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Gênero entrevista pingue-pongue: a valoração do discurso do outro
Nívea Rohling da Silva (Doutoranda em Linguística - UFSC)
Resumo: Este artigo apresenta uma análise do gênero entrevista pingue-pongue, do jornalismo de revista. A fundamentação teórico-medotodológica insere-se na teoria de gêneros do discurso e da análise dialógica do discurso do Círculo de Bakhtin (ADD). Os dados de pesquisa são compostos por todas as entrevistas pingue-pongues (52) publicadas nas revistas semanais CartaCapital, ISTOÉ e Veja, no período de 4 de outubro a 8 de novembro de 2006, época do segundo turno das eleições presidenciais no Brasil. A partir da análise dos dados, definiu-se a entrevista pingue-pongue como um discurso citado da entrevista face a face; um enquadramento do discurso do entrevistado a partir de uma reenunciação da entrevista face a face. Nesse processo de reenunciação, o discurso do entrevistado não é apenas transmitido; há nesse processo de reenunciação uma espécie de “encenação” da entrevista face a face, que é reenunciada e valorada pelo autor da entrevista pingue-pongue. Palavras-chave: Valoração do discurso do outro; Gênero do discurso; Entrevista pingue-pongue; Círculo de Bakhtin. Abstract: The present article presents an analysis of the genre ping-pong interview, from the magazine journalism. The theoretical-methodological basis concerns the theory of speech genres and the theory of dialogical analysis from the Bakhtin’s Circle. The research data are composed by all the ping-pong interviews (52) published in the weekly magazines CartaCapital, ISTOÉ and Veja, from October 4th. to November 8th., 2006, the period that corresponds to the second round of the presidential elections in Brazil. From the analysis of the data, the ping-pong interview was defined as a mentioned discourse of the face to face interview; as a reframing of the interviewee’s speech based on the reuttering of the face to face interview. This reuttering process involves not only the transmission of the interviewee’s speech, but also a kind of “staging” of the face to face interview, which is reuttered and valued by the author of the ping-pong interview. Key-words: Valuation of the speech of the other; speech genres; ping-pong interview, Bakhtin’s Circle.
1. INTRODUÇÃO (13 laudas)
Neste texto, partimos da noção de gêneros na perspectiva do Círculo de Bakhtin
que os concebe como “formas de discurso social”; como uma “tipificação social dos
enunciados que apresentam certos traços (regularidades) comuns, que se constituíram
historicamente nas atividades humanas, em uma situação de interação relativamente
Este artigo apresenta um recorte da pesquisa de mestrado em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), intitulada: “O gênero entrevista pingue-pongue: reenunciação, enquadramento e valoração do discurso do outro” (2007).
1
estável” (RODRIGUES, 2005, p. 164). E, ainda, como “tipos relativamente estáveis de
enunciados”, ou seja, através de enunciados individuais, de uma dada situação social de
interação de uma determinada esfera social (jornalismo, ciência, escola etc.), que se
“movimentam” em direção a uma regularidade (que é resultado da estabilização dessa
situação social de interação), surge o gênero. Uma vez constituído, ele funciona como
referência (sua normatividade) para a produção de novos enunciados.
Partindo dessa noção de gênero, este artigo tem por objetivo apresentar uma
análise do gênero entrevista pingue-pongue, do jornalismo de revista. Para tanto,
inicialmente faremos uma breve exposição do percurso metodológico da pesquisa. Na
sequência, apresentaremos os resultados de pesquisa. Esta seção de resultados de análise
está organizada da seguinte forma: primeiramente faremos uma exposição dos aspectos
mais gerais do gênero: o objetivo discursivo; os participantes da interação nesse gênero,
a seguir, de forma mais específica, enfocaremos dois aspectos: o enquadramento do
discurso do entrevistado e a valoração desse discurso através do conteúdo semântico-
objetal das entrevistas.
2. METODOLOGIA DA PESQUISA
Esta pesquisa insere-se nos estudos analíticos dos gêneros e está baseado na
concepção bakhtiniana de linguagem, discurso, enunciado e gênero do discurso, tendo
como ancoragem metodológica a “ordem metodológica” de cunho sócio-histórico
proposto por Bakhtin [Volochínov] (2004) para o estudo da linguagem.
Além disso, também optamos pela proposta metodológica de estudo de
gêneros do discurso de Rodrigues (2001), cujas idéias estão ancoradas em Bakhtin.
Seguindo a proposta da autora, partimos da análise da dimensão social do gênero para
posteriormente analisarmos sua dimensão verbal [dimensão linguageira]. Essa
proposta aponta para a necessidade de estudar, de antemão, os aspectos sócio-
discursivos do gênero, ou seja, o auditório social, as condições de produção, a esfera
social em que circula, para, só então, proceder à análise de suas (relativas) regularidades
linguageiras, correlacionadas com as regularidades da situação social de interação.
Entretanto, é importante salientar que esse procedimento de análise (a ordem de análise
das dimensões do gênero, que em dados momentos são analisadas e apresentadas
separadamente) justifica-se apenas por questões metodológicas, tendo em vista que as
duas dimensões são indissociáveis na concretização do enunciado e, portanto, também
no gênero e em sua análise. Segundo Rodrigues (2001, p. 248), “[...] tem-se uma relação
2
inextricável entre as dimensões social e verbal [linguageira] do enunciado, que formam
a sua unidade, e do enunciado singular e o seu gênero”.
