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CADERNO CRH, Salvador, n. 39, p. 181-211, jul./dez. 2003 A ECONOMIA SOLIDÁRIA DIANTE DO MO- DO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA 1 Luiz Inácio Germany Gaiger RESUMO PALAVRAS-CHAVES UM DEBATE TEÓRICO E POLÍTICO Na paisagem social dos últimos anos, é visível a presença cres- cente de grupos informais, associações e empresas de trabalhadores, organizadas em bases cooperativas e em regime de autogestão. Em- bora sua forma mais comum sejam as cooperativas (de produção, prestação de serviços, comercialização ou crédito), tais princípios têm sido observados em distintas organizações econômicas, num verda- deiro poliformismo institucional, de empreendimentos situados em diferentes setores produtivos – da produção familiar à indústria de transformação – envolvendo diversas categorias de trabalhadores. No Brasil, o fato tem gerado uma profusão de estudos empíricos (Gaiger, 1996; Singer & Souza, 2000) e de formulações téoricas (Mance, 2000; Artigos

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    A ECONOMIA SOLIDRIA DIANTE DO MO-DO DE PRODUO CAPITALISTA1

    Luiz Incio Germany Gaiger

    RESUMO: A literatura atual sobre a economia solidria converge em afir-mar o carter alternativo das novas experincias populares de autogesto

    e cooperao econmica: dada a ruptura que introduzem nas relaes de

    produo capitalistas, elas representariam a emergncia de um novo mo-

    do de organizao do trabalho e das atividades econmicas em geral. O

    trabalho discute o tema, retomando a teoria marxista da transio e anali-

    sando, sob esse prisma, dados de pesquisas empricas recentes sobre os

    empreendimentos solidrios. Delimitando a tese anterior, conclui estar-

    mos diante da germinao de uma nova forma social de produo, cu-

    ja tendncia abrigar-se, contraditoriamente, sob o modo de produo

    capitalista. Extrai, por fim, as conseqncias tericas e polticas desse en-

    tendimento, posto que repe, em termos no antagnicos, a presena de

    relaes sociais atpicas, no interior do capitalismo.

    PALAVRAS-CHAVES: trabalho, cooperao, alternativas, Karl Marx, transi-o.

    UM DEBATE TERICO E POLTICO

    Na paisagem social dos ltimos anos, visvel a presena cres-cente de grupos informais, associaes e empresas de trabalhadores, organizadas em bases cooperativas e em regime de autogesto. Em-bora sua forma mais comum sejam as cooperativas (de produo, prestao de servios, comercializao ou crdito), tais princpios tm sido observados em distintas organizaes econmicas, num verda-deiro poliformismo institucional, de empreendimentos situados em diferentes setores produtivos da produo familiar indstria de transformao envolvendo diversas categorias de trabalhadores. No Brasil, o fato tem gerado uma profuso de estudos empricos (Gaiger, 1996; Singer & Souza, 2000) e de formulaes toricas (Mance, 2000;

    1

    Esse trabalho fruto de estudos do Grupo de Pesquisa em Economia Solidria da

    Universidade do Vale do Rio dos Sinos (www.ecosol.org.br), com apoio do CNPq

    e da FAPERGS.

    Artig

    os

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    Cattani, 2003), alm de debates de natureza poltica (Singer e Macha-do, 2000), ao mesmo tempo em que se multiplicam estudos compara-tivos entre pases e continentes nos quais fenmenos similares se veri-ficam (Laville, 1994; Defourny, Develtere e Fonteneau, 1999; Santos, 2002).

    Segundo as teses correntes,2 essas iniciativas representariam uma opo efetiva para os segmentos sociais de baixa renda, forte-mente atingidos pelo quadro de desocupao estrutural e pelo empo-brecimento. Em diferentes pases, pesquisas apontam que os empreen-dimentos solidrios, de tmida reao perda do trabalho e a condies extremas de subalternidade, esto convertendo-se em considervel mecanismo gerador de trabalho e renda, por vezes alcanando nveis de desempenho que os habilitam a permaneceram no mercado, com perspectivas de sobrevivncia (Nyssens, 1996; Gaiger et al., 1999).3

    A caracterizao da economia solidria e o balano das princi-pais teses acerca do seus fatores explicativos, ou do seu potencial transformador, dados os diferentes aspectos a observar, demandaria um artigo especfico, conforme indicado em linhas gerais em outros trabalhos (Gaiger, 2003b; 2003c). A bem da verdade, desde o sc. XIX registram-se tentativas de instituir formas comunitrias e democrti-cas de organizar a produo e o consumo, em resposta a aspiraes de igualdade econmica e necessidade de garantir meios de subsis-tncia para a massa de trabalhadores. A expanso atual desses empre-endimentos remete tanto a captulos anteriores dessa histria, quanto a correntes de pensamento e ao poltica. Suas razes mais longn-quas situam-se no sc. XIX europeu, quando a proletarizao do mundo do trabalho provocou o surgimento de um movimento oper-rio associativo e das primeiras cooperativas autogestionrias de pro-duo. Essa experincia esteve intimamente ligada a matrizes intelec-tuais que, desde ento, evoluram por caminhos diversos: socialistas utpicos, anarquistas, cooperativistas, cristos e socialistas. O caldea-mento operado entre essas vertentes, medida do aparecimento de

    2

    Duas coletneas, entre outras, contm elementos importantes desta discusso:

    Kraychete, Lara e Costa, 1999 e Ponte Jr., 2000.

    3

    A primeira pesquisa nacional sobre o tema, de carter emprico comparado,

    promovida pela Rede de Estudos e Pesquisas UNITRABALHO, ser publicada em

    breve: Gaiger, L. (Org.). Sentidos e experincias de economia solidria no Brasil [no prelo].

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    experincias semelhantes em outros continentes e dos episdios mar-cantes na histria poltica do sc. XX, conduziu a uma profuso de abordagens e entrada em cena de novas referncias, particularmente no campo do pensamento cristo e do socialismo (Gaiger, 2003a).

    Ao lado da ampla gama de experincias ditas de economia soli-dria, cotejam-se formulaes conceituais hoje em boa medida con-vergentes, mas no mutuamente redutveis, tais como empresas de eco-nomia popular, empresas sociais e cooperativas populares, por sua vez vincula-das a leituras interpretativas igualmente em confluncia, como econo-mia do trabalho, socioeconomia, socialismo autogestionrio, economia plural, ter-

    ceiro setor, economia da ddiva e outras. Apenas no momento, registram-se as primeiras tentativas, valiosas, de ordenamento e clarificao des-sa ampla gama de abordagens (Frana Filho, 2001; Cattani, 2003).4

    O quadro promissor da economia solidria, alm de carrear ra-pidamente o apoio de ativistas, organizaes sociais e rgos pbli-cos,5 suscitou um interesse especial sobre o problema da viabilidade desses empreendimentos, bem como sobre a natureza e o significado contido nos seus traos sociais peculiares, de socializao dos bens de produo e do trabalho. Setores da esquerda, reconhecendo ali uma nova expresso dos ideais histricos das lutas operrias e dos movi-mentos populares, passaram a integrar a economia solidria em seus debates, em seus programas de mudana social e em sua viso estra-tgica de construo socialista. Vendo-a seja como um campo de tra-balho institucional, seja um alvo de polticas pblicas de conteno da pobreza, seja ainda uma nova frente de lutas de carter estratgico, vises, conceitos e prticas cruzam-se intensamente, interpelando-se e buscando promover a economia solidria como uma resposta para os excludos, como base de um modelo de desenvolvimento comprome-

    4

    Uma primeira reunio de vertentes e leituras tericas foi propiciada pela Revista de

    Cincias Sociais da UNISINOS, em seu nmero temtico 59, de 2001. A

    sistematizao terico-conceitual deve avanar medida que se concluam teses

    sobre a economia solidria, atualmente em nmero expressivo nas universidades

    brasileiras. Ter impulso igualmente na recm-criada Rede de Investigadores

    Latinoamericanos de Economa Social y Solidria RILESS.

    5

    Cujos reflexos mais notrios so o Frum Brasileiro de Economia Solidria e a Secretaria

    Nacional de Economia Solidria, do Ministrio do Trabalho e Emprego, ambos

    criados em 2003.

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    tido com os trabalhadores, como sada diante do aprofundamento das iniqidades, das polticas neoliberais, do prprio capitalismo.

