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6 Gabriela Gonçalves Rosa UM DESPERTAR PARA A ALTERIDADE: O ÍNDIO E O NEGRO NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA (1999-2008) CURITIBA 2011 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de História - Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de licenciada em História. Orientadora: Prof.ª Drª. Eliane Mimesse Prado.

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Gabriela Gonçalves Rosa

UM DESPERTAR PARA A ALTERIDADE: O ÍNDIO E O NEGRO N OS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA (1999-2008)

CURITIBA 2011

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de História - Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de licenciada em História. Orientadora: Prof.ª Drª. Eliane Mimesse Prado.

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se motivou pela tarefa de compreensão da realidade escolar

quanto ao ensino de História nas redes de ensino durante os últimos anos.

Para o desenvolvimento desta, buscou como fonte os livros didáticos da

disciplina de história utilizados pelos alunos das 6ª séries do Ensino Fundamental. A

opção por esta série esteve relacionada por esses manuais iniciarem seus estudos de

História do Brasil a partir de então. O que atribuiu a esta faixa etária o ponto de partida

a uma formalização e constituição de memória e identidade, por meio dos conteúdos

da História Nacional, ao qual se faz presente na realidade dos alunos.

Para isto, foram selecionados manuais didáticos indicados pelo programa

federal criado para reger a distribuição desses livros nas redes de ensino de todo país, o

Programa Nacional do Livro Didático - PNLD. Mas a escolha se respaldou pelo

resultado de avaliações destinadas a estes livros, o que se tornou um desdobramento de

tal programa. A avaliação se denominou Guia dos Livros Didáticos (1999), que

indicam a todos os professores das redes de ensino e no caso aos professores de

história para o Ensino Fundamental, quais foram os livros considerados recomendados

segundo esta avaliação para o ensino da disciplina.

Contudo esta avaliação se baseou nas recomendações dispostas nos

Parâmetros Curriculares Nacionais de História – terceiro e quarto ciclos - em que

enfatizam a necessidade de o aluno desenvolver uma consciência histórica e crítica,

capaz de “identificar, situar, reconhecer, compreender, conhecer, questionar, dominar

e valorizar” o conhecimento histórico, influenciando no modo de vida destes, ao ponto

que, se identifiquem como participantes da História. 1

No entanto, diante da infinitude de temáticas que compreendem este campo, e

das várias possibilidades de abordar os acontecimentos históricos, procurou retratar

uma questão tão presente na contemporaneidade, e ao mesmo tempo alvo dos atuais

1 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

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embates historiográficos, a alteridade. Conforme Tutiaux-Guillon, esta temática tem

sido constantemente abordada graças ao aumento permanente das diferenças.2

Logo, se considerou como discurso, o ensino de História como possibilidade

de debate às questões de alteridade. De que forma analisa-se as diferenças, ou como se

percebe o “outro”. Mas qual seria a relevância desta temática para o ensino de

História? Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais a acima citados:

Hoje em dia, a percepção do “outro” e do “nós” está relacionada à possibilidade de identificação das diferenças e, simultaneamente, das semelhanças. A sociedade atual solicita que se enfrente a heterogeneidade e que se distinga as particularidades dos grupos e das culturas, seus valores, interesses e identidades. Ao mesmo tempo, ela demanda que o reconhecimento das diferenças não fundamente relações de dominação, submissão, preconceito ou desigualdade. Todavia, esse não é um exercício fácil. Ao contrário, requer o esforço e o desejo de reconhecer o papel que é exercido pelas mediações construídas por experiências sociais e culturais na organização de valores, que sugerem, mas não impõem, o que é bom, mau, belo, feio, superior, inferior, igual, perfeito ou imperfeito, puro ou impuro; que orientam, mas não restringem, as ações de aproximação, distanciamento, isolamento, assimilação, rejeição, submissão ou indiferença; e que possibilitam o conhecimento ou o desconhecimento da presença ou da existência da diversidade individual, de grupo, de classe ou de culturas.3

Por essas premissas justificou-se a discussão, compreendendo que por meio do

ensino de História existe a possibilidade de que o aluno - como sujeito ativo, possa

analisar as diferenças como essenciais para interpretar sua realidade. Por meio dessa

percepção, entre diferenças e semelhanças, aproximações e distanciamentos - que

sempre estiveram presentes na História e foram capazes de estabelecer relações e

valores sociais – este aluno possa produzir uma consciência histórica, a ponto de

sentir-se constituinte da realidade, influenciando no meio em que vive, assumindo

“formas de participação social, política, e atitudes críticas diante da realidade atual,

2 TUTIAUX-GUILLON, Nicole. O Ensino da história e a alteridade na França: algumas perspectivas para reflexão e pesquisa. In: CARRETERO, Mario; ROSA, Alberto; GONZÁLES, Maria Fernanda. (org.). Ensino da História e Memória Coletiva. Trad. Valéria Campos. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 283. 3 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998, p. 35.

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aprendendo a discernir os limites e as possibilidades de sua atuação, na permanência

ou na transformação da realidade histórica na qual se insere.” 4

A partir de tais temáticas e incentivos por meio do ensino de história, e desta

capacidade atribuída a ela segundo os PCNs, nota-se a importância de discutir, debater

e questionar os conteúdos históricos em relação ao contexto histórico em que este

aluno está inserido. O que em realidade atribui a estes anos de escolarização formal

como fundamentais para a constituição dos valores que acompanharão esses alunos

durante sua vida.

Desta maneira, podemos dizer que incumbe a História uma contribuição na

formação da memória deste aluno, mas também em contribuir para o desenvolvimento

de uma identidade desses indivíduos. Esta importância está atrelada à necessidade de

se desenvolver no aluno uma percepção crítica sobre seu presente e de sua consciência

histórica. Como afirma Mario Carretero: “... os objetivos sociais do ensino de história

sugerem dirigir-se a um âmbito de socialização, mais concretamente ao das atitudes,

pelo terreno das identidades; este último constitui um destino irrenunciável em

qualquer nação”.5

Seguindo as orientações acima, esclarece-se que a presente pesquisa tende a

analisar no cotidiano escolar como o ensino de História tem se desenvolvido; e como

as questões de alteridade foram abordadas no principal instrumento que professores e

alunos têm utilizado o livro didático de História.

No entanto, a principal discussão considerou a forma como os esses livros

apresentaram as questões relativas a duas alteridades: o indígena e africano nos

primeiros anos de história brasileira após a conquista dos povos europeus no território.

Conforme já citados, as fontes utilizadas para tal análise foram os livros

didáticos de história indicados pelos Guias dos Livros Didáticos para séries finais,

desde sua primeira edição em 1999 até a edição de 2008.

4 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998, p. 36. 5 Tradução livre da autora. “los objetivos sociales de la enseñanza de la historia suelen dirigirse al ámbito de la socialización, más concretamente al de las actitudes, y por ende al terreno identitario; éste último constituye un destino irrenunciable en cualquier nación”. CARRETERO, Mario. Documentos de identidad: La construcción de la memoria histórica en un mundo global. 1ª ed. Buenos Aires: Paidós, 2007, p.50.

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Das indicações recomendadas pelos Guias onze livros correspondentes a sexta

série foram selecionados, compondo-se de: uma edição recomendada pela avaliação de

1999; duas edições recomendadas pela avaliação de 2002; duas aprovadas na avaliação

de 2005, e seis livros aprovados na avaliação de 2008.

A opção de analisar tais livros por esta temporalidade (1999-2008) deveu-se

pela criação e uso do método avaliativo destinado a estes, que indicaram e ainda

indicam aos professores das escolas os livros que estão de acordo com um ensino

coerente segundo os Parâmetros Curriculares. Mas a opção por destes livros deveu-se

ainda por estas obras terem sido grandemente utilizadas nas escolas das redes públicas

de ensino no Paraná durante os anos de 1999 até 2010.

Em vista disto, buscou-se verificar como a alteridade indígena e negra foi

apresentada nestes livros didáticos, isto é, como estes livros didáticos durante estes

anos apresentaram estas alteridades, considerando suas relações sociais, políticas,

econômicas e culturais na sociedade estabelecida.

Como método, procurou examinar os livros didáticos de história nos contextos

que se referiram às representações destes povos, ou seja, preconizando a abordagem

pela temporalidade de 1999 à 2008 - sendo a última avaliação em que se considerou

um tempo adequado para análise.

Justifica-se ainda a sequência utilizada que ordenou os capítulos deste texto

que primeiro abordou as representações historiográficas e suas mudanças em relação

as alteridades indígena e negra nos primeiros anos pós contato a cultura européia.

O capítulo seguinte retratou sobre o livro didático, apresentando seu histórico

por meio de uma abordagem processual; a constituição do conteúdo em si, e a

regulamentação desses manuais pelas políticas educacionais constituídas.

Nos capítulos que se seguiram verificou-se as abordagens historiográficas em

relação a estas alteridades presentes nos livros didáticos nos anos de 1999 a 2008. E

por último brevemente analisou-se como esses livros didáticos foram utilizados nas

redes de ensino durante estes anos.

Não obstante, por meio destas reflexões em relação aos manuais didáticos

utilizou-se como respaldo autores como: Michel Pollak, que com suas observações

sobre memória e memória coletiva contribuíram na análise do ensino em relação ao

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tipo de memória este transmitisse ou mesmo preservasse no aluno, pelos conteúdos

examinados. Mas verificaram-se também as obras de Mario Carretero, que tratam

sobre questões de memória, identidade e nacionalismo efetivados com o ensino de

história.

Sobre livros didáticos e políticas educacionais referenciou-se Célia Cristina de

Figueiredo Cassiano.

Já historiadora francesa Nicole Tutiaux-Guillon participou desta análise com

seus escritos sobre alteridade presentes nos livros didáticos de História na França.

Mas ainda, utilizou-se de referenciais da antropologia, que analisaram a

questão do “outro”, tais como Everardo Rocha, Roberto Da Matta e Clifford Geertz.

E ainda das proposições do historiador Marc Ferro, que contribuíram para esta

análise das fontes em relação a persistência de discursos historiográficos que

permanecem por meio de suas relações seja com o oficial e o popular.

As principais obras verificadas deste autor formam “História Vigiada” e “A

Manipulação da História no Ensino e nos Meios de Comunicação”. Estas atestaram

que os discursos reproduzidos na historiografia muitos se sustentaram por uma

linguagem dominante. E no caso oficial, ou eurocêntrica, mas que, todavia justificam

as ainda atuais abordagens e metodologias utilizadas pelos livros didáticos de história.

Desta forma o livro didático e suas representações atribuídas às populações

negras e indígenas demonstraram a ação e persistência de um discurso que geralmente

se faz dominante, o de submissão, seja no que se escreve, quem escreve e pra quem se

escreve.

Contudo, por meio dessas reflexões, levantaram-se questões sobre: A forma

como estes livros didáticos de história abordam tais questões como alteridade e

diferenças? Como este livro permite que este aluno por meio do aprendizado de

História analise e desenvolva uma consciência crítica, capaz de contemplar as

diferenças sem uma perspectiva etnocêntrica e preconceituosa em relação à

representação negra e indígena na História do Brasil? Mas, sobretudo como o aluno se

reconhece sujeito da História por meio da memória propagada pelo livro didático e das

representações abordadas por eles. Respondendo a formalização e constituição de sua

identidade?

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Uma afirmação suscitada por Tutiaux-Guillon tratando da realidade francesa,

direciona as hipóteses dos questionamentos aqui indicados, ainda que por medida de

esforços, “os livros didáticos ainda conservam um ponto de vista etnocêntrico sobre o

passado.” 6 E isto pode ser verificado nos manuais didáticos utilizados nas redes de

ensino do Brasil nos últimos dez anos, que persistem em analisar tais sujeitos por meio

de uma visão eurocêntrica, apoiadas em etnocentrismos.

6 TUTIAUX-GUILLON, Nicole. O Ensino da história e a alteridade na França: algumas perspectivas para reflexão e pesquisa. In: CARRETERO, Mario; ROSA, Alberto; GONZÁLES, Maria Fernanda. (org.). Ensino da História e Memória Coletiva. Trad. Valéria Campos. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 283.

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1. DISCURSOS SOBRE A HISTÓRIA DO BRASIL: O POVOAMENTO

BRASILEIRO

1.1. CONTATO ENTRE CULTURAS: O ÍNDIO E O NEGRO

“Senhor, posto que, O Capitão-Mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escreveram a Vossa Alteza, a noticia do achamento desta vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarem de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder... A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas, ao Sul dele e da terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o Capitão pos o nome de O Monte Paschoal e à terra A Terra de Vera Cruz...”7

Em 1500 o Brasil, ou a Terra de Vera Cruz como citou Caminha em sua carta

ao rei, descreveu os primeiros impactos da chegada em terras americanas. A partir

disto, o “Velho Mundo” entrou em contato com o “Novo Mundo” cheio de

peculiaridades e diferenças que chamaram a atenção dos europeus portugueses,

acreditando-se a terra do Brasil como um paraíso repleto de paisagens e riquezas

naturais.

O documento acima segue com o relato do contato com a população local,

população ameríndia, com noções de espaço, cultura e sociabilidades totalmente

diferentes as que possuíam seus vizinhos europeus. Esta relação, a princípio pacífica,

logo se baseou em uma repleta de adversidades. De um lado, o homem branco que

entrava em território totalmente desconhecido, sem saber o que encontraria neste

paraíso tropical “perdido”; do outro, os “povos da terra”, o indígena que segundo

Darcy Ribeiro “vestidos de nudez emplumada” 8, contemplaram abismados o grande

monstro, talvez divino que carregava homens barbudos e mal cheirosos, cobertos de

vestimentas cheias de adereços. Este primeiro olhar causou sentimentos de

curiosidade, espanto para ambas as partes.

7 Disponível em: http://www.jangadabrasil.com.br/fjan/descobrimento.pdf. Acesso em: 13. jun 2010. 8 RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 44.

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Presenteados pelos europeus, os índios demonstraram as preciosidades

naturais da Terra de Santa Cruz, que logo, partiram de relação amistosa para uma

conflituosa.

A América brasileira com infinidades de recursos naturais passou a ser

visualizada pelo continente europeu com maior apreço. Desta forma, as terras

descobertas por esses, tornaram-se uma espécie de alavanca na corrida mundial para a

Modernidade estabelecida neste contexto. Conforme analisou Immanuel Wallerstein, o

Mundo Moderno se subdividiu em um “sistema mundial” composto de duas partes, o

centro e a periferia, sendo o primeiro atribuído a Europa, e o segundo as colônias e

lugares “extra-europeus” 9. Nestas condições, as colônias passaram a serem exploradas

sustentando o status quo europeu econômico, social e mesmo cultural.

Das riquezas territoriais existentes, o Brasil se destacou das outras colônias

portuguesas por sua produtividade agrícola devido ao clima. Conforme Fernando A.

Novais, “as condições geográficas do mundo tropical permitiam a implantação de uma

economia agrícola complementar à agricultura temperada da Europa” 10, sendo uma

vantagem maior tornar do Brasil Colônia, capaz de gerar lucros mediante sua

exploração e assim sustentar a metrópole européia. A princípio o que se denominou

uma “grande ilha” logo mostrou-se como um imenso território e com vantagens de

exploração, resultando numa relação problemática com os habitantes originais desta

terra, os índios.

A mudança administrativa para a Colônia exigiu também uma mudança social,

isto é, o relacionamento do europeu e do nativo se modificou, passando para uma

relação de senhorio. O ameríndio do Brasil se transformou em mão de obra exposta ao

regime de “trabalho compulsório, semi-servil ou propriamente escravista” 11, e na

medida em que o território foi conhecido, as fontes de lucro aumentaram e a

exploração indígena também.

9 O termo extra-europeu foi utilizado pelo autor como forma de denominar todos os territórios do mundo que não pertenciam a geografia européia ocidental, demonstrando sua grande influência que se mostrava para o mundo Moderno, a fim de se tornar um pólo exemplar tanto político, econômico e cultura para as colônias, e para os demais territórios. WALLERSTEIN, Immanuel. Apud. ARNO, Wehling. A formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 49. 10 NOVAIS, Fernando A. O Brasil nos quadros do antigo sistema colonial. In: ________. Brasil em perspectiva. São Paulo: Vértice, 1974, p. 57. 11 id.ibid. p.58.

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Com esse crescimento, o uso da mão de obra indígena se transformou numa

grande problemática nos primeiros séculos de Brasil Colônia que, paulatinamente

desencadearam conflitos entre o colono e os povos brasilis, o que produziu desgaste

desta população, conseqüentemente a redução da mão de obra. Neste sentido, o

“achamento” das terras brasileiras produziu uma mudança para os moradores da

América brasileira, que acostumados ao seu modo de vida e as suas visões do mundo,

sofreram um impacto cultural violento, o que tornou suas relações com o homem

branco conturbada.

As relações estabelecidas entre indígenas e colonos durante os anos de

América Portuguesa não se baseavam somente no trabalho compulsório e forçoso, mas

houve casos em que indígenas se submeteram ao homem branco em troca de proteção

que esses senhores poderiam oferecer 12. Todavia não se pode relacionar este fato

como vantagem para o ameríndio brasileiro, visto que a ação portuguesa no território

sul americano extrapolou questões sociais, biológicas e principalmente culturais,

submetendo o indígena a uma forma de vida totalmente diferente ao seu modo

anterior, e esta passou a ser baseada nos moldes europeus.

Nessas relações formalizou-se a História do Brasil, que reconhece os feitos

dos povos indígenas brasileiros para a construção da modernidade, relacionando-os

como força de trabalho nos primeiros anos desta história.

A imagem não compreendida pelo europeu nesses primeiros séculos de Brasil,

relacionaram esses povos como criaturas curiosas e exóticas logo, mas também como

sujeitos inferiores em relação a cultura, o que os expôs em condições de subjugação e

consequentemente de exploração. “Os índios, vistos em principio como a boa gente

bela, que recebeu dadivosa aos primeiros navegantes, passaram logo a ser vistos como

canibais, comedores de carne humana, totalmente detestáveis”.13

Bestializados e demoníacos, para os ocidentais católicos, houve uma

justificativa para sua condição. Considerados como criaturas bizarras, selvagem e

12 O tipo de relação refere-se a proteção que os colonos ofereceram aos ameríndios no Brasil. Por existir uma diversidade de etnias que ocasionavam conflitos entre esses povos, resultando assim, na ação protetora e interferência do branco nestas questões. 13 RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.57.

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pagã, o índio e o europeu iniciam um relacionamento problemático e conflituoso,

todavia o índio como mão de obra foi indispensável.

Para tamanha problemática a Igreja Católica Portuguesa interfere neste

processo com a Contra Reforma, que objetivou angariar mais fiéis. Neste sentido a

catequização de povos indígenas, abrandaria esta situação, tornando estes indígenas

sujeitos dados à fé católica e civilizados aos moldes europeus. Para isto, ordens

religiosas foram enviadas pela Coroa a fim de assumir a situação na colônia que

deveria se transformar em uma extensão da metrópole.

Mas isto não se tornou um processo fácil. A resistência indígena foi

reconhecida, no entanto estes homens sujeitos a assimilação cultural passaram anos

sob o poder dos colonos e dos padres, que embargavam seus rituais, suas

manifestações religiosas e culturais, considerando-as como bestiais.

Este ponto de partida da História brasileira narra relações sociais que se

intensificaram por séculos. De paraíso tropical, o Brasil passou a ser observado como

riqueza natural que deveria ser explorado, estendendo este pensamento também a

população local. A população brasilis prejudicada materialmente, fisicamente e

culturalmente se tornou mão de obra de povos estranhos à sua própria terra, o que na

medida dos anos casou grande trauma nesta população.

Logo a problemática indígena se intensificou originando diversos embates

sobre sua condição no Brasil Colônia. Muitos indígenas não se adaptaram ao trabalho

e as condições impostas pelo colono. Percebeu-se então o desgaste indígena e as novas

possibilidades de mão de obra já vigentes em outras localidades. E com a “Lei sobre a

Liberdade dos Indígenas do Brasil” 14 de 1570, a escravidão indígena passou a ser

criticada pela Coroa, mas isto não provocou seu fim e sim uma diminuição. Visto a

possibilidade da mão de obra africana, que logo se tornou a mais empregada nos anos

da História brasileira.

Por meio disto, abriram-se portas para o comércio escravocrata africano, que

demonstrou suas vantagens no comércio escravista, fortalecendo assim a economia da

14 Primeira lei contra o cativeiro indígena. Esta lei só permitiria a escravidão dos indígenas com a alegação de “guerra justa”. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:DccYUAthndEJ:www.ibge.gov.br/brasi l500/indios/politica.html+Lei+sobre+a+Liberdade+dos+In Acesso em: 04 mar 2011.

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colônia, mas ainda sim a escravidão indígena foi preservada nas pequenas posses de

terras onde não havia grande circulação de capital, submetidos a uma economia de

subsistência, em que o único recurso permitido era os escravos naturais da terra.

Neste processo transitório da mão de obra no Brasil colonial não se considerou

a troca de um sistema por outro, isto é, no rompimento da escravidão indígena para o

início da africana; mas houve a presença de ambas simultaneamente em diversos

lugares e espaços, que variou-se quantitativamente no decorrer dos anos.

Contudo, essa mudança quantitativa indígena alterou-se pela relação com o

trabalho proposto, os lugares habitados, pelas condições físicas e biológicas expostas;

sobretudo pelo próprio abalo cultural submetido, que tornou a população ameríndia

mais frágil. Ainda mais com a possibilidade do trabalho africano, o comércio

escravista foi se fortalecendo e crescendo cada vez mais, embora houve necessidade da

escravidão indígena permanecer muitos anos na História do Brasil.

