Gaia, Teleologia e Funcao

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15 Episteme, Porto Alegre, v. 11, n. 23, p. 15-48, jan./jun. 2006. GAIA, TELEOLOGIA E FUNÇÃO Nei Freitas Nunes Neto * e Charbel Niño El-Hani ** RESUMO Neste artigo, discutimos o papel das explicações teleológicas na teoria Gaia. Mostramos que seu principal proponente, James Lovelock, pretende evitá-las devido a uma interpretação equivocada da natureza de tais explicações. Na tentativa de evitar compromissos com a teleologia, Lovelock recorre ao conceito de propriedades emergentes. Esta não é, contudo, uma saída consistente, porque os conceitos de propriedades emergentes e teleologia não são mutuamente excludentes. Discutimos também as dificuldades de uma interpretação de Gaia de uma perspectiva teleonômica, considerando problemas como o da noção de superorganismo. Para avaliar o estatuto das explicações teleológicas em Gaia, examinamos o caso da interação entre algas e nuvens, que resultou num novo campo de pesquisas e expõe as contribuições teóricas e empíricas que Gaia pode oferecer. Com base nos argumentos apresentados ao longo do artigo, sugerimos uma reorganização da estrutura do programa de pesquisa Gaia, visando à continuação de seu progresso teórico e empírico. Palavras-chave: Gaia; teleologia; teleonomia; emergência; explicação funcional. GAIA, TELEOLOGY, AND FUNCTION In this paper, we discuss the role of teleological explanations in Gaia theory. We show that its main proponent, James Lovelock, intends to avoid them due to a misinterpretation of the nature of teleological explanations. In order to avoid a commitment to teleology, Lovelock appeals to the concept of emergent properties. This is not a consistent solution, however, since * Programa de Pós-Graduação em Ensino, História e Filosofia das Ciências/UFBA-UEFS. Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas, Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected] ** Professor Adjunto, Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia. Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas, IB-UFBA. Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências/UFBA-UEFS. Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Biomonitoramento/UFBA. Bolsista de produtividade em pesquisa, CNPq. E-mail: [email protected]

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Gaia, Teleologia e Funcao

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  • 15Episteme, Porto Alegre, v. 11, n. 23, p. 15-48, jan./jun. 2006.

    GAIA, TELEOLOGIA E FUNO

    Nei Freitas Nunes Neto* e Charbel Nio El-Hani**

    RESUMO

    Neste artigo, discutimos o papel das explicaes teleolgicas na teoriaGaia. Mostramos que seu principal proponente, James Lovelock, pretendeevit-las devido a uma interpretao equivocada da natureza de taisexplicaes. Na tentativa de evitar compromissos com a teleologia,Lovelock recorre ao conceito de propriedades emergentes. Esta no ,contudo, uma sada consistente, porque os conceitos de propriedadesemergentes e teleologia no so mutuamente excludentes. Discutimostambm as dificuldades de uma interpretao de Gaia de uma perspectivateleonmica, considerando problemas como o da noo de superorganismo.Para avaliar o estatuto das explicaes teleolgicas em Gaia, examinamoso caso da interao entre algas e nuvens, que resultou num novo campo depesquisas e expe as contribuies tericas e empricas que Gaia podeoferecer. Com base nos argumentos apresentados ao longo do artigo,sugerimos uma reorganizao da estrutura do programa de pesquisa Gaia,visando continuao de seu progresso terico e emprico.Palavras-chave: Gaia; teleologia; teleonomia; emergncia; explicaofuncional.

    GAIA, TELEOLOGY, AND FUNCTION

    In this paper, we discuss the role of teleological explanations in Gaia theory.We show that its main proponent, James Lovelock, intends to avoid themdue to a misinterpretation of the nature of teleological explanations. Inorder to avoid a commitment to teleology, Lovelock appeals to the conceptof emergent properties. This is not a consistent solution, however, since

    * Programa de Ps-Graduao em Ensino, Histria e Filosofia das Cincias/UFBA-UEFS. Grupode Pesquisa em Histria, Filosofia e Ensino de Cincias Biolgicas, Instituto de Biologia,Universidade Federal da Bahia. E-mail: [email protected]** Professor Adjunto, Instituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia. Grupo de Pesquisaem Histria, Filosofia e Ensino de Cincias Biolgicas, IB-UFBA. Programa de Ps-Graduaoem Ensino, Filosofia e Histria das Cincias/UFBA-UEFS. Programa de Ps-Graduao emEcologia e Biomonitoramento/UFBA. Bolsista de produtividade em pesquisa, CNPq. E-mail:[email protected]

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    the concepts of emergent properties and teleology are not mutuallyexclusive. We also discuss difficulties in an interpretation of Gaia from ateleonomic perspective, discussing problems such as that of the notion ofsuperorganism. In order to appraise the status of teleological explanationsin Gaia, we examine the case of the interaction between algae and clouds,which gave birth to a new research field and show the theoretical andempirical contributions that Gaia can bring. Based on the argumentsdeveloped in the paper, we suggest a reorganization of the structure ofGaia research program, in order to go on with its theoretical and empiricalprogress.Key words: Gaia; teleology; teleonomy; emergence; functional explanation.

    INTRODUO

    A teoria Gaia foi proposta comunidade cientfica em 1972, pelo cientistaingls James Ephraim Lovelock, o qual tem-se dedicado a desenvolv-la desdeento, em parceria com pesquisadores de diversos campos do conhecimento.A colaborao com a microbiologista norte-americana, Lynn Margulis, foidecisiva para o desenvolvimento da teoria, sobretudo em seus estgios iniciais.No ano de 1974, a teoria Gaia foi exposta em maiores detalhes por Lovelock eMargulis em artigos publicados em Tellus (LOVELOCK e MARGULIS, 1974)e Icarus (MARGULIS e LOVELOCK, 1974). A idia bsica dessa teoria ade que a biosfera pode ser concebida como um sistema adaptativo de controle,capaz de manter as caractersticas fsico-qumicas da Terra em homeostase. Osmecanismos de controle postulados so baseados em alas de retroalimentao(feedback loops) nas quais sistemas vivos esto envolvidos de maneirafundamental. Esses processos de retroalimentao supostamente resultariamna auto-regulao do sistema vida-ambiente em nosso planeta.

    A idia de que esses mecanismos de controle, quando tomados emconjunto, constituiriam um processo de auto-regulao est relacionada aopostulado, no corpo dessa teoria, de uma entidade planetria denominada Gaia,que corresponderia ao planeta Terra.1 Essa entidade corresponderia a um sistema

    1 Nas primeiras apresentaes da Teoria Gaia, Lovelock utilizava biosfera e Gaia comosinnimos. Posteriormente, entre fins da dcada de 1970 e incio da de 1980, ele passou adistinguir de modo mais claro entre a biosfera (a parte viva de Gaia, de acordo com ele) e aentidade Gaia. A partir deste ponto, Lovelock passou a oscilar entre a concepo de Gaia comosinnimo de Terra e como o conjunto formado pela biosfera, atmosfera, oceanos, rochas esolos, constituindo assim um sistema que se localizaria na Terra. Por vezes, ele parece admitir

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    complexo, que seria maior do que a soma de suas partes e teria a capacidade deregular a si mesmo, de modo a manter um ambiente timo para um de seusconstituintes, a biosfera.

    A teoria Gaia tem despertado, desde seu surgimento, uma reaoentusistica de grupos ambientalistas e espiritualistas. Contudo, essa teoriaenfrentou uma grande resistncia da comunidade cientfica, chegando, inclusive,a ser citada como exemplo de anticincia ou pseudocincia (e.g., POSTGATE,1988). Mais recentemente, essa resistncia foi em parte vencida e umaquantidade crescente de pesquisadores de diversos campos do conhecimentovem dedicando-se articulao terica e ao teste emprico de previsesderivadas desta teoria. Uma reconstruo histrica do programa de pesquisaGaia, incluindo uma discusso das razes pelas quais ela foi aceita por outrosgrupos sociais e recusada pela comunidade cientfica ao longo de quase duasdcadas, encontrada em Lima-Tavares (2003).2

    A despeito de estar sendo cada vez mais aceita como uma teoria cientfica,pelo seu poder preditivo e heurstico (LIMA-TAVARES, 2003) e de estar sendosubmetida a testes visando seu apoio emprico ou sua falsificao, no se podeperder de vista que a teoria Gaia ainda apresenta problemas tericos importantes.O presente artigo trata de aspectos controversos relacionados ao estatuto dasexplicaes teleolgicas no corpo desta teoria. Estamos interessados, ainda,em discutir dificuldades enfrentadas pela tentativa de propor uma explicaoteleonmica para os processos de regulao planetria propostos pela teoriaGaia. Entre essas dificuldades, destacamos aquelas relacionadas com a visoda Terra como um superorganismo, uma decorrncia inevitvel da idia bastante controversa de que a Terra um ser vivo (uma anlise dessa idia encontrada em LIMA-TAVARES e EL-HANI, 2001; LIMA-TAVARES, 2003).

    Nosso primeiro passo consistir em uma breve discusso sobreexplicaes teleolgicas na Biologia, com destaque para a perspectiva

    ambas as definies. No presente trabalho, no faremos uma escolha entre estas duasformulaes de Lovelock. Contudo, mais frente, veremos que ambas implicam o problemada existncia do superorganismo Gaia, j que h afirmaes de Lovelock tratando a prpriaTerra como um superorganismo e outras tratando o superorganismo Gaia como o maiororganismo sobre a Terra. Portanto, o uso ambguo do termo por Lovelock no afetar nossosargumentos sobre este tema. Para uma discusso mais detalhada, ver Lima-Tavares (2003).2 Ao longo deste artigo, utilizaremos freqentemente noes que tm origem na obra de ImreLakatos. Embora no tenhamos espao para tratar aqui da metodologia dos programas depesquisa cientfica elaborada por este filsofo da cincia, este trabalho est situado numalinha de pesquisa de nosso grupo que vem utilizando essa teoria da cincia como base para aanlise histrico-filosfica da teoria Gaia. Para maiores detalhes sobre o tratamento da teoriaGaia como um programa de pesquisa lakatosiano, ver Lima-Tavares (2003).