Os dados da pesquisa constituem-se de todas as entrevistas pingue-pongues,
52 (cinquenta e duas) entrevistas, publicadas em três revistas semanais de informação,
de circulação nacional: CartaCapital, ISTOÉ e Veja2, publicadas no período de 04 de
outubro de 2006 a 08 de novembro de 2006, período de cobertura do segundo turno das
eleições presidenciais no Brasil.
A opção pelo uso do termo ‘entrevista pingue-pongue’. Tendo em vista a
polissemia do termo “entrevista” e a variedade de gêneros que são nomeados como
‘entrevista’, optamos por nomear o objeto desta pesquisa como entrevista pingue-
pongue, uma vez que esta é a terminologia mais recorrente na esfera do trabalho do
jornalismo e, sobretudo, no jornalismo de revista, para as entrevistas publicadas.
4. O GÊNERO ENTREVISTA PINGUE-PONGUE
No jornalismo, segundo Oliveira (2002), a entrevista concretiza-se tanto na
modalidade oral quanto na modalidade escrita. Na modalidade oral, é um importante
gênero constitutivo da mídia radiofônica e televisiva. É comum, tanto no rádio quanto
na TV, aparecer em forma de pergunta e resposta (pingue-pongue) entre entrevistador e
entrevistado. No suporte jornal ou revista, também se realiza em forma de pergunta-
resposta (pingue-pongue) (OLIVEIRA, 2002).
Como dito antes, a entrevista pingue-pongue é um gênero da esfera jornalística
que circula principalmente nas revistas. Caracteriza-se textualmente pela apresentação
de uma entrevista na forma de perguntas e respostas, constituindo-se como resultado da
edição/reenunciação da entrevista que realizada face a face.
A entrevista pingue-pongue apresenta uma complexa relação discursiva entre
entrevistador, editoria, entrevistado e leitor. Os interlocutores ocupam lugares
diferenciados: quem pergunta (entrevistador), quem responde (entrevistado) e quem
edita o texto. Mais que posições diferenciadas, tem-se um complexo processo de co-
autoria, pois editoria, entrevistador e entrevistado constroem o texto. Contudo, vale
ressaltar que a definição do conteúdo, composição e estilo do gênero é definida pela
esfera do jornalismo, a partir de uma linha editorial. Para Bonini (2000), a função
2 As revistas são referenciadas pelo nome tal como esse aparece em suas capas: CartaCapital, sem espaço entre as palavras; ISTOÉ, todo em letra maiúscula e sem espaço entre as palavras; e Veja, com a letra inicial maiúscula.
3
interativa que se estabelece em qualquer entrevista jornalística é uma publicação em co-
autoria que deve trazer algo de novo sobre o entrevistado.
Assim, a entrevista pingue-pongue constitui-se a partir da edição/reenunciação da
interação direta (face a face) entre entrevistador e entrevistado, que foi gravada ou
registrada em forma de anotações, e, mais recentemente, realizada através de e-mail3. A
partir dessa interação, no processo de reenunciação e retextualização final da entrevista
face a face, há uma modalização da fala do entrevistado, isto é, a sua fala é um discurso
citado dentro da fala do entrevistador, que dá o acabamento ao enunciado (a entrevista).
O que diz Bakhtin (Volochinov) (2004) para o discurso relatado pode ser aqui aplicado,
pois a fala do entrevistado, na reenunciação da entrevista pingue-pongue, é o discurso
no discurso.
Essa reenunciação da entrevista face a face pode ser compreendida como um
processo de intercalação de gênero, tendo em vista que os temas, o auditório social, a
concepção de autoria sinalizam para a presença da interação face a face, que é
reenunciada em forma de entrevista pingue-pongue (enunciado publicado). Contudo,
não se trata de uma presença explícita, pelo contrário, é como se fosse uma
“encenação”, demonstrando uma relação de constutividade genérica4 entre esses dois
gêneros (entrevista face a face e entrevista pingue-pongue).
A situação de interação discursiva do gênero ocorre na relação discursiva
entre os participantes da interação, a saber, o autor e o leitor previsto, mediada pela
esfera do jornalismo. Contudo, haja vista que o gênero se constitui em uma
reenunciação da entrevista face a face, o que aponta para a presença da intercalação
dessa na entrevista pingue-pongue. Assim, a entrevista pingue-pongue projeta um
“efeito” de sentido que conduz à idéia de que os interlocutores da situação de interação
discursiva são jornalista e entrevistado (interlocutores na interação face a face), e não
autor e leitor (BAKHTIN, 1998).
No tocante à autoria, podemos dizer que o objeto do discurso (o entrevistado
e seu discurso) é, para o autor, uma concentração de “vozes” multidiscursivas5, dentre
as quais ressoa a sua “voz” (de autor). Entretanto, o gênero produz um “efeito” de
3 Em seu artigo, Bonini (2000) discute as peculiaridades da interação que se estabelece entre entrevistador e entrevistado através da entrevista por e-mail, propondo estudar uma mídia que impõe um padrão diferenciado de interação, e que, consequentemente, apresenta uma textualidade distinta da entrevista clássica (face a face). 4 “Capturar” o processo axiológico-discursivo de reenunciação da entrevista face a face, discutindo a relação de dependência constitutiva entre esta e a entrevista pingue-pongue, é um dos objetivos de pesquisa de doutorado em andamento (SILVA, N. R.). 5 Esse conceito se deu a partir de uma analogia com o que Bakhtin (1998) diz sobre a autoria no romance: “O objeto é para o prosador a concentração de vozes multidiscursivas, dentre as quais deve ressoar a sua voz; essas vozes criam o fundo necessário para a sua voz [...]” (Bakhtin, 1998, p. 88).
