber na referida e limitada forma, mas sim domodo rnais compreensivo e geral. A lei e 0imperativo devemser concebidos como 0Abstrato, como 0produto do intelecto,como aquilo a que na vida corrente se chama 0conceito emgeral, como 0Abstrato oposto a plenitude da alma e da gene-ralidade da natureza.S6 no homem e no espirito humano esta posicao assumea forma de um modo cindido, separado em dois: de urn lado,o mundo verdadeiro e eterno das determinacoes autonornas,do outro lado, a natureza, as inclinacoes naturais, 0mundodos sentimentos, dos instintos, dos interesses pessoais e subje-tivos. De um lado, deparamos com 0homem sujeito a realida-de vulgar e a temporalidade terrestre, atormentado pelas exi-gencias e tristes necessidades da vida, amarrado a materia, embusca de fins e prazeres sensiveis, vencido e arrastado portendencias e paixoes, do outro lado, vemo-lo elevando-se aideias eternas, ao reino do pensamento e da liberdade, sujei-tando a vontade as leis e determinacoes gerais, despojando 0mundo de realidade viva e florescente para 0resolver em abs-tracoes, condicao esta do espirito que so afirma 0seu direito ea sua liberdade quando domina impiedosamente a natureza,como se quisesse vingar as miserias e violencias que ela 0obriga a suportar.Quando esta oposicao adquire carater suficientemente nl-tido, 0espirito oscila entre os do is termos, inclinando-se semcessar de um ao outro: do dever ao sentimento, da liberdade anecessidade. Enquanto 0 homem so obedece a vontade pro-pria, a liberdade so realiza os fins proprios; e so realiza a ne-cessidade quando 0homem se abandona as exigencias natu-rais, as das circunstancias, do coracao e dos sentimentos. Masnem sequer a liberdade escapa a leis, havendo leis para a li-Iierdade como ha para a necessidade, pelo que deparamoscom uma oposicao entre 0geral e 0particular. Ainda que 0particular esteja implicado no universal, que nao e inteiramen-Ie deterrninado por ele. 0 particular tem determinacoes pro-Ilrias que podem corresponder ou nao ao universal. Ainda ha,.ilL1ll disso, a oposicao entre 0concreto e 0 abstrato. Assim se('rgllcm um perante 0 outro os campos hostis do pensamento

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    42 INIRODU(:AO A CONCEP(:AO OBJE71VA DA ARTE 43e da realidade, da vida subjetiva e do conceito frio, da teoria eda experiencia, E assim 0ponto de vista moral comportaessencialmente uma oposicao, uma contradicao entre 0espiri-to e a carne; mas nao se limita ele a esta oposicao, e e , comovamos ver, mais vasto e mais geral.

    Esta oposicao nao e 0produto de uma reflexao requinta-da ou de uma filosofia escolastica, Ela sempre preocupou eperturbou, sob formas diversas, a consciencia humana, embo-ra tenha sido por influencia da cultura moderna que tomouuma expressao particularmentc aguda. E a cultura dos nossosdias, e a inteligencia moderna que a tornam especial mentesensivel ao homern, especie de anfibio vivendo em dois mun-dos contraditorios, entre os quais a consciencia sem cessar he-sita, incapaz de se fixar numa dccisao que a satisfaca. Mas, de-pois de terem levado ao extremo aquela duplicidade, a culturae a inteligencia modernas postularam a necessidade de umaconciliacao, Ora, nao podendo a inteligencia, 0intelecto, ven-cer a fixidez dos contraries, a conciliacao destes permaneccpara a consciencia um simples dever-ser, enquanto a nossarealidadc presente continua a viver na inquietude da alter-nativa, procurando uma solucao que nao consegue encontrar.Resta, pois, saber se LImaoposicao assim tao vasta e profunda,cuja necessidade de conciliacao ainda se mantern no estadode simples postulado, constitui a verdadc em si e c suscetivelde ser considerada como 0fim supremo da arte.

    Todavia, 0homem esta interessado em que aquela oposi-