Com o aumento da exploração do território brasileiro e a diminuição da mão

de obra indígena, o comércio escravista africano na colônia portuguesa ampliou e se

fortaleceu, estabelecendo intensa relação com o comércio ultramarino escravista nas

regiões do continente Africano, principalmente nas áreas costeiras que abasteceram as

metrópoles e as colônias com sua mão de obra.

Com a permissão dos Estados europeus, o tráfico africano nas terras

brasileiras se intensificou, o que a tornou uma fonte elevada de lucro. Pois quanto mais

se necessitava de mão de obra, mais o tráfico se desenvolvia, podendo-se afirmar que

este foi o mercado que mais faturou em aproximadamente quatro séculos de história

brasileira. Conforme afirma Fernando A. Novais sobre o período colonial brasileiro:

“escravismo, tráfico negreiro, formas várias de servidão formam, portanto o eixo em

torno do qual se estrutura a vida econômica e social do mundo ultramarino valorizado

para o mercado europeu.” 15

Não é de se espantar que muitos adentraram neste comércio na tentativa de

enriquecimento e de status social, que de certa forma acentuou as ações de tráfico

africano nos estados europeus que lutavam pelo hegemonia mundial e de suas

respectivas colônias. Logo, possuir escravos tornou-se sinônimo de riqueza e poder,

15 NOVAIS. op. cit. p.62.

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que se traduziu como fonte de lucro tanto para o traficante, quanto para o estado que

possuía seu domínio. Em razão disto, muitos ingressavam neste campo projetando seu

desenvolvimento por meio de tal comércio.16

A partir disto desenvolveu-se uma mentalidade que durou até meados do

século XIX, conforme afirma Sergio Buarque de Holanda, ser senhor de terras e dono

de escravos faziam parte dos ideais do tempo, “pois possuir escravos era sinal de

abastança, conferia prestígio social.” 17 Destacam ainda Mary Del Priori e Renato

Pinto Venâncio a respeito dos tipos de cativo, citando a prática comum da matança de

escravos, que era “considerada uma forma de ostentar riqueza.” 18

Nota-se então, que os africanos dividiram problemáticas semelhantes às que os

povos ameríndios enfrentaram em seus anos de História brasileira sob domínio

europeu. A priori considerados como mão de obra sustentadora do regime colonial, a

escravidão africana não se limitava a uma questão econômica, mas numa problemática

social e cultural. O escravo africano como mercadoria para o homem branco possuía

uma representação subumana e bestial, o que desconsiderou sua cultura e pensamento.

Retirados de sua terra natal anulou-se o sujeito, que adentrou o território como

um objeto incompreendido e útil apenas para a servidão.

A escravidão africana iniciou sua história no Brasil por meio de uma relação

de subjugação em que o homem civilizado dominou, privou o homem de sua

identidade, o destinando apenas como escravo nulo de qualquer expressão social ou

significância cultural.

A isto Luiz Felipe de Alencastro designou com um processo de

“dessocialização” em que o individuo capturado e afastado de sua comunidade nativa,

levado a um novo ambiente que possui uma visão de mundo diversa da sua, não pode

mais estabelecer as mesmas relações com seu social, visto que estão longe do espaço

natural, conseqüentemente de suas expressões culturais e sociais. Logo de sua

“ despersonalização”, a que abandona a visão de homem tornando-se cativo e

mercadoria; em sua “coisificação”, submetido ao conjunto de regras que se impõem

16 id. ibid. p. 60. 17 HOLANDA, Sergio Buarque de. (org.) O escravo na grande lavoura. In: ________ O Brasil Monárquico - Reações e Transações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil/DIFEL, 1987, p. 141. Tomo II, v. 3. 18 DEL PRIORE Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. (org.) Ancestrais: uma introdução à história da África Atlântica. RJ: Elsevier, 2004, p. 39.

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nas sociedades escravistas.19 Um terceiro fator pode ser acrescentado, a

desaculturação, como tentativa de anular as crenças, as manifestações populares, os

modos comportamentais, as relações sociais e toda a ação cultural desses povos

passaram pela não aceitação, sendo consideradas absurdas pela cultura cristã e

civilizadora da Europa moderna.

Submetidos a duras e longas jornadas de trabalho os escravos se tornaram

mais frágeis, permanecendo como força de trabalho em média 15 anos. “Mal nutridos,

mal vestidos, minados pelas verminoses”, muitos ficavam doentes e inválidos, sendo

abandonados por seus senhores. Desta forma, fica claro que “a antiga estrutura familiar

africana não podia sobreviver dentro das condições criadas pela escravidão”.20

Nesses primeiros anos de Colônia Portuguesa, o Brasil ficou marcado pela

instauração de um regime pautado pela ótica européia, baseados na exploração e na

imposição de culturas, e esta, sobretudo deveria ser européia.

Portanto a ação do negro e do índio nos primeiros anos do Brasil Colônia

intensificou-se numa relação conflituosa com o branco colonizador. Relação esta que

se desdobrou na história de uma forma problemática, tornando-se um discurso

indigesto e muitas vezes silencioso.

Das três raças que entraram na constituição do Brasil duas pelo menos, os indígenas e africanos, trazem à baila problemas étnicos muito complexos. Se para os brancos ainda há uma certa homogeneidade, que no terreno puramente histórico pode ser dada como completa, o mesmo não ocorre com os demais. Os povos que os colonizadores aqui encontraram, e mais ainda os que foram buscar na África, apresentam entre si tamanha diversidade que exigem discriminação.21

Na afirmação acima, identifica-se um problema histórico quando se trata à

questão de raças no Brasil. Nesse aspecto o autor chama a atenção dos estudos feitos

sobre esta temática que constituíram a história brasileira desde a chegada européia no

território, notando, sobretudo a maior e mais homogênea produção da História branca.

Isto é, enquanto dedicou-se diversos estudos e discursões sobre a participação,

19 ALENCASTRO, Luiz Felipe. O Trato dos Viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 144. 20 HOLANDA, op. cit. p. 146-147. 21 PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia. 3ª reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 85.

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influência, cultura, socialização e mesmo a dominação européia no Brasil analisando o

homem branco em suas especificidades, a história africana e indígena sofreu e ainda

sofre uma menor produção, e em sua maioria repleta de análises que dispõem esses

povos a uma única visão, sendo igualmente relacionados por terem participado de

condições de vida e de trabalho semelhantes, pelas punições, pela resistência, mas,

sobretudo porque ambos foram escravizados.

No entanto conforme mudanças historiográficas, as imagens do ameríndio e

do negro passaram de uma análise intrínseca ao trabalho, para também cultural, mas

embora atualmente se dediquem mais pesquisas e discursos menos simplificados sobre

estas populações, ainda há a necessidade de mais esforços. Estes fundamentais para

compreensão do presente, que refletem nas estruturas sociais, culturais, políticas,

educacionais, demográficas, e econômicas no Brasil hoje. Há campos ainda a serem

descobertos.

Sendo assim, existe a necessidade de rompimento com a visão tradicional a

qual estes dois sujeitos da História só reconhecem seu passado como escravos,

lembrados por sua participação na política econômica do país - o que insiste em

ocorrer. Mas, analisá-los como um homem multidimensional, que possui uma história

diversa antes, durante e depois da dominação européia branca, conforme analisa Lilia

Moritz Schwartz em “O Espetáculo das Raças”, para uma compreensão da história

brasileira além de econômica, mas a uma “questão social”.22

1.2. O INDÍGENA E O NEGRO BRASILEIRO: MUDANÇAS

HISTORIOGRÁFICAS

Durante muito tempo a historiografia brasileira relatou as ações dos povos

ameríndios e africanos relacionados somente à condição de escravo, despossuídos de

qualquer importância social ou mesmo cultural que exercesse influência na colônia.

Assim, a lente que muitos historiadores utilizaram para examinar o processo de

escravidão no Brasil esteve ligada a um olhar tradicionalista, tendo como base a

economia e a política para análise dos eventos na História do Brasil.

22 SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870 – 1930). São Paulo: Cia. das Letras, 1993, p.17.

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A historiografia insistiu em associar o indígena e principalmente o africano

por meio do sistema econômico que ocorria na colônia, isto é, como escravo, não o

reconhecendo como um sujeito histórico que se expressou de diversas formas em seu

contexto.

E em resposta a carência de estudos aprofundados sobre o negro e o índio

enquanto sujeitos, a história viciou-se em uma visão tradicional, e conforme afirma

Boris Fausto, se baseando numa história “silenciosa”.23 Porém, não se pode afirmar

que esta visão permaneceu estática diante das mudanças historiográficas.

Com a valorização do indivíduo e de suas expressões, o modo de analisar do

escravo se alterou. Passou-se a observá-lo como sujeito influente em seu tempo e

possuidor de uma identidade que determinou vários aspectos de sua vida privada e

social, e de suas relações culturais, destituindo a imagem do senhor da casa grande ou

do colono como centro de toda a referência na História do Brasil e em relação à vida

desta população, segundo analisa Sheila de Castro Faria, sobre a representação do

escravo brasileiro.

Após esta nova historiografia, entretanto, sabe-se que não era trabalhar, comer e dormir acorrentado a grilhões silenciosos. Em termos figurativos, é a ponta de um véu que, já levantada, deixa entrever uma comunidade não fechada em si mesma, que em seu dia-a-dia trabalhava, comia, amava, odiava, convivia intimamente com os livres, comercializava, andava por caminhos e ruas, tramava, etc. Vivia, em suma. Mas vivia escrava! Este é um dado fundamental.24

Surge um redirecionamento na história da escravidão brasileira. E como

conseqüência da valorização dos estudos sobre escravidão no Brasil, o indígena e o

negro tornaram-se sujeitos, tendo sua expressão de homem não anulada pela condição

escravista.

A partir disto foram dedicados estudos que demonstraram o índio como

habitante original do Brasil e possuidor de uma cosmo visão que em contato com

outras culturas foram resignificadas. Mas também verificou-se a História Africana no

Brasil, que passou a conhecer a suas origens em seu continente natal. Ainda, buscou-se

analisar as relações culturais estabelecidas na medida dos tempos em território

23 BORIS, Fausto. História do Brasil. 8 ed. São Paulo: Editora USP. 2000, p. 40. 24 FARIA, Sheila de Castro. A Colônia em Movimento (Fortuna e Família no Cotidiano Colonial). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 291-292.

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brasileiro. Por meio disto, imagem do africano e do indígena passou a ser percebida

não só mais participantes da história brasileira, mas constituintes desta, que deixou

heranças e é herdeiro dela.

Desta maneira, o Brasil é uma terra hibrida repleta de culturas que foram

assimiladas umas pelas outras. 25 Contudo, essa miscigenação cultural demonstra a

mais forte herança do povo brasileiro e do que é “ser brasileiro”, e neste caso, o mérito

é da cultura européia, que instituiu valores e representações do mundo além-mar.

Ainda estas noções culturais foram transformadas e somadas a cultura africana e

indígena, no entanto a proporção maior de nossas atitudes, costumes e jeitos são

europeus, conforme comenta Sergio Buarque de Holanda, em sua obra “Raízes do

Brasil”.

A experiência e a tradição ensinam que toda cultura só absorve, assimila e elabora em geral os traços de outras culturas, quando estes encontram uma possibilidade de ajuste aos seus quadros de vida. Neste particular cumpre lembrar o que se deu com as culturas européias transportadas ao Novo Mundo. Nem o contato e a mistura com as raças indígenas ou adventícias fizeram-nos tão diferentes dos nossos avós de além-mar como às vezes gostaríamos de sê-lo... Podemos dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma.26

Essa herança ibérica, a que estamos fortemente ligados, conforme cita Sergio

Buarque de Holanda, justifica muitas vezes a desatenção historiográfica dada aos

povos ameríndios e negros do Brasil, visto que nossa própria história é reflexo da

história européia, que se inicia a partir Descobrimento das terras brasileiras pelo

europeu em 1500.

Acostumados a este tipo de História, é comum que ainda hoje prevaleçam

discursos insistentemente tradicionalistas, mas surge à necessidade cada vez maior de

novas abordagens, que rompam da História brasileira o olhar somente europeu.

É cada vez mais urgente construir uma história brasileira com análises

baseadas nas diferenças que sempre existiram, e conforme Gilberto Freyre, nos

antagonismos que possuem nossas relações sociais.27

25 SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870 – 1930). São Paulo: Cia. das Letras, 1993. 26 HOLANDA, Sergio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p.40.

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Desta forma, a história será ainda reescrita e atentará para as novas

representações, mas conforme Sheila de Castro Faria afirma, ainda são necessários

muitos estudos para se obter considerações mais abrangentes28, para sim conhecer o

índio, o branco, o negro, o mulato, o caboclo, o mameluco. Isto é, não só a História do

Brasil, mas a história do povo brasileiro.

27 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 51ªed. São Paulo: Global. 2006, p. 116-117. 28 FARIA. op. cit. p.294.

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2. O LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL E O MANUAIS DE HISTÓRIA:

DISCURSOS DE ALTERIDADE

As páginas anteriores apresentaram duas sociedades presentes na História do

Brasil que são fundamentais para o entendimento da atual cultura brasileira. Histórias

que foram por anos contadas por uma perspectiva européia, marcadas na História do

Brasil por meio da relação entre o índio e o negro com o homem branco europeu,

iniciado com o domínio Português na América a partir do século XVI.

Mas além de contextos, enfatizou-se as relações que a historiografia brasileira

dedicou para representação destes povos, que de uma abordagem tradicionalista-

política e econômica, ampliou-se para um olhar mais abrangente- social e cultural.

Contudo, a presente proposta intensifica-se numa análise da alteridade no

ensino de História em relação as sociedades estabelecidas enquanto América

Portuguesa, e isto relacionado à forma com que os alunos da disciplina História

aprenderam e têm aprendido tais conteúdos, mas também como se comportaram diante

de tal aprendizado.

O caminho para esta análise tem como fonte o recurso mais utilizado no atual

contexto escolar, o Livro didático, e no caso, os manuais didáticos de História. No

entanto, para examiná-los foi necessário compreender as relações históricas

propriamente ditas do livro didático no Brasil, como: surgimento; regulamentações e

adequações institucionais; e relações entre Estado e sociedade.

Além disso, buscou-se analisar a criação e desenvolvimento de uma memória

que pode consolidar ou mesmo modificar conceitos, mas também estabelecer relações,

fazendo com que este manual possua tais atributos, tendo tamanha relevância em sua

análise no presente tempo, e em particular o Livro de História.

2.1. HISTÓRICO E CONSTITUIÇÃO.

A História do Brasil como disciplina escolar iniciou-se durante a formação do

Estado monárquico brasileiro. Motivado, sobretudo pelo desenvolvimento de uma

identidade brasileira, a disciplina deveria despertar na população uma atenção maior a

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25

respeito dos fatos passados e que deveriam ser perpetuados por meio do ensino de

História. Mas coube também sua criação como forma de legitimar o Estado-Nação

constituído e do poder instaurado 29.

Nesse contexto foram criados os primeiros manuais de história, como a

finalidade de incutir em determinada parte da população, um conhecimento erudito e

elitista que se apresentava na Europa moderna. Como exemplo desta produção, o

manual “Resumo da história do Brasil” (1831) de Henrique Luiz de Niemayer

Bellegarde em sua primeira edição, apresentou-se como uma tradução de textos

franceses readaptados para a história brasileira, chegando aos bancos escolares com

linguagem culta, discurso militarizado e ligado a questões sagradas30.

Seguindo este padrão, os primeiros manuais publicados intensificaram esta

ideologia para a formação de uma sociedade seleta e civilizada, que se adaptaria aos

padrões intrínsecos aos da comunidade européia. Contudo, esses manuais traduzidos

passaram a dividir o espaço nos bancos escolares com livros que tratavam da história

brasileira mais incisivamente. Como o caso do manual “Lições para História do

Brasil” de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1860, e utilizado até 1926.31

Ora, neste contexto em que o desenvolvimento econômico, social e moral

indicavam a cultura além mar como exemplo, caberia a estes manuais didáticos

propiciar aos jovens intelectos burgueses com uma nova história que superasse as

narrativas já existentes. Narrativas ligadas a exploração e a dominação européia em

relação aos povos brasileiros nos primeiros anos de contato. Estas mudanças na

narrativa deveriam se basear como uma nova possibilidade, a que destinaria os livros

didáticos em reapresentar os primeiros anos de história do Brasil32, como um encontro

a civilidade, e que logo por meio destes manuais seguiria rumo ao progresso.

Mas também houve a necessidade maior de despertar um sentimento de amor

a nação, que legitimasse o poder do Estado e suas instituições. Neste sentido os

manuais didáticos despertaram um maior interesse tanto do Estado que os instituíam,

29 BITTENCOURT, Circe. Livro didático e o saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008, p.135. 30 id. ibid. p.135-163. 31 BEZERRA, Holien Gonçalves; LUCA, Tânia Regina de. Em busca da qualidade PNLD História – 1996-2004. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. (org.). Livros didáticos de Geografia e História: avaliação e pesquisa. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006, p. 27-53. 32 Refere-se à história brasileira após o domínio Português no território.

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mas também das camadas sociais mais privilegiadas - que naquele momento sonhavam

com a realidade européia - em utilizar este recurso didático para a perpetuação de um

discurso e assim de uma memória que continha uma ideologia baseada no

desenvolvimento social, econômico, cultural, político e moral da população, o que

resultaria uma sociedade civilizada que utilizaria a educação, os livros didáticos e

assim do ensino de História, como ferramenta para tal desenvolvimento.

A partir disto, o Estado possibilitou o fortalecimento da elite e de sua política

instituída, que em breve despertaria na população geral um sentimento de evolução

social.

Logo a procura de manuais didáticos aumentaram, conseqüentemente sua

fabricação também, o que exigiu do Estado a formação de uma órgão controlador que

regulamentasse a elaboração de tais manuais estando de acordo com as intenções que a

política estatal e o segmento elitista exigia no momento. Assim as supervisões dos

manuais ficaram sob responsabilidade do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro

(IHGB) 33, órgão regulamentado pelo governo e que permitiria a impressão dos

manuais segundo o aval prévio deste.

No final do século XIX o consumo dos manuais didáticos apareceram com

primeiros traços de mercado, tendo uma produção cada vez maior, intensificando

ainda mais o trabalho do IHGB. Os livros se popularizaram a passaram a alcançar as

diversas classes populacionais34, que os tornou um instrumento eficaz para a formação

de uma memória oficial, e que buscou a História Nacional com um maior apreço sobre

as questões peculiares do território, porém pautados pela ótica européia.

Com o alcance dos livros didáticos de história para a população geral,

intensificou sua produção, o que potencializou o discurso internalizado em suas

páginas, baseado por vezes, como forma de controle e legitimação dos poderes: o

Estado e a elite.

33 “O IHGB foi criado em 1838 por iniciativa da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e teve D. Pedro II como seu patrono e principal patrocinador até o final da monarquia, em 1889.” FONSECA, Thais Nívia de Lima e. “Ver e compreender”: arte, livro didático e a história da nação. In: SIMAN, Lara Mara de Castro; FONSECA, Thais Nívia de Lima e; PAIVA, Eduardo França; FURTADO, João Pinto; BORGES, Maria Eliza Linhares. (org). Inaugurando a História e construindo a nação. Discursos e imagens no Ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p. 116. 34 BITTENCOURT. Circe. Livro didático e o saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

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Sendo assim, a memória formada, legitimou-se não só pelas ações do Estado e

das elites, mas fortaleceu-se também pela população geral, que se apropriou

instintivamente do discurso de evolução.

Durante as primeiras décadas os livros didáticos de história exibiram-se como

fonte de propagação de um ensino tradicional com um discurso de caráter político e

econômico, que teve sua maior produção ligada a corrente Positivista Francesa e aos

historiadores do IHGB. Sendo assim, os primeiros manuais didáticos utilizados

difundiram no Brasil ao longo do século XIX a nas primeiras décadas do século XX,

uma abordagem moralista que enaltecia o poder, e fortalecia um sentimento

nacionalista.

A partir de 1930 sob o regime da Era Vargas, as relações com o livro didático

de história passaram a ter um caráter oficial, o que demonstrou uma maior

preocupação em relação a produção dos livros didáticos e dos conteúdos dispostos

nele.

Nesses anos o governo criou políticas educacionais que regulamentassem a

produção, compra e distribuição de livros didáticos nas escolas. É neste período que

foi criado o Ministério da Educação e Saúde (MES), como resultado da preocupação

do governo em relação a tais áreas, no caso a educação. Logo, foram criadas

comissões e órgãos35 que além de serem responsáveis pela distribuição, estes passaram

a avaliar os conteúdos dos livros didáticos, censurando os considerados impróprios em

relação às atuais políticas e ideologias instauradas no momento. Conforme comenta

Holien Bezerra e Tânia de Luca:

Como bem salientou Luis Reznik, o ensino de História do Brasil tornou-se objeto de particular preocupação dos intelectuais vinculados o poder, na medida em que a disciplina cumpria papel estratégico no processo de construção da identidade nacional e da memória histórica, ambas forjadas de acordo com os princípios abraçados pelo regime e que deveriam estar presentes nos livros utilizados em todas as escolas do país.36

35 Em 1938 foi criado a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), órgão responsável por zelar pelos conteúdos postos nos manuais. 36 BEZERRA, Holien Gonçalves; LUCA, Tânia Regina de. Em busca da qualidade PNLD História – 1996-2004. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. (org.). Livros didáticos de Geografia e História: avaliação e pesquisa. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006, p. 29-30.

