“Geisel” Hoffmann, aqui pra você, ó!

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Criança Guarani do oeste paranaense (Foto: Renato Santana/Cimi) – Xikão Xukuru (Foto: Arquivo/Cimi) – II Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins (Foto: Renato Santana/Cimi) – Ocupação ao canteiro da UHE Belo Monte (Foto: Ruy Sposati) Embalado pelas mobilizações de abril, com ocupações à Câmara Federal e Palácio do Planalto, o movimento indígena realizou, em maio, retomadas país afora, tomou de assalto o principal canteiro da UHE Belo Monte, no Pará, e viu o Estado responder com o assassinato, no Mato Grosso do Sul, de mais um indígena: Oziel Gabriel Terena, pelas mãos da polícia. Páginas 8, 9, 10, 11 e 12 II Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins Página 13 Xikão Xukuru, presente! Página 14 ISSN 0102-0625 “Geisel” Hoffmann, aqui pra você, ó! Páginas 2, 3, 5, 6 e 7 Ano XXXV • N 0 355 • Brasília-DF • Maio 2013 – R$ 5,00 Maio Rebelde

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Embalado pelas mobilizações de abril, com ocupações à Câmara Federal e Palácio do Planalto, o movimento indígena realizou, em maio, retomadas país afora, tomou de assalto o principal canteiro da UHE Belo Monte, no Pará, e viu o Estado responder com o assassinato, no Mato Grosso do Sul, de mais um indígena: Oziel Gabriel Terena, pelas mãos da polícia.

Páginas 8, 9, 10, 11 e 12

II Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins

Página 13

Xikão Xukuru, presente!

Página 14

ISSN

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2-06

25

“Geisel” Hoffmann, aqui pra você, ó!

Páginas 2, 3, 5, 6 e 7

Em defesa da causa indígenaAno XXXV • N0 355 • Brasília-DF • Maio 2013 – R$ 5,00

Maio Rebelde

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2Maio–2013

Agenda de Dilma revela opção do governo

Porantinadas

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Paulo Suess, Marcy Picanço, Saulo Feitosa, Roberto Liebgot, Elizabeth Amarante Rondon e

Lúcia Helena Rangel

Opinião

Cleber César BuzattoSecretário Executivo do Cimi

público e notório o fato de que os povos indígenas vivem no Brasil o momento mais difícil, de maior ataque e violação aos seus

direitos, desde o período da ditadura militar. A agenda oficial da presidenta Dilma Rousseff, passados mais de dois anos de seu mandato, considerando de forma particular o mês de maio de 2013, nos oferece um qualificado indicativo para entendermos o grau de envolvimento do governo brasileiro na conjuntura político indigenista e agrária no Brasil. Neste sentido, julgamos importante citar alguns dos compromissos oficiais da presidenta, neste mês, que consideramos intimamen-te vinculados ao tema.

No dia 03 de maio, Dilma participou da abertura oficial da Exposição de Gado Zebu, a Expozebu, em Uberaba, Minas Gerais (MG). Na ocasião, Pelé, “embaixa-dor” da campanha do Time AgroBrasil, promovida pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e Sebrae, entregou à presidenta da República o título de sócio nº 20.000 da Associação Brasileira de Gado Zebu. Ao lado de Pelé e Dilma, dentre outros, estava a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (PSD/TO), represen-tante máxima do ruralismo anti-indígena no Brasil.

No dia 08 de maio, a presidenta se reuniu com a ministra da Casa Civil, Gleisy Hoffmann. A audiência ocorreu momentos após a ministra ter prometido à bancada ruralista e a uma claque de latifundiários representantes de sindicatos vinculados à CNA, em audiência na Comissão de Agri-cultura da Câmara dos Deputados, que o governo suspenderia procedimentos de demarcação de terras indígenas, com base em estudos da Empresa Brasileira de Pes-quisa Agropecuária (Embrapa), e mudaria o procedimento de reconhecimento e de-marcação destas terras. A mesma ministra voltou a prometer a suspensão de demar-cações a políticos e “produtores” rurais do estado do Rio Grande do Sul (RS) no dia 23 de maio. No seu estado natal, o Paraná, ela mesma já havia solicitado a suspensão das demarcações de terras indígenas ao Ministério da Justiça no dia 07 de maio.

É

Gleisi não explica suspensões...

Apesar da ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann dizer que a suspensão nas demarcações de terras no Paraná e Rio Grande do Sul ocorreram com base em parecer da Embrapa, a própria empresa disse, em nota pública, que não tem competência para realizar estudos antropológicos, além de outras atribuições da Fu-nai. Não é por nada que a própria ministra não embasou sua decisão com dados científicos. Mais uma vez a política de alianças falou mais alto.

...se prepara para 2014...

A ministra, porém, sabe que tal medida pode melhorar sua imagem diante do agronegócio paranaense. Por outro lado, ela e cada muda de soja sabem da força política do setor numa eleição e Gleisi é pré-candidata do PT ao governo em 2014. Aliados parti-dários da ministra no estado, por sinal, são atrelados ao latifúndio, caso do prefeito de Guaíra, Fabian Vendruscolo – a cidade fica no oeste paranaense é a região onde o conflito entre os Guarani e fa-zendeiros é mais acirrado.

...e atende Dilma de forma constrangedora

Para Gleisi a Funai é parcial, como tudo o é dentro do gover-no quando o caso contraria o Palácio do Planalto. A presidente Dilma Rousseff parece que decidiu atender ao coro dos descontentes em não ter as terras indígenas ou de não conseguir ficar sobre elas sem resistência. O fato é que Gleisi falou sem saber e teleguiada por uma política de governo que as ruas passaram a questionar. A mi-nistra, portanto, nadou e morreu na praia, pois sua cabeça é uma das mais cotadas a rolar pela rampa do Palácio do Planalto.

MARIOSAN

Ainda no dia 08 de maio, a presidenta esteve reunida, no Palácio do Planalto, com Fábio Barbosa, presidente-executivo do Grupo Abril S/A. Não custa lembrar que o Grupo Abril S/A controla, dentre outros veículos de comunicação, a revista Veja, histórica defensora das teses do agrone-gócio, aliada de primeira hora da ditadura militar e violenta algoz dos povos indíge-nas, entidades indigenistas e movimentos sociais do campo no Brasil.

Na agenda oficial consta ainda que, no dia 20 de maio, Dilma visitou a Associação de Fornecedores de Cana de Pernambuco, em Recife, e que, no dia 28 de maio, rece-beu, em audiência particular, no Palácio do Planalto, a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (segundo encontro em menos de um mês).

Há mais de dois anos, representantes dos 305 povos indígenas do Brasil pedem uma audiência com Dilma Rousseff. Em abril, cerca de 700 representantes destes povos chegaram a ocupar a parte externa do Palácio do Planalto cobrando uma conversa com Dilma. Até o momento, no entanto, a presidenta não encontrou tempo em sua agenda para qualquer reu-nião oficial com os líderes indígenas. No entanto, como podemos ver acima, em menos de um mês, Dilma dedicou seu tempo de presidenta da República para, ao menos, cinco agendas oficiais com o agronegócio e seus representantes polí-ticos. Representantes estes responsáveis por dezenas de instrumentos de ataque aos direitos dos povos indígenas previstos na Constituição Brasileira, a exemplo das Propostas de Emendas Constitucionais

(PECs) 215/00, 038/99 e 237/13 e do Pro-jeto de Lei (PL) 1610/96.

Há mais de dois anos, os Guarani e Kaiowá, do Mato Grosso do Sul (MS), tentam, sem sucesso, serem ouvidos por Dilma. Em menos de um mês, Dilma reservou tempo para falar cinco vezes com porta-vozes dos invasores das terras tradicionais deste povo. Vale ressaltar que a invasão das terras indígenas por latifundiários foi a causa central das 852 mortes violentas de indígenas no Mato Grosso do Sul, nos últimos 10 anos, dentre elas as de Nísio Gomes, do tekoha Guai-viry, em novembro de 2011, de Eduardo Pires, do tekoha Arroio Kora, em agosto de 2012, e a do jovem Denilson Barbora, da aldeia Te’Yikue, em janeiro de 2013.

Dilma parece nem cogitar a possi-bilidade de usar parte de seu tempo de presidenta da República para sair do Palácio e falar com os povos na ocupação do canteiro de obras da UHE Belo Monte, em Altamira (PA), que pedem para serem ouvidos acerca de decisões que dizem respeito à sua existência futura enquanto povos. Mas Dilma reservou tempo sufi-ciente, neste mês de maio, para visitar, falar e ouvir os donos de gado zebu, em Uberaba (MG), e os donos de canaviais, em Pernambuco.

Em mais de dois anos de mandato, Dilma ainda não falou com os povos indígenas. Ela é a única presidente desde a época da ditadura a não recebê-los. No entanto, em menos de um mês, ela teve tempo para falar, pelo menos, cinco vezes com seus algozes. A agenda da presidenta Dilma revela a opção do governo.

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3 Maio–2013

Na foto ao lado, cacique Estevão Garay Guarani Mbyá em plantação de mandioca do tekoha Arroio Divisa, acampamento às margens de rodovia federal no Rio Grande do Sul. Na foto abaixo, tekoha Mato Castelhano, também às margens de rodovia no RS

U

Conjuntura

Dalmo de Abreu DallariJurista

ma vez mais – e agora com a colaboração ativa de setores do governo federal – está em curso uma tentativa de

negar cumprimento às determinações constitucionais de reconhecimento e proteção dos direitos das comunidades indígenas sobre as terras que tradicio-nalmente ocupam, para entregar essas terras aos investidores do agronegócio. O dado novo é que a iniciativa ostensiva da nova investida contra os direitos indígenas vem da cúpula do governo federal, que é justamente o principal responsável pela defesa desses direitos, por expressa e muito clara determina-ção constitucional.

É oportuno lembrar que a última tentativa de retirada da proteção des-ses direitos foi feita por meio de uma proposta de emenda constitucional, a PEC 215, de autoria de um deputado do estado de Roraima, que, absur-damente, pretendia transferir para o Legislativo a tarefa, essencialmente administrativa, de demarcação das áreas indígenas. Essa tentativa não prosperou, por sua evidente inconsti-tucionalidade e pelo reconhecimento da absoluta impossibilidade prática de incumbir o Legislativo de realizar tarefas para cuja execução ele não tem qualquer preparo nem as mínimas condições práticas. A denúncia desse absurdo criou um obstáculo para o avanço daquela proposta.

Agora a investida dos interesses do agronegócio sobre as terras indí-genas vem, surpreendentemente, da cúpula do Poder Executivo federal. Quem aparece como propositora de um novo tratamento da questão da identificação e demarcação das terras indígenas pelo governo federal é a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisy Hoffmann, que não tem a mínima fami-liaridade com o assunto, jamais tendo participado de qualquer atividade com ele relacionado.

É também oportuno e necessário lembrar que já existe, na estrutura do governo federal um órgão especiali-zado nas questões indígenas, que é a Funai (Fundação Nacional do Índio), criada pela Lei federal nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, em substituição ao antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que existia desde 1910. Por seu objetivo específico, a Funai vem acumu-lando conhecimentos e experiências no trato das questões indígenas.

O que tem sido denunciado há vários anos, sem qualquer efeito prático, é que, certamente por influência de poderosos interesses econômicos e, em decorrên-cia, de poderes políticos, a Funai não tem recebido o apoio necessário para o melhor desempenho de suas tarefas, entre as quais se inclui a demarcação das áreas indígenas, intensamente cobiçadas por investidores do setor agrícola.

É pública e notória a interferência do agronegócio nessa área, já tendo sido objeto de informações porme-norizadas e de muitos comentários a atuação da senadora Kátia Abreu, cuja família é ocupante de grandes áreas rurais no estado de Tocantins e que acumula, ilegalmente, o desempenho

do mandato de senadora com o exer-cício da presidência da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), dando indisfarçável preferência aos interesses dessa área quando eles se opõem aos interesses de todo o povo brasileiro, como ficou evidente na discussão da alteração do Código Florestal, ou a interesses de setores sociais especialmente protegidos pela Constituição, como é o caso das comu-nidades indígenas.

Inúmeras vezes têm sido alegada a insuficiência dos meios de que dispõe a Funai para o cumprimento, pelo governo federal, da obrigação cons-titucional de demarcação das terras indígenas, estabelecida no artigo 231

Governo contra os índios

da Constituição de 1988. O que se tem deixado muito evidente é que há anos não são dados à Funai os recursos de que ela necessita, ficando muito claro o propósito de utilizar a inoperância da Funai como pretexto para transferir a outros setores do governo (ou de fora do governo, como se viu pela PEC 215) a tarefa de reconhecimento e demarcação das áreas indígenas, com o indisfarçá-vel objetivo de redução substancial da extensão dessas áreas.