    A questo tornou-se objeto de intensa discusso, na qual se manejam com freqncia teses e categorias da economia poltica mar-xista - leito de navegao tradicional do pensamento da esquerda - sustentando argumentaes e respostas de natureza, sobretudo, ideo-lgica e programtica. Nesse contexto, as tentativas de teorizar o te-ma, com os cuidados que a tarefa requer, correm o risco de serem apreciadas diretamente por seu impacto poltico, por seus efeitos de legitimao sobre as elaboraes discursivas politicamente em con-fronto, dotadas de elevado grau de finalismo, de ingredientes teleol-gicos prprios das ideologias. O fato suscetvel de ocorrer sobretu-do com as formulaes mais audaciosas, que associam a economia solidria a um novo modo de produo, no-capitalista (Tiriba, 1997; Singer, 2000; Verano, 2001), quer pela insuficiente explicitao conceptual das mesmas, quer porque tendem a no serem vistas como problema-tizaes do tema, ou hipteses revisveis, mas sim como respostas seguras, chancelando tomadas de posio e juzos definitivos.

    Assim, convm ir devagar com o andor. Tomada como uma sentena afirmativa, a tese em tela possui conseqncias amplas e profundas, pois resolve de vez com a questo principal acerca do ca-rter alternativo da economia solidria: o advento de um novo modo de produo, como buscarei demonstrar, representa in limine a supe-rao do modo de produo capitalista e das formaes sociais que lhe correspondem, a instaurao de algum tipo de sociedade ps-capitalista, cujas caractersticas tornar-se-iam historicamente predo-minantes. Interpretaes ligeiras dessa importante questo podem, em verdade, manifestar uma pressa de encontrar respostas tranqili-zadoras, por sua aparente eficcia poltica, pressa de que parecem res-sentir-se os grupos de mediao, desorientados com a regresso da agenda social, a falncia dos modelos de transio ao socialismo e a carncia de teorias credveis que respaldem uma nova (ou apenas re-tocada) estratgia de interveno. Como assinala Jos de S. Martins (1989, p. 135), h anos instalou-se uma crise na intelectualidade de esquerda, por sua dificuldade em produzir uma teoria da prtica atual e real das classes subalternas. O fato talvez revele um fenmeno ccli-co, posto que esse desencontro entre teoria e prtica, a primeira es-

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    tando em descompasso, registrou-se em outros momentos da nossa histria poltica (Souza, 2000).

    Naturalmente, os fatos avalizam uma viso politicamente oti-mista sobre o papel da economia solidria. No h dvidas de que o concreto real, manifesto em tais acontecimentos o verdadeiro ponto de partida (do pensamento) e, em conseqncia, o ponto de partida tam-bm da intuio e da representao (Gorender, 1978, p. 39). Todavia, para ultrapassar esse ponto de partida e aceder ao concreto pensado, que reproduz racionalmente o real, o pensamento necessita de um traba-lho de elaborao que transforma intuies e representaes aqui, do senso comum militante em conceitos. Entre os acontecimentos e a teoria h uma lacuna a ser preenchida, no num salto, mas percor-rendo um caminho de ida e volta. Um meticuloso vai-e-vem, em que os dados empricos e as formulaes abstratas se esclarecem e vm adequar-se mutuamente, tornando inteligvel a realidade, sob forma de proposies, que no so simples reedio da teoria, tampouco uma reproduo pura do real na primeira alternativa, estaramos cristalizando a teoria e encerrando-nos em grades interpretativas apri-oristas e inquestionveis; na segunda, ocultando involuntariamente nossos conceitos e premissas implcitas.6

    A inteno desse trabalho estabelecer esse movimento, a par-tir da teoria em que se situa originalmente a categoria modo de produo, inadvertidamente ou no colocada no cerne do debate sobre o carter alternativo da economia solidria. Passos nessa direo foram dados em ocasies anteriores, inicialmente com objetivo de sugerir a ade-quao e o valor interpretativo da teoria de Marx, acerca da produo e da reproduo das grandes formaes histricas (Gaiger, 1998); mais adiante, buscando evidncias empricas, analisadas com aquela teoria de fundo, de modo a verificar o seu poder elucidativo e articu-lador das concluses alcanadas (Gaiger, 2001b). A tarefa que propo-nho, agora, impe um tratamento sistemtico das categorias e da teoria da transio em Marx, para confront-las com os resultados apurados

    6

    A realidade histrica como toda realidade existe puramente,

    independentemente de que a conheamos. Nisso consiste sua objetividade. Mas,

    desde que a queiramos conhecer, sua existncia perde a pureza e se torna

    referencial ao sujeito de conhecimento. Por isso, o dado puro uma fico, uma

    ilogicidade. (Gorender, 1978, p. 43).

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    em pesquisas e com suas respectivas interpretaes. H um agudo senso de filigranas, uma riqueza pouco conhecida na teoria da transi-o de Marx,7 que a vulgarizao nos meios intelectuais e militantes tratou de eliminar, fixando-a em regras gerais supra-histricas, des-providas de qualquer capacidade heurstica. O texto uma tentativa de explorar essa riqueza. Suas concluses matizam e contradizem parcialmente a tese do novo modo de produo, antes evocada; espero que sejam apreendidas, tambm elas, em sua funo terica primordial, de ponto de partida estimulante ao seguimento do nosso trabalho inte-lectual.

    AS GRANDES CATEGORIAS ECONMICAS DE KARL MARX

    Sabemos que modo de produo a categoria mais fundamental e englobante, cunhada por Marx, para expressar sinteticamente as prin-cipais determinaes que configuram as diferentes formaes histri-cas. Essas determinaes encontram-se no modo como os indivduos, de uma dada sociedade, organizam-se no que tange produo, dis-tribuio e ao consumo dos bens materiais necessrios sua subsis-tncia; mais precisamente, na forma que assumem as relaes sociais de produo, em correspondncia com um estado histrico de desen-volvimento das foras produtivas.

    O emprego do termo modo de produo, nos textos de Marx, to-davia no unvoco. O fato provocou apreenses diferenciadas, tipologias suplementares (modos de produo perifricos, secundrios, etc.) e tipos incompletos, como o modo de produo simples.8 Tomando por base a exegese cuidadosa realizada por autores dedicados ao assunto, tais entendimentos ficariam sem guarida, sendo por outro lado necessrio reconhecer, ao menos, um outro uso comum nos escritos de Marx, em que modo de produo possui um carter meramente descritivo, referindo-se a uma certa forma concreta de produzir (artesanato, manufatura) ou, mais amplamente, a

    7

    Na conferncia proferida no X Congresso Brasileiro de Sociologia (Fortaleza,

    09/2001), intitulada Sociologia e sociedade; heranas e perspectivas, Gabriel

    Cohn salientou que Marx possui todos os ingredientes para uma reflexo

    organizada sobre o problema do tempo; do tempo das transies, acrescentaria.

    8

    Em que o trabalhador o proprietrio dos meios de produo, os pe em

    movimento, individualmente ou em diminutas unidades de produo, geralmente

    familiares, e negocia seu produto em condies que fogem sua lgica e domnio.

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    nato, manufatura) ou, mais amplamente, a um estgio geral de desen-volvimento tecnolgico (maquinismo, grande indstria).

    A distino, como veremos adiante, tem interesse. Segundo M. Godelier, nesse caso Marx est designando um modo material de produ-o, isto , os elementos e as formas materiais dos diversos processos de trabalho, pelos quais os membros de uma sociedade agem sobre a natureza que os cerca para

    extrarem os meios materiais necessrios s suas necessidades, produzirem e repro-

    duzirem as condies materiais de sua existncia social. (1981, p. 169). Pro-duzindo bens semelhantes, modos materiais de produo podem re-pousar, ou no, sobre idntica base tcnica. Um modo material de produo no existe jamais isolado dos arranjos sociais do processo de trabalho, a que corresponde um acionamento determinado das foras produtivas ao alcance dos agentes econmicos. Vice-versa, a instaurao plena de um modo de produo exige engendrar previamente um novo modo material de produo, que lhe seja prprio e apropriado, pois isso o que lhe faculta dominar o conjunto do processo de pro-duo social e subverter as instituies que ainda sustentam a ordem social, contra as novas necessidades de desenvolvimento. A alterao profunda do modo de apropriao da natureza , ao mesmo tempo, requisito e vetor de toda nova formao social (Godelier, 1981).