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Esta relação agora oficial entre os manuais didáticos e governo foi preservada

nos anos seguintes, mas foi a partir da ditadura militar de 1960, que o Estado passou a

controlar ainda mais a produção dos livros didáticos, sobretudo dos conteúdos

pertencentes a ciências sociais, como o caso dos conteúdos de história. Neste período a

elaboração dos livros estava totalmente vinculada com a ideologia política e militar

vigente, que regulamentou o discurso.

O livro didático foi considerado desde sua criação um recurso para o ensino.

No entanto, com o aumento do público nas comunidades escolares a educação passou

por diversas dificuldades, o que fez com que o livro de um objeto extra para o ensino

passou a ser uma ferramenta indispensável, em meio a um sistema educacional

precário, que não conseguiu atender com qualidade a demanda.

Partiu-se então a ação do Estado em controlar ainda mais os conteúdos e da

produção dos livros didáticos. Foi por meio disto que a relação oficial tornou-se

exclusiva, justificado pelas criações de ainda mais políticas educacionais relacionadas

ao uso do livro didáticos no Brasil, como: COLTED – Comissão do Livro Técnico e

Didático (1966), responsável por coordenar a produção, edição e distribuição do livro

didático; INLD – Instituto Nacional do Livro Didático (1971), órgão que destinava os

recursos financeiros para as políticas educacionais; PLIDEF – Programa do Livro

Didático para o Ensino Fundamental (1971); FENAME – Fundação Nacional do

Material Escolar (1976), responsável para execução do programas voltados ao livro

didático.

Logo a FENAME é substituída pela FAE – Fundação de Assistência ao

Estudante (1983), que assume a responsabilidade dos programas do livro didático,

passando já no ano de 1985 para o então criado o PNLD – Programa Nacional do

Livro Didático, a responsabilidade de compra e distribuição dos livros didáticos para

as redes de ensino do país. Programa que será dedicado maior análise páginas mais a

frente.

Desta forma o livro didático foi considerado como principal ferramenta do

ensino que partilhou também uma função social capaz de criar pensamentos,

conceitos, desenvolver atitudes, posturas e formas de se relacionar, tudo isto por meio

conteúdo expresso.

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Pode-se afirmar então que o livro didático ainda hoje é detentor de uma

linguagem e transmissora de conhecimento e informação, que pode sustentar ou

mesmo reafirmar um discurso por anos. Como o caso do discurso político empregado

pelo Estado e governos nesses manuais desde sua criação, e que ainda hoje é notado

sua influencia, atribuindo sentido “a pátria, nação, povo e cidadão”, segundo o tempo

em que estão empregados, conforme citam Holien e Tânia37.

Neste sentido o livro didático em posse de um poder, estará sujeito à narrativa

que o aprove melhor; isto é, enquanto o manual didático elaborado e regulamentado

por uma determinada instancia, ele incorpora o discurso de quem o institui e neste

caso, a apropriação foi do Estado que financiou, regulamentou e o distribuiu.

Deste modo o uso desta memória serviu como um motor propulsor do Estado

para estabelecer o uso dos livros didáticos de história na educação, atribuindo a ele,

conforme Célia Cristina de Figueiredo Cassiano, uma “poderosa ferramenta de

unificação – até de uniformização – nacional, lingüística e ideológica”. Pode-se notar

então que, em muitas vezes há a ação do poder político na constituição do livro

didático, e que ainda “se vê forçado a controlar estreitamente, e até a orientar em seu

proveito, sua concepção e seu uso”.38

Contudo esta relação não é única. Enquanto o poder político e os intelectuais

influentes incumbiram-se de criar e oficializar sua relação com o livro didático, houve

também a questão da recepção, ou seja, como a população recebeu, internalizou,

impulsionou, e em diversas vezes até motivou tal discurso. É neste caso, que o livro se

resulta conforme elabora Michel Pollak, numa “memória socialmente constituída”, que

transmite e pode ser perpetuador de representações, de imaginários ou mesmo de uma

memória que segundo “cada vez que está relativamente constituída efetua um trabalho

de manutenção, de coerência, de unidade, da organização” 39.

37 BEZERRA, Holien Gonçalves; LUCA, Tânia Regina de. Em busca da qualidade PNLD História – 1996-2004. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. (org.). Livros didáticos de Geografia e História: avaliação e pesquisa. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006. 38 CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. O mercado do livro didático no Brasil: da criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) à entrada do capital internacional espanhol (1985-2007). 2007. 252f. Tese de Doutorado em Educação – Departamento de História, Política, Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p.20. 39 Disponível em: http://api.ning.com/files/LI8EhWKOjnpBzyw257Y0NHNZ7xcrf09jmLgegffTskrMH*4bgGuh a7RjunwpB7V0vtLjHGOM-t7nk*godglpjyrxGZxI1DJ8/MemriaeIdentidadeSocial.pdf. Acesso em: 20 mar. 2010.

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Esta memória que se desenvolve é estabelecida por relações, e neste caso, o

livro didático elaborado por órgãos criados pelo poder público, chega à população

geral com um texto que atende as expectativas do presente, isto é, o livro traz questões

que estão sendo questionadas, e são como resultados de discussões ou mesmo de

inquietações de seu tempo em que é elaborado. Sendo assim, o livro didático de

história como fonte é herança de seu tempo. E sustentou e ainda se sustenta na

sociedade como transmissor de ideologias de quem produz e para quem é produzido.

2.1.1. O Ensino de História: Debates à parte

No século XX, a partir da década de 70 e 80, o ensino de história e os livros

didáticos passaram a ser intensamente questionados no Brasil. Até então, os alunos

apreendiam uma história tradicionalista, com uma narrativa que priorizava a busca de

uma única verdade e que enaltecia nomes e grandes eventos. Uma história factual

devota as questões nacionais que exaltavam, sobretudo, a pátria e suas representações,

e ainda pragmática, que instituiu uma memória do “que somos, que faremos, e o que

seremos” 40.

Mas neste contexto, as reflexões feitas pelos Annales influenciaram as

metodologias do ensino. Reflexões que desde os anos 30 do séc. XX estavam

questionando o ensino de história e do tipo de memória que permaneciam nos alunos

das escolas européias.

A partir destes questionamentos, tal como fez Marc Ferro, Fernand Braudel,

Jacques Le Goff – pertencentes a 2ª geração de Annales - e outros historiadores,

abriram-se espaços para novos debates, colocando em xeque o modelo tradicionalista

de ensino. Esses, consideravam a disciplina de história como bases para formação de

todo cidadão41, e este capaz de refletir e analisar questões do passado considerando

hipóteses; novos modelos sociais; privilegiando grupos excluídos historicamente;

40 Baseados em análises dos livros: SANT’ANNA, Sydia; CABRAL, Eddy Flores. Linguagem e Estudos Sociais. Porto Alegre: Edições Tabajara, 1966. 4º Livro e SANT’ANNA, Sydia; CABRAL, Eddy Flores. Linguagem e Estudos Sociais. Porto Alegre: Edições Tabajara, 1970. 5º Livro. 41 OLIVEIRA, Margarida Dias de Oliveira. STAMATTO, Maria Inês Sucupira. (org.) Parâmetros Curriculares Nacionais: suas idéias sobre história. In: OLIVEIRA, Margarida Dias de. O livro didático de história: políticas educacionais, pesquisa e ensino. Natal: EDUFRN, 2007, p. 10.

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resultando numa busca pelo pertencimento assim de uma identidade do aluno com o

passado estudado. O aluno a partir desta visão passou a ser analisado como sujeito

ativo do processo histórico, que teria a necessidade de se reconhecer como tal. Logo se

debate questões como cidadania, participação na sociedade, e direitos sociais do

indivíduo no meio existente.

Essas discussões permaneceram por muitos anos, e durante a Reforma

Democrática no Brasil nos anos de 1980, originaram-se diversos planos político-

educacionais para solucionar os problemas estruturais da educação sendo que,

unificaria e regulamentaria o ensino nas salas de aula de todo o território, assim ao

ensino de história também.

O país em tempos de mudanças políticas passava também por mudanças

econômicas, organizacionais e sociais, encontrando na reestruturação educacional um

estímulo para as demais problemáticas. Isto remete a função da escola no Estado e

suas ações feitas por meio do próprio poder que exerce sobre ela, ao que Mario

Carretero a atribui:

[...] a escola assume um papel estratégico, em parte porque é a principal instituição de socialização, e, cremos, além disso, porque segue ainda, – e apesar do seu anunciado fracasso em outros terrenos- a principal depositária simbólica dos desejos de distintos grupos e setores que lutam por hegemonizar “uma” memória histórica e controlar o conteúdo dos imaginários coletivos.42

Neste sentido a escola como uma “instituição de socialização” estando

submissa ao Estado, assumiu e ainda assume uma postura capaz de construir e formar

imaginários por meio de seu espaço, suas formas de aprendizado e até de seus

conteúdos ensinados. E este imaginário formula uma mentalidade e uma identidade

que está vinculada num discurso de ordem política, sobretudo de controle e

dominação.

E isto quanto ao ensino de história repercute em discursos como a participação

do cidadão, o despertar da cidadania, e o olhar crítico sobre a realidade em que este

42 Tradução livre da autora. “[...] la escuela asume un papel estratégico, en parte porque es la principal institución de socialización, y, creemos, además, porque sigue siendo aún –y pese a su anunciado fracaso en otros terrenos- la principal depositaria simbólica de los deseos de distintos grupos y sectores que pugnan por hegemonizar “una” memoria histórica y controlar el contenido de los imaginarios colectivos.” CARRETERO, Mario. Documentos de identidad: La construcción de La memoria histórica en un mundo global. 1ª ed. Buenos Aires: Paidós, 2007, p. 184.

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aluno está inserido. Todavia, estas questões foram elaboradas segundo uma ideologia

política, em que a sociedade reafirma e segue fortalecendo este processo. Assim, a

escola e o ensino formam alunos que tenham uma função social, e esta que contribua

para a ordem e desenvolvimento tanto da sociedade em si, mas em zelar o poder por

ela instaurado, preservando uma postura de progresso.

Deste modo, o ensino de História tornou-se efetivo para esse fortalecimento,

perpassando os anos de 1980 e 1990 com novas estratégias que, por meio de seu

ensino despertariam na população sentimentos de cidadania, inclusão social e

pensamento crítico, tendo como instrumento principal o livro didático.

Foi neste momento que as políticas educacionais remetidas ao livro didático e

as metodologias de ensino e aprendizagem, os conceitos e questões relacionadas aos

conteúdos específicos de cada disciplina passaram a ser reavaliados. A partir disto,

houve a necessidade dessas áreas se corresponderem, e levar ao aluno um ensino atual,

com questões relacionadas ao seu contexto, e que estivesse de acordo com as propostas

pedagógicas e conceituais de cada área estudada. Seguindo este modelo, o ensino de

História também buscou sua reformulação.

Como resultado de tais necessidades originaram-se duas propostas que

atualmente são consideradas primordiais nas políticas educacionais existentes, e que

fazem papel regulamentador no ensino de história e na produção do livro didático,

sendo duas documentações fundamentais para compreender a constituição e

regulamentação dos livros didáticos, e no caso os livros de História. Os Parâmetros

Curriculares Nacionais de História e Programa Nacional do Livro Didático.

2.2. POLÍTICAS EDUCACIONAIS: A REGULAMENTAÇÃO DO LIVRO

DIDÁTICO DE HISTÓRIA (PCN e PNLD)

Nos anos de 1980, o Brasil em meio ao contexto de crise desenvolveu políticas

a fim de reestruturar o sistema educacional que neste período recebia severas críticas,

o que exigiu do Estado reformas urgentes.

Neste contexto a crise também se estendia ao ensino de história, que após

longas discussões dedicadas pelos historiadores de Annale, as metodologias e

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conteúdos da disciplina passaram a ser reavaliados, o que exigiu uma adequação com

as propostas feitas pela atual historiografia.

Como solução desta problemática não só intrínseca a disciplina de história,

mas a outras disciplinas que também já sofriam críticas conceituais e metodológicas,

formulou-se em 1996 pelo Ministério da Educação a proposta denominada Parâmetros

Curriculares Nacionais - PCNs, que apontariam questões fundamentais para serem

ensinadas em sala de aula de acordo com cada área de conhecimento.43

Por meio disto logo foram elaborados os PCNs para o ensino de História,

sendo elas as propostas para o 1º e 2º ciclos (1ª a 4ª série) do Ensino Fundamental, e o

3º e 4º ciclos (4ª a 8ª série) no ano de 1998 44 – proposta esta que será base para as

observações elaboradas neste texto.

Desta forma, os PCNs estipulados para a disciplina de História também

viriam regularizar tanto o ensino, como seus recursos utilizados por ela, como o caso

do livro didático de história, que deveriam estar enquadrados segundo as mudanças

historiográficas pertinentes a tal área.

Dentre as propostas educacionais que viabilizaram o regulamentaram

conteúdos propostos nos livros didáticos, como os já citados PCNs, tratar-se-á também

da política educacional criada anteriormente nos anos 80 (séc. XX), para regulamentar

a distribuição do livro didático nas redes de ensino do país, o Programa Nacional do

Livro Didático - PNLD.

DECRETO N.º 1.542 DE 19 DE AGOSTO DE 1985 (Publicado no Diário Oficial de 20 de agosto de 1985, Pág. 12178 Seção I) Institui o Programa Nacional do Livro Didático, dispõe sobre sua execução e dá outras providências O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 81, item III, da Constituição, e Considerando os propósitos de universalização e melhoria do ensino de 1º grau, contidos no Programa “Educação para Todos”; Considerando a necessidade de promover-se a valorização do magistério, inclusive mediante a efetiva participação do professor na indicação do livro didático;

43 Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/0503t.PDF Acesso em: 13 fev 2011. 44 Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/0503t.PDF Acesso em: 13 fev 2011.

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Considerando, finalmente, o objetivo de reduzir os gastos da família com educação D E C R E T A

Art. 1º - Fica instituído o Programa Nacional do Livro Didático, com a finalidade de distribuir livros escolares aos estudantes matriculados nas escolas públicos de 1º Grau. [...] 45

Com finalidade de reorganizar o sistema de distribuição do livro didático para

as séries fundamentais, substituindo o programa anterior, PLIDEF – Programa do

Livro Didático para o Ensino Fundamental - que funcionava precariamente, mal

atingindo a meta de distribuição dos livros para as redes de ensino – foi criado em

1985 pelo governo federal o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD. A partir

disto ficou sob total responsabilidade do PNLD a compra e distribuição do livro

didático para todas as comunidades escolares brasileiras, a fim de auxiliar os alunos no

processo de ensino-aprendizagem46.

A criação da proposta resultou em uma iniciativa do governo federal não só de

estabelecer metodologias de ensino e o conteúdo a ser analisado, mas também

conforme cita Kazumi Munakata (2000), em tempos de “politicamente correto” 47,

caberia à proposta demonstrar a ação do Estado em desenvolver condições para um

ensino mais substancial, abarcando as diversas partes da população que anteriormente

não possuíam condições para a aquisição desses manuais, tornando-a uma estratégia

político-educacional de sucesso. Assim, o governo procurou atender às populações

mais carentes por meio de uma proposta de ensino melhorada que ao final resultaria

num sentimento de coesão social.

Com a criação do PNLD, as escolas do país passaram a receber livros

didáticos a princípio para os alunos das séries iniciais (1ª a 4ª séries), chegando aos

45 Disponível em: http://www.abrelivros.org.br/abrelivros/01/images/stories/arquivos/decreto_91542.doc. Acesso em: 14 mar. 2010. 46 CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. O mercado do livro didático no Brasil: da criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) à entrada do capital internacional espanhol (1985-2007). 2007. 252f. Tese de Doutorado em Educação – Departamento de História, Política, Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 1-234. 47 MUNAKATA, Kazumi. Histórias que os Livros Didáticos contam, depois que acabou a Ditadura no Brasil. In: FREITAS, Marcos Cezar. (org.) Historiografia Brasileira em perspectiva. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 274.

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primeiros anos de 1990 como um recorde de atendimento às comunidades escolares no

país. Em vista disto o PNLD em relação ao programa anterior PLIDEF se superou.

Contudo, desde sua criação o programa passou por diversas problemáticas,

que se basearam principalmente na produção de tais recursos, que em sua constituição

possuíam erros gramaticais, pedagógicos ou mesmo conceituais; salientando ainda que

os alunos das séries finais do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries) não recebiam tal

beneficio, impossibilitando este público de receber gratuitamente os livros didáticos.

Com a Portaria 542 de 10-05-1995, que previa a universalização da

distribuição dos livros didáticos foi então possível os alunos matriculados nas séries de

5ª a 8ª, receberem os livros gratuitamente por meio do PNLD, sendo eles das

disciplinas de Português, Matemática, Ciências, Geografia e História. No ano seguinte

(1996) o PNLD alcançou todas as séries do Ensino Fundamental com a distribuição

dos livros didáticos, contudo, a crítica ainda permanecia em relação aos conteúdos

presentes nos manuais.

Parte disto na gestão Fernando Henrique Cardoso no ano de 1996, pelo MEC,

a criação de um sistema para a avaliação do livro didático previstos pelo PNLD.

Por meio de comissões formadas por constituintes do Ministério da Educação

e pela Secretaria de Educação Básica (SEB), estes especialistas de cada área de

conhecimento, a priori eram responsáveis para realizar a avaliação dos manuais

didáticos, o que resultou no documento Guia Nacional do Livro Didático 48 (Figura 1),

com intuito de orientar os professores na escolha destes manuais que utilizariam nos

próximos anos. Esses Guias teriam por finalidade indicar os livros considerados

adequados à proposta de ensino de cada área, o que tornou este processo a avaliação

oficial dos livros didáticos pelo governo federal.

FIGURA 1 – 1º GUIA DE

LIVROS DIDÁTICOS

48 O primeiro Guia de Livros Didáticos foi publicado em 1996 para efetivar seu uso no PNLD de 1997. CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. O mercado do livro didático no Brasil: da criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) à entrada do capital internacional espanhol (1985-2007). 2007. 252f. Tese de Doutorado em Educação – Departamento de História, Política, Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 71.

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FONTE: CASSIANO. op. cit. p.71.

Logo em 2002 a avaliação direcionada pela SEB passou realizada por

instituições acadêmicas, formado pelo colegiado relacionado a cada área de

conhecimento, permeando esta metodologia até hoje. 49

Os primeiros Guias de avaliação dos livros didáticos foram destinados a análise

apenas dos livros correspondentes as séries iniciais (Alfabetização e Língua

Portuguesa; Matemática; Ciências e Estudos Sociais). Já no ano de 1999 os livros

didáticos para as séries finais receberam sua primeira avaliação, sendo o primeiro Guia

de Livros Didáticos com as recomendações dos livros destinados as disciplinas de

Português, Matemática, Ciências, Geografia e História para séries de 5ª a 8ª (Figura

2).50

FIGURA 2 – 1º GUIA DE LIVROS DIDÁTICOS –

5ª A 8ª SÉRIES

49 CASSIANO, Célia Cristina de Figueiredo. O mercado do livro didático no Brasil: da criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) à entrada do capital internacional espanhol (1985-2007). 2007. 252f. Tese de Doutorado em Educação – Departamento de História, Política, Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 1-234. 50 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=859&catid=195%3Aseb-educacao-basica&id=1263 7%3 Aguias-do-programa-nacional-do-livro-didatico&option=com_content&view=article Acesso em: 18 mar 2011.

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FONTE: BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Guia de

Livros Didáticos - 5ª a 8ª séries. PNLD 1999. Brasília: MEC, 1998.

Assim, os manuais didáticos de História para as séries finais do Ensino

Fundamental receberam a avaliação proposta pelo PNLD, por meio dos Guias dos

livros nos anos de 1999, 2002, 2005 e 2008,51 notando que não houve uma

temporalidade padrão entre essas avaliações.

Nesses anos, as avaliações destinadas aos livros didáticos de História se

distinguiram em si, passando por processos de reorganização, para que esta avaliação

fosse cada vez mais acessível à realidade do professor. Desta forma notou-se diversas

mudanças de um Guia para outro, tais como: linguagem utilizada, análise por

conteúdo, avaliação dos livros por séries passando o exame pelas coleções, destituição

do caráter de recomendado, mas para o livro aprovado, e outras mudanças que serão

citadas nos capítulos seguintes.

Com diversas mudanças desde sua criação, o PNLD tentou viabilizar a

produção de livros didáticos no Brasil como uma tarefa para a melhoria do ensino e

aprendizado dos alunos, incutindo na educação um meio de desenvolvimento social, e

assim que repercutiria nas demais estruturas da sociedade. Tarefa essa, incumbida

principalmente nos manuais de história, que por meio de seus conteúdos causariam

51 Houve também a avaliação dos livros didáticos de História para as séries de 5ª a 8ª no ano de 2011, contudo por considerar um período muito próximo, não foi analisado.

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sentimentos de cidadania 52 - conforme assume os atuais debates - nos alunos, logo na

população geral.

As problemáticas como compra e distribuição e até mesmo avaliação dos

livros didáticos foram superados com o PNLD. No entanto, outras dificuldades

surgiram com a criação deste sistema avaliativo, o que resultou em críticas

pedagógicas ou mesmo conceituais, destinados a este processo e ao livro didático, o

que revelou o distanciamento dos avaliadores com o contexto escolar onde esses livros

foram utilizados. Desta forma, esse método passou a ser questionado.