Pela proposta agora encampada pela ministra-chefe da Casa Civil, no processo de identificação e demarca-ção das terras indígenas deverão ser considerados, com especial atenção, dados do Ministério da Agricultura e do Ministério das Cidades, parecendo haver a intenção de colocar em plano secundário a Funai, que se limitaria a fornecer laudos antropológicos. Um ponto que causou estranheza foi o deslocamento do assunto da área do Ministério da Justiça, ao qual a Funai está vinculada, para a Casa Civil.

Nada impede que outros órgãos do governo federal sejam consultados e forneçam informações à Funai, mas esta, por sua natureza, por sua orga-nização e pela experiência acumulada, é que deve ter a principal responsabi-lidade no cumprimento do encargo de dar efetividade a essa obrigação constitucional do governo da Repúbli-ca. Espera-se que o ministro da Justiça tome conhecimento das intenções da Casa Civil e que use sua influência para que a Funai receba mais recursos e, com a colaboração de outros setores do governo, acelere o processo de demarcação das áreas indígenas. n

Agora a investida dos interesses do agronegócio sobre as terras indígenas vem, surpreendentemente, da cúpula do Poder Executivo federal. Quem aparece como propositora de um novo tratamento da questão da identificação e demarcação das terras indígenas pelo governo federal é a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisy Hoffmann, que não tem a mínima familiaridade com o assunto, jamais tendo

participado de qualquer atividade com ele relacionado.

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J.Roshade Manaus (AM)

erca de 40 casos de malária foram constatados entre os indígenas Pirahã, na região do Rio Maici, em Manicoré (AM), localizada a 434

quilômetros de Manaus. Esse número re-presenta 14,3% dos Pirahã, cuja população é de 286 pessoas, de acordo com informa-ções da Organização dos Povos Indígenas Torá, Tenharim, Apurinã, Mura e Parintintin e Pirahã (Opittampp).

Segundo Helton Rodrigues Paes, coor-denador da Organização, em apenas alguns dias do mês de maio foram confirmados cinco casos de malária nas aldeias Cacai e Passabem. Os indígenas acometidos pela doença não quiseram se deslocar para a cidade de Manicoré, para onde a equipe da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), leva os doentes. “Isso representa um problema porque a equipe deveria ficar na área para acompanhar o tratamento”, disse Helton.

Os indígenas Pirahã ou Mura-pirahã são caçadores e coletores, de pouco con-tato com os não-indígenas. Eles habitam um trecho das terras cortadas pelo Rio Marmelos e quase toda a extensão do Rio Maici, no município de Humaitá.

Deni enfrentam outro surtoOs indígenas Deni do Rio Xeruã, afluen-

te do Juruá, no sul do Amazonas, estão enfrentando mais um surto de malária.

A informação é da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no municí-pio de Tefé, onde a entidade, juntamente com organizações indígenas e a Secretaria Municipal de Assuntos Indígenas de Tefé, fará um levantamento do quadro da saúde indígena até o início de julho.

A equipe do Cimi Norte I não tem dados precisos sobre o número de pessoas afeta-das pela malária, mas alerta que há muitos doentes em várias aldeias. Na comunidade Morada Nova, funciona o Pólo Base da Se-sai, que encontra muitas dificuldades para atender as mais de 150 comunidades na área de abrangência do Distrito Sanitário Especial (Dsei) de Tefé, que é formado por 10 municípios do Médio Solimões.

“Falta combustível, falta barco, as equipes multidisciplinares não são bem preparadas e não são completas. Também faltam medicamentos, além de outros problemas mais graves que precisam ser investigados”, diz Raimundo Nonato Fi-lintro de Freitas, coordenador da equipe do Cimi de Tefé. Segundo ele, a malária também tem aumentado entre os indíge-nas Katukina, no município de Jutaí e entre os Maku da aldeia Nova São Joaquim, no município de Japurá.

No início da década de 1990, uma epidemia de malária vitimou 67 indígenas Deni, de uma população de 255 pessoas. Antes disso, os Deni sofreram com uma epidemia de tuberculose, que os impediu de realizar atividades econômicas durante muitos anos. n

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No início da década de 1990, uma epidemia

de malária vitimou 67 indígenas

Deni, de uma população de 255 pessoas. Antes disso,

os Deni sofreram com uma

epidemia de tuberculose,

que os impediu

de realizar atividades

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muitos anos

Saúde indígena

Malária atinge Deni e 14,3% do povo Pirahã

Em mobilizações, povos reivindicam melhor atendimento no ParáCimi Regional Norte II

urante 10 dias do mês de maio, indígenas das et-nias Gavião, Suruí, Xikrim, Asurini e Tembé inter-ditaram duas rodovias da região sudeste do Pará

em protesto contra o péssimo serviço de atendimento à saúde dos povos indígenas no estado. As rodovias ocupadas foram a BR-15, que liga a localidade de São Domingos do Araguaia a São Geraldo do Araguaia, e a BR-222.

É a segunda manifestação de indígenas em menos de um mês. Eles denunciam especialmente a preca-

riedade do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Guamá-Tocantins, coordenado por Daniela Cavalcante, de quem os índios exigem a exoneração.

No final do mês de abril, os índios Tembé, Gavião e Xicrim ocuparam o Dsei e a Casa de Saúde Indígena (Casai) em Belém, também reivindicando mudanças na coordenação. Eles avaliam que, um ano após o início da atual gestão, os procedimentos de saúde nas aldeias pioraram com a total e ou parcial paralisação da atenção à saúde indígena, como a interrupção da construção de postos, compra de veículos sucateados e sem condições de uso, falta de medicamentos básicos nos postos, per-

seguição política e assédio moral a servidores indígenas e não indígenas. Os indígenas afirmam que precisam pagar do próprio bolso as passagens para tratamentos em Belém, além dos medicamentos e dos exames.

O governo federal, por meio do Ministério da Saú-de, não sinalizou nenhuma possibilidade de diálogo com os manifestantes. Pelo contrário, liberou recursos e veículos para aldeias que não participaram das ma-nifestações, demonstrando o propósito de investir na divisão dos povos indígenas em vez de no diálogo. O procurador Felício Pontes abriu investigação sobre o uso e a aplicação dos recursos da saúde indígena. n

Mais uma criança morre com pneumonia no Vale do Javari

o dia 12 de maio, morreu mais uma criança indígena vítima de pneu-monia grave na cidade de Atalaia

do Norte. Joãozinho Capistana Kulina, de aproximadamente um ano de idade, era da aldeia Campinas, localizada no médio Rio Javari.

Segundo Artêmio Capistrana Araújo Kulina, membro do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), a criança estava internada no hospital de Tabatinga. Em vir-tude de seu estado grave, sua remoção para

tratamento em Manaus teria sido solicitada no dia 7 e, devido à demora, Joãozinho aca-bou por falecer na noite do dia 12.

“Os indígenas estão revoltados com esse estado de coisas”, disse Clovis Ru-fino Marubo, da Associação Marubo de São Sebastião (Amas). Com a morte desta criança, sobe para onze o total de óbitos registrados na região do Vale do Javari entre janeiro e maio deste ano, de acordo com dados do Condisi. “A maioria das mor-tes foi de crianças”, diz Artêmio Kulina. n

Lideranças denunciam mortes e precariedade em Tapauá

Cimi Norte I

uas crianças e dois idosos indí-genas morreram nos últimos me-ses no município de Tapauá, no

Amazonas, sem que tivessem recebido assistência adequada, de acordo com denúncia feita por Valdimiro Farias da Silva Apurinã, coordenador da Federa-ção das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp). Segundo a denúncia, no dia 06 de março, Ana Clara Farias Da Silva, bebê de cinco meses de idade, faleceu aco-metida por vômito e diarreia. No dia 14 de fevereiro, na Terra Indígena São João, morreu Mocinha Souza Da Silva, idosa, vítima de diarreia e desnutrição.

“No dia 18 de janeiro, o senhor João Zeca Da Silva Apurinã, idoso e forte, veio a falecer repentinamente com febre, devido a um arranhão num prego.A comunidade até agora está assustada com sua morte repentina”, relata Valdimiro em documento enca-minhado à coordenação regional do Cimi, Regional Norte I (AM/RR). Ele cita ainda o caso de uma criança que nasceu

morta, filha de Ana Lúcia da Silva, no dia 12 de fevereiro.

Além de denunciar estas mortes, o dirigente da Focimp está solicitando da coordenação local da Fundação Na-cional do Índio (Funai) a substituição de dois guardas da segurança que esta-riam agindo de forma preconceituosa e desrespeitosa contra os indígenas. “Os seguranças não têm o perfil adequado para trabalhar com as populações indí-genas, pois não nos respeitam e tratam os nossos parentes com desprezo e preconceito”, informa.

Os indígenas também apontam os seguintes problemas decorrentes do precário atendimento à saúde: inexis-tência de polos-base, poucas ações nas comunidades por parte da equipe mul-tidisciplinar, falta de capacitação dos conselheiros que atuam no controle social, aumento dos casos de malária, inexistência de um sistema de sanea-mento básico e abastecimento de água potável por meio de poço artesiano, prejudicando, sobretudo, as crianças que sofrem com disenteria e outras doenças de veiculação hídrica. n

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5 Maio–2013

Hora de trocar os óculos: ministra Gleisi Hoffmann, limpando as lentes do óculos durante audiência, suspendeu demarcações no Rio Grande do Sul e Paraná com base em suposto laudo da Embrapa atestando a inexistência de indígenas nas regiões reivindicadas como tradicionais

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Luta pela Terra

Patrícia Bonilhade Brasília (DF)

corrente campanha de des-monte da Fundação Nacional do Índio (Funai), realizada pelo próprio governo federal, teve

seu ápice no dia 08 de maio com a par-ticipação da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, na audiência pública realizada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvi-mento Rural, na Câmara dos Deputados. Aplaudida pelos parlamentares ruralis-tas, ela correspondeu prontamente aos desejos da bancada e anunciou que até o final deste semestre será definido um novo marco regulatório para os proces-sos de demarcações das terras indígenas.

Porém, antes que o marco seja oficializado, o Palácio do Planalto já suspendeu as demarcações de terras indígenas no estado do Paraná, com base em análises da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) sobre estudos da Funai. A intenção vai além: relatórios do Ministério do Desenvolvi-mento Agrário (MDA), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Ministério das Cidades também serão levados em consideração.

Logo em sua fala de abertura, Gleisi afirmou que “a Funai é um órgão en-volvido com os interesses indígenas”, e que, portanto, ela não é imparcial, colocando sob suspeição a compe-tência da instituição para desenvolver as atribuições que estão sob a sua responsabilidade. A deixa da ministra para os ruralistas foi bastante clara, e não podia ser mais perfeita. Mas ainda havia mais por vir.

Após inúmeras falas nervosas e contundentes em que a Funai, este ór-gão público do governo federal - é bom lembrar - foi chamada pelos deputados ruralistas de criminosa, vigarista, fraudu-lenta, incompetente, desonesta, dentre outros adjetivos, a ministra-chefe da Casa Civil afirmou que “a Funai não está preparada e não tem critérios claros para fazer a gestão de conflitos. Ela não tem a capacidade para fazer a mediação [entre índios e agricultores] pelo envolvimento que tem com os índios”. Era tudo o que os ruralistas queriam ouvir: falava contra a Funai a voz delegada pela Presidência da República.

Raposa no galinheiroNeste sentido, além dos critérios

antropológicos, o governo também quer ter acesso a dados “qualificados” sociais e econômicos das áreas em processos de demarcação. “Queremos um mapa carto-gráfico sobre a ocupação do território. Queremos saber qual a produtividade na área, por quanto tempo os produtores tomaram crédito do governo, há quanto tempo há presença indígena. Porque os processos de demarcação estão mais tensos agora que se realizam sobre áreas antropizadas”, declarou Gleisi, candidata virtual ao governo do Paraná nas eleições de 2014, primeiro estado a ter as demarcações suspensas.

A fala da ministra deixou inúmeras dúvidas. Se a Funai, o órgão indigenista governamental, com o seu histórico de atuação e quadro de profissionais especializados em questões indígenas, não é a instituição mais adequada para realizar os processos de demarcação, definidos, em última instância, pelo

Ministério da Justiça, qual poderá ser? A Embrapa e o Mapa – com atuações direcionadas para o fortalecimento do agronegócio - têm legitimidade para isso? Se invasores, que expulsaram indígenas há décadas de suas terras tradicionais, tiverem qualquer tipo de produção nestas terras atualmente, isso impossibilita os índios de recuperarem seus territórios? Quem vai ser a insti-tuição que vai analisar as contribuições de todos os órgãos e dar a palavra final sobre a demarcação da terra?