    O conceito de modo de produo diz respeito totalidade his-trica, dada pelo conjunto de relaes que vinculam os indivduos e grupos ao processo de produo, no sentido amplo de suas condies materiais de existncia, compreendendo igualmente a circulao e troca dos bens materiais (Godelier, 1981). Representa a forma estru-turante de cada sociedade, pela qual so providas as suas necessidades materiais, em um dado estgio do seu desenvolvimento. Em seu cer-ne, como elemento distintivo, comporta um mecanismo social espec-fico de criao, controle e apropriao do excedente social gerado pelo trabalho, o que lhe confere uma lgica e traos prprios, imanentes sua reproduo e ao padro dinmico de sua evoluo histrica (Sha-nin, 1980, p. 61).

    O modo de produo capitalista nasce da reunio de quatro ca-ractersticas da vida econmica, at ento separadas: a) um regime de produo de mercadorias, de produtos que no visam seno ao mer-cado; b) a separao entre os proprietrios dos meios de produo e

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    os trabalhadores, desprovidos e objetivamente apartados daqueles meios; c) a converso da fora-de-trabalho igualmente em mercadori-a, sob forma de trabalho assalariado; d) a extrao da mais-valia, so-bre o trabalho assim cedido ao detentor dos meios de produo, co-mo meio para a ampliao incessante do valor investido na produo. O capitalismo est fundado numa relao social, entre indivduos desi-gualmente posicionados face aos meios de produo e s condies de posta em valor de sua capacidade de trabalho. Uma relao classis-ta, que se efetua, atravs de uma colaborao ilusria, mas no menos real, das trs classes bsicas, os assalariados, os capitalistas e os proprietrios fundi-

    rios, na qualidade de donos dos fatores responsveis pelos custos da produo de

    mercadorias. (Giannotti, 1976, p. 164).

    No curso do seu desenvolvimento, o capitalismo provocou uma contnua transformao da sua base tcnica, mediante enorme impulso das foras produtivas.9 Criando sua base prpria, renovan-do-a continuamente segundo suas necessidades, o capitalismo realiza o que mais importa num modo de produo: instaura o processo que vem a repor a sua prpria realidade, a reproduzi-la historicamente. Por isso mesmo, formas econmicas desprovidas de uma estrutura relativamente auto-suficiente, capaz de reconstituir continuamente as relaes de expropriao e acumulao de excedentes prprias que-las formas, no remeteriam ao modo de produo como unidade de anlise, sob pena de retirar dessa categoria seus insights analticos mais importantes. (Shanin, 1980, p. 65).10 o caso da economia camponesa, ou da produo simples de mercadoria, a menos que sejam vistas co-mo formas incompletas, remanescentes de modos de produo ou-trora dominantes. No presente, tais formas passam ordinariamente a funcionar como momentos do ciclo de acumulao do capital, muito

    9

    Como recorda Singer, As revolues industriais tornaram-se economicamente

    viveis porque a concentrao do capital possibilitou o emprego de vastas somas

    na atividade inventiva e na fabricao de novos meios de produo e distribuio.

    (2000, p. 12).

    10

    Assinala Giannotti: somente para evitar que se coloque num mesmo nvel de

    realidade o modo de produo capitalista e os modos de produo subsidirios,

    que se torna ento conveniente reservar a categoria de modo de produo para

    designar o movimento objetivo de reposio que integra, num mesmo processo

    autnomo, a produo, a distribuio, a troca e o consumo, deixando outros

    nomes para as formas produtivas subsidirias, que o modo de produo capitalista

    exige no seu processo de efetivao. (1976, p. 167).

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    embora possam dispor de margens de autonomia apreciveis, ao ocu-parem os interstcios do processo capitalista.11 Os tempos atuais, de acumulao flexvel, possuem como caracterstica, justamente, o empre-go de formas variadas de organizao do trabalho, em que as relaes de produo adquirem uma natureza aparente diversa, sendo todavia partes de uma mesma estratgia de acumulao (Harvey, 1993), livre ademais da obrigao de tolerar a resistncia de coletivos de trabalho estveis.

    Por certo, inmeras formas secundrias podem surgir, expan-dir-se e desaparecer durante a vigncia de um modo de produo, como bem demonstra, na histria, a vitalidade das formas no domi-nantes de vida material. Sempre existiram margens de liberdade entre esses nveis de organizao das prticas sociais e econmicas, sendo a economia capitalista, em verdade, prdiga em exemplos. A questo est em saber como o capitalismo atua ao fundo da cena, como tais formas existem e perduram, submetendo-se ou reduzindo sua vulne-rabilidade diante do modo de produo. Ou ainda, como tais formas, a partir de seu lugar subalterno ou perifrico, podem encetar movi-mentos de alargamento do seu prprio campo e da sua lgica interna, subtraindo-se, em alguma medida, ao controle do capital.

    Para isso, necessrio saber se tais formas so tpicas ou atpi-cas para o modo de produo vigente. A questo conduz a uma ter-ceira categoria, implcita nos textos de Marx e decorrente de sua pre-ocupao em distinguir a aparncia da estrutura interna de toda relao soci-al. A estrutura nuclear de um modo de produo, seu carter distintivo, repousa no conjunto de propriedades de que se reveste o processo de apropriao da natureza, nas relaes mtuas que nele se engendram entre os indivduos, conforme sua posio diante das condies e dos resulta-dos dos diversos processos de trabalho e segundo as funes que desem-penham. Ou seja, tal estrutura est determinada pelas relaes sociais de produo que lhe correspondem, por uma forma social de produo, mediante a qual extorquido o sobre-trabalho do produtor direto.

    11

    Desde seus primrdios, o capitalismo valeu-se de formas de organizao do

    trabalho que escapam s estritas condies de assalariamento e de extrao de

    mais-valia. No sc. XIX, por exemplo, a substituio do sistema domstico pelo

    sistema fabril foi longa e percorreu diferentes caminhos, havendo o maquinismo,

    em certos casos, surtido um efeito multiplicador do trabalho a domiclio, j em

    plena era industrial (Fohlen, 1974).

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    Cada modo de produo caracterizado por uma forma social de produo especfica. Nas sociedades tribais primitivas, pelas rela-es de parentesco, que ordenavam a apropriao do territrio, chave para garantir os meios de subsistncia; no feudalismo, pela manumis-so das obrigaes servis, exercida pelos senhores da terra sobre quem nela trabalhava; no capitalismo, pelas relaes assalariadas, en-tre os vendedores da fora-de-trabalho o proletariado e os deten-tores dos meios de produo a burguesia. Mais do que um contrato jurdico, o vnculo salarial o mecanismo que permite a apropriao do trabalho excedente no interior do processo produtivo, sob forma de mais-valia, conduzindo subseqentemente a um patamar superior desta, por meio do incremento da produtividade do trabalho e do ex-cedente extrado, contra os quais ao trabalhador indefeso pouco resta fazer.

    Por isso, o trabalho domstico, integrado na Idade Mdia ao regime dominial da economia agrcola e artesanal (Neers, 1965), mu-dou radicalmente de sentido com o aparecimento do empresrio bur-gus, cuja finalidade de ganhos crescentes, nas relaes com os traba-lhadores que aos poucos foi subordinando, redundou na proletariza-o destes e na sua destituio progressiva do domnio objetivo e sub-jetivo de seu prprio trabalho. A introduo dessa nova lgica teve variantes regressivas, como o sweating-system,12 empregado em cidades como Nova Yorque e Londres ainda em meados do sc. XIX (Fohlen, 1974). Mais tarde, a evoluo do maquinismo culminou com o regime fordista e taylorista, estabelecendo-se o limiar para a plena explorao do trabalho assalariado, sob forma de mais-valia relativa. As estrat-gias adotadas pelo atual capitalismo avanado, de segmentao do processo produtivo, emprego de operrios polivalentes e adoo de contratos de trabalho precrios, nada mais so do que variaes jur-dico-formais da relao assalariada, com fim na continuidade da acu-mulao (Harvey, 1993).

    A chamada economia camponesa um caso ilustrativo das formas sociais de produo capazes de adaptarem-se a modos de pro-duo das quais so atpicas. Seu trao peculiar, comum s suas diversas aparies histricas, o fato de as relaes de produo re-

    12

    Literalmente, sistema de suor ou transpirao.