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    teleonmica. Em seguida, passaremos a discutir a situao das explicaesteleolgicas na teoria Gaia, focando nossa anlise sobre o discurso de Lovelock.Procuraremos demonstrar que, apesar da rejeio de Lovelock, explicaesteleolgicas so postuladas na teoria Gaia e no podem ser evitadas, como elepretende, por um recurso ao conceito de propriedades emergentes. No itemseguinte, discutiremos se uma compreenso dos mecanismos propostos pelateoria Gaia baseada em explicaes teleonmicas pode ser sustentada. Emseguida, avaliaremos as dificuldades provenientes da relao entre a noo desuperorganismo e a teoria Gaia, sobretudo aquelas que dizem respeito proposio metafsica de uma entidade planetria viva. No mesmo item,discutiremos alguns aspectos das relaes entre Gaia e seleo natural. Naseqncia, procuraremos demonstrar o poder heurstico das explicaesteleolgicas, ou, mais precisamente, funcionais na teoria Gaia, atravs do casodo sulfeto de dimetila [(CH

    3)

    2S, daqui em diante, DMS]. Finalmente,

    discutiremos a necessidade de modificaes na estrutura do programa depesquisa Gaia.

    EXPLICAES TELEOLGICAS

    H uma grande diversidade de abordagens das explicaes teleolgicasna literatura filosfica (ver, por exemplo, HULL, 1975; NAGEL, 1998[1977];MAYR, 1988; LOOIJEN, 1998). No desejamos aqui abordar exaustivamenteos vrios argumentos e teorias desenvolvidas por filsofos da biologia paradar conta das explicaes teleolgicas ou funcionais. A nossa inteno enfatizar a distino entre explicao intencional e explicao funcional. Paratanto, tomaremos como referncia o tratamento dado por Mayr (1988) a umaobjeo tradicional (dentre outras) ao uso da linguagem teleolgica na biologia.

    A objeo discutida por Mayr diz respeito suposio de que a linguagemteleolgica representa sempre um antropomorfismo questionvel (MAYR,1988). Aqui, uma ressalva se faz necessria. Se aceitarmos que alguns animaisno-humanos tambm possuem estados mentais intencionais o que significaque agem em direo a objetivos em decorrncia de sua intencionalidade3 (ver

    3 A intencionalidade uma caracterstica definidora de certos estados mentais, que indica queeles so sobre ou representam coisas (CRANE, in: HONDERICH, 1995, p. 412). Ou seja, aintencionalidade dos estados mentais diz respeito sua caracterstica de apresentar contedosobre outras coisas (aboutness). Respostas contemporneas ao problema da intencionalidade isto , de como a intencionalidade pode ser parte de uma ordem natural do mundo tm sidotentadas de uma perspectiva naturalizada. Essa perspectiva geralmente consiste em abordar osestados intencionais como causalmente relacionados s coisas s quais eles dizem respeito

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    GRIFFIN, 2001) a objeo referida por Mayr no seria exatamente umantropomorfismo, mas algo mais amplo. Assim, as explicaes teleolgicas,i.e. as explicaes dos processos dirigidos a fins observados nos seres vivos,seriam feitos com base na atribuio de intencionalidade, previso ouplanejamento a esses seres, muitos dos quais no possuem as referidaspropriedades. De fato, uma tentativa de explicar toda a gama de processosvivos dirigidos a fins apelando a essas propriedades algo bastante questionvelde um ponto de vista cientfico. Entretanto, isso no significa que explicaesteleolgicas como um todo devem ser expurgadas da biologia. A biologia nosmostra exemplos de explicaes teleolgicas que no recorrem a finsconscientes, mas sim aos conceitos de objetivo e funo, entre outros.Dentre essas, esto as explicaes funcionais, que devem ser distinguidas dasexplicaes intencionais.

    Conquanto nosso foco forem as explicaes teleolgicas, devemosavaliar tambm que tipos de fenmenos podem ser considerados teleolgicos.Esses podem ser divididos de diversas maneiras, a depender dos princpiosescolhidos. Ayala (1998[1970]), por exemplo, sugere trs classes diferentes defenmenos teleolgicos:

    (i) temos, primeiro, uma classe na qual o estado final ou o objetivo conscientemente antecipado pelo agente (AYALA, 1998 [1970],p. 39). Este o caso de atividades propositais e ocorre no homeme em alguns outros animais;

    (ii) a segunda classe se relaciona com sistemas auto-regulados outeleonmicos, quando existe um mecanismo que permite aosistema alcanar ou manter uma propriedade especfica a despeitode variaes ambientais (AYALA, 1998 [1970], p. 40). Esse ocaso, por exemplo, do sistema de regulao da temperatura porum termostato ou da osmorregulao, isto , a capacidade quealguns animais possuem de manter a presso osmtica constante,

    (CRANE, in: HONDERICH, 1995). Looijen descreve o comportamento intencional comouma ao A desempenhada por uma pessoa P para alcanar um objetivo G (LOOIJEN,1998, p. 100). Apesar de se restringir a humanos, no difcil ver que o argumento aplica-setambm a outros animais no-humanos. E continua: Este objetivo pode ser visto como umestado futuro que desejado por P. Entretanto, ele pode ser visto como um estado mentalinterno de P, o qual, juntamente com outro estado mental de desejar G e a crena de que aao A contribuir para alcanar o objetivo G, um determinante causal de A (LOOIJEN,1998, p. 100). Assim, podemos notar que esta uma explicao causal, j que apela paracondies antecedentes, como o desejo e a crena do agente, como determinantes causais desua ao. A explicao, como vimos acima, deve fazer referncia ao objetivo G e ao desejo dealcanar G, associado crena de que A um bom meio para tal.

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    independentemente do meio externo, dentro de uma determinadafaixa de variao.

    (iii) a terceira classe, por fim, diz respeito a estruturas anatmicas oufisiolgicas construdas ao longo do processo evolutivo paraexecutar uma certa funo, como por exemplo, o corao dosvertebrados.

    Ayala (1998[1970]) reconhece que a distino entre a ltima categoria ea anterior no algo claro. Porm, a distino que aqui nos interessa entre aprimeira categoria e as demais. Para os propsitos desse trabalho, fundamentalter clareza de que existem fenmenos que podem ser descritos comoteleolgicos, mas que no so fenmenos intencionais. Em decorrncia, asexplicaes desses fenmenos podem ser teleolgicas, sem que, para isso,devam ser intencionais. Apesar de esta ser uma distino trivial nos debatessobre teleologia, ela precisa ser explicitada aqui, por conta de sua relevnciapara as discusses sobre a teleologia no contexto da teoria Gaia. Como veremos, exatamente o fato de Lovelock no realizar esta distino entre explicaesintencionais e explicaes teleolgicas no-intencionais que o leva a rejeitar ocarter teleolgico de sua teoria.

    Um aspecto importante o de que, como Looijen (1998) destaca, emnenhum dos tipos de explicao discutidos acima, causas finais so postuladas.4

    De qualquer modo, o que mais importa para nossos argumentos a conclusode que nem toda explicao teleolgica intencional.

    Por fim, no cenrio atual dos debates sobre explicaes teleolgicas, oconceito de teleonomia, bastante discutido por Mayr (1982, 1988), mereceateno especial. Essa noo, como veremos, desempenhar um papel muitoimportante na avaliao do estatuto das explicaes teleolgicas na teoria Gaia.Segundo Mayr (1982, 1988), desde o comeo da cincia moderna, as discussessobre teleologia tm sido prejudicadas pela heterogeneidade de significadosdesse conceito, que, para ele, foi historicamente negligenciada. Ele argumentaque no possvel chegar a uma compreenso rigorosa das explicaesteleolgicas sem que a diversidade de fenmenos designados como teleolgicosseja devidamente analisada, separando-se tais fenmenos em classes distintas.Essa foi a principal motivao subjacente anlise do conceito de teleologiafeita por ele. Nessa anlise, Mayr procurou, em particular, distinguir entreusos do termo teleologia que so cientificamente legtimos e usos que no o

    4 necessrio assinalar que Looijen (1998), em seu tratamento das explicaes teleolgicas,se restringe compreenso aristotlica de causa final, no considerando outras maneiras decompreender este conceito, como, por exemplo, a de Peirce (ver, p.e., HULSWIT, 2001).

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    so. Ele dividiu os fenmenos ou conceitos teleolgicos em quatro categorias(MAYR, 1988): (1) atividades teleonmicas; (2) processos teleomticos; (3)seqncias evolutivas unidirecionais; e (4) teleologia csmica. As duas ltimascategorias foram rejeitadas pela cincia contempornea, com argumentosconvincentes, provenientes principalmente da teoria darwinista da evoluo(MAYR, 1982; 1988; BOWLER, 1989). Para os propsitos do presente artigo,podemos deix-las de lado.5 Processos teleomticos, por sua vez, em geral notm um papel explicativo importante na biologia, na medida em que so regidosapenas por leis fsicas. Assim, podemos focar nossa ateno sobre a categoriamais relevante para a compreenso dos seres vivos de acordo com Mayr, asatividades teleonmicas.

    A realizao de processos dirigidos para objetivos , talvez, a caracters-tica mais importante dos sistemas vivos. A maioria das atividades conectadascom fenmenos como o desenvolvimento, a reproduo, a migrao, a obtenode alimentos, a corte etc., caracterizada pela orientao rumo a um objetivo.Essa uma das razes pelas quais sumamente importante dar conta doproblema da teleologia no domnio das cincias biolgicas. Apesar de ser objetode controvrsias, o conceito de atividades teleonmicas propiciou, indiscuti-velmente, avanos importantes na soluo desse problema.

    Processos teleonmicos so caracterizados por dois aspectos: (1) elesso guiados por um programa; e (2) dependem da existncia de algum objetivo,previsto no programa, que regula o comportamento. Esse ponto final ou objetivopode ser uma estrutura, uma funo fisiolgica, o alcance de uma nova posiogeogrfica ou atos consumatrios no comportamento. Cada programa particular resultado da seleo natural, sendo constantemente ajustado pelo valor seletivodo objetivo alcanado. Do ponto de vista da causalidade, importante salientarque tanto o programa como os estmulos que desencadeiam o comportamentoteleonmico precedem, no tempo, os movimentos em direo ao objetivo. Ouseja, existem mecanismos que iniciam ou causam o comportamento dirigidopara um objetivo. Explicaes teleonmicas so, assim, explicaes causais, eo nico tipo de causalidade evocado a causalidade eficiente. Causas finais nosentido aristotlico no so evocadas (GOULD, 2002).

    5 Para maiores detalhes sobre estas categorias e as razes pelas quais elas esto fora do escopoda cincia, ver MAYR (1982, 1988) e BOWLER (1989).