4
sentido que leva o leitor a pensar que é a “voz” do próprio entrevistado que se
“manifesta” na entrevista pingue-pongue. Toda essa construção discursiva cria um
fundo aperceptivo necessário para a criação de matizes ideológicos da esfera
jornalística, pois, segundo Bakhtin (1998), todo e qualquer discurso da prosa extra-
artística (a jornalística, por exemplo) não pode deixar de se orientar para o já-dito, para
o “conhecido”. O que nos conduz à questão de autoria (trabalho estilístico-
composicional) no gênero, a qual ocorre em uma complexa relação de co-autoria, sendo
que é de responsabilidade da instância discursiva do jornalismo, representada pelo
jornalista e pela editoria. Esse trabalho de co-autoria cumpre o projeto discursivo da
revista através do enquadramento do discurso do entrevistado.
Já o interlocutor previsto do gênero corresponde ao leitor da revista semanal
de informação, ou seja, trata-se de um público que demonstra maior interesse por temas
tradicionalmente abordados por revistas semanais de informação.
A partir da análise dos dados, foi possível estabelecer dois agrupamentos do
gênero:
1. Com relação ao objeto do discurso, que subdivide as entrevistas em: a)
entrevistas pingue-pongues cujo objeto do discurso é o próprio entrevistado; b)
entrevistas pingue-pongues cujo objeto do discurso é o conjunto dos acontecimentos
sociais; são entrevistas temáticas e testemunhais.
2. Com relação ao lugar de ancoragem na revista, que subdivide as
entrevistas em: a) entrevistas pingue-pongues nucleares, publicadas nas páginas
vermelhas e nas seções principais da revista ISTOÉ; nas páginas amarelas e nas seções
principais da revista Veja e em qualquer seção na CartaCapital; b) entrevistas pingue-
pongues satélites, que são publicadas nas seções destinadas a colunismo social,
Holofote (Veja), Gente (Veja) ou aos “bastidores da política” (ISTOÉ) e aquelas que
são publicadas em proximidade a outras reportagens dentro de uma única página ou
seção e cumprem a função de “completar” uma série de reportagens, por exemplo, as
entrevistas da seção GUIA Veja (Veja).
Observamos uma correlação entre esses dois agrupamentos de entrevistas,
pois podemos relacionar as entrevistas cujo objeto do discurso é o próprio entrevistado
às entrevistas satélites, bem como podemos aproximar as entrevistas cujo objeto do
discurso é o conjunto dos acontecimentos sociais (mais precisamente as entrevistas
temáticas) às entrevistas nucleares. Essa correlação pode ser observada na figura a
seguir:
5
Figura 1 - Correlação entre os agrupamentos de entrevista pingue-pongue.
Essa aproximação (Cf. figura 1) se justifica nas situações em que as
entrevistas satélites têm como foco o entrevistado, adentrando assuntos relativos a sua
vida particular, que pertencem à esfera íntima, mas se tornam públicos ao serem
inseridos na esfera jornalística. Já nas entrevistas nucleares, há uma tendência de
focalizar os assuntos que contemporaneamente constituem conteúdo jornalístico, ou
seja, o conjunto dos acontecimentos sociais que são valorados pela esfera do jornalismo.
Entretanto, essa aproximação entre os agrupamentos de entrevistas não se constitui em
regra, mas em uma constatação aproximativa.
Com objetivo de exemplificar todos os movimentos de análise em uma
entrevista pingue-pongue, fecharemos esta seção com um exemplo de articulação das
regularidades6 do gênero a partir da análise do material linguístico-textual em uma
entrevista satélite com a atriz Carol Castro (Veja, n. 41, 2006) 7.
6 Esta figura apresenta uma visão panorâmica das regularidades observadas no gênero. Por questões de espaço não faremos o detalhamento das regularidas apresentadas através da figura. Uma análise mais minuciosa pode ser encontrada em SILVA, N. R. (2007), disponível em: http://www.tede.ufsc.br/teses/PLLG0389-D.pdf . 7 Por questões de espaço, o exemplo da articulação das regularidades do gênero no material linguístico-textual será apresentado, isoladamente, na página seguinte.
6
Figura 2 - As regularidades do gênero em uma entrevista pingue-pongue satélite.
Até aqui apresentamos as regularidades mais gerais análise observadas nos
dados de pesquisa, a seguir, faremos a exposição de dois aspectos mais pontuais da
7
analise do gênero, a saber, o enquadramento do discurso do entrevistado e a valoração
axiológica desse discurso.
5. O ENQUADRAMENTO DO DISCURSO DO ENTREVISTADO
Segundo Rodrigues (2001, p. 173), “O enquadramento do discurso do outro no
enunciado cria a perspectiva, o fundo dialógico que é dado ao discurso introduzido”. E
sobre esse enquadramento do discurso do outro, Bakhtin diz que,
[...] por maior que seja a precisão com que é transmitido, o discurso de outrem incluído no contexto sempre está submetido a notáveis transformações de significado. O contexto que avoluma a palavra de outrem origina um fundo dialógico cuja influência pode ser muito grande. Recorrendo a procedimentos de enquadramento apropriados, pode-se conseguir transformações notáveis de um enunciado alheio, citado de maneira exata. O polemista inescrupuloso e hábil sabe perfeitamente que fundo dialógico convém dar às palavras de seu adversário, citadas com fidelidade, a fim de lhes alterar o significado. [...] A palavra alheia introduzida no contexto do discurso estabelece com o discurso que o enquadra não um contexto mecânico, mas uma amálgama química (no plano do sentido e da expressão); o grau de influencia mútua do diálogo pode ser imenso (BAKHTIN 1998, p. 141).