Tudo muito bem articuladoO espetáculo protagonizado pela

ministra da Casa Civil e pelos ruralistas já vinha sendo armado há bastante tempo. Há meses, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, faz declarações à imprensa indicando que a Funai não deve ser o órgão com preponderância para definir a demarcação das terras indígenas, tal como determina a Cons-tituição Federal. Mais recentemente, no dia 29 de abril, em Campo Grande (MS), a presidenta Dilma foi vaiada por ruralistas que protestavam contra a demarcação de terras indígenas. A partir daí uma ava-lanche de boatos têm sido diariamente estampados nas páginas dos jornais so-bre a possível demissão da presidenta da Funai, Marta Maria do Amaral Azevedo.

No dia 7, com base em análise da Embrapa, a ministra Gleisi pediu ao Ministério da Justiça a suspensão de estudos da Funai para a demarcação de terras indígenas no Paraná. Este ato foi divulgado pela mídia como “uma inter-venção de Dilma na Funai” e agradou bastante a ala ruralista um dia antes da ministra Gleisi ir “se explicar” no par-

lamento sobre a demarcação de terras indígenas neste governo, atendendo a convocação da bancada ruralista.

No entanto, a Embrapa soltou uma nota no dia 9, afirmando que o órgão de pesquisas “não tem por atribuição opinar sobre aspectos antropológicos ou étnicos envolvendo a identificação, declaração ou demarcação de terras in-dígenas no Brasil. Essa é uma atribuição da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça”. Mesmo assim, a Embrapa está analisando processos de demarcação em outros três estados: Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que poderão ser suspensos a qualquer momento. O assessor político da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Paulino Montejo, antevê as suspensões como ante-sala para um decreto que oficialize o flagrante desrespeito aos artigos 231 e 232 da Constituição Federal.

Coincidência ou não, a ministra Gleisi, um dia após pedir a suspensão das demarcações no Paraná, compare-ceu à audiência pública dos ruralistas, com as “boas” notícias sobre a efetiva-ção de um novo marco regulatório para as demarcações de terras indígenas até o mês de junho. Na prática significa, em um primeiro momento, o esvaziamento e desmonte completo da Funai.

A tragédia vai alémMuniciados pelo fato de que mem-

bros do alto escalão do governo, além da própria presidenta Dilma, coloca-ram sob suspeita a própria Funai, os deputados ruralistas – todos homens, brancos, com mais de 50 anos e falas

Governo cede a ruralistas e inicia desmonte da Funai com suspensão de demarcações

Foto: Antônio Cruz/ABrFoto: Renato Santana/Cimi

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6Maio–2013

Acampamentos indígenas

às margens de rodovias

federais no Rio Grande do Sul:

O espetáculo protagonizado

pela ministra da Casa Civil e

pelos ruralistas já vinha sendo

armado há bastante

tempo. Há meses, o

ministro da Justiça, José

Eduardo Cardozo, faz declarações à imprensa indicando

que a Funai não deve ser o órgão com

preponderância para definir a demarcação

das terras indígenas,

tal como determina a Constituição

Federal

Luta pela Terra

De Brasília

ovos indígenas de todo o Brasil reagiram com perplexidade, indignação e profunda contra-riedade à iniciativa do Palácio

do Planalto de modificar os processos de demarcação de terras indígenas, incluindo neles pareceres de órgãos vinculados ao agronegócio, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agro-pecuária (Embrapa) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Manifestações de indignação e repúdio também foram feitas em rela-ção à suspensão das demarcações de terras indígenas no estado do Paraná,

incrivelmente parecidas e defensoras dos interesses das elites – sentiram-se totalmente à vontade e apelaram para o princípio da isonomia constitucional, demandando que a suspensão dos processos de demarcação seja feita em todos os estados do Brasil.

“Esta audiência pública é um divi-sor de águas e tem como objetivo a suspensão de todas as demarcações. Não há alternativa”, afirmou de modo bastante nervoso o deputado Vilson Covatti (PP/SC), conhecido detrator dos povos indígenas e de seus aliados, imputando falsas acusações e respon-dendo a processos por tais atitudes em seu estado de origem.

A instalação da Comissão Especial sobre a PEC 215, que passa para o Legislativo a prerrogativa de definir as demarcações de terras indígenas, e a vigência da Portaria 303, que estende as condicionantes da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol para todas as terras indígenas do Brasil, também foram temas recorrentes e exi-gências apresentadas pelos ruralistas. Em relação a esta Portaria, o Advogado Geral da União (AGU), ministro Luís Inácio Adams, também assumindo cla-ramente de que lado está, afirmou que “quanto mais rápido for o julgamento dela, maior clareza e certeza teremos em relação às condicionantes, que estão absolutamente corretas em seu mérito. O objetivo é dar repercussão geral e a segurança do precedente. E, a partir disso, todos os processos de demarcação não finalizados deverão ser revistos retroativamente a partir desse julgamento da Portaria”.

Não satisfeitos com a série de ata-ques orquestrados contra os povos indí-genas, os parlamentares ruralistas ainda demandaram a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai, proposta recebida com aplausos pela

claque formada pelos latifundiários vindos do Paraná, Bahia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. No total, segundo os próprios deputados, cerca de 1.100 representantes dos fazendeiros foram trazidos destes estados para pressionar o governo federal.

Por outro lado, 50 indígenas esti-veram na audiência. Com o plenário tomado pelos ruralistas, que ultrapas-savam em muito o número de 50 repre-sentantes acordado com a presidência da Câmara, os indígenas demonstraram força e coragem. De forma altiva, dei-xaram seu recado – apesar da censura imposta pelos ruralistas. Após cerca de duas horas, com gritos de “aqui é casa de ruralista e não de índio” e posicionando-se contra as manifesta-

“Essa relação promíscua do gover-no com os ruralistas está colocando em risco a vida e o futuro dos povos indígenas. Para este setor minoritário do país são feitas concessões de todo o tipo, inclusive perdão de dívidas agrícolas e agrárias, financiamentos milionários e, o pior de tudo, a entre-ga de nossas terras para a produção e desenvolvimento do que os jurua - os brancos - chamam de agronegócio, que para nós é agromorte, porque mata a terra e todos os seres que nela habitam, inclusive nós os humanos, os povos indígenas”, afirmou o Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul (Capg). n

solicitadas pela ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, candidata ao go-verno daquele estado e com conhecidos vínculos com os ruralistas.

Dentre os movimentos que solta-ram notas públicas rechaçando estas propostas do governo e questionando a legitimidade e competência dos órgãos vinculados aos ruralistas para tratarem de demarcação de terras in-dígenas estão: Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), Associação Marúbo de São Sebastião (Amas), Povos Indígenas do Vale do Javari, Lideranças Kaingang no Rio Grande do Sul, Organizações e Povos Indígenas do estado do Acre, sudoeste

do Amazonas e noroeste de Rondônia, Lideranças Indígenas dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Ca-tarina, Conselho Indígena de Roraima (CIR) e Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul (Capg). Além destas, outras organiza-ções que se manifestaram repudiando as ações do governo federal são a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Associação Nacional dos Servidores da Funai (Ansef) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O deputado federal Padre Ton (PT-RO), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Po-vos Indígenas, também escreveu artigo criticando o governo federal.

ções preconceituosas dos deputados e da claque ruralista, retiraram-se da audiência. Segundo Fernando Giacobo, presidente da Comissão de Agricultura e Pecuária, que presidia a audiência, os índios não podiam se manifestar. No en-tanto, ele não deu o mesmo tratamento aos ruralistas, que se manifestavam com aplausos após cada fala dos ruralistas. Assim como a presidente Dilma Russeff, os latifundiários não gostam de ser contrariados.

Os pequenos usados pelos grandes

O deputado Dionilso Marcon (PT-RS) alertou para a necessidade de explicitar o jogo armado pela bancada ruralista que, segundo ele, nunca se manifesta

em nenhuma ação concreta para ajudar os índios que estão em situação de miséria. “O que me entristece é ver os pequenos agricultores e os quilombolas sendo colocados contra os índios. Os coronéis se escondem e estão usando os pequenos para atingir os seus obje-tivos”, afirmou. Ele também defende que a regularização fundiária precisa ser considerada. “São 196 proprietários que detém 336 mil hectares de terra. Destes, alguns são brasileiros. Muitas são multinacionais estrangeiras defen-didas por estes que aqui se posicionam contra os índios”, concluiu.

Já o deputado Ivan Valente (PSOL--SP) afirmou que para discutir questões indígenas importantes, como a PEC 215, era “fundamental que caciques

Indignado, movimento indígena reage às ações do governo federal

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7 Maio–2013

Cleber Cesar BuzattoSecretário Executivo do Cimi

recorrente o fato de que latifundiários do Brasil, par-lamentares ou não, inventam teses falaciosas, descarada-

mente mentirosas, as usam de forma exaustiva, de forma teatralmente apai-xonada a ponto de torná-las críveis a incautos cidadãos e ou a carreiristas políticos. Foi assim por ocasião da aprovação do novo Código Florestal. Insensíveis à opinião de mais de 90% da população brasileira, fizeram valer o poder da sua “democracia”. O objetivo ruralista do momento é a inviabilização do reconhecimento e demarcação das terras tradicional-mente ocupadas pelos povos indíge-nas no Brasil.

Para tanto, a estratégia da banca-da ruralista e da Confederação Nacio-nal da Agricultura (CNA) possui três vértices principais. O primeiro visa a “suspensão” de todos os procedimen-tos administrativos de demarcação de terras indígenas que estejam em curso. O foco da ação ruralista, nesse caso, é voltado ao Poder Executivo. O segundo busca a vigência da Portaria 303/12 da Advocacia Geral da União (AGU). O foco, para tanto, é o Poder Judiciário, especialmente, o Supremo Tribunal Federal (STF). Já o terceiro é a aprovação da PEC 215/00, com a qual a CNA e os ruralistas, finalmente, te-riam o poder nas próprias mãos para decidir acerca da “não” demarcação das terras indígenas no país.

Para os ruralistas, o primeiro vértice é temporário. É para “ganhar tempo”. O tempo necessário para que possam “conquistar” os outros dois pontos da estratégia. O governo Dilma dá sinais claros de que não vai colocar nenhum obstáculo no intento ruralista. Ao contrário do que tentou transparecer no caso do Código Flo-restal, de que teria sido vítima dos ruralistas, agora ministros do governo encamparam e reverberam, eles pró-prios, os argumentos falaciosos dos latifundiários.

Não satisfeito com a quase para-lisia impetrada ao órgão indigenista oficial, causa da retração e desgas-tante lentidão dos procedimentos de demarcação das terras indígenas, o governo Dilma anuncia “suspensão” de procedimentos de demarcação de terras indígenas, com base em “relatórios” produzidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuá-ria (Embrapa), e mudanças nestes procedimentos na perspectiva de

esvaziar ainda mais as atribuições da Funai, potencializando as forças pró--agronegócio, com o intuito evidente de inviabilizar demarcações em curso e ou futuras.

Para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e o Advogado Geral da União, Luiz Adams, entre outros que já tinham esta posição consolidada há mais tempo, a Funai foi transformada em “corpo estranho” merecedora de todo o descrédito almejado pelos fazendeiros.

Em relação a este ponto da es-tratégia ruralista antiindígena, tudo indica que, se depender do governo Dilma, o presente chegará melhor que a encomenda para os fazendeiros. Diante disso, aos povos indígenas não resta alternativa senão eles próprios fazerem a defesa de seus direitos. No atual contexto, diferentemente do que ocorreu no episódio do Código Florestal, quando a sociedade - mes-mo contrária às mudanças - reagiu com certa timidez diante da violenta ofensiva do agronegócio, para man-terem seus direitos, os povos indí-genas precisarão de disposição para enfrentamentos mais contundentes, urgentes e permanentes em todos os níveis, desde a aldeia até o “centro” do poder, em Brasília.

Nesse processo, no entanto, os povos indígenas e as suas lideranças em especial, precisam estar cientes que o inimigo é violento. Por ocasião da aprovação do Código Florestal, latifundiários ruralistas fizeram o seu “serviço de casa” costumeiro, assassinando e aplaudindo a morte de líderes ambientalistas. O caso mais notável, neste sentido, foi o do casal Maria do Espírito Santo e José Claudio Ribeiro, no Pará. Outros casos semelhantes ocorreram. A experiência histórica, antiga e recente, mostra que quando os diferentes sujeitos que gravitam em torno agronegócio se juntam para efetivar um determinado objetivo comum, o mesmo discurso desumanizante é usado, tanto nas tribunas, quanto na ponta dos rifles dos seus ascetas.