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    A TELEOLOGIA NO CONTEXTO DA TEORIA GAIA

    Neste item, passaremos discusso sobre teleologia e outros temasassociados (como o das propriedades emergentes) tal como aparecem na teoriaGaia. Crticos da teoria, como, por exemplo, James Kirchner (1989, 1993),tm destacado as dificuldades provenientes do uso de uma linguagemteleolgica. Kirchner argumenta que Gaia no uma hiptese6 nica, tratando-se, antes, de uma srie de hipteses distintas, variando de fracas a fortes.Segundo Kirchner (1989, 1993), as hipteses fracas incluem aquelas queenunciam que a biosfera est envolvida na dinmica planetria. Porm, essashipteses, de acordo com ele, nada propem de novo, mas apenas enunciamalgo que j do conhecimento cientfico convencional. Portanto, o contedoverdadeiramente novo da teoria Gaia est, para Kirchner, no que denominahipteses fortes. Analisando essas hipteses, podemos distinguir trs versesdiferentes, apesar de elas geralmente aparecerem combinadas.

    A primeira, Gaia Homeosttica, declara que h um mecanismo de controlecapaz de manter a entidade Gaia em homeostase. Outra hiptese, GaiaTeleolgica, afirma que este controle cumpre um propsito definido. Isso coloca,ento, o problema de estabelecer qual seria o propsito deste controle. Afinal,sem um propsito definido de maneira independente, Gaia Teleolgicasimplesmente afirmaria que Gaia cumpre o propsito de fazer qualquer coisaque ela faa. Em outros termos, caso no se defina rigorosamente o propsitoou o conjunto de propsitos do mecanismo de controle postulado pela teoriaGaia, ela se mostrar infalsificvel, em termos popperianos. Conseqentemente,caso utilizemos o critrio de demarcao assumido por Popper (1975), a teoriaGaia no poderia ser considerada cientfica (KIRCHNER 1989, 1993).

    O problema colocado por Gaia Teleolgica , segundo Kirchner,respondido por uma terceira hiptese, Gaia Otimizadora. De acordo com ela, opropsito do mecanismo de controle em questo a manuteno de um estadotimo para a entidade Gaia, considerada em sua totalidade. Kirchner (1989,1993), no entanto, afirma que Gaia Otimizadora se defronta com outro problema

    6 Kirchner usa em seus trabalhos o termo hiptese para referir-se a Gaia. Ao faz-lo, estseguindo a prtica comum entre pesquisadores que tratam do tema, incluindo o prprioLovelock. Em nossa viso, contudo, Gaia no propriamente uma hiptese, mas uma teoria,i.e., um conjunto de afirmaes sobre o mundo relacionadas de maneira sistemtica e tendocomo propsito ou papel a explicao de fenmenos ou padres observados na natureza,mediante a elucidao de processos ou mecanismos responsveis pela sua produo ou causao(LIMA-TAVARES e EL-HANI 2001, LIMA-TAVARES, 2003). Neste trabalho, usaremos aexpresso teoria Gaia, ficando restrito o uso da expresso hiptese Gaia s citaes deoutros autores, como o caso de Kirchner.

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    difcil: Como definir uma condio tima para toda a biosfera? Afinal, a biosferainclui uma enorme diversidade de organismos, cada um com requisitosdiferentes, e muitas vezes conflitantes, para sua sobrevivncia (LIMA-TAVARES e EL-HANI, 2001). A ttulo de exemplo, basta considerarmos osrequisitos bastante diferenciados para a sobrevivncia de organismos aerbiose anaerbios obrigatrios, isto , que dependem crucialmente do gs oxignio,e, ao contrrio, so levados morte por este.

    Pelo que foi exposto acima, notamos que a perspectiva de aceitao dateoria Gaia pela comunidade cientfica depende em parte da abordagem doproblema da teleologia em sua estrutura. Afinal, esta teoria, em suas versesfracas, mostra-se cientificamente aceitvel, mas no diz qualquer coisa de novo,enquanto, quando diz algo novo, em suas verses fortes, defronta-se comdificuldades importantes, muitas delas relacionadas teleologia, que parecemminar sua plausibilidade.

    Para abordar o problema da teleologia na estrutura da teoria Gaia,realizamos uma anlise de textos de autoria de Lovelock. Esperamos que estaanlise nos ajude a tornar claras algumas questes concernentes ao uso dalinguagem e do modo de explicao teleolgicos no contexto da teoria, bemcomo rejeio da teleologia por Lovelock e ao seu recurso a emergncia depropriedades como justificativa para tal rejeio.

    Em sua carta ao peridico Atmospheric Environment, de 1972, na qualapresentou a teoria Gaia pela primeira vez, Lovelock a descreveu da seguintemaneira:7

    o objetivo desta carta sugerir que a vida, em estgios iniciais de suaevoluo, adquiriu a capacidade de controlar o ambiente global de modo aadapt-lo s suas necessidades e que esta capacidade persistiu e ainda ativamente usada. Nesta viso, a soma total das espcies mais do queapenas um catlogo, A biosfera, e, como outras associaes na biologia, uma entidade com propriedades maiores do que a simples soma das suaspartes. Esta vasta criatura, mesmo que apenas hipottica, com a poderosacapacidade de manter a homeostase do ambiente planetrio, precisa de um

    7 As citaes de textos de Lovelock e de outros autores foram traduzidas para o portuguspelos autores do presente artigo, excluindo-se, obviamente, os casos em que os textosconsultados estavam em portugus. Apenas os textos originais em ingls dos quais Lovelock o nico ou um dos autores, encontram-se nas notas de modo que possam ser examinados pelosleitores.

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    nome; devo a Mr. William Golding a sugesto do uso da personificaoGrega da me Terra, Gaia. (LOVELOCK, 1972, p. 579)8

    Na primeira apresentao da teoria Gaia comunidade cientfica, anatureza teleolgica da linguagem utilizada por Lovelock evidente, comopodemos notar atravs do significado de certas palavras usadas. Lovelock dizque a vida adquiriu a capacidade de controlar o ambiente para adapt-lo ssuas necessidades. Notamos que se estabelece uma relao de implicaoentre o controle do ambiente (a homeostase) e o objetivo deste controle, asaber, adaptar o ambiente s necessidades da biosfera, com evidente contedoteleolgico.9 Fazendo uso da taxonomia de Kirchner, podemos encontrar nestetrecho Gaia Homeosttica e Otimizadora.

    Por sua vez, a afirmao de que a biosfera uma entidade compropriedades maiores do que a simples soma de suas partes corresponde a umamxima holista freqentemente associada noo de emergncia depropriedades. Embora o simples uso desta mxima no seja suficiente parafazer frente aos problemas filosficos suscitados pelo pensamento emergentista(ver El-Hani, 2000; El-Hani e Pereira, 1999), basicamente neste sentido queLovelock emprega a expresso propriedades emergentes.

    Em um dos artigos que Lovelock publicou em 1974, em colaboraocom Margulis, Atmospheric homeostasis by and for the biosphere, a atmosferaterrestre caracterizada da seguinte forma: a atmosfera da Terra mais doque meramente anmala; ela parece ser um dispositivo constitudo especifica-mente para um conjunto de propsitos (LOVELOCK e MARGULIS, 1974,

    8 The purpose of this letter is to suggest that life at an early stage of its evolution acquired thecapacity to control the global environment to suit its needs and that this capacity has persistedand is still in active use. In this view the sum total of species is more than just a catalogue,The biosphere, and like other associations in biology is an entity with properties greaterthan the simple sum of its parts. Such a large creature, even if only hypothetical, with thepowerful capacity to homeostat the planetary environment needs a name; I am indebted to Mr.William Golding for suggesting the use of the Greek personification of mother Earth, Gaia.(LOVELOCK, 1972, p. 579)9 No obstante a distino, por Kirchner (1989, 1993), entre Gaia Homeosttica e GaiaTeleolgica, pensamos que a relao entre as idias de homeostase e de tendncia a um estadofinal mais ntima do que supe Kirchner. Quando um sistema mantm-se em homeostase,segue de imediato que ele est tendendo continuamente a um mesmo estado final. A manuten-o ou a oscilao em torno de um mesmo estado, o que corresponde homeostase, constituium objetivo, a despeito das perturbaes que podem eventualmente retirar o sistema de seuestado homeosttico (HULL, 1975). Assim, na nossa concepo, Gaia Teleolgica seguenecessariamente de Gaia Homeosttica e, portanto, prefervel no separ-las. Entretanto,por razes de espao, no perseguiremos esta linha de raciocnio aqui.

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    p. 3).10 Neste trecho, o uso de uma linguagem teleolgica tambm explcito.De fato, trata-se de uma formulao clara do que Kirchner denomina GaiaTeleolgica. Lovelock e Margulis atribuem um conjunto de propsitos atmosfera, mas no os definem. Ao discutir este mesmo trecho, Kirchner (1993)argumenta que propsito e funo somente coincidem em dispositivos quefuncionam adequadamente. No entanto, se a atmosfera funciona adequada-mente, ou se ela de fato um dispositivo, exatamente a questo em pauta.Desse modo, a afirmao de Lovelock e Margulis toma como resolvido oproblema que, precisamente, sua teoria coloca e que ainda est por resolver.Argumentando que a atmosfera certamente tem uma srie de funesimportantes, Kirchner (1993) levanta o importante problema de qual dessasfunes deveria contar como o propsito da atmosfera. Como visto acima, aresoluo obtida por meio de Gaia Otimizadora, que, entretanto, se defrontacom a dificuldade de definir uma condio tima para todos os seres vivos.Outro importante problema que o argumento de Lovelock e Margulis enfrentadiz respeito ao nvel de generalidade em que o propsito da atmosfera explicitado. Como argumenta Mayr (1988), um comportamento teleolgicodeve necessariamente ser dirigido a um fim especfico. S assim, proposiesteleolgicas mostram-se falsificveis. Assim, esse argumento de Mayr tambmindica que, para atribuir-se propsito atmosfera, preciso indicar de maneiraclara e especfica a qual propsito ou finalidade ela haveria de servir.