Ainda hoje, os livros possuem uma função não só relacionada ao contexto

educacional, mas também assume uma postura de mercado, isto é, os livros sendo

elaborados por diversas editoras passam a ser produzidos com maior qualidade de

material, impressão, editora e autores mais reconhecidos, menor custo e outros

quesitos que o tornam um produto mais atrativo e viável. Assim, o livro didático

assume atualmente uma questão ambígua e conflituosa, e conforme Flávia Eloísa

Caimi;

O livro didático faz parte de um contexto educacional amplo, envolvendo diferentes seguimentos, cujos interesses buscam ser contemplados; não se trata de um instrumento pedagógico livremente produzido pelo autor. Traz em si os condicionamentos das políticas educacionais, das leis de mercado – precisa ser atraente ao público -; das limitações pedagógicas daqueles que o consomem, professores e alunos -; do lugar social do autor, entre outros;53

Paralelo a isso, conforme já citado, criou-se em 1996 a proposta Parâmetros

Curriculares Nacionais, direcionando o aprendizado conforme as atuais discussões

pedagógico-educacionais e as questões intrínsecas de cada disciplina. Agora

padronizado, o ensino de história deveria corresponder às inovações historiográficas,

ao mesmo tempo obedecer aos critérios estabelecidos por tal documento, que

despertariam no aluno conforme o mesmo indica, a “constituição de pensamento

crítico; desenvolvimento de uma consciência histórica capaz de sentir como

participantes do processo histórico”54. Contudo, as intenções do PCN (Parâmetros

52 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998. 53 CAIMI, Flávia Eloísa. O livro Didático e o Currículo de História em Transição. In: DIEHL, Astor Antônio. (org.). Os Paradigmas da História. Passo Fundo: Ediupf, 1999, p. 106. 54 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998.

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Curriculares Nacionais) de História têm sido questionadas, tendo sua maior crítica

conforme observa Margarida Maria Dias de Oliveira, a utilização de um modelo de

história europeu, que respalda uma discussão e indica modos do conhecimento

histórico por meio de uma realidade adversa a do Brasil 55.

Todavia o PCN regularizou discussões que já permeavam o ensino de História

trazendo questionamentos que segundo este documento este ensino deveria despertar

nos alunos um senso crítico de sua realidade, fortalecendo assim sua noção de

cidadania, distantes de preconceitos, mas destinados a incorporação das diferenças

existentes56. Deste modo, o PCN de História, colaborou em oficializar tais discussões

com a finalidade de despertar identidades, isto é, este aluno que analisa o passado,

tenta encontrar nele situações e características que o identifiquem, busca familiaridade

e aproximação, a fim de se reconhecer e compreender o presente vivido.

[...] Nesse diálogo tem permanecido, principalmente, o papel da História em difundir e consolidar identidades no tempo, sejam étnicas, culturais, religiosas, de classes e grupos, de Estado ou Nação. Nele, fundamentalmente, têm sido recriadas as relações professor, aluno, conhecimento histórico e realidade social, em beneficio do fortalecimento do papel da História na formação social e intelectual de indivíduos para que, de modo consciente e reflexivo, desenvolvam a compreensão de si mesmos, dos outros, da sua inserção em uma sociedade histórica e da responsabilidade de todos atuarem na construção de sociedades mais igualitárias e democráticas57.

Esta busca por identidade e fortalecimento do indivíduo na sociedade tem

despertado um debate a respeito das diferenças. Ao mesmo tempo em que este aluno

se desenvolve como indivíduo, ele reconhece seu papel na sociedade numa relação

com o outro, isto é, ele se identifica a partir das diferenças e semelhanças existentes no

meio em que vive ou mesmo no passado estudado.

Partindo desta análise, o tema alteridade tem se incorporado tão fortemente em

nossa contemporaneidade em vista do crescimento constante das diferenças e assim

55 OLIVEIRA, Margarida Dias de. STAMATTO, Maria Inês Sucupira. (org.) Parâmetros Curriculares Nacionais: suas idéias sobre história. In: OLIVEIRA, Margarida Dias de. O livro didático de história: políticas educacionais, pesquisa e ensino. Natal: EDUFRN, 2007. 56 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998. 57 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998, p. 29.

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por busca de identidades, que os currículos escolares e em específico os de história

tem determinado a abordagem de tal questão em seu ensino. E conforme o descrito nos

Parâmetros Curriculares Nacionais de História (1998), o que seria capaz de

desenvolver no aluno uma análise crítica de seu contexto, o alocando como sujeito de

representatividade histórica, e que sejam capazes de “identificar, situar, reconhecer,

compreender, questionar, dominar e valorizar” o conhecimento histórico, fortalecendo

assim, sua noção de cidadania, distantes de preconceitos, mas destinados a aceitação e

incorporação das diferenças existentes.58 Assim, a perspectiva da alteridade segundo o

PCN se enquadra no ensino de história com função de:

[...] O domínio das noções de diferença, semelhança, transformação e permanência possibilita ao aluno estabelecer relações e, no processo de distinção e análise, adquirir novos domínios cognitivos e aumentar o seu conhecimento sobre si mesmo, seu grupo, sua região, seu país, o mundo e outras formas de viver e outras práticas sociais, culturais, políticas e econômicas construídas por diferentes povos. [...] Contribui, assim, para desenvolver sua formação intelectual, para fortalecer seus laços de identidade com o presente e com gerações passadas e para orientar suas atitudes como cidadão no mundo de hoje59.

A partir disso, o documento PCN de história passou a questionar sentimentos

de pertencimento, identidade e mesmo de nacionalidade que o ensino possa transmitir

a estes alunos que passam em média 13 anos de sua vida em um ambiente escolar. É

insistente no PCN o uso da memória que busca compreender as ações passadas e

transmitir nesses alunos como pertencentes deste longo processo histórico,

transformando-os em agentes históricos capazes de agirem em seu tempo e

transformarem a realidade local, tornando- se cidadãos críticos, que compreendam sua

identidade por meio das alteridades existentes no tempo, o que resultaria na formação

de uma sociedade menos preconceituosa.

Porém, as ações que indicam o PCN de história acabam sendo resultados de

uma intenção política, de coesão social que segundo Circe Bittencourt

58 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998 59 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998, p. 36.

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Para a maioria das propostas curriculares, o ensino de História visa contribuir para a formação de um “cidadão crítico”, para que o aluno adquira uma postura crítica em relação à sociedade em que vive. As introduções dos textos oficiais reiteram, com insistência, que o ensino de História, ao estudar as sociedades passadas, tem como objetivo básico fazer o aluno compreender o tempo presente e perceber-se como agente social capaz de transformar a realidade, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática. Tais metas, a “formação do pensamento crítico”, a formação de “posturas críticas dos alunos” ou ainda “estudar o passado para compreender e transformar o presente” não são objetivos novos. 60

Portanto, o ensino de história no Brasil ainda assume uma questão política,

como as feitas pelo ensino tradicional, que prioriza conteúdos fundamentais, ou seja,

por conteúdos que assumam uma memória oficial, sustentada por fatos, eventos,

nomes, tipos de política, economia e trabalho em que o Estado esteve relacionado

durante os anos de História brasileira.

A história então não é só “um” espaço onde o nacional e ainda o regional conservam seu vigor, se não talvez, “o” último espaço... dentro de uma escola que segue precisando sustentar sua própria legitimidade, sua razão de ser e seu caráter oficial, que, na maioria dos casos, é estatal. Isto dificulta a possibilidade de mudança conceitual, um dos objetivos a serem alcançados pela escola. É decidir, transformar as estruturas de conhecimento e dos conteúdos de nossas representações, individuais ou culturais.61

Esta estrutura de ensino tradicional nas escolas, conforme tratou Mario

Carretero, é uma problemática que admitiu o ensino de história por anos, tendo uma

finalidade de reafirmar um discurso e legitimar seu poder estatal na sociedade.

Portanto a visão da escola como um espaço social que pode desmistificar conceitos,

desenvolver identidades, opiniões, pensamentos e atitudes, ao final estiveram e ainda

permanecem com uma visão social, e esta de coesão e controle. Contudo as

observações feitas no PCN de História salientam a busca de tais abordagens, porém

60 BITTENCOURT, Circe. (org.) Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História. In: ____ O Saber histórico na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Contexto, 1998, p. 11-27. 61 Tradução livre da autora. “La historia entonces no sólo es “un” espacio donde lo nacional y aun lo regional conservan su vigor, sino tal vez “el” último espacio… dentro de una escuela que sigue precisándola para sostener su propia legitimidad, su razón de ser y su carácter oficial, que, en la mayoría de los casos, es estatal. Esto dificulta la posibilidad de cambio conceptual, uno de los objetivos que debe lograr la escuela. Es decir, transformar las estructuras de conocimiento y los contenidos de nuestra representaciones, individuales o culturales.” CARRETERO, Mario. Documentos de identidad: La construcción de La memoria histórica en un mundo global. 1ª Ed. Buenos Aires: Paidós, 2007, p. 52.

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suas indicações destinam a esta função tão criticada por Mario Carretero, a de

legitimação estatal.

Determina-se então, a formação de um cidadão crítico. E o seu

reconhecimento na História está relacionado ao a memória que ela dispõe. Como

conceitua Michel Pollak esta memória é “quase que herdada”, e sustenta-se pelo

sentimento de identidade nacional que Estado constituiu na população, e uma forma

disto por meio de seus documentos considerados de origem oficial, tais como os livros

didáticos.

Nota-se então a importância de tal análise, visto que há no homem a

necessidade natural de reconhecimento e aceitação em um determinado grupo, “onde

não se separam por meio de espécies, mas pela organização de suas experiências, por

sua história e pelo mundo com que classificam suas realidades internas e externas”.62

Assim, as experiências semelhantes aproximam e formam grupos, sociedades,

que preservam características comuns e que muitas vezes, passam pela não

compreensão do outro. Tornando-se o que define Levinas, um vulto inaceitável63. Isto

pôde ser notado no processo histórico inicial nos anos de América Portuguesa e Brasil

Império, entre a relação do indígena e do colonizador, do negro e do branco, os quais

já citados se intensificaram como formas de não aceitação e incompreensão o que se

determinou segundo conceitua Everardo Rocha, num etnocentrismo.

Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pesarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc.. 64

O que remete a tal discussão, o PCN de História propõe uma solução por meio

do ensino crítico, que busca analisar as alteridades presentes nos processos históricos

62 DA MATTA, Roberto. Relativizando. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. p. 24. 63 “Antes de ser reconhecido, o outro se apresenta como vulto, essencialmente incompreensível. [...] O vulto não é uma coisa, por isso, não se pode fazer dele objeto de um tema e livrar-se, assim, da sua individualidade. Claro que podemos considerá-lo dentro de um conceito, mas não reduzi-lo a um conceito, eliminando dele a alteridade, obtendo daí uma derivação do eu: o outro é radicalmente o ‘não eu’ e, neste sentido, é oposição. A tirania consiste exatamente em recusar esta realidade oposta, em fazer existir somente o geral, o sem vulto.” ROLANDO, Rossana. Emmanuel Levinas: para uma sociedade sem tiranias. Educação & Sociedade, Campinas, ano XXII, nº76, p.76-93, Outubro/2001, p. 80. 64 ROCHA, Everado. O que é etnocentrismo. 5ª ed. São Paulo. Brasiliense. 1988, p. 7.

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de uma forma Relativista, que conforme Roberto Da Matta (1993) considera um

exercício que amplia a visão de um mundo unilateral, partindo para um universo de

especificidades e diversidades. Desta forma, Da Matta propõe análises mais

abrangentes que impossibilitem o preconceito e a intolerância como acima citado,

ocorreram nos muitos anos de História do Brasil.

O ensino de história tem sido reformulado de tempos em tempos, de acordo

com as propostas das chamadas Ciências Sociais. Atualmente as propostas consideram

o aluno como sujeito social que se apresenta no contexto escolar atribuído de valores e

possuidor de uma visão de mundo elaborada pelas experiências já vivenciadas. Mas

também atribui ao ensino como papel fundamental para sua construção deste

indivíduo.

Deste modo a análise sobre alteridades no ensino de história são

demasiadamente relevantes, tão importantes que coube ao poder estatal formalizar a

discussão com o documento PCN de História. No entanto, passa-se a questionar tanto

a teoria quanto à prática. Sabe-se da necessidade da discussão de tais assuntos e

pondera sua relevância, mas quanto à realidade, será que funciona? E mais específico.

Como os recursos didáticos tem sido participantes nessas propostas? Compreendendo

a importância que o governo federal transmite no uso dos livros didáticos, ao qual

criou a política educacional PNLD, para deter a total responsabilidade de elaboração,

financiamento e distribuição e ainda, capaz de coordenar um mercado de produção e

venda.

Reconhece o livro didático como ferramenta mais utilizada no ensino, e por

isso o considera como uma fonte histórica que foram e ainda são bem aceitas pelo

sistema educacional brasileiro, ainda o PCN de História atribui os livros como

essenciais para assegurar a prática e eficácia na transmissão dos conteúdos exigidos

pelos programas e currículos. Conforme o documento mesmo relaciona

Os livros, os manuais e apostilas são bem aceitos no sistema educacional brasileiro. Atendem a expectativas e concretizam modelos, concordâncias e aceitações por parte de um grande número de agentes sociais e institucionais. Para o Estado e algumas escolas particulares, representam um instrumento de controle do sistema escolar, a garantia de uma certa qualidade de ensino e a difusão de valores. Para o professor, asseguram um modelo de prática, segurança no processo de desenvolvimento do trabalho e eficiência na

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transmissão de conteúdos exigidos por programas ou currículos. Para as famílias, expressam um sinal de qualidade da educação. E para a indústria editorial garantem mercado certo e seguro.65

Mas afirmações a parte, é questionável a forma de utilização do Livro

Didático de História pelo aluno; levando a interrogativa de como ele por meio do

aprendizado de História, analisa e desenvolve uma consciência crítica, capaz de

contemplar as diferenças sem uma perspectiva etnocêntrica e preconceituosa em

relação ao “outro”. Ainda, como o aluno se reconhece como sujeito da História, por

meio da memória propagada pelo livro didático, respondendo a formalização e

constituição de sua identidade? Uma afirmação suscitada pela historiadora Nicole

Tutiaux-Guillon tratando da realidade francesa, faz pensar assim como a realidade

existente no Brasil, direcionando a todos estes questionamentos uma única resposta:

sendo que ainda que por medida de esforços, “os livros didáticos ainda conservam um

ponto de vista etnocêntrico sobre o passado”. 66

65 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998, p. 79. 66 TUTIAUX-GUILLON, Nicole. O Ensino da história e a alteridade na França: algumas perspectivas para reflexão e pesquisa. In: CARRETERO, Mario; ROSA, Alberto; GONZÁLES, Maria Fernanda. (org.). Ensino da História e Memória Coletiva. Trad. Valéria Campos. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 283.

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3. O ENSINO DE HISTÓRIA E OS LIVROS DIDÁTICOS: A REPRESENTAÇÃO INDÍGENA E NEGRA 3.1. AS HISTÓRIAS QUE OS LIVROS DIDÁTICOS CONTAM

As observações elaboradas até então, remetem ao ensino de História uma

função não só político-educacional, mas uma questão, sobretudo social. E conforme

justificam atuais propostas pedagógicas e metodológicas este ensino poderá produzir

no aluno uma mentalidade crítica, capaz de construir, analisar, opinar ou mesmo

influenciar o meio em que vive 67. Este aluno, agora passará a ser encarado como um

cidadão e agente transformador e ainda, possuidor de uma identidade historicamente

elaborada, que por meio deste ensino crítico se distanciará de uma memória tradicional

ligada somente a uma questão política e oficial.

Admitiu-se então, a partir das mudanças historiográficas, principalmente com

a chamada História Cultural, que o homem não é um ser unilateral, mas é provido de

dinamicidade. Isto é, ele não deve ser caracterizado apenas como político ou

econômico, mas que estabelece relações com seu social manifestando-se

culturalmente.

Sob estas perspectivas o ensino de História passou por diversas mudanças, que

após muitas propostas como as citadas anteriores, demonstraram o maior interesse

sobre o aluno. A partir disso, percebe a relação entre o conteúdo estudado e

“realidade”, como comumente é denominada pelos professores.68 Ainda mais, nota-se

também como este aluno reage e reproduz diante de tal conteúdo.

Neste sentido, a disciplina de história deve ser ainda questionada nas

comunidades escolares do país, bem como os recursos utilizados por ela, como o livro

didático. Desta forma verificando o seu alcance no contexto escolar, para demonstrar

principalmente suas ações quanto às propostas de um ensino de qualidade, que

desenvolvam nos indivíduos a “compreensão de si mesmos, dos outros, da sua

inserção em uma sociedade histórica e da responsabilidade de todos atuarem na

67 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998. 68 OLIVEIRA, Itamar Freitas de; SANTOS, Aldeni Pinheiro; MENEZES, André Amaral; SILVA, Elineide dos Santos. SANTOS, Elisângela de Jesus. A ação do PNLD em Sergipe e a Escolha do Livro Didático de História (2005/2007): Exame Preliminar. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; STAMATTO, Maria Inês Sucupira. (org.) O livro didático de história: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal: EDUFRN, 2007, p. 53-59.

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construção de sociedades mais igualitárias e democráticas” 69. Para isto valorizam-se

as metodologias de ensino e aprendizagem, e nesta perspectiva o livro didático é um

instrumento efetivo para esta metodologia.

O uso do livro didático de História no Brasil, conforme já afirmado utilizou-se

de discursos que por anos se perpetuaram, e isto tudo fez parte da memória que se

desenvolveu por meio das instituições que os elaboraram, mas também daqueles que o

utilizaram, o que se intensificou uma relação de permanência, por vezes rupturas, mas

que, todavia, ainda preservaram traços de uma historiografia tradicionalista.

Por isso, motivou-se examinar o processo que sofreram os livros didáticos de

História na última década em relação ao ensino de História do Brasil, que analisou as

relações de alteridade, tendo-a como principal alvo dos atuais debates e intrínseca nas

relações constituídas.

Desta maneira, atribui ao conhecimento do passado como forma mais eficaz

de reconhecer-se. Compreende-se então, a necessidade do aluno brasileiro em

conhecer sua história, observando sujeitos, espaços, representações, contextos,

manifestações e relações do passado que se expressam como continuidade no presente.

Com isso, buscou-se observar as representações postas nos livros didáticos dos

povos existentes no Brasil nos primeiros anos de América Portuguesa, tratando em

específico de dois povos, os ameríndios e negros, conforme já citados no primeiro

capítulo. No entanto, assumiu a postura de interpretá-los à respeito do conteúdo

dispostos nos livros didáticos de História e da forma como tais representações foram

tratadas nesses manuais durante os últimos dez anos.

Neste sentido, ao comentar sobre o ensino de História do Brasil no país, este

esteve por muitos anos atrelado a História européia, conforme já abordado nas páginas

anteriores. Em razão disto os livros didáticos foram reprodutores desta História, sendo

quase impossível desassociar a chamada História Européia com a História do Brasil.

Esta afirmação apóia-se, devido à grande maioria dos livros didáticos iniciarem seus

estudos sobre a História do Brasil a partir do evento do denominado Descobrimento,

que se determinou com a chegada dos povos europeus e efetivação da conquista no

69 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998, p.20.

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território brasileiro pelos portugueses. Esta ação o historiador Marc Ferro há

aproximadamente vinte anos atrás em sua obra “A História Vigiada”, determinou

como: “os manuais escolares do Ocidente os fazem surgir na história apenas a partir do

momento em que seu Estado se “europeíza”” 70.

Verifica então, conforme denomina Ferro a presença de uma “história

dominante”, composta de uma narrativa que se sobressai diante de outra, a tal ponto

que ainda hoje nos livros didáticos a História da Europa é reconhecida como História

Geral, o que atribui a todas as histórias dos povos no mundo como uma história

européia.

A partir desta perspectiva os livros didáticos passaram longos anos sendo

reprodutores de uma história oficial, que preservou, sobretudo uma relação com a

história européia e neste sentido, condicionou a história brasileira como um

desdobramento desta, o que manteve a história do país às margens desta denominada

História Geral.

Submetidos ao tradicionalismo factual e enaltecedor de poderes, a História do

Brasil e de sua população se disseminou nos livros didáticos em forma de discurso

político e econômico, representados como imposição de uma cultura sobre outra.

Contudo as inovações da própria historiografia e os embates construídos por meio

deles, permitiram que novos olhares fossem adaptados ao ensino de história e ao seu

livro didático, e deste modo para estas populações também.

Mas, quando se observam esses manuais e as formas como foram abordados

os assuntos em relação à população indígena e negra, consideram-se que tais

inovações participam de uma forma deficiente, e em alguns casos quase nula, o que

percebeu ainda, traços de uma historiografia tipicamente tradicionalista, e que ao final

condicionaram tais populações a uma representação somente política e econômica

nesses livros didáticos utilizados pelos alunos durante o período escolar.

Para tanto, observou-se os livros didáticos de História utilizados nas redes de

ensino durante os anos de 1999 a 2008, que por meio de programas educacionais e das

propostas criadas pelo governo federal, passaram a exigir uma reavaliação desses

manuais e de seus conteúdos abordados durante o ensino da disciplina.

70 FERRO, Marc. A História Vigiada. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 26-27.

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3.2. OS MANUAIS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA SOB AVALIAÇÃO: LIÇÕES À

SEXTA SÉRIE (1999 – 2005)

Ao examinar os livros didáticos de História indicados para os alunos das 6ª

séries do Ensino Fundamental das redes escolares do Brasil indicados pela avaliação

dos Guias de Livros do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD desde 1999,

notou-se em suas estruturas a constante presença da História Européia, a tal ponto de

nortear as sequências temáticas, como a Chegada ao Brasil em conjunto com o Período

das Navegações.

