Gad Otti

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Planeta Literatura João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor. História das Idéias Pedagógicas Livro de cabeceira para educadores O ritual estabelecido de entrar em sala de aula, com materiais debaixo do braço ou dentro de uma bolsa, depositar cadernetas em nossas mesas, fazer a chamada, instruir os alunos quanto aos temas e exercícios discutidos em aula, passar de carteira em carteira, anotar apontamentos e dúvidas na lousa ou ainda explanar e discutir assuntos pertinentes não surgiu ao acaso. A prática pedagógica é resultante de uma longa história, praticamente tão velha quanto à própria humanidade. Iniciase provavelmente a partir das conversas e histórias contadas ao redor de fogueiras por pessoas mais experientes dentro de comunidades estabelecidas há muito tempo atrás... Não há como referenciar esses primeiros encontros ou mesmo, de acordo com alguns especialistas, considerálos historicamente como relevantes para a pedagogia. O que fazemos ao considerar os idos préhistóricos como primeiros momentos em que se

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Planeta Literatura

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação,historiador, pesquisador e escritor.

História das Idéias PedagógicasLivro de cabeceira para educadores

O ritual estabelecido de entrar em sala de aula, com materiais debaixo do braço oudentro de uma bolsa, depositar cadernetas em nossas mesas, fazer a chamada, instruiros alunos quanto aos temas e exercícios discutidos em aula, passar de carteira emcarteira, anotar apontamentos e dúvidas na lousa ou ainda explanar e discutir assuntospertinentes não surgiu ao acaso. A prática pedagógica é resultante de uma longahistória, praticamente tão velha quanto à própria humanidade. Inicia­se provavelmentea partir das conversas e histórias contadas ao redor de fogueiras por pessoas maisexperientes dentro de comunidades estabelecidas há muito tempo atrás...

Não há como referenciar esses primeiros encontros ou mesmo, de acordo com algunsespecialistas, considerá­los historicamente como relevantes para a pedagogia. O quefazemos ao considerar os idos pré­históricos como primeiros momentos em que se

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fazemos ao considerar os idos pré­históricos como primeiros momentos em que seensejou o que podemos chamar de ensino e aprendizagem é dar relevância ao encontroentre a experiência dos mais velhos e a candura própria dos mais jovens.

A pedagogia como a concebemos, enquanto saber constituído a partir de elaboraçõespráticas e abstratas somente se constrói a partir do surgimento da escrita e dasprimeiras grandes civilizações da Antiguidade. É o que percebemos a partir das liçõesque nos são dadas pelo professor Moacir Gadotti, doutor e livre­docente em educação,autor de diversos títulos de prestígio e repercussão na área.

Em sua obra História das Idéias Pedagógicas, Gadotti inicia as conversas acerca dessetema tão pertinente voltando à antiguidade chinesa, resgatando Lao­Tsé e o Talmudehebraico como fontes inspiradoras do pensamento pedagógico no oriente próximo edistante (Oriente Médio e China). É desse período e região, especificamente de Lao­Tséa constatação de que “o fraco e flexível é mais forte que o forte e rígido” ou ainda “queo mundo não pode ser plasmado a força” e que, por isso, “ao sábio não interessa aforça”...

“A criança não pode levar uma vida normal no mundocomplicado dos adultos. Todavia é evidente que o adulto, com avigilância contínua, com as admoestações ininterruptas, comsuas ordens arbitrárias, perturba e impede o desenvolvimentoda criança. Dessa forma, todas as forças positivas que estãoprestes a germinar são sufocadas; e a criança só conta comuma coisa: o desejo intenso de livrar­se, o mais rápido que lhe

for possível, de tudo e de todos”. (Maria Montessori)

Percebemos nessas linhas apenas um pouco daquilo que podemos considerar como amística oriental celebrada com sabedoria e simplicidade. Notamos especialmente adevoção à inteligência em contraposição à força, justamente aquilo que a pedagogiapreza através de suas ações, seja naquele lado do mundo ou neste em que nos

encontramos...

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encontramos...

Dos pensadores orientais, mas ainda focando seus escritos na Antiguidade, o professorGadotti nos transporta para a Grécia e a seus sábios filósofos Sócrates, Platão eAristóteles. Professores e aprendizes, herdeiros de toda uma tradição cultural, mestresque legaram uns aos outros o conhecimento basilar que funda praticamente toda anossa tradição ocidental.

De Sócrates para Platão e deste para Aristóteles. Como numa autêntica e afinadatabelinha futebolística concretizada através do tempo, a Grécia se tornou soberana noimaginário cultural e também, especificamente, no pedagógico. A maiêutica ou “arte deextrair do interlocutor, por meio de perguntas, as verdades do objeto em questão”tornaram Sócrates, nos dizeres de Gadotti, “o maior fenômeno pedagógico da históriado Ocidente”.

De suas incríveis lições, não registradas por ele mesmo, surgiram os diálogos platônicosa apregoar, pelos quatro cantos do mundo, a necessidade de superação da alienação,conclamando os homens a ultrapassarem as trevas das cavernas onde estavam presos.Falava alegoricamente sobre a ignorância e a necessidade de entendermos a dicotomiaentre o mundo das idéias e a realidade nua, crua e dura de cada dia de nossas vidas...