    Em seu segundo livro, The ages of Gaia: a biography of our livingEarth, Lovelock afirma:

    a teoria Gaia sobre a evoluo de um planeta vivo. Quando bioqumicosexaminam um animal vivo, eles sabem que muitas das suas reaes e dosseus processos podem ser adequadamente descritos por meio de simplesfsica e qumica determinstica. Mas eles tambm aceitam a legitimidadeda fisiologia. Eles sabem que, para um animal intacto, a homeostase, aregulao automtica da temperatura e da composio qumica, ainda queenvolva qumica, uma propriedade emergente. O todo mais do que asoma das partes. Tais propriedades requerem fisiologia para sua explicaoe compreenso. Eu acredito que o mesmo pode ser dito sobre a Terra. Seela um superorganismo, ento sua explicao requer fisiologia, assimcomo qumica e fsica. (LOVELOCK, [1988] 1995, p. 266)11

    10 Earths atmosphere is more than merely anomalous; it appears to be a contrivance specificallyconstituted for a set of purposes. (LOVELOCK e MARGULIS, 1974, p. 3).11 Gaia theory is about the evolution of a living planet. When biochemists examine a liveanimal they know that many of its reactions and processes can be adequately described by

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    De acordo com a taxonomia de Kirchner, encontramos neste trecho umaclara referncia a Gaia Homeosttica, evidenciada pelo recurso a uma explicaoda teoria baseada em uma analogia com a fisiologia e o papel do conceito dehomeostase nesta ltima. Lovelock defende, ainda, que a explicao daspropriedades da Terra requer um estudo fisiolgico, o que implica, por suavez, a atribuio de funes s partes do sistema. Assim, este trecho estrelacionado tambm idia de que explicaes funcionais so necessrias paraa compreenso de certas propriedades do planeta Terra, o que vincula maisuma vez a teoria Gaia a um modo de explicao teleolgico. Deve-se observar,tambm, o reaparecimento da mxima holista de que o todo maior do que asoma das partes, em conexo com a idia de propriedades emergentes. Comoj comentamos, esta o principal significado associado por Lovelock aoconceito de emergncia, que , assim, restringido noo de no-aditividade,somente uma dentre vrias idias relacionadas ao pensamento emergentista(ver STEPHAN, 1992, 1999).

    A anlise dos trechos citados acima, entre muitos outros de passagensimportantes de sua obra, permitem que concluamos que Lovelock explica ofuncionamento de Gaia proposto por sua teoria de maneira teleolgica, apelandorepetidamente para as idias de propsito, homeostase, otimizao ou funo.A despeito disso, ele rejeita a idia de teleologia de maneira peremptria, comoilustra a seguinte afirmao a respeito dele e de Margulis: Em nenhuma partede nossos escritos, ns expressamos a idia de que a auto-regulao planetriatem um propsito, ou envolve previso ou planejamento pela biota(LOVELOCK, 1990, p. 100).12

    Em outro trecho do mesmo artigo, Lovelock mostra no estar disposto aaceitar a anlise de sua teoria feita por Kirchner. Ele considera que uma partedas teses que Kirchner atribui a ele no corresponde a idias que tenha de fatodefendido, propondo-se a distinguir a teoria Gaia real de um conjunto deidias parasitas ou inquilinas, incluindo as Gaias Homeosttica, Teleolgica eOtimizadora. Assim, fazendo referncia a um congresso da Unio Americana

    simple deterministic physics and chemistry. But they also accept the legitimacy of physiology.They know that for an intact animal, homeostasis, the automatic regulation of temperature,and chemical composition, although it involves chemistry, is an emergent property. The wholeis more than the sum of the parts. Such properties require physiology for their explanation andunderstanding. I think the same can be said of the Earth. If it is a super-organism, then itsexplanation requires physiology as well as chemistry and physics. (LOVELOCK, [1988] 1995,p. 266)12 Nowhere in our writings do we express the idea that planetary self-regulation is purposeful,or involves foresight or planning by the biota. (LOVELOCK, 1990, p. 100)

  • 27Episteme, Porto Alegre, v. 11, n. 23, p. 15-48, jan./jun. 2006.

    de Geofsica, ocorrido em 1988, Lovelock afirma: que este congresso marcouo fim da falsa acusao de teleologia o que alguns, ilogicamente, chamaramde hiptese Gaia forte (LOVELOCK, 1990, p. 101).13

    Lovelock manifesta averso s explicaes teleolgicas, que so, paraele, como um pecado contra a racionalidade cientfica (LOVELOCK,1995[1988], p. 32). De um lado, ele teme as conseqncias da aceitao deuma explicao teleolgica para a recepo da teoria pela comunidade cientfica. um temor justificvel, como sugere a stira de Ernst Brke (ver CAPONI,2002), que afirma que a teleologia para o bilogo como uma mulher sem aqual ele no pode viver, mas com a qual ele tem medo de ser visto em pblico.Apesar de todo este receio, no se deve esquecer que, como mostram diversosautores (ver MAYR, 1982, 1988; TAYLOR, 1965; LOOIJEN, 1998, entremuitos outros), muitas objees ao modo teleolgico de explicao j foramsuperadas.

    De outro lado, a rejeio da teleologia por Lovelock devida a certosequvocos interpretativos. Ele considera que propor explicaes teleolgicasno contexto da teoria Gaia equivaleria a explicar fenmenos no-humanos emtermos de propsitos conscientes. Isso seria, de fato, inaceitvel comoexplicao cientfica. Contudo, como visto acima, nem toda explicaoteleolgica intencional.

    O paradoxo entre a firme negao de Lovelock de que sua teoria sejateleolgica e a natureza claramente teleolgica da explicao proposta para ofuncionamento do sistema biota-ambiente postulado por ela decorre tanto deuma compreenso equivocada do modo teleolgico de explicao quanto dopapel central deste na teoria Gaia. Ele no pode ser eliminado da teoria semuma perda significativa, em termos conceituais e metodolgicos. Na anliselakatosiana da teoria Gaia que realizou, Lima-Tavares (2003) concluiu que ashipteses fortes identificadas por Kirchner so parte do ncleo duro do programade pesquisa fundado por Lovelock. Assim, elas estariam entre as proposiesinfalsificveis por deciso metodolgica dos proponentes do programa depesquisa Gaia (LAKATOS 1995[1978], LARVOR, 1998). Ou seja, o contedoverdadeiramente novo da teoria Gaia composto, de acordo com essa anlise,por proposies acerca do funcionamento teleolgico do sistema Gaia que soparte de seu ncleo duro, infalsificvel. Assim, caso no seja includa na teoriaGaia alguma forma de explicao teleolgica, o construto terico resultanteno corresponderia mais ao programa de pesquisa Gaia. Em outras palavras,

    13 This meeting marked the end of the false accusation of teleology what some, illogically,have called the strong Gaia hypothesis (LOVELOCK, 1990, p. 101).

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    eliminar a teleologia da teoria Gaia significaria, na verdade, desconsider-lacompletamente. Considerando-se esse argumento e, tambm, a proposta de Kirchnerde que o contedo novo de Gaia est relacionado a idias teleolgicas, deve estarclaro que a teleologia no pode ser simplesmente deixada de lado nesta teoria,como pretende Lovelock. Essa a razo pela qual, no obstante sua intenode evitar a teleologia, Lovelock termina por no conseguir faz-lo.

    Para colocar de lado a teleologia, Lovelock apia-se no conceito depropriedades emergentes, afirmando que sua teoria v a auto-regulao doclima e da composio qumica da atmosfera como propriedades emergentesdo sistema. A emergncia inteiramente automtica; nenhuma teleologia invocada (LOVELOCK, 1990, p. 100).14

    Dois problemas permeiam todo o discurso de Lovelock sobre teleologiae emergncia: (i) ele no tem na devida conta os vrios problemas filosficosassociados ao conceito de emergncia (ver, p. ex., BECKERMANN et al.,1992; STEPHAN, 1998, 1999; KIM, 1999; SYMONS, 2002; PIHLSTRM,1999, 2002; EL-HANI, 2000, 2002; EL-HANI e EMMECHE, 2000; EL-HANIe QUEIROZ, 2005); (ii) os conceitos de propriedades emergentes e teleologiano so mutuamente excludentes. Lovelock confunde um modo de discursoepistemolgico, concernente ao papel da explicao teleolgica na teoria Gaia,com um modo de discurso ontolgico, que trata de uma categoria de proprie-dades, designadas emergentes. Um argumento ontolgico sobre a existnciade propriedades emergentes no sistema descrito pela teoria no constitui razoadequada pra rejeitar um modo de explicao teleolgico sobre este sistema.

    Teleonomia e Gaia

    Como foi discutido acima, a anlise conceitual do termo teleologiarealizada por Mayr conduz concluso de que, nas cincias biolgicas, a formavlida de explicao teleolgica de natureza teleonmica. Embora essa noseja uma concluso incontroversa, para os fins do presente artigo, importanteinvestigar se possvel formular explicaes teleolgicas na teoria Gaia emtermos teleonmicos.

    Um requisito necessrio para que um sistema exiba atividades teleon-micas a existncia de um programa que contenha um objetivo ou um conjuntode objetivos a serem alcanados no comportamento do sistema. Alm disso,

    14 This evolutionary theory views the self-regulation of climate and chemical composition asemergent properties of the system. The emergence is entirely automatic; no teleology is invoked.(LOVELOCK, 1990, p. 100)

  • 29Episteme, Porto Alegre, v. 11, n. 23, p. 15-48, jan./jun. 2006.

    esse programa deve ser, ele prprio, o produto de um processo evolutivo, noqual a seleo natural desempenha um papel consideravelmente importante.Um dos problemas centrais na construo de uma explicao teleonmica ,assim, o da descrio do programa envolvido nas atividades dirigidas afinsque um sistema exibe (MAYR, 1988). Mayr oferece uma definio tentativade programa como

    a informao codificada ou pr-arranjada que controla um processo (oucomportamento), levando-o em direo a um fim especfico [...] o programacontm no apenas o projeto, mas tambm as instrues de como usar asinformaes do projeto. (MAYR, 1988, p. 49)

    Mayr opera na base de uma analogia entre o uso do termo programana computao e os programas biolgicos que postula. Essa analogia pode ser,sem dvida, submetida a muitas crticas (ver OYAMA, 2000[1985]; EL-HANI,1997; KELLER 2000). No obstante as dificuldades com as quais se defronta, importante deixar claro que a analogia no to rgida quanto se poderiapensar primeira vista. Da maneira como Mayr o entende, um programa emsistemas biolgicos no uma mera receita, absolutamente inflexvel. Oprograma interage com o ambiente na busca de objetivos e est sujeito a erros,dos quais depende, inclusive, a ocorrncia de sua evoluo. Alm disso, comoele ressalta, o programa inclui no apenas o projeto, mas tambm toda amaquinaria executiva necessria ao cumprimento dos objetivos. No caso doprograma gentico15 dos organismos, por exemplo, esta maquinaria seriacomposta por vrias protenas, RNAs etc. (MAYR, 1988).