O governo Dilma dá asas à “de-mocracia” ruralista. E a “democracia” ruralista não tem outro caminho e horizonte senão a ditadura e a morte. Que todos tenham vida e tenham vida em abundância. É nisso que acredita-mos e continuaremos acreditando, por mais irrealista que isso possa parecer aos velhos e aos novos fiéis do arcaico e sempre violento ruralismo desenvolvimentista. n

indígenas estivessem na mesa, já que os caciques do agronegócio, como a senadora Kátia Abreu (PSD/TO) e o deputado Homero Pereira (PSD/MT), compuseram a mesa da audiência”. Ele também chamou a PEC 215 de excres-cência, que tanto a sociedade como o governo precisam se opor. Assim como Marcon, Valente destacou a importância de separar os interesses dos pequenos agricultores e os dos latifundiários.

“A Funai virou a Geni. Os índios não são responsáveis pelos problemas que estão ocorrendo. Eles são vítimas. Há 100 milhões de hectares na mão de proprietários particulares, e mesmo assim, não se discute a reforma agrária e o sistema fundiário. As soluções são complexas e não podem ser enca-minhadas somente para beneficiar o agronegócio, sojeiros e madeireiros ”, afirmou Valente. Em relação à CPI da Funai, ele afirmou que até a assinaria desde que ela analisasse as atrocidades e violências cometidas contra os povos indígenas relatadas pelo recém desco-berto Relatório Figueiredo, realizado pela ditadura militar em 1967. “Dois mil indígenas Waimiri-Atroari desapa-receram na Amazônia”, exemplificou.

Durante a audiência, vários deputa-dos afirmaram que os índios são ban-cados por organizações internacionais e movimentos irresponsáveis, alegando que eles atuam assim porque não que-rem que o Brasil se desenvolva e que chegam, inclusive, a importar índios de outros países, como Paraguai e Bolívia. No entanto, apesar da contundência das denúncias, elas ficaram no vazio

porque nenhum deles nomeou sequer o nome de uma dessas organizações e movimentos.

No lugar errado, na hora errada? Ou muito pelo

contrário...O deputado Sarney Filho (PV/MA)

fez a última fala da audiência e afirmou que quem deveria estar naquela sessão respondendo às questões relativas à Fu-nai era o ministro da Justiça, José Edu-ardo Cardozo, já que esta instituição indigenista é vinculada ao seu minis-tério. “Com todo respeito, ministra, a Casa Civil não tem nenhuma atribuição constitucional para discutir as questões indígenas”, declarou ele, que defendeu o quadro qualificado da Funai e a sua atuação. “O Congresso quer promover um retrocesso na legislação. Trata-se de uma manobra para não se criar mais nenhuma terra indígena”, concluiu ele.

A participação da ministra-chefe da Casa Civil na audiência convocada pe-los ruralistas e o conteúdo de sua fala, assim como a decisão de suspender as demarcações indígenas no Paraná, são medidas consideradas pelo movimento indígena como um ato político único, importante para agradar os ruralistas já que ela é a provável candidata do PT ao governo paranaense. Segundo matéria da Folha de S. Paulo, edição de 10 de maio, assinada pelo repórter Aguirre Ta-lento, “quando se candidatou ao Senado, em 2010, Gleisi recebeu R$ 390 mil de empresas ligadas ao agronegócio”. Pelo andar dos tratores, o apoio poderá ser bem maior no ano que vem. n

Governo Dilma dá asas à “democracia” ruralista

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Indígena Kaingang Indígena Guarani Mbyá

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8Maio–2013

APatrícia Bonilha

de Brasília (DF)

Ruy Sposatide Altamira (PA)

pós a histórica ocupação do ple-nário da Câmara dos Deputados por cerca de 700 indígenas no dia 16 de abril, o mês de maio também foi indígena. Na defesa de seus direitos, cerca de 200

indígenas ocuparam o principal canteiro de obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, no município de Vitória do Xingu, no sudoeste do Pará.

Protagonizada por indígenas dos povos Munduruku, Juruna, Kayapó, Xipaya, Kuru-aya, Asurini, Parakanã e Arara, além de pes-cadores e ribeirinhos, esta ocupação foi um dos protestos mais expressivos já realizados contra a usina de Belo Monte. Um diferencial importante de outras ocupações é que, des-ta vez, os manifestantes não apresentaram nenhuma reivindicação econômica ou o cumprimento das condicionantes acordadas - e quase nunca respeitadas pelo consórcio construtor. A demanda era política e clara: a suspensão imediata de todas as obras e estudos para a construção de barragens nos rios Xingu, Tapajós e Teles Pires, áreas em que suas aldeias estão localizadas, até que as consultas prévias aos povos indígenas fossem realizadas.

A consulta é uma exigência da Con-venção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e não ocorreu ainda em nenhum dos projetos hidrelétricos – Belo Monte, Tapajós e Teles Pires. Ainda assim, e apesar da explícita recusa dos povos indí-genas, o Palácio do Planalto segue impondo as obras. No total, 14 barragens estão planejadas nos três rios, secando, alagando ou alijando das águas áreas de ocupação tradicional, demarcadas, reivindicadas ou em fase de estudos pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Outro diferencial desta ocupação foi que a posição contrária à construção das hidrelétricas e a não realização das consul-tas unificou a ação dos povos indígenas dos três rios. Os Munduruku viajaram cerca de 800 quilômetros até a barragem de Belo Monte. “Somos contra as hidrelétricas.

Nossos povos não foram consultados e, ao contrário, quando o governo esteve em nossas comunidades, assassinou um indígena. Unificamos aqui os povos do Xingu, Tapajós e Teles Pires, e queremos envolver toda a sociedade nessa luta”, declarou Valdenir Munduruku.

Militares da Rotam já estavam no local quando os indígenas chegaram para fazer a ocupação. Um agrupamento da Tropa de Choque também foi enviado para o cantei-ro, mas não houve confronto. Segundo es-timativas do movimento, ao menos seis mil trabalhadores deixaram de atuar na obra.

Recente histórico: decreto-lei e assassinato

Ao invés do diálogo, a saída apresenta-da pelo governo federal para trabalhado-res, indígenas, ribeirinhos, pescadores e demais comunidades tradicionais afetadas pelos empreendimentos hidrelétricos na Amazônia foi o Decreto-Lei da presidente Dilma Rousseff nº 7957/2013. De caráter “preventivo ou repressivo”, a medida cria a Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”.

Apesar do povo Munduruku e das comunidades tradicionais estarem mobili-zados contra o Complexo Hidrelétrico do Tapajós e de Teles Pires, durante o último mês de abril cerca de 250 soldados da Força Nacional e da Marinha foram deslocados, por solicitação do Ministério de Minas e Energia, com base nos dispositivos deste Decreto, para municípios onde incidem áreas afetadas pelos empreendimentos, além de território de ocupação tradicional reivindicado pelo povo Munduruku. Em novembro do ano passado, um indígena Munduruku foi assassinado em ataque da Polícia Federal à aldeia Teles Pires, na fron-teira do Pará com o Mato Grosso.

Trabalhadores se solidarizam; jornalistas são expulsos

Na manhã do segundo dia de ocupação, cerca de dois mil trabalhadores aplaudiram de pé um grupo de indígenas que foi aos

alojamentos dialogar com os operários. “Os trabalhadores que vivem nos alojamentos nos apoiam. [Os operários] deram dezenas de depoimentos sobre problemas que vi-vem aqui. São solidários à nossa causa. Eles nos entendem”, afirmaram os indígenas.

Na tarde desse mesmo dia 3 - celebrado como dia internacional da liberdade de imprensa -, cerca de 100 homens da Força Nacional, da tropa de choque da Polícia Militar, da Rotam e da Polícia Civil che-garam ao canteiro ocupado para cumprir um mandado judicial. Uma ação na Justiça Estadual assinada pela juíza Cristina San-doval Collier, da 4a Vara Cível de Altamira, concedeu um pedido de reintegração con-tra não indígenas, o que levou à expulsão de três jornalistas - o fotógrafo da Reuters, Lunaé Parracho, o jornalista do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Ruy Sposati, e o correspondente da Radio France Inter-nationale (RFI) no Brasil, François Cardona - que têm realizado cobertura diária dos acontecimentos que envolvem a ação dos indígenas contra a construção das grandes barragens que afetam seus territórios. Um dos jornalistas foi ainda multado em um mil reais e um pesquisador também foi expulso do canteiro.

Mais tarde, o assessor da Secretaria de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, Avelino Ganzer, apresentou uma proposta de que uma co-missão definida pelos indígenas se reunisse em Altamira (PA), no dia 6, com um grupo

interministerial. Os indígenas recusaram e exigiram a presença do grupo no canteiro de obras ocupado, de modo que todos pudessem participar da conversa.

Justiça nega reintegração de posse

No dia 4, a Justiça Federal negou o pedido da concessionária Norte Energia de reintegração de posse do canteiro de obras. O juiz Sérgio Wolney, considerou que a “de-socupação (...) impõe uso de força policial, o que (...) representa risco de morte para os supostos índios e para os profissionais que participariam do cumprimento da decisão, inclusive considerando a alegada presença de mulheres e crianças”, e considerou que o prejuízo financeiro alegado pela Norte Energia “não se mostra razoável”, face à possibilidade de confronto por parte das for-ças policiais. A decisão exige que a Fundação Nacional do Índio (Funai) passe a interme-diar a negociação com a concessionária e que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal tomem ciência e apurem os fatos. No dia seguinte (5), o quarto da ocupação de Belo Monte pelos indígenas, explicitou o despreparo geral do governo e das forças policiais em lidar com o protesto. A Força Nacional de Segurança impediu o deputado Padre Ton (PT-RO) de entrar no canteiro de obras. Numa lógica de desinformação, policiais teriam dado a informação falsa ao deputado de que os indígenas recusaram a visita do parlamentar e dentro do canteiro,

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9 Maio–2013

policiais disseram aos indígenas que o Padre Ton não entraria para encontrá-los. O cerceamento à cobertura da imprensa continuou. Dois fotógrafos e duas equipes de televisão foram impedidos de entrar no local, sendo que um dos jornalistas foi amea-çado de prisão pelos policiais. Um grupo de apoiadores do município de Altamira que le-vava frutas para os indígenas não foi liberado para entregar as doações aos manifestantes. Em uma situação esdrúxula, a Força Nacional foi elevada à posição de articuladora e em nome do governo federal apresentou, com tom ameaçador, uma última “proposta” de negociação: os indígenas deveriam apre-sentar uma lista de reivindicações, a ser assinada por eles e pelo governo, que se comprometeria a cumpri-la sob a condição de que, depois de assinado o acordo, os indígenas deixassem o canteiro. “O governo já disse pra vocês que não vem aqui. É mais fácil acontecer um despejo do que vocês conseguirem a pauta de vocês. Então é bom aceitarem essa última proposta”, disse um policial da Força Nacional. Os indígenas não aceitaram.

Indígenas rechaçam mentiras da SGPR

No dia 7 de maio, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e os indíge-nas presentes na ocupação de Belo Monte manifestaram repúdio à nota divulgada no dia anterior pela Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR), intitula-

da “Esclarecimentos sobre a consulta aos Munduruku e a invasão de Belo Monte”. Nela, o governo assume publicamente uma posição institucionalmente preconceituosa e discriminatória contra os povos indígenas do Brasil. “Para o governo, os indígenas mo-bilizados contra Belo Monte e o complexo hidrelétrico dos rios Tapajós e Teles Pires não são legítimos, daí que os chama de ‘autodenominadas’ ou ‘pretensas’ lideran-ças. Curioso, mas quando era do interesse do governo o mesmo os recebeu como legítimos para negociações no Palácio do Planalto”, afirma o manifesto da APIB, que lamenta que “o governo... se assuma hoje como o porta-voz das forças inimigas que almejam a extinção dos nossos povos, para destruírem nossos territórios e se apropria-rem dos bens neles existentes preservados milenarmente pelos nossos ancestrais”.

A APIB também afirma que a acusação de que os indígenas se opõem aos empre-endimentos simplesmente “porque estão envolvidos com o garimpo ilegal de ouro” é insincera e inaceitável, uma vez que tenta desqualificar a luta que todos os povos, incluindo os Munduruku, desenvolvem há séculos na defesa de seus territórios, a partir de uma cosmovisão peculiar de relação com a Mãe natureza.

De Vitória do Xingu, em uma nova carta, os ocupantes do canteiro afirmaram que o governo mentiu descaradamente em sua nota pública. “O governo está completamen-te desesperado. Não sabe o que fazer com

a gente”. Segundo eles, a área da ocupação foi militarizada, com presença em tempo integral de tropas armadas que “revistam as pessoas que passam, a nossa comida, tiram fotos, intimidam e dão ordens”, além de expulsar, multar e ameaçar de prisão jornalistas e retirar advogados e apoiadores.