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    pousarem na unidade familiar e na posse parcelar da terra. A famlia define a existncia e a racionalidade do campesinato, rege sua organi-zao interna e suas interaes com o meio circundante. O clculo econmico, a aprendizagem ocupacional, os laos de parentesco, os princpios de respeito e obedincia, as regras de sucesso, eis alguns sinais impressos pela dinmica familiar sobre o cotidiano campons.13 Todavia, o campesinato reproduz-se a si mesmo, mas no sociedade inteira. Alm disso, os sistemas externos de explorao do excedente, com os quais se relaciona, so via de regra mais significativos do que os mecanismos prprios ao seu modo de vida. No possvel com-preender o funcionamento das unidades de produo camponesa sem o seu contexto societrio. Nessas totalidades histricas, eles aparecem com as suas singularidades, por vezes inerradicveis, ao mesmo tem-po que adquirem feies introjetadas desde a estrutura social mais ampla. Eles transitam entre modos de produo; para isso adaptam-se, acomodam-se ou... rebelam-se.

    UMA FORMA SOCIAL SOLIDRIA DE PRODUO?

    O fenmeno da economia solidria guarda semelhanas com a economia camponesa. Em primeiro lugar, porque as relaes sociais de produo desenvolvidas nos empreendimentos econmicos solid-rios so distintas da forma assalariada. Muito embora, tambm aqui, os formatos jurdicos e os graus de inovao no contedo das rela-es sejam variveis e sujeitos reverso, as prticas de autogesto e cooperao do a esses empreendimentos uma natureza singular, pois modificam o princpio e a finalidade da extrao do trabalho exceden-te. Assim, naquelas prticas: a) predomina a propriedade social dos meios de produo, vedada a sua apropriao individual ou sua alie-nao particular; b) o controle do empreendimento e o poder de deci-so pertencem sociedade de trabalhadores, em regime de paridade de direitos; c) a gesto do empreendimento est presa comunidade

    13

    O fato de que esse cotidiano transcende a materialidade econmica e compreende

    a vida social e cultural, inflexionada a partir da matriz familiar, nos previne contra

    uma interpretao economicista da teoria de Marx, pois se trata de compreender, a

    partir da lgica social que preside a organizao da vida material, as diferentes

    formas da existncia humana.

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    de trabalho, que organiza o processo produtivo, opera as estratgias econmicas e dispe sobre o destino do excedente produzido (Vera-no, 2001). Em suma, h uma unidade entre a posse e o uso dos meios de produo.14

    De outra parte, a cooperao mostra-se capaz de converter-se no elemento motor de uma nova racionalidade econmica, apta a sus-tentar os empreendimentos atravs de resultados materiais efetivos e de ganhos extra-econmicos. Pesquisas empricas vm apontando que a cooperao na gesto e no trabalho, no lugar de contrapor-se aos imperativos de eficincia, atua como vetor de racionalizao do pro-cesso produtivo, com efeitos tangveis e vantagens reais, comparati-vamente ao trabalho individual e cooperao, entre os assalariados, induzida pela empresa capitalista (Gaiger et al., 1999; Peixoto, 2000). O trabalho consorciado age em favor dos prprios produtores e con-fere noo de eficincia uma conotao bem mais ampla, referida igualmente qualidade de vida dos trabalhadores e satisfao de objetivos culturais e tico-morais.

    A densidade dos vnculos coletivos certamente varivel, por vezes restringindo-se a meros dispositivos funcionais para economias de base individual ou familiar, por vezes alcanando a socializao plena dos meios de produo e sobrepondo, aos interesses de cada um, a sorte de um empreendimento associativo plenamente autoges-tionrio. O xito deste passa a decorrer decisivamente dos efeitos positi-vos do seu carter cooperativo (Gaiger, 2001b). Ademais, o trabalho e-xerce um papel nitidamente central, por ser fator preponderante, seno exclusivo, em favor do empreendimento. Nessa condio, determina uma racionalidade em que a proteo queles que detm a capacidade de trabalho torna-se vital.15 Ao propiciar uma experincia efetiva de dignidade e eqidade, o labor produtivo enriquecido do ponto de

    14

    O polimorfismo caracterstico das diversas iniciativas populares, includas no rol

    da economia solidria, no impede que se opere uma reduo desta morfologia a

    seus traos essenciais, como se faz aqui, para identificar a estrutura interna de suas

    relaes constituintes, posto que nessas reside a sua lgica de desenvolvimento,

    mesmo em estado de potncia.

    15

    O fenmeno foi observado h mais tempo, antes da atual crise do mercado de

    trabalho provocada pela reestruturao produtiva do capitalismo: O nvel de

    demisses nas empresas autogeridas praticamente invariante a curto prazo e

    certamente menos varivel que nas empresas capitalistas. (Vanek, 1977, p. 266,

    apud Coutrot, 1999, p. 109).

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    vista cognitivo e humano. O maior interesse e motivao dos associa-dos, o emprego, mutuamente acordado, da maior capacidade de tra-balho disponvel, a diviso dos benefcios segundo o aporte em traba-lho, so fatos relacionados com a cooperao, no sentido de acionar ou favorecer um maior rendimento do trabalho associado.

    medida que essas caractersticas acentuam-se, provocam uma reverso do processo ocorrido nos primrdios do capitalismo, quan-do o trabalhador foi separado dos objetos por ele produzidos e con-verteu-se em propriedade de outrem, em mercadoria adquirida e des-tinada ao uso do capital. A autogesto e a cooperao so acompa-nhadas por uma reconciliao entre o trabalhador e as foras produti-vas que ele detm e utiliza. No sendo mais um elemento descartvel e no estando mais separado do produto do seu trabalho, agora sob seu domnio, o trabalhador recupera as condies necessrias, mesmo se insuficientes, para uma experincia integral de vida laboral e ascen-de a um novo patamar de satisfao, de atendimento a aspiraes no apenas materiais ou monetrias. Por conseguinte, as relaes de pro-duo dos empreendimentos solidrios no so apenas atpicas para o modo de produo capitalista, mas contrrias forma social de produ-o assalariada: nesta, o capital emprega o trabalho; naqueles, os tra-balhadores empregam o capital.

    A crtica marxista do capitalismo est centrada na anlise das re-laes de produo.16 Por conseguinte, a defesa de uma alternativa econmica, quando lana mo desta abordagem, deve sustentar-se em evidncias de que, no modelo alternativo proposto, tais relaes ad-quirem outro carter e possuem chances reais de vigncia histrica, ou seja, refletem interesses subjetivos dos trabalhadores e respondem a condies objetivas. A exigncia no se deve, ento, a um gosto ou

    16

    Embora o modo de produo constitua uma totalidade orgnica e um processo

    reiterado de produo, distribuio, circulao e consumo de bens materiais, todas

    elas fases distintas e, ao mesmo tempo, interpenetradas no fluir de um processo

    nico... produo que pertencem a determinao fundamental e o ponto

    recorrente. (Gorender, 1978, p. 23). A esse primado da produo sobre as demais

    esferas da vida econmica (Marx, 1976, p. 1011), segue-se a hiptese de

    investigao, metodologicamente materialista, anunciada no Prefcio (Marx: 1974,

    p. 22-3), postulando uma hierarquia invariante entre as funes sociais, na qual a

    funo de produo da vida material detm um poder explicativo precedente

    sobre as demais.

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    vis economicista, mas a uma necessidade metodolgica prioritria (Gorender, 1978 p. 25).