O enquadramento do discurso do outro, nos termos bakhtinianos, caracteriza-se
por conferir a esse discurso citado um novo acento de valor e criar um ângulo dialógico-
axiológico que o autor pretende inserir nesse discurso.
A noção de enquadramento do discurso foi observada, em particular, na
publicação de entrevistas pingue-pongues com os dois candidatos à Presidência da
República no segundo turno das eleições presidenciais no Brasil em 2006: Luiz Inácio
Lula da Silva (ISTOÉ, n. 1928, 2006) e Geraldo Alckmin (ISTOÉ, n. 1928, 2006). No
exemplo das entrevistas com os candidatos à Presidência da República, ao enquadrar o
discurso citado dos entrevistados, os autores (jornalistas e editoria) colocam as duas
entrevistas, como também os entrevistados, em relação dialógica e, assim o fazendo,
criam um fundo aperceptivo que propicia um diálogo entre esses enunciados. Esse
diálogo aparece logo no início, uma vez que a entrevista de Lula apresenta o seguinte
título: “Sempre fui contra a reeleição”; e a de Alckmin, por seu turno, tem como título:
“O Brasil pisou no freio”. Os títulos constituem-se em trechos das entrevistas que são
capturados no momento de sua edição (trabalho estilístico-composicional). Ao optar por
tais títulos, os autores enquadram esses discursos, conferindo-lhes o tom apreciativo
desejado pela empresa jornalística. No exemplo apresentado, os autores fazem com que
8
os dois títulos travem uma briga ideológica nos moldes de campanha política, o que nos
remete a uma encenação de um debate político ao vivo, no formato daqueles produzidos
pela televisão.
Com relação ao conteúdo do discurso citado que foi enquadrado no título na
entrevista com Lula (“Sempre fui contra a reeleição”), podemos dizer que o candidato
pronuncia-se contra a reeleição porque foi no mandato do presidente Fernando Henrique
Cardoso (PSDB), do mesmo partido do candidato oponente, Alckmin, que a lei
referente à reeleição presidencial foi promulgada. Mas trata-se de um discurso que está
inserido no corpo da entrevista, com seus desdobramentos enunciativos e valorativos
nesse contexto do enunciado (o entrevistado reavaliação uma posição sua) e que é
direcionado ao leitor-eleitor; porém, quando a editoria faz o enquadramento desse
discurso, colocando-o em destaque, revela-se a entoação valorativa negativa do autor da
entrevista. É como se o autor perguntasse ao entrevistado Lula: “Se você é contra a
reeleição, porque se candidatou novamente à presidência?”. Mais do que interrogar o
entrevistado, a pergunta coloca a credibilidade do candidato em dúvida; além disso, a
pergunta focaliza o leitor, incitando-o também a fazer a mesma pergunta; nesse sentido,
a pergunta deixa de ser a pergunta de um indivíduo e passa a ser uma pergunta coletiva.
Já o título da entrevista de Alckmin, por sua vez, ataca o governo do candidato à
reeleição (Lula) quando diz que o Brasil pisou no freio, em outras palavras, aponta que
não houve crescimento econômico durante o último mandato presidencial. Podemos
dizer que esse título reforça um já-dito sobre o mandado do governo Lula, que o
desqualifica, e mostra um movimento de aproximação com o discurso do candidato
Alckmin.
Conforme exposto, essas duas falas são parte do corpo das entrevistas; mas, ao
pinçá-las dessa parte do enunciado e enquadrá-las no título da entrevista, conferindo-
lhes destaque, os autores estão realizando seu trabalho estilístico-composicional e, ao
mesmo tempo, produzindo um discurso bivocal que entrelaça a voz do entrevistado com
a voz do autor, e que concede ao enunciado pinçado um tom apreciativo de adesão ou
de distanciamento (trabalho ideológico-discursivo), por parte da editoria. No entanto,
toda essa construção ideológico-discursiva só pode ser percebida levando-se em conta a
parte presumida do enunciado, ou seja, se levarmos em consideração, conforme propõe
Bakhtin [Volochínov] (1926), o contexto extraverbal do enunciado, que, nesse caso,
trata-se de um evento valorado e enquadrado pelo jornalismo - as eleições presidenciais.
6. A VALORAÇÃO DO DISCURSO DO ENTREVISTADO
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Segundo Rodrigues (2005), cada gênero está situado em um diferente
cronotopo (horizonte espacial, horizonte temporal, horizonte temático e valorativo);
possui diferentes finalidades ideológico-discursivas e tem distintas concepções de
interlocutores da interação discursiva. O que equivale dizer que gêneros da mesma
esfera sócio-discursiva, por exemplo, gêneros da esfera sócio-discursiva do jornalismo,
têm constituição cronotópicas diferenciadas. Para este artigo, focalizou-se a análise do
horizonte valorativo/axiológico, que é constituído por índices sociais de valor.