    De qualquer modo, no trataremos aqui das crticas metfora doprograma, na medida em que isso nos afastaria de nosso objetivo central,analisar Gaia de uma perspectiva teleonmica. Assim, utilizaremos para nossospropsitos a definio de programa fornecida por Mayr, a despeito de suasclaras dificuldades. Como ficar claro mais adiante, possvel demonstrar a

    15 Esta uma noo amplamente criticada na literatura, sobretudo quando o DNA tratadocomo um programa gentico. Desse ponto de vista, o DNA tem seu papel na clulasuperestimado, tornando-se, por vezes, um programa para o desenvolvimento ou um controladordos processos celulares. mais plausvel pensar em um programa celular que no esteja limitadoao DNA, que antes uma fonte de materiais para a clula do que uma molcula mestra. Tratar-se-ia de um programa compartilhado no qual componentes celulares funcionariamalternativamente como instrues e dados (KELLER, 2000). Para maiores detalhes, ver,entre outros, Oyama ([1985]2000), Nijhout (1990), Moss (1992), Smith (1994), Sarkar (1996),El-Hani (1997), Griffiths e Neumann-Held (1999), Keller (2000), El-Hani et al. (2006).

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    impossibilidade de construir explicaes teleonmicas no contexto de Gaiasem adentrarmos os debates sobre as explicaes teleonmicas em si mesmas.

    Para propor uma explicao teleonmica na teoria Gaia, precisoestabelecer a existncia de um programa que coordene a busca de objetivos aonvel do sistema postulado pela teoria, ou seja, da entidade planetria denomina-da Gaia. Uma srie de problemas impossibilita a definio de um programaplanetrio. Considere-se, que, caso exista, este programa deve encontrar-seem algum componente de Gaia, ou no sistema como um todo. Examinemos,portanto, as possibilidades de localizao do programa. Poderiam portar osuposto programa: a biosfera, os oceanos, a atmosfera, as rochas e parte dacrosta litosfrica. Notemos, em primeiro lugar, que os quatro ltimos, indivi-dualmente ou em conjunto, no podem ser o locus de instanciao do programa,porque, apesar de seu estado atual depender fortemente da presena da vida,so compartimentos fsico-qumicos. Como tais, os processos nos quais estoenvolvidos, se excluirmos as interferncias da biosfera, devem ser enquadradosna categoria dos processos teleomticos. E esses, conforme expusemos acima,seguindo as idias de Mayr, so regidos por leis fsico-qumicas, e no por umprograma que contenha objetivos a serem realizados.

    Desse modo, restam-nos, como candidatos a portadores do programa,duas opes: a biosfera ou o sistema como um todo, este ltimo incluindotodos os compartimentos referidos. Avaliemos ambas as opes, comeandopela primeira.

    Entre os componentes de Gaia, a biosfera uma candidata provvelpara ser portadora do programa, uma vez que programas no ocorrem emcompartimentos fsico-qumicos, se tomados isoladamente. Mas qual seria anatureza de um programa instanciado ao nvel da biosfera como um todo? Abiosfera no est para os organismos que a constituem como um organismoest para as clulas que o formam, sobretudo porque a biosfera no apresentaa mesma coeso e integrao espao-temporais que organismos individuaisexibem. Esta uma primeira dificuldade para definir um programa que seriainstanciado na biosfera em si mesma.

    Poder-se-ia pensar em tal programa planetrio como um somatrio deprogramas organsmicos, mas isto seria um erro. Ao nvel organsmico, notamosque um efeito fisiolgico normal ou funcional dificilmente resultado da aode um nico gene, de interaes aditivas entre os genes ou da influncia defatores ambientais apenas. Normalmente, as interaes entre os genes queresultam em efeitos fenotpicos complexos so no-aditivas. Assim, em vez deum somatrio, poderamos conceber o programa planetrio como um conjuntode sub-rotinas, que no necessariamente se somam, mas interagem umas comas outras. As sub-rotinas seriam constitudas por grupos de organismos, os

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    quais interagiriam de modo no-aditivo. Entretanto, qual objetivo ou conjuntode objetivos tal programa planetrio buscaria? Esta questo traz novamente tona um problema colocado por Kirchner, que discutimos acima: no h umobjetivo nico ou mesmo um conjunto bem definido de objetivos cuja buscaum programa planetrio, concebido como um conjunto de sub-rotinas, poderiacoordenar. muito difcil definir o que constituiria um objetivo ou um conjuntode objetivos que a biosfera como um todo poderia buscar, em vista dos requisitosconflitantes de sobrevivncia dos vrios seres vivos. Portanto, um programapara tais objetivos no poderia ter sido selecionado ao longo da evoluo, aonvel da biosfera como um todo, mesmo que fosse concebvel um processo deseleo em nveis hierrquicos to altos.

    Diante dos argumentos apresentados, poderamos dizer que, casohouvesse algum programa ao nvel planetrio, haveria conflitos entre suas sub-rotinas, ao nvel dos organismos, j que elas coordenariam a busca de objetivosdivergentes e at mesmo conflitantes. Uma sub-rotina encontrada em bactriasanaerbias obrigatrias, por exemplo, coordenaria a busca de uma atmosferacom quantidades diminutas de oxignio. Essa sub-rotina conflitaria, contudo,com aquela encontrada em seres vivos que so aerbios obrigatrios,dependendo de uma atmosfera rica em oxignio para sobreviver. Como umprograma planetrio poderia funcionar, diante de tal conflito entre suas sub-rotinas? A dificuldade colocada por esta questo parece impossibilitar ainterpretao da teoria Gaia a partir do vis teleonmico.

    Resta-nos, ento, uma ltima opo para instanciao do programa: osistema Gaia como um todo. importante notar que esse sistema o resultadoda combinao dos subsistemas analisados acima, e por isso, tem uma naturezasingular. Assim, podemos nos perguntar: os processos que acontecem ao nvelglobal (auto-regulao do clima ou da composio qumica atmosfrica, porexemplo), e que so descritos pela teoria Gaia, pertencem a que categoria deprocessos: teleomticos ou teleonmicos? Por um lado, eles no podem serprocessos teleomticos, pois sequer surgiriam sem a participao ativa dosseres vivos (como exige a teoria Gaia) e no podem ser explicados recorrendoapenas a leis fsico-qumicas. Por outro lado, para se caracterizarem comoprocessos teleonmicos, necessrio que haja um programa planetrio. Comovimos acima, Mayr afirma que apenas organismos possuem programas. Dessemodo e essa uma dificuldade que tambm afeta as tentativas de instanciaro programa apenas na biosfera s podemos conceber um programa localizadoem Gaia como um todo se aceitarmos a tese controversa de que Gaia umorganismo vivo ou merece ser tratado como tal (j que muitos defendemanalogias entre Gaia e os seres vivos). Esse dilema suscitado, suspeitamos,

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    por conta da natureza singular do sistema Gaia, que no tipicamente biolgiconem meramente fsico-qumico.

    Tais argumentos parecem colocar uma grande dificuldade para definirum programa planetrio e, conseqentemente, oferecer uma explicaoteleonmica no contexto da teoria Gaia. No prximo item, passaremos a exploraruma questo que est bastante relacionada s dificuldades para a definio deum programa planetrio, o problema do superorganismo. Os dois pontos estorelacionados porque, por um lado, uma definio consistente do sistema Gaiacomo um superorganismo poderia abrir as portas para explicar teleonomica-mente os fenmenos que a teoria pretende descrever. Por outro lado, se nopudermos definir Gaia como um organismo ou um superorganismo, qualquerexplicao teleonmica em seu contexto mostrar-se- inaceitvel, uma vezque este modo de explicao aplica-se a sistemas biolgicos e seus programas,sujeitos a evoluo por seleo natural.

    Gaia e superorganismo

    A noo de superorganismo uma das idias mais controversas nahistria da ecologia (SIMBERLOFF, 2000 [1980]). O compromisso com essaidia certamente a fonte de muitos dos problemas que afligem a teoria Gaia(LIMA-TAVARES e EL-HANI, 2001). Em muitas passagens importantes desua obra, Lovelock faz referncia a Gaia como um superorganismo. Porexemplo, em seu segundo livro, The ages of Gaia: a biography of our livingEarth (1988), Lovelock prope que a hiptese Gaia, como inicialmentepostulada, supunha que a Terra viva no sentido em que um superorganismo vivo, e considerava quais evidncias havia a favor e contra esta suposio16

    (LOVELOCK 1995[1988], p. 8).Freqentemente, a razo pela qual Lovelock prope que Gaia pode ser

    tratada como um superorganismo reside em caractersticas que, para ele, osistema descrito por sua teoria compartilha com os organismos vivos, relativas constncia de certas variveis, como temperatura e composio qumica.

    Quando Lovelock props inicialmente sua teoria, ele no estava cientede que idias semelhantes haviam sido defendidas por outros cientistas. Elerelata que foi a partir de informaes do historiador Donald McIntyre queficou sabendo que James Hutton foi o primeiro a apresentar a idia de uma

    16 The Gaia hypothesis as first postulated supposed the Earth to be alive in the sense that asuperorganism is alive, and considered what evidence there was for and against the supposition.(LOVELOCK 1995[1988], p. 8)

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    fisiologia planetria (LOVELOCK, [1988]1995). Lovelock considera Hutton,portanto, um precursor de sua teoria e o primeiro cientista a tratar a Terracomo um superorganismo.