    Esse tratamento leva a entender os empreendimentos solidrios como expresso de uma forma social de produo especfica, contraposta forma tpica do capitalismo e, no entanto, com ela devendo conviver, para subsistir em formaes histricas ditadas pelo modo de produ-o capitalista. No dias atuais, as inovaes principais que a nova forma traz e mostra-se capaz de reproduzir concentram-se no mbito das relaes internas, dos vnculos mtuos que definem o processo social imediato de trabalho e de produo dos empreendimentos soli-drios. A economia solidria no reproduz em seu interior as relaes capitalistas, pois as substitui por outras, mas tampouco elimina ou ameaa a reproduo da forma tipicamente capitalista, ao menos no horizonte por ora apreensvel pelo conhecimento. Argumentos cor-rentes em defesa da profundidade da mudana contida na economia solidria, considerando a melhora significativa nas condies de vida advinda do trabalho numa empresa autogestionria, o fortalecimento que tais fatos representam para a luta geral dos trabalhadores e, por outro lado, a necessidade para esses de aprendizado de um novo mo-delo econmico (Singer, 2000, p. 18), em verdade dimensionam a transformao social a longo prazo, o que retira de perspectiva, por um outro caminho, entender a alternativa solidria, em si mesma, como a posta em marcha de um novo modo de produo, no sentido abrangente e profundo que o termo contm.

    esclarecedor observar o que se passa com um exemplo im-portante de economia solidria, praticado nos coletivos de produo que se multiplicam nos assentamentos rurais, sob forma de coopera-tivas agropecurias e outros formatos associativos. A socializao da terra e do trabalho, quando em graus avanados, rompe com a lgica e a tradio da pequena produo familiar e introduz vnculos de ou-tra natureza entre os trabalhadores rurais (agora, assim chamados). Modifica-se, portanto, a forma social de produo. Contudo, na grande maioria dos casos, a base tcnica, derivada do estado das for-as produtivas, permanece intocada ou superficialmente alterada, ao menos por um certo tempo; o modo material de produo no difere daquele empregado antes pela economia familiar, sobretudo quando essa j incorporava uma parcela razovel das inovaes tecnolgicas

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    promovidas pelo capitalismo. Do mesmo modo, com os agentes deste que os assentados transacionam, diante de suas instituies que devem reafirmar os seus interesses.17

    Podemos igualmente pensar nas empresas autogestionrias pre-sas a cadeias produtivas ou a contratos de terceirizao, para concluir que esse dficit de autonomia atesta o carter incompleto da emanci-pao do trabalho solidrio diante do predomnio do capital, seja na esfera da circulao e distribuio, seja na renovao contnua das foras produtivas. Como assimilar a base tcnica da economia mo-derna, especialmente naqueles setores de maior densidade tecnolgica e complexidade organizacional, sem fazer compra casada com o contedo social, introduzido pela lgica produtiva capitalista nos res-pectivos processos de trabalho?

    No obstante, conforme Marx, no seio da velha sociedade que se geram as novas condies materiais de existncia. No ne-cessrio que a mesma esteja exaurida para dar curso dialtica entre as foras produtivas e as relaes de produo. Pode ocorrer, ainda, que formas no essencialmente capitalistas sejam representadas como se o fossem, pelo efeito de dominao ideolgica do modo de produ-o dominante.18 Donde resta a questo de descobrir as possibilidades, latentes ou encobertas, para que esses novos agenciamentos do pro-cesso de trabalho e dos fatores produtivos, inseminados por novas relaes entre os trabalhadores, encontrem caminhos propulsores, rumo a uma funo ativa nos prximos ciclos histricos.

    A TEMPORALIDADE LONGA DAS TRANSIES

    Nos termos da teoria proposta, a transio significa uma passa-gem, de uma sociedade estruturada sobre um modo de produo de-terminado, incapaz de se reproduzir, a uma outra sociedade, definida por outro modo de produo. No se resume, portanto, a mudanas momentneas ou setoriais, mesmo as de carter evolutivo, cujo efeito normalmente um novo acomodamento ordem vigente, por meio

    17

    Da porteira para fora, dizem eles, o que conta a lei dos capitalistas.

    18

    A comear pelo fato trivial de que todo agente econmico, para angariar algum

    reconhecimento, forado a apresentar-se como empresrio de um ramo qualquer,

    seja-o ou no.

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    da subordinao de lgicas sociais especficas lgica geral dominan-te. Apenas em circunstncias especiais, tais mudanas podem criar gradualmente as condies de superao daquela ordem, na medida em que sua resultante global seja o incremento dos bices, internos ou externos, reproduo do sistema econmico que sustenta aquela ordem, combinada ao aparecimento de bases substitutivas, geradoras de uma nova formao social.

    Uma conseqncia imediata reside em que a transio ancora-se em processos de longa durao e, como tais, seus pontos de infle-xo constituem momentos incomuns, de excepcional importncia na vida das sociedades, viradas histricas em que se condensa e manifes-ta intensamente o movimento das coletividades humanas (Godelier, 1981, p. 162). Ela requer deficincias estruturais crticas, insolveis no quadro do sistema existente, aliada a uma nova reunio de elementos, formando um todo coerente, capaz de se reproduzir e de impor a sua lgica reprodutiva ao sistema social. Enquanto isso no estiver de-monstrado, no h razo em defender a hiptese de que estamos nes-sa iminncia, ou nessa perspectiva.19 Numa linguagem lapidar, no basta desejarmos ter a sorte de sermos protagonistas ou testemunhas oculares desse grande momento, tampouco repetirmos vaticnios pes-simistas ou catastrficos sobre a ordem presente, esperando com isso apressar a sua runa. Importa saber se, no horizonte, est selada a der-rocada do capitalismo, ceifado que estaria por foras endgenas auto-destrutivas, ou exposto a choques exteriores, com suficiente capaci-dade de abalo e substituio.

    De outro lado, considerando o extraordinrio avano das foras produtivas j alcanado e a bagagem de conhecimentos sobre a hist-ria e a dinmica social com que contamos hoje, plausvel admitir que a passagem a um modo de produo ps-capitalista resulte de uma ao deliberada, que provoque a dissoluo da ordem vigente, pela introduo intencional de novas relaes sociais de produo. A presena destas induziria uma reorientao das energias humanas dis-

    19

    A insistncia quase compulsiva em colocar o debate nesses termos, perceptvel

    nos meios intelectuais de esquerda supostamente incumbidos de esclarecer as

    conscincias, apenas prejudica a compreenso das reais dimenses do problema e

    o coloca numa nebulosa, em que os argumentos valem por sua afinidade com

    nimos pessoais e preferncias ideolgicas.

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    ponveis na sociedade, redirecionando o desenvolvimento das foras produtivas, de modo a corresponderem quelas relaes e a estabele-cer-se, efetivamente, um novo modo de produo (Houtart, 1981). O risco desta via, terico e prtico, est em supervalorizar o peso da vontade poltica, a ponto de recair numa viso voluntarista, como ve-rificou-se em boa medida nas malogradas tentativas de construo do socialismo no sc. XX.20

    A transio estudada por Marx, do feudalismo ao capitalismo, exigiu uma anlise acurada sobre o aparecimento das condies hist-ricas que deram pleno curso lgica do capital na fase da sua a-cumulao primitiva. Tais condies, por sucederam crise do feu-dalismo, a explicam parcialmente, mas no foram sua causa. Da con-juno de fatores internos e externos anteriores crise decorreu o lento enfraquecimento do sistema feudal,21 o que deixou livre curso para o florescimento de novas prticas econmicas, cuja expanso as levou a choques com os limites da ordem instituda, a entrarem em contradio com ela e, por fim, a suplant-la. O eplogo patrocinado pelas revolues burguesas selou a destruio daquele ordenamento, cuja fora inercial, todavia, se fez sentir por dcadas no sc. XIX.

    A histria traz algumas lies. Primeiramente, a forma capitalis-ta de produo, em sua gestao, foi mostrando-se historicamente superior, por ser propcia e beneficiada pela expanso da atividade mercantil, ensejada de modo irreversvel com a crise do feudalismo.

    20

    Vale a respeito recordar o critrio proposto por Morin e Kern (1995), ao

    apontarem a necessidade de identificarmos, a cada momento histrico, as coeres

    intransponveis, que descartam certas possibilidades, dos fatores cujo efeito

    coagente depende do protagonismo dos atores sociais.

    21

    til lembrar a controvrsia sobre a preponderncia dos fatores internos ou

    externos ao modo de produo feudal, fatores que minaram as suas bases e o

    deixaram vulnervel a processos subseqentes de dissoluo. Para M. Dobb

    (1987), foi a insuficincia do feudalismo como sistema de produo, em contraste

    com as necessidades crescentes de renda da nobreza, o que motivou em primeiro

    lugar a crise do sistema feudal; razes intrnsecas teriam provocado a

    disfuncionalidade deste. Para P. Sweezy (1977), o feudalismo caiu principalmente

    devido ao desenvolvimento do comrcio e da vida urbana; segundo ele, o

    crescimento de uma economia de trocas no impe o fim de qualquer sistema

    servil, mas isso aconteceu no caso particular do feudalismo medieval, devido, entre

    outros, revogao paulatina de alguns atributos das obrigaes servis, por

    iniciativa do prprio estamento senhorial. Ambos autores reconhecem o concurso

    de todos esses fatores, restando em questo o seu peso especfico (a respeito,

    consultar Hilton et al., 1977).