Em seguida, demonstraram as ações do colono português que implantou seus

modos econômicos no Brasil. Logo, partiu para a ação de expansão estrangeira no

território brasileiro. Enquanto isso, o índio aparece como sujeito coadjuvante, se

apresentando na narrativa em tempos estanques: no Descobrimento; no trabalho da

Colônia; nas relações com os jesuítas e com o seu senhor, segundo a regime

econômico instaurado na Colônia. Representados apenas como mão de obra estes

sujeitos desaparecem do contexto, o que determinou pela substituição pela mão de

obra africana.

Deste modo ao observar em específico os livros didáticos de História

indicados pelas políticas educacionais criadas como o PNLD sendo respaldados pelos

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, verificou-se então, as avaliações realizadas

para estes manuais que indicaram aos professores os recursos mais qualificados para o

ensino da disciplina e no caso, a de História.

Portanto, os Guias dos Livros de História e seus respectivos livros indicados

foram analisados, sobretudo as representações designadas às populações brasileiras, o

que trouxe questionamentos a respeito da imagem construída pelos alunos sobre tais

populações durante seus anos escolares, e que, todavia se evidência em suas relações

futuras, conforme comenta Marc Ferro: “não nos enganemos: a imagem que fazemos

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de outros povos, e de nós mesmos, está associada à História que nos ensinaram quando

éramos crianças. Ela nos marca para o resto da vida”. 71

Atribuem-se então as representações históricas destinadas nos livros didáticos

às populações indígenas e negras no Brasil quando inseridos em sala de aula, uma

visão que será preservada na mentalidade dos alunos por anos de sua vida. Imagens em

relação ao apreendido que muitas vezes reafirmaram preconceitos, deixando neste

aluno uma incapacidade de analisar tais sujeitos históricos de uma forma mais

relativista, ou menos simplista. Deficiência esta que os livros didáticos, demonstraram

em relação a tais conteúdos.

Desta forma, foi considerada a possibilidade de tais conteúdos despertarem

nesses alunos os já comentados, senso crítico, noções de cidadania e

representatividade social, conforme determinam os PCNs de História como aspectos

primordiais a serem despertados com a disciplina. E este despertar deve ser também

verificado nos recursos utilizados por ela, e no caso o livro didático de História.

Esta preocupação em relação ao ensino e aprendizado que trouxesse para sala

de aula questões indicadas pelos PCNs – conforme mencionadas acima - despertou a

ação do governo federal em relação ao uso dos livros didáticos para as séries finais.

Com isso, o processo de avaliação dos livros didáticos regulamentado pelo PNLD,

deveria alcançar tais séries, tendo seu primeiro Guia do Livro Didático para as séries

finais publicado em 199972.

Por meio disto o Guia do Livro propôs ao professor uma indicação do material

didático para todas as disciplinas das séries de 5ª a 8ª, o que neste primeiro tempo

qualificou os livros tidos como “recomendados, recomendados com distinção e

recomendados com ressalvas”73 notando que, os resultados de tais avaliações

71 FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meio de comunicação. São Paulo: IBRASA, 1983, p. 11. 72 BRASIL. Guia de Livros Didáticos 5ª a 8ª séries. PNLD 1999. Brasília: MEC, 1998. 73 “Recomendados: são aqueles que cumprem todos os requisitos mínimos de qualidade exigidos por este momento do processo de avaliação. Por isso mesmo, asseguram a possibilidade de um trabalho didático correto e eficaz por parte do professor. Recomendados com distinção: são os livros que se destacam pelo esforço em aproximar-se o mais possível do ideal representado pelos princípios e critérios já referidos. Constituem-se propostas pedagógicas elogiáveis, criativas e instigantes. Recomendados com Ressalvas: nesta categoria estão reunidos os trabalhos mérito, que por este ou aquele motivo, não estão a salvo de alguma restrição pertinente. Como a preocupação do MEC é exatamente destacar a seriedade de propósitos e os esforços que atinjam patamares satisfatórios de qualidade, optou-se por incluí-los nesse momento, com as devidas ressalvas.”

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propunham materiais que mesmo possuindo deficiências conceituais, metodológicas e

pedagógicas, poderiam ser utilizados pelos professores. E, submetendo esses livros a

uma nova avaliação segundo sua escolha, deveria considerar as deficiências existentes

de um modo crítico durante o uso em sala de aula.

Ao avaliar então uma obra indicada por este Guia (1999) 74 considerado como

único livro didático de história para a 6ª série que possuiu o caráter de “Recomendado

(REC)”, notou-se tais representações destinadas aos povos da América brasileira.

Considerado como um dos livros mais utilizados nas redes de ensino durante o

período, “História - Martins: 6ª série” 75 que já em 1997, completava 10 anos de

existência, em sua edição reformulada apresentou em seus capítulos uma narrativa da

história européia e do continente americano em geral, o que tratou aspectos culturais,

sociais, políticos e econômicos, principalmente ao representar as relações entre Brasil

e Portugal já nos primeiros anos pós Descobrimento.

A obra se destacou por sua abordagem das questões relativas aos povos

primitivos do Brasil, demonstrando-os por seus aspectos sociais e culturais, e por sua

tentativa de representá-los previamente ao contato com os povos europeus. No entanto,

conforme o autor justificou, por esses povos terem preservado uma tradição oral e

muito de suas heranças terem sido destruídas, a alternativa para reconstituir e narrar

este passado fora por meio das fontes e de ações presentes dos povos indígenas no

Brasil. Mas, há um perigo que se corre com tal abordagem, podendo transmitir certos

anacronismos em seu texto.

Os capítulos seguiram com outras questões que simplificaram as ações

indígenas durante seus anos de história. Como a afirmação de que esses possuíram

uma relação entre suas etnias e tribos sem desigualdades sociais, baseadas em padrões

atuais e que estão sob perspectiva do olhar europeu. “Nas tribos, não havia

desigualdade social, isto é, não havia ricos e pobres, como existe agora em nossa

sociedade...” 76. Ou ainda, apresentou questões culturais de uma forma inapropriada,

Distinção dada aos livros didáticos que foram considerados com maior recomendação pela avaliação do Guia do Livro Didático do ano de 1999. BRASIL. Guia de Livros Didáticos 5ª a 8ª séries. PNLD 1999. Brasília: MEC, 1998, p. 12. 74 BRASIL. Guia de Livros Didáticos 5ª a 8ª séries. PNLD 1999. Brasília: MEC, 1998. 75 FERREIRA, José Roberto Martins. História: 6ª série – Martins. Ed. Reformada. São Paulo: FTD, 1997. 76 id. ibid. p. 45.

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justificando com ações do presente, por tanto anacrônicas, deixando com que o aluno

mal interprete questões intrínsecas da realidade cultural indígena. Isto se demonstrou

principalmente ao comentar sobre os rituais antropofágicos, que ao citá-los

brevemente, isola as heranças e relações deste aluno do presente com o seu passado

por meio do indígena representado.

Por mais que esse hábito nos deixe chocados, não devemos achar que somos melhores do que eles. São culturas diferentes. Lembre-se de que essas sociedades têm muito a nos ensinar. Naquelas tribos, não havia assalto, menor abandonado, desemprego, prostituição e outros problemas tão freqüentes em nossa sociedade.77

Ao mencionar tal citação notou-se a separação feita em relação ao aluno e ao

indígena brasileiro, relacionando-os como um segmento distinto da sociedade geral

brasileira. Em realidade propôs uma segregação de culturas, entre uma dominante e

outra recessiva - indígena - o que pode produzir no aluno um sentimento etnocêntrico,

onde a realidade indígena é distinta de sua história.

Ao mesmo tempo desconsiderou as relações sociais, políticas ou mesmo

culturais destas populações, generalizando suas ações e manifestações, e ainda utilizou

ações do presente para justificar o passado, como: “desemprego, o menor

abandonado...”, o que retoma questões intrínsecas da História, como o anacronismo.

O intrigante desta obra é que iniciou a representação do indígena por uma

abordagem cultural e social, contudo ao tratar sobre o trabalho desempenhado desta

população para a Colônia, o autor justificou a existência deste trabalho escravo devido

a resistência que os indígenas tiveram em relação a submissão do europeu. Portanto, a

ação de escravizar os índios deveu-se para este autor, motivado pela “desobediência”

desta população ameríndia, o que pode demonstrar aos utilizadores desses manuais que

o indígena brasileiro por ser um rebelde, serviu ao europeu.

O livro segue com outras lacunas, e seu uso das fontes para dissertar contextos

históricos também. Para isto o autor utilizou fontes elaboradas em um período

posterior - que se distancia aproximadamente de três séculos, para descrever uma ação

anterior. Além disso, empregou fontes e documentos, sobretudo de origem oficial.

77 id. ibid. p. 48.

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Suas imagens em totalidade transmitiram relações entre indígenas, colonos e

jesuítas, em forma de submissão, expostos a trabalhos e castigos, ou ainda imagens de

sua expressão cultural, sem maiores explicações, o que deixa o aluno sem maiores

compreensões em relação ao passado estudado (Figura 3).

FIGURA 3 - SEM TÍTULO

FONTE: FERREIRA, José Roberto Martins. História: 6ª série - Martins. Ed. Reformada. São Paulo : FTD,

1997, p. 86.

Essas características demonstraram-se da mesma forma ao tratar sobre o negro

no Brasil durante este período de Colônia Portuguesa. As escolhas do autor em relação

às imagens apresentaram o negro em situações de trabalho e castigo, na figura de

cativos, no estado de submissão ao senhor. Estas ilustrações receberam meras

explicações, muitas que reafirmaram um discurso de superioridade, estando em

desacordo com o discurso de aceitação, compreensão das diferenças, e distanciamento

de preconceitos.

A representação que saltou aos olhos e ao entendimento foi a do africano

apenas como escravo que participou da História do Brasil nesses primeiros anos,

apenas como mão de obra, o que se comprovou pela carência de abordagens de

culturais ou ainda sociais desses povos no texto, restringindo assim suas relações

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apenas entre o senhor, o que intensificou uma visão apenas econômica e tradicional,

tão criticada por historiadores.

Desta forma, a mudança após a implantação do processo avaliativo do livro

didático de História em 1999 pelos Guias, foi passível de questionamentos. Sua

afirmação em estar de acordo com as mudanças historiográficas também, sendo que

uma de suas indicações – o livro didático acima citado - consideradas recomendadas

sem demais problemas, apresentaram questões fundamentais que os historiadores a

tanto tempo condenam na própria escrita da história e assim, em seu ensino.

Ainda que se admitissem possíveis deficiências, qual foi a real mudança na

implantação da avaliação pelo PNLD? A resposta? Quem sabe! Enquanto isso se

verificou as demais avaliações propostas nos anos seguintes e seus livros indicados.

A segunda avaliação dos livros de história das séries finais oficializado pelo

Guia dos Livros Didáticos ocorrida em 2002 procurou-se examinar duas obras. A

escolha destes manuais se relacionaram ao tempo em que foram e ainda estão

dispostos no mercado do livro didático no Brasil, mas também por serem livros

grandemente utilizados pelos professores de história das redes de ensino do país, sendo

alvo de preferência no mercado editorial.

Como exemplo disto, comenta-se Nelson e Claudio Piletti, produtores de uma

extensa carreira didática no Brasil. Estes são responsáveis pela obra “História e Vida

Integrada”, que está disposta no mercado didático há mais de 30 anos. Após várias

edições, e muitas delas reformuladas, os irmãos Piletti como mais conhecidos, trazem

em suas obras um misto da História Brasileira e História Geral como apresentam.

Contudo, ao observar suas páginas notou-se a presença de uma História Geral, que em

realidade restringiu as ações dos povos europeus em todo o mundo, e ao tratar da

História do Brasil, este mantém sujeitas as narrativas oficiais européias. Desta forma

propôs analisar a obra indicada no Guia de 2002.

O peculiar desta edição “História e Vida Integrada” 78 é que apresenta em sua

ficha catalográfica o ano de elaboração de 2002, no entanto ela já está indicada para

uso pelo Guia de Avaliação, apresentando o carimbo de avaliação do programa com o

mesmo ano. Ou seja, supõe-se então, que o livro foi elaborado após realização da

78 PILETTI, Nelson. PILETTI, Claudio. História e Vida Integrada. 1ª Edição, 1ª Impressão. São Paulo: Ática, 2002.

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avaliação dos Livros pelo PNLD e a mesma já estava indicada para o uso dos alunos e

professores das redes de ensino.

O mais curioso é que na avaliação anterior – Guia do Livro de 1999 - o livro

não havia sido avaliado, mas conforme entrevistas realizadas com professores que

lecionaram neste período, o livro “História e Vida Integrada” há anos antes mesmo da

primeira avaliação (1999) foi recorrentemente utilizado pelos professores da disciplina

de História nas escolas fundamentais do país.

Portanto, atribuiu-se a esses autores uma grande influência no mercado do

livro didático no Brasil, em que suas edições foram escolhas recorrentes para o ensino

de História, resultando ainda hoje na preferência de muitos professores das redes de

educação.

Mas questiona-se o uso deste manual e suas formas, concepções e

metodologias para o ensino de História, que preenchendo questões básicas para o

ensino da disciplina foram aprovados pelos processos avaliativos. No entanto, algumas

questões apresentadas neste manual apresentaram deficiências primordiais que por

anos foram e são debatidas pela própria historiografia, e assim no ensino de História

como: o surgimento do senso crítico do aluno; das questões conceituais básicas,

distantes de uma história tradicional; para noções básicas de cidadania e

pertencimento, destituindo o aluno de uma mentalidade preconceituosa ou

etnocêntrica, conforme apresentam os Parâmetros Curriculares Nacionais de História

(1998).

Ao examinar então, a edição “História e Vida Integrada” de 2002 para a 6ª

série, observou-se a inicial proposta indicada na introdução pelos autores, que

asseguraram informar ao aluno os “fatos que aconteceram no Brasil” 79 e dos “fatos

que ocorridos em outros lugares” 80, mas ao afirmar outras localidades os autores

submeteram estas analises aos fatos ocorridos em relação à Europa.

Em seguida, atribuiu as fontes documentais utilizadas no manual a idéia que

contém “reflexões importantes” 81, e ainda ao uso de “numerosas imagens que

aparecem em cada capítulo irão ajudá-lo a conhecer aspectos importantes da vida dos

79 id. ibid.. p. 3. 80 id. ibid.. p. 3. 81 id. ibid.. p. 3.

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povos do passado” 82. Porém, as imagens utilizadas são em maioria de origem oficial,

propondo apenas uma análise segundo os olhares apenas do Estado, da Igreja,

tornando assim como uma representação da verdade. Verdade esta que está sob olhar

europeu em relação a história brasileira.

Por fim a introdução ainda propôs a contribuição da obra para o

desenvolvimento de um senso crítico e de cidadão para o aluno, mas as análises

remetidas em relação aos povos ameríndios e africanos no Brasil em seus primeiros

anos como Colônia Portuguesa, remetem a uma representação ligada somente ao

trabalho e a economia da Colônia. Da mesma forma a própria metodologia como o uso

das fontes e exercícios utilizados propõe ao aluno uma análise restrita, conforme já

citados, a uma perspectiva européia.

A partir disto, o uso da “história dominante” conforme conceitua o historiador

Marc Ferro, está atribuída aos estudos dos povos brasileiros; índio e negro. Visto que

sua abordagem inicia na obra a partir do Descobrimento das terras brasileiras pelos

povos europeus. Com isso, permanece notória a imagem remetida a tais povos.

O índio ou como denomina os autores, “os povos nativos do Brasil” foram

representados de forma peculiar, passando a narrar os primeiros impactos do

Descobrimento. Em seguida, foi mostrado de forma peculiar relacionando aspectos da

vida social e cultural por meio da realidade atual desses povos, não distinguindo o

passado e o presente dessas realidades vividas por esses indígenas, o que poderá

dificultar ao aluno a noção de temporalidade, fazendo com que este aluno ao observar

essas características presentes, visualize o passado de igual forma, o que poderia

desenvolver determinados anacronismos.

Ainda apresentaram expressões culturais destes povos de forma estereotipada,

estando em maioria em caixas de texto, apresentando-se como informações anexas do

texto. Como exemplo da abordagem cultural utilizada, ao comentar sobre os rituais

antropofágicos que algumas etnias indígenas realizavam, esta questão foi tratada como

um “hábito (grifo meu) de comer prisioneiros” 83, não utilizando maiores explicações

para analisar tais manifestações desses povos.

82 id. ibid.. p. 3. 83 Id. ibid. p. 91.

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Em suma, o indígena nesta obra foi tratado como um povo a parte da história

brasileira, que se tornou participante a partir do contato com o europeu, o que havia

antes do domínio europeu, não foi considerado. As ações indígenas após isto foram

relacionadas sob uma perspectiva de dominação e trabalho, que logo se substituíram

pela mão de obra africana.

Assim os povos africanos por meio deste livro, iniciam sua história no Brasil

relacionada com o trabalho na Colônia. São antes de tudo escravos como uma figura

de representação econômica, que são, todavia reafirmadas pelas fontes e imagens

utilizadas, que demonstram submissão e sua situação de escravidão, sendo na maioria

de autoria oficial.

Por fim, a obra “História e Vida Integrada – 6ª série” (2002) dos irmãos Piletti,

demonstrou os índios e negros como figuras secundárias na História do Brasil,

reafirmando assim um discurso de superioridade. Em que insere a História Brasileira

após seu encontro com a tal civilidade que preservou este conceito atribuído as

sociedades européias por longos anos.

Nesta perspectiva a história indígena e negra no Brasil por meio de tal

literatura, esteve disposta às margens, dando lugar a uma história tradicional, não

brasileira, mas apoiada a narrativa, sobretudo, européia. Isto poderá ser observado

também nas próximas edições, como na edição aprovada no Guia avaliativo de 2008.

Análise que nas páginas seguintes serão apresentadas.

“História: Cotidiano e Mentalidades” dos autores Ricardo Dreguer e Eliete

Toledo84, foi outra obra aprovada pela avaliação do PNLD e recomendado no Guia do

Livro de 2002.

A escolha desta obra destinou-se pela proposta inovadora em trabalhar com

conceitos históricos em sala de aula, e isto foi sugerido por meio de análises

comparativas em relação a diferenças culturais que existiram nas histórias das

sociedades. Outra questão ainda a ser considerada, é que esses autores mantiveram sua

metodologia nas publicações posteriores, que passaram a receber o título de “História:

Conceitos e Procedimentos” 85, obra que nas páginas seguintes será analisada.

84 DREGUER, Ricardo; TOLEDO, Eliete. História: Cotidiano e Mentalidades/ Contatos entre civilizações: do século V ao XVI. 2ª Edição – Reformulada. São Paulo: Atual, 2000. 85 Obra aprovada pela avaliação do PNLD de 2008.

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Ao verificar a edição “História: Cotidiano e Mentalidades” (2002), esta

indicou os estudos dos conteúdos dispostos nos capítulos subdivididos em quatro

partes, o que elucidou a estrutura de uma peça teatral, conforme citam os autores,

compostas de análises dos contextos históricos pelo: cenário, personagens, trama e

cenas cotidianas. Ainda os capítulos dispostos por temáticas apresentaram-se por

características culturais semelhantes de povos durante o tempo histórico proposto (séc.

V e XVI).

Mas, o que diz respeito à história brasileira, esta surgiu de forma quase

imperceptível, passando a ser definitivamente apresentada como sociedade colonial já

estruturada, definida como “A sociedade açucareira” 86. Apresentou-se também como

uma sociedade tipicamente européia que utilizou da mão de obra escrava nas suas

atividades econômicas. O livro trouxe ainda, aspectos culturais e da vida cotidiana

apenas da sociedade branca constituída no Brasil, destinando as culturas sul -

ameríndias uma pequena parte do capítulo nomeado “a civilização asteca” 87.

Páginas adiante, os índios brasileiros foram brevemente citados no capítulo “A

sociedade açucareira” como escravos que foram substituídos pela mão de obra

africana, finalizando sua ação na história brasileira.

Como partes do processo econômico brasileiro, os africanos receberam espaço

no texto de Dreguer e Toledo. Sua influencia foi relacionada totalmente ao trabalho,

relacionados ao serviço que prestou à Colônia durante os primeiros anos de ocupação

européia no Brasil. Estes se apresentaram, todavia como mão de obra, reconhecendo a

presença africana nestes primeiros séculos somente como escravos, destituídos de

qualquer considerável manifestação cultural, abordada apenas com aspecto de

peculiar, curioso e exótico, da mesma forma isto se verificou nas ações indígenas

foram relacionadas neste manual.

Esses autores por meio de sua metodologia empregada inovaram em relação

aos manuais didáticos publicados, mas ainda que se buscou uma diferenciação,

priorizando segundo eles, a busca de uma olhar cultural, que possibilitasse perceber e

relacionar as diferenças e aproximações das sociedades no tempo., Dreguer e Toledo

na forma como representaram as sociedades brasileiras fora todavia sucintos. E isto

86 id. ibid.. p. 167. 87 id. ibid. p. 145.

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apoiados nas descrições do antropólogo Clifford Geertz, é necessário ainda analisar e

representar as culturas presentes na sociedade de uma forma menos simplista

“procurando a complexidade e ordenando-a”.