Reintegração de posse O Tribunal Regional Federal da 1a Re-

gião (TRF1) deferiu, às 22h40 da noite do dia 8 de maio (sétimo dia da ocupação), a reintegração de posse do canteiro de obras de Belo Monte, com o uso de força policial. A decisão pegou de surpresa os indígenas, o MPF e a Funai já que representantes do governo haviam estado no canteiro no dia anterior negociando com os acampados.

No dia seguinte (9), o Ministério Público Federal (MPF) foi notificado da ordem de reintegração de posse, assinada pela de-sembargadora Selene Almeida que teria se baseado em grande parte em um relatório feito pela Polícia Federal (PF) de Altamira, datado de 5 de maio, não atualizado com as informações mais recentes, como a evolução das negociações. O MPF manifestou preo-cupação sobre a possibilidade de a desem-bargadora ter decidido sem as informações atualizadas fornecidas pela Funai, que tinha sido designada pela própria Justiça Federal para acompanhar e relatar a situação nos canteiros. A presença de crianças no acam-pamento é outra razão considerada pelo MPF para o máximo de cautela na operação.

Outro motivo de grande preocupação foi o fato deste relatório ter sido feito pela chefe da Polícia Federal em Altamira, que é casada com o advogado da Norte Energia S.A., Felipe Callegaro Pereira Fortes, autor do pedido de reintegração de posse. No agravo feito ao TRF1, o advogado chega a citar o relatório da PF, assinado pela própria esposa. A preocupação se estende, portanto, também à condução da operação de reintegração de posse a ser realizada pela chefe da PF.

No mesmo dia, o MPF solicitou à Justiça Federal a suspensão da reintegração de posse. Para o MPF, os relatos feitos pela Fu-nai demonstraram o contrário do relatório da PF: a ocupação é pacífica, os indígenas pretendiam dialogar e não tinham qualquer ingerência sobre a entrada e saída do canteiro. Além disso, não havia qualquer conflito entre indígenas e trabalhadores da usina.

Após a desembargadora Selene de Almeida manter a reintegração, definindo um prazo de 24 horas para a desocupação, os indígenas decidiram se retirar do can-teiro de obras de Belo Monte. Revoltados, os indígenas, que por oito dias ocuparam Belo Monte, afirmaram ser vergonhoso que, ao invés de enviar o ministro Gilberto Carvalho para dialogar, o governo tenha enviado a Força Nacional e a Polícia Federal. Eles garantiram que vão continuar a luta contra as hidrelétricas na Amazônia e pela consulta prévia. n

E ToDo DIA FoI DIA DE íNDIo...Protagonizada por indígenas dos povos Munduruku, Juruna, Kayapó, Xipaya, Kuruaya, Asurini, Parakanã e Arara, além de pescadores e ribeirinhos, a ocupação foi um dos protestos mais expressivos já realizados contra a usina de Belo Monte. Os manifestantes não apresentaram nenhuma reivindicação econômica ou o cumprimento das condicionantes acordadas. A demanda era política e clara: a suspensão imediata de todas as obras e estudos para a construção de barragens na Amazônia

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10Maio–2013

Para o grupo que ocupava o canteiro, a

única saída era que o governo

federal, na figura do ministro Gilberto

Carvalho ou da presidente

Dilma Rousseff, fosse ao

canteiro e se comprometesse

a cumprir a pauta dos indígenas

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Maio Rebelde

a madrugada do dia 27, cerca de 170 indígenas - Xipaya e Arara, que vivem na Volta Grande do Xingu, Kayapó, Munduruku e Tu-

pinambá - voltaram a ocupar por tempo indeterminado o principal canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Belo Monte, em Vitória do Xingu. A reivindicação central é a mesma da ocupação anterior: a suspensão das obras da usina hidrelé-trica de Belo Monte e dos estudos para a construção das usinas no Rio Tapajós até que as consultas prévias aos povos indígenas - com poder de veto - sejam realizadas.

Na carta “Governo federal, nós vol-tamos”, eles afirmaram que estes mega projetos de geração de energia causam graves impactos ambientais e sociais e destroem o modo de vida dos povos e das comunidades tradicionais da região. Se efetivada, a construção de Belo Mon-te, por exemplo, secará 100 quilômetros do rio na Volta Grande do Xingu. No caso da construção das hidrelétricas planeja-das pelo governo para o Rio Tapajós, as milenares aldeias Munduruku, situadas às margens do rio, ficariam totalmente inundadas. Os indígenas afirmam que saíram pacificamente na última ocupa-ção porque o governo federal garantiu que haveria uma negociação, o que não aconteceu. Portanto, desta vez, eles ga-rantem que resistirão até que o governo federal, efetivamente, converse com eles e atenda às suas reivindicações.

Ao contrário da outra ocupação, to-dos os acessos do sítio ficaram sob o con-trole dos indígenas. Isso impediu toda a operação do canteiro. Como represália, foi feito o corte do fornecimento de água e energia elétrica nas instalações onde os indígenas estavam alojados.

O recrudescimento aumentou con-sideravelmente nos primeiros dias da segunda ocupação e, além da pressão do governo federal, os indígenas sofreram diariamente ameaças e intimidações dos policiais que residem no canteiro de obras e daqueles que estão cercando o empreendimento. Com a autorização judicial para a entrada da polícia para efetuar o despejo até a tarde do dia 29, os indígenas anunciaram temer que uma tragédia de grandes proporções acontecesse.”Vocês vão entrar para ma-tar. E nós vamos ficar para morrer. Nós não vamos sair sem sermos ouvidos”, afirmaram.

Para o grupo que ocupava o canteiro, a única saída era que o governo federal, na figura do ministro Gilberto Carvalho ou da presidente Dilma Rousseff, fosse ao canteiro e se comprometesse a cumprir a pauta dos indígenas.

Neste dia o MPF alertou novamente a Justiça Federal sobre a necessidade de se esgotar as medidas de negociação com os indígenas. Para o MPF, “De um lado estão as etnias indígenas, em sua busca pelo direito a serem ouvidas, na forma assumida pelo Estado brasileiro ao ratificar a Convenção 169 OIT, e, de outro, a implementação de um projeto hidrelétrico objeto de concessão fede-ral, com cronograma de obra próprio e acelerado”, explica a manifestação dos procuradores.

Consternados sobre a possibilidade de que a tragédia ocorrida no Mato Grosso do Sul, onde uma ação de reinte-gração de posse na Terra Indígena Buriti

terminou com a morte de um indígena Terena na manhã do dia 30, se repita na ocupação de Belo Monte, os manifestan-tes pediram a retirada imediata da polícia da área ocupada do canteiro. “Enquanto houver a presença dos policiais da For-ça Nacional, não podemos dialogar”, afirmaram.

Eles também denunciaram que poli-ciais estavam incitando operários a en-trarem em confronto com os indígenas. Segundo relatos, alguns trabalhadores que tentavam diálogo com indígenas teriam sido perseguidos, espancados e demitidos. Uma das vítimas desta violência afirma que policiais da Rotam fardados teriam ido ao alojamento dos trabalhadores do Sítio Belo Monte e estimulado um grupo de operários a beber e entrar em conflito com os indígenas. Outro operário confirmou as informações: “O policial disse que quer que nós entre em conflito com os

ocupação de Belo Monte: o retorno

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índios, pra não meter a Força Nacional e nem a patrimonial no meio”, afirmou o trabalhador. Ambos os depoimentos estão registrados em vídeo.

Neste clima de extrema tensão é que no dia 30, em uma rápida reunião, o coordenador de movimentos do campo e território da Secretaria Geral, Nilton Tubino, apresentou a proposta de que uma pequena comissão de indígenas da ocupação fosse a Brasília reunir-se com o ministro Gilberto Carvalho, no dia 4 de junho. A proposta não foi aceita, e os ocupantes reforçaram o convite para que Carvalho fosse ao canteiro. “Nós dissemos ao funcionário do governo: nós vamos permanecer acampados, firmes, e pedimos que o ministro venha pessoalmente. Nossa conversa será com todos, e aqui”.

Tubino ficou de repassar a mensagem para o ministro e dar um retorno para os indígenas. E assim terminou maio, um mês em que, do coração da Amazônia, guerreiros, mulheres, crianças, lideran-ças e pajés, diariamente, reacenderam a luta contra os mega empreendimentos que violam direitos humanos, indígenas e da natureza, para beneficiar corpora-ções com total aval financeiro, político e militar do governo federal. “As coisas estão ruins no Brasil. Nós vamos mudar isso”, afirmaram os indígenas, em carta divulgada no dia 10 de maio. Alguém duvida? n

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11 Maio–2013

Comunidade Terena prepara terra para o plantio na área retomada da Terra Indígena Buriti. O trabalho foi interrompido pelas ações da Polícia Federal e de pistoleiros. Porém, o povo Terena não desistiu de cuidar da terra que sempre foi sua

Maio Rebelde

Patrícia Bonilha e Renato Santanade Brasília (DF)

Ruy Sposatide Campo Grande (MS)

o mesmo dia (9 de maio) em que terminava a primeira ocupação do canteiro principal da usina hidrelétrica de Belo Monte por

diversos povos indígenas no Pará, a recorrente violência a que estão subme-tidos os indígenas no Mato Grosso do Sul passou a ser, mais uma vez, explicitada para todo o Brasil.

Denunciando o evidente conluio dos governos federal e estadual com os ruralistas da região, lideranças e co-munidades dos povos Terena, Guarani, Kaiowá, Kinikinau, Kadiwéu e Ofaié, reunidos na Assembleia Terena Terra Vida - realizada na Terra Indígena Buriti entre 8 e 11 de maio - repudiaram a decisão da presidente Dilma Rousseff em receber no Palácio do Planalto uma comissão de fazendeiros e políticos, representantes do agronegócio. Segundo os indígenas, “o governo brasileiro optou pelo mode-lo de desenvolvimento predatório que não tem espaço para o ‘bem viver’ dos povos indígenas e, por isso, vem desca-radamente atropelando nossos direitos historicamente conquistados”.

Após a denúncia e com o claro propó-sito de reconquistar o direito de viver em suas terras ancestrais, no dia 17, cerca de 500 Terena retomaram quatro fazen-das que incidiam sobre a Terra Indígena Buriti, no município de Sidrolândia, a 70 quilômetros de Campo Grande (MS). Eles reivindicavam a demarcação do território de 17.200 hectares, declarado como de ocupação tradicional dos indígenas por uma portaria do Ministério da Justiça em 2010.

Segundo afirmaram os Terena em carta (leia nesta página), mais de 14 mil hectares de suas terras estão ocupadas por 25 fazendas, enquanto 5 mil pessoas vivem confinadas em 3 mil hectares de terra, sem espaço para plantar. “Nós retomamos essas terras porque elas são nossas e porque não temos terra para plantar. Nosso povo planta muito”.

O proprietário da fazenda Buriti, o ex-deputado estadual Ricardo Bacha, entrou com um pedido de reintegração

de posse contra os indígenas. No mesmo dia, a Justiça decidiu favoravelmente ao fazendeiro, convocando a Polícia Federal para realizar a evacuação da área. Além da reação violenta por parte dos fazen-deiros e seus jagunços, os indígenas também temiam que o despejo fosse forçado durante o final de semana (18 e 19) pelos soldados do pelotão espe-cial da Polícia Militar. Apesar do temor, mostravam-se absolutamente resolutos a resistir à reintegração de posse. “Já fomos baleados, presos, espancados e despejados muitas vezes. Mas aqui nós vamos ficar”, afirmaram.

Como previsto, na manhã do sábado (18), contingentes da Polícia Federal (PF), Tropa de Choque da Companhia Independente de Gerenciamento de Crises (Cigcoe) e da Polícia Rodoviária Militar tentaram fazer a reintegração de posse da fazenda Buriti. Seguranças privados da fazenda atiraram contra os indígenas. O fazendeiro, que estava entrincheirado, foi retirado pela Polícia Federal do local, junto com a família. Ninguém ficou ferido.

Ilegalidades e arbitrariedades

institucionalizadas Devido ao histórico de ilegalidades

nos despejos de suas comunidades - em 19 de novembro de 2009, mesmo ha-vendo decisão judicial favorável à posse da comunidade, os indígenas foram vio-lentamente despejados por cerca de 30 fazendeiros e 60 policiais militares; e em

2010, na mesma terra indígena, o Cigcoe realizou o despejo da comunidade ilegal-mente, sem mandado de reintegração – os Terena solicitaram a presença de uma comitiva de observadores externos. Nesse sentido, organizações como a Comissão Permanente de Assuntos Indí-genas da Ordem dos Advogados do Brasil (Copai/OAB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Indigenista Mis-sionário (Cimi) e o Comitê de Defesa dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul (Condepi) estiveram no local para prestar solidariedade e coibir ilegalidades no processo de evacuação da fazenda.