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    Desse ponto de vista, relativamente a uma transio ps-capitalista, no basta identificar as insuficincias do capitalismo, sua irracionali-dade e as necessidades sociais prementes que no satisfaz. necess-rio apontar uma nova lgica de desenvolvimento, impulsionada sob o capitalismo ainda que no por ele - que seria melhor correspondida por relaes sociais de um novo tipo; no caso, as baseadas no labor associado dos trabalhadores. Cabe identificar as propriedades daquela nova lgica, caracterizar a sua fora e sua capacidade de expandir-se para a toda a sociedade, alcanar paridade com a forma social de pro-duo capitalista ou mesmo faz-la recuar. Assim sendo, esta nova forma social estaria mais apta a impulsionar o desenvolvimento das (de outras) foras produtivas, renovando o modo material de produ-o e gerando as bases para a supremacia de um novo sistema. Esse desafio intelectual nem sempre pode encontrar, em sua poca, as evi-dncias de que necessita. Como veremos, sinais no desprezveis so oferecidos por experincias de economia solidria.

    Uma segunda lio consiste na necessidade de deixar patente como as contradies inerentes s relaes capitalistas as tornam i-naptas para corresponderem quela nova lgica, vindo ento a dissol-verem-nas. Contradies no faltam ao capitalismo, mas isso tam-pouco significa que esteja em colapso, ou que haja fatores que impe-am sua entrada em uma crise agnica, reiterativa (Kurz, 1992), inca-paz de dar lugar, por um largo tempo, para outras formas promisso-ras, livres daquelas contradies.

    Em situaes histricas afastadas de momentos culminantes, no tarefa fcil discernir os prenncios de contradies fatais, insu-perveis sem uma recomposio profunda da ordem social. Em todo o caso, nos meandros dos processos de maturao do novo modo de produo capitalista, Marx captou algumas sutilezas, de elevado inte-resse heurstico. Suas constataes do conta de diferentes articula-es entre as formas econmicas singulares e a totalidade social, se-gundo os estgios e modos de subsuno que se instauram entre elas.

    Assim, num primeiro momento, a forma de produo capitalis-ta nascente, introduzida com o recrutamento e o subseqente despo-jamento dos mesmos trabalhadores das oficinas artesanais domsti-cas, empregou o modo material de produo ento existente, com

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    isso havendo iniciado a subordinao do processo de trabalho. Alte-rou-se a forma, mas nada mudou nas foras produtivas, materiais e intelectuais, e no processo de transformao material. Essa apropria-o do trabalho pelo capital, nas condies tcnicas herdadas de for-mas sociais anteriores, configurou uma situao de subuno formal, no restando ento ao capital, para incremento da captao do traba-lho excedente, seno recorrer ao alongamento da jornada de trabalho, ou a intensificar o seu ritmo fsico, extraindo assim a mais-valia abso-luta. A base tcnica inicialmente subsumida pela nova forma capitalista no foi um produto do seu prprio desenvolvimento, mas uma base temporria para o mesmo.

    A seguir, o imperativo da acumulao estimulou uma, a princ-pio lenta, renovao da base material, mediante aprimoramento da manufatura, maior diviso do trabalho e uso de novas ferramentas manuais. O sucesso das primeiras mquinas abriu a temporada de in-venes sucessivas, precipitando a Revoluo Industrial. Com o ma-quinismo e a grande indstria, o capitalismo finalmente passou a con-tar com sua prpria base, com um modo material adequado, que se-guiu sendo extraordinariamente impulsionado. As leis do valor capita-lista realizam-se doravante em plenitude. As foras produtivas perten-cem inteiramente ao capital, a extrao do excedente se vale da mais-valia relativa, o trabalho encontra-se numa condio de subuno real, sobreposta aos mecanismos de subordinao anteriores, que persis-tem como expresso da forma geral de produo capitalista e so rea-tivados sempre que o aumento do excedente, pelo caminho da produ-tividade, revela-se ineficaz ou insuficiente. Assim, a nova forma social de produo quem deu o impulso definitivo transformao da ba-se material. Essa no se modificou em razo de alguma inexorabilida-de histrica, mas em resposta a uma nova lgica social, concretamente posta em marcha na sociedade. Resultou ento nova correspondncia, ensejando o domnio da forma capitalista sobre outras formas de vida econmica precedentes e levando maturao do modo de produo de mercadorias. medida que avana, o capitalismo dissolve, subme-te ou mantm reclusas outras formas sociais de produo.22

    22

    Para essas, s vezes, a nica sada adotar a base material moderna e curvar-se ao

    capital comercial e financeiro, do que temos um exemplo cabal nos pequenos

    produtores rurais integrados agroindstria. Nesse caso, a forma de produo

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    Dessa reconstituio histrica, vale sublinhar dois fatos: a) a nova forma social de produo capitalista originalmente aproveitou o modo material de produo j existente; b) uma vez que seu desem-penho mostrou-se superior, diante da demanda criada pela expanso da economia mercantil, as relaes de produo capitalista emergen-tes provocaram novo desenvolvimento da base material, havendo si-do tais relaes sociais, por conseguinte, a condio necessria, embora parcial, dos novos avanos tecnolgicos. Em futuras transies, os fatos obviamente no precisam ocorrer nessa ordem. Importa, no entanto, registrar o seu carter dialtico, em que foras ainda por vir insinuam-se como episdios a seu tempo laterais e pouco significati-vos, atravs de mutaes quase imperceptveis, sem virem, seno ao cabo de um longo perodo histrico, a suprimir as estruturas de vida social s quais tendero a sobrepor-se, em prazo mais curto, mas i-gualmente indeterminado.

    Nota final de extrema importncia, observando a transio so-bre outro ngulo: o conceito de foras produtivas compreende igual-mente os recursos e faculdades intelectuais, o estado geral de conhe-cimento, sua difuso na populao, a adoo e manuseio das tcnicas, a capacidade de organizao do processo produtivo, etc. justo falar de uma transio cultural, significando descompasso e novo acomoda-mento entre infra e superestrutura (Houtart, 1981), ou entre possibili-dades objetivas e capacidades subjetivas de utiliz-las. A transio, sob esse prisma, requer a socializao de novas prticas, sua extenso ao conjunto da sociedade, ou a grupos e classes sociais; prticas que correspondem a novos modelos de conduta, a novas representaes, legitimadas e instituintes (Houtart e Lemercinier, 1990). Nesse campo tambm h sinalizaes da economia solidria.

    familiar se reproduz sobre uma base nova, que ela no consegue desenvolver por

    si prpria, sendo ento por essa base subsumida, ao contrrio do acontecido nos

    primrdios do capitalismo. Trata-se de uma subsuno formal inversa, que deixa as

    formas sociais atpicas em situao de instabilidade, mas no as descredencia de

    todo a sobreviverem no interior do modo de produo capitalista.

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    201

    UMA ECONOMIA DO TRABALHO EM PERSPECTIVA

    Nas condies atuais, os empreendimentos cooperativos auto-gestionrios experimentam uma dupla subsuno economia capita-lista: de um lado, esto sujeitos aos efeitos da lgica de acumulao e s regras de intercmbio impostas ao conjunto dos agentes econmi-cos, de contedo eminentemente utilitrio; de outro, como forma de responder premissa de produtividade competitiva, esto compelidos a adotar a base tcnica do capitalismo, os processos materiais de pro-duo por ele introduzidos continuamente, configurando-se com isso uma subsuno formal inversa, de uma base sobre uma forma, similar-mente ao caso da economia camponesa. Essas coeres, naturalmen-te, cerceam a lgica econmica solidria, pois a obrigam a conviver com tensionamentos e a conceder em seus princpios.