    Em 1785, ele disse, numa reunio da Sociedade Real de Edimburgo, que aTerra era um superorganismo e que seu estudo apropriado deveria ser pelafisiologia. Ele prosseguiu, comparando a ciclagem dos elementos nutritivosno solo e o movimento da gua dos oceanos para a terra com a circulaodo sangue. James Hutton corretamente lembrado como o pai da geologia,mas sua idia de uma Terra viva foi esquecida, ou negada, no intensoreducionismo do sculo XIX; exceto nas mentes de filsofos isolados comoKorolenko. (LOVELOCK, 1995[1988], p. 9)17

    A noo de superorganismo tem razes antigas. Apesar de essa nooaparecer j em Plato, no seu Timeu (PLATO, 1977), e tambm no sculoXVIII, no trabalho de Hutton, apenas no sculo XX que ela apareceu integradaa uma teoria cientfica, formulada pelo eclogo Frederic Clements. Ele atribuiuinicialmente a qualificao de organismo comunidade vegetal e, posterior-mente, comunidade bitica. Para Clements (2000[1916]), ver a formaovegetal como um organismo complexo representaria a nica viso adequadae completa da vegetao (CLEMENTS, 2000[1916], p. 35). De acordo comAcot (1990), Clements no incluiu explicitamente a formao vegetal nacategoria dos organismos, mas buscou explicar a sucesso ecolgica com basenuma analogia com o desenvolvimento orgnico.18 Portanto, se tomarmos essainterpretao como correta, seu erro no estaria em pensar que a formaovegetal um organismo, mas sim em tratar a formao como se fosse umorganismo. Portanto, o problema da concepo de Clements ocomprometimento com a idia de que existe uma unidade, a formao vegetal,que se comportaria como um organismo e, assim, deveria compartilhar maissemelhanas do que dessemelhanas com esses ltimos. Em suma, a base do

    17 In 1785 he said, at a meeting of the Royal Society of Edinburgh, that the Earth was asuperorganism and that its proper study should be by physiology. He went on to compare thecycling of the nutritious elements in the soil and the movement of water from the oceans to theland, with the circulation of the blood. James Hutton is rightly remembered as the father ofgeology, but his idea of a living Earth was forgotten, or denied, in the intense reductionism ofthe nineteenth century; except in the minds of isolated philosophers like Korolenko(LOVELOCK, 1995[1988], p. 9).18 Ulanowicz (1999, p. 128) tambm comenta que Clements raramente usou o termosuperorganismo em seus escritos.

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    problema que Clements, assim como Lovelock, no considera as ausnciasde analogias entre o organismo e o nvel superior de organizao considerado.

    Keller e Golley propem que a teoria Gaia pode ser vista como umaextenso do paradigma de Clements, considerando que a hiptese Gaia [...] basicamente o conceito do superorganismo clementsiano aplicado biosferainteira (KELLER e GOLLEY, 2000, p. 28). Assim, interessante destacar assimilaridades que podem ser observadas entre as idias de Clements e a teoriaGaia.

    Clements derivou concluses sobre as leis que valem para a formaovegetal a partir de analogias entre a formao vegetal e a planta individual.Lovelock, por sua vez, deu um passo muito maior, ao propor uma analogiaentre a Terra e os organismos. Mas, se a Terra deve ser tratada como umsuperorganismo, como sugere Lovelock, preciso mostrar, ento, que h maissemelhanas (e em aspectos relevantes) entre a Terra e os organismos vivos doque dessemelhanas. Em sua obra, Lovelock considera apenas as semelhanasentre o planeta e os organismos individuais, como, por exemplo, a capacidadede reduzir a entropia interna s custas do aumento de entropia do ambiente aoseu redor. importante notar, assim, que ele no considera as dessemelhanas,as ausncias de analogia entre os organismos e a Terra, como o fato de que estaltima no se reproduz, no possui um programa gentico, no evolui porseleo natural, entre muitos outros aspectos que poderiam ser citados. Essasso caractersticas importantes para qualificar algo como vivo, da perspectivada biologia atual (LIMA-TAVARES e EL-HANI, 2001; LIMA-TAVARES,2003). Alm disso, h semelhanas consideradas por Lovelock, como, porexemplo, a diminuio da entropia interna com base no aumento de entropiado ambiente circunvizinho, que no so propriedades exclusivas dos seres vivos.Na verdade, esta caracterstica distingue sistemas dissipativos (que no selimitam aos organismos, mas incluem sistemas fsicos como vrtices, porexemplo) e no-dissipativos. Assim, no se pode dizer que esta seja umacaracterstica relevante compartilhada entre um ser vivo e a Terra, que possaservir de base para que a Terra seja tratada como um superorganismo. Elasomente indica que a Terra pertence categoria dos sistemas dissipativos, qual os organismos tambm pertencem, mas no apia a idia de que a Terraesteja includa na categoria dos seres vivos.

    , sobretudo, com base em ausncias de analogias entre a Terra e osorganismos que bilogos evolutivos tm criticado a teoria Gaia. Uma das idiascentrais das teorias darwinistas da evoluo a de que so populaes deorganismos que evoluem, e no organismos individuais. Portanto, a analogiaentre a Terra e os organismos individuais deveria levar suposio, do pontode vista do darwinismo, de que haveria uma populao de Terras evoluindo

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    por seleo natural. Mas no conhecemos outros planetas como a Terra, queconstituam juntamente com ela uma populao capaz de evoluir. Esse problemafoi chamado por W. F. Doolittle (citado em BARLOW e VOLK, 1992) deproblema da populao de um. Mais ausncias de analogias entre Terra eorganismos surgem, portanto, desse ponto de vista: ou a Terra no evolui, vistoque constitui uma populao de um nico indivduo e no h variao disponvela ser selecionada (BARLOW e VOLK, 1992), ou, caso evolua, deve faz-lopor um processo distinto da evoluo biolgica, de natureza transformacional,i.e., no qual uma entidade individual sofre transformaes ao longo de suaexistncia, e no variacional, no qual a evoluo ocorre em populaes deentidades variantes (LEWONTIN, 1985).

    Dawkins (1982) criticou a teoria Gaia, tambm de uma perspectivadarwinista, afirmando que no haveria meios de a evoluo por seleo naturallevar a um altrusmo em escala global.19 Esse problema est relacionado questo do nvel de organizao em que a seleo natural operaria no caso daentidade postulada pela teoria Gaia. Mesmo em nveis menos elevados daorganizao biolgica, como o de espcie, controverso se h seleo. Pode-se imaginar, assim, as dificuldades para postular processos seletivos ocorrendoao nvel da Terra como um todo.

    Sobre seleo de espcies, Meyer e El-Hani comentam:

    A principal crtica seleo de espcies vem da observao que a seleo muito eficaz quando olhamos dentro de uma espcie [...]. Isso significaque, para que a seleo atuando sobre espcies fosse capaz de explicar adiversidade do mundo natural, ela teria de ser suficientemente intensa, demodo a superar a eficcia da seleo atuando no nvel dos organismosindividuais. Esse problema se torna ainda maior porque o nmero deespcies disponveis para serem triadas menor do que o de indivduosdentro de uma populao, e o maior nmero de indivduos disponveispara a triagem torna o processo de seleo mais eficaz; afinal, como hrelativamente poucas espcies para serem selecionadas, aumenta a chancede que aquela que sobrevive seja somente a espcie mais sortuda, e nouma espcie melhor. (MEYER e EL-HANI, 2005, p. 93-94)

    19 Esta crtica de Dawkins levou construo do modelo do Mundo das Margaridas (Daisyworld)por Watson e Lovelock (1983), que tem sido alvo de um frtil debate nos ltimos anos, no qualum dos temas centrais , precisamente, como compatibilizar a teoria Gaia e as teorias modernassobre evoluo. No temos espao, aqui, para estender o tratamento deste debate. Remetemoso leitor, assim, a fontes originais, como Robertson e Robinson (1998), Lenton (1998), Lentone Lovelock (2000, 2001).

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    O reconhecimento de que o acaso tambm um fator importante noprocesso evolutivo nos leva idia de que a sobrevivncia diferencial pode sero resultado de um acidente, e no de variaes nas caractersticas dosorganismos. Esses acidentes tendem, como argumentam Meyer e El-Hani, aser mais freqentes na seleo de espcies, resultando em dificuldades para apostulao de tal mecanismo. Se a seleo de espcies j algo duvidoso nessenvel da hierarquia biolgica, podemos conceber dificuldades ainda maioresem nveis superiores de organizao. No caso da entidade postulada pela teoriaGaia, o problema da populao de um, apontado por Doolittle, torna evidentea impossibilidade de postular a operao do mecanismo de seleo natural aonvel de tal entidade.

    Outro aspecto a considerar que somente indivduos darwinianosevoluem por seleo natural. De acordo com Gould (2002, p. 71, 597-613),organismos no so as nicas entidades biolgicas que exibem as propriedadesnecessrias para atribuir individualidade darwiniana. Essas propriedadesincluem, de acordo com Gould, critrios como pontos de nascimento e mortedefinidos, estabilidade suficiente durante o tempo de vida, existncia decontornos definidores de uma entidade, produo de prole e herana decaractersticas parentais pela prole. Espcies podem ser caracterizadas, combase nesses critrios, como indivduos darwinianos. Mas evidente que a Terrano pode ser assim concebida, de acordo com os critrios apresentados acima.Embora cumpra os trs primeiros critrios, ela no satisfaz os dois ltimos,visto que no se reproduz e, conseqentemente, no pode haver qualquer tipode herana de caractersticas por uma suposta prognie. No fundo, esta outramaneira de apresentar o mesmo problema apontado por Doolittle: no podehaver evoluo em uma populao unitria.

    importante salientar que a idia de superorganismo na teoria Gaiapressupe uma questo ontolgica ainda mais fundamental, a saber, se Gaia um indivduo e, alm disso, se este indivduo apenas fsico ou tambmbiolgico (ou at mesmo, se poderia ser algo intermedirio).

    Com relao indagao sobre a individualidade de Gaia, podemosdizer que, assumindo uma interpretao realista, a existncia de uma entidadeplanetria um pressuposto bsico da teoria Gaia (LIMA-TAVARES, 2003).Ela considera a auto-regulao e a busca de objetivos sempre ao nvel planetrio.No entanto, apesar de ser tomada como uma premissa fundamental da teoria, aproposio de que Gaia um indivduo raramente tomada de maneira crtica.Quanto a isso, Barlow e Volk (1992, p. 687) se questionam se Gaia merece oestatuto de um indivduo? Ou o sistema global da terra deve ser tratado comoo agregado de sistemas vivos e no-vivos que profundamente afetam um aooutro?.