Jornalista do Cimi e participante da comitiva de observadores, Ruy Sposati, teve seu equipamento (computador, gravador e um leitor de cartão USB) ar-bitrariamente apreendido pelo delegado da Polícia Federal, Alcídio de Souza Araú-jo, que não deu qualquer justificativa que identificasse alguma legalidade na apreensão. Além da ausência de ordem judicial de busca e apreensão, a atitude do delegado constitui flagrante ilegalida-de de acordo com a Lei Nº 4.898, cujo artigo 3º, item J, reza que constitui abuso de autoridade “qualquer atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional”. Veja o vídeo da prisão arbitrária do jornalista em http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6884

Não foi a primeira vez que o dele-gado Alcídio comandou uma operação contra indígenas Terena. Em 2010, em Miranda (MS), ele esteve à frente da

negociação frustrada de desocupação, que resultou em uma ação violenta com uso de bombas de efeito moral e disparo de balas de borracha.

Em nota pública, no dia 20, o Cimi afirmou que “... toda a perseguição que jornalistas e organizações indigenistas sofrem tem como perspectiva política a viabilização das demandas de ruralistas, latifundiários do agronegócio - e do pró-prio governo brasileiro, que tem capitu-lado cada vez mais diante dos interesses destes e do capital, e se justifica a partir de uma leitura e prática absolutamente racistas. Nesta perspectiva, os indígenas são considerados e tratados por estes se-tores da sociedade como seres inferiores, incapazes de tomarem decisões próprias - e que, por isso, seriam controlados por não-indígenas”.

A suspensão do mandado de rein-tegração de posse da fazenda Buriti foi despachada pelo juiz Espólio de Afrânio Pereira Martins, da 1ª Vara Federal, no dia seguinte. Ele considerou a possibilidade de conflito entre os indígenas e a Polícia Federal e sugeriu a realização de uma audiência para a conciliação.

No dia 22, o superintendente da Polícia Federal do Mato Grosso do Sul, Paulo Marcon, informou através da asses-soria de imprensa da PF que o delegado Alcídio Araújo estava respondendo a inquérito sobre o caso e não estaria au-torizado a se pronunciar enquanto não apresentasse um relatório justificando o procedimento.

No entanto, terminou frustrada a tentativa de conciliação entre as partes, realizada no dia 29. Apesar da presença indígena na área já ter sido foi atestada com provas materiais datadas do século XIX, o fazendeiro e ex-deputado estadual (PSDB) Ricardo Bacha negou-se a aceitar o fato de que a área é indígena e afirmou que o único acordo que aceitava seria a saída dos Terena da terra.

Oziel Gabriel tombaAinda estava escuro quando, com

bombas de efeito moral, spray de pi-menta e tiros de armas letal e não letal, a PF surpreendeu, de modo violento, a reintegração de posse da fazenda Buriti na madrugada do dia 30. Entre 300 e

Povo Terena

Retomada, resistência e morte

Depois de ser levado com graves ferimentos de arma de fogo para um hospital em Sidrolândia, o indígena Oziel Gabriel Terena, 35, não resistiu e morreu.

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12Maio–2013

No último dia do mês

de maio, que ficará para sempre na

memória do povo Terena,

os 3.500 indígenas

seguiam na área retomada

- fazendas Cambará,

Santa Helena, Querência São

José e Buriti. O corpo de

Oziel estava sendo velado

em sua aldeia, Córrego do

Meio, na Terra Indígena Buriti, e seria enterrado no território em que morreu

Trecho da Carta da Assembleia Terena Terra Vida, enviada ao governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli

“Dói saber que nossos filhos já não vão poder identificar os barulhos dos bichos, o som da floresta, o canto dos pás-saros, o aviso do pica-pau quando há notícia ruim. E sendo que a terra é nossa e que vamos recuperá-la, declaramos ao senhor governador do estado que não vai conseguir nos comprar, nem calar com um trator”.

Terra Indígena Buriti, em 11 de maio de 2013

Trechos da Carta Terena à sociedade: porque estamos retomando nosso território Buriti

Nós somos o povo Terena da Terra Indígena Buriti. Mais de 100 anos atrás, nós fomos expulsos daqui pela ambição do homem branco. Há 15 anos nós lutamos para retomar nosso território tradicional. Nessa luta fomos novamente expulsos da nossa terra em muitas ocasiões. Agora querem nos expulsar mais uma vez...

Hoje, somos 5 mil pessoas confinadas em menos de meio hectare cada. Dos 17 mil hectares declarados como território tradicionalmente ocupado por nós, Terena, em 2010 pelo governo federal, temos a posse de apenas 3 mil. Os outros 14 mil hectares estão ocupados por 25 fazendas...

Todas as vitórias que conquistamos foram fruto da nossa luta, das nossas retomadas. Sabemos que não adianta ficar esperando pela boa vontade de um governo que cede a todas as pressões dos fazendeiros. Já ouvimos a resposta do governo federal às nossas reivindicações: Portaria 303, PEC 215, intervenção na Funai e orquestrações para pa-ralisar processos de demarcação de terra. Com apoio do governo, os fazendeiros estão se organizando cada vez

mais. Enquanto escrevemos esta carta, muitos fazendeiros de todo Mato Grosso do Sul estão com suas caminhonetes forçando para entrar na ocupação. Jagunços e seguranças fortemente armados estão nos rondando e provocando...

Dizemos aos fazendeiros e seus pistoleiros: também estamos organizados. Todos os povos do Mato Grosso do Sul estão juntos na mesma luta, e chamamos todos os patrícios e parentes para nos ajudar agora nesta luta pela vida. Por terra para todas as nossas crianças.

Queremos nossas terras livres e demarcadas. Vamos re-tomar nossas terras hectare por hectare. Já fomos baleados, presos, espancados e despejados muitas vezes. Mas aqui nós vamos ficar. Esta é nossa fala.

Terra Indígena Buriti, 17 de maio de 2013

Trechos da Carta Aberta do Conselho do Povo TerenaDesqualificamos todos os argumentos contrários aos

nossos direitos e a nossa autonomia, que tem por objetivo deslegitimar nossa luta pela terra, afirmando que estamos sendo manipulados e motivados por terceiros a retomarmos o que é nosso.

Somos povos indígenas e temos nossa autonomia e organização própria reconhecida pela Constituição Federal.

Por fim, nós Povo Terena, reafirmamos que estamos unidos em prol de nossos direitos territoriais e que iremos reocupar todos os nossos territórios tradicionais. Somos um povo autônomo, temos nossas próprias lideranças tra-dicionais constituídas e tomamos nossas próprias decisões.

Terra Indígena Buriti, 21 de maio de 2013.

POVO TERENA!POVO QUE SE LEVANTA!

400 policias atacaram todos os pontos da área indígena onde estavam cerca de 3.500 Terena. Crianças, mulheres e anciãos não foram respeitados no que parecia, segundo os indígenas, uma “operação de guerra”. Depois de ser levado com graves ferimentos de arma de fogo para um hospital em Sidrolân-dia, o indígena Oziel Gabriel Terena, 35, não resistiu e morreu. Outro indí-gena, Cleiton França, foi atropelado por uma caminhonete da PF. Ele quebrou a clavícula e foi internado num hospital de Aquidauana (MS). Outros 13 Terena foram encaminhados para o hospital com graves ferimentos causados por tiros.

Otoniel Terena, irmão de Oziel Gabriel, afirmou ter certeza que o tiro que matou Oziel partiu de um grupo de policiais federais. O indígena afirma que o atirador estava entre 10 e 20 metros de Oziel. “Meu irmão levou o tiro do lado em que a PF estava. Os policiais se dividiram em três grupos. Eu estava com outros indígenas no lado dos poli-ciais militares; meu irmão do lado da PF. Ouvimos tiros vindos de lá, do lado da PF. Depois vieram carregando o Oziel, para levá-lo ao hospital”, contou com voz embargada Otoniel. A Polícia Federal assumiu ter usado arma letal.

Quinze lideranças Terena foram mantidas incomunicáveis na carceragem da Polícia Federal, em Campo Grande. Dentre os presos, estava um jovem Te-rena que filmou todo o ataque e teve, seu equipamento recolhido pela polícia.

Conforme relato de um indígena que preferiu não se identificar, Ricardo Bacha estava presente entre os policiais do batalhão da Polícia Militar, enquanto eles avançavam sobre os indígenas. “Nossas armas eram pedras e paus. Acontece que a polícia não permitiu a entrada de jornalistas e observadores. Ontem o delegado disse que ia nos notificar, mas não fez isso. Entraram matando. Mata-ram meu irmão. Como faremos justiça? Quando vão punir quem mata índio? A terra é nossa. Sempre foi. E ficaremos nela”, frisou Otoniel.

A motivação que vem da dor Na madrugada do dia 31, indígenas

fizeram uma nova retomada de terras tra-dicionais e ocuparam três mil hectares de um total de 12 mil da Fazenda Esperan-

Maio Rebelde

ça, no município de Aquidauana, a 140 quilômetros da capital Campo Grande. A área faz parte da Terra Indígena Taunay/Ypeg, vizinha à Terra Indígena Buriti, reivindicada pelos Terena e já identifi-cada com 33 mil hectares de terra de

ocupação tradicional. A fazenda estava vazia e não houve conflitos no momento da ocupação.

“Essas ações das comunidades (Tere-na) se devem ao fato de que o governo brasileiro não tem interesse em resolver a questão indígena. Estamos tristes e revoltados com a morte de Oziel e as retomadas são nosso último recurso para que as leis e nossos direitos sejam garantidos”, afirmou Lindomar Terena.

No último dia do mês de maio, que ficará para sempre na memória do povo Terena, os 3.500 indígenas seguiam na área retomada - fazendas Cambará, Santa Helena, Querência São José e Buriti. O corpo de Oziel estava sendo velado em sua aldeia, Córrego do Meio, na Terra Indígena Buriti, e seria enterrado no território em que morreu. Com um pen-samento só, o povo Terena se preparava para iniciar as plantações na terra. n

Manchetes no site do Cimi em maio sobre a retomada de terras tradicionais do povo TerenaNota de Repúdio da Assembleia dos Povos indígenas do Mato Grosso do Sul – 10/05

Indígenas Terena retomam quatro fazendas e temem ataque – 17/05

Indígenas Terena resistem à reintegração; PF apreende equipamento de jornalista – 20/05

Nota pública: Cimi denuncia abuso de autoridade da Polícia Federal no Mato Grosso do Sul – 20/05

Carta Aberta do Conselho do Povo Terena - Terra Indígena Buriti – 21/05

Justiça suspende reintegração de posse em MS – 21/05

Delegado da PF responderá a inquérito por apreender equipamentos de jornalista – 22/05

‘O Governador não nos vai fazer calar com trator’ – 24/05 – Manifesto dos movimentos sociais de Mato Grosso do Sul e do Brasil à opinião pública nacional e internacional

Terena é morto em reintegração de posse na Terra Indígena Buriti; indígenas seguem na área retomada – 30/05

Nota de solidariedade ao Povo Terena da Terra Buriti,

Mato Grosso do Sul – 30/05

Nota do Cimi: Repúdio à ação criminosa da Polícia Federal contra o Povo Terena – 30/05

“Meu irmão levou o tiro do lado em que grupo da PF estava”, denuncia Otoniel Terena; indígenas são presos para dar explicações – 30/05

Conselho Distrital de Saúde Indígena de Mato Grosso do Sul – Nota de Repúdio – 31/05

Povo Terena realiza nova retomada no Mato Grosso do Sul – 31/05

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13 Maio–2013

Depois de fecharem parcialmente a Avenida Joaquim Teotônio Segurado, a manifestação seguiu com faixas, bordunas e rituais para o prédio da AGU. O grupo entrou nas dependências do órgão de forma pacífica e só se retirou depois de ser recebido pelo procurador Eduardo Prado dos Santos

II Assembleia Indígena

ulheres indígenas expulsaram da II Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocan-tins, na manhã do dia 22, a

coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Tocantins, Evanecilda Siqueira. Os indígenas exigem a saída dela do Dsei e farão vigília para garantir que ela não re-torne ao posto.

Com a ausência injustificada do secretário Antonio Alves, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da saúde, a tensão tomou conta da discussão. O presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), Cleiton Javaé, afirmou que esteve com o secre-tário em Brasília, na última semana, e Alves havia garantido sua presença na II Assembleia.