    Que exigncias apresentam-se aos empreendimentos solidrios, para que mantenham os seus traos distintivos? Penso serem trs: a) assumir a base tcnica herdada do capitalismo, dela retirando benef-cios para a sua forma social de produo prpria ou, ainda, alcanan-do desenvolver, paulatinamente, foras produtivas especficas e apro-priadas sua consolidao; b) cotejar-se com os empreendimentos capitalistas, dando provas de superioridade do trabalho associado pe-rante as relaes assalariadas, medida que impulsionam, em seu inte-rior, uma dialtica positiva entre relaes de produo e foras produ-tivas; c) resistir s presses do ambiente econmico, por meio de me-canismos de proteo e da externalizao da sua lgica cooperativa s relaes de intercmbio e de troca. Se isto vier a ocorrer, estaremos presenciando uma experincia econmica genuinamente sob a tica do trabalho, fundada em relaes nas quais as prticas de solidarieda-de e reciprocidade no so meros dispositivos compensatrios, mas fatores operantes no mago da produo da vida material e social.

    No atual ponto de partida, sejam quais forem os desdobramen-tos futuros, vale ter em vista um critrio fundamental: apenas uma nova prtica aquela de uma nova insero no mundo do trabalho e da economia pode gerar uma nova conscincia e provocar, sucessi-vamente, novas mudanas na prtica. Esse o requisito bsico, posto nas experincias de economia solidria atualmente em curso, que mo-tiva a ir em busca das possibilidades de cumprimento daquelas exi-

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    gncias. Cabe frisar, uma vez mais, que o xito em tal cumprimento no significar que os empreendimentos solidrios estejam em vias de sobrepujar as empresas capitalistas, tornando-se disfuncionais ao sis-tema econmico para, a seguir, colocar em risco o prprio capitalis-mo. O papel possvel da economia solidria, a ser inquirido, o de dar a prova palpvel de que a autogesto no inferior gesto capi-talista no desenvolvimento das foras produtivas (Singer, 2000, p. 28), por dispor de vantagens comparativas, derivadas da sua forma social de produo especfica.

    Passando em revista os trunfos de que objetivamente dispem os empreendimentos autogestionrios, uma de suas caractersticas tangveis a eliminao da parcela do excedente antes apropriada pe-lo estamento patronal para fins privados, pois sua destinao, agora, fica ao arbtrio dos trabalhadores, quer somando-se remunerao do trabalho, quer sendo reinvertida na empresa. A coexistncia de pro-prietrios abastados, empresas insolventes e folhas de pagamento irri-srias, deixa de ter lugar. A supresso das relaes assalariadas e do antagonismo entre o capital e o trabalho a elas intrnseco, desonera a empresa igualmente por diminuir custos com estruturas de controle e superviso, com estmulos pecunirios fidelidade e eficincia dos que ocupam funes no topo da hierarquia, com programas destina-dos a conquistar a adeso dos trabalhadores aos objetivos da empresa; em suma, com estratgias as mais diversas da empresa capitalista, fa-dadas a recompor continuamente o esprito corporativo, sempre que situaes crticas deixam a nu as contradies de classe que inescapa-velmente a atravessam.

    Alm do mais, a empresa capitalista, a partir de certos limites, apenas pode flexibilizar os seus custos econmicos assumindo em contrapartida os custos sociais decorrentes. Por sua vez, nas coopera-tivas e empresas autogestionrias, em que os ganhos so socializados de per se, o mesmo se admite mais facilmente com as perdas. O in-cremento unilateral da jornada de trabalho, ou sua reduo e conse-qente abatimento das retiradas individuais, como estratgias de ajus-te s flutuaes do mercado, uma vez aprovadas de forma democrti-ca e transparente, em boa lgica so a melhor garantia contra o de-semprego para os cooperados. De certo modo, a empresa associativa est dotada de maleabilidade similar a dos autnomos e profissionais

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    liberais, com a faculdade adicional de diluir custos fixos, assumidos individualmente nos demais casos, e de poder ampliar mais facilmente sua planta produtiva ou de servios (Sorbille, 2000, p. 131).23

    Aduzindo um terceiro argumento, sendo o zelo e a atitude de colaborao dos trabalhadores, comprovadamente, indispensveis a qualquer empresa e geralmente mais eficazes do que as estratgias patronais de convencimento ou coao (Coutrot, 1999), com maior razo h de verificar-se quando existe um vnculo imediato entre a performance do empreendimento e os benefcios individuais auferi-dos, ao lado de menor rotatividade da fora-de-trabalho e da partilha dos valores e objetivos da organizao. O interesse dos trabalhadores em garantir o sucesso do empreendimento estimula maior empenho com o aprimoramento do processo produtivo, a eliminao de des-perdcios e de tempos ociosos, a qualidade do produto ou dos servi-os, alm de inibir o absentesmo e a negligncia. Efeitos como esses, sublinhados pela literatura especializada (Defourny, 1988; Carpi, 1997) e conferidos em estudos empricos (Gaiger, 2001b), ao deriva-rem da natureza associada e cooperativa do trabalho e das caracters-ticas participativas dos empreendimentos, lhes conferem uma racio-nalidade prpria, virtualmente superior a das empresas capitalistas que acionam os mesmos fatores materiais de produo.

    Do ponto de vista dos fatores humanos, os fundamentos de-mocrticos da autogesto vm precisamente ao encontro dos requisi-tos de envolvimento e participao dos trabalhadores, preconizados pelos mtodos de gesto modernos. Clulas de produo, grupos de trabalho e postos multifuncionais, a par outras tcnicas de gerencia-mento horizontal e responsabilizao do trabalhador, tpicas das normas de gesto de qualidade em voga, acomodam-se com naturali-dade estrutura participativa dos empreendimentos solidrios.24 A

    23

    Sem dvida esse o motivo da proliferao de cooperativas entre profissionais

    tradicionalmente vistos como independentes, tais como terapeutas, contabilistas,

    consultores e outros.

    24

    Resta como problema a freqente inexistncia de um gerenciamento profissional,

    dotado do cabedal especfico de conhecimentos desse campo e, sobretudo,

    apropriado metodologicamente a um contexto organizacional de autogesto. A

    esse propsito, vale recordar que administrar uma empresa funo de

    competncias adquiridas no lidar com problemas concretos, dadas antes pela

    experincia prtica socialmente compartilhada e subsidiariamente informadas pelo

    saber cientfico; este, no necessita estar plenamente sistematizado e revestido de

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    formao dos recursos humanos seja escolar, tcnico-profissional ou geral, visando ao desenvolvimento de uma cultura autogestionria e ao aperfeioamento permanente favorecida pelo compromisso de todos com a empresa e pelo papel decisivo exercido pelo fator traba-lho; valoriza-se mais o potencial de competncia interna (Peixoto, 2000, p. 55). Ora, educar simultaneamente para a participao e para o labor produtivo equivale a formar trabalhadores-gestores e a suplantar a diviso tpica da empresa capitalista. Desenham-se as bases de uma nova cultura profissional, dada pelo conjunto de competncias produ-tivas, pelo envolvimento mtuo com o futuro do empreendimento e, conforme prprio a todo mtier (Coutrot, 1999, p. 73), por uma de-ontologia referida a uma comunidade de pares.

    Vista de modo mais amplo, a questo incide na criao de no-vas foras produtivas nesse caso, intelectuais impulsionada por uma nova forma social de produo, a exemplo do ocorrido na aurora do capitalismo. Instaurada socialmente aquela demanda, pela presena da nova forma, introduz-se o processo inovador e criativo de desenvol-vimento das faculdades humanas, cuja solues, por seu turno, so suscetveis de retroalimentar a demanda, em ciclos sucessivos. Alm de o trabalho associado como tal equiparar-se a uma fora produtiva especfica da maior importncia, factvel, nos empreendimentos au-togestionrios, que o avano das capacidades subjetivas tome o passo da renovao dos processos materiais de produo, forando a que esses venham a reconstituir-se progressivamente sobre outras bases. Desta feita, ento, a nova forma social de produo no estaria crian-do uma nova base tcnica em sentido estrito (inovaes tecnolgicas, instrumentos, etc.), mas sim em vias de absorver solues j dispon-veis (inclusive as chamadas tecnologias alternativas), convertendo-as sua lgica prpria.25

    autoridade hierrquica para ter vigncia e ser chamado a intervir, tanto mais se a

    experincia a ele referida encontra-se favorecida pelo interesse mtuo e pelo

    aprendizado coletivo (Singer, 2000, p. 19-22).

    25

    Considerados os impasses de nossa atual marcha civilizacional, a supremacia a ser

    alcanada no futuro por formas de produo superiores, diante dos padres

    mpares de produtividade e eficincia do capitalismo, provavelmente repouse em

    parmetros de outra ordem, relacionados, por exemplo, racionalidade social e

    sustentabilidade.