A valoração axiológica é também relevante na constituição dos demais
gêneros jornalísticos, a saber, artigo, carta do leitor, editorial etc., entretanto, no gênero
entrevista pingue-pongue, a valoração axiológica faz com que o gênero se “movimente”
na edição da revista; pois, é a partir dessa valoração, que se fazem as escolhas mais
importantes na constituição genérica da entrevista pingue-pongue, como a escolha do
tema e do espaço (seção) destinado a cada entrevista. Assim, na entrevista pingue-
pongue, o horizonte valorativo assume um papel especial, uma vez que define questões
fundantes, tais como o “espaço” (entrevista exclusiva, entrevista de perfil, entrevista
principal) concedido ao entrevistado A, B ou C; enquanto os demais gêneros, por outro
lado, têm seu “lugar” relativamente “estabilizado” na revista.
Para identificar os índices valorativos no gênero pesquisado, a análise teve como
ponto de partida as seguintes questões: Quem são os entrevistados desse gênero?; Em
que seção a entrevista do entrevistado A, B ou C é publicada?; Quais entrevistados
compõem esses diferentes espaços de fala, algumas vezes nomeados como entrevista
exclusiva, entrevista auto-retrato, entrevista em página principal?; Há diferentes
posicionamentos (de adesão ou crítica velada) por parte do entrevistador em relação ao
entrevistado? No intuito de responder a essas questões, buscamos, no conjunto de
dados, categorias de análise que evidenciassem os índices de valor na entrevista pingue-
pongue. São elas: a) O lugar de ancoragem ideológica da entrevista (seção em que foi
publicada a entrevista); b) O papel social do entrevistado; c) A extensão textual8
(formatação da entrevista, tamanho, número de perguntas, espaço disponível para as
respostas) e, por fim, d) O conteúdo semântico-objetal das perguntas e respostas
(relações estabelecidas entre os participantes da interação, assinatura da entrevista,
8 Em SILVA. N. R. (2008), no artigo intitulado: “O horizonte axiológico do gênero entrevista pingue-pongue: uma análise da extensão textual do gênero”, apresentamos um detalhamento do índice de valor materializado na extensão textual do gênero.
10
julgamentos de valor inseridos no conteúdo das perguntas e das respostas, enfim a
valoração que “permeia” as contrapalavras dos participantes da interação).
Neste texto, a titulo de exemplificação, faremos a exposição da valoração
materializada através do conteúdo semântico-objetal das perguntas e das respostas.
Na perspectiva de Bakhtin (2003, p. 289), “Todo enunciado é um elo na
cadeia da comunicação discursiva. É a posição ativa do falante nesse ou naquele campo
de objeto e do sentido”. Para o autor, “[...] cada enunciado se caracteriza, antes de tudo,
por um determinado conteúdo semântico-objetal” (BAKHTIN, 2003, p. 289). Dessa
maneira, para que a posição do falante possa se semiotizar, Bakhtin aponta para a
existência de um conteúdo semântico-objetal na formulação dos enunciados,
determinada pelas idéias que movem o sujeito do discurso, aquelas centradas no objeto
e no sentido (BAKHTIN, 2003).
Diante disso, foi possível observar, no gênero pesquisado, uma relação
intrínseca entre conteúdo semântico-objetal das perguntas e das respostas e o papel
social do entrevistado (elemento constitutivo da “imagem” que o jornalista e o leitor
têm do entrevistado). Esse conteúdo, que compõe a totalidade do enunciado, também
semiotiza os índices sociais de valor no gênero entrevista pingue-pongue. Isso se
observa nas situações em que as perguntas que se fazem ao entrevistado apresentam-se
“umedecidas” de críticas veladas e “atravessadas” por um tom de ironia do jornalista;
outras vezes, apresentam-se “emolduradas” por um tom cerimonioso para com a figura
do entrevistado. Essa “coloração valorativa” presente nas perguntas evidencia, por parte
do jornalista, movimentos de crítica ou de adesão à pessoa do entrevistado e a seu
discurso. Já as respostas, por seu turno, revelam movimentos de defesa, através das
contrapalavras, que, algumas vezes, são “encharcadas” de impaciência por parte do
entrevistado. Todos esses movimentos dialógicos se concretizam através do conteúdo
semântico-objetal, evidenciando que o gênero entrevista pingue-pongue caracteriza-se
por ser uma interação discursiva repleta de já-ditos e de contrapalavras.
Na entrevista com a atriz Luciana Vendramini (n. 43, 2006) as perguntas
apresentam um movimento de “querer saber”, não a respeito da entrevistada, mas do
cantor “famoso” (Roberto Carlos) com quem, supostamente, a atriz teria um
relacionamento amoroso. Por se tratar de uma personalidade que já está afastada da
mídia televisiva há algum tempo, a entrevista tem como objeto discursivo o cantor e não
a atriz entrevistada. Logo, o espaço destinado a essa entrevista é bem reduzido, e o
motivo da “escolha” da entrevistada não é seu trabalho, nem algo especial que ela tenha
11
a dizer, e sim o seu suposto relacionamento amoroso com o referido cantor, conforme se
observa na seqüência de perguntas que se seguem:
(1)
1. O seu rompimento teve alguma relação com Roberto Carlos? 2. De onde você acha que vêm os boatos? 3. Vocês se falam bastante? 4. E não existe um interesse nem seu nem dele de levar isso adiante? 5. Você vai ao show? 6. Você acha impossível você e o Roberto Carlos virem a namorar algum dia?