Renato Santanade Palmas (TO)

xigindo a revogação da Portaria 303, cerca de 500 indígenas de 11 povos de Goiás e Tocantins, acampados na Universidade

Federal do Tocantins para a II Assem-bleia de comunidades dos dois estados, ocuparam na tarde do dia 21 de maio a sede da Advocacia-Geral da União (AGU) em Palmas (TO).

“O governo tem buscado guerra com a gente. Não é isso que queremos. Essa Portaria abre as portas de nossas casas para o agronegócio. Não é isso que que-remos. Exigimos a revogação da Portaria”, disse Antonio Apinajé.

Depois de fecharem parcialmente a Avenida Joaquim Teotônio Segurado, a manifestação seguiu com faixas, bordunas e rituais para o prédio da AGU. O grupo entrou nas dependências do órgão de

forma pacífica e só se retirou depois de ser recebido pelo procurador Eduardo Prado dos Santos.

“Viemos para dizer que não queremos essa Portaria 303. Por enquanto ela foi apenas suspensa, mas queremos a sua revogação”, disse taxativo Wagner Krahô. O procurador só recebeu os indígenas depois que representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) apareceram para intermediar a situação.

P r e ç O s

Ass. anual: R$ 60,00 Ass. dois anos: R$ 100,00 *Ass. de apoio: R$ 80,00 América Latina: US$ 50,00 Outros países: US$ 70,00

* Com a assinaTura de aPoio voCê ConTribui Para o envio do jornal a diversas Comunidades indígenas do País.

Solicite Sua aSSinatura pela internet: [email protected] o

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envie cópia do depósito por e-mail, fax (61-2106-1651) ou correio e especifique a finalidade do mesmo.

FORMA DE PAGAMENTO:

A Portaria 303 foi publi-cada há cerca de um ano. O ministro da AGU, Luís Inácio Adams, pretendia com a medida estender para as

demais terras indígenas do país as condi-cionantes da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, homologada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2009. As condicionantes foram sugeridas pelo ex-ministro, já morto, Menezes de Direi-to. Porém, até hoje, nunca foram votadas.

Depois de pressão do movimento indígena e de declarações do ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e do então presidente do STF, o ex-ministro Carlos

Ayres Brito, contrários aos termos da portaria, Adams recuou e a suspendeu até a votação das condicionantes.

A ocupação só terminou com a che-gada do procurador Federal, que recebeu o documento dos indígenas e garantiu que o encaminharia ao ministro Adams, em Brasília. As paredes da AGU ficaram tingidas de urucum.

“Estou aqui como mãe que se preocupa com o futuro dos filhos. Vocês estão queren-do matar a gente? Essa Portaria 303 é para beneficiar a Kátia Abreu [senadora ruralista e presidente da CNA]. Que a Kátia Abreu plante soja na fazenda dela e deixe as terras indígenas em paz”, disse Gercina Krahô. n

Povos de Goiás e Tocantins ocupam AGU em Palmas

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Mulheres indígenas expulsam coordenadora do DSEI Tocantins da Assembleia

Saúde foi o tema dos debates no dia 22. “O kupê [branco] veio não sei de onde e quer ver a gente na lama. Dentro de nosso coração a gente sofre e o kupê nos engana, mente, rouba. Então a partir de agora vai ser assim: a gente vai tirar”, disse Gercina Krahô.

A questão da saúde é motivo de

mortes e indignação para comunidades de todo o país.. “Fizemos isso porque essa mulher [Evanecilda] mente demais. Vocês, kupê, não fazem pior conosco? Não nos expulsam das terras? Não nos matam, deixam morrer e roubam nossos recursos? A gente se desculpa, porque não somos violentos, não é da gente isso.

Mas nem o chefão de Brasília [Antonio Alves] vem nos ver, ouvir”, completou Gercina.

A expulsão foi presenciada pelas procuradoras Federais Ana Paula Fonseca, de Goiás, e Aldina Pereira, de Tocantins. “É lamentável que che-guemos nesse extremo. Concordo com tudo isso, sei que não tem mais como acreditar. Na Bahia isso tem acontecido e em outros estados também”, frisou Cleiton Javaé.

“Isso que aconteceu aqui é um ato de indignação. Há tempos que estamos engolindo a coordenadora do Dsei, as intimidações dela. O Antonio Alves foi convidado. Por que não veio? As atitudes do governo pioram a situação e esperamos um retorno do Ministério Público Federal (MPF)”, disse Wagner Krahô. n (Renato Santana)

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14Maio–2013

Há 15 anos, em 1998, era assassinado

cacique Xikão Xukuru, em Pesqueira, município

do agreste pernambucano.

Plantado na Pedra

D’água, local sagrado do

povo Xukuru, o cacique foi

plantado. A luta dos Xukuru

pela terra tradicional, a Serra do

Ororubá, seguiu e

hoje Xikão é exemplo e memória do

povo

Em Rondônia, povos denunciam omissão do Estado

Cimi Regional Rondônia

s documentos finais da Assembleia da Associação Akot Pytin Kyowã Adpina, ocorrida entre os dias 13 e 17 de maio, na terra indígena Karitiana, em Porto Velho (RO), evidenciam a postura negligen-

te do governo federal em relação aos povos indígenas, em preterir direitos básicos - como saúde, educação e proteção às terras -, ao mesmo tempo em que se omite diante das violências contra as povos indígenas em prol de interesses econômicos, favorecendo a exploração das terras e a difamação contra estes povos. Em denúncia, as lideranças expuseram na Assembleia os desrespeitos em relação à saúde, à educação e aos processos legislativos que tramitam no Congresso Nacional que ferem os direitos indígenas.

Sem atendimento de saúde diferenciado e adequado para cada povo, a Casa de Saúde Indígena, de nível regio-nal, compromete o estado de saúde dos povos Karitiana, Karipuna, Cassupá e Salamãi. Eles exigem a construção de Pólos Bases nas aldeias, com estrutura mínima para o funcionamento: infraestrutura, ventilação, equipamentos, equipe médica suficiente, profissionais com formação específica, além da formação e contratação de microsco-pistas indígenas e transporte que atenda as necessidades dos indígenas.

Também denunciaram a falta de escolas indígenas nas aldeias, de estrutura, professores específicos, funcionários para limpeza e merendas, alimentação e de transporte para professores indígenas, não indígenas e para estudantes, além da necessidade de implantação de escolas indígenas para estudantes do sexto ao nono ano e ensino médio.

Com as ameaças ao artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) por projetos de lei e emendas em tra-mitação no Congresso Nacional, as lideranças indígenas alertaram para o risco de retrocesso nos direitos dos povos indígenas. Propostas lideradas pela bancada ruralista vi-sam dificultar a garantia e a proteção das terras indígenas, em prol da exploração e do desenvolvimento econômico, desconsiderando os interesses dos povos indígenas. É o caso das Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) 215/2000 e 237/2013, do Projeto de Lei (PL) 1610/1996, da Portaria 303/2012, da Advocacia Geral da União (AGU), e do Decreto-Lei 7957/13. “Sem uma presença forte do Estado, nosso território se torna presa fácil nas mãos de grupos econômicos e especuladores”, afirmam os participantes na carta final do evento.

Leia os documentos da Assembleia da Associação Akot Pytin Kyowã Adpina na íntegra em http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=6909 n

PaísAfora

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Povo Karitiana reunido em assembleia. Encontro tratou de direitos violados e da invasão do território indígena

Nesse momento em que os povos indígenas do Brasil sofrem a ameaça de ter os seus direitos assegurados pela Constituição Federal desconstituídos, em con-sequência da ofensiva tramada pela bancada ruralista no Con-gresso Nacional - principalmente pela apresentação de proposições legislativas antiindígenas, a exem-plo das Propostas de Emenda Constitucional (PECs) 215 e 38 -, como também das ações do governo brasileiro que, em julho de 2012, publicou a Portaria 303, que pretende inviabilizar os proce-dimentos de demarcação de terras indígenas, nós, povo Xukuru do Ororubá, realizamos a nossa VIII Assembleia.

Reunidos na aldeia Pedra d’água, conduzidos pela natureza sagrada, no período de 17 a 19 de maio de 2013, participamos ativa-mente das discussões, tendo como inspiração o tema: “Limolaigo Toípe – Unindo as forças do Oro-rubá na construção do Bem viver, fortalecendo o respeito do Índio com a Natureza”. Nesse espaço sa-grado para nós, Xukuru, se fizerem presentes os representantes das aldeias e suas delegações: Curral Velho, Sucupira, Cajueiro, Jatobá, São José, Capim de Planta, Pé-de--Serra dos Nogueiras, Oiti, Caípe, Pedra D’água, Santana, Couro Dantas, Gitó, Mascarenhas, Cal-deirão, Cana Brava, Pé-de-Serra de São Sebastião, Guarda, Cimbres, Imbé, Pau Ferro, Pão-de-Açucar,

Lagoa, Caetano, Passagem, Afe-tos, Bananeira, Brejinho, índios que residem na cidade, além dos nossos parentes em Pernambuco: Povo Truká, Kambiwá, Kapinawá, Pipipã; nossos parentes de outros estados: Potyguara e Tabajara na Paraiba; representantes do povo Dakota dos Estados Unidos e alia-dos nessa trajetória, entre eles: Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Instituto de Terras e Re-forma Agrária do Estado de Per-nambuco (Iterpe), Centro de Apoio ao Pequeno Produtor (Cedapp), Diocese de Pesqueira, Prefeitura Municipal de Pesqueira, Câmara de Vereadores de Pesqueira, Insti-tuto Agronômico de Pernambuco (IPA), Secretaria de Agricultura do Estado de Pernambuco.

Após intenso diálogo e pro-funda reflexão sobre o projeto de vida e nossa trajetória de luta, confirmamos o princípio de que o sagrado é a base que nos motivou a reconquistar o nosso território tradicional e fortalecer a nossa organização, no sentido de que o Bem viver aconteça de forma plena.

Retornamos ao terreiro da Pedra D’água nesse ano em que celebramos os 15 anos do martírio de nosso líder Xikão Xukuru, bus-cando reviver, relembrar e retomar as forças que nos levaram a recon-

CACIqUE XIkão, PRESENTE! Em Assembleia, Xukuru reverenciam o sagrado e reavivam a resistência para a defesa de seus direitos

eunidos em sua VIII As-sembleia, entre os dias 17 e 19 de maio na aldeia Pedra d’Água, em Pesquei-

ras (PE), o povo Xukuru de Orurubá reforçou a importância da memó-ria e do sagrado na reconquista do território tradicional. Cerca de trinta aldeias indígenas do povo Xukuru, povos vizinhos e estran-geiros, além das organizações e entidades aliadas, participaram do evento, que celebrou também os 15 anos de morte do líder Xikão Xukuru, em que buscaram “reviver, relembrar e retomar as forças que nos levaram a reconquistar o nosso espaço sagrado”. Na carta elaborada no final da Assembleia, os Xukuru destacaram o processo de crimi-nalização por qual tem passado as lideranças Xukuru e a memória e a luta pela terra indígena, num mo-mento em que os seus direitos são ameaçados por propostas como a PEC 215, a PEC 38 e a Portaria 303.

quistar o nosso espaço sagrado. Lembramos de nossos Toípes, guerreiros e guerreiras que, com fé na natureza e iluminados pela força encantada, lutaram pela defesa e liberdade do nosso povo e pela libertação de nossas terras que se encontravam invadidas por fazendeiros. Nesse processo de luta, muitos foram perseguidos, criminalizados, processados e injustamente condenados. Outros tombaram, e suas forças se en-cantaram e fizeram das matas do Ororubá suas moradas. Entende-mos que fazem parte da natureza sagrada. Sendo assim, reafirma-mos o nosso compromisso com o sagrado, nossa mãe natureza, no sentido de proteção e zelo.

Revivemos a nossa memória, renovamos a nossa força e re-sistência para continuar a luta.Alimentamos os nossos sonhos guiados pela luz dos nossos encantos, que nos levam à cons-trução do nosso projeto de vida. Saímos fortalecidos e conscientes de que precisamos superar os desafios impostos, para construir o nosso modelo de governo autô-nomo e fortalecidos com a força das nossas organizações que, em sintonia com a nossa espiritua-lidade, nos conduzem a trilhar pelos caminhos que nos levam à terra velha, terras dos ancestrais, nosso Limolaigo Toípe.

Povo Indígena Xukuru do Ororubá, 19 de maio de 2013 n

ÍNTEGRA DA CARTA DA VIII ASSembleIA DO POVO XukuRu DO ORORubá

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15 Maio–2013

Considerados pela Survival como os mais ameaçados do planeta, os Awá-Guajá são povos nômades que vivem da coleta e da caça

Rosana DinizCimi Regional Maranhão

Cimi e a ONG Survival Interna-tional apresentaram petição de caráter urgente à Comissão Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), responsabi-lizando o governo brasileiro pela viola-ção dos direitos dos povos Awá-Guajá. Enviada no dia 7 de maio, a petição solicita que sejam tomadas medidas imediatas para retirar os invasores das terras dos indígenas, no noroeste do Maranhão.