“Quando o facilitador é uma pessoa real, se seapresenta tal como é, entra em relação com oaprendiz, sem ostentar certa aparência ou

fachada, tem muito mais probabilidade de sereficiente. Isso significa que os sentimentos queexperimenta estão ao seu alcance, estão

disponíveis ao seu conhecimento, que ele é capazde vivê­los, de fazer deles algo de si, e,

eventualmente, de comunicá­los”. (Carl Rogers)

Aristóteles, seu herdeiro legítimo, aluno dedicado prima mais pelo realismo e abastece

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Aristóteles, seu herdeiro legítimo, aluno dedicado prima mais pelo realismo e abastecede sentido mais prático e objetivo a ciência e a própria educação. Ao analisar os homensa partir de suas faixas etárias, conclui o sábio pensador grego que “todas as vantagensque a juventude e a velhice possuem separadamente se encontram reunidas na idadeadulta”, já que “onde os jovens e os velhos pecam por excesso ou falta, a idade maduradá mostras de medida justa e conveniente”. Nem parece que escrevia essas linhas hátantos e tantos anos atrás...

A viagem no tempo através dessas incríveis referências pedagógicas feita no livro deMoacir Gadotti continua, discorrendo sobre a educação em Roma e no Medievo,resgatando nomes que por vezes teimamos em não nos lembrar e que são, apesar denão tão conhecidos, reconhecidamente importantes para a educação.

Foram, por exemplo, os romanos que estabeleceram através do estudo da cultura geral,por eles chamada de humanitas, práticas escolares como o ditado de fragmentos detexto, a necessidade de exercícios ortográficos, a memorização como práticaeducacional, a análise de frases e palavras, a construção de pensamentos estudados emdiferentes formas de expressão ou ainda a composição literária.

A Idade Média, por sua vez, celebra a ascensão da Igreja Católica ao comando dacultura e da educação. De acordo com o texto do professor Gadotti, Cristo com “seusensinamentos” que “ligavam­se essencialmente à vida” torna­se o “grande educador” eestabelecia, através dos pensadores medievais, uma pedagogia mais concreta a partirde suas parábolas. Santo Agostinho e São Tomás de Aquino concretizam essa realizaçãopedagógica medieval em diferentes períodos e de distintas formas.

No campo de combates que se estrutura nessa fase da história, há alguns quilômetrosde distância, separados pelo Mar Mediterrâneo, os árabes também consolidam suahistória e educação. Há um pequeno espaço dedicado a eles no texto de Gadotti,ressaltando­se a importância do trabalho de sábios mulçumanos como Ibn Sina, Al­Biruni e Averróis.

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“Chegará o dia – e talvez este já seja umarealidade – em que as crianças aprenderão muitomais e com maior rapidez em contato com omundo exterior do que no recinto da escola.‘Porque retornar à escola e deter minhaeducação?’, pergunta­se o jovem que

interrompeu prematuramente seus estudos. Apergunta é arrogante, mas acerta no alvo: omeio urbano poderoso explode de energia e deuma massa de informações diversas, insistentes,

irreversíveis...” (Herbert McLuhan)

Nos períodos que se seguem abre­se espaço para a produção cultural e educacionaleuropéia do Renascimento e do Iluminismo. São períodos vivificados pela presença degrandes expoentes das artes, literatura, filosofia e ciência. De suas obras resplandecemnão apenas temáticas específicas como se poderia a princípio pensar, se nos pautamosnos nossos próprios exemplos dos séculos XX e XXI, tão centrados e especializados.

A modernidade consolida a lógica através de pensadores como Montaigne, Spinoza ouDescartes. A objetividade transcende também a partir das reformas religiosas evocadaspela contestação aos rigores do catolicismo e dão espaço para o avanço do luteranismo.No combate a essas tendências renovadoras da religião, a Igreja Católica funda aCompanhia de Jesus que, por sua vez, institucionaliza a Ratio Studiorum, método e basefilosófica que influirá de forma contundente a educação no Novo Mundo, inclusive emterras brasileiras.

Esse delicioso passeio pelo pensamento pedagógico deixa para o final, seguindo acronologia, as mais contundentes e valiosas contribuições específicas para a pedagogiaao apresentar excertos e biografias de pensadores do mundo contemporâneo.Começando com a clássica colaboração de Rousseau e sua obra devotada a educação,“O Emílio”, passando pelos expoentes do pensamento positivista como Durkheim,recordando os sábios socialistas da educação como Gramsci e chegando ao século XX esuas várias correntes de pensamento pedagógico.

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“Não basta saber ler mecanicamente que ‘Eva viua uva’. É necessário compreender qual a posiçãoque Eva ocupa no seu contexto social, quemtrabalha para produzir uvas e quem lucra comesse trabalho. Os defensores da neutralidade daalfabetização não mentem quando dizem que aclarificação da realidade simultaneamente com aeducação é um ato político. Falseiam, porém,quando negam o mesmo caráter político àocultação que fazem da realidade”. (Paulo

Freire)

O século XX merece especial destaque na obra História das Idéias Pedagógicasjustamente por abrigar o maior contingente de referências que possuímos. Jean Piaget,John Dewey, Lev Vygotsky, Celestin Freinet, Carl Rogers, Maria Montessori, EmíliaFerreiro, Herbert McLuhan e outros estudiosos da educação ganham destaque erelevância ao lado dos educadores brasileiros que através de seus estudos e trabalhospermitiram a evolução do pensamento pedagógico brasileiro, casos de FernandoAzevedo, Anísio Teixeira, Paulo Freire, Demerval Saviani ou Rubem Alves.

Obra de grande importância e necessidade para quem pretende entender um poucomelhor a educação e seus processos, História das Idéias Pedagógicas introduz eesclarece seus leitores e deve tornar­se livro de cabeceira para muitos estudiosos quenecessitam conhecer esse fabuloso universo da educação.

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