Dessa forma, o conteúdo semântico-objetal das perguntas desconsidera a
entrevistada, atribuindo maior valor ao cantor já referido que é, na situação, a
“personalidade” alvo da entrevista. Além disso, é possível perceber, no conteúdo
semântico-objetal das perguntas e nas contrapalavras da entrevistada, um “tom" de
hostilidade. Essa atitude hostil evidencia-se, primeiramente, pela insistência do
jornalista em “arrancar” da entrevistada alguma informação que polemizasse a relação
íntima entre a atriz e Roberto Carlos, e depois, pelas contrapalavras impacientes da
entrevistada, conforme a seqüência:
(2)
E não existe um interesse nem seu nem dele de levar isso adiante? Isso você pergunte a ele. Do meu lado é apenas respeito, admiração e uma afinidade. Acho que, por eu ter me separado recentemente, as pessoas confundem. [...]
Outro exemplo de entrevista cujo conteúdo semântico-objetal das perguntas
demonstra o movimento de crítica ao entrevistado é a entrevista com a atriz da rede
Globo Carol Castro (Cf. figura 1). A temática aborda a crença da entrevistada em
paranormalidade (tema da novela na qual a atriz atuava por ocasião da entrevista). A
entrevista apresenta a seguinte chamada: “Não sou nenhuma profetisa, tá?”. O
conteúdo das perguntas está repleto de “mensagens implícitas” que evidenciam um
“tom” de crítica e ironia por parte do entrevistador. Vejamos a seqüência de perguntas,
“umedecidas” de ironia por parte da entrevistadora, e de respostas fornecidas pela atriz:
(3)
Veja: Você já fez contato com espíritos ou com seres de outros mundos? Carol: Quando era criança, via luzes e espíritos. Esse tipo de coisa que toda criança vê. Cheguei a contar à minha mãe toda a minha vida passada. Sabe que eu morei num castelo, era casada e tinha e tinha uma mãe que fumava? O nome dela era Marcela. Veja: Você perdeu esses contatos?
12
Carol: Não. Ainda tenho intuições. Mas não sou nenhuma profetisa, tá? Só temos o canal mais aberto para esse tipo de comunicação quando somos crianças.
Além das perguntas irônicas, como em “Você perdeu esses contatos?”, para
finalizar a entrevista, encontra-se no rodapé, em letras pequenas, porém legíveis, a
seguinte frase: “Carol, só falta acreditar que Lula não sabia”, o que constitui uma
atitude valorativa à “fala” da entrevistada, tentando implicitamente alimentar o discurso
vigente de que as personalidades famosas do universo midiático caracterizam-se por
futilidade e pouco conteúdo. Aqui se pode aplicar a seguinte pergunta de
Bakhtin/Volochínov (1926, p. 5): “Como o dito se relaciona com o não dito? Como a
parte percebida se relaciona com a presumida?”. Nesse exemplo, a percepção do não-
dito se dá pelo contexto extraverbal, que é composto pelos demais índices sociais de
valor (ancoragem ideológica da entrevista, extensão textual etc.). A entrevista está
“ancorada ideologicamente” na seção Holofote que, a priori, destina-se às “fofocas
sociais”, nesse sentido, o leitor já sabe previamente que, nessa seção, não encontrará um
denso “conteúdo jornalístico”, e sim uma “exposição” das personalidades que estão em
evidência na mídia.
Entretanto, não é somente a classe artística que tem sua “fala” contraposta pelo
entrevistador. Entrevistados das mais variadas esferas sociais recebem juízos de valor
por parte do entrevistador, exemplo disso é a entrevista com o milionário e autor de
livros best-sellers Harv Eker (n. 39, 2006).
(4)
1. O senhor é rico? 2. Como pensam os milionários? 3. Por que a maioria das pessoas nunca consegue ficar rica? 4. O Senhor diz em seu livro que está errado pensar em ganhar mais para trocar de carro ou comprar uma casa maior. Por quê?
Nessa entrevista, fica evidente uma característica muito própria que o gênero
tem de revelar as contra-respostas dos interlocutores, percebe-se que a pergunta 2.
“Como pensam os milionários?” é motivada imediatamente pela resposta do
entrevistado à pergunta 1. “(...) Tudo mudou depois que um amigo de meus pais, muito
rico, me ensinou como pensam os milionários”. Já a resposta um tanto simplista do
entrevistado sobre os requisitos para se ficar rico, motivou a pergunta 3, “carregada” de
ironia e descrédito por parte do entrevistador: “Por que a maioria das pessoas nunca
consegue ficar rica?”. Através dessa pergunta, o entrevistador faz um movimento de
oposição à tese apresentada pelo entrevistador, insinuando a falta de sustentabilidade da
13
mesma, pois se para ficar milionário basta pensar como um deles, por que a maioria das
pessoas não é rica? Nessa seqüência de perguntas e respostas está a característica
essencial da entrevista pingue-pongue que é o fato de a entrevista ser um enunciado
bivocal, constituído por dois ou mais enunciadores. Nessa relação dialógica e
bivocalizada, as perguntas suscitam respostas que, por sua vez, provocam novas
perguntas. Segundo Bakhtin (1998), a ironia é uma espécie de bivocalidade, conforme
verificamos na afirmação do autor:
O discurso bivocal sempre é internamente dialogizado. Assim é o discurso humorístico, irônico, paródico, assim é o discurso refratante do narrador. [...] Neles se encontra um diálogo potencial, não desenvolvido, um diálogo concentrado de duas vozes, duas visões de mundo, duas linguagens (BAKHTIN, 1998, p. 127).