Considerados pela Survival como os mais ameaçados do planeta, os Awá--Guajá são povos nômades que vivem da coleta e da caça. Apesar da demarcação homologada em abril de 2005, a terra in-dígena Awá é invadida por fazendeiros e madeireiros da região e a sua população já foi drasticamente reduzida. Atualmen-te, cerca de 450 indígenas habitam a re-gião, dos quais 100 vivem isoladamente e podem desaparecer caso as invasões e o desmatamento continuem.

A entrada na terra indígena pelo empreendimento da Vale no início dos anos de 1980, com o Projeto Grande Carajás, intensificou as invasões e con-seqüentes perseguições dos Awá-Guajá.

Renato Santanade Brasília (DF)

desembargador Andre Nekats-chalow, da 5ª Turma do Tri-bunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), pediu a prisão

de quatro réus envolvidos no assassi-nato do Cacique Nísio Gomes Guarani--Kaiowá, ocorrido em novembro de 2011 no tekoha Guaiviry, município de Aral Moreira, Mato Grosso do Sul.

Os réus Cláudio Adelino Gali, Levi Palma, Aparecido Sanches e Idelfino Ma-ganha estão foragidos. Eles fazem parte do grupo de 19 acusados de executar e planejar o crime, conforme investigação apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) à Justiça Federal, que acatou a denúncia.

Por força de habeas corpus, os qua-tro estavam em liberdade provisória, depois de serem presos em julho de 2012. Passaram pouco tempo na cadeia – até o início deste ano, apenas sete dos 19 acusados ainda estavam detidos. As acusações são de homicídio qualificado,

opção, então, foi a expulsão forçada, prática comum no estado. Para isso, contaram com os serviços da empresa de segurança Gaspem, atuante em ou-tros focos de conflito entre indígenas e fazendeiros no Mato Grosso do Sul.

De acordo com as investigações do MPF, um dia antes do ataque ao Guaiviry, o advogado Levi e Aurelino Arce, dono da Gaspem, se reuniram para acertar os detalhes da ação. Arce arregimentou homens para a ação, todos réus no pro-cesso, e Levi cuidou da logística.

Na noite do dia 17 de novembro de 2011, horas antes do ataque, o bando se concentrou na Fazenda Ma-ratana. Nessa ocasião surge a figura de Aparecido Sanches, braço direito do fazendeiro Cláudio Adelino Gali, que ao lado do patrão repassou armas calibre 12 para os pistoleiros da Gaspem sob a supervisão operacional do advogado Levi. Sanches é o motorista da S-10 que retirou o corpo de Nísio Gomes do tekoha Guaiviry para ocultá-lo, depois do indígena receber um tiro na altura da axila. n

PaísAforaAlém da fragmentação do território pela

construção da ferrovia e das rodovias e pelo desmatamento causado pela extração de minérios e de madeiras, a enorme pressão e as constantes amea-ças dos fazendeiros colocam em risco a sobrevivência destes povos.

A omissão do Estado fere a Cons-tituição brasileira, a Convenção Inte-ramericana de Direitos Humanos e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do homem, das quais o Brasil é signatário. Cleber Buzatto, secretário--executivo do Cimi, afirma que a ex-pectativa é que, com uma intervenção internacional, o governo assuma a sua responsabilidade em proteger os di-reitos dos povos: “O povo Awá-Guajá, o Cimi e outras organizações sociais fizeram todos os esforços possíveis para que o governo tomasse providências para a proteção das terras. Mas não tivemos respostas”.

A petição solicita à Comissão que responsabilize o governo brasileiro pela violação dos direitos dos Awá e reco-menda que o Brasil deve, em consulta com os Awá, garantir que suas terras sejam dedicadas ao uso deles, que os invasores sejam expulsos, que todas as atividades ilegais sejam paralisadas e que a terra seja protegida pelo Estado permanentemente.

Petição para a oEA denuncia violações aos Awá-Guajá

Descaso com a saúde indígena faz mais uma

vítima: Ajrua Awá-GuajáA negligência no atendimento à

saúde indígena causou mais uma morte no Maranhão. Ajrua Awa-Guajá, de 40 anos e mãe de cinco filhos, residia na Terra Indígena Caru. Falecida no dia 11 de maio, no hospital Socorrão I, em São Luís (MA), teve Calazar – leishmaniose visceral - como causa da sua morte.

Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), desde o dia 4 de abril, Ajrua apresentava sintomas da doença, que um mês depois a matou. Ela chegou a ser enviada ao Polo Base Santa Inês, mas logo retornou à aldeia. Não apresentando melhoras, retornou ao Santa Inês com a saúde agravada, mas não recebeu o tratamento ade-quado.

O caso de Ajrua remete aos inúme-ros casos de negligência e descaso da falta de compromisso com a saúde dos povos indígenas e demais brasileiros do campo, das florestas e das cidades pelo governo brasileiro.

Em 2011, uma criança Awá foi acometida por esta mesma doença. Felizmente, após intervenção do Cimi junto ao médico sanitarista Istvan Varga, a doença foi diagnosticada fora do Socorrão II depois de mais de uma semana de internação da criança.

Esperamos que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), do Maranhão, tomem urgentes provi-dências com relação a mais este caso de Calazar na aldeia Awá. Pedimos ao Ministério Público Federal (MPF) que investigue se houve negligência no atendimento da indígena. n

formação de quadrilha, corrupção de testemunha, porte ilegal de arma de fogo e ocultação de cadáver.

No dia 20 de maio, o desembar-gador Nekatschalow cassou o habeas corpus que concedeu a liberdade pro-visória aos réus. “Pelo que se verifica dos elementos coligidos aos autos, há suficientes indícios de materialidade e autoria, em relação à imputação delituosa perpetrada, em tese, pelos indiciados”, diz a decisão da 5ª Turma.

Uma cláusula presente na liberdade provisória determina que caso os réus beneficiários dela se ausentem de suas residências teriam que, previamente, pedir autorização judicial informando o calendário de viagem, bem como o destino. Os acusados realizaram pedi-dos apenas no final do ano passado, não agora, ocasião em que se encontram foragidos.

Quem é quemCláudio Adelino Gali é proprietário

das fazendas Sonho Mágico e Arueira, áreas vizinhas ao tekoha Guaiviry, as-

sim como Idelfino Maganha, dono das fazendas Querência, Cachoeirinha e Figueira. Depois dos Guarani-Kaiowá, liderados por Nísio Gomes, terem reto-mado a terra tradicional, os fazendeiros passaram a discutir como retirar os indígenas do local, conforme denúncia apresentada pelo MPF.

Nas discussões, estavam os advoga-dos Levi Palma e Dieter Michael Seybo-th, o fazendeiro Samuel Peloi, além do presidente do Sindicato Rural de Aral Moreira, Osvin Mittanck. A primeira medida foi o suborno, mas os indígenas do Guaiviry não aceitaram. A segunda

o

TRF-3 pede a prisão de quatro envolvidos no assassinato de Nísio Gomes Guarani-kaiowá; os acusados estão foragidos

oDe acordo com as investigações do MPF, um dia antes do ataque ao Guaiviry, o advogado Levi e Aurelino Arce, dono da Gaspem, se reuniram para acertar os detalhes da ação. Arce arregimentou homens para a ação, todos réus no processo, e Levi cuidou da logística. Na foto, cacique Nísio Gomes Guarani Kaiowá, assassinado no tekoha Guaiviry

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Page 16: “Geisel” Hoffmann, aqui pra você, ó!

16Maio–2013

APOIADORES

deste Estado [Brasil], e confessaram que mais temiam a flecha destes que o nosso arcabuz. (...) Servem mais aos moradores em suas fazendas; e para isso se põem com eles por soldada [recebendo salário], por certos meses, por seu estipêndio [contrato], conforme ao regimento de S.M. [Sua Majestade] ” (Vida do Padre José de Anchieta, [c.1597], 1988, p. 127).

Com o passar do tempo parte desses indí-genas foi se cansando dessa fidelidade, como se vê num episódio ocorrido em meados do século 18, na missão de Reritiba, onde o Padre Anchieta passou o final de sua vida.

Segundo um documento do Arquivo Ultra-marino de Portugal, a 26 de julho de 1744, “um bando de índios dando tiros entrou na igreja com soberba, enquanto os índios da aldeia estavam rezando o terço” (In: MOTT, 2007, p. 228). Segundo Mário Freire, o líder dessa rebelião seria um Tupinikim que ali vivia, embora seu nome não seja revelado, e que teria sido repreendido por um irmão jesuíta durante uma procissão, por um procedimento indevido. Irritado com a reprimenda, esse saiu em busca de outros indígenas para vingar-se de tal humilhação. O documento não diz a procedência dos componentes do grupo, mas seguramente seriam outros Tupinikim, vivendo dispersos na região.

Um tumulto se formou, pois o grupo de-sejava espancar o citado religioso. Chamado às pressas, o superior da missão foi à igreja, quando, perplexo, ouviu desses indígenas que eles eram “os novos oficiais providos pelo Ouvidor e que os jesuítas saíssem da aldeia”.

Diante de ordem tão clara e, certamente intimados pelas armas e pela exaltação dos rebelados, aos padres não restou senão tomar

um barco e rumar para Vitória, onde foram acolhidos no convento local. Ali também de-ram queixa ao governador.

Esse movimento atingiu outros aldeamen-tos missionários, como o dos Reis Magos e o de São Pedro, em Cabo Frio, já próximo ao Rio de Janeiro. O grande medo das autoridades, como registra o documento da época, era “que voltem [esses Tupinikim] a ser gentio bárbaro como antes e surja uma guerra ainda mais arris-cada do que foi a dos Palmares, em Pernambuco [o famoso quilombo de Palmares]” (Id., ib.).

Por isso o governador do Rio de Janeiro determinou imediata devassa e severa pu-nição dos responsáveis, pois considerava essa rebelião muito grave pela dimensão que tomou. Não se pode esquecer que os padres estavam na missão há quase 150 anos e que os indígenas se mostravam dóceis e “sempre viveram em temor e obediência”. Não se tem registrado em que consistiu tal punição, mas seguramente o grupo deve ter sido preso e submetido a severos castigos, como ocorria na época.

Esse fato teve outros desdobramentos, pois segundo Freire, os indígenas desconten-tes abandonaram os aldeamentos, formando um novo núcleo, o de Orobó, que se manteve por vários anos (A capitania do Espírito Santo, 1945, p. 109).

O espírito anticlerical perdurou por um bom tempo, pois anos mais tarde, quando o Vigário Geral do Rio de Janeiro esteve na capitania visitando os aldeamentos, esses indígenas recusaram-se a recebê-lo. Treze anos depois os jesuítas são definitivamente expulsos do Brasil, iniciando uma nova fase na história indígena no Espírito Santo. n

Benedito PreziaHistoriador

a metade do século 18 a capitania do Espírito Santo vivia dias difíceis pois grande parte da população havia par-tido para as minas recém descobertas na capitania vizinha, em busca de riqueza fácil. A vila de Vitória possuía

apenas 1.390 “fogos” ou famílias, com uma população aproximada de 7 mil pessoas.

Em 1746, segundo o historiador capixaba Mário Aristides Freire, o ouvidor Mateus Nu-nes afirmava que “aqui [em Vitória] não há cadeia, nem casa da Câmara, por terem caído de todo, e não cuidarem os meus antecessores na sua reedificação em tempo mais suave; se bem que a falta de meios seria então a causa, pois a Câmara não tem rendimento algum” (In: A capitania do Espírito Santo, 1945, p. 108).

Contrastando com a penúria dos edifícios públicos, as missões dos jesuítas possuíam boas residências e muitas plantações, como se vê pelo imponente edifício da Missão dos Reis Magos, em Nova Almeida, e o colégio dos padres, em Vitória.

Os indígenas aldeados sempre foram fonte de renda não apenas para manter os colégios nas vilas, como também abasteciam as famí-lias portuguesas. Tornaram-se igualmente o baluarte da colonização portuguesa, como escrevia o Padre Pero Rodrigues, provincial dos jesuítas do Brasil (1594-1603), no início do século 17: “Tem neles os portugueses fiéis e esforçados companheiros na guerra, cuja flecha muitas vezes experimentaram os estrangeiros, que cometeram [ousaram] de entrar com mão armada [em] algumas vilas

rebelião na CaPiTania do esPíriTo sanTo

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