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    Um indivduo pode ser definido como uma entidade coesa e contnualocalizada espao-temporalmente (HULL, 1992, citado por BARLOW eVOLK, 1992, p. 687). Essa a idia que se encontra por trs dos trs primeiroscritrios apresentados acima para caracterizar um indivduo darwiniano. Oprprio Hull se pergunta quanto da individualidade de Gaia devidomeramente ao isolamento e quanto devido interdependncia interna?(comunicao pessoal, citada em BARLOW e VOLK, 1992, p. 687). Barlow eVolk (1992, p. 687) respondem a esta pergunta nos seguintes termos:

    considerar Gaia como um indivduo apenas porque ela est limitada peloespao no suficiente para a teoria, j que ela postula uma individualidademais do que meramente fsica. A individualidade de Gaia deve ser devida interdependncia interna para que possamos consider-la como umaentidade real. (BARLOW e VOLK, 1992, p. 687)

    Devido s dificuldades de definir Gaia como um indivduo, eles fazemuma proposta interessante:

    ns notamos que a palavra Gaia pode ser dispensada inteiramente, emfavor de termos relacionais como mais Gaiano ou menos Gaiano. Eras derelativa estabilidade, nas quais a biota claramente desempenhou um papel,seriam mais Gaianas, ao passo que episdios instveis da histria da Terraseriam menos Gaianos. A terminologia poderia ser conveniente; maisatrativa, ela seria livre da pressuposio de que existe uma entidade Gaia.(BARLOW e VOLK, 1992, p. 687)

    A proposta de Barlow e Volk no nos compromete com a tese ontolgicade que exista uma entidade planetria. O movimento similar quele que tevelugar nas investigaes cientficas sobre a mente: nas vises dualistas, a mente tratada como uma entidade, de modo que algum pode ter uma mente nomesmo sentido em que possui, por exemplo, um nariz; contudo, na visocientfica atual, a mente tratada como um modo de relacionar-se com o mundo,de tal maneira que se tem uma mente no mesmo sentido em que, por exemplo,se caminha. Nesses termos, ser mais gaiana diria respeito a um modo de abiota relacionar-se com as condies fsico-qumicas da Terra, sem havercompromisso com o postulado de uma entidade composta pela biota e peloambiente. Deste ponto de vista, Gaia seria uma propriedade do sistema Terra,e no a prpria Terra, ou um sistema que habitaria a Terra. Embora a propostade Barlow e Volk represente uma reinterpretao da teoria em seus pressupostosbsicos, ela se mostra potencialmente profcua, dados os problemas que esto

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    vinculados noo da entidade Gaia, se esta for entendida como umsuperorganismo, como faz Lovelock.

    No entanto, importante deixar claro que no h razes para pensar queo comprometimento com a existncia de uma entidade fsica denominada Gaiaseja o verdadeiro problema. Em nossa viso, a dificuldade reside no postuladode que Gaia uma entidade viva, ou seja, um superorganismo. Assim sendo,apesar de a proposta de Barlow e Volk ter grande valor heurstico e ofereceruma soluo ao problema do superorganismo na teoria Gaia, ela no o nicomeio pelo qual tal problema pode ser superado. Em outras palavras, podemoscontinuar a falar em Gaia como um indivduo, uma entidade ou um sistema,sem assumirmos qualquer compromisso com a noo de superorganismo, aqual carece, em nosso entendimento, de bases firmes. 20

    Nossa expectativa de que os argumentos expostos at aqui levem aoabandono da tese de que Gaia um ser vivo ou um superorganismo, apesar daopinio contrria de Lovelock a este respeito. A defesa dessas idias, que sodispensveis no que diz respeito ao progresso do programa de pesquisa, saumenta as desconfianas em torno de Gaia, ao passo que no capta suas idiasverdadeiramente originais.

    A CONEXO ALGAS-NUVENS

    Neste item, examinaremos um dos episdios nos quais a teoria Gaia semostrou empiricamente progressiva, no sentido definido por Lakatos(1995[1978]), isto , no qual ela predisse fatos novos, aumentando seu contedoemprico (para maiores detalhes, ver LIMA-TAVARES, 2003). Esse episdioest relacionado a uma hiptese elaborada por Lovelock e colaboradores paradar conta de um problema encontrado na compreenso do ciclo do enxofre:trata-se de saber qual o intermedirio estvel que poderia transportar o enxofredo mar para a terra, completando, assim, aquele ciclo.

    O ambiente terrestre regularmente perde enxofre, na forma de onssulfato, na gua que corre dos rios para os oceanos. Assim, caso no existissealgum mecanismo que trouxesse o enxofre de volta dos oceanos para a terra,os organismos terrestres no sobreviveriam, por estarem privados de umelemento essencial. nesse contexto que surge a questo enfrentada por

    20 importante notar ainda que a proposta de Barlow e Volk no resolve o problema da teleologiana teoria Gaia em muitos de seus aspectos, visto que ainda mantm referncia aos processosde auto-regulao e de busca de objetivos, que estariam presentes nos perodos mais gaianosda histria da Terra.

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    Lovelock: Como o enxofre transportado de volta terra? Em outras palavras,trata-se de elucidar qual o mecanismo de reposio do enxofre para os sistemasterrestres.

    At o incio da dcada de 1970, todos os modelos sobre o ciclo do enxofrecontinham um componente de enxofre voltil ou gasoso que seria o responsvelpela transferncia do enxofre do mar para o ar e, em seguida, para as massas deterra (CHARLSON et al., 1987). A viso cientfica convencional sobre o ciclodo enxofre exigia que grandes quantidades de sulfeto de hidrognio (H

    2S)

    fossem emitidas do oceano, para compensar a perda de enxofre do ambienteterrestre. Entretanto, Lovelock (2000 [1991]) aponta que a gua do mar muitooxidante para permitir a existncia de concentraes suficientes de H

    2S para

    realizar a transferncia do enxofre para a terra. Alm disso, o H2S produz um

    odor muito forte e caracterstico, o que o tornaria facilmente detectvel. Noentanto, tal composto no havia sido encontrado, o que colocava em dvida aviso convencional. No comeo da dcada de 1970, Lovelock e outros cientistascomearam a questionar esta viso. Apoiado no trabalho de Fred Challenger(citado em Lovelock, 2000[1991]), no qual o autor observava que muitosorganismos marinhos emitem sulfeto de dimetila (DMS), Lovelock se ps ainvestigar se este composto, em vez do H

    2S, poderia ser o intermedirio

    envolvido no mecanismo de reposio do enxofre.Em 1972, Lovelock e colaboradores publicaram um artigo sobre o

    possvel papel do DMS na transferncia em massa de enxofre dos oceanospara a atmosfera, que carrearia, por sua vez, o elemento de volta terra.Lovelock estabeleceu que quase todas as algas marinhas emitem DMS,destacando a Polysiphonium fastigiata pela quantidade deste composto queproduz (LOVELOCK, 2000[1991]). Trabalhos posteriores identificaram outrasalgas como grandes produtoras de DMS (ver LOVELOCK, 1995[1988],2000[1991] e GABRIC et al., 2001). Da em diante, vrios trabalhos corrobo-raram a proposta do DMS como o intermedirio procurado.

    Lovelock comenta que os resultados da viagem do Shackleton, o naviooceanogrfico no qual ele realizou suas pesquisas sobre o DMS, forneceramdados que apoiaram sua hiptese, mas, apesar de terem sido publicados em umperidico cientfico de grande impacto (Nature), permaneceram largamenteignorados at a dcada de 1980, quando voltaram tona devido aos trabalhosde Meinrat Andreae. Em 1987, Lovelock e colaboradores publicaram um artigona Nature (CHARLSON et al., 1987) no qual propem que a rpida oxidaodo DMS no ar sobre os oceanos, formando gotculas de cido sulfrico, poderiagerar os ncleos que so necessrios para a condensao de vapor dgua econseqente formao de nuvens sobre os oceanos. Mas os autores foram umpouco alm, propondo tambm o que ficou conhecido na literatura como

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    hiptese CLAW (uma juno das iniciais dos primeiros nomes dos autores;ver CHARLSON et al., 1987).

    De modo muito breve e esquemtico, a hiptese CLAW afirma que huma ala de retroalimentao negativa ligando as algas, o DMS e as nuvens.Segundo os autores, quanto mais quente, mais salina e mais intensamenteiluminada a regio do oceano, maior a taxa de emisso de DMS para a atmosfera.As pores de gua nos oceanos que no esto cobertas por nuvens tendem aser mais iluminadas e se aquecer mais, j que recebem a radiao solardiretamente. O aumento de temperatura deve aumentar a produo de DMSpelas algas, contribuindo, assim, para a maior formao de nuvens sobre osoceanos. Essas nuvens reduzem, ento, a temperatura e a luminosidade dasuperfcie, porque refletem boa parte da radiao solar. A diminuio datemperatura na superfcie da gua leva, ento, a uma menor produo de DMS,o que reduz a produo de nuvens, levando novamente a um aumento daincidncia de raios solares sobre a superfcie da gua.

    Uma crtica muito comum dirigida a esta hiptese (e teoria Gaia comoum todo) que as algas estariam agindo altruisticamente, de modo a contribuirpara a regulao do clima global, beneficiando tambm outras espcies (vercrticas de Dawkins, acima). Isso resultaria em problemas para uma explicaoevolutiva da liberao de DMS. Os defensores da teoria Gaia respondem aessas crticas mostrando vantagens que as prprias algas tm ao liberar DMS(ver CHARLSON et al., 1987; HAMILTON e LENTON, 1998) .21

    Notamos, assim, que houve uma alterao do problema que se buscavaresolver dentro do programa de pesquisa Gaia, podendo ser esta explicada nostermos da teoria de Lakatos (1995[1978]). Um esforo de pesquisa que seiniciou buscando um intermedirio para o ciclo do enxofre no apenas encontrouo composto procurado, mas acabou por descobrir uma relao nova entre ometabolismo das algas e a cobertura de nuvens sobre o oceano. Nos termos deLakatos (1995[1978]), trata-se de uma alterao de problemas teoricamenteprogressiva, que deu origem a toda uma nova rea de pesquisa, conhecidacomo conexo algas-nuvens (cloud-algae connection). necessrio ter emmente que a viso anteriormente convencional dizia que uma fonte puramentefsico-qumica poderia produzir o intermedirio desconhecido do ciclo do

    21Atualmente, a hiptese CLAW suscita muitas discusses e est sendo submetida a testes pormuitos grupos de pesquisa ao redor do mundo (SCHWARTZ, 1988; GABRIC et al., 2001;ODOWD et al., 2002; JONES e ROBERTS, 2004; MONSON e HOLLAND, 2001; VANRIJSSEL e GIESKES, 2002). Por razes de espao, no discutiremos os aspectos controversosdesta hiptese. Nosso objetivo nesta seo apenas demonstrar o poder heurstico dasexplicaes funcionais no programa de pesquisa Gaia.