Dessa forma, quando o entrevistador pergunta ao entrevistado se ele é rico
[exemplo (4)], há um acento irônico na pergunta do entrevistador, e que não pertence
somente a ele (o entrevistador), mas a todos os “outros” que desconsideram o discurso
simplista dos manuais que “fornecem dicas de como ser um milionário”. Assim, tem-se
uma pergunta acentuada valorativamente pelo jornalista, entretanto, não se trata de uma
pergunta individual, e sim social. Ou ainda, nos termos bakhtinianos, “[...] o discurso de
outrem na linguagem de outrem” (Bakhtin, 1998, p. 27, grifo do autor).
Em algumas situações, o movimento de crítica ao entrevistado pode ser
escamoteado pelo “tom cerimonioso”. Isso acontece principalmente quando o papel
social do entrevistado se sobrepõe ao do entrevistador, pois é importante ressaltar que,
na entrevista, os interlocutores possuem papéis sociais assimétricos. É o que ocorre, por
exemplo, na entrevista com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicada pela
revista ISTOÉ. Tendo em vista o papel hierárquico assimétrico (entrevistador e o
presidente da república), a entrevista é conduzida de maneira “polida”, mas ainda assim,
é possível encontrar, no conteúdo semântico-objetal das perguntas, “indícios” de
oposição ao entrevistado. Obviamente, as críticas são feitas de forma sutil, “cobertas”
por uma aura de cerimônia e respeito ao entrevistado. Tais “indícios” podem ser
verificados na seguinte seqüência de pergunta e resposta presente na entrevista com o
presidente Lula:
(5)
ISTOÉ – A partir do programa assistencialista do Bolsa Família, qual o passo seguinte que se faz necessário para a efetiva inclusão social? Lula – Digo sempre que o Bolsa Família só é assistencialista para quem vive de barriga cheia e tem preconceito contra o povo. Para mais de 11 milhões de
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famílias que passavam fome e viviam há décadas abandonadas pelo Estado, o Bolsa Família é uma salvação, é o primeiro passo para poder erguer a cabeça, garanti os filhos na escola, atendimento médico éter condições para procurar meios próprios de garantir a sobrevivência. [...].
Nessa interação, o entrevistador expressa, de maneira sutil, sua valoração
negativa ao programa social do governo. Essa valoração se materializa em uma única
palavra, ‘assistencialismo’, e, sem dúvida alguma, remete ao sentido pejorativo desse
termo, uma vez que dá a atender que ações assistencialistas não promovem o indivíduo
em sua totalidade, oferecem apenas medidas paliativas para um problema maior. Ao ser
“tocado” pelo tom da pergunta, o entrevistado responde ativamente, não à pergunta em
si, mas ao julgamento de valor da pergunta enunciada. Ou seja, a contrapalavra do
entrevistado não responde à questão feita pelo entrevistador, “qual o passo seguinte
para a inclusão social?”, mas sim ao tom pejorativo da pergunta. A resposta do
entrevistado tem como foco o acento de valor do entrevistador: “Digo sempre que o
Bolsa Família só é assistencialista para quem vive de barriga cheia e tem preconceito
contra o povo”. Dessa forma, a contrapalavra do entrevistado é investida de um “tom”
de defesa ao acento valorativo da pergunta enunciada.
Em síntese, o conteúdo semântico-objetal das perguntas e das respostas
manifesta/materializa a acentuação valorativa entre os participantes da interação, pois,
segundo Bakhtin/Volochínov (2004), o tom da interação é dado pelos participantes, em
situação bem precisa. Esse acento de valor evidencia movimentos de adesão ou de
contraposição (crítica velada) aos entrevistados por parte dos entrevistadores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos, neste trabalho, apresentar um estudo sobre o gênero entrevista
pingue-pongue, do jornalismo de revista, enfatizando dois aspectos centrais de análise:
o enquadramento do discurso do entrevistado e a valoração desse discurso.
Desse modo, demonstramos que o gênero entrevista pingue-pongue pode ser
definido como discurso citado da entrevista face a face, ou seja, um enquadramento do
discurso do entrevistado a partir de uma reenunciação da entrevista face a face. Esse
discurso citado pode ser considerado como “[...] o discurso de outrem [do entrevistado]
na linguagem de outrem [do autor], que serve para refratar a expressão das intenções do
autor.” (BAKHTIN, 1998, p. 127, grifo do autor).
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Tendo em vista que, na entrevista pingue-pongue, o entrevistado e seu
discurso constituem o objeto do discurso, a valoração axiológica se sobressai, uma vez
que esse entrevistado já vem envolvido em um “fundo” aperceptivo dos discursos
alheios. Segundo Bakhtin (1998, p. 86), o objeto (o entrevistado) “está amarrado e
penetrado por idéias gerais, por pontos de vista, por apreciações de outros e por
entonações”. Contudo, não é qualquer pessoa que possui o ethos de entrevistado; essa
“posição” é “outorgada” aos leitores que possuem uma relação assimétrica com os
demais leitores; eles são “selecionados” a partir de seu papel social, que os valida,
enfim, qualifica-os para assumir a “posição de entrevistado”.