No que concerne ao estudo do homem, pode ir-se até mais adiante, penso eu, no argumento de que a explicação consiste, muitas vezes, em substituir quadros simples por outros complexos, enquanto se luta, de alguma forma, para conservar a clareza persuasiva que acompanham os quadros simples.88

Elogiável é a iniciativa dos autores de “História: Cotidiano e Mentalidades”,

em despertar nos alunos um estudo crítico, baseado em reflexões, partindo de uma

análise cultural, mas ao examinar as populações brasileiras descritas nesta edição,

notou-se a predominância de um discurso, insistente nas obras já analisadas, o discurso

europeu, que coloca a história brasileira as margens da história européia, destinando a

uma parte fundamental de sua população como oculta, ou esquecida pela história.

Admite-se apoiado nas reflexões de Geertz, uma história que busque a

“complexidade” em relação aos povos brasileiros. Compreendendo que esta atitude

desenvolverá nos alunos uma análise mais profunda em relação a estes povos, baseada

em sua própria história, e que poderá desmistificar ou mesmo tirar visões etnocêntricas

ou preconceituosas que tem permanecido na atual sociedade. Por meio disto, os

autores de “História: Cotidiano e Mentalidades”, terão de reavaliar seus escritos.

O não acesso aos Guias dos Livros Didáticos do ano de 2002 e de 2005, fez

com que a escolha dos livros a serem examinados buscou-se por referenciais como:

autores mais conceituados, ou seja, aqueles que possuem uma carreira na elaboração

de manuais didáticos; e dos livros que foram mais utilizados pelos alunos das redes de

ensino durante este período, e que ainda esses contenham o código e/ou carimbo de

aprovação do PNLD.

Na terceira avaliação realizada em 2005, para os livros didáticos de História

para as séries finais do Ensino Fundamental, conforme comentam Holien Gonçalves

Bezerra e Tânia Regina de Luca: nesta edição ocorreu um “salto qualitativo” em

relação a suas avaliações anteriores, atribuindo que “o distanciamento entre os avanços

historiográficos consensuais e a composição do livro didático deixou de ser gritante,

88 GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Afiliada, 1989, p. 45.

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notando em muitas coleções, a incorporação efetiva da historiografia mais recente e

reconhecida nos meios acadêmicos” 89.

Não se pode negar então, que ocorreram mudanças em relação à avaliação

feita desde 1999, o que fez com que os livros fossem ainda mais selecionados, na

tentativa de enquadrar-se nos discursos historiográficos, como cultura e sociedade, a

formação do cidadão e da localização do aluno como sujeito histórico, influente em

sua sociedade, conforme recomenda os PCN de História (1998). Contudo, todas essas

atribuições em que propuseram aos avaliadores e aos autores de livros didáticos deste

Guia (2005), foi apenas um pequeno sinal de melhora, isto é, propôs nos livros

didáticos analisar novos objetos, enquadrar temáticas e conceitos, porém este mudança

não passou de um encaixe, para poder serem classificadas pela Avaliação, e assim os

livros colocados a venda e distribuição no mercado.

Portanto passe-se a questionar o que chamou de salto qualitativo, mas sim um

salto quantitativo, que percebeu uma redução dos números de livros inscritos desde a

primeira avaliação (1999), sendo que os livros didáticos já na edição avaliativa de

2005 passaram a ser simplesmente aprovados ou não, o que ao fim não se pode

denominar como aprovado um sinal de melhora.

Esta observação baseia-se pela análise de duas obras deste Guia (2005), o que

se notou mudanças por meio de inserções de sujeitos, de cotidianos e culturas, no

entanto no que se refere a história brasileira estas representações intensificam por meio

de estereótipos, que estão acrescentados a um texto central, e este formado por uma

história conforme Marc Ferro denomina, “história vista da Europa” 90.

A primeira, obra de Flávio Berutti, “História: Tempo e Espaço” 91, foi mais

uma dessas obras que já comentadas, preservaram a História do Brasil como uma

inserção na História da Europa, isto é, as narrativas que introduzem as histórias da

América, iniciam com a chegada dos portugueses e espanhóis no território, isto a partir

dos séculos XV e principalmente do séc. XVI.

89 BEZERRA, Holien Gonçalves; LUCA, Tânia Regina de. Em busca da qualidade – PNLD história – 1996-2004. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. (org.) Livros Didáticos de Geografia e História: avaliação e pesquisa. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006, p. 44. 90 FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meio de comunicação. São Paulo: IBRASA, 1983, p. 14. 91 BERUTTI, Flávio. História - Tempo e Espaço: 6ª série. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2002.

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Mas ao comentar os destaques desta obra e suas diferenças em relação as

outras já analisadas, percebe-se o uso constante de aspas para termos tais como:

Descobrimento, Novo e Velho Mundo, Civilização, Progresso, Encontro e outras

palavras. Ao fim que o uso deste sinal nesses exemplos acima, não propõe o autor em

explicar seu uso, compreendendo que em torno de todas essas palavras e mais, já

foram destinadas severas discussões, o que poupou o autor em fazer. No entanto, o uso

freqüente deste sinal demonstrou sua debilidade para explicar temáticas históricas que

poderiam despertar neste aluno um olhar mais crítico, e isto de acordo com as atuais

propostas (PCN).

Outra peculiaridade deste livro, ao tratar sobre os povos indígenas no Brasil

Colônia, revela-se como um lamento. No texto foram utilizadas expressões para

representar o contexto e a figura indígena de forma exacerbada o que se demonstrou

numa fatalidade histórica o contato com a cultura ameríndia com a européia 92,

destinando a estes “excluídos da história”, agora heróis. Contudo seu discurso se torna

contraditório, o que é reiterado pela base central que sustenta a história do Brasil sob a

história européia.

Outra ferramenta bastante utilizada foram os parênteses no texto, em que são

lançadas informações ou mesmo dados, que não estão bem explicados, ou mesmo não

estão conexas com o texto, o que o torna confuso ou mesmo incompleto, deixando

questões relevantes no ensino de história passar despercebidas ou mesmo soltas no

texto.

Esse encontro entre visões diferentes do mundo, resultado da existência de tempos históricos diferentes entre os povos americanos e os europeus, é, sem dúvida, uma das razões que explicam a destruição que se seguiu à chegada dos europeus: destruição dos povos americanos (que ainda hoje tem continuidade) (grifo meu), destruição dos mitos rituais, dos valores espirituais dos primitivos homens americanos; destruição da natureza e, por extensão, de determinadas concepções de vida.93

Conforme o exemplo acima pode-se notar o emprego de uma afirmação que se

remete a uma ação presente, e que poderia ser melhor explorada no texto. Contudo,

percebeu-se a ação do autor em apenas citar, destituindo o trabalho de abordar de uma

92 id. ibid. .p. 88-89. 93 id. ibid. p. 132.

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forma mais ampla e completa, que poderia auxiliar o aluno em relacionar este contexto

do passado estudado com o seu presente.

As páginas que seguem, persistem em relatar as ações indígenas por meio dos

impactos e confrontos da Descoberta, os relacionando apenas como mão de obra.

Enquanto isso, a história africana no Brasil Colonial foi demonstrada como a História

do escravo no Brasil, sem nenhuma análise cultural.

Sobretudo, este autor intensificou sua proposta para contemplar conforme

observado, mais sujeitos históricos por meio de sua cultura, mas estes, todavia

permaneceram subordinados a outra história, construída pelas ações da uma sociedade

branca e patriarcal, o que este mesmo livro didático a denomina como “sociedade

brasileira”.

A segunda obra analisada “História em Documento: Imagem e texto” de Joelza

Ester Rodrigue 94, propôs como metodologia de ensino o uso de fontes, como imagens

e textos. A justificativa para esta metodologia foi de desenvolver no aluno uma análise

sob o olhar de um historiador.

As fontes se propagaram nos capítulos em grande quantidade, e em cada uma

delas foi proposto uma análise para o aluno. No entanto, o uso se revela problemático,

o que pode ser notado pela origem destas fontes, que em sua maioria basearam em

documentos e obras de origem oficial, que expos a imagem dos indígenas de forma

submissa e em grande parte relacionadas com o europeu. Quanto as fontes utilizadas

para a representação do negro em seu contexto, estas apresentaram estes sujeitos,

sobretudo na condição de escravo (Figura 4).

Além disso, os usos das imagens se apresentaram com carência de informações,

como origem, ano de elaboração, autoria. Mas também, observou a deficiente relação

entre as fontes utilizadas (imagens e documentos) e o texto proposto pela autora nos

capítulo, o que a mesma justificou que as interpretações destes documentos deveriam

ser feitas sem muita interferência do autor da obra.

94 RODRIGUE, Joelza Ester. História em Documento: Imagem e texto. São Paulo: FTD, 2001.

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FIGURA 4 – ESCRAVOS TRANSPORTANDO UM PROPRIETÁRIO EM REDE

FONTE: RODRIGUE, Joelza Ester. História em Documento: Imagem e texto. São Paulo: FTD, 2001, p. 211.

A proposta em despertar um “pensamento analítico e crítico”, ou mesmo pela

“autonomia de interpretação” 95 desses alunos, está sem dúvida fundamentada nos

discursos destinados a um ensino de história coerente, contudo conforme ao analisar os

conteúdos dispostos nos livros e ainda ao uso das fontes, estas afirmações quanto ao

manual em questão, estão passivas de questionamentos.

Reconhecendo que este aluno usuário do material didático não possui o mesmo

conhecimento que o historiador, esta opção em despertar estas atitudes segundo a

metodologia empregada pode ser equivocada, visto que a principal proposta de

analisar as fontes documentais utilizadas neste livro didático (imagem e documento)

pode ser conflituosa neste processo. Ao fim, a intenção de autonomia desses alunos

poderá ser rompida pela total dependência do professor para interpretar estes

conteúdos.

Observa-se neste ponto, certa tendência simplificadora da autora, quando trata

de determinados conteúdos. Esse é o caso do item destinado as populações existentes

no Brasil, antes da chegada dos europeus. Essas populações são classificadas como

formadas por “sociedades igualitárias” 96, sem a existência de divisões sociais e sem

distinção entre ricos e pobres. Simplesmente foi ignorada toda a trama de relações

sociais existentes nos grupos indígenas brasileiros.

95 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998. 96 RODRIGUE. op. cit. p. 138.

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Existe ainda a idéia de prevalecer a “generosidade e a reciprocidade” 97, entre os

esses grupos sociais, como se a harmonia pairasse entre as tribos indígenas e os

conflitos étnicos fossem inexistentes.

Ao tomar a postura de “simplificação” se generaliza 98, rotula e massifica o

outro, o que torna as oportunidades de conhecer e identificar as alteridades quase

nulas.

Desta forma os livros didáticos como recurso mais utilizado no contexto escolar

enquanto permanecem nesta condição de simplificação dos sujeitos e de suas relações

sociais, as suas complexidades e especificidades não serão conhecidas, assim poderão

surgir mais etnocentrismos, mais preconceitos. E esta história, “nos marcará pelo resto

da vida” 99.

97 id. ibid. p. 138. 98 GEERTZ, Clifford. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Ed. Afiliada, 1989. 99 FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meio de comunicação. São Paulo: IBRASA, 1983, p. 11.

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4. CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES NO ENSINO DE HISTÓRIA

4.1. RETORNO À AVALIAÇÃO: 2008

Os últimos livros didáticos analisados pertencem a quarta avaliação do PNLD, o

“Guia de Livros Didáticos – História”, 2008. Como todos os Guias anteriores, este

também apresentou reformulações que demonstraram a tentativa de superar os

modelos anteriores. Assim, esta edição apresentou sua avaliação em forma de blocos

ou pelas formas que os capítulos estão dispostos nos livros didáticos, apresentando

uma análise geral e suas resenhas por meio desta organização. Justificou o novo

modelo para facilitar a leitura do professor, para que ele já verifique diretamente a

metodologia ou estrutura dos capítulos que prefere trabalhar.

No entanto, Itamar Freitas de Oliveira 100 ao descrever sobre o uso dos Guias

do Livro Didático de História por professores das redes de ensino no estado de

Sergipe, verificou que muitos não o utilizam, outros confundem o Guia com o catálogo

das editoras, alguns folheiam as páginas rapidamente, outros o utilizam de forma

coletiva, e outros individual. Mas quanto ao uso em si, o autor demonstrou também a

dificuldade dos professores em compreender e reconhecer as idéias primordiais que

deveriam ser priorizadas na escolha do livro, como cidadania e senso crítico. 101

Este misto de situações segundo Oliveira 102, revelou a problemática relação

dos professores com os Guias, que demonstrou dos professores que o utilizam, esses

apresentam muitas dificuldades para compreender as resenhas propostas neste

documento, o que pode comprometer a escolha final desses manuais didáticos.

Deste modo as mudanças estruturais propostas pelo Guia de Livros do ano de

2008, verificou-se a tentativa de melhoria que auxiliasse o professor na tarefa de

escolha dos livros didáticos de história que seriam utilizados em sala de aula. E esta

100 Parecerista da Guia de Livros Didáticos de História do ano de 2008. 101 OLIVEIRA, Itamar Freitas de; SANTOS Aldeni Pinheiro; MENEZES, André Amaral; SILVA, Elineide dos Santos; SANTOS, Elisângela de Jesus. A ação do PNLD em Sergipe e a Escolha do Livro Didático de História (2005/2007): Exame Preliminar. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; STAMATTO, Maria Inês Sucupira (org.). O Livro didático de História: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal: EDUFRN, 2007. 102 OLIVEIRA, Itamar Freitas de; SANTOS Aldeni Pinheiro; MENEZES, André Amaral; SILVA, Elineide dos Santos; SANTOS, Elisângela de Jesus. A ação do PNLD em Sergipe e a Escolha do Livro Didático de História (2005/2007): Exame Preliminar. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; STAMATTO, Maria Inês Sucupira (org.). O Livro didático de História: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal: EDUFRN, 2007.

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como forma de evitar tanto o não uso como o uso incorreto deste documento por esses

profissionais. Na realidade estas mudanças tornam-se uma possibilidade, visto que

ainda muitos professores ainda possuem resistência em utilizar este recurso. Esta ação

talvez deve-se ao costume ou mesmo comodidade dos professores das redes de ensino

em optar utilizar obras costumeiras, que estão presentes em seu dia-a-dia antes mesmo

de serem avaliados. Neste caso, a mudança mede força com a tradição.

Sobre as obras indicadas na avaliação do PNLD de 2008, comenta-se sobre a

edição do livro didático “Projeto Araribá – História” 103. O manual contempla o modus

operandi fundamentado na estrutura tradicional, com assuntos referidos à economia e

à política, que descreveu de modo linear os eventos desde a chegada dos europeus no

Brasil até o processo de expansão colonial em meados do século XVIII.

Seu discurso esteve marcado pelo eurocentrismo, que transmitiu informações do

Estado Brasileiro a partir das ações da Coroa Portuguesa e de outros Estados europeus.

Comentou ainda, sobre a instituição da Colônia e dos poderes vigentes, descrevendo

aspectos gerais da economia instaurada no território.

Quando tratou sobre a população, citou colonos e autoridades do Estado como

Martim Afonso de Souza e Tomé de Souza expondo seus feitos em relação à Colônia.

Mas ao se referir ao indígena e a população negra, estes foram tratados apenas como

representação de escravos. Em ambos foram considerados aspectos sociais e culturais,

no entanto foram descritos de forma peculiar, sobretudo ligada ao trabalho.

Esta linguagem econômica foi a determinante no texto, e no que diz respeito a

população indígena e negra estes puderam ser visualizados apenas como “contribuição

significativa” para o processo colonial, sendo uma mão-de-obra fundamental para a

constituição da nação brasileira.

No entanto, noções de cultura foram colocadas em forma de apêndice dentro do

capítulo, e algumas definições dispostas em forma de caixas de texto, separados do

corpo do texto em si. Isto é aparente quando o assunto refere-se aos indígenas, que

num primeiro momento apresentam suas relações por meio do Impacto do

Descobrimento, logo destina toda a abordagem cultural e contextos relacionados ao

tempo presente destas populações em formato de Box, se apresentando anexo ao texto.

103 MODERNA. Projeto Araribá: história. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2006.

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A metodologia utilizada para inserir no capítulo um exame mais amplo sobre a

população indígena foi por meio de oito páginas separadas no final da unidade para

tratar de assuntos culturais e sociais destes povos indígenas brasileiros, estabelecendo

relações entre o passado – encontro com os portugueses no século XIV - e a atualidade

pelas problemáticas sociais hoje existentes desta população. No entanto esta divisão de

conteúdos conforme apresentaram os autores de Projeto Araribá – História demonstrou

a história indígena do Brasil em forma de um paradidático inserido no capítulo em

relação à história européia, que preencheram as páginas dos capítulos destinados à

história brasileira.

Outra análise sobre a influência da história tradicional européia nos manuais

didáticos utilizados pelos alunos da atual rede de ensino foi notada por meio das

imagens utilizadas nesta obra. E em sua maioria neste manual apresentaram os povos

indígenas por meio de obras artísticas de autoria européia, ou mesmo de autoria

nacional, ligados a política e aos discursos de progresso e civilização que fizeram parte

do século XIX no Brasil.

As imagens intensificaram em demonstrar cenas da vida indígena por conflitos

com o colono e em estado de submissão em relação as representações religiosas do

Estado europeu. Estas cenas reproduziram o homem indígena sujeito as ações do

homem europeu, apresentando-se como servos e cativos, expostos como mão de obra a

serviço do Sistema Colonial.

Por outro lado, esses autores buscaram utilizar imagens que demonstraram

questões culturais desta população, mas estas cenas por carência de informações ou

mesmo de maiores explicações em relação a cultura indígena, podem gerar

preconceitos pelos seus observadores, o aluno. Ao comentar sobre os rituais

antropofágicos (Figura 5), que uma vez já citados neste texto, aparece neste manual da

com a mesma problemática mencionada anteriormente, apresentando-se no de forma

simplista, não contendo explicações fundamentais desta manifestação cultural própria

da cultura indígena neste contexto, o que por meio dessas simplificações poderão

fortalecer a pensamentos preconceituosos em relação ao indígena brasileiro.

Demonstrou-se então, o uso destas imagens oficiais e em maioria

encomendadas pelo Estado, que reafirmaram uma visão única da história desta

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população intrínseca do Brasil. Uma visão européia que condicionou o índio sob uma

análise segundo o ponto de vista europeu e das representações que este indígena

possuía para ele.

FIGURA 5 – SEM TÍTULO

FONTE: MODERNA. Projeto Araribá:

história. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2006, p. 181.

Deste modo afirma-se que os usos destas obras poderão reproduzir nos alunos

uma percepção do passado segundo o discurso de uma cultura sobre a outra. E

partindo desta análise, o olhar europeu que sobressaiu em relação ao dos povos

indígenas brasileiros. Em vista disto, a visão destes povos por estas imagens dispostas

no livro didático Projeto Araribá: História, poderá reproduzir uma visão etnocêntrica

ou mesmo preconceituosa nestes alunos.

Diferente do modo como foi apresentado o indígena, a temática negra esteve

inserida no livro em forma de capítulos, mas também em formato de caixas de textos,

que incluíram aspectos peculiares da cultura e sociedade africana no Brasil. Contudo a

abordagem do negro foi tratada da mesma forma em relação aos povos indígenas,

apresentando, sobretudo sua condição de escravo.

As imagens demonstraram ainda questões de conflito e resistência em relação à

condição escravista desta população. Mas também, em situações de castigo e

repreensões, como cativos que serviram aos seus senhores (Figura 6), expressando-os

como trabalhadores nas fazendas, nas cidades, nas casas-grandes e nas senzalas. Estas

obras empregadas neste manual didático em suma, apresentaram a população negra em

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posição de submissão, o que pode reafirmar um discurso de superioridade ou mesmo

preconceituoso em relação a esta população.

FIGURA 6 – ESPOSA DO ARTISTA COM O FILHO NO COLO.

FONTE: MODERNA. Projeto Araribá : história. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2006, p. 200.

Estas imagens, assim como as utilizadas para demonstrar os indígenas

corresponderam a obras financiadas ou mesmo criadas para o Estado. Obras também

de origem européia, elaboradas por artistas europeus conceituados no momento (séc.

XIX), como o caso do artista Jean-Baptiste Debret, que possui um grande acervo de

obras nos manuais didáticos de história que se propõem tratar sobre escravidão

africana no Brasil. Sendo ainda hoje, o autor de imagens mais utilizadas nos livros

didáticos que propõe tratar tal conteúdo. (Figura 7)

Portanto, não se pode desconsiderar o esforço dos autores da obra Projeto

Araribá: História, em demonstrar estas representações por meio de suas culturas e

sociabilidades. No entanto a imagem interpretada por eles destacaram, sobretudo

aspectos de subjugação de uma cultura sobre a outra, possibilitando o surgimento de

ainda mais etnocentrismos.

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FIGURA 7 – FEITOR AÇOITANDO NEGRO

FONTE: MODERNA. op. cit. p. 201.

Conforme previamente citados, Ricardo Dreguer e Eliete Toledo são nomes das

atuais historiografias didáticas que inovaram na proposta de examinar os textos

históricos por meio de conceitos, o que propõem pesquisas e análises por meio de sua

obra, a fim de despertar um conhecimento crítico e analista nos alunos por meio desse

conhecimento.

Recorda-se da obra já analisada “História: Cotidiano e Mentalidades”, mas já na

avaliação de 2008, estes autores lançaram a obra “História: conceitos e

procedimentos” 104.

Esta obra aprovada pelo Guia de Livros Didáticos de 2008 se destacou pela

proposta de analisar o passado e suas relações com o presente, destacando os processos

de dominação, formas de resistência do dominado, e a troca de cultura durante o

processo histórico.