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    A introduo de novas foras produtivas, em anttese s que sustentam o modo material de produo dominante, um processo eminentemente social, sujeito a descontinuidades e a reveses, no um fruto instantneo da materialidade. Novos arranjos sociais lhe so im-prescindveis para que ponha em xeque, por contraposio e substitu-io, as relaes de produo com ela incompatveis, assim reafir-mando, ao longo do tempo, a sua forma social especfica. Desdobra-da em repetidos vais-e-vens, em captulos de desenlace incerto, a essa dialtica os fatos levam a crer que estamos presenciando.

    Assim, coloca-se a possibilidade de reverso daquele processo vital ocorrido nos primrdios do capitalismo, de separao entre o trabalhador, os meios de trabalho e o seu produto, separao em que se assentam a alienao e a submisso ideolgica do proletariado. As experincias concretas de solidarismo econmico teriam a faculdade de arrancar os trabalhadores de um contexto prtico de reiterao da conscincia alienada, quer no agir, quer nos fins que elege. So reais as chances para que se recupere e se reintegre s pessoas a riqueza dos contedos do trabalho e da vida coletiva em geral, de modo que interajam por suas qualidades, no na pobreza e na homogeneidade das suas carncias (Razeto, 1997, p. 94).

    Sob o prisma das relaes que cultivam entre si e com os de-mais agentes econmicos, as iniciativas solidrias vivem um momento de ebulio, ao mesmo tempo que de debilidade. A todo instante, surgem novas organizaes de crdito, troca e consumo solidrio, alm de notcias de avanos nas que j existiam, gerando um ambien-te prdigo em encontros e projetos de cooperativas de crdito, ban-cos populares, moedas sociais, redes de troca, etc. Entretanto, salvo poucas iniciativas de maior porte ou relativa maturidade, esses meca-nismos so experimentais: valem por seu significado intrnseco, no pelo seu impacto. Para assegurar sua reproduo, os empreendimen-tos solidrios precisam lidar adaptativamente com as externalidades capitalistas. As tentativas de romper o crculo, por meio de contatos, trazem reforo moral e poltico, mas carecem por hora de prticas

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    efetivas de intercmbio econmico, tanto mais quando envolvem segmentos e atores sociais diferentes.26

    No obstante, possvel sumariar elementos com razovel po-tencial para que circuitos de economia solidria prosperem.27 De um lado, o forte enraizamento local da economia solidria favorece a que possa apoiar-se no que est mo - trabalho, saberes populares, ener-gias morais, recursos polticos e institucionais realimentando siner-gias e explorando matrizes econmico-produtivas dotadas de alta ra-cionalidade social. Ela contribui para dinamizar o enorme potencial de recursos humanos e materiais que jaz em repouso nas esferas no-mercantis e

    mercantis da sociedade (Franco, 1996, p. 12). Est apta a inserir-se em um padro de desenvolvimento sustentvel, estao final da lgica predatria da economia meramente concorrencial. Por outro lado, contrariando a idia de que o espao econmico esteja tomado com-pletamente pelo capitalismo global, as empresas solidrias tendem a ocupar nichos de mercado, parcialmente protegidos da grande con-corrncia, e a estabelecerem prticas de troca favorecidas pelos laos de confiana conquistados junto aos seus clientes.28 Por fim, as expe-rincias de intercooperao de maior vulto, ao se expandirem e mul-tiplicarem, vm a revitalizar formas de vida econmica diversas, i-gualmente atpicas diante do capitalismo, das quais dependem fraes importantes de trabalhadores. Elas estimulam e sustentam expresses de uma economia do trabalho, atenuando sua vulnerabilidade s im-posies do capital.29

    Vem de longe o debate sobre a eficincia das empresas autoge-ridas, em confronto com aquelas de iniciativa privada. A fora dos

    26

    O que no um demrito, posto que inexiste provavelmente outra maneira de

    comear. Mesmo no sul do pas, regio considerada solidariamente frente, no se

    constata uma integrao sistmica, mas sim a coexistncia de experincias

    modelares, em linha de convergncia ou de desencontro, direcionadas a setores

    sociais distintos, em cuja rbita gravita um certo nmero de atores e organizaes.

    27

    Para uma defesa, terica e poltica, das redes solidrias, ver Mance, 2001.

    28

    Tais relaes de proximidade, cuja ausncia onera formidavelmente a grande

    empresa com estratgias de marketing, so na verdade um patrimnio da

    economia popular, ou do andar de baixo da civilizao, como diria F. Braudel.

    29

    Vale a respeito ter em conta a CRESOL, a mais abrangente e comprovada

    experincia de crdito a produtores rurais, operante nos trs Estados do sul do

    pas, por seu impacto positivo sobre a pequena produo familiar (Cf. Singer e

    Souza, 2000). Sobre a importncia do desenvolvimento local e regional, ver

    Coraggio, 2001.

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    argumentos em prol da superioridade das primeiras dos quais evi-denciamos, acima, apenas os aspectos mais visveis luz de anlises empricas recentes no permite desconhecer que a sorte da econo-mia solidria depende igualmente de um novo sistema de regulao, capaz de ordenar dinamicamente as regras do jogo econmico, de modo a generalizar suas prticas ao conjunto da sociedade e viabilizar uma transposio de escala das iniciativas que proliferam em pequena dimenso. Uma questo poltica, portanto, de escolha entre sistemas econmicos alternativos, conforme os interesses que se queira preva-lecer. Ao mesmo tempo, uma via de combate contra os efeitos nega-tivos da economia de mercado, em defesa das formas de vida econ-mica dotadas de outros fundamentos.

    * * *

    Uma dificuldade das teorizaes politicamente motivadas es-capar de formulaes genricas, habitualmente dotadas de alguma dose de voluntarismo, o que as faz recarem, sob aparncia de cincia crtica, numa filosofia da histria marcada por apriorismos e teleolo-gias. Fugindo s armadilhas da predio, cabe teoria, firmemente apoiada na anlise histrica, elucidar as condies para que determi-nados processos de mudana social tenham lugar. A cada passo da anlise, importa dar conta do escopo dos processos histricos, distin-guindo suas respectivas causaes e temporalidades. Havendo desa-cordo, deve-se demonstrar, tambm teoricamente, que tais requisitos so infundados ou j encontram-se atendidos.

    O exerccio a que nos livramos deixa estremecida a noo de que a economia solidria constitui uma alternativa ao capitalismo, ao evidenciar a complexidade dos fatores em jogo. De outra parte, no alimenta as teses mais reticentes, ao concluir que os empreendimen-tos solidrios esto aptos a credenciarem-se como formas consisten-tes de vida econmica, sem forosamente cingirem-se por limites prprios ou por externalidades que os condenariam a um solidarismo de casamata ou a um fenmeno sazonal, reativo s flutuaes da eco-nomia de mercado.

    Entretanto, o rigor da anlise torna insuficiente afirmar a fora da solidariedade, uma vez esteja introjetada como princpio do agir.

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    Antes, cabe admitir que a adeso dos trabalhadores s prticas de co-operao e reciprocidade no se mantm porque os mesmos se vem instados moralmente a faz-lo, mas primordialmente por verificarem, por eles prprios, que desse modo satisfazem mais plenamente os seus interesses, que obviamente no necessitam ser apenas utilitrios, embora em certa medida no possam deixar de s-lo. Reside nesse ponto a importncia decisiva de demonstrar a superioridade da forma social de produo solidria, diante de outras alternativas oferecidas ao trabalhador.

    Da percepo dessa simbiose entre interesses prprios e alhei-os, nasce o interesse comum, base da ao de classe, entre indivduos similarmente situados no processo de produo da vida material. Quando uma nova forma de vida econmica corporifica-se, projeta consigo novos grupos, compelindo-os, segundo as circunstncias, a lutarem por sua afirmao. Na transio para o capitalismo, os alvos da burguesia nascente foram as corporaes de ofcio e tudo mais que entravava a livre iniciativa. A lgica objetiva das transformaes his-tricas, posta em exergue nessas pginas, definir o seu curso medi-da que os atores em cena incidam sobre as condies que encontram, e na proporo em que essas sustentem, por sua vez, aqueles prota-gonismos.

    (Recebido para publicao em novembro de 2003)

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