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    enxofre, no caso, o H2S.22 Diferentemente das fontes no-biolgicas, os seres

    vivos produzem compostos de enxofre e o liberam continuamente(CHARLSON et al., 1987; LOVELOCK, 2000 [1991], LOVELOCK et al.,1972). importante notar que a descoberta do DMS foi possvel devido aalgumas idias centrais da teoria Gaia, como a atribuio de funes aos gasesda atmosfera e o entendimento dos organismos vivos como fonte de muitoscompostos importantes nos ciclos de elementos. Em outras palavras, podemosrelacionar a descoberta do DMS e a alterao de problemas teoricamenteprogressiva discutida acima s explicaes teleolgicas (especialmente,funcionais) propostas pela teoria Gaia. Essas explicaes desempenham, assim,um papel heurstico muito importante na teoria, a despeito das declaraes deseu principal proponente. Reforando a contradio entre estas declaraes eo papel heurstico das explicaes teleolgicas, Lovelock afirma:

    Qual a funo de cada gs no ar? Fora do contexto de Gaia, essapergunta seria considerada redundante e ilgica, mas dentro deste contextono ser mais ilgica do que a pergunta: Qual a funo da hemoglobina ouda insulina no sangue? Temos postulado um sistema ciberntico; portanto, razovel indagar a funo das partes componentes (LOVELOCK, 2000[1990],p. 84).

    Notemos que Lovelock refere-se funo de gases no ar, que seriampartes de um sistema ciberntico.23 No caso que estamos analisando, a funodo DMS seria contribuir para a formao das nuvens, as quais contribuem, porsua vez, para os processos de auto-regulao do clima.24

    22 As principais fontes no-biolgicas de enxofre, excluindo as atividades industriais humanas,so os vulces e as fumarolas, que liberam H

    2S e SO

    2. Esses processos so responsveis apenas

    por cerca de 10 a 20% do fluxo natural de compostos de enxofre para a atmosfera. Alm disso,a liberao de gases por essas fontes no-biolgicas altamente varivel no espao e no tempo,sendo que pequenas erupes vulcnicas geralmente so de importncia apenas local. Por suavez, grandes erupes vulcnicas, que tendem a influenciar reas maiores, so eventos muitoraros (CHARLSON, et al., 1987).23 evidente que ele tambm baseia esta afirmao na equivalncia entre fisiologia egeofisiologia, e, portanto, na tese de que a Terra seria um superorganismo. Parece-nos, contudo,que possvel sustentar este argumento concebendo somente o envolvimento de um sistemaciberntico, sem que haja necessidade de postular que se trata de um sistema vivo.24 Podemos notar que a linguagem teleolgica est presente na teoria no s na atribuio defuno a componentes do sistema vida-ambiente ao nvel global (explicaes funcionais), mastambm como uma explicao do prprio resultado das interaes entre esses componentes, asaber, a auto-regulao do sistema como um todo (explicaes de auto-regulao). Entendemoseste ponto, contudo, mais como matria-prima para possveis debates e desenvolvimentos doque como parte indispensvel de nosso argumento no presente artigo.

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    CONCLUSO

    A proposio da hiptese CLAW e a prpria criao de todo um novocampo de pesquisas atestam o valor heurstico das explicaes funcionais nateoria Gaia. Essa hiptese tem suscitado um debate intenso na literatura acercado papel da biota na regulao do clima e nas mudanas climticas, assimcomo muitos estudos multidisciplinares sobre a interface oceano-atmosfera.

    Esses avanos empricos significativos produzidos pela teoria Gaiacolocam dificuldades importantes para o filsofo da cincia. De um lado, Gaiaapresenta problemas tericos importantes, como o das explicaes teleolgicas,que, segundo Kirchner, minam sua plausibilidade cientfica. Mas, de outrolado, os avanos empricos a que nos referimos parecem ser forte sugesto deque certa forma de explicaes teleolgicas (as explicaes funcionais) e asperguntas que as solicitam so necessrias para o progresso do programa depesquisa.

    Isso exposto, faremos a seguir algumas consideraes acerca doselementos constituintes do programa de pesquisa Gaia, sugerindo reformu-laes, quando for o caso. Propomos que as explicaes teleolgicas da teoriaGaia sejam interpretadas como explicaes funcionais, as quais devem localizar-se, conforme apontamos acima, no ncleo duro do programa de pesquisa. Pareceum caminho promissor interpretar estas explicaes da perspectiva de RobertCummins (1998[1975]).25

    25 Atualmente, estamos investigando a possibilidade de interpretar tais explicaes/atribuiesfuncionais da teoria Gaia a partir do ponto de vista de Cummins ([1975]1998, 2002). importante apontar uma diferena entre nossa abordagem no presente artigo e a de Cummins,no que diz respeito s relaes entre explicao funcional e explicao teleolgica. Daperspectiva desse filsofo, a explicao teleolgica e a anlise funcional so duas espciesdistintas de explicao funcional. Isso inverso do que sustentamos aqui, dado que afirmamosque explicaes funcionais so um tipo de explicao teleolgica. Para Cummins, a anlisefuncional uma explicao no-teleolgica, o que no nos permite, portanto, tratar a anlisefuncional de Cummins na teoria Gaia como uma espcie de explicao teleolgica dosfenmenos da teoria. Estamos cientes dessa dificuldade e da possibilidade de que ela nos levea uma reformulao da problemtica em torno da teleologia na teoria Gaia, mas no iremosdesenvolver argumentos nesse sentido aqui, reservando-os para trabalhos futuros. Alm disso,essa possvel reformulao no nos leva a abandonar as principais concluses expostas nessetrabalho. A idia de que a anlise funcional de Cummins seja adequada para lidar comexplicaes/atribuies funcionais na teoria Gaia muito mais um orientador dos caminhosde nossa pesquisa futura do que uma base de apoio para os argumentos j expostos.

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    Alm disso, sugerimos que mais ateno seja dada a uma verso dateoria que Kirchner (1989, 1993) denominou Gaia Coevolutiva,26 incluindo-aentre suas hipteses fracas, que, supostamente, nada diriam de novo. No nosparece, contudo, que Kirchner esteja correto nesta apreciao. A interpretaodos mecanismos de formao de nuvens e regulao do clima envolvendo oDMS traz, por exemplo, algo de novo, sem que seja necessrio comprometer-se com a idia de um superorganismo. Nos termos de Kirchner (1993, p. 38),Gaia Coevolutiva prope que a biota influencia o ambiente abitico e que oambiente em troca influencia a evoluo da biota por processos darwinianos.Em nossa viso, esta uma verso da teoria que concilia bem o conhecimentocientfico estabelecido e o contedo emprico original do programa de pesquisaGaia. De acordo com esta viso, o processo evolutivo no visto apenas comoalgo unvoco, mera resposta dos organismos s mudanas ambientais, mas simcomo resultado de interferncia ntima e recproca entre organismos e ambientematerial. A evoluo do nosso planeta vista, dessa perspectiva, como umprocesso nico, resultado da evoluo conjunta dos organismos e de seuambiente, que se influenciam atravs de alas de retroalimentao, comodiscutido no item 4. Os organismos teriam construdo o ambiente material queexiste hoje e ainda o fariam continuamente, de modo a favorecer sua prole.Aqueles que fossem capazes de interagir com o ambiente e alter-lo de modoa obter benefcios para sua reproduo teriam vantagens sobre os que nopossussem essa capacidade. No difcil perceber as implicaes disso para abiologia e a geologia, que deveriam, ento, buscar cada vez mais interaoentre suas investigaes, ao invs de construrem explicaes evolutivasseparadas.

    No contexto dessa evoluo conjunta, faz sentido aplicar a noo defuno para alm do seu domnio tradicional na biologia, isto , o nvel dasatividades orgnicas, comportamentos etc. A teoria Gaia, com a proposta deuma evoluo conjunta da biota e do ambiente, permite-nos conceberfuncionalidade no domnio da interao entre os seres vivos e o seu ambientematerial. O interesse agora recai no mais sobre o organismo individual oumesmo a populao, mas sim sobre o sistema Gaia (ou o sistema Terra, como

    26 O termo coevoluo utilizado por Kirchner (e tambm por Lovelock que o usarepetidamente) no sentido de uma evoluo conjunta de organismos e ambiente. Assim, notem o mesmo sentido dado ao termo por bilogos evolutivos, que tratam coevoluo de modomais preciso e restrito, como um processo evolutivo no qual duas espcies atuam uma comoprincipal presso seletiva para a evoluo da outra, de modo que terminam por construir histriasevolutivas atreladas.

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    alguns preferem). Nesse nvel mais amplo, e concebendo Gaia como um sistemacomplexo, constitudo por organismos e ambiente ligados por alas deretroalimentao, faz sentido atribuir funes s partes do sistema, que, nessecaso, so tanto seres vivos quanto suas construes, como gases, nuvens etc.

    Assim, em vista do que apresentamos acima, sugerimos que asproposies de contedo teleolgico acerca do funcionamento do sistema Gaia,assim como a hiptese Gaia Coevolutiva (seguindo a taxonomia de Kirchner),estejam situadas no ncleo duro do programa de pesquisa. Em conjunto, GaiaCoevolutiva e as explicaes funcionais podem contribuir para a continuaodo progresso terico e emprico do programa de pesquisa.

    Uma outra recomendao diz respeito a proposies controversas muitasvezes associadas teoria Gaia. Em nossa viso, proposies metafsicas quecaracterizam a Terra como viva ou como um superorganismo no so centrais teoria e no contribuem para avanos do programa de pesquisa. Essasafirmaes, propaladas por Lovelock, mas rechaadas pela maior parte doscientistas envolvidos nessa tradio de pesquisa, apenas contribuem paraaumentar as suspeitas da comunidade cientfica em relao Gaia. Por essarazo, tais proposies devem ser eliminadas do programa de pesquisa, comoj sugeriu Lima-Tavares (2003).

    As discusses sobre Gaia devem levar sempre em considerao seusavanos tericos e empricos, sem estar limitadas a repetir afirmaes polmicasde Lovelock, como a de que a Terra um organismo vivo. Essa interpretaoingnua da teoria, bastante difundida, vista com freqncia at mesmo no seioda prpria comunidade cientfica (para um exemplo brasileiro, ver C, 2003),no leva em conta de maneira adequada seu contedo emprico, reduzindo-o auma afirmao polmica e at anti-cientfica. Alm disso, tal viso ingnuano apoiada por bases epistemolgicas consistentes com o discurso cientficoatual, de modo que no nos d, dentre outras coisas, uma dimenso adequadadas implicaes tico-ambientais da teoria Gaia.

    Agradecimentos

    Nei de Freitas Nunes Neto agradece ao CNPq e UFBA, por bolsasPIBIC/CNPq-UFBA, CNPq balco IC, e de mestrado. Charbel Nio El-Haniagradece ao CNPq por bolsas de produtividade em pesquisa e ps-doutorado,e FAPESB e ao CNPq por financiamentos de projetos de pesquisa.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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