Como seu próprio título sugere – Conceitos e Procedimentos; os autores

buscaram uma metodologia de trabalho baseada nos conceitos históricos, admitindo

que se os alunos os compreenderem eles servirão para interpretação de qualquer

situação ou contexto histórico, o que suscitará nos alunos um caráter de historiadores.

Mas ao analisar a forma como esses conceitos foram utilizados notou-se a

carência de tais explicações, baseando-se apenas em citações de alguns conceitos

históricos no texto sem maiores explicações, propondo ao final do capítulo uma

104 DREGUER, Ricardo. TOLEDO, Eliete. História: Conceitos e Procedimentos. 1ª ed. São Paulo: Atual, 2006.

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atividade que exige o conhecimento de tal conceito, o que faz com que este aluno não

possuindo a informação mais profundamente - os conceitos - este manterá sua relação

com o livro didático de forma deficiente, o que corrompe a principal proposta dos

autores.

Como exemplo, se destaca neste ínterim uma observação particular que remete

a uma análise a respeito do termo etnocentrismo, quando tratou de conteúdos

correspondentes a chegada dos europeus no continente americano. Esse conceito,

como sugere o título da obra, desencadeou ao final do capítulo uma atividade, que

propõe contemplar esta questão segundo a perspectiva dos indígenas em contato com

os europeus neste período. No entanto o conceito não foi previamente explicado tanto

no texto como na atividade, o que impossibilitaria o aluno realizar a atividade com

maior clareza, e ainda mais de refletir sobre seu cotidiano vinculando-o ao contexto

estudado.

Em modos gerais, percebeu-se o tipo de domínio empregado neste livro,

baseando-se numa escrita tradicional. Onde foi notada a presença econômica em todos

os discursos, direcionando todos os assuntos em uma só perspectiva. Enquanto isso, as

representações do indígena e do negro foram tratadas apenas como força de trabalho.

Em que suas ações sociais e culturais foram dispostas como peculiaridades em caixas

de textos, ou em formato de apêndice.

Ao mesmo tempo, o texto reafirma discursos que enaltece nomes e mesmo

atitudes de imposição que subjugaram uma cultura sobre a outra. Um exemplo disto se

demonstra no texto em que trata do domínio português no Brasil, e da temática da

religião instaurada por pelo europeu, denominando como título “Importância da

religião”.

Os membros da Igreja Católica desempenham assim um importante papel na organização da colonização da América portuguesa. Eles catequizaram os indígenas, impondo-lhes a religião e os costumes europeus, e também organizaram e controlaram a vida religiosa e os costumes dos colonos105.

105 id. ibid. p. 155.

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Desta forma as representações dos povos indígenas e negros foram tratadas,

sobretudo como figura participante do processo econômico do Brasil. O indígena que

serviu a priori como força de trabalho, sequencialmente foi substituída pela mão-de-

obra negra, finalizando assim as narrativas destinadas a estas populações.

Foram ainda demonstradas manifestações culturais destas populações, mas estas

se apresentaram como informações curiosas, ou seja, como informações que apenas

complementem o texto principal, sendo apenas um anexo. Portanto, esses autores

tornaram a abordagem cultural tão importante para o ensino da disciplina e suas

funções, e também tão discutidos pelos historiadores, como uma abordagem menos

relevante, em vista do discurso político e econômico.

Quanto ao uso de imagens para descrever os povos indígenas e africanos nos

primeiros anos de instalação européia no Brasil, notou-se a carência de tais recursos,

sendo em maioria composto por mapas ou obras artísticas, e essas são de origem

oficial. As mesmas possuíram debilidades existindo poucas informações a respeito de

autoria, data, local, o que demonstrou pouca importância dada ao uso destes recursos.

Tais observações levam a possíveis questionamentos, como Lana Mara de

Castro Siman abordou em sua obra “Pintando o descobrimento: o ensino de História e

o imaginário de adolescentes”, que atribui às imagens enquanto utilizadas no ensino

como importantes recursos para o conhecimento histórico, e isto se utilizado de forma

mais abrangente. Conforme a mesma comenta:

A leitura da imagem enquanto documento-monumento oferece referências para a construção de estratégias didáticas e metodológicas para o uso em sala de aula. Levar nossos alunos a se indagarem a respeito da intencionalidade dos autores, a reportarem-se ao contexto de usa reprodução, aos usos práticos e simbólicos feitos da obra, permitirá que eles vejam o documento como um monumento...106

Portanto segundo Siman, o uso de imagens no ensino de história, são poderosas

ferramentas que podem despertar questões, elaborar pensamentos e um conhecimento

mais amplo de determinada realidade em relação as representações postas em cada

obra. Mas esta é uma via de mão dupla, isto é, o uso destas imagens podem

106 SIMAN, Lana Mara de Castro. Pintando o descobrimento: o ensino de História e o imaginário de adolescentes. In: _______. FONSECA, Thaís Nívea de Lima. (org.) Inaugurando a História e construindo a nação. Discursos e imagens no Ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 166-167.

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desmistificar conceitos, mudar ou mesmo conduzir opiniões, mas podem intensificar

preconceitos, surgir generalizações, ou mesmo atitudes etnocêntricas, e isto tudo se

utilizadas de forma deficiente, não considerando seu contexto, sua elaboração, o que

pode ser notado seu emprego problemático neste manual didático, “História: Conceitos

e Procedimentos” 107.

Este livro se propôs representar os povos indígenas e negros no Brasil de uma

forma mais complexa, que distancie o aluno de qualquer atitude preconceituosa diante

desta população. No entanto, sua escrita se baseia em uma contradição. Pois como

poderiam ser considerados como povos pertencentes e constituintes de território

brasileiro, se suas ações foram ofuscadas pelas ações do europeu. E isto demonstrada

pelas relações sociais, que se apresentaram subsidiadas pelas relações do trabalho,

sendo que os aspectos sociais e culturais destes povos indígenas e negros foram

trazidos como curiosidades e destinados a meras observações. Verifica-se então a

insistência de um discurso tradicionalista.

Deste modo, retomamos à mesma questão indicada anteriormente: como este

aluno se identifica como sujeito da História? As demais abordagens deste manual

propuseram discutir - não mais surpreendente – a história brasileira por um caráter

econômico e político, e por meio de análises figurantes e complementares sobre a

cultura, a organização social e cotidiana destes povos, o que apresentou estas

abordagens separadas do corpo do texto.

As observações feitas a partir destes dois livros didáticos – “Projeto Araribá:

História” e “História: Conceitos e Procedimentos” - refletiram uma coerência em seu

discurso. E este, sobretudo, tradicional, que insiste em permanecer neste material

didático utilizado no ensino de História, como já explanado, a perspectiva econômica e

política, que utiliza “documentos que jamais poderiam servir como referente, no

máximo como referência” 108.

Contempla deste modo, a constituição da cultura brasileira, por meio desses

povos, com informações sucintas que apenas complementam o texto principal.

Retoma-se então a muitas questões, dentre elas o papel da historiografia e a inserção

destas abordagens nos livros didáticos de história. E em específico, como a Nova

107 DREGUER, Ricardo. TOLEDO, Eliete. História: Conceitos e Procedimentos. 1ª ed. São Paulo: Atual, 2006. 108 FERRO, Marc. A história vigiada. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 25.

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História pode ser identificada neste material didático, ou mesmo, qual tem sido a

utilidade das discussões e debates sobre a escrita da História se estas precariamente

repercutem no ensino da disciplina?

Inferimos neste momento a falta de sensibilidade dos autores dos livros

didáticos com relação às discussões interpostas pela Nova História e as sugestões

contidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História.

Tem-se a impressão que apenas alguns trechos são adequados às discussões

historiográficas mais recentes, somente para que participem da listagem dos livros

analisados e aceitos pelos avaliadores do Programa Nacional do Livro Didático. Desta

forma, como se propaga a memória histórica e constitui-se a formação da identidade

desses alunos que percebem que a:

[...] adolescência é um período em que os jovens estão mudando; sua percepção das normas sociais desloca-se de uma concepção segundo a qual a interação social se explica, principalmente, por meio de riscos pessoais e benefícios, para outra em que as normas são acertadas coletivamente, primeiro com os mais próximos, para garantir a harmonia; depois, com toda a sociedade.109

Seria mesmo possível por meio dos livros didáticos desenvolver uma

consciência histórica capaz de analisar e perceber as diferenças relativizando-as, e

ainda despertar um pensamento crítico?

Cremos que a resposta faz-se negativa quando observamos os exemplos acima

citados, o que foi confirmado na pesquisa apresentada por Cerri e Ferreira 110, quando

tratam das representações, tendo como foco principal, as mulheres e como foram

apresentadas nos manuais didáticos de História, indicados pelo Programa Nacional do

Livro Didático dos anos de 2002 e 2005, o que este gênero apresentou-se como anexo

do texto principal, estando às margens dos conteúdos propostos, considerados como

principais por esta ferramenta, o que estes autores concordam com o enfoque aqui

explanado.

109 TUTIAUX-GUILLON, Nicole. O Ensino da história e a alteridade na França: algumas perspectivas para reflexão e pesquisa. In: CARRETERO, Mario; ROSA, Alberto; GONZÁLES, Maria Fernanda. (org.). Ensino da História e Memória Coletiva. Trad. Valéria Campos. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 284. 110 CERRI, Luiz Fernando. FERREIRA, Angela Ribeiro. Notas sobre as demandas sociais de representação e os livros didáticos de história. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; STAMATTO, Maria Inês Sucupira. (org.). O Livro didático de História: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal: EDUFRN, 2007.

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De modo geral, o aspecto político e econômico continua sendo a principal linha de explicação e articulação do conteúdo, ainda que algumas “novidades” sejam incorporadas. Ou seja, o público, o oficial e os “grandes” nomes da História continuam com lugar assegurado, enquanto as mulheres, assim como os pobres, as crianças, os negros, como não estão efetivamente presentes na vida pública, continuam de fora, ou, no máximo entram como parte complementar, fora do texto principal, na maioria das vezes, ganhando status de peculiar e exótico.111

Esta imagem de peculiar e exótica foi observada em tais obras analisadas,

assim como propôs o livro didático “História: Conceitos e Procedimentos”, que

reduziram a abordagem do indígena e do negro intrínseca ao sistema político e

econômico da Colônia Portuguesa, destituindo de qualquer perspectiva cultural em

relação ao texto, mas esta foi apresentada como uma informação extra.

4.2. LIVRO DE HISTÓRIA: PERCEBER E RECONHECER IDENTIDADES

Já se pode analisar por meio dos livros didáticos e de suas representações em

relação ao negro e o índio que esses manuais apresentaram estas alteridades às

margens de uma temática dominante, e esta tradicionalmente econômica, o que

destinou a estas populações um olhar apenas remetido ao trabalho. Com isso surgiram

outras premissas por estas perspectivas de reflexão.

Segundo citação de Tutiaux-Guillon parte-se do ponto em que, “a diversidade

cultural são construções elaboradas pela sociedade e, naturalmente, pela escola” 112. Se

a escola colabora com a construção da identidade cultural de seus alunos, passamos a

verificar de que maneira o ensino de História tem contribuído para o desenvolvimento

da identidade cultural dos estudantes.

E conforme previamente mencionado os Parâmetros Curriculares Nacionais de

História (1998), como já foi dito, constituem as bases no critério de ordenação

avaliativa dos livros didáticos de história do Programa Nacional do Livro Didático,

111 CERRI, Luiz Fernando. FERREIRA, Angela Ribeiro. Notas sobre as demandas sociais de representação e os livros didáticos de história. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; STAMATTO, Maria Inês Sucupira. (org.). O Livro didático de História: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal: EDUFRN, 200, p. 83. 112 TUTIAUX-GUILLON, Nicole. O Ensino da história e a alteridade na França: algumas perspectivas para reflexão e pesquisa. In: CARRETERO, Mario; ROSA, Alberto; GONZÁLES, Maria Fernanda. (org.). Ensino da História e Memória Coletiva. Trad. Valéria Campos. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 282.

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tendo sua primeira edição no ano de 1999, o que consta textualmente neste documento

definições de ensino como: “conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos,

em diversos tempos e espaços, em suas manifestações culturais, econômicas, políticas

e sociais, reconhecendo semelhanças e diferenças”; “respeitar a diversidade social,

considerando critérios éticos”, ou ainda, “o respeito às diferenças e a luta contra as

desigualdades”. As citações realçadas têm em comum a reflexão sobre a alteridade,

como o aluno sujeito da educação pode-se perceber, respeitar e conhecer o “outro”,

destituindo qualquer caráter preconceituoso e etnocêntrico.113

Por isso, cabe aos livros didáticos elaborados apresentar estas questões

consideradas fundamentais no ensino e assim nas relações sociais deste aluno, e que se

estenderam pelos anos de sua vida. Desta forma buscou-se analisar como os livros

didáticos de tal disciplina após o processo avaliativo embasado nas discussões

propostas pelos Parâmetros que regem o atual ensino de História e suas discussões.

Como estas ferramentas possibilitam a percepção de tais diferenças e como elas

se modificaram durante este processo avaliativo. Mas conforme as verificações

supracitadas, os livros ainda preservam características problemáticas que

impossibilitam a construção de tais habilidades: senso crítico, despertar da cidadania, e

distanciamento de ações ou sentimentos etnocêntricos.

Em conta disto a análise se estendeu para mais alguns livros indicados pela

avaliação do ano de 2008, edições que foram acompanhadas por meio de análises em

sala de aula, e que foram consideravelmente utilizadas nas redes de ensino de Curitiba.

A obra a ser mencionada “História - Das Cavernas ao terceiro Milênio” 114, de

Patrícia Ramos Braick e Miryam Becho Mota, notou-se sua peculiaridade por meio da

proposta de analisar os povos indígenas e negros, traçando aspectos de sua vida social,

econômica, cultural, cotidiana, e mesmo política, antes do contato com os povos

europeus.

Para isto destinou capítulos para relacionar os povos ameríndios utilizando de

imagens e documentos oficiais e não oficiais, propondo explicações e atividades de

113 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: história. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental, 1998. 114 BRAICK, Patrícia Ramos; MOTA, Myriam Becho. História: das cavernas ao terceiro milênio. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2006.

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reflexão para o aluno, como intuito de elaborar uma análise mais ampla em relação aos

povos indígenas na América. Uma proposta diferenciada das que costumam a elaborar

os manuais. Contudo, como as autoras já justificam:

O ideal seria estudar cada um desses povos separadamente, levando-se em conta todas as dimensões da vida cotidiana, da cultura, da organização social, das suas crenças, entre outras características. Nessa perspectiva, poderíamos passar o ano letivo inteiro analisando as comunidades indígenas – mas esse não é nosso objetivo. Para facilitar os nossos estudos, vamos reunir grupos indígenas que possuem características comuns. Isso não significa que estaremos desprezando as particularidades de cada um desses povos. É preciso lembrar-se sempre da diversidade cultural existente tanto entre as comunidades indígenas como entre elas e a nossa sociedade. 115

Ainda que diferenciada esta proposta, e as autoras já advertem aos alunos

quanto a sua proposta, ela corre o risco de tornar as culturas ameríndias generalizadas.

Ao mesmo tempo em que pode ocorrer uma “simplificação” da cultura indígena

brasileira, não considerando suas “complexidades”.

Mesmo que os objetivos das autoras não fossem trazer nenhum embate

antropológico, as mesmas deveriam atentar para os riscos que correm tal estrutura de

discurso. Trazendo “especificações” sim, não só em forma de peculiaridades ou

curiosidades postas em caixas de textos referindo-se ao índio brasileiro, mas

contextualizando em relação ao seu território, por meio de suas manifestações

culturais; alocando os alunos para uma interpretação direta com sua história. Talvez,

esta forma de trabalho deva ser repensada.

Como tentativa de dar maior atenção, antes de tratar sobre a história negra no

Brasil, o livro previamente selecionou temas em relação a África pré-colonial,

trazendo aspectos demográficos, culturais, sociais, comentando sobre a escravidão em

seu próprio território. A curiosidade maior é que esse mesmo capítulo cita as relações

com a escravidão no Brasil, de modo sucinto por meio de um quadro sinótico.

Contradição esta em que, simultaneamente, a questão da escravidão identificou-se

comentários sobre as relações entre a cultura africana e o povo brasileiro.

115 id. ibid.. p. 164.

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O mesmo ocorreu quando os conteúdos abordaram o período Colonial, da

mesma maneira como acima citada. Isto foi pode ser verificado quando os conteúdos

iniciam a discussão sobre a América Portuguesa, a questão da cultura negra é relegada

à escravidão, é posta como “informação complementar” – segundo o próprio texto,

prevalecendo a partir deste momento a expressão dos conteúdos a partir da abordagem

econômica.

Nas representações dos povos indígenas e negros presentes neste livro didático,

ambos estão às margens de uma história tradicional, sendo intercalados por temas que

tratam de aspectos sociais, culturais, cotidianos e etc., sob uma perspectiva ligadas a

economia européia.

Para verificar mudanças ocorridas de uma obra em particular, retornou analisar

estes sinais de mudanças em relação às avaliações destinadas a este livro didático na

segunda (2002) e quarta (2008) avaliação do PNLD de história.

Neste caso, voltou-se observar a edição de “História e Vida integrada” 116, que

assumiu a mesma postura textual do livro História - Das Cavernas ao terceiro Milênio.

Os autores de História e Vida Integrada, Nelson e Claudino Piletti, apostaram no

discurso historiográfico tradicional, econômico e político; situando reflexões culturais

para os alunos em formato de anexos, caixas de texto, complementos entre outros.

Uma das diferenciações desta edição em relação a edição do ano de 2002, é que

as representações do indígena foram dispostas em capítulos isolados. Dedicando uma

maior análise destes povos.

O capítulo relativo ao indígena tratou de vários aspectos desses habitantes,

como a cultura, o cotidiano, as relações e sociabilidades, os costumes e as tradições.

Os autores fizeram um paralelo entre o que foi constituído no passado por esse povo e

a contemporaneidade.

Porém, no capítulo que antecede, abordou a questão ameríndia brasileira

partindo sempre do ponto de vista dos povos europeus. Salientando as ações do

Estado, da Igreja e dos Poderes instituídos na colônia brasileira, o que atribuiu a eles

uma representatividade necessária para a ordem da sociedade brasileira.

116 PILETTI, Nelson. PILETTI, Claudino. História e vida integrada. Nova edição reformada e atual. São Paulo: Ática, 2005.

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Houve também a presença constante de fontes, que em maioria oficiais,

instigam a análise do aluno, apresentando questões como estranhamento e diferenças,

preconceitos em relação aos povos indígenas e ao colono europeu, no entanto, as

análises propostas aos alunos são direcionadas para as representações dos europeus.

...Ao contrário: muitas características desses povos serviram para os europeus de argumento para justificar a colonização. Elabore um quadro que resuma essas características e as justificativas dos europeus.117 Faça um quadro apontando diferenças e semelhanças entre os portugueses e espanhóis na forma de iniciar os contatos com os habitantes das terras americanas.118

A utilização de fontes como já citadas de origem oficial, muitas contém

linguagens próprias da época, e não acompanham explicações, propondo ainda

atividades que questionam a identidade indígena, mas que em seu texto ou imagem

propõe uma representação dos índios de forma submissa e subjugada.

As páginas seguintes conforme o capítulo intitulado, “Os povos indígenas do

Brasil” 119, apresentaram assuntos desde o impacto dos contatos com os portugueses,

passando pela figura de mão-de-obra. Logo em formas de artigos, caixas de textos,

com informações dos indígenas na atualidade.

Mas ainda que por esforços dos autores em apresentar aspectos gerais da vida

dos povos indígenas brasileiros, notou-se formas de exclusão, isolando essa população

como não pertencente à cultura brasileira. Conforme os autores mesmos comentam:

“Entre os povos indígenas existem muitas diferenças. Entretanto, essas diferenças

foram maiores quando comparadas com os povos não-indígenas, como os brasileiros

em geral” 120.

Portanto, as iniciativas dos autores em representar o índio como pertencente a

história brasileira, foram visíveis, e em relação a edição já analisada de 2002, esta

significância dada a população indígena no texto foram visíveis. Contudo, por vezes se

117 id. Ibid. p. 109. 118 id. ibid. p. 111. 119 id. ibid. p. 121-134. 120 id. ibid. p. 124.

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apresentou afirmações que puderam causar no aluno uma postura preconceituosa

diante destes assuntos.

Textos mal explicados, afirmações simplórias, como a explicação sobre os

rituais antropofágicos, que atribuem apenas uma atitude canibal e vingativa perante

seus inimigos e que causou muito espanto aos europeus121. Não demonstrando

aspectos culturais intrínsecos de sua cultura. Conforme citam antropólogos,

desconsiderou-se o ponto de vista dos nativos.

E conforme apresentado neste livro didático, a sociedade indígena manterá sua

posição às margens da sociedade brasileira. E do que dependerá do aluno, a imagem

do índio se refere a um povo que existiu na história do Brasil, e atualmente estão tão

distantes de sua realidade, que não lhe traz nenhuma familiaridade com a sua própria

história.

Quanto ao capítulo que se refere à representação africana no Brasil, foi

intitulado como “A escravidão” 122, e isto se manteve desde a edição recomendada

pelo Guia de Avaliação de 2002.

Verificou-se que, pelo termo utilizado no título do capítulo, já se pode sugerir a

participação da cultura africana no Brasil apenas como a mão de obra. Foram

apresentadas outras informações sobre cultura, cotidiano, tradições e as resistências,

mas estas ligadas a “participação” econômica e política deste grupo social. Até mesmo

os pontos paralelos estabelecidos entre o tempo presente e o passado, estiveram

relacionados à escravidão, o que se dispôs de resquícios desta cultura, que se

apresentou em forma de estereótipos, no formato de textos complementares.