Dessa forma, o “fio condutor” na entrevista é o entrevistado e seu discurso,
em outras palavras, o que interessa, de fato, nesse gênero, é o entrevistado, cujo
discurso, através do enquadramento feito pelo autor, é “encharcado” de valoração, é
“desacreditado”, é “contestado” ou “enaltecido”. Essa valoração dada ao entrevistado
concretiza-se através de seu papel social, que é validado pelas “opiniões” sociais, e
pelos já-ditos sobre esse objeto (entrevistado). Isso nos remete à metáfora de “discurso-
raio”, utilizada por Bakhtin (1998) para explicar a orientação sobre o objeto do discurso:
Se representarmos a intenção, isto é, a orientação sobre o objeto de tal discurso pela forma de um raio, então nós explicaremos o jogo vivo e inimitável de cores e luzes nas facetas da imagem que é construída por elas, devido à refração do ‘discurso-raio’ não no próprio objeto (como o jogo de imagem-tropo do discurso poético no sentido restrito, na ‘palavra isolada’), mas pela sua refração naquele meio de discursos alheios, de apreciações e de entonações através do qual passa o raio, dirigindo-se para o objeto. A atmosfera social do discurso que envolve o objeto faz brilhar as facetas de sua imagem (BAKHTIN, 1998, p. 87, grifo do autor).
Semelhantemente ao efeito de um raio, a atmosfera social do discurso que
envolve o objeto faz brilhar as facetas de sua imagem; da mesma forma, os discursos
que envolvem o entrevistado fazem com que os já-ditos sobre ele se intensifiquem,
tenham ressonâncias ideológicas, constituindo a imagem da “personalidade fútil”, do
“político ético ou inescrupuloso”, do “especialista” que é voz de autoridade, etc. Em
virtude disso, a valoração axiológica do jornalista na entrevista face a face, do autor da
entrevista pingue-pongue e do próprio leitor sobre o entrevistado e seu discurso aflora
de forma saliente no gênero. Trata-se de discursos outros sobre o objeto do discurso,
cujas ressonâncias ideológicas se tornam intensas e tensas.
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BAKHTIN, M. M., Questões de literatura e estética: a teoria do romance. Tradução do russo por Fornoni Bernarni et al. 4. ed. São Paulo: Hulcitec/Ed. UNESP, 1998. BAKHTIN, M M.; VOLOSCHINOV, V. N. Discurso na vida e discurso na arte (sobre a poética sociológica). Tradução de Carlos Alberto Faraco & Cristóvão Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do original russo, 1926. BAKHTIN, M. M.; VOLOSCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução do francês por Michel Lahud e Yara F.Vieira 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. BONINI, Adair. Entrevista por e-mail: pragmática de um gênero (des)conhecido ou problemas comunicativos na variação do gênero. Revista de Letras, Fortaleza - CE, v. 22, n. 1/2, p. 5-13, 2000. GERALDI, João Wanderley. In: SEMINÁRIO BAKHTIN: LINGUAGEM E SUJEITO, ENTRE A ÉTICA E A ESTÉTICA. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2006. KOMESU, F. C. Blogs e as práticas de escrita sobre si na Internet. In: MARCUSCHI, L. A. e XAVIER, A. C. (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, p.110 -119, 2005. LAGE, Nilson. Estrutura da Notícia. São Paulo: Ática, 2004. MARQUES DE MELO, José. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro. 3. ed. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003. MARTINS FILHO, Eduardo Lopes. Manual de redação e estilo de O Estado de S. Paulo. São Paulo: 1997. MEDINA, Cremilda de Araújo. Entrevista: o diálogo possível. 4. ed. São Paulo: Ática, 2002. KUNCZIK, Michael. Conceitos de jornalismo: Norte e Sul: manual de comunicação. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2002. OLIVEIRA, Ana Tereza Pinto de. (2002). O gênero entrevista na imprensa escrita e sua relação com as modalidades da língua. Disponível em: http://www.fiamfaam.br/comunicacao/projetos/inovacoes/idademidia/pdfs/art_111-116_im1.pdf. Acesso em 15 jul. 2006. RODRIGUES. Rosângela Hammes. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico artigo: cronotopo e dialogismo. Tese de doutorado. LAEL. Pontifícia Universidade Católica. São Paulo, 2001. RODRIGUES. R. H. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: Meurer, José Luiz; Bonini, Adair; MOTA-ROTH, Désirée. (Orgs.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola Editorial, p. 152-183, 2005. ROJO, Roxane. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: Meurer, José Luiz; Bonini, Adair; MOTA-ROTH, Désirée. (Orgs.). Gêneros: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola Editorial, p.184-207, 2005. SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. São Paulo: Contexto, 2003. TODOROV, Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980. VANNUCHI, Camilo. A entrevista pingue-pongue no jornalismo de revista. Entrevista concedida via e-mail em 12 set. 2006. VANNUCHI, Camilo. Condições de produção de uma revista semanal. Entrevista concedida via e-mail em 02 de fev. 2007. VILAS BOAS, Sérgio. O estilo magazine: o texto em revista. São Paulo: Summus Editorial, 1996. SILVA, N. R. O gênero entrevista pingue-pongue: reenunciação, enquadramento e valoração do discurso do outro. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2007. SILVA, N. R. O horizonte axiológico do gênero entrevista pingue-pongue: uma análise da extensão textual do gênero. Working Papers em Lingüística, Florianópolis: n.9, v. 1 p. 21-37, 2008.
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