Teve-se impressão que estes livros - elaborados por autores de longa caminhada

historiográfica de livros didáticos - apenas passaram por atualizações como forma de

preservar a posição no mercado do livro didático. Encaixando temáticas, informações,

novos recursos, novas linguagens, novos aspectos estéticos, que utilizam e reutilizam

caixas de texto, para enquadrar exigências historiográficas, mas que, todavia, foram

exigidas nos PCN e assim esses livros avaliados pelo PNLD passaram a circular no

mercado, como um produto que atende as expectativas de venda e consumo, mas que

ainda deficiente em qualidade.

121 id. ibid. p. 126. 122 id. ibid. p. 150-161.

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Outra obra já verificada na edição anterior do PNLD (2005) é “História em

Documento: Imagem e texto” 123 de Joelza Ester Rodrigue. Notou-se que esta edição

aprovada em 2008, baseou-se na mesma obra, nas mesmas disposições de capítulos e

conteúdos, assim como as imagens e documentos, ou seja, não houve nenhuma

alteração em relação ao livro aprovado pelo Guia de 2005.

Contudo salientam-se as críticas destinadas a esta obra no Guia dos Livros de

2008124, que entre elas uma é fundamental citar: “Percebe-se a ausência de novas

temáticas, em especial da cultura afro-brasileira e da indígena, e da discussão das

principais questões desse grupo étnico no Brasil, especificamente na história recente

do país.” 125

Portanto, ressalta a permanecia nos livros didáticos de certos discursos

prejudiciais, que são compostos de tradições e que insistem em permanecer nos ensino

de história. Adverte-se ainda, os livros que não tratam de forma crítica as questões de

identidade e pertencimento, sendo que nessas edições de “História em Documento:

Imagem e Texto” conforme comentadas apresentaram as populações indígenas e

negras no Brasil de uma forma simplista, relacionadas apenas como mão de obra, o

que poderá atribuir o surgimento de uma memória etnocêntrica, ou mesmo

preconceituosa.

Como último objeto analisado, temos o livro didático “Encontros com a

História” 126. Esse volume descreveu a História do Brasil desde a chegada dos europeus

no continente americano até meados do século XVIII.

O conteúdo preservou o discurso tradicional (econômico e político),

desenvolvendo a história brasileira e de suas populações por meio da história européia,

aos quais as autoras a sugeriram a denominação de “a grande vitoriosa”, que impôs

seus valores e mentalidades nos povos conquistados.

Quanto aos assuntos correspondentes a cultura e sociedade foram dispostos

como curiosidades como informações complementares, em formato de caixas de texto,

ou box como as autoras a mesmo nomeiam.

123 RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: Imagem e texto. 1ª ed. São Paulo: FTD, 2006. 124 BRASIL. Ministério da Educação. Guia dos livros didáticos PNLD 2008: História. Brasília: MEC, 2007. 125 BRASIL. Ministério da Educação. Guia dos livros didáticos PNLD 2008: História. Brasília: MEC, 2007, p. 95. 126 ANASTACIA, Carla; RIBEIRO, Vanise. Encontros com a História: 6ª série. Curitiba: Positivo, 2006.

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Desta forma, a história brasileira esta totalmente atrelada à história européia,

fazendo com que todas as ações do povo brasileiro, e neste caso o negro e o indígena,

correspondessem a uma narrativa pela ótica eurocêntrica, isto é, iniciou-se a História

do Brasil, a partir de quando houve o contato com a “civilização” e esta européia.

De igual modo aos outros livros didáticos analisados, o uso de imagens e

documentos nesta edição foi, sobretudo de origem oficial, o que pôde reafirmar a

mentalidade tradicionalista, tão severamente criticada pelos historiadores ao longo dos

últimos anos.

Outro ponto analisado neste material foi a constante recorrência destes autores

em relacionar o passado vivido com as ações atuais. Levando com que os alunos,

leitores desta obra, partam de uma perspectiva de seu tempo para compreender melhor

o passado, o que analisou rupturas e permanências na História com os valores

contemporâneos. Contudo, existem alguns termos utilizados incorretamente, soando

anacronicamente e etnocentricamente. Um exemplo a ser explicitado é o de atribuir às

Navegações do século XV, o conceito de globalização. Como se esta ação fosse

alocada no processo global existente no final do século XX. Os autores relegam a

regra primordial da historiografia, o já citado anacronismo.

Mas ainda assim os autores demonstram sua incompreensão com o “outro”, por

meio de uma atribuição etnocêntrica, incapaz de considerarem a cultura afro, quando

se referiram às formas de resistências dos negros para com a escravidão, utilizando o

termo “fazendo corpo mole”, como explicação para tal conflito. Deste modo,

justificaram toda a violência e repressão aos escravos, e que neste texto foram

considerados como “rebeldes”.

Baseados nisto, os livros didáticos dessas edições avaliadas pelos Guias dos

Livros, desde sua primeira edição (1999), demonstraram certas mudanças

relacionadas, a inserção de conteúdos, a correções de termos conceituais, a noções de

história dos autores estando de acordo com as atuais propostas de ensino, a uma

linguagem clara, enfim a uma correção metodológica, pedagógica e conceitual que

possibilitaram a melhora da disciplina ensinada.

Contudo, essas melhores corresponderam também a certas permanências, isto é,

de conteúdos, de análises de sujeitos, de contextos históricos e de sua visão sobre o

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passado de forma etnocêntrica, que insistiu em relacionar as alteridades analisadas - o

negro e o indígena – como povos secundários da história brasileira.

Ainda percebeu-se a insistência de um discurso superior em relação aos eixos

que determinaram a própria escrita desta história, a influência européia, que ao final

demonstraram as ações desta população que fez e faz parte da história deste país, no

entanto esta por meio das observações feitas até aqui por meio destes manuais

didáticos, as relacionaram como a principal cultura imposta e que preservou a cultura

indígena e negra às margens da historiografia condicionada aos livros didáticos.

Ainda que com as propostas educacionais elaboradas pelo governo formulassem

saídas para a questão educacional, e as bases que correspondem ao ensino de história

de acordo com as mudanças fundamentais, propostas pela própria historiografia, os

livros didáticos em sua avaliação como já suscitados, “ainda conservam pontos de

vista etnocêntricos sobre o passado” 127.

4.2.1. Livros Didáticos em Sala de aula: Breve análise

Mas além de teoria observou-se a prática, considerando entrevistas realizadas

com professores que deram aulas para a 6ª série durante os anos de 1999 à 2009, aos

quais utilizaram alguns desses livros didáticos. Mas também as entrevistas realizadas

partiram do ponto de vista dos alunos que neste período utilizaram estes livros.

Utilizou-se também de observações feitas em sala de aula nas turmas

correspondentes a 6ª série durante os anos de 2008 e 2009, em que trataram destas

temáticas. A representação indígena e negra durante os anos de história do Brasil após

o contato com os europeus.

Nas entrevistas destinadas aos professores questionou-se o uso dos Guias dos

Livros, resultando que foram poucos professores que fazem o uso deste material,

determinando a escolha dos livros por esses profissionais por meio das edições de

análise enviadas pelas editoras, ou mesmo por livros de autores que anteriormente

costumavam trabalhar.

127 TUTIAUX-GUILLON, Nicole. O Ensino da história e a alteridade na França: algumas perspectivas para reflexão e pesquisa. In: CARRETERO, Mario; ROSA, Alberto; GONZÁLES, Maria Fernanda. (org.). Ensino da História e Memória Coletiva. Trad. Valéria Campos. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 283.

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Quanto ao uso do livro e das questões relacionadas à alteridade, para esses

profissionais os livros didáticos de História apresentaram possibilidades de debate com

o aluno sobre questões de diferença. Dentre as entrevistas realizadas, em suma, o

discurso fora afirmativo, ou seja, o livro didático trata sobre tais temáticas, no entanto

ao comentar as representações dos povos indígenas e africanos na História do Brasil,

estes são simplistas e exigem de uma pesquisa maior, não permitindo com que estes

alunos possam compreender o que existe uma dificuldade para relacioná-las com sua

realidade.

Outro aspecto tratado possibilitou ver a participação do professor neste

processo de aprendizagem. Percebendo que conforme a discrição dos professores em

seu contexto de aula, buscou freqüentemente debater sobre estas questões; no entanto,

as entrevistas desses alunos, demonstram que os assuntos como diferença, preconceito,

identidade, cidadania, foram escassamente tratados em sala, e no que relacionados às

culturas brasileiras representadas pelas populações indígenas e negras, por vezes foram

apenas citados e isto de forma estanque, mas, sobretudo e exclusivamente como parte

integrante do processo econômico brasileiro.

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CONCLUSÃO

Os apontamentos relacionados demonstraram a relação da atual historiografia

que tem influenciado nas instituições educacionais de forma deficiente e precária pelos

livros didáticos de história. Preservando um aprendizado que insiste em manter uma

visão eurocêntrica de mundo. Silenciando as histórias do Brasil que possui vários

olhares, que Gilberto Freyre analisa:

Aos equilíbrios dos antagonismos. Antagonismos da economia e de cultura. A cultura européia e a indígena. A européia e a africana. A africana e a indígena. A economia agrária e a pastoril. A Agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboada. O pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharele o analfabeto. Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: ao senhor e o escravo.128

O Brasil com toda a problemática racial existente busca o reconhecimento no

passado de uma forma mais clara e abrangente, conseguintemente menos

preconceituosa e generalista. Reconhece nas diferenças existentes na história o

sentimento de pertencimento e o despertar de uma identidade, neste caso a identidade

brasileira, questão repensada por anos pela historiografia brasileira. Contudo esta

análise, agora deva-se dedicar por meio de seu ensino de História desde os primeiros

anos da carreira escolar, para transmitir um conhecimento mais profundo e coerente

que condiz com os debates freqüentes sobre o não preconceito, a aceitação e etc..

Determina-se então, que esses anos escolares são fundamentais para a

elaboração de uma mentalidade mais questionadora, que desperte no aluno um

sentimento de pertencimento, e que este ensino de história produza tal sentimento.

Para isto tal importância em analisar a História do Brasil e seu recurso didático

mais utilizado, que estão, todavia, presentes no contexto escolar. E ainda, que

transmite uma gama de informações e conhecimentos sobre o passado desmistificando

ideologias, etnocentrismos, admitindo que só exista preconceito diante daquilo que não

se conhece. Para isso, há a necessidades desses estudantes conhecerem mais sobre a

história de seu povo, dos indígenas, negros e brancos, que foram fundamentais para a

128 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 51ªed. São Paulo: Global. 2006, p. 116.

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constituição da sociedade brasileira, ao qual hoje somos resultados. Ao suscitar

novamente, as elogiáveis afirmações de Marc Ferro

Não nos enganemos: a imagem que fazemos de outros povos, e de nós mesmos, está associada à História que nos ensinaram quando éramos crianças. Ela nos marca para o resto da vida. Sobre essa representação, que é para cada um de nós uma descoberta do mundo e do passado das sociedades... mas permanece indeléveis as maracás das nossas primeiras curiosidades, das nossas primeiras emoções.129

Essa história que aprendemos em nossa infância atribuirá a imaginários e a

representações que perpetuarão por muito tempo, o que constituirá uma memória que

se reafirmará na medida em que se estabelecem relações, de acordo com experiências,

mas, sobretudo deverão ser questionadas durante a vida escolar.

Desta forma buscou-se analisar os livros didáticos de história, traçando um

paralelo do ensino do passado e do presente, notando por vezes uma insistência em

determinados assuntos. A reafirmação da analise tradicionalista, é o maior exemplo,

estando acima de tudo um discurso econômico e europeizante. Mas ainda há a

presença de muitos etnocentrismos, expressões de não entendimento, ou que não se

buscou analisar ou compreender as relações mais intrínsecas, desta população

brasileira, negra e indígena.

Todavia não se pode desconsiderar o esforço dos autores de livros didáticos de

história em inovar e distanciar-se das metodologias e discursos empregados há décadas

atrás. E nessas obras analisadas e nas avaliações propostas pelo PNLD, notou-se uma

maior atenção tanto dos professores que fazem dos manuais suas ferramentas diárias,

mas também aos alunos que por meio da avaliação destinadas aos livros

desenvolveram nas editoras uma mudança estrutural e conceitual, o que valorizou a

figura do aluno em tonar este material mais próximo e acessível a sua realidade.

Em vista disto os livros didáticos passaram a considerar questões como:

identidade, cidadania, pensamento crítico, respeito às diferenças e questionamento da

realidade, temáticas tão incentivadas pelos PCNs. Contudo, esta adequação notou-se

129 FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. São Paulo: IBRASA, 1983, p.11.

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sua utilização como forma desses autores para enquadrar-se nos quesitos propostos

pelo processo seletivo do PNLD.

Mas recorda-se que o livro não é apenas um manual didático que elaborado

pelo autor chega diretamente às mãos do aluno. Atualmente os livros didáticos se

enquadram na realidade de mercado, tomando forma de mercadoria de consumo, e que

sofre as ações deste, de compra e venda. Por isso deve ser considerada a produção,

mas também a recepção. E este material sendo produzido por um autor, que escreve

para a aceitação das editoras, logo são escritos, para o mercado, como melhor produto,

que contem melhor estética e melhor preço. Por tanto questiona-se a elaboração deste

manuais didáticos, da mesma forma sua avaliação.

Um velho ditado suscita que “professores são formadores de opinião”. Crê-se

que a função do professor está além disso. Mas, possibilitar o aluno a compreender a

relação com o aprendido e seu tempo presente.

Para o aluno de história a disciplina será algo que só estará presente em seu

tempo escolar, no entanto suas análises e pontos de vistas elaborados nesses anos

poderão acompanhá-lo ao longo de sua vida. E esta responsabilidade também se

destina aos autores dos livros didáticos, os quais obtêm um grande instrumento em

suas mãos capazes de criar, desmistificar e transmitir conhecimentos, por este recurso

tão utilizado no ensino de história, o livro didático.

Por isso, os debates tão cansativos entre a função do professor devem ser

também divididos com o historiador que escreve estes manuais. Ainda, por outro lado,

deve ser passado pelos avaliadores do PNLD, visto a grande responsabilidade de

considerar não apenas aprovado, mas suficiente para atender as demandas do contexto

atual, e possibilitar a verdadeira construção da consciência histórica, e assim crítica;

criando identidades menos simplistas e etnocêntricas.

Portanto coube a esta pesquisa analisar o livro didático, como exposto por

Cerri e Ferreira: “a análise do livro didático deve partir da idéia de que os conteúdos

propostos têm que ser capazes de garantir a formação da consciência histórica, e não

analisar se o livro traz este ou outro assunto” 130.

130 CERRI, Luiz Fernando. FERREIRA, Angela Ribeiro. Notas sobre as demandas sociais de representação e os livros didáticos de história. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; STAMATTO, Maria Inês Sucupira. (org.). O Livro didático de História: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal: EDUFRN, 2007, p. 82.

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Percebeu-se que por meio de muitos esforços, entre adequações com as

correntes historiográficas e os debates metodológicos, os livros didáticos ainda

demonstram uma insuficiência na produção da consciência histórica, da identidade e

de percepção das alteridades de forma crítica e “relativista”.

Percebeu-se ainda que esses manuais permaneceram com resquícios oriundos

das metodologias de ensino das décadas passadas. Eles pouco adequaram-se as

discussões historiográficas que há anos são retomadas nas no ensino de história. O

maior exemplo disto, é a permanecia de abordagem tradicionalista, que reitera uma

visão unilateral da História e de seus sujeitos, como o caso da representação indígena e

negra nestes manuais que, conforme já verificados, estes permaneceram com uma

visão econômica, sempre relacionada a linguagem oficial. Portanto, estes livros

quantitativamente se modernizaram, nas capas, nas formas como as ilustrações foram

utilizadas, na própria estrutura de conteúdos, e nos exercícios.

Nos exemplos utilizados nesta pesquisa, a questão da alteridade com relação

ao índio e ao negro, verificou-se que esses assuntos foram tratados de modo sucinto,

separados do texto principal. E as representações destas populações ainda surgiram

como constituição da História econômica e política, ao qual conhecemos suas

características devido à interferência dos habitantes europeus. Esses, por sua vez,

quando vieram ao nosso país, fizeram com que nossa história se iniciasse, como se não

existisse nada antes de sua chegada.

Como analisados por Everardo Rocha sobre o etnocentrismo e o que vem a

ser este termo e suas complexidades; o que concorda com as observações elaboradas

até então, na existência deste ao exemplificar o papel do índio para o livro didático,

que é apenas uma “forma vazia” que empresta “sentido ao mundo dos brancos” 131.

Sendo assim, temos a impressão de que os índios apenas foram coadjuvantes no

processo de construção da nação brasileira. Tutiaux-Guillon identifica a questão da

colonização e da ação dos europeus, como esses sendo sempre os protagonistas,

porque:

[...] os habitantes de áreas colonizadas somente são mencionados quando a colonização se efetiva e quando são dominados pelos europeus. Portanto, não

131 ROCHA, Everado. O que é etnocentrismo. 5ª ed. São Paulo. Brasiliense, 1988, p. 17.

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são considerados “atores” no processo de colonização, enquanto os europeus o são. 132

Os alunos das 6ª séries deveriam compreender a relação da História ensinada

com a História vivida. Esse aluno tem a disciplina de História não somente na sala de

aula, mas como conhecimento que os acompanhará por toda sua vida.

Desta forma, vemos como é primordial o ensino da História nas escolas, e

conseqüentemente, da responsabilidade depositada nos autores dos livros didáticos,

ferramentas estas consideradas indispensáveis para o ensino da disciplina.

Atribui-se então uma importante função desses livros didáticos no contexto

escolar, da mesma forma dos autores dos livros didáticos de história que por meio de

obras são capazes de criar, desmistificar e esclarecer acontecimentos segundo suas

interpretações. Mas, atribui-se também aos professores como parte nesta função de

ensino e aprendizagem e do que será transmitido a este aluno. Ainda considera a ação

dos avaliadores do Programa Nacional do Livro Didático, que constituem as bases de

pesquisa e adequação de tais conteúdos propostos nos livros didáticos de acordo com

as discussões e relevâncias para o ensino da disciplina.

Todos esses indivíduos apresentam uma parcela na ação de considerar os

livros analisados aprovados, mas parcialmente suficientes para atender as demandas do

contexto atual. Sem, ao menos, garantir a possibilidade de se construir a consciência

histórica e crítica.

Por último contempla a ação da sociedade na regulamentação ou mesmo

reafirmação de tais conteúdos, o que se verifica como resultados em forma de debates,

em movimentos, em projetos de lei, e etc., a fim de mudar a consciência existente

sobre tais populações (negra e indígena), e estas ações repercutem tanto na educação

quanto nos recursos por ela utilizados, como o livro didático. Assim percebe-se que

estas ações da sociedade em si levantam questões, discutem-se alternativas, no entanto

o que se verificou a permanência mesmo que subjetiva por meio de tais

representações, a permanência do discurso etnocêntrico e preconceituoso. E como

132 TUTIAUX-GUILLON, Nicole. O Ensino da história e a alteridade na França: algumas perspectivas para reflexão e pesquisa. In: CARRETERO, Mario; ROSA, Alberto; GONZÁLES, Maria Fernanda. (org.). Ensino da História e Memória Coletiva. Trad. Valéria Campos. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 283.

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afirmam pesquisas antropológicas, atualmente a questão do preconceito é silenciosa,

porém ela ainda persiste.133

Existe a necessidade implícita de os alunos participarem da História e de seus

livros apresentarem essa possibilidade. Caso contrário, como citado por Cerri e

Ferreira não se conseguirá formar o “povo”, para tanto: “é necessário incluí-lo na

história, e não educá-lo numa escola que reforça e legitima a sua exclusão. As pessoas

precisam estudar uma história em que se percebam parte o todo, e, não menos

figurantes no processo histórico” 134.

Deste modo, procurou-se apresentar aos leitores um fragmento de como se

desenvolve o ensino da alteridade nas 6ª séries, tratando-se de conteúdos da História

no Brasil. Abordou-se essa problemática com a hipótese de se encontrar nos

depoimentos e nos livros didáticos algo além do que a realidade tácita nos transmite.

Mas, como pôde ser verificado existe a necessidade de se revisar os livros didáticos

em circulação no mercado - aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático, de

aprofundar as discussões sobre a alteridade nos cursos de formação de professores, de

incentivar o estudo e a pesquisa destas temáticas em todos os níveis de ensino.

Somente assim poderemos contribuir com o esclarecimento acerca da importância

dessa temática para História.

133 Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=_2EEAAAAMBAJ&pg=PT93&lpg=PT93&dq=lilia+ moritz+-+preconceito+silencioso&source=bl&ots=EepP9XVUrl&sig=UEuurRm8IIc0EHDtEf5uZUCqA3I&hl= =pt-BR&ei=BIa9Tam2BMPqgQeJoqi5BQ&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1&ved=0CBgQ6AewA A#v=onepage&q&f=false Acesso em: 01 mai 2011. 134 CERRI, Luiz Fernando; FERREIRA, Angela Ribeiro. Notas sobre as demandas sociais de representação e os livros didáticos de história. In: OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de; STAMATTO, Maria Inês Sucupira. (org.). O Livro didático de História: políticas educacionais, pesquisas e ensino. Natal: EDUFRN, 2007, p